Poesia Antiga

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Edição da Autora 2023

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As imagens utilizadas como elementos gráficos nas colagens foram livremente usadas a partir de arquivo pessoal de recortes, reunido ao longo do tempo, sem registro das fontes. Caso alguma delas possua direito autoral específico, a autora solicita entrar em contato pelo e-mail seguinte, ressaltando que a presente obra não possui nenhum fim comercial.

E-mail para Contato: marciabarrozo57@gmail.com

Márcia Madeira Barrozo

Poesia Antiga a

Pandemia… Noites de insônia e o prazer de reescrever muitos rascunhos.

Cores, imagens, pincéis e papéis também por companhia.

E acima de tudo, o incentivo, ainda que à distância, dos bons amigos.

Especial gratidão à professora Fabiana Hilário e a todos os que participam do democrático grupo de leitura e escrita coordenado por ela, em difusão cultural dirigida às pessoas com mais de sessenta anos, pela PRCEU – USP.

Graças a essas trocas e incentivos preciosos é que algo a mais àquilo que permaneceria fragmento – disperso em meio a cadernos, caixas e gavetas – pode ser modelado.

Também, o meu agradecimento – sem tamanho! – à incansável Fernanda que, junto a Hahnemann, cuidou de mim.

Novembro, 2021.

Dois cantos ao Amigo

I

No amigo, algo de mim resistirá Algo que em meio ao cansaço Poderei reencontrar. Recordar.

O amigo me fará acordar algo meu

Fundo. Verdadeiro.

E assim fiel

Mesmo em meio ao desencanto Poderei criar um outro recomeço.

II

O amigo procurou Mas não sabe a palavra. Posso adentrar seu silêncio

E encontrá-lo junto a uma raiz já morta.

Nenhuma utilidade perpassa

O movimento do amigo

Ou o meu.

No encontro, o brinde.

Dos olhos.

Livres assim,

O amigo com quem partilho novos começos Agora sorri

E a si também reinventa.

♦ ♦ ♦

O menino sírio

Na praia, o menino poderia brincar

No vai e vem das ondas.

Mas, no corpo pequeno

A inocência já é sono frio de areia.

Nos olhos que o menino leva

A rua, a bola, a casa.

Nas mãos, algas verdes

Não mais pão.

Na pele anóxica

Ainda o afago da mãe perdida.

A noite dos homens engole o menino

Não o mar…

E na história que não finda

Seus irmãos inda irão roçar fuzis

Rasgar os pés nos descaminhos todos

Cercados todos de aços reluzentes ao sol.

E como não podem ir pra Marte Insistem

Persistem

Teimando alcançar

A terra jamais prometida.

♦ ♦ ♦

Prece

Ao Menino que a Noite do Tempo esvanece.

Cosmos.

Benthos.

Abismos de céu e mar.

Escorre mais fundo toda Água.

Sobe mais alto todo o Vento.

1977

"Há perigo na esquina" Belchior

Querido amigo

Desdigo andar perdido.

Antigo amigo

Comigo mostrar-se aflito?

Contido amigo

Consigo dizer – Perigo!

Amigo ungido

Maldigo o horror vivido.

♦ ♦ ♦
♦ ♦ ♦

Quatro elementos

Como um peixe Engole o ribeirinho, Bebo silêncios.

Como o verme sem olhos Perfura a terra, Mergulho escuros.

Mas, luto Pra que na asa rasgada Permaneçam amanhecer e vento.

Um novelo delicado

Que o fio da lógica não tece.

Ao mundo vasto

Um poema é messe.

Um poema que a si faça

E em fluidez de rio

Envolva àqueles que não se sabem poetas.

♦ ♦ ♦
♦ ♦ ♦

Lençóis Brancos

I

Exercitei-me ao bisturi da lógica

E desgarrei traduzir a poesia

Dos lençóis brancos

Torcidos ao tanque

Severamente por minha avó.

E, no depois, Estirados ao beijo dos ventos. II

O anelo de como se nos dá o Tempo Devolve-me o momento

Em que prensavas entre ferro e mesa Lençóis brancos.

Ainda sei virem de lá, perfumes de sol.

Ainda sei os sinos da Ave Maria

Ainda te sei, mãe, afoita por equilibrar

A rima ordenada dos panos

Das pernas e braços vazios

Dos lenços já limpos. E secos.

♦ ♦ ♦

Brinquedo

Te percebo

Íntimo

E intimo

Dizer-te:

Perto! Reconserto

Em mais ser

Sonoro

E elaboro

Um reverso

Discreto.

Mas, último, Ultimo

O adverso...

E arrisco

Um outro verso

Emerso.

Inda arisco

Inquieto

Transverso.

♦ ♦ ♦

Sem receita

Poesia não tem receita!

Mas pode ter estrela

E delicadezas assassinas do cansaço.

E àquilo que no olho explode Como não dá pra todo dia tomar um porre Procura abrigo em ‘is’ de apoio tímido.

Microscópio pra vazios pequenos Unindo eco e silêncios.

Falido lirismo?

Luta. Luto. Anacoluto.

Só brinquedo.

Com ou sem enjambements

Ela tem cheiros de macela.

Ou gosto de canela

E maçãs.

♦ ♦ ♦

Água. Hera

I

Na casa de mim

Recriei paredes brancas

Noutras, deixei crescer a hera.

No quarto amarelo

Sempre flor, fita, linho.

No quarto sem janela

A grande arca de quimera.

II

Veio

Em chuva triste

E insiste cinza o tom dos dias.

Recolhe

A si em meio a hera, musgo

Limo; desvãos da pedra.

Escorre

Em fio não visto...

Escuro avesso da terra.

Mas eis que em novo anseio

Atinge, enfim, o rio

Por outro

Veio.

♦ ♦ ♦

Azulão

Azulão que canta e avoa

Batendo as asas no céu...

Rebate aqui no meu peito No coração rapidinho

Uma tristeza sem jeito Num curimbó tão sozinho.

Batendo luz na janela

Batendo a chuva na rua

Batendo o vento na vela E essa tristeza que sua Como se ao sol estivesse Abatida, a alma nua.

♦ ♦ ♦

Três poemas insones

I Noite

Em que divago insone...

E me faço concha de abalone.

E sou mar!

E sou a concha lenta

Atravessando seus estratos.

Algas.

Limo.

Lodo.

O silêncio, então, escuro

E no espaço fundo

De vagar

O sono.

II

Navego-me azul

E salto onda e céus.

À deriva, por onde iria?

Se o dentro ao imenso enlaça

A estrela-guia,

Naufraga-me, então, Estrela!

Naufraga-me em sono fundo

Enamorado só de calmaria

III

Pendor

Pêndulo?

Relógio de Vento

Lento, lento

O sono?

Tento

Tempo, tempo

A dor?

Contemplo

Templo, templo

O sino?

Alento.

Pendor Pêndulo

Re-ló-gio…de…Ven…to…

♦ ♦ ♦

Sou ilhas de ir

E esquecer.

Trilhas por abrir

E arrefecer.

Mapa em mosaicos de areia...

E, no quase eterno que o granjeia, Quartzo hialino

Que a água fria acaricia e beija.

♦ ♦ ♦

Poemeto imitando Marc Chagall

Argonauta do sonho, Num cavalo azul Alcancei céus.

Centauros. Naus. Clorofíceas, hipocampos...

O Aberto espera.

E se em manto, cauda e laço Rendilhei conchas e algas iridescentes Foi porque todas elas faltavam às estrelas.

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♦ ♦ ♦
num canto escuro um poema
♦ ♦ ♦
1994 – Cinco de Maio Morre o Poeta. E a poesia das coisas Fica à espera de outros olhos.
pequeno
Chora

“Uma gaveta vazia é inimaginável”

Sempre haverá uma gaveta de fitas, retalhos.

Guardiã do brinco perdido.

Das cartas não escritas.

Beijos e silêncios.

E risos e abraços que seriam.

Uma gaveta para as coisas afeitas às mãos bem pequenas.

À promessa inocente e primeira.

Solidão desenhada a pena e nanquim.

Gaveta das pétalas pisadas.

E folhas consteladas no chão.

Ninho de minúcias

Inúteis! – diriam.

As minúcias lentas da infância

E dos amores nunca findos.

E onde qualquer aparente vazio Jamais será o Nada.

Gaston Bachelard
♦ ♦ ♦

Poesia Antiga

Num papel qualquer Desenho símbolos.

Eco Ritmo...

Que poderão depois chegar A sinapses distantes.

Talvez –

Quem o sabe! –

Se por difuso ou preciso sentido Não se façam Brinde e vinho?

Ou ainda

Como na origem Em mesa posta Bom alimento.

♦ ♦ ♦

Cecília

Cecília a olhar

Cecília a olhar os homens.

Em vários cantos do mundo, Cecília.

Cecília a perscrutar o passado.

Numa arqueologia do sonho

Do medo, das sombras.

Cecília só entre os homens.

Os homens nus na devassa funda e terna

Dos olhos verdes de Cecília.

♦ ♦ ♦

Lente

Não sei dizer consolos. E a ninguém sei dizer Deus.

Ainda que ao risco de mostrar-me rasa Incrédula

Ousaria evocar brilhos da chuva Ventos no capim.

Mas, não sei dizer consolos. E a ninguém diria Fé.

Previsível, poderia amealhar Aquarelas de amanhecer

Zum-zuns de jardim.

No canto de alguma espera Um verso de Bandeira...

Cálido.

Porque digo Pedra.

Mas como não sei dizer Dor Não sei dizer consolos.

E como dizer Dor???

A Dor definindo o vivo.

E como Dor, todo Espaço.

E enquanto Dor, todo o Tempo.

No mundo senciente, Senhora!

Não saberei dizer consolos

Porque só posso, no escuro do silêncio, Engendrar um olho amarelo no qual flutuo

E mão a mão, dentro dele, Criar um breve abrigo.

Mas, prontamente –Não espere!

Porque não sei dizer consolos.

♦ ♦ ♦

Rede Passado mudo.

Química memória.

Raízes tantas.

Caule, ramos – aqui fora.

Qual árvore

Saber sombra

Saber luz.

Na esfera azul

Flor e limo e humo.

Hifas mais longas.

E o fruto doce.

Fecundo.

♦ ♦ ♦

Um Francisquinho

Jesus Cristinho! Um Francisquinho!

Não de Assis nem de algures

Brinca entre os carros.

Pula mula. Pirueta.

Cabra-cega

Sob a garoa, assombração.

"Jesus Cristo, me valha!"

Sinal da cruz: "Deus me livre!"

Cachecol de baba

Pé cascudo no asfalto

Soma ao vento mais rodopio.

Desvia ônibus, carro, bicicleta

Desvia olhar.

Um Francisquinho, Jesus Cristinho!

Brinca entre os carros…

Em meio a chuva

Pragueja contra o capeta.

E gira fantasma. Furacão.

Nas mãos tanto folheto

E num segundo, tudo asa no céu…

Jesus Cristinho, meu Francisquinho!

Pé cascudo e surrão.

Sobrevoado, afinal, Por infinitas pombinhas brancas.

♦ ♦ ♦

A incandescência do sonho Subia ao céu como lâmina vermelha.

E o sonho, agora, é massa ígnea do nada.

Na rosa bruta das cinzas Os vestígios do tão pouco.

Um clarão de madrugada Sobrevoa a ocupação incendiada.

Bicho algum da noite

Apresentou-se ao inventário do dia.

Rápido demais desistiu Dos fantasmas seus.

E também dos sonhos.

Desgarrado de todos os silêncios soberanos Desistiu da poesia sua.

♦ ♦ ♦
♦ ♦ ♦

No caminho

Seguindo na calçada a vi Sentada pouco à frente

Sentada num degrau de gelo Como sobre o fim do caminho.

E não ousaria erguer-se Sequer os olhos.

Ossos de chumbo

Alma vidro estilhaçado Cacos pra ninguém.

A seu lado, a mala pequena Arrastada de esquina a esquina

Marquise a marquise –Rescaldo da derrota.

A derrota reafirmada

A cada interminável segundo seguinte.

♦ ♦ ♦

Praça em curva.

O canteiro e suas árvores altas Margeado por avenidas.

Tenda.

Vassoura

Latão

Cadeira

Alinhados.

Saindo do abrigo, abre os braços.

A si distende e gira.

No seu mundo, gira.

E grita aos que passam:

Livre!

♦ ♦ ♦

De avental

Vai como carroça

Puxada pela poodle neve Que tem fru-fru vermelho nas orelhas.

Natal igual a todo dia.

Quando criança cismava se as coisas se sabiam.

Secando meus cabelos castanhos Eu me sabia ao sol.

Mas, saberiam a si os lençóis no varal A vassoura amassada e suja?

Poço. Abelhas.

As formigas pretas

E os trevos com flor?

♦ ♦ ♦
♦ ♦ ♦

Transfinitos

I

Folhas de uma árvore contaria?

A cair e a crescer, as folhas de uma árvore.

Transfinitas! Qual Cantor cogitou.

Atravessando a noite numinosa

Se incontáveis caminhos percorro

Transfinita também sou?

II

Pouco antes dos horrores últimos

Onde estancou – petrificado –

O anjo do menino morto?

III

Quis dizer Medo

Mas só lembrou daqueles olhos.

Negros como as noites sem lua Os olhos sem fim Da menina afegã.

IV

Foi com Wenders que aprendi Respirar bem perto Dos anjos estropiados. Cansados.

Despencados do céu.

♦ ♦ ♦

Oriente - Haicais

I

Shiva e sua dança

Destruindo e recriando Ordem e entropia.

II

Esta minha face

Antes que a tivesse minha? Todas. E nenhuma.

III

Bem desfaço laços

Em traço negro nanquim...

Zen aqui em mim.

IV

Volta ao oceano

A leve gota que um dia

Eu chamei por Mãe.

♦ ♦ ♦

Caetanear você precisa

E a multidão de ressentidos

Tão bem vestidos

Tomou a rua.

Eu sei que é assim

E com seus medos e recalques invertidos

Caminhando com o vento Com lenço e com documento

Crédito e passaporte no bolso Vociferaram

– Não na Língua minha!

Outras palavras de ordem.

Da ordem plana. Asséptica.

Branca e dourada estética.

Calaboca já fora dos calabouços.

Baby...

Eu sei que é assim!

E tão menos o esforço do pensar

Pra reinaugurar aquela tal ‘História’

No gozo de esviscerar verdades e memória.

Só Pátria.

Sem Mátria.

Jamais Frátria.

‘Armai-vos uns aos outros’

É o que se lê então nas camisas

– Não na minha!

Mas do pai. Da mãe. Do avô.

E da menina.

Baby, Baby!

Ohhhh, Baby...

Eu sei que é assim.

♦ ♦ ♦

Memento

Com Thiago de Mello

O tempo construiu meus olhos

Ao som do violão; da flauta. Guitarra.

Caymmi. Pixinguinha.

Beatles. Woodstock.

Banda. Tropicália.

Menina nua sob as nuvens de napalm

Gingles... Margarina.

O tempo construiu meus olhos...

E a TV querendo me dizer quem sou

Lá no fundo de minhas retinas.

Hino.

Hienas.

Herzog.

O sangue colorindo celas.

Camões hibridado à notícia.

Fora JARI - denunciado em muro.

O tempo construiu meus olhos.

E ontem e agora, mantenho o canto.

Mantenho.

Porque os homens – Cuidado!

Inda fazem muito escuro.

♦ ♦ ♦

Antítese

Velhos meus ossos Que resistem.

Velhos meus cabelos Que brilham sem melanina.

Velhos meus olhos Que bem veem.

Velhos meus esforços De inda bem querer bem.

Velhos os papéis em que escrevi Sonhos ainda novos.

Amores velhos, paixões vividas Em meu coração inda esgarçando a fibra.

Velhas as incertezas sobre o mundo Cerzidas de esperança.

A esperança

Que reinvento em gota.

E em chuva miúda refaço.

E sobre velho jardim, dia a dia, revigoro.

♦ ♦ ♦

Selene

E ser Iara. E o rio solene.

E o remanso em cor de prata.

Ser Jurema e Jasmim

E todas flores cheirosas e brancas.

Ser as águas que transbordam

Marés. Hemorragias.

Sementes a germinar. Partidas silentes.

Leite nos seios.

Hepáticas pequeninas

Musgos tão delicados Úmida alma. Úmido grão

Raiz e hifas a brotar unindo.

Seiva e sonho confluindo.

Na exuberância, ninho no espaço. No declínio, escuro chão.

Esfera. Matriz do que não se revela.

Selene! Branda Anima.

♦ ♦ ♦

"Amj'kin" – Alegrar-se

Aos Krahô

Com o milho, o crescer.

E ser – com tanto!

Belo. Ereto. Dadivoso.

Grão vermelho, amarelo.

Cor do Sol. Cor da Nuvem.

Qual céu da Noite, Milho tão pretinho.

O milho a colorir roça e ribeirinho.

Flor d'água junto à pedra.

Vento enlaçado à palmeira.

Do velho à criança

Toda semente é presente.

Presente da Mãe-Estrela.

Com a terra, ser é ser inteiro!

Saber Ser é Resistir!

Na ciranda da casa

Na beleza do roçado, Homem com Milho.

Céu de Estrela com Cerrado.

♦ ♦ ♦

Se Flor!

Azálea.

Calêndula. Camélia.

Gérbera. Ciclame.

Begônia. Gerânio.

Hortênsias e gardênias.

Íris. Amarílis.

Lavanda. Rosa.

Alamanda.

Lírio.

Hibisco.

Magnólia.

Verbena. Torênia.

Tulipa.

Agapanto!

Perfeito amor?

Beijo partido.

Perpétua...

Prímula.

Aonde for, Flor.

E se mais for

Flor que assim mais seja!

♦ ♦ ♦

a Edição dã Autorã

2023

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