Octopus #1

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Octopus


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VENDIDO MÁRCIO MOREIRA E TALLES RODRIGUES vendido Alguém $$comprou um zine$$! Rá! Mais um leitor! Já paguei a cerveja de hoje.

Espero que ele goste. Ele vai gostar. Né? Tomara que ele não perceba aquele errinho na página 20

E aquele da página 2. E na capa. Na quarta linha do terceiro parágrafo da página 27. e que Eu sou uma fraude!

Moço, por que você tá me dando ESSE dinheiro? Pára com isso, tem gente olhando!

Quer saber? Me passa logo, antes que você mude de ideia

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Ainda tenho tenho que que pagar pagar a a Ainda gráfica, você você sabe sabe como como é. é. gráfica, Dá o o maior maior trabalho trabalho fazer fazer Dá essas coisas. coisas. essas

E E olha olha só, só, o o livro livro é é até até bonito bonito mesmo. mesmo. Às Às vezes vezes eu eu sou tão sou tão inteligente. inteligente. É, deu deu um um trabalho trabalho da da É, porra. Acho Acho que que tô tô porra. vendendo muito muito barato. barato. vendendo

Vou pedir pedir Vou outra outra cerveja. cerveja.

Nada, Nada, eu eu que que agradeço. agradeço. Brigadão, Brigadão, hein? hein?

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Meu

Primeiro Amor foi o

Metal

Márcio Moreira Iluminuras: Débora Santos Palavras:

Sempre ouvi Angra escondido Do meu pai, que era pastor, E usava preto no domingo Pra chatear o bom Senhor. Meu pai dizia que rock, Coisa do cão, não era pra mim. E eu chorava e berrava do quarto: “Foi Deus que me fez assim!” A noite, entre as lágrimas, Enterrada nos travesseiros, Eu sonhava com meu príncipe Tão encantado, mega maneiro. Sonhava com um namorado, Um headbanger super tr00 Que parecesse o Ettiene, Vocal do Children of Doom. E foi então que eu conheci O meu primeiro grande amor Num baile, sábado à noite No Colégio São Salvador.

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Seu nome era Marquinhos E era um jovem metaleiro. Camisa preta, longas madeixas, No face, Mark Didio Carneiro.

O rosto cheio de espinhas, Repleto de charme e de pus, Combinava com a camisa Do Festival de CrateĂşs.

No braco, uma tatuagem Com aquele A de anarquia Que ele mesmo havia feito Na aula, com canetinha. Tinha pulseira de espinhos, Corrente, trĂŞs fios de barba. Talvez fosse atĂŠ gatinho Debaixo da cabelada.

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Ele chegou meio sem jeito Me olhando enviesado, Talvez fosse muito tímido Ou só estivesse engasgado. Mas Marquinhos não sabia Que já tinha o jogo ganho Como não cair de amores Por um cabelo desse tamanho? Conversamos quase nada, Ele tinha poucas palavras. Uma que não conhecia Era “concessionarizada”. Então, na segunda tentativa, (a primeira foi no nariz) Marquinhos me deu um beijo E eu nunca fui tão feliz!

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“Eu te amo”, ele me disse E me deu até um branco. Esqueci todas as rimas, Respondi: “Te amo tanto”

E bem ali ele se foi, Com os satanistas fajutos. Marquinhos, meu grande amor Que só durou trinta minutos.

E não uma, mas três vezes Nossos lábios se tocaram. Podia ter rolado língua, Mas os dentes não deixaram.

E essa foi minha balada Cheia de dor e de mágoa. Marquinhos se foi, me deixou Pra jogar Vampiro: A Máscara

Porém, passado o encanto, Finda a coisa da paquera Marquinhos me olhou e disse: “Vou ali com a galera”.

Mas agora estou refeita, Estou pronta pra outro embate. Afinal, já faz seis dias E sempre tenho o Edu Falaschi

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Madrugada “Pensa. Tudo o que fica da gente. Os bytes ou sei lá”.

“Agora pensa nas fotos e posts. As cartas que a gente deixa depois que morre”.

“Antigamente as pessoas escreviam cartas. Assim que a gente sabia como elas pensavam”.

Tentei dizer que não existia isso de morrer. Que ela viveria para sempre. Mas deixa.

Brendda Lima e Márcio Moreira

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“Quando eu morrer, alguém vai fuçar meu Facebook. Pode até ser você”. Podia.

“ Fra Aí e nk u v S gu em do iro er I a mo ra, a pa nsta Ann nte ma rte gra e de s co da m. ga m tos um ”.

“O eu-pessoa não vai importar mais. O eu que escova os dentes e estuda pra prova e varre a casa”. “A posteridade não liga para quem escova os dentes. Só vão ficar as cartas”. 15


“Mas não as cartas que a gente escreve. As que a gente vive, nas fotos todas. Nos bytes todos. Ou sei lá”.

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“Tem o eu-pessoa e o eu-depois-da-gente. Todo mundo vive pra sempre, flutuando por aí de um jeito ou de outro”. “Eu acho... que eu não sei mais o que tô tentando dizer”. Consigo escutar seu sorriso pelo telefone. Queria que estivesse aqui. Queria contar, também, mas esqueci como. Ela riu de sabe o quê e continuou falando. E eu continuei ouvindo

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-Cara, isso não vai dar certo! -Tô dizendo, má. A gente vai, pega a grana e some! -Roubar, cara... E se pegam a gente? -Pega nada. Só o que tem é ladrãozinho de bicicleta. A gente desce ali a avenida, não tem ninguém conhecido. Não acham a gente nunca! -Sei não... -Deixa de besteira! A gente pega uma mulher aí sozinha, leva a bolsa e pronto. Depois foge de bike, não precisa nem de arma. Dinheiro fácil, má! Tu vai poder comprar o que quiser! -... -Certeza, cara! -Tá bom, vai. *** -Anda, minha senhora, dá o celular, isso é um assalto! -’Bora, ‘bora, perdeu, perdeu! -Passa a bolsa, anda logo. Sem gritar, senão leva bala! [Fogem de bicicleta] -Caralho! A gente conseguiu! -Não falei? Não falei? Facinho! Olha quanto tem aí! -Égua, tem uns cinqüenta conto. Mais o celular... Um monte de documento, uma ruma de cartão... Deve ter uns quinze. -Porra de documento. Joga por aí, depois a velha acha.

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-E agora, quê que a gente faz? -Vamo se esconder na tua casa, aí a gente divide o dinheiro. -E o celular? -Tem um amigo meu que vende lá na Feira dos Pássaros. Tem erro não. -Tem perigo não? -Quê que eu te falei?! O Ronda nem passa nessa rua. A mulher vai ter que ir na delegacia, só sai de lá amanhã. -Se tu diz... -Ah, droga! -Ei, ei, ei!!! Que porra foi essa? -Quebrou a corrente da bike. -Que merda! -Ela já tava frouxa. Sai daí pra eu arrumar. -Caralho, má. Como é que tu vai assaltar numa bicicleta quebrada? -Tá quebrada não. Péra aí que eu tô ajeitando. -Mas vai logo, que eu não quero ficar segurando essa bolsa no meio da rua. -Tá com medo de parecer viado, é? Hahaha! -Deixa de baitolagem. Eu não quero é parecer ladrão! -Ô bicho mole! Ninguém vai pegar a gente! É só não aparecer aqui um tempo e tá limpeza. Num instante esquecem a gente. [Chegam outros dois homens, também de bicicleta.] -Ei, vocês tão precisando de ajuda? -Não, já consertei, valeu. -Beleza, então passa a bike!

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-Como é? -Passa a bike! E essa bolsa também. Celular, tudo! Anda! -Mas... -Mermão, tu é surdo? Isso aqui é uma arma! Dá logo a bicicleta e a bolsa! -Cara, dá logo tudo. Ele tá armado! -Tá, leva. [Os dois assaltantes somem, cada um numa bicicleta] -Olha aí, cara, olha aí! -Quê, má? Não é culpa minha, não! -Claro que é! Fui acreditar na tua nóia, taí! Fiquei sem dinheiro, sem celular, sem bicicleta... -Se não fosse esses merdas... -Como que não é, porra? Se não fosse tu com tuas idéia! E se a polícia me prender? Vou dizer que fui assaltado. Vou ser preso depois de ter sido assaltado! -Pára com isso, ninguém vai te prender. -Agora tu vai ter que me pagar! Como é que eu vou contar isso pra mainha? Roubaram a bicicleta! Eu nem devia estar desse lado do bairro, todo mundo sabe que é perigoso... -Muito assaltante... -É! E agora? -Agora nada, a gente perdeu. Só o que tem aqui é ladrãozinho de bicicleta. Não vão achar aqueles dois nunca. -Porra. -Ladrão é foda. Márcio Moreira 20


Mirim, originalmente intitulado “Assalto”, foi escrito em 2007, baseado em histórias reais ou muito bem inventadas da Aerolândia, bairro onde moro. Foi o primeiro conto que submeti para uma revista literária, no caso, a Caos Portátil. Ele foi aceito para publicação no volume seis. A revista foi cancelada no número cinco. Anos depois, recuperei o conto para um trabalho final da disciplina de Narrativa e Dramaturgia do curso de Cinema da UFC. Precisamos de um argumento, esse conto tem diálogos, claro que é um roteiro. Tá praticamente pronto. Não é assim que fuciona?

Não era. A história de dois moleques que decidem cometer um assalto de bicicleta foi adaptada por mim em parceria com João Carlos Bento Filho, sob orientação do professor Marcel Vieira, para o roteiro de curta-metragem Mirim. Tiramos nota 9,0. Em 2013, recebemos o prêmio de Melhor Roteiro de Ficção no XX Prêmio Expocom. O curta nunca foi produzido, apesar de ter um storyboard do então jovem artista Talles Rodrigues que pretendo leiloar algum dia. Essa é a primeira vez que o conto original é publicado.

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netuno.press fb.com/netunopress netunopress@gmail.com

Netuno Press Netuno Press é um coletivo composto por Brendda Lima, Débora Santos, Márcio Moreira e Talles Rodrigues. Os quatro pares de braços formam os tentáculos de um polvo cheio de tinta que produz quadrinhos, fanzines, ilustrações e outros impressos. Cada um traz também seu estilo único de pensar arte, transitando do mangá ao pop e trazendo do fundo do mar (ou de outro planeta) as melhores invenções de papel.

Brendda Lima vanillatre.tumblr.com Débora Santos fb.com/drebasantos Márcio Moreira marciomoreira.org

Talles Rodrigues tallesrodrigues.tumblr.com


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