A arte em dois mundos

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Marcise Mendonรงa Vital Francisca Maia Mendonรงa (orgs.)

A ARTE EM DOIS MUNDOS

Recife-PE 2007


Copyright © by Marcise Mendonça Vital Francisca Maia Mendonça Impresso no Brasil Printed in Brazil Diagramação Marcise Mendonça Vital Capa Ana Creuza Fischer Magalhães Revisão Mari Noeli K. Tapachino Ficha catalográfica Setor de Processos Técnicos da Biblioteca Central – UFRPE

A786 A arte em dois mundos / Marcise Mendonça Vital, Francisca Maia Mendonça (orgs.). — Recife : EDUFRPE, 2007. 183 p. : il. Inclui índice ISBN 978-85-87459-45-9 1. Mendonça, Márcio Maia, 1949 - 1998 - Biografia 2. Arte Sacra 3. Cusquenhos 4. Surrealismo I. Vital, Marcise Mendonça ll. Mendonça, Francisca Maia CDD 920


Agradecimentos No processo de organização deste trabalho, contamos com a colaboração de muitas pessoas, a quem somos gratas. Agradecimentos especiais a Lígia Remígio, Frei DomingosTeixeira Lima e Waldy Sombra, que ajudaram a localizar diversas obras em Limoeiro, Fortaleza, Aracoiaba e Guaramiranga e contribuíram com a construção de uma memória iconográfica sobre a obra de Márcio. Algumas dessas obras foram fotografadas por José Lima, a quem agradecemos. A Maria Yara Maia Garrido por todas as sugestões que tanto ajudaram a melhorar este texto.



“Ninguém melhor que um artista para levar o nome de sua terra aos confins do mundo. Tudo passa: atos, palavras... até mesmo certas edificações dão lugar a novos empreendimentos. Porém uma obra de arte desconhece o tempo, desrespeita os limites das gerações e, junto consigo, leva ao longo dos séculos o nome do seu autor e de sua terra natal” Társio Pinheiro



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Prefácio A criação é, na essência, o grande atributo do gênio. Diferencia-se ele dos demais viventes pelo talento e pela inspiração. Considerações que tais nos levam à assertiva de que Márcio Mendonça foi um gênio. Não é difícil encontrarmos um pintor, um pianista, um escultor. O fenômeno está em coexistirem em uma mesma pessoa essas faculdades, como em Márcio, que as esbanjava. De suas mãos, surgiram paisagens, anjos e santos, como um milagre divino. Pinceladas rápidas e firmes traziam para a brancura das telas a policromia dos artistas neoclássicos e barrocos. Seus trabalhos não se confinaram às paredes religiosas da Igreja do Coração de Jesus, em Fortaleza. Ganharam o mundo e ornamentam hoje salões de França, Suíça, Alemanha e de outros países. De suas mãos, renasciam Mozart, Tchaikovsky ou Beethoven, com todas as nuanças e espontaneidade impressionantes. Em suas mãos, o mármore, a pedra, o barro e o cimento ganhavam formas perfeitas e irretocáveis. Os dedos de Márcio Mendonça não foram apenas dedos, foram canais pelos quais, aos borbotões, corriam torrentes de inspiração artística. Muitas foram as ocasiões que marcaram a nossa convivência. Como aluno, Márcio bebia as nossas aulas de Relações Humanas, no Colégio do Pitombeira, como se estivesse com muita sede. Concentrado, os olhos arregalados denunciavam a aceitação do que o mestre lhe oferecia e aos seus colegas. Dele recebi, em Fortaleza, valiosos presentes, como objetos sacros. Certa vez, adentrou o nosso apartamento, uma tela nas mãos. Era um presente para Júlia, minha mulher. Em inúmeras tonalidades verdes, o Véu de Verônica, hoje, encanta a quem vai ao nosso rancho em Guaramiranga. Márcio sempre foi assim, quer conosco quer com os seus amigos: preferia oferecer a receber, prova eloqüente de sua grandeza de alma.


8 Algumas vezes, como convidado, esteve em Icaraí. Sua alma vibrava, vendo a casa de linhas de carnaubeira, trazidas do Sapé, decorada pela prensa-de-cera e a balança de pesar algodão, também de lá. Em plena praia, podia respirar Limoeiro e isso era tudo para ele. Umas três semanas antes de ir pintar arco-íris no céu, em sua calçada, em companhia do violonista José Maria Gadelha, Márcio mostrou-nos os originais deste trabalho. São fragmentos de sua vida irrequieta, flashes de sua curta existência, páginas de serenidade em que evoca o chão que lhe serviu de berço, o amor à família e aos amigos que o apoiaram e as suas andanças desde as tabas indígenas do Maranhão ao outro lado do mundo, a Tailândia. Essas memórias, Márcio tencionava publicá-las em vida, mas o tempo assim não o quis. Diante disso, Francinete e Marcise, num preito de admiração ao filho e ao irmão, respectivamente, reuniramnas à saudade e, aí estão, simples na linguagem, mas ricas nas emoções e no conteúdo.

Waldy Sombra


1 “EU ERA FELIZ E NÃO SABIA”



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Notas

Escrevi este texto sem me preocupar com recursos técnicos de estilo ou esmero de literatura. Apenas tive a intenção de relatar as minhas saudosas memórias. São elas a descrição de meu sentimento nostálgico em relação a tudo e a todos que marcaram a minha vida e que até hoje guardo como relíquias em minha lembrança. A veneração, o entusiasmo e a reverência que apresento neste livro têm como sentido, único e predileto, homenagear o que fez e ainda faz parte de minha existência. A homenagem é restrita as coisas bonitas e sãs. Os acontecimentos que aqui aparecerão em pauta são narrados de maneira sublime, com a maior dignidade. Consagrei com muito amor e carinho, episódios simples, que hoje roubo do genial compositor Ataulfo Alves: "Eu era feliz e não sabia" Márcio Maia Mendonça



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QUADROS DA INFÂNCIA Terra natal Limoeiro do Norte, cidade do interior do Estado do Ceará, 2 situa-se no Vale do Jaguaribe. O município, de 771 km , tem uma população de aproximadamente 45 mil habitantes e uma vocação para o comércio e a educação. Em 1938 foi elevada sede de bispado e teve como primeiro bispo diocesano Dom Aureliano Matos. Como setores mais desenvolvidos, ressaltam-se o comércio e a educação. Foi nesta cidade que, no dia 13 de fevereiro de 1949, às 13 horas, nascia uma criança de sexo masculino, que teve como nome de batismo e registro civil, Márcio Maia Mendonça. Seu pai chamavase Fausto Mendonça e sua mãe, Francisca Maia Mendonça, conhecida por dona Francinete. Trato justamente de meu nascimento. Nasci deste casal modesto e simples, que gozava de prestígios na cidade. Na época, o vigário geral e paroquial era monsenhor Otávio de Alencar Santiago, pai adotivo de meu pai e, desse modo, muito o ajudou na criação e formação de seus filhos, que eram considerados por ele como seus netos. Meu pai foi funcionário público municipal e, depois, da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, onde exerceu o cargo de Coletor Estadual, em várias cidades circunvizinhas a Limoeiro do Norte. A minha mãe concluiu o curso Normal Rural pouco antes de meu nascimento, e muitos anos após, veio a se graduar no curso superior de Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, tornando-se professora desse estabelecimento durante muitos anos. Como primeiro filho do casal, e considerado neto do padre, tive toda a infância dividida entre a casa de meus pais e a do Monsenhor, sob os cuidados das piedosas mulheres que ali trabalhavam. Desabrochei minha infância no convívio de padres, freiras, associações pias e irmandades religiosas. A residência do Monsenhor era uma casa grande, ao estilo do início do século, e uma espécie de sede de toda a comunidade eclesiástica da Diocese. Era comprida e de teto alto, quadros sacros nas paredes e algumas imagens sobre os móveis, tornando-se assim um ambiente místico.


14 O monsenhor Otávio era altamente intelectual, proveniente de uma das mais tradicionais do Ceará, os Alencar. Era um padre conservador e muito virtuoso. Tinha a estatura pequena, meio franzino e de temperamento muito forte. Fumava bastante. Era devoto de Nossa Senhora e tinha um verdadeiro zelo pelo Sagrado Coração de Jesus. Parecia até antagônico, mas era um homem simples que se apresentava com grande imponência e vaidade. Em sua indumentária, constavam os botões vermelhos em sua batina e usava um barrete preto contornado de um vivo carmim, ornado por um frondoso pompom. Eu e meus irmãos o chamávamos de padrinho Monsenhor. A minha infância foi passada em sua casa, sob sua custódia e, de um modo geral, sob a sua educação. Padrinho Monsenhor tinha por nós um verdadeiro amor paternal, mormente a mim e ao meu irmão, pois, além de homens, estávamos mais desligados dos cuidados da minha mãe. Ele era um homem de comer pouco e não abria mão de sua sesta. Lia bastante, rezava o seu breviário constantemente e adorava palavras cruzadas. Gostava de se divertir com o baralho e era bastante desapegado de bens materiais. Sua casa, embora grande, era modesta, e bem cuidada pelas pessoas que ali trabalhavam. Era radioamador e o seu prefixo da LABRE era PY7YC: Y, de Yucatã e C, de Califórnia. Dos seus afazeres, que eram tantos, o pouco tempo disponível já estava no estúdio de radioamador e o ritual era sempre o mesmo: « Olá A B C Q, 7 A B C Q, 7 A B C Q. Olá 7 América Brasil Quebec. PY7 - YC na banda dos 40 metros. Câmbio». Este palavreado até hoje me preserva a saudade e a lembrança. O radioamador monsenhor Otávio Fonte: Limoeiro em fatos e fotos, organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira, 1997


15 Outro aspecto do padrinho Monsenhor era a prática das lides artísticas como: arquiteto de mão cheia; na músico, solfejava muito bem com a flauta vertical, lia corretamente uma partitura e era compositor (de hinos). Falava o português de forma correta e dotado de grande oratória. Seus sermões, bastante eloqüentes, quase não tinham fim. Em suas pregações, começava a falar baixinho e, ao longo do discurso alterava a sua voz progressivamente. O uso do lenço branco era indispensável. Na proporção em que falava forte, espumava pela boca e suava bastante a testa. E era ai que o lenço servia. Lembro-me de que as festas em 8 de dezembro, além do dia da padroeira Nossa Senhora da Conceição era também o dia de seu aniversário. Nesse dia, a casa ficava toda enfeitada de flores em todos os jarros. Exalava o cheiro do óleo de peroba passado nos móveis e era grande o fluxo de entrada e saída de pessoas naquela casa. Uma festa mesmo. Geralmente, alguns parentes e amigos da família vinham de Fortaleza e Recife, instalavam-se ali por alguns dias e promoviam toda a alegria. A cozinha era farta. Matavam porco, galinhas, carneiro, havia muita abundância de cereais, frutas e doces, o que deixava toda a gente satisfeita. Nesse dia, Padrinho vestia uma batina de gabardina vermelha, cingindo a cintura com uma faixa bastante larga contornada em baixo por acetinadas varandas. Por esta ocasião usava o anel, uma valorosa jóia de ouro com uma grande ametista engastada que lhe fora ofertada pelos limoeirenses. Vestia meias de seda vermelha e sapatos de estilo colegial com fivela de pura prata. Ele ficava bastante nervoso por ser um dia muito agitado e por não poder gozar de sua privacidade. Atendia aos ricos e bem posicionados com grande galanteio e era meio rude com os pobres, o que meu pai estava sempre a lhe chamar a atenção. O dia anterior a esse evento era só de preparativos. A casa era encerada, colocadas as cortinas duplas de um tecido meio transparente e de cor bege. A sanefa da cortina era de damasco vermelho, lembro-me bem. Às 3 horas da tarde, após a sesta ali chegava o "seu Adauto" para cortar o cabelo e fazer a tonsura do Monsenhor (aquela pequena circunferência raspada sobre a cabeça, na parte traseira superior da nuca).


16 Ao lado da residência do Monsenhor, estava situada a igreja Catedral. Esta igreja era considerada simples, porém aristocrata, o monumento mais importante da cidade. Era dali que sobrevivia a moral, a espiritualidade e os bons costumes de todo o povo. Havia grandes festas e manifestações religiosas planejadas e organizadas pelo monsenhor Otávio.

Fachada da Catedral de Limoeiro do Norte Fonte: Livro escrito pelo mons. João Olímpio Castello Branco. " O Limoeiro da Igreja: A história de Limoeiro do Norte a partir de seus párocos"

Na catedral, me sentia em casa, pois era a continuação da residência do padrinho Monsenhor, que, como avô adotivo, ajudava em minha criação. Além de coroinha, sempre convivia com os altares e imagens da igreja. Tudo me fascinava em minha fantasia de criança. Os altares, as gigantescas colunas internas, as varandas das tribunas, o harmônio, a imagem do Senhor Morto, enfim, tudo que tivesse um requinte de arte. Ainda bem criança, adorava subir o coro e também nos altares laterais. Esses eram os altares de Nossa Senhora do Carmo e de São Sebastião. Gostava de pular, para lá e para cá, as grades que separavam os lugares destinados à elite da cidade. Naquele tempo, havia divisões de lugares nas igrejas. De acordo com a camada social, cada um tinha lugar marcado. No altar-mor, permaneciam os celebrantes e mestres de cerimônia.


17 Na primeira parte da nave da igreja, os bancos eram ocupados ora pelos seminaristas (dia de grandes festas religiosas), ora pela população (geralmente mulheres). Esses bancos eram reservados às associações pias (Apostolado da Oração do Sagrado Coração de Jesus; Terceiras Franciscanas; Filhas de Maria; Mães Cristãs; Adoradas do Santíssimo; e outras). Do lado esquerdo da nave central, bem perto da imagem de Bom Jesus dos Passos, ficavam as Irmãs do Patronato (Irmãs de Caridade), que se aglomeravam em lugares mais convenientes por causa das enormes cornetas (os chapéus). Na parte da frente, estava o coro da igreja, para o qual o acesso se dava por meio de duas escadas laterais construídas em alvenaria e madeira de lei. No coro, ficava o harmônio (órgão antigo, com móvel de madeira, que era tocado em teclado comum e o ar era estimulado pelos pedais que agitavam os foles). Nele, permaneciam somente as cantoras e o maestro. Nas laterais da nave, as tribunas laterais tinham grades de madeira torneada (espécie de camarotes, como nos antigos teatros) e eram usadas pelas famílias mais importantes, que mantinham a posse desse privilégio mediante tributação em forma de aluguel. O coral não tinha voz masculina, salvo uma vez, durante o encerramento do "Tríduo Catequético"(celebração campal), em que cantaram a "Ave Maria de Soma" com participação de alguns alunos do Ginásio Diocesano.

Interior da Catedral de Limoeiro do Norte Fonte: Limoeiro em fatos e fotos (1997). Organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira


18 As músicas orfeônicas e, entoadas em latim - gregoriano ou não -, eram bem ensaiadas e as vozes eram bem trabalhadas pelo sr. Odílio, especialista e maestro.. Tanto os Tantum Ergum, os Te Deo e os Lauda Sion lidos quanto as ladainhas, de Nossa Senhora e de Todos os Santos, eram magníficos. - Ai que saudade... ! Nunca mais veremos tanta dádiva, tanta graça e tanto contentamento. Lembro-me bem da Mariá (filha de seu Odílio) que, sentada na bancada do harmônio, gingava seus avantajados quadris num para lá e para cá, quando agitava o fole do instrumento com seus pés. Era ela a harmonista. O maestro Odílio, com a idade já meio avançada, acomodava suas papadas na concha do violino bem afinado, que emitia sons trêmulos, suaves e angelicais. Novamente invado o autor: "Eu era feliz e não sabia". Às vezes, quando encontro a minha mãe, tentamos ressuscitar em dupla voz o "Esca Viatorun". Quando me emociono, sinto em minha alma a fragrância do incenso e, em minha mente fecunda, vejo-me dentro da Catedral, como que numa bilocação da distância e do tempo. Tudo isso me envolvia, sem contar com as cerimônias religiosas que eram verdadeiros atos teatrais. Estava sempre presente a arte de uma coreografia e a música orfeônica e gregoriana. Na casa de meus pais reinava o amor, os equilíbrios moral e espiritual e os bons costumes. Minha mãe, além de professora, trabalhava na confecção de flores artificiais em pano que eram admiradas por todos e constituíam os mais belos ornamentos dos altares. Sempre que solicitada, estava disposta a colaborar em promoções religiosas, como festas, eventos culturais e artísticos da cidade. Confeccionava coroas de rainhas de partidos etc. Por ser possuidora de bonita voz, fazia parte do coral da Catedral, no qual, por muitas vezes, foi solista em casamentos de pessoas de destaque em Limoeiro e outras grandes solenidades. Meu pai era o braço direito do monsenhor Otávio nos preparativos das grandes festas sagradas. Por ser grande conhecedor de eletricidade, recebeu o encargo de efetuar toda a iluminação do altar e do carro-andor na procissão que conduzia a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima, vinda de Fátima


19 (Portugal) para Limoeiro do Norte, em 1953. Como tarefa de igual porte, foi responsável pela iluminação do altar construído para o 1º Congresso Eucarístico Diocesano, realizado de 04 a 08 de Dezembro de 1954, em nossa cidade, marcando, assim, o esplendor que fazia jus a acontecimentos de tamanha importância.

Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima - altar onde recebeu os devotos em suas orações Fonte: Limoeiro em fatos e fotos, organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira, 1997

Nos primeiros anos de vida, fui absorvendo toda essa atmosfera de arte, cultura e religiosidade, que cedo se revelou no registro de interesses por atividades variadas como desenhar, cantar, tocar instrumento, construir e protagonizar histórias mostrando, assim, que eu era uma criança precoce e superdotada, o que me tornava bem diferente das outras crianças.


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Os dedos do menino Na residência de padrinho Monsenhor, vivenciei uma infância diferente. Estava quase sempre sozinho, pois meu irmão Marconi, além de ser mais novo, tinha uma personalidade completamente diferente da minha. Isso se revelava pelo comportamento em relação as outras crianças, predileções nos brinquedos etc. Na casa, além de dona Joaninha (que eu chamava madrinha Joaninha ou Nininha), moravam Baia e Maristela. Madrinha Joaninha era uma moça velha, de idade bastante avançada (solteirona) e que havia nascido e sido criada em casa dos pais de padrinho, lá na Messejana. Após ser ordenado padre, foi designado para sua primeira paróquia, a do Frade (depois Jaguaretama). Junto com ele, chegou, àquela pequena cidade, a Joaninha, na qualidade de governanta da casa. Nessa cidade, conseguiu que Baia (Maria Cícera de Jesus, uma jovem da localidade e de menos de 18 anos) fosse trabalhar como ajudante nos afazeres domésticos. Essas duas abnegadas mulheres eram responsáveis pela organização da casa e tinham fiel dedicação ao dever. Em uma de suas viagens para visitar um ex-colega de seminário, o vigário da Paróquia de Quixadá, padrinho Monsenhor conheceu um garoto de oito anos que se afeiçoou a ele. A partir daí, convidou-o para passar uns dias em sua casa no Frade. Após a aprovação da família, esse garoto nunca mais voltou para a companhia de seus verdadeiros pais. No Frade, e depois em Limoeiro do Norte, foi educado pelo padre, por Joaninha e Baía (refiro-me ao meu pai). Quando madrinha Joaninha estava bem velhinha (época em que eu tenho lembrança dela), coube a Baia a função de governanta. Ela passou a contar com a colaboração de Maristela, que já tinha alguma experiência, adquirida no Seminário de Limoeiro, onde anteriormente havia trabalhado. Morava, também, em companhia de padrinho Monsenhor, o padre Falcão (Dom José Freire Falcão foi arcebispo no Piauí durante 12 anos; acebispo de Brasília e criado Cardeal presbítero, em 28 de junho de 1988), o carpinteiro Vicente e o ajudante de marcenaria Raimundinho.


21 Na casa de padrinho Monsenhor, havia uma pequena entrada que dava acesso à casa. A porta, além de estreita, era dividida em duas, sendo que uma delas estava constantemente fechada. Ouvi, de repente, alguém lá de fora bater palmas. Eram as Irmãs de Caridade - da Ordem de São Vicente de Paulo - que vinham do Patronato Santo Antonio para visitar o Monsenhor. Quando Baia percebeu que eram elas, veio com um ferro (espécie de gancho) para abrir a outra porta e facilitar, assim, a passagem das cornetas brancas das religiosas. Freira da Congregação das Filhas da Caridade Fonte: Limoeiro em fatos e fotos, organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira, 1997

As freiras que aqui trabalhavam eram da Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Usavam um comprido hábito de lã grossa de cor azul-petróleo, sapatos pretos de cadarços igualmente usados pelos homens, e tinham em volta dos ombros uma engomada pelerine branca que rodeava por trás e caía transpassada na frente. A cabeça era coberta por uma espécie de chapéu (corneta feita de tecido branco engomado, quebrado nas laterais e formando um cone com duas abas). - Era lindo !

Croqui do hábito das Irmãs da Caridade, na década de 50


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No primeiro compartimento da casa, estava o gabinete do Monsenhor. Ali, eram atendidas as pessoas da cidade, como políticos, padres, freiras, e também os cidadãos de destaque da sociedade, além dos populares. A permanência em todo esse ambiente fazia com que eu adquirisse, em minha formação de criança, coisas importantes para o meu desenvolvimento. Tudo era inteiramente livre e ao meu alcance. Eu era uma criança bastante curiosa e criativa. Tinha grande sensibilidade, mãozinhas habilidosas e capacidade de aprender tudo que padrinho me ensinava. Minhas precocidade e inteligência aguçada muito contribuíram para que me tornasse uma criança notável, qualificada, por pessoas intelectuais da cidade como "gênio". Por isso, sempre conquistei meu espaço em vários acontecimentos importantes que havia na cidade. Voltando aos primeiros anos de minha infância, com quatro anos de idade, por ocasião da visita do então governador do Estado a Limoeiro do Norte, fiz a primeira apresentação na VOZ DA CIDADE, cantando God Blass America.

Foto tirada ao cantar uma música em inglês, ladeado por Gerardo Lucena, Eny Brauna, Fia, Eduardo e Memengo, 1953


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Quando tinha quase seis anos, estive como pajem, fazendo parte do grupo de meninos escolhidos para abrilhantar a cerimônia do Congresso Eucarístico Diocesano, acontecimento monumental sediado por Limoeiro do Norte, que congregou vários bispos - Dom Aureliano Matos; Dom Fragoso; Dom Delgado; Dom Antônio Almeida da Costa e Dom Terceiro - padres de toda a Diocese e estados. Minha família se fez presente na organização do evento. Meu pai contribuiu com a iluminação.

Grupo de crianças de Limoeiro do Norte como pajens no Congresso Eucarístico Diocesano (1954) Fonte: Limoeiro em fatos e fotos, organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira, 1997

Na escola, não era tão interessado nem aplicado nos estudos. Muitas vezes, ao invés de prestar atenção ao que a professora falava, ficava desenhando meus cadernos e livros. Meus deveres de aluno eram relaxados e minhas notas eram sempre baixas. Minhas matérias preferidas eram Português e História. Nos trabalhos escolares que necessitavam de desenhos ou outros desempenhos artísticos, sempre me destacava. No colégio, também declamava muito bem. Tinha uma bonita voz, o que impressionava o diretor e os professores, fazendo com que fosse escolhido para os cânticos dos corais e outras apresentações.


24 Recordo-me de Rosioli, professora da Escola Normal, encarregada de ensinar Artes. Quando passava alguma tarefa para suas alunas, muitas vezes elas vinham me pedir para dar um jeitinho em suas pinturas. Eu fazia alguns retoques e, quando elas as entregavam, a dona Rosioli dizia: “Está ótima, mas aqui andaram os dedinhos do Márcio”.

Monsenhor Otávio e o seu retrato A vida de padrinho Monsenhor não era tão metódica, porém era bastante comprometida com os afazeres de sua responsabilidade. Ele não parava e, a cada instante, estava a agir aqui e ali por força das obrigações. O monsenhor João Olímpio, em seu recente livro, faz alusão a padrinho como "boneco elétrico". Havia dias que viajava pelas zonas rurais para visitar as comunidades ou para as cidades da diocese que ainda não tinham párocos. Rezava missas, realizava casamentos e batizados ou participava das comemorações do dia de algum santo padroeiro. Geralmente, quando viajava, levava a mim e a meu irmão Marconi, menino magrinho, pele meio queimada do sol e voz rouca. As viagens eram sempre feitas em carros (jipe, rural ou camioneta) de propriedade de seu Genésio Bezerra. O jipe era dirigido pelo sr. José Romão. A rural pelo próprio sr. Genésio ou ainda por seu filho Antônio Glauber. Em algumas épocas, padrinho tinha carro. Lembro-me bem de um pequenino jipe verde, que ele mesmo guiava, de um Prefex antigo e um carrinho pequeno e azul, com funcionamento à manivela, a que chamavam "baratinha". Padrinho também foi possuidor de uma moto Harley Davidson que, na época chamavam de motor. Essas viagens eram muito sacrificadas, pois não havia pontes nem estradas asfaltadas e as que existiam (carroçáveis) sempre se encontravam em péssimo estado de conservação. Durante o inverno, para atravessar o rio com o veículo, tinha-se que passar sobre o pontão (espécie de balsa de madeira forte e em forma meio quadrada que flutuava e era movida à tração humana).


25 Muitas foram às localidades do Vale do Jaguaribe em que acompanhei padrinho: Jaguaretama, Santa Rosa, Jatobá, Tabuleiro do Norte, São João do Jaguaribe, Alto Santo, Olho d’Água da Bica, Lima, Peixe Gordo, Tapuio, Jatobá, Lima, Arraial, São Raimundo, Flores, Várzea do Cobra e algumas outras cidades ou povoados. Mesmo que algumas cidades do Vale tivessem seus vigários, na função de vigário geral da diocese, ele, esporadicamente, as visitava. Eram elas: Jaguaribe, Pereiro, Morada Nova, Russas, Jaguaruana e Aracati. Ele era respeitado pelos mais favorecidos e temido pelos mais pobres. Quando não viajava, despertava às cinco horas da manhã e celebrava uma missa no altar de Nossa Senhora do Carmo, que se situava à esquerda do altar-mor (hoje, esse altar foi desmanchado e a imagem de Nossa Senhora se encontra na capela do cemitério. [Tenho-o na minha lembrança]. Ao voltar da igreja para casa, tomava o seu café (muito simples, embora a sua mesa fosse bastante farta) e logo ia para o gabinete onde atendia a todos que o procuravam. Possuía uma espécie de escrivaninha contendo todos os seus apetrechos de trabalhos e afazeres. O local era circulado de estantes com livros de variados assuntos (Enciclopédias, eclesiásticos, grandes livros de capa preta, para registro de nascimentos, casamentos e óbitos, e diversos livros de alguns escritores famosos). Esse espaço não era tão grande, sendo ainda dividido em uma outra ante-sala na qual estavam os apetrechos de pintura e desenho. Havia uma mesa de desenho, com vários instrumentos usados pelos arquitetos como grandes réguas, escala, compassos, normógrafos, frascos de tinta Guache, vidros de nanquim, diversas penas etc. Era alí que padrinho realizava os seus inventos, confeccionava as maquetes dos projetos das capelas que seriam construídas em toda a diocese, e outros trabalhos em variadas qualidades e cores. Não tenho lembrança de tê-lo visto pintando alguma tela, embora na casa de meus pais existisse uma prancha de madeira, na qual ele chegou a pintar um Cristo coroado de espinhos. Acredito que a execução desse Cristo tenha sido mais um de seus desafios. Na realidade, além de todas as atribuições previstas como vigário geral da diocese(cargo ocupado durante 27 anos), um dos trabalhos de que mais se ocupava era da arquitetura com construção de grandes obras da Diocese.


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Jesus Cristo coroado de espinhos - Pintado por Monsenhor Otavio, óleo sob madeira, s/d

Padrinho Monsenhor projetou e construiu diversas capelas, como: Santo Cura d’Ars (seminário), Capela de Nossa Senhora do Carmo (cemitério), a Capela da Medalha Milagrosa (patronato Santo Antônio), Capela do Palácio Episcopal, todas em Limoeiro, além de muitas outras obras edificadas em Limoeiro e espalhadas pela diocese. Desenhou, ainda, as plantas dos colégios: Diocesano Padre Ancheta, Patronato Santo Antônio e Seminário Cura d’ Ars. Quando eu era ainda bem criança, sempre estava por perto de sua mesa de desenho, no momento em que ele desenhava as plantas e registrava no papel as suas criações. Certa vez, padrinho fumava seu cachimbo. Aproveitei uma folha de papel almaço, os pincéis, o copo com água que usava para diluir a tinta e lavar os pincéis e as tintas espalhadas sobre a mesa de desenho para fazer a sua caricatura (e ainda assinei o meu nome). Vê-lo fumar cachimbo, era novidade para mim. Para ele, tratava-se de hábito recente que adquiriu quando esteve por alguns meses em São Paulo, aconselhado por médicos, para diminuir os diversos problemas de saúde provocados pelo cigarro. Foi essa assinatura que repeti muitas e muitas vezes, ao longo dos anos, nos trabalhos que assinei. Ele mesmo datou e, a minha avó Doninha guardou-a no seu baú. Hoje, mamãe guarda essa folha com muito carinho.


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Monsenhor Otávio - caricaturado em junho de 1960

Espaço das brincadeiras, o piano da dona Vilma e o mestre Odílio Na casa de padrinho Monsenhor, havia um grande pomar. Chamavam "o quintal da casa do padre". Nele podíamos ver muitas fruteiras, como: bananeiras, goiabeiras, fruta-de-conde, sirigueleiras, coqueiros e outros tipos, além de alguns cercados com galinha, porcos e um alto pombal, que ficava praticamente no meio do quintal. Ele era longo e terminava em um galpão coberto onde funcionava uma oficina de carpintaria. Nesse local, estava sempre presente o sr. Vicente (carpinteiro) e seu ajudante, Raimundinho. O meu "mundo" alargava-se por todo esse local. Gostava de subir nas árvores, telhado da casa, encenando sozinho o que lia nos gibis ou o que via nos filmes que assistia.


28 Ao completar cinco anos, minha mãe me conduziu até próximo da barbearia que ficava numa rua por trás de nossa casa. Era o antigo salão CHIC, onde trabalhavam três senhores, entre eles o sr. Chico, barbeiro preferido de meu pai e que fazia um corte de “Príncipe de Gales” no meu cabelo e no de meu irmão. Essa rotina se repetia sempre que era preciso cortar o meu cabelo. Nessa ocasião, ela me levou até a esquina e ficou olhando até que eu chegasse ao salão. Tive que esperar, porque havia outras pessoas na minha frente para serem atendidas. De repente, comecei a ouvir um som desconhecido que associei ao violão que minha mãe tocava, pois se tratava de um instrumento de corda. Percebendo vir da casa vizinha, corri para lá, subi na varanda da janela e vi que havia uma senhora tocando. O piano era um instrumento que, aos cinco anos, eu não conhecia. Atônito, o tempo passou sem que eu sentisse; quando resolvi descer para cortar o cabelo, o atendimento estava encerrado. Não resolvi nada. Voltei para casa nervoso e, ao mesmo tempo entusiasmado. Minha mãe pediu explicações, então falei: - Mamãe, eu vi uma mulher sentada, tocando um negócio que parecia uma estante e tinha as mesmas coisinhas brancas que o harmônio da igreja, só que o som era como o violão da senhora. Minha mãe entendeu logo sobre o quê eu falava. Embora não conhecesse a pianista, sabia tratar-se de dona Vilma, esposa de um médico, doutor Nozinho, que viera da capital e ali se radicara. De início, houve um certo constrangimento, pois eu insistia em querer aprender a tocar o instrumento e minha mãe não sabia como chegar à pianista. Por coincidência, minha mãe tinha uma amiga, de nome Bia, que era prima do doutor Nozinho. Foi com sua ajuda que dona Vilma me tomou como seu aluno, sem dificuldade.

Trecho de uma partitura do método para piano de Francisco Russo, rabiscado por Dona Vilma durante aula de solfejo


29 A intenção era que eu logo esquecesse e desistisse. Porém, o que ocorreu foi o contrário. Iniciei pelas aulas de solfejas. Meu desenvolvimento foi tamanho que, enquanto eu preparava uma lição, já me interessava pela próxima. Logo, com seis ou sete anos, lia música e solfejava muito bem. Quando dona Vilma deixou Limoeiro, para que continuasse os meus estudos de música foi preciso apelar ao sr. Odílio, afim de manter as aulas de piano. O competente maestro disse a meus pais que não gostava de ensinar música para crianças, mas, como eu tinha algum conhecimento, poderia então me aceitar como aluno. Na realidade, fiz aulas com ele e também com a filha Mariá. Eles foram meus professores de piano por alguns anos, até quando se mudaram para Fortaleza. Com oito anos, fiz a 1ª comunhão em companhia de minha irmã Marcise (mais nova um ano). Esse acontecimento foi exclusivo para nós, pois não participamos da festa coletiva de primeira comunhão de todas as crianças da cidade e, sim, da solene missa em comemoração às bodas de prata de monsenhor Otávio como padre. A data coincidiu com a festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição. A missa foi concelebrada com a presença do bispo Dom Aureliano Matos e outros padres da paróquia e A minha primeira comunhão assistida por toda a sociedade limoeirense. Aos nove anos de idade, apresentava-me nas festinhas em colégios, executando números de piano, como a Marcha Turca, Pour Elise, Nocturne; e outros clássicos. No início da década de 60, cantava em dupla com minha tia Yara, ou com Marcise, principalmente em programas de auditório animado por Dr. José Nilson Osterne, promovido pela Radio Vale do Jaguaribe.


30 Só voltei a ter algumas aulas de música, com a vinda de uma americana a Limoeiro. Muitos jovens americanos que faziam parte do Programa Aliança para o Progresso vieram trabalhar em Limoeiro (Voluntários da Paz). A americana, sabendo que eu tocava piano e sendo ela uma excelente pianista, pediu-me para executar algumas partituras. Ficou interessada em me ajudar, ao verificar que tinha um conhecimento básico de música, e, realmente fiz com ela algumas aulas de piano. Ela foi a minha última professora. Com seu regresso aos Estados Unidos, continuei sozinho os meus estudos de piano. Como não tinha ainda esse instrumento em minha casa, fiz aula nos poucos pianos existentes em Limoeiro como os das casas de dona Judite Saraiva e Francisca Maria Estácio e o da Escola Normal Rural. O aspecto religioso imperava em minha vida e fazia com que eu, sempre místico, fizesse brincadeiras de igreja, procissões, coroações de Nossa Senhora e outros devaneios. Nesses momentos, trazia escondidas para o quintal as batinas, capas, alfaias do padre. Conhecia os nomes de cada peça e também a sua finalidade. Cavava um buraco no chão e, com água e terra (argila), fazia o barro para modelar imagens de santos que eu mesmo entronizava em altares improvisados. Vestido com os paramentos, em minha imaginação, via centenas de pessoas que respondiam às orações, aos cânticos e aos hinos. Eu brincava sempre só. Poucas vezes juntava-me a outros meninos, inclusive o meu irmão, para participar das brincadeiras deles. Mas, de vez em quando, ia com eles para o sítio da minha avó Doninha, que morava do outro lado do rio, numa localidade chamada de Ilha. Tirávamos proveito dessa ida para colher frutos dos pés, o que não a agradava, devido a grande devassa que fazíamos em suas fruteiras preferidas. Para completar o piquenique, aproveitávamos para tomar banho de tanque, sempre cheio com água renovada pelo catavento ou ainda no rio, quando restava algum filete d' água em suas vastas extensões de areia. Não existia nada melhor do que tomar banho de rio no “Bode”. Porém, esse tipo de aventura chegava rapidamente aos ouvidos de minha mãe. Matilde, uma moradora da Ilha, se encarregava de contar para ela: “ - Francinete, eu vi os menino tomando banho lá no “Bode”. Tavam pretinho. Parecia dois tição”.


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O ADOLESCENTE A visita que mudaria minha vida Com muita dificuldade concluí o curso de admissão no Ginásio Diocesano. Algumas vezes tive que repetir o ano, por não ser um aluno exemplar (principalmente em Matemática, que era o meu fantasma). Quando completei treze anos, nossa família recebeu a visita da esposa de meu tio Eugênio. O seu nome era Marinalva. Ela percebeu a minha precocidade e a minha genialidade e interessou-se para que continuasse os meus estudos em Recife. Convenceu os meus pais de que eu devia ir para uma cidade grande e aproveitar todo o meu potencial artístico. Todos os detalhes ficaram acertados quanto à minha mudança para aquela cidade. Alguns meses depois, parti, em companhia de minha mãe, em busca de um novo horizonte de vida. Matricularam-me no Colégio Técnico Professor Agamenon Magalhães - CTPAM, para cursar o ginasial, e na escola de Belas Artes para freqüentar o curso livre de pintura e escultura. UNE-Identificação Estudantil, 1964

Submeti-me, então, a um exame de seleção para admissão no curso livre da Escola de Belas Artes do Recife, da Universidade Federal de Pernambuco, que ficava à rua Benfica, bairro da Madalena. Passei em todos os testes e fui admitido. Iniciei nessa escola o curso livre de pintura e escultura e, como era um pintor e escultor nato, passei sem dificuldade de um ano para outro.


32 Com alguns outros bons alunos, fui escolhido pelo diretor para freqüentar, como ouvinte, o curso de História da Arte. Era uma escola de todas as tendências. Tive o previlégio de ser aluno do grande escultor Bibiano Silva, um dos fundadores da Escola de Belas Artes do Recife, e único escultor brasileiro que executou o busto de Getúlio Vargas. Outros professores como José Rangel, Cassimiro Corma, Reynaldo Fonseca, Lula Cardoso Ayres, Vicente do Rego Monteiro e Murilo La Greca pertenceram aos quadros da escola. . Minha permanência no Recife foi bastante dolorosa. Era um outro mundo que passava a conhecer. Não havia mais o aconchego de meus pais, o convívio com os meus irmãos, não havia o padrinho Monsenhor e nem tampouco madrinha Joaninha, que tanto me mimava. Toda a mordomia que eu tinha na casa do padre terminou. A vida foi mais dura, os deveres aumentando e a responsabilidade cada vez maior. Além dos pequenos e variados problemas que surgiam, começou o calvário esperado, o da discriminação. O meu tio era um militar, tenente da Polícia Militar de Pernambuco e, bastante machista. Só conhecia o que era inerente à formação de caserna, o que, de imediato, começou a entrar em choque comigo. Como adolescente, eu apresentava gestos muito delicados, entonação de voz meio fina e bastante sensível. Ele exigia que andasse de forma mais masculina e que falasse com uma voz mais grossa. A repreensão quanto aos meus gestos delicados era uma constante. Queria me convencer a entrar na Escola de Cadetes, quando terminasse os meus estudos. Daí, então, o meu "inferno". Aumentaram os meus conflitos e que mais tarde tornaram-se desesperadores para o adolescente que era. Com quase quinze anos, havia deixado o meu habitat natural, o amparo de minha família, para passar a enfrentar inúmeras dificuldades. O que mais me intrigava era o fato de não entender o porquê de não poder ter o gesto natural e ser forçado a uma impostação de voz grossa, quando não era a minha. Fui tentando, por algum tempo, me apresentar como exigiam, porém tornou-se uma neurose tamanha, que me deixava totalmente desajustado. “Sofri muito... nunca entendi porque teria que vir à vida para abraçar estigma tão doloroso”.


33 Eu não tinha noção de nada nem do que era. Apenas sabia que pessoas insinuavam de mim uma coisa feia, que jamais seria admitida. Na realidade, ainda não havia despertado para o sexo, pois, além de muito jovem, era bastante imaturo e tímido. Passei a conviver essa culpa que eu não tinha. Que culpa era essa? Na época, nem eu mesmo sabia. No começo, as pessoas olhavam para mim, apontavam e sorriam, sem que eu entendesse o porquê. Certa vez, por ocasião das férias em Limoeiro, vindo de Recife, um ex-colega de escola chamou-me e propôs algo. Sem compreender a proposta, ele me explicou que me desejava e eu, com aquela idade, ainda não compreendia. Depois de muita insistência, a proposta foi aceita, porém frustrada a prática, por eu não ter coragem naquele momento. Pensei em pecado, em ir para o inferno, em meus pais. A cada dia que se passava, a vida se tornava mais dolorosa para mim. Os meus dramas eram cruciantes, os conflitos mais tortuosos e menos perspectivas de viver. Comecei a ser rejeitado por alguns e bem tolerado por outros. O problema era tão sério que, não tinha o direito de ter amigos, como as outras pessoas consideradas “normais”. Hoje, acho que o despertar de alguns assuntos relacionados à minha pessoa se deu das precipitadas conclusões que tiveram de mim. A minha timidez, o desconhecimento do assunto, a formação religiosa e a base de educação que tive fizeram com que, embora não pudesse fugir do problema que me afligia, ele era mais por sentimento do que por prática. Sentia que era normal ter maior afeto por um colega ou amigo, porém extrapolar a amizade com outros assuntos era uma outra estória. Ainda em Recife, fiz amizade com um, então, colega da Escola de Belas Artes, irmão leigo do Mosteiro de São Bento, que, por ser artista, tinha permissão de freqüentar as aulas fora do ambiente monástico. Passei a visitar aquele mosteiro em Olinda. Nesse convento, fiz outros amigos e conheci o dia-a-dia dos beneditinos. Pensei em uma solução para o meu caso e, que resolveria a minha situação. O verdadeiro amor: o de Deus que, mesmo sem ter tanta sabedoria sobre esse amor, entendia que Ele me conhecia mais do que eu, mesmo. Surgiu, então, a primeira idéia de me refugiar em um convento.


34 Quando uma pessoa opta pelo monastério, ela escolhe de certo modo, o isolamento. A vida religiosa seria, assim, um perseverante aprendizado de quem só aspira uma coisa na vida: servir ao Senhor. Nesse ambiente, entrei em contato com o acervo artístico fantástico do mosteiro. A convivência com esse conjunto de belezas históricas, como as imagens do Jesus Crucificado e a do Menino Jesus, de Olinda; a fachada do mosteiro; as portas de acesso ao coro e às janelas laterais da nave, com ornatos trabalhados e balaústres torneados; os púlpitos em talha dourada; o trono principal do altar, todo em madeira e revestimento em ouro, exibindo a imagem de São Bento; a capela-mor da igreja do convento, em estilo barroco (uma das mais belas do Brasil, por sua ornamentação e seu douramento); a sacristia (considerada uma das mais ricas de Olinda, com painéis que mostram a vida de São Bento), tudo isso contribuiu para que minha formação artística fosse aprofundada na temática religiosa.

Altar da Igreja de São Bento todo em madeira e revestimento em ouro (Olinda/Pernambuco)


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Pátio do Mosteiro de São Bento (Olinda/PE)

O seminarista Ao voltar para Limoeiro do Norte, manifestei aos meus pais a vontade de entrar para a ordem religiosa. Com a ajuda de padrinho Monsenhor e de sua irmã Lourdes, que morava em Caridade, por sinal muito amiga dos frades do Convento Santo Antonio (Ordem dos Frades Menores), tudo foi articulado para o meu ingresso na vida monástica daquele imenso convento.

Convento Santo Antonio - Ordem dos Frades Menores (Canidé/Ceará)


36 Passei uma curta temporada no Convento do Canidé, não me adaptando muito nessa instituição religiosa. Mudei-me, então, para o Convento da Serra de Guaramiranga. Era um convento que existia há mais de sete décadas, edificado no topo da colina principal. Passei algum tempo como leigo, servindo a Deus, todavia não desprezando a minha arte. Ali, tive a oportunidade de estar em uma atmosfera de mosteiro, além de ter a chance de conviver com cantos gregorianos entoados constantemente, lembrando as cerimônias religiosas da minha infância em Limoeiro e as do Mosteiro de São Bento, em Olinda Pernambuco. Sempre tinha muito trabalho a fazer, quer restaurando as imagens quer executando pinturas sacras. Como Guaramiranga era uma região muito fria(a temperatura variava entre 18 e 25 graus o ano todo), tive problemas respiratórios e o Superior, aconselhoume a ir tratar de minha saúde na casa de meus familiares. Quando me recuperei, não mais voltei ao Convento de Guaramiranga. Hoje, nesse convento dos Capuchinhos funciona uma pousada administrada pelos religiosos.

Pousada dos Capuchinhos (Guaramiranga/Ceará)


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O ESTÍMULO DOS AMIGOS Embora em minha adolescência tenha me deparado com a discriminação por parte de alguns, em contrapartida, levava comigo grande vantagem para superar preconceitos. Com a minha capacidade criadora e os meus dotes artísticos, sempre que era requisitado, quando havia quaisquer eventos culturais, religiosos ou recreativos, dispunha-me a servir em tudo e a todos e até diziam: “aí andou a mão do Márcio”. Consegui a amizade de pessoas importantes, que claramente reconheciam meus valores pessoais que eram tantos, o que me fazia ser respeitado e bem aceito na sociedade. Merece mencionar algumas pessoas e famílias que me ajudaram bastante, tanto na parte material como moralmente, dandome carinho, todo o amor e tudo o que precisava para o meu bemestar. Dona Judite Saraíva - Dona Judite era a minha rainha devotada. Dava-me uma proteção toda especial, amando-me como pessoa e aos meus trabalhos e inventos. Contava com a minha colaboração em tudo que promovia tanto em sua residência como na Escola Normal Rural, da qual era a digníssima e brilhante diretora. Mesmo cheia de tarefas, estava sempre disposta a conversar comigo. O seu olhar bondoso era sempre um presente para mim. Sempre foi tão caridosa e compreensiva e jamais mencionou ou indagou sobre o disse-me-disse que, por vezes, falavam contra mim. Amava-me como quem ama um ente sangüíneo. Chegava muitas vezes a pôr em minha mão uma quantia em dinheiro e dizia bem baixinho: - Não diga nada a ninguém. Isso é para você gastar com seus amigos. E assim foram outros e outros gestos de um amor, que posso dizer “materno”, que essa santa e saudável senhora teve e que muito fez por mim. O meu acesso era livre em sua casa e em todas as festas e comemorações da família, eu estava lá a promover a alegria, ao tocar piano ou violão. Havia muito aconchego familiar e muita alegria naquele lar. Cantávamos em grupos de vozes: eu, Elizomar Saraiva, os gorjeios agudos da Valdizete, que vinham de repente, a música da sanfona


38 e a voz de Vânia. Também ouvíamos as poesias bem declamadas de Elis Dayre. Havia a participação do neto Jackson com seus engenhosos inventos, a quem considerava como um verdadeiro irmão, pois, seguindo o exemplo da “vovó Judite”, apoiava-me em tudo que precisasse. José Nilson Osterne - Odontólogo, intelectual, cronista e locutor da Rádio Vale do Jaguaribe, foi um verdadeiro fã de minha arte. Tratava-me com muito respeito e carinho. Apoiava-me e era bastante generoso comigo. Eu tinha a liberdade de freqüentar a sua casa. Sua esposa, dona Egisa, sempre me acolheu com muito amor e carinho, chegando a me convidar para uma refeição. José Nilson adquiriu por encomenda um celebre quadro que pintei “Garoto da Rua”, inspirado na música do mesmo nome. Miriam Peixoto - Miriam, ou dona Miriam, era uma verdadeira santa. Morava perto da antiga cadeia, numa casa do tipo porta e janela, onde, por muitos anos, fomos vizinhos. Nossa casa era de parede e meia com a dela. Tinha por mim um carinho todo especial e estava sempre disposta a atender aos meus caprichos, que eram muitos. Às vezes, ao chegar em sua casa, abria-me em minhas dolorosas confissões. Ela atenta me escutava e sempre falava algo que levantava o meu espírito e me reforçava a ânsia de viver. Ela também era uma grande artista nata. Versátil em tudo: costurava, decorava e escrevia poemas (versinhos). Gostava de confeitar bolos e fazia flores das mais variadas qualidades. Adorava pintar e, não obstante tantos predicados, ainda era uma exímia dona de casa, mãe de muitos filhos, digna esposa e virtuosa católica. ["Miriam, eu te amo"]. Osvaldo Luz - O Osvaldo da Associação que nunca me discriminou nem teve qualquer ato de desrespeito para comigo. Acatava-me na Associação com muito carinho e me dava até o direito de pegar picolé, sem ter que pagar. Geralmente, quando eu chegava na sorveteria, ele me mandava servir uma “canja” como cortesia da casa. Ele admirava tanto o meu trabalho, chegando até a me emprestar um dos salões da Associação para dar um curso de pintura, sem ter que nada pagar. ["Nunca esquecerei"]. Tive também o afeto de muitas outras pessoas, que, embora não convivessem comigo, davam-me gestos de amor. Para essas pessoas, o meu sentimento é de gratidão.


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RELIGIOSO, MESTRE E ESCULTOR Ingresso na Ordem dos Capuchinhos Alguns fatos marcaram a minha vida na última instituição religiosa onde me refugiei. No dia 1º de janeiro de 1974, viajei de Limoeiro do Norte a Fortaleza, com o objetivo de, nessa capital, pedir o ingresso na Ordem dos Capuchinhos. Apenas uma senhora, minha amiga, sabia do fato, pois há muito vinha participando-lhe o meu desejo e ela me incentivava bastante. Ela era Maria de Castro (comumente conhecida por Maria de Egídio). Sendo uma modista da mais alta qualidade, na maioria das vezes, via-se responsável pela costura das roupas usadas pela elite da cidade. Além de minha amiga, dedicava-me um tratamento quase maternal. [“Maria, você foi muito importante para mim”.] Apresentei-me na portaria do convento, às três horas da tarde do dia 2 de janeiro e pedi para falar com o reverendo padre provincial Frei Pacífico Holanda Soares-OFMCap, que, conforme me haviam informado, era o responsável pelas decisões da instituição. Fui muito bem recebido por ele e manifestei o desejo de me consagrar a Deus, pois era aquela a minha proposição. A minha disposição era completa para me submeter a tudo o que, por força divina, exterminasse de vez qualquer coisa inerente a opção sexual, problema que conhecia e que fazia parte de mim. Convento da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (Fortaleza/CE)


40 Fui aceito pelo Provincial (Frei Pacífico), que depositou toda confiança em mim, e que, pouco a pouco, me dava os créditos que não eram atribuídos aos novatos ou postulantes. Ao tomar conhecimento de minhas atividades artísticas, Frei Pacífico muito me estimulou no desenvolvimento de meu trabalho na Ordem. Foime dada a oportunidade de esculpir, restaurar imagens, pintar quadros sacros e outros. Com uma permissão verbal do Superior (Frei Pacífico), gozei do privilégio de usar o hábito com capuz. No dia 14 de abril desse mesmo ano, durante grande solenidade, numa missa concelebrada pelo padre provincial Frei Pacífico, juntamente com o Frei Memória e o Frei Moisés, realizouse a minha admissão à Ordem Capuchinha. Nesse dia, deu-se ainda a profissão solene de Frei Antenor dos Santos. A missa aconteceu às 6 horas da noite e foi incluída no cerimonial a minha vestição.

Santinho da minha vestição na OFMCap, 1974

A partir de então, permaneci no oblato, enquanto aguardava o noviciado. O provincial me propôs de lecionar Educação Artística no Colégio Pio X, para ajudar a superar uma crise financeira que o estabelecimento passava. O programa que propus para a disciplina foi bastante admirado. Lecionava nos três turnos (manhã, tarde e noite) no curso ginasial (hoje, da 5ª a 8ª séries do curso de primeiro grau maior) e o meu relacionamento com os professores, alunos e funcionários era amigável. A minha dedicação ao ensino constituíase em verdadeiro apostolado.


41 Um certo dia, presenciei num dos ambientes do claustro, um frade que dialogava com outro sobre uma imagem. Nas dependências do depósito de coisas encostadas, encontrava-se uma imagem do Senhor Morto, em tamanho natural. Era uma imagem antiga, que provavelmente viera da Itália e, pertencera antes à igreja que há anos ruíra. O Frei Virgílio (Superior do Convento de São Francisco de Sobral) teria requisitado a imagem para a Festa da Páscoa que se aproximava. A idéia de imediato foi frustrada, quando Frei Ambrósio (Capelão da Base Aérea) embargou a retirada da imagem daquele local. Ao assistir a cena que já ardia, aproximei-me do Frei Virgílio e falei em tom baixinho que não discutisse, pois eu teria uma solução para o problema. Participei para ele que faria uma maior e mais bonita, caso o Superior me permitisse. Consultado, o Superior deu-me licença para executar a obra. Essa imagem seria destinada à Igreja de São Francisco de Sobral. De imediato, com a devida licença do Superior, fui a Limoeiro do Norte para pegar argila (barro tratado), cedido pela Pitombeira Mendes (fábrica de filtros e outros artefatos). Após a aquisição do barro iniciei o trabalho, pois o tempo era bastante restrito. Por fim, tudo deu certo. O trabalho ficou realmente uma beleza, conforme prometera. Para executar a imagem, trabalhava na cela vizinha a que eu dormia e sempre deixava a porta aberta, porque o quarto era bastante quente e assim o vento podia circular pela porta. De repente, aproxima-se um frade louro, com as características de estrangeiro, e de fato ele era italiano. Seu nome era Frei Pascoal Rotta, Capuchinho da Vice-Província do Maranhão, que estava em trânsito. Esse frade, depois de Provincial, passou a Superior do Convento dos Capuchinhos de Jerusalém, Israel. Ao ver meu trabalho, admirou-o e até pediu-me para verificar a possibilidade de fazer uma estátua de Nossa Senhora da Conceição. Queria colocar a Nossa Senhora no alto da torre do Centro Comunitário de Igarapé Grande, no Maranhão. Consultei o meu Superior e, generosamente, ele permitiu que minha viagem fosse marcada para o mês de julho próximo, quando estaria em férias das aulas que ministrava no Colégio Pio X, pertencente à Ordem. Havia uma certa afinidade entre nós, pois o Frei Pacífico, além de meu Superior, ele era também o diretor do Colégio Pio X.


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Missionário das selvas maranhenses As férias chegaram. No dia 3 de julho de 1974, partia com grande expectativa, num ônibus que fazia a linha Fortaleza-Teresina. Dormi no Convento da mesma Ordem em Teresina, cujo Superior foi o Frei Abel (que falecera pouco tempo depois). Antes de prosseguir viagem, tive a oportunidade de almoçar com o Arcebispo de Teresina, que fora Bispo Diocesano de Limoeiro do Norte e que, durante a minha infância, tinha morado na casa de padrinho Monsenhor, quando ainda era o "padre Falcão". Entre as diversas funções que ele ocupou em seu ministério presbiterial, uma delas foi a de coadjutor do Monsenhor Otávio de Alencar Santiago. No dia seguinte, viajei para Pedreira, no Maranhão, e, depois, segui com destino à Igarapé Grande, onde o frei me esperava. A viagem foi muito sofrida e tive de trocar muito de ônibus para ônibus. Naquele tempo, as estradas que cortavam o interior do Maranhão não eram todas asfaltadas, o que dava aos viajantes o maior desconforto. Finalmente, quando cheguei, tomei alma nova. Era grande a minha expectativa, pois sabia que, além de fazer o meu trabalho artístico, teria ainda a oportunidade de participar das missões. O Centro Comunitário estava praticamente construído. Era tudo muito moderno e funcional. Foi muito bem projetado para atender às finalidades pastorais. O Frei Pascoal morava no próprio prédio e, ao lado, havia um espaço (uma casinha) de duas voluntárias que ele trouxe da Bélgica. Uma se chamava Denise e a outra Teresa. Ambas falavam bem o português. Nesse ambiente, comecei a executar o meu trabalho. Por todo o mês de julho, tanto fiz essa tarefa como passei a ajudar nos movimentos e trabalhos de catequese missionária. Tudo era bonito e diferente. O povo era simples e descatequisado, mas cheio de Deus. A boa vontade de todos era fator preponderante na facilidade que se tinha para o trabalho missionário. Eu, com meu trabalho artístico e a polivalência com tudo o que sei e faço, tive a oportunidade de trabalhar com garra, auxiliando no que podia. Lembro-me que havia um riacho (igarapé, dai o nome da cidade), por trás do Centro Comunitário e bem mais afastado da pequena cidade, onde diariamente costumava ajuntar pessoas (homens, mulheres e crianças) para pescar.


43 Era grande a retirada dos peixes. Utilizavam para pescar um instrumento nativo, de taboca. Em minhas horas de folga, quando me cansava um pouco do trabalho da imagem, ia até o local e sempre era a alegria de todos, porque, além de levar o violão e cantar e tocar, também contava história da vida dos santos ou passagens do Evangelho, em estilo de contos. Trazia tanto peixe para casa do Frei, que até a comunidade estava enjoada de tanto comer peixe. Pouco a pouco fui me adaptando à realidade simples e humilde do lugar e, de repente, estava desenvolvendo bem a atividade missionária. O frei me convenceu a permanecer na Província do Maranhão, pois além da carência de missionários, havia lá também várias modalidades de trabalho. Experenciava um renascer em mim. Não havia qualquer identidade com aquele que viera de Limoeiro do Norte, em busca de Deus, para a fuga de um estigma. O mundo estava completamente lindo e o meu amor a Deus e aos pobres aumentava a cada dia que passava. Terminado o tempo (as férias do Colégio Pio X) em permanência com o Frei Pascoal Rotta, tive de voltar a Fortaleza para dar continuidade ao meu ofício de antes. Manifestei discretamente ao meu Superior o desejo de trabalhar nas missões no Maranhão ou, quem sabe, até em algum país da África. O meu desejo não era só o de viver em um convento e, sim, o de poder realizar um trabalho missionário. Com muita luta, finalmente consegui de meu Superior o apoio e a liberdade de partir para as missões e permanecer na Província do Maranhão, como eu queria. Até que, enfim, chegou o dia da partida. Na pressa de sair, pois foi tudo muito precipitado, meu Superior não aprontou a carta obediencial (espécie de recomendação) falando de mim, mas disse que podia viajar tranqüilo, pois remeteria em breve, ao Provincial do Maranhão, que estava em São Luís. Na ocasião, o Provincial do Maranhão era um italiano chamado Frei Martírio. Agora, o destino da viagem não era mais Igarapé Grande onde o Frei Pascoal Rotta havia terminado o seu tempo e se transferido para a capital, a fim de trabalhar com jovens. Viajei para Barra do Corda, Maranhão. Ali se encontrava, em caráter experimental, um outro frade da Província do Ceará, além do Frei Jesualdo.


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Antes de viajar para Barra do Corda, tudo foi combinado com o Frei Jesualdo, diretor do convento e vigário da Paróquia de Barra do Corda. A minha chegada trouxe uma verdadeira alegria tanto para essa comunidade como para as pessoas a quem fui apresentado. O meu entusiasmo ia aumentado a cada instante que se passava. Comecei a trabalhar na catequese missionária em uma igrejinha da periferia (Tresidela) em que havia uma semente de comunidade assistida pelo Frei Redento, um frade italiano bem idoso e que tinha um verdadeiro espírito franciscano. Apoiou-me no trabalho catequético e me levou para substituí-lo nas aulas de religião do colégio local. Estava velhinho e com muito trabalho, pediu-me para auxiliá-lo em todas as suas tarefas. Ali, as coisas foram caminhando; o meu ideal estava sendo realizado como realmente pretendia. A comunidade religiosa era muito pequena, resumia-se a três missionários, sendo que eu e o Frei Teobaldo éramos leigos. O Frei Redento tinha, além de seu trabalho, um apostolado nos povoados vizinhos, inclusive na aldeia dos índios Canela, que, naquela época, eram bastante primitivos e viviam na aldeia a 80 km do centro de Barra do Corda.

Índio Canela - Barra do Corda - Maranhão, 1975


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Índio Canela - Barra do Corda - Maranhão, 1975

O artesanato, na aldeia dos Canela, constituía-se uma de suas principais atividades. Produziam cestos, redes de tucum, colares, arcos, flechas e saiotes. O cipó, a jacitara, escada de jabuti (tipo de cipó), o bambu, a fibra de buriti, a fibra de abacate e de açaí, o mulungu e o junco são comumente usados no artesanato indígena.

Índias Canela confeccionando peças de artesanato - Barra do Corda - MA, 1975


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Uma grande dor e decepção Neste período em que me encontrava em Barra do Corda, fatos foram relatados ao Frei Pacífico por um religioso de Limoeiro do Norte, cujo nome prefiro manter no anonimato, depondo contra a minha conduta e integridade, talvez pela força do preconceito (chegou a me dizer que eu tinha trejeitos efeminados). Isso contribuíu para que meus superiores desistissem de apostar em mim e resolvessem enviar em lugar da Carta Obediencial, a minha exclusão da Instituição. Recebi o comunicado do Frei Jesualdo, superior da comunidade de Barra do Corda, às 5 horas de uma tarde de domingo, quando me preparava para uma cerimônia religiosa na capela do bairro Tresidela, que me fora confiada quando ali cheguei. Senti uma dor tão forte, que quase morri de decepção. Desanimei, achei que tudo teria chegado ao fim e que Deus nada ouvira de meus apelos. Confortado pelo Frei Redento, fui aconselhado por ele a reunir alguns jovens, que postulavam a vida religiosa e que não tinham a menor condição de ingresso em seminários, e fundar um Instituto de Irmãos Catequistas, cuja finalidade, seria a de pregar o Evangelho onde os padres não podiam ir. Comecei com a elaboração dos estatutos e o regimento do «Modus Vivende», até que apareceu um ex-frade e outros quem compuseram o grupo e demos, então, início à Fundação. Soubemos que a Prelazia de Tocantinópolis passava por dificuldades no que se referia às pessoas para trabalhar na catequese missionária. Apresentamo-nos ao Bispo Dom Cornélio Chizzini. Fomos por ele recebidos com muito amor e carinho, o que contribuiu para que tivéssemos toda chance de exercer nosso trabalho missionário. Deu-nos a categoria de Animadores Pastorais onde tínhamos a incumbência de exercer atividades de educação popular para ajudar as pessoas da localidade na espiritualidade, na oração, no serviço, na missão, na vivência comunitária, possibilitando, assim, contribuirmos para a construção de uma sociedade justa e solidária. Fizemos parte do Conselho Diocesano, juntamente com os clérigos.


47 Foi um período de muita experiência e também de muito sofrimento. Cada dia que passava, experimentava a realização do meu ideal. O povoado onde fui trabalhar chamava-se Muricilândia (Tocantins), entre a rodovia Belém-Brasília e as margens do Rio Araguaia. Fomos apresentados à comunidade pelo Bispo durante uma missa solene. Ficamos morando em uma casa enorme. Tudo era muito precário; no início, tivemos que dormir até no chão. Mesmo assim, não nos preocupamos, pois o desejo de servir a Deus era o principal objetivo de nossa vida. Para o povo, comecei a ser visto como um grande protetor. Na realidade, dediquei, naquele período, todos os segundos de minha vida àquela gente pobre e tão abandonada. Era um lugar distante, onde as pessoas mal viviam e não tinham como se desenvolver. A nossa presença mudou muita coisa naquele povoado. Aos poucos, fomos levando a eles atendimento médico, construímos um pequeno centro comunitário, arrecadamos alimentos para distribuição e, com ajuda da LBA pudemos arranjar algumas máquinas de costura para beneficiá-los. Depois de quase dois anos, passei a ter a saúde abalada, devido a problemas biliares. Em, 1976 tive que ir a Fortaleza por questão de saúde, para ser submetido a uma colestectomia (cirurgia da vesícula). Quando estava com a saúde restabelecida, tentei permanecer no convento de origem. Não fui aceito pelo novo Provincial (Dom Geraldo), hoje, bispo afastado, que alegou ainda a questão de minha orientação sexual. Eu havia enveredado pela vida religiosa, mas evidente que se tratou de uma experiência religiosa equivocada. A minha prioridade na vida foi mudando. Começava assim o meu retorno à vida artística E a total dedicação a pintura, me deu a certeza de que, tudo o que é feito com amor, tem resultados positivos. Hoje, a criatividade, a capacidade de trabalho, o fervor religioso, a cultura e a arte repassados por padrinho Monsenhor formam uma base muito sólida para o desempenho de meu trabalho (Arte Sacra). Como vivo exclusivamente da arte, busco sempre a competência por meio do aprimoramento de técnicas e conceitos.


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FIRMAÇÃO COMO ARTISTA O desabrochar do eu-artista Toda pessoa que é da forma que sou, ou como sou, que escolhe este tipo de vestuário, que escolhe este tipo de aparência exterior, embora às vezes, nada tenha a ver com aquilo que tem de essência interior, essa pessoa quer chegar a sublimação do ideal a mulher. A mulher é a coisa mais linda do mundo. Essa descoberta gerou em mim uma confusão de pensamentos, quando adolescente, ao enfrentar o medo da família, dos amigos e da sociedade. A isso se juntaram as piadinhas recebidas e o enfrentamento das caras viradas por alguns ‘amigos'. Entendi, também, que a imagem interior de mim mesmo não era coincidente com a minha aparência física. Para o transtorno da noção de gênero, nesse caso, trago essa mulher dentro de mim, ao contrário do "sexo masculino", que me foi atribuído tão somente pelo registro de nascimento. No entanto, na maioria das vezes, o meu eu-artista conseguia que as posturas negativas e preconceituosas em relação à minha orientação sexual fossem menos rígidas, salvo em algumas exceções, antes relatadas e que foram determinantes para a desistência da vida religiosa, que tem seus padrões, as suas estruturas, suas constituições, regras e “forma vivendi”. Entendi que nada disso correspondia com aquilo que eu sou, que gosto ou que queria fazer. Esse episódio fez com que desabrochasse completamente o eu-artista plástico. Frei Domingos, vigário e superior do Convento dos Capuchinhos (Ordem dos Frades Menores Capuchinhos), deu-me a oportunidade de pintar a via sacra no Santuário do Sagrado Coração de Jesus. Alojou-me em um sótão que ficava em cima da sacristia. Morei nesse espaço, de 1977 a 1979, até concluir a obra. Depois, continuei pintando e dando cursos de pintura em uma casa paga pela Ordem dos Capuchinhos durante quase três anos.


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Primeira viagem ao exterior Em 1982, pela primeira vez, viajei ao exterior, com destino a Paris. Havia recebido o convite de uma amiga. Na “Cidade Luz”, tive a oportunidade de experimentar um outro tipo de vida, bem diferente daquela que, até então, havia levado. Em Paris, passei a conviver com outros grupos de minoria sexual. Registrei em fotos alguns pontos turísticos como: Tour Eiffel - monumento mais visitado do mundo; Quartier Latin - área de estudantes e intelectuais; l'Arc de Triomphe - um dos grandes marcos de Paris; a catedral de Notre Dame - uma das mais antigas catedrais francesas em estilo gótico. Nessa viagem, aproveitei para visitar muitos museus: Louvre, Musée Auguste Rodin, Musée d' Orsay, Musée Picasso, entre outros; e ainda diversos monumentos. No Museu do Louvre, é impossível ver tudo em apenas uma visita. Perdi as contas de quantas vezes estive nesse museu. Aproveitava cada primeiro domingo do mês, por ser o dia em em que os museus abriam as suas portas ao público (gratuito).

l'Arc de Triomphe, Paris-França, 1982


50 Não desprezei a minha espiritualidade, mantendo sempre a presença de minha fé. Fiz o circuito de igrejas, com destaque para aquelas de arte gótica e vitrais (Sainte Chapelle, Saint-Denis, Catedral de Notre-Dame e muitas outras). Tive a oportunidade de assistir à missa musicada da Catedral de Notre Dame e apreciar a beleza da Basílica de Sacré-Coeur.

Cartão postal da Catedral de Notre Dame, Paris - França

Sacre-Coeur em Montmartre - Paris França

A Sacre-Coeur é uma igreja localizada em um dos pontos mais altos da cidade, na montanha de Montmartre, o que torna possivel vê-la de praticamente qualquer lugar. O topo da igreja é aberto aos turistas. E de lá se vê quase toda Paris.

A permanência em Paris marcou uma nova fase em minha vida e em minha carreira, principalmente no meu estilo de pintar. Isso se deu devido às obras que tive a oportunidade de apreciar e os contatos com artistas de várias partes do mundo. De volta ao Brasil, tendo absorvido os costumes das grandes cidades como Paris, instalei-me em São Paulo. Foi na maior cidade brasileira, que conheci um conterrâneo que trabalhava no Banco Real. Decidimos alugar um apartamento no Edifício São Luiz Plaza, na rua da Consolação. As despesas com aluguel, diarista e mantimentos eram partilhadas meio a meio. Eu ficava em casa pintando, enquanto isso, meu amigo continuava a trabalhar no Banco.


51 Pouco a pouco, fui ficando conhecido e o meu trabalho ganhando sucesso. Então, o meu companheiro decidiu deixar o trabalho do banco e passou a vender os meus quadros (experiência nova para ele e que rendia mais do que como assalariado), além de me ajudar na armação e no molduramento das telas. Ficamos por um ano no apartamento da rua da Consolação e dali passamos a residir em uma casa antiga, na rua Leite de Morais, já que o apartamento se tornara pequeno e não dava condições de trabalho, devido ao grande volume de encomendas. Pagávamos um aluguel insignificante e, com o Plano Cruzado, que mudou a moeda de cruzeiro para cruzado, as coisas melhoraram ainda mais. Em pouco tempo, estávamos com dois carros, a casa toda mobiliada com móveis antigos e tinha até o meu piano. Durante o intervalo de tempo em que não estava pintando, debruçava-me sobre o teclado para executar os meus clássicos favoritos (nunca esqueci como tocar), aprendidos em meus cinco anos de curso de piano feitos quando criança em Limoeiro do Norte. Agradeço aos ensinamentos de dona Vilma, seu Odílio e Mariá e de uma americana que por lá passou durante o Programa Aliança para o Progresso, um programa de ajuda à América Latina, criado pelo presidente norte-americano John F. Kennedy, na década de 60. Conseguimos juntar dinheiro para viajarmos para Europa. Em São Paulo, mesmo tendo que usar de recursos artificiais, como implantes e cirurgias plásticas, também resolvi quebrar outras barreiras. Em minha cabeça só vinha um pensamento: "Seja você mesmo".

Outra vez Paris e a Suíça Viajei a Paris, pela segunda vez, no ano de 1985, juntamente com meu amigo. Foi uma viagem de sonhos, em que tentava permanecer por algum tempo naquela cidade para aprimorar-me ainda mais como artista e, depois mudar definitivamente de sexo. Durante a minha estada em Paris, morei no bairro de Montmartre. Paris, é destino obrigatório para quem procura arte e o respeito pela cultura - esta qualidade peculiar é encontrada em toda a França.


52 Na “Cidade Luz”, passei a pintar quadros e a vendê-los; de forma precária, porque, como pintor era bom e, como negociante, era péssimo. O meu amigo tinha dificuldade de vender as telas, pois não falava ainda o francês. Daí, além de pintar, me virava para negociar à venda desses quadros com os turistas. Com o passar do tempo, tive a oportunidade de comercializar até 20 dessas pequenas telas por dia. Assim, conseguia o dinheiro que garantia me manter em Paris e ainda sobrava um pouco para, de vez em quando, gastar em viagens a países vizinhos. A Place du Tertre, no alto de uma colina, conhecida mundialmente como Praça dos Pintores, fica a alguns metros da Basilique de Sacre-Coeur, a uma altura de 130 m de altitude. É nela que se concentra um número enorme de pintores e caricaturistas, além de galerias de cafés, bares, restaurantes, e casarios. Todo esse ambiente serve de inspiração a pintores de todas as partes do mundo. Nesta praça, por ser um dos pontos de Paris mais visitado pelos turistas, costumava pintar exemplares de pequenas telas retratando o local, ou outros monumentos turísticos da cidade.

Tela (25 X 20) pintada em Paris e vendida a turistas (1985)


53 Além dessas pequenas telas, vendida a turistas, ainda assinei outros quadros de maior valor que foram negociados tanto em Paris como na Suíça (por meio de uma amiga que lá residia). Terminada a validade do nosso visto de permanência na França, retornamos a São Paulo. Não consegui, nessa viagem, realizar o objetivo maior da ida à Europa, como havia planejado embora tenha adquirido melhor fluência no idioma francês, ampliado conhecimentos em História da Arte e, incorporado novas técnicas de pintura em meus trabalhos. Naquele período, meu corpo estava praticamente transformado. Não tinha mais a mesma fisionomia. As modificações físicas foram muitas. Para encobrir a calvície acentuada, passei a usar cabelos artificiais. Também me submeti a uma cirurgia de implante do meu próprio cabelo. A ingestão de hormônios femininos; o cuidado com a pele e com o meu corpo; a eletroterapia, para extinção da barba; tudo isso, pouco a pouco, foi me deixando com a aparência mais feminina. Eu me assustava, quando me via subitamente em espelhos das ruas ou das vitrines. Logo passei a ser confundido com uma mulher. Um dos maiores cuidados que tive foi o de evitar chocar as pessoas. Nada veio conturbar minha conduta moral nem tampouco a minha espiritualidade; que sempre foi firme e forte.

Foto tirada em 25 de outubro de 1978 para a cédula de identidade

Visual modificado (1985)


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Cusquenhos, a imprensa e a libertação interior Em São Paulo, eu e meu companheiro continuamos a nossa vida normal. Por ser artista e ter me tornado conhecido por minhas obras, sempre que procurado pela imprensa, a encarava sem o menor constrangimento. Fui entrevistado no Sem Censura, da TVE BRASIL, numa discussão polêmica sobre o estilo de Cusquenhos que reinterpretava em telas. Nunca achei que a decisão e a coragem de assumir essa nova postura fosse motivo de desagradar a Deus e me tornar dele um inimigo. Pelo contrário, achei que, conseguindo ajustar o meu lado psicológico, seria mais equilibrado comigo mesmo e com os outros. A prática sexual não foi fator primordial em minha vida. Em meu entender, não se faz sexo por divertimento nem por oportunidade, mas como resposta e complemento de um sentimento a dois. Naturalmente, faz-se necessária a existência de real disposição. Nesse aspecto da prática sexual, sempre fui muito tímido. Acreditei sempre que amar, tocar, sentir e ter correspondência de todo esse sentimento têm mais valia do que o próprio ato. Uma coisa que jamais me deixava bem à vontade, era o fato de me deitar com outro homem, tendo eu o corpo de homem. Mesmo que o parceiro achasse tudo normal, cobrava de mim mesmo a figura física de uma mulher que, tenho certeza, havia dentro de mim. A idade não me impossibilitaria de realizar o meu ideal, pois não existem somente mulheres jovens e bonitas. Eu estaria tomando o aspecto de uma senhora de boa aparência e ainda com um pouco de sensualidade. Fui descobrindo meu caráter essencial e procurei enveredar-me pelos caminhos mais fáceis, privando-me de certos direitos, para não perder o decoro. Comecei, então, a cuidar da aparência e da minha alma. A forte base de minha formação moral, trazida de minha infância (ocorrida na casa do padre) e do modo de vida de meus pais, totalmente estruturada na religião e nos bons costumes, foram fatores muito favoráveis à minha decisão. Minha família, tradicionalmente conservadora, com muita cautela, foi se adaptando a essas mudanças e também aceitando essa minha transformação. Para quem tem que enfrentar muitos preconceitos, essa é uma situação difícil. O que queria era ser simplesmente uma mulher


55 artista, dona de minha casa, amiga de minha vizinha e esposa de meu companheiro. Em momento algum, pensei em fazer essa mudança para agredir a sociedade ou para protestar contra algo. Sempre pensei em viver bem e fazer ainda os outros viverem felizes. Deixar agora de esconder a minha orientação sexual foi o meu primeiro grande passo para a libertação interior. À medida que o tempo passava, sentia que a arte me protegia. Eu era bem aceito, conseguia ter boas relações de amizade. Enfim, os meus dons artísticos sublimavam as diferenças. Mas, no íntimo, dentro da alma, aquilo representava uma mácula para mim.

Alemanha e Tailândia A minha decisão era definitiva, ou seja, fazer a cirurgia de redesignação sexual - SRS. De início, fui à Alemanha, onde trabalhei muito (pintei o Teatro Salambo, em Hamburgo), juntei dinheiro suficiente para cobrir uma cirurgia de tal porte e viajei com destino à Tailândia, em companhia de um amigo, viagem feita sem que falasse a ninguém. Em novembro de 1989, chegava à Tailândia, cidade de Bangkok, com o objetivo de, mais uma vez, tentar concretizar esse meu sonho. Fiz uma série de exames, logo que cheguei. Enquanto aguardava a data marcada para a cirurgia, achei melhor aproveitar o máximo da minha permanência para conhecer um pouco da civilização asiática. Embora os arranha-céus estivessem por todos os lados, na paisagem urbana, dominavam os tetos dourados dos mais de 300 templos espalhados pela cidade. Em alguns lugares, o silêncio só era quebrado pelo barulho dos sinos durante as cerimônias religiosas da maioria da população, o budismo. Tudo isso me encantou. Sino em um templo na Tailândia


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Cartão postal enviado de Bangkok para minha mãe, em 1989

A Tailândia é também um país de contrastes entre modernidade e tradição, riqueza e miséria (muita prostituição e fome). Na sua maior cidade, Bangkok, os templos são riquíssimos.


57 Poucos dias antes de embarcar da Alemanha para a Tailândia, tinha tido bronquite, por causa do intenso frio naquele país. Depois de realizar todos os exames de rotina no préoperatório, o médico-cirurgião me falou da impossibilidade de me submeter, naquele momento à cirurgia, alegando aumentar o risco de complicações durante uma intervenção de muitas horas. A notícia de que não poderia, mais uma vez, concretizar o tão antigo sonho, deixou-me num estado emocional desesperador. Nem retornei à Alemanha e, de imediato, voltei ao Brasil aniquilado.

Na Alemanha

Foi uma fase bastante difícil. Com o passar do tempo, recuperado desse estado que me abateu, retomei minha trajetória de artista, sempre mergulhado no trabalho, ora no Ceará (na minha casa no Eusébio), ora em São Paulo, por ser uma cidade que abre as portas para o mercado de obras artísticas. Com o meu trabalho divulgado, até criei uma comunidade de jovens artistas, incentivando-os para que cada um deles procurasse explorar a sua criatividade e o seu verdadeiro potencial e fazer aquilo que sabe fazer e não tentar imitar os outros. Enquanto consolidava o meu espaço no mundo artístico, senti que precisava continuar essa longa caminhada em busca de minha verdade. A minha alma era feminina. Queria viver exercendo meus direitos e cumprindo meus deveres sem constrangimentos. Ter o direito à felicidade, à aceitação, à dignidade, à justiça e ao respeito! Desejava usufruir desses direitos essenciais e universais, inerentes a todo e qualquer ser humano.


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POR OPÇÃO Passavam-se os anos e não desistia da idéia da redesignação sexual. Procurava informar-me, com pessoas operadas, sobre lugares, médicos e tudo que viabilizasse realizar essa intervenção, que, de certa forma, aqui no Brasil, salvo em casos muito raros, era considerada ilegal. Não precisei ir muito longe, como antes, mas apenas de uma boa soma de dinheiro e muita coragem para atingir o meu objetivo. No ano de 1994, numa de suas manhãs, finalmente o meu desejo de tantos anos era alcançado, sem constrangimento e com muita coragem. Não houve maiores problemas no pós-operatório. Logo retornei à minha casa no Ceará, para convalescer dessa cirurgia, que, afinal, fora de grande porte. Nessa etapa da minha vida, não existia o menor sinal do que era antes. Quando se sacrifica o sexo que inexiste em você - que só existiu nos papéis -, e se recria no sexo adquirido mediante uso de hormônio, e de uma cirurgia irreversível, passa-se a ser uma “mulher”; dentro da alma, porém, aquilo não passa de um remendo. Concretizei o meu maior desejo ao realizar a cirurgia de feminização da genitália (neocolpovulvoplastia), garantindo-me, assim, uma vida mais adequada, com maior conforto e felicidade. Uma cirurgia dessa natureza é uma espécie de remendo que se põe na vida. Pouco a pouco, meu passado foi se apagando, minhas frustrações, complexos, revoltas e traumas. Adaptei-me lentamente à nova situação. A vaidade era bem maior do que a dor física. Para suportar o que suportei, precisava mesmo mover-me apenas pelo ideal. Nunca desejei adotar filhos. Para me sentir mãe, precisaria ser uma mulher natural, e trazer em minhas entranhas o sentimento materno. Já que é tudo fantasia, quero viver a minha até o fim. Além disso, acho que adotar uma criança é uma responsabilidade grande e, com a vida um tanto nômade, não poderei assistir à educação de uma criança que me for confiada. De início, só uma coisa achei que seria um pouco difícil. Voltar ao seio da família, das amizades antigas e me deparar com o povo de minha cidade. Não sabia como enfrentar os meus antigos


59 professores, os padres que acompanharam toda a minha infância,os amigos e amigas de meus pais, enfim, todos de minha cidade que me respeitavam. Percebi que se aparecesse como uma mulher calma, modesta, vestida decentemente e bem equilibrada, teria deles o respeito e a consideração. Não foi preciso mais do que isso. O fato é que nem sequer foi necessário pedir para que me chamassem "Márcia" e de me tratarem por "ela". As coisas foram acontecendo naturalmente, na medida em que me livrava do complexo que me rotulava nesses trinta e tantos anos. No que se refere à inserção social, voltei a circular entre padres, freiras e até a executar grandes trabalhos artísticos para conventos e igrejas no Ceará. Referiam-se a mim como "pintora famosa" e tive a aceitação da sociedade. Hoje, sinto-me bem, aceito-me muito bem e tenho a certeza de que tudo o que fiz, foi o passo mais acertado que dei para conseguir o meu próprio bem-estar. Cada um passa por aqui com uma missão a cumprir e, no fim, prestará contas por si mesmo ao Pai, que determina um caminho aonde cada um vai, escolhido pela sua própria consciência. Meu pai morreu, deixando para mim uma exortação: "de que nunca perdesse minha postura nem minha dignidade". A maior complicação seriam as alterações de nome e de gênero na identidade civil. Em minha documentação, consta o nome Márcio, o que ainda hoje tem trazido inúmeros constrangimentos. Aonde vou, mesmo que seja para comprar sapatos, quando preciso passar um cheque, vejo-me enfrentando problemas extremamente desagradáveis, a exemplo de, certa vez, quando fiquei detida em um posto da Polícia Rodoviária do Rio Grande do Norte, por conduzir um veículo portando documento de habilitação com nome masculino e ser vista pelos patrulheiros como uma mulher. Fatos como esse e outros mais, enfrentados em meu dia-adia, levam-me a fazer um apelo às autoridades e aos políticos, no sentido de que seja repensada a legislação brasileira no tocante a casos como o meu, hoje muitos no país, que necessitam de alteração no registro civil.


60 Deixo aqui uma mensagem tirada de minha experiência de vida:

"Uma pessoa só existirá inteiramente, e de verdade, a partir do momento em que corajosamente decida quebrar as barreiras do preconceito para ser ela mesma e não o que os outros queiram que ela seja".


2 DE RETALHO EM RETALHO



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DESCOBRINDO CAMINHOS Marcise Mendonça Vital

O primeira parte deste livro reproduziu textos originais, datilografados ou manuscritos por Márcio, que tencionava publicálos. Como não conseguiu concretizar esse intento, eu e minha mãe resolvemos organizá-los e acrescentar a ele outras três partes, cujo conteúdo inclui: fatos vividos pela criatura, obras criadas pelo artista; manifestações escritas por amigos, pela imprensa e; reconhecimento de órgãos governamentais. De retalho em retalho, estamos agora concretizando aquilo que foi um sonho para ele e, que se tornou, também, um sonho nosso: ver publicada a sua história de vida, escrita em linguagem simples, mas com muito amor.

A tendência pelas artes Márcio ainda era muito criança, quando meus pais notaram a sua tendência pelas artes. Uma das primeiras manifestações de que havia nascido com esse dom se deu durante a visita de Nossa Senhora de Fátima a Limoeiro do Norte, em 1953. A catedral estava repleta de fiéis para a missa. No altar-mor, estava a imagem da Nossa Senhora, vinda de Portugal em peregrinação por diversas cidades do Brasil. Enquanto todos os diáconos, padres e bispos se preparavam para a concelebração da Missa, minha mãe se encontrava no coro da igreja, juntamente com os integrantes do coral que se apresentava nessa solenidade. Lá do alto, observou que uma criança, no altar-mor, não tirava os olhos da imagem da Virgem. Quem via era seu filho, de pouco mais de quatro anos, no meio de tantos sacerdotes, quase que extasiado ao ver aquela imagem. Passou-se a cerimônia, os dois voltam para casa.


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Mamãe sempre foi muito rigorosa na questão de bagunças na casa e não admitia que riscássemos as paredes. O tão pequenino artista encontrou uma solução para retratar o que lhe havia deslumbrado tanto. Pegou um lápis e, bem por trás da porta que separava o quarto onde dormíamos do quarto do casal, desenhou aquela maravilhosa Nossa Senhora, acompanhada de três pastores, ajoelhados e de mãos postas. Tudo estava retratado em seus mínimos detalhes. No dia seguinte, grande foi a surpresa de mamãe, ao depararse com o desenho ali por trás da porta. Dessa vez, ela não teve coragem de brigar com ele e, imediatamente, chamou papai para mostrar o tão perfeito desenho de Nossa Senhora de Fátima. Nesse mesmo dia, no final da tarde, antes de ir para casa de padrinho Monsenhor, como de costume, Márcio apanhou um pedaço de carvão e reproduziu novamente na calçada o retrato de Nossa Senhora de Fátima, em tamanho ampliado. Foi a partir daí que nossos pais perceberam que ele não era uma criança como as outras. Guardamos alguns objetos criados durante os seus primeiros anos de existência e que demonstram a sua tendência para as artes, manifestada nas formas de pintura e de escultura.

Pequenos objetos confeccionados com papel de seda, cartolina, tinta guache, bonequinha de plástico e algodão


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Quadro em papelão de caixa de sapatos, lápis de cor, tinta guache e torçal

Aos seis anos de idade, escreveu uma carta a "Papai Noel" em seu nome, com pedidos de um caminhão, para ele, e de presentes, para seus irmãos. Naquela idade, acreditávamos piamente na existência de Papai Noel e até íamos dormir bem cedo, deixando o sapato embaixo da cama, para que o presente fosse depositado lá pelo Papai Noel. Acho que, diferentemente da maioria das crianças, nós recebíamos a visita do Papai Noel por duas vezes. A primeira delas, na noite de 24 para 25 de dezembro. A segunda visita, dava-se depois do almoço, dia 25, ocasião em que fazíamos a sesta, deixando antes os sapatos embaixo das camas.


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Carta escrita a Papai Noel, em dezembro de 1955

Depois de muitos anos entendemos por que isso ocorria. Nossos pais presenteavam-nos nessa primeira visita em nome daquele velhinho com roupas vermelhas, barba branca, cinto e botas pretos. A segunda visita, ou seja, a suposta volta de Papai Noel, era a vez de recebermos os presentes de padrinho Monsenhor.

Riscando os livros e cadernos escolares Dos fatos que aconteceram em sua inf芒ncia, vale a pena ser destacado um epis贸dio ocorrido quando ele iniciava o curso prim谩rio na escola da catequese, subsidiada pela par贸quia. Como gostava de riscar os cadernos, sua professora afirmou que, cada dever que riscasse, ela descontaria um ponto da nota final que, tinha como


67 grau máximo, 12. Numa determinada ocasião, Márcio passou a tarde toda estudando para fazer uma prova. Mamãe tomou-lhe os apontamentos e, de fato, verificou que estava apto a ser examinado no dia seguinte, então falou: - Quero que você me traga um 12 na prova. No dia seguinte, ele saiu para a escola e de volta, falou: - Mamãe, a professora pediu para levar um caderno novo, pois o meu já acabou. Ela perguntou-lhe sobre o resultado da prova e ele, todo desconfiado, disse: - Eu só tirei 11. Mamãe questionou o resultado e ele respondeu: - Foi por causa do que eu desenhei. Achando estranha aquela resposta, mamãe pediu que ele mostrasse o caderno em que tinha feito a prova. Na última página, estava a prova com valor 11 e, na contracapa do caderno, o retratado de sua professora Alzenir Saldanha, com duas trancinhas amarradas por tirinhas. O que aconteceu foi que, no momento em que sua professora corrigiu a prova, o seu espanto foi grande ao se reconhecer naquele desenho, mas cumpriu o que havia dito e subtraiu o ponto do resultado, por ele ter novamente riscado o caderno. Na infância, começou também a criar pequenas esculturas em giz para quadro-negro. Nesses pequenos pedaços, conseguia esculpir, de uma maneira quase inacreditável, figuras de japonesas, pintadas de tinta guache adquirida na mesa de desenho da casa de padrinho Monsenhor. Mesmo com o passar dos anos, ainda continuava a riscar seus cadernos, além dos livros que também eram rabiscados. Acredito que, principalmente o de Matemática, por ser essa a matéria que mais achava “chata”. Ainda na infância, Márcio foi procurado por um dos filhos do sr. Zé Pequeno, que sabendo da sua habilidade para desenhar, pediu-lhe que montasse uma estória em quadrinhos para registrar episódios da aparição de “um disco voador” que afirmava ter visto. Aceitando o desafio, utilizou um caderno de desenho para ilustrar a estória através de quadros, que depois pintou com aquarela.


68 Na foto abaixo, de uma página do livro de Matemática adotado no curso ginasial, podemos encontrar o esboço de uma Cleópatra.

Esboço de Cleópatra no livro de Matemática do autor Osvaldo Sangiorgi

Em suas brincadeiras de fundo de quintal, local em que costumava ficar por horas e horas, havia sempre uma reprodução do cenário dos filmes de Tarzan ou dos filmes bíblicos, como: “Os 10 Mandamentos”, “Sansão e Dalila”, e outras películas de muito sucesso, assistidas no cinema de Limoeiro. Sua criatividade era tão grande que qualquer material descartável e jogado de lado (sacos vazios de cimento, latas, pedaços de madeira, pó de serragem etc) passava a ter utilidade na composição de seus cenários. Ainda muito criança, ajudava o padrinho Monsenhor na montagem da Lapinha, por ocasião das festividades do Natal.


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A Escola de Belas Artes Até os 13 anos Márcio não havia recebido formalmente qualquer noção de pintura ou escultura, a não ser as adquiridas na casa do Monsenhor. Foi nessa época que mostrou seus desenhos para Marinalva, esposa de nosso tio, que visitava os familiares do marido em Limoeiro. Como ela era uma pessoa de visão mais ampla e dotada de grande sensibilidade, logo o incentivou a ingressar na Escola de Belas Artes, em Recife. A idéia foi absorvida e, no ano seguinte, viajou para essa cidade em companhia de mamãe e, ingressou no curso livre da Escola de Belas Artes. Seu primeiro trabalho de modelagem foi o rosto de uma japonesa (foto abaixo).

Escultura executada na Escola de Belas Artes,1964

Destacou-se em trabalhos ali realizados e teve alguns deles mostrados nas revistas editadas pela escola. Costumava dizer que a sua passagem pela Escola de Belas Artes foi muito importante porque "até então eu não tinha um estilo em virtude da minha versatilidade e de meu talento. Na Escola, consegui firmar-me em diversos estilos, conhecendo as suas técnicas profundamente, o que faz de meu estilo ser uma síntese da presença de todos os estilos".


70 Nas férias, retornava a Limoeiro, trazendo na bagagem alguns de seus trabalhos executados na Escola de Belas Artes para presentear a nossos pais, como as esculturas nas fotos a seguir.

Escultura executada na Escola de Belas Artes, 1965

Escultura executada no período em que estudava na Escola de Belas Artes

A Escola de Belas Artes funcionava na rua Benfica, contava em seus quadros, artistas plásticos de maior renome em Pernambuco e reconhecimento universal. Além de formar artistas, promovia e apoiava movimentos artísticos, contribuía para o desenvolvimento e a preservação da cultura no estado pernambucano. Em 1976, foi extinta para formar o CAC - Centro de Artes e Comunicação (junção da Escola de Belas Artes, da Faculdade de Arquitetura, do Departamento de Letras e do Curso de Biblioteconomia)


71 Durante a sua permanência em Recife, época em que estudava na Escola de Belas Artes, foi fortemente influenciado pelo ambiente monástico do Mosteiro de São Bento, em Olinda, que costumava visitar, o que se refletiu em seus desenhos, esculturas e pinturas. Abaixo, alguns desenhos em nanquim sobre papel, datados de 1965, demonstram essa religiosidade transparente.

Cenas que se referem à mística da vida religiosa (1965)


72 Ainda no papel, teve a oportunidade de brincar com os lĂĄpis de cor e gizes de cera, fazendo surgir figuras como Jesus Cristo, Santo AntĂ´nio, SĂŁo Francisco, anjo e outros santos e santas.

Jesus Cristo, santos, santas e anjo (1965)


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Sempre Limoeiro Desde que partiu de Limoeiro do Norte com destino a Recife, para ingressar na Escola de Belas Artes, as suas idas e vindas à cidade natal foram constantes. Era costume permanecer algum tempo fora, dado o seu espírito de andarilho. Todavia, de quando em quando, retornava ao seio de sua família. Em cada uma dessas vindas, deixava novos trabalhos, pintados ou esculpidos por solicitação dos amantes de sua arte, como o Chapeuzinho Vermelho e o retrato do sr. Irapuan Dinajar Feijó. Na adolescência, ele pintou uma tela intitulada "Garoto da Rua". Essa obra, executada sobre encomenda de Dr. José Nilson Osterne, foi inspirada em uma música de mesmo nome, de René Bittencourt, gravada em 1947, pela Columbia, na voz de Augusto Calheiros. Hoje o quadro está em poder da sra. Maria Mendes, que ganhou de presente de Dr. José Nilson (seu cunhado). A foto a seguir mostra algumas esculturas que decoraram o jardim da casa de nossos pais em Limoeiro do Norte e tiveram a sua assinatura. Hoje, encontram-se em Olinda - Pernambuco, em poder de minha mãe.

Esculturas em poder de Francisca Maia Mendonça


74 Em uma de suas curtas permanências em Limoeiro do Norte, na década de 70, lecionou Artes no Colégio Diocesano. A foto abaixo retrata a execução de uma escultura em barro, na oficina do Colégio do "Padre Pitombeira".

Aula de escultura no Colégio Diocesano, década de 70

Por ocasião dos Quintos Jogos Olímpicos Jaguaribanos, esculpiu uma deusa olímpica, como símbolo dos jogos da região. Inicialmente, foi colocada num pedestal construído num cruzamento que ficava em frente à catedral de Limoeiro do Norte.

Escultura em execução, sala da Escola Normal, 1969 Fonte: Limoeiro em fatos e fotos, organização de Maria das Dores Vidal Freitas e Maria Lenira de Oliveira, 1997


75 Para Rocha de ALMEIDA (Correio do Ceará, 30/06/1976) "Na Arquitetura, segunda de seus dons, vibra harmoniosa e fulgurante a nota alta de simpatia humana, sobretudo na interpretação dos encantos feminis, a respeito do que, uma Deusa Olímpica que esculpiu para uma das praças de Limoeiro do Norte, alí está erguida para dizer às multidões, ao longo dos tempos, a sua lição de equilíbrio, perfeição e beleza" Em 1980, a deusa olímpica foi retirada do local onde se encontrava inicialmente, para ser colocada no mesmo pedestral uma estátua de Dom Aureliano Matos, também com sua assinatura. Dessa deusa, não sabemos o seu paradeiro. Temos apenas uma página de jornal com a foto abaixo.

Deusa olímpica antes de ser retirada do pedestal Fonte:Boletim Campus, Limoeiro do Norte/CE, Agosto de 1980 - Nº 19.

Estátua de Dom Aureliano Matos durante sua execução, 1980


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Localização de suas obras Das esculturas e quadros executados e assinados em mais de trinta anos dedicados às artes plásticas pelo artista limoeirense, tem-se conhecimento da localização de algumas peças. Isso porque, além de ter trabalhado fora do Ceará, Márcio nunca teve o cuidado de catalogar as obras que assinou. Muitos de seus trabalhos foram adquiridos aqui no Brasil e levados para fora do país, além daqueles que pintou em suas viagens ao exterior. Foi em Recife (1964-1966) que se deu o início de sua participação em exposições. A Escola de Belas Artes promovia mensalmente uma coletiva dos melhores trabalhos dos alunos. Logo surgiram alguns trabalhos pintados sob encomenda a pessoas de Limoeiro, Tabuleiro do Norte, Morada Nova, Fortaleza e Recife. Em 1969, pintou uma tela para a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos - FAFIDAM, intitulada "O Jaguaribe". Nos anos seguintes, a pedido do, então diretor da FAFIDAM, Cônego Misael Alves de Sousa, executou o retrato (1970) do primeiro bispo de Limoeiro do Norte, Dom Aureliano Matos, e a tela "Coruja" (1973), destinada à sala dos professores daquele estabelecimento.

"O Jaguaribe" que se encontra na FAFIDAM em Limoeiro do Norte(1969)


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“Dom Aureliando Matos" (1970)

Coruja" (1973)


78 Data ainda de 1970 uma de suas telas sob o tema "A fome". Quando ele olhava para essa tela em minha casa, comentava: “- Não gosto deste quadro, pois reflete a vida de pobreza e da seca do sertão. Só pintei, porque foi a pedido de seu marido.” Pintar em diversos estilos, era para ele, antes de um desafio, uma escolha particular, sempre ligadas aos estudos, ensaios, observações, experiências. Em 1970, pela primeira vez fez parte do “20° Salão de Abril”, em Fortaleza, estado do Ceará, e foi premiado com o tema "Deus e a Filosofia". No ano seguinte, esteve entre os pintores da Sala Especial dessa renomada mostra de artes plásticas de Fortaleza e uma das mais tradicionais do País, juntamente com outros pintores famosos, exibindo o quadro intitulado "Criação".

Tela exposta na Sala Especial do 21° Salão de Abril (1971), Fortaleza/CE

Entre 1970 e 1976 a pintura de Márcio assumiu a corrente surrealista e, deixou vários trabalhos em Recife, Natal, Fortaleza. Utilizava mais comumente o óleo como técnica de representação. Inúmeras telas foram pintadas nesse período: “A Estátua de Sal”, “Medusa”, “Nanã Buruquê” e “Execução de Joana d “Arc”, entre muitas outras.


79 Durante o período de sua vida dedicada a missões religiosas como noviço do Convento dos Capuchinhos, em Fortaleza (1975), executou a estátua da "Virgem da Conceição", colocada sobre a torre do Centro Comunitário de Igarapé Grande, no Maranhão. Depois da passagem por curto período na vida religiosa, suas pinturas continuaram a ter influências da corrente surrealista. Iniciou em 1975 a pintura de uma "Medusa", tela que ficou inacabada em minha casa. Ainda se encontra em meu poder uma tapeçaria que criou e confeccionou nesse mesmo período, enquanto se restabelecia, em minha residência, de uma cirurgia.

Tela inacabada de Medusa em posse se Marcise Mendonça Vital (1965) - Olinda/PE

Em edição do Correio do Ceará, de 30 de junho de 1976, Rocha de ALMEIDA escreveu “Márcio Mendonça é um escultor e pintor limoeirense que esconde na alma a elegância de um Cézanne e, a braços com o hiperrealismo, ele se constitui num dos mais genuínos representantes dessa corrente em nosso meio, porque efetivamente a adotou quando ela mal despertava lá fora. O que produziu até aqui constitui uma reação à pieguice e às imitações de traços de tintas centenária, porque a corrente a que pertence não deriva das angústias de expressão de um academismo fatigado. Busca, em termos de pintura, uma saída para o ar livre, onde contam as cores brilhantes, com o propósito estético de exprimir a sensação sadia e espontânea da vida”.


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A partir do final de 1976, sua pintura voltou-se para a temática religiosa, vindo à tona todas aquelas lembranças de criança em Limoeiro e de um universo religioso vivido entre as freiras, igrejas, padres, altares e imagens, reforçados por sua passagem na vida religiosa. Tanto ao pintar as suas freiras como cenas alusivas à temática religiosa, sempre fez questão de expressar o seu verdadeiro apostolado. Buscava os efeitos de luzes noturnas de um Georges de La Tour ou uso da luz de um Caravaggio (suas influências). Data de 1976 a pintura do painel de fundo do altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, na cidade de Fortaleza, intitulado “Calvário”, que, segundo o padre Ferreira, a pedido do bispo, foi retirado da igreja, para conservá-la em sua forma original e, não informou o paradeiro da tela. Uma de suas maiores obras foi pintada no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em Fortaleza-Ceará. O acervo é formado por 20 telas, sendo a “Via Sacra (14 telas), quatro telas com os “Quatros Evangelistas” (João, Mateus, Tiago e Lucas) e outras duas telas “Multiplicação dos Pães e Peixes” e “Bodas de Canaã”. Iniciou a primeira das vinte gigantescas telas em 1977 e as concluiu em 1979.

Ocasião em que pintava uma das telas da via-sacra, 1977


81 Assinou em 1980, uma de suas maiores telas, “A Pregação de João Batista”, que se encontra na igreja de São João Batista Tauape, em Fortaleza-Ceará. Nos anos 1980/1981, em Limoeiro do Norte, realizou um trabalho de restauração do altarmor da catedral em estilo barroco, fazendo aplicações de folhas de ouro nos ornados, cornijas, volutas e capitéis das colunas Durante a execução da obra, chegou a se pronunciar para o Boletim Campus, sobre o espírito de O altar-mor da catedral fm fase de restauração, 1980 conservação que esperava da Fonte: Boletim Campus - Limoeiro do população: “Eu gostaria que todo Norte/CE, setembro/1980 - Nº 21. o nosso povo se interessasse mais pela cultura, pelo conhecimento daquilo que foi e que deverá permanecer por toda a vida. Se a Catedral é antiga, antiga ela deverá permanecer, muito embora sempre limpa, zelada, mas conservando o seu estilo”. A tela de Nossa Senhora da Conceição, com cerca de quatro metros, para Executando a tela de Nossa Senhora o teto da Catedral de Limoeiro do da Conceição Norte-Ceará, tem a sua assinatura Fonte: Boletim Campus - Limoeiro e foi datada de 1981. do Norte/CE, novembro/1980 - Nº 23.

Ainda continuou a executar, na Catedral de Limoeiro, outras três grandes telas: o quadro da "Imaculada Conceição", medindo 10 metros de comprimento e colocado no teto da Catedral; a "Santa Ceia"; e as "Bodas de Canaã", afixadas nas laterais do altar-mor. Foi nesse período que esculpiu a estátua de Dom Aureliano Matos, que, como foi afirmado antes, ocupou o local onde estava a deusa olímpica. Na Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, em Fortaleza, executou dois gigantescos painéis: "A Anunciação do Anjo" e a "Ressurreição", datados de 1982.


82 Em 1983, pintou os painéis do Clube Cassino Guarani, de Fortaleza, inspirado na obra "Iracema", do escritor cearense José de Alencar. Entre 1984/86, no circuito Paris/São Paulo assinou inúmeros trabalhos e participou de movimentos artísticos. Foi a partir desse período que reinterpretou a “Escola Cusquenha” mediante um trabalho de alta qualidade técnica e de esmerado acabamento, tendo em sua característica a certeza de profundo estudo e constante pesquisa do que figurava e retratava da arte andina. Nos cusquenhos, abusava do vermelho, do amarelo e das cores terrosas. Ressaltava a beleza física das figuras agigantando os santos. Caprichava nas rendas, os mantos eram suntuosos e davam contorno de monumento a cortinas e colunas. Com a liberdade de recriar, tornou seus trabalhos um tanto polêmicos, porém bem realizados. Na composição de cada obra, traduziu um sentimento místico nas cores e nas formas. Nos anos que se seguiram, graças à sua versatilidade, conseguia reproduzir em suas telas as duas formas distintas de pintura. Com a mesma facilidade com que a pintura sacra era executada em gigantescos painéis nas igrejas cearenses, reinterpretava a arte andina em seus anjos e arcanjos, Nossa Senhora e tantos santos e santas destinadas a coleções de particulares, galerias do Brasil e do exterior. Em 1987, participou de uma exposição na Galeria de Arte Espade (Escola Paulista de Arte e Decoração) em São Paulo, local que atraia muitos artistas plásticos famosos do país. Nela, também vendeu inúmeras telas. Fez parte de uma exposição coletiva no Salão Nobre da Universidade de São Paulo (1988). Ainda nos anos oitenta, esculpiu o busto do Monsenhor Otávio de Alencar Santiago que, segundo Castello Branco: "Até mesmo o singelo e esguio monumento, encimado por sua erma (obra do afilhado Márcio Mendonça), que a Diocese ergueu em sua honra, por ocasião do Cinqüentenário de criação do Bispado (1988), e que se encontra no início do passeio em frente à Catedral, foi danificado por ato de irresponsabilidade no trânsito, caindo o busto por terra e ficando praticamente desfigurado! E quase ninguém se deu conta do fato, à exceção de Dona Maria Guerra Dias, esposa de Sebastião Dias Queiroz, a qual ajuntou os pedaços e os guardou com cuidado"


83 Em uma de suas viagens ao exterior, executou alguns dos painéis na parte interna e realizou restaurações no Teatro Salambo, na cidade de Hamburgo - Alemanha (1989/1990). Não chegou a concluir os painéis externos desse teatro de Strip-Shows por se negar a pintar o Sacro-profano. O Salambo existiu por aproximadamente 30 anos. Desde 1997, nas áreas do Salambo está o Table-Dance-Club: The Dollhouse.

Teatro Salambo (1990) - Hamburgo/Alemanha

Na década de 80, infelizmente, perdemos de vista trabalhos que não sabemos para quem foram vendidos ou aonde foram parar. Nem sempre as galerias informam o paradeiro das obras ou mesmo os nomes dos particulares que as adquiriram. Esse sigilo existe para que o interessado em adquirir uma obra de arte não procure comprar diretamente com o artista. Entre 1989 e 1993, foram diversos os quadros de sua autoria que circularam em galerias de Recife, Salvador, São Paulo e Fortaleza e que foram adquiridos por pessoas importantes e até apareceram decorando ambientes em novelas de TV. Embora residindo em São Paulo, passou quase uma década como proprietário de uma chácara no Eusébio, Ceará. Era nesse recanto que permanecia, mesmo que apenas em alguns meses do ano, quando voltava ao Estado. Ali se enclausurava para executar os seus trabalhos. Aos poucos, foi transformando esse ambiente em um miniconvento, onde, edificou uma pequena capela. Sua casa era decorada com peças sacras adquiridas em antiquários ou


84 recebidas como doação; além de esculturas e cusqüenhos por ele executados. Algumas vezes, abriu esse espaço para visitação pública (fotos adiante).

Casa em Eusébio - CE, fachada da capela

Casa em Eusébio - CE, sala principal da com diversos cusquenhos

Nos anos noventa, permanecia mais tempo no Ceará, principalmente depois dos três primeiros anos desta década. Em 1993, pintou um painel no refeitório do Convento dos Irmãos Capuchinhos, em Messejana-CE.


85 O mural da Igreja de Santa Edwvirges, em Fortaleza, foi executado em 1994. Ainda nesse mesmo ano, realizou uma exposição individual no Espaço Cultural do Banco do Brasil, no Ministério da Justiça de Brasília, Distrito Federal. Dedicou em 1994, aos capuchinhos da Província de São Francisco das Chagas do Ceará e Piauí uma tela intitulada “Rainha da Ordem dos Menores”. Em 1995, pintou diversas telas para a Paróquia de Nossa Senhora da Piedade, em Fortaleza, da qual faz parte o Colégio Dom Bosco (Salesiano) e, nesse mesmo ano e no seguinte, executou outras telas na Capela interna do Convento dos Frades Capuchinhos, em Fortaleza, e no Convento de Guaramiranga, Ceará. Nos anos de 1995 a 1997 permaneceu no circuito CearáPernambuco. Data de 1996 a tela Purgatório”, que encima o tecto da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Aracoiaba - Ceará. Foi doada pela Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na capital cearense. Durante curta temporada em Olinda, Pernambuco, em 1996, a pedido de sua sobrinha Milena, colaborou com os alunos do Colégio São Bento, por ocasião dos jogos internos, executando dois gigantescos painéis que serviram de cenário para as coreografias apresentadas sobre o Egito Antigo, tema que tanto o havia fascinado na infância naqueles filmes a que assistiu. No final de 1996 e primeiro trimestre de 1997, instalou um ateliê na Cidade Alta de Olinda, tradicionalmente artística, e ali se dedicou a pintura de cusquenhos retratando Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Carmo, além de seus anjos, para galerias de Recife e para coleções de particulares. De volta ao Ceará, executou algumas telas para o Convento dos Capuchinhos de Guaramiranga. Segundo as suas próprias palavras, a escolha da temática religiosa em suas pinturas foi motivada pelo “... sentimento místico que eu tenho e a minha forma de viver tranqüila. Gosto dos santos, das coisas da religião, isso desde criança, porque trazem muita paz, muita ttranqüilidade... elas motivam minha vida, elas me ajudam na sublimação do meu ideal, das próprias atividades artísticas e da forma de viver que eu gosto”.


86 No final de março de 1997, assessorou em assuntos religiosos, a equipe de produção do primeiro longa-metragem do cineasta cearense Wolney Oliveira " Milagre em Juazeiro", durante as gravações da parte ficcional do filme em Guaramiranga. No Jornal “ O Povo”, de 4 de março de 1997, caderno Vida & Art publicou-se: “Uma das ‘personagens’ mais interessantes do local, apesar de não estar no elenco, é a artista plástica Márcia Mendonça. Com formação católica desde a infância, ela vem-se dedicando à pintura sacra e ao catolicismo há muitos anos. Por acaso, teve contato com a equipe de gravação em Guaramiranga e passou a ser uma espécie de assessora para assuntos religiosos da produção. ‘A Márcia tem uma vasta cultura religiosa e tem dado boas dicas sobre o comportamento dos padres e das beatas no século passado’, diz Wolney;”

Equipe de produção e atores do "Milagre em Juazeiro", 1997

Em agosto de 1997, recebeu, com muito mérito, a “Comenda do Centenário”, juntamente com outras 99 personalidades ilustres de Limoeiro do Norte, por ocasião da comemoração dos 100 anos de emancipação política de sua cidade natal, registrando-se, assim, uma justa homenagem e a derradeira recebida em vida.


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Comenda concedida a Márcio Maia Mendonça em agosto de 1997

Poucos dias depois, adoeceu gravemente e, mesmo no leito do hospital, também improvisado em ateliê, pintou mais de 10 telas, presenteando-as a seus dedicados médicos. Do hospital em Fortaleza, retornou para Limoeiro do Norte, sua última morada. Entre melhoras e pioras de saúde, conseguiu pintar seus últimos quadros: “Santa Apolônia”, “Um Sonho e a Realidade”, “O Anjo Gabriel”, “Nossa Senhora da Luz” e mais três outros. Mesmo diante de tamanha fragilidade, trabalhou até cinco dias antes de ir ao encontro de todos os anjos, arcanjos, santos e Nossa Senhora que tanto retratou em suas telas.

Momento em que pintava uma de suas últimas telas


88 Para ele, o trabalho estava acima de tudo: “O meu trabalho é a coisa que mais amo na vida. Vivo do meu trabalho e vivo para o meu trabalho. É a meu trabalho que eu dedico as 24 horas do dia” (trecho em entrevista com Lúcio Brasileiro). Em 8 de janeiro de 1998, com a saúde bastante abalada, ainda retratava Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, emoldurada pelo seu primo Sandro José; auxiliado por José Artur, pela enfermeira Fátima Noronha e por sua irmã Marilúcia que davam em mãos todo o material de pintura e até seguravam a tela. Quase sem força para sustentar o pincel, tentou contornar os olhos da Nossa Senhora. Nesse momento, o pincel caiu da sua mão e, para quem presenciou a cena, parecia que ele flutuava até chegar ao chão. Esta foi realmente a sua última pincelada. Ouviu-se uma exclamação: “- Meu Deus ! Estão me tirando até o direito de pintar ! “ Essa tela estava quase terminada e constituiu sua última obra, mesmo inacabada. Assim pode-se resumir a sua trajetória de artista: a arte, em sua genialidade, foi o seu instrumento mágico, materializado em telas, pincéis e tintas; e na mistura de cores vivas, fazia aparecer figuras que pareciam ganhar vida. A rapidez com que pintava impressionava a muitos. Conhecedor de materiais, como: gesso, cimento, concreto, madeira, cobre e a argila (preferencialmente o barro do Limoeiro), entre outros, com sua inteligência e mãos habilidosas manipulavaos e moldava-os até vibrar-lhe a alma, com o prazer e a emoção de criar. São Francisco, Santo Antonio, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora da Conceição e outras, santos e santas, além de anjos, como o arcanjo Gabriel, provaram que a sua fé católica se materializava em imagens sacras que esculpia ou pintava. Andarilho, morou em diversos lugares, mas nunca se distanciou completamente de suas origens. Experimentou períodos de dificuldade financeira alternados com fases de prosperidade. A capacidade de renovação foi expressa em diferentes fases, com as quais, como todo bom artista, construídas em diversas etapas desde a figuração, o surrealismo dos anos 70 e as pinturas


89 sacras e esculturas dos anos 80, até a fase mais áurea de sua carreira, em que se dedicou tanto à arte sacra como a reinterpretação da arte andina. Ao longo de mais de três décadas, construiu um percurso artístico autônomo, sempre inovador, até mesmo como uma forma de se proteger de imitações. Costumava dizer que "há uma tendência entre os artistas para esquecerem as suas próprias tendências e tentarem imitar o trabalho de outros artistas. Eu me lembro que quando comecei a pintar corujas, todos começaram a pintar corujas também". A prefeitura de Limoeiro do Norte decretou luto oficial de três dias em homenagem póstuma ao "Artista Limoeirense".


90 Sua dedicação à pintura foi integral, como exercício de amor e de obsessão, fazendo da arte o seu projeto de vida. "A obra de um artista é uma espécie de diário. Quando o pintor, por ocasião de uma mostra, vê algumas de suas telas antigas novamente, é como se ele estivesse reencontrando filhos pródigos - só que vestidos com túnica de ouro." (Pablo Picasso) Márcio não está mais entre nós, para poder encontrar seus “filhos pródigos”. No entanto, conseguimos juntar muito deles na “Memória Iconográfica”, parte final deste livro.


3 ENTRE ASPAS (reconhecimento ao artista)



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Espírito Santo sopra onde quer Amigos da Renovação Carismática Católica de Limoeiro do Norte e de Russas

“Assim já diz a Bíblia, portanto, palavra de Deus; e Ele resolveu soprar justamente em ti, Márcio, e o sopro do Espírito Santo, juntamente com a herança dos dotes artísticos de sua mãe, nossa tão estimada “dona. Francinete” fizeram de você o 5º maior pintor sacro do mundo. Hoje temos o prazer de estar rodeados por suas artes: o quadro da Imaculada Conceição, acima de nós, o da Santa Ceia, a nossa direita, a das Bodas de Canaã, à nossa esquerda, a estátua de Dom Aureliano Matos, na frente da igreja e o douramento do altar desta catedral. Isso vem confirmar que você é inesquecível não somente por suas obras, mas, principalmente, pelos carismas contidos em seu interior. É lógico que você tinha defeitos; quem não os tem? Mas, suas qualidades superavam-nos. Ah! Como você desejou estar aqui hoje, mas certamente o Senhor precisava de você, quando o chamou. Até mesmo em suas doença e morte você nos ensinou, porque, ao contrário de muitos, você usou o sofrimento para se purificar e não para se lamentar. Desejamos de todo coração e estamos confiantes em Cristo, naquele mesmo Cristo que você tanto falava e tanto acreditava, que agora esteja com Ele, a nos assistir e a rezar por nós, para que um dia venhamos a nos encontrar no céu. Saudade de nosso Frei Capuchinho! Limoeiro do Norte, 14 de janeiro de 1999.”


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A despedida que não deveria haver Dr. Álvaro de Oliveira Rocha "Terça-feira. 13 de janeiro de 1998. Não era uma sexta 13, para que houvesse tanto desencontro. Refiro-me à despedida de minha amiga Márcia Mendonça, para qual prestei assistência, durante dois meses, ininterrupta. A sua despedida, ou seja o transe desta vida para a eternidade. Deus quis que eu não a assistisse. Como me sentiria incompetente e frágil diante daquele momento final, sem nada poder fazer de definitivo para evitá-lo. Hoje, no Reino da Eternidade, tenho a certeza que ela estará sentada à direita de seu pai aqui da Terra e de seu Pai Celestial, rodeada daquelas minúsculas criancinhas que ela tanto adora - os ANJOS. Essas pequeninas figuras celestiais, que ela tanto adora e sabia pintá-las de uma maneira inimitável, em suas telas e painéis. Mesmo não sendo psicólogo e nem psiquiatra, penso que por meio dos anjos, ela voltava a ser criança. Aquela Márcia forte e de coração magnânimo, era frágil na sua intimidade, tinha um ciúme imensurável de sua mãe e de outras pessoas suas. Os quadros de Nossa Senhora da Conceição, que tem no braço uma criancinha, não o retrataria nos braços de sua mãe? Márcia manteve sempre o pensamento elevado para as coisas sacras. Ela me confidenciou que, quando foi chamada para pintar no HALL de uma boate alemã figuras sacras, aceitou. Porém, quando a pediram para pintar, na parte interna da boate, figuras profanas, ela, a Márcia se recusou, dizendo que não as faria por mais dinheiro que a oferecessem. O dono da boate teve que chamar um pintor holandês para concluir essa parte. RETROSPECTIVA - Participaram da luta para prolongar a sua vida, a sua mãe dona. Francinete, que, de uma maneira incansável, lutava com o coração de mãe, para fazer todas as comidas por ela (Márcia) preferidas e liberadas pelo médico. A enfermeira Fátima, que não deixava Márcia um só instante, num serviço de um turno, de uma maneira incansável, sobretudo quando chegava a noite, nas quais ela sentia tantas dores. Artur, o caseiro, que passou a ser quase


95 enfermeiro, para transportá-la, também de uma maneira incansável e sem tempo para dormir. A enfermeira Chiquinha, que era especializada em pegar veias mais difíceis. A Dra. Wenia, que de uma maneira gentil e carinhosa lhe fazia doações e lhe afagava os já tão ralos cabelinhos brancos. A Lilu, da qual ela tinha um ciúme incrível, transportava as bolsas de sangue do Hemoce. O seu querido e devotado irmão Marconi, que muitas vezes chorava em determinados momentos. REFLEXÕES - Para mim a vida deveria começar aos 80 anos, como dizia o filósofo chinês e acrescentaria que a vida deveria vir regredindo até a adolescência, conservando a experiência daquela idade, idade e a sabedoria e só assim não haveria tantos devaneios como no mundo atual. A MORTE - Ah. Esta morte, esta juíza imparcial e que não poupa, o rico, o pobre, os velhinhos e crianças.Para mim, a morte é um traço de união entre uma vida que termina aqui, na terra e o renascer de uma vida eterna. A MINHA GRATIDÃO ESPECIAL - A você, minha cara amiga Márcia, a quem não pude dizer um adeus pessoalmente, faço-o agora espiritualmente: Eu que a conheci desde jovem, quando pintou um belíssimo helicóptero, na parede do quarto de meu filho, e com a perfeição, que com a figura do MIKEY, daríamos para perceber o redemoinho do vento das palhetas daquele helicóptero, isto foi apenas um dos detalhes. Sem esquecer os dois recentes quadros que você pintou. Um de Nossa Senhora da Luz, a mais linda obra de pintura que já vi até hoje e, um Anjo Gabriel, obras que guardarei como relíquias, para sempre. Voltando à parte espiritual, a que me referi; sei, Márcia, e disso tenho certeza, que, nos momentos difíceis da vida que se seguirem para a minha vida e para os da minha família, tenho a certeza que terei você ao lado de Deus, para qualquer pedido que eu lhe fizer. Você não morreu, a sua imagem continuará viva para mim e para todos os que a amam e amarão para sempre. "Um artista não morre. As suas obras se perpetuarão para sempre através dos tempos" Descanse em paz, ao lado do Senhor e dos teus queridos anjos. Amém".


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À artista Márcia Maia Mendonça Fátima Noronha "Márcia, o tempo passou e nunca mais eu tinha conversado com você. Várias vezes aqui em Limoeiro, não tinha coragem de me aproximar de você, pois achava você uma pessoa muito importante para mim e qual eu admirava muito desde que você me lecionou Arte na Escola Normal, em que estudei. Eu, em Fortaleza, soube que você estava em sua terra (Limoeiro) com essas suas doenças terríveis, que lhe fizeram sofrer muito e que a terminaram, e llevaram para o lado de nosso Pai, onde merece estar. Mesmo assim, deixou muitas saudades de todos que a adoram. Eu, passando em frente à sua residência, ouvi seus gritos, pedindo misericórdia a Deus, e nessa hora enchi-me de coragem e entrei. Você sentia fortes dores e nessa noite, estava precisando tomar sangue e não havia uma enfermeira que lhe desse assistência. Foi quando eu vi o seu desespero e a dor de suas mãe e irmã, aí me ofereci para passar a noite com você. Eu falei que estava fazendo um curso de enfermagem, já entendia muita coisa sobre o seu estado de saúde. Quando chegou o dia de retornar à Fortaleza para continuar minha vida, você pediu, com os olhos cheios de lágrimas, para eu ficar com você e eu não podia deixar de atender este seu pedido. Só gritava com dores terríveis e que havia dias que eu aplicava 4 injeções de Profenit para aliviar suas dores, as vezes aplicava-lhe morfina para você passar 24 horas sem dores. Márcia, você sofreu muito; havia dias em que eu me desesperava com suas dores, me dava vontade de sair correndo, ir embora para não ver o seu sofrimento, mas eu pedia coragem a Deus e Ele sempre me dava. Márcia, nestes 58 dias que convivi com você, conversamos muito sobre sua vida. Vi que você teve muitos momentos bons, mas você sofreu muito na sua vida, por ser um ser humano diferente dos outros. Mas, ninguém pede a Deus para ser diferente de ninguém. Você tinha o coração tão bonito dentro de você. Era tão inteligente, tão intelectual que, para mim, você não era diferente de ninguém. Márcia, você mesmo deitada em seu leito, com dores, pintou quadros, cada


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um mais lindo que o outro. Com essas mãos mágicas que você tinha, eu ficava ajudando-a e observando-a pintar. Márcia, Limoeiro perdeu um artista que levava o nome de sua terra por onde andava. Se houver reencarnação, Limoeiro poderia ter novamente um Márcio ou uma Márcia, quem não sabe? Um adeus, com muita saudade de sua Maria Bonita branca, como você me chamava quando estava com dores. Fátima, que lhe acompanhou até o seu último dia na Terra, dia que se mudou para a eternidade. (em 19 de janeiro de 1998)."


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Márcio ou Márcia Nívia Maria Brito Freitas

“Dona Francinete

Comparações não gosto de fazer com o ser humano. Cada um é único, tipo impressão digital. Mas mulheres, de sua geração, as que eu conheço, nenhuma tem o seu privilégio: SER MÃE DE UM GÊNIO. O preço desse privilégio é que é impagável. Você deu origem a um músico, um pintor, um escultor, um presdigitador, um mágico da vida. E todas essas riquezas, que raramente a vida nos oferece, você conseguiu sintetizar em um só SER. Márcio ou Márcia, isso não tem a menor importância diante da grandeza que Márcia representa. Nós, pequenos e inferiores seres, não alcançamos o que as convenções sociais teimam em codificar. Você, dona Francinete é um exemplo vivo de superioridade. É uma força maior que a Física conseguiu teorizar. A você, os meus respeitos, minha consideração e minha mais alta admiração. Com toda sinceridade e carinho. 20/12/97 - !4,50h”


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Uma artista no céu Gilmar Chaves

“Não fui aluno de sala de aula de Márcia Mendonça. Fui sempre um admirador e colhedor de sua riqueza cultural e dom artístico. Vi sempre em Márcia Mendonça o amor pela vida, pela simplicidade das coisas e pela finesse que lhe era peculiar. Aliás, ser fino é ser simples. Durante muitos anos a nossa cidade teve um decorador constante e o poder local perdeu a oportunidade de aprender a embelezar cada vez mais a princesa do vale a partir da sensibilidade e do compromisso com Limoeiro que Márcia sempre teve. Márcia nunca perdeu a chance de querer tornar Limoeiro mais bela. Por onde anda a Deusa olímpica? A título de sugestão: A Fundação Cultural do Município poderia presentear os filhos desta terra e os visitantes com um catálogo de suas obras espalhadas por Limoeiro. Aí, sim, a nossa cidade começaria a resgatar os inúmeros valores artísticos, políticos e intelectuais que temos. Por que acontece esse descaso com os valores de Limoeiro? Creia-me, Márcia! Limoeiro nasceu para ser saudada por poetas, cantada por nossos compositores que já ganharam além mundo.(Alô! Alô! Eugênio Leandro). E pintada por você. E que pintura nos deste. Até parece que o Dom Aureliano continua vivo e N. Sra da Conceição resolveu morar em Limoeiro. Querem mais? Bastavam somente aquelas noites de violão e música francesa, para que esta cidade se tornasse canção. Então também pintaste Limoeiro de canção. Quanto tempo fora daqui! A cidade crescendo mas ficando cada vez menor diante daquilo que tu representas. Por isso estou mais uma vez a crer que escolheste o céu como ateliê porque Limoeiro estava demorando demais para reconhecer a pessoa e o artista que tu és. (FOLHA DO VALE, fevereiro de 1998).”


100

Tributo à Márcia Mendonça Társio Pinheiro “Não adianta nos culparmos agora pelo valor que deixamos de dar a Márcia Mendonça em vida. No mundo das artes sempre foi assim. Nunca será diferente. Excetuando-se um Jorge Amado e, quiçá, um Carybé, artista para ser artista mesmo tem que morrer. Quanto mais jovem; melhor. Pode parecer uma coisa dessa terrinha camada Brasil. Mas não é. A bem da verdade, o mercado das artes parece andar de braços dados com a arqueologia. Enquanto, neste mundo, uma artista da envergadura de Márcia Mendonça com freqüência é vista como um ser insano. Nem bem se mudou para a eternidade, já recebe os louros de herói e a insígnia de gênio. Foi assim com Márcia Mendonça; foi assim com Van Gogh. É sabido que em vida Van Gogh só logrou vender uma única tela, pela ínfima soma de dez dólares. Não fosse um irmão seu, não teria vendido uma sequer. Neste final de século, porém, os martelos dos leiloeiros encerram verdadeiros shows de cifras meteóricas, enormes o bastante para que o mestre do impressionismo parasse de pintar pelo resto da vida - se vivo fosse. Um artista do porte de Márcia Mendonça deixa-nos pensativos, e um sem-número de perguntas vêm à nossa mente. Até quando teremos que esperar para vermos nascer, aqui em Limoeiro, um artista plástico com a dimensão de Márcia Mendonça? Pelo menos temos a certeza de que jamais surgirá um pintor do seu nível, com as suas características, sua técnica apurada e seu poder criativo. Não é à toa que Márcia Mendonça detinha o quinto lugar entre os pintores sacros da atualidade, em todo o mundo. O artista já nasce feito. A genialidade não se explica. As telas é que bastam para demonstrar e comprovar a dimensão de Márcia Mendonça. Do menino peralta que provocava asco em sua mãe, desenhando baratas na parede, passando pelo artista figurativo que iluminava salas com seus quadros de incêndio e inundava casas com as suas tempestades em alto-mar, até o sublime pintor sacro da fase cusquenha, Márcia Mendonça soube dar o melhor de si, voltando-se para Deus como uma forma de Lhe agradecer o talento


101 que d’ Ele recebera. Márcia (ela mesma me confidenciara) realizou todos os seus sonhos. Viajou pelo mundo difundindo sua arte, amou a vida admiravelmente, assumiu sua verdadeira sexualidade, realizou-se como ser humano, exerceu o direito à dignidade; enfim, fez tudo aquilo a que um ser humano tem direito... menos morrer. (FOLHA DO VALE - fevereiro de 1998)”


102

Meditação sobre a última tela de Márcia Mendonça “A pedido do Jornal Folha do Vale, os poetas-escritores Társio Pinheiro e Majela Colares fizeram uma homenagem em versus à artista plástica Márcia Mendonça. (Nossa Senhora do Perpétuo Socorro) I Na parede de cal desabitada A leveza do nada se insinua, luz despida na sombra seminua, território do não, jardim do nada. Porém a mão da Artista, invertebrada, feito um pássaro líquido flutua na brancura do tempo e continua muito além dessa tela inacabada. E a tela paira sobre o meu destino, o Perpétuo Socorro e o Deus-Menino, nessa capela onde o meu ser reponsa. No templo secular dessa visão percebo a mão de Deus posar na mão de Márcia que adormece e se mendonça. Társio Pinheiro II Repousou sobre a tela a cor futura que se fez, sem querer, razão extinta sobre o tempo a mão leve pôs a tinta definida nos traços da pintura...


103 toque último na face, na moldura, quando ao rosto contorna, quando pinta o universo na forma mais sucinta entre cores, sem mancha e sem rasura. A luz vinda dos céus fere a retina e expõe toda a beleza - a dor mais fina condensada ternura de aquarela, na manhã que findou, mas foi eterna, pois a cor definida não hiberna outro sol rabiscado além da tela. Majela Colares”


104

O nosso gênio partiu... José Valdez Castro Moura

“Nesta manhã de verão, céu de chumbo, anunciando chuva, recebo mais uma esperada missiva do jornalista Meton Maia e Silva, honra da imprensa cearense, membro da Academia Municipalista de Letras do Ceará e Correspondente da Academia Pindamonhangabense de Letras naquele próspero Estado do Nordeste. Traz-me uma triste notícia: ‘O Nosso gênio – Márcio Mendonça – expressão das mais importantes da arte plástica brasileira, já não se encontra entre nós: partiu para a eternidade...’ Nos filmes da memória, revejo-o quando freqüentávamos a mesma classe na adolescência, no inesquecível Colégio Diocesano Padre Anchieta, em Limoeiro do Norte (CE), mostrando traços de sua genialidade: desenhando, esculpindo, pintando, tocando violino e piano. Dava-me a impressão de que resumia na nossa amada terra todas as formas de arte. Seguimos caminhos diferentes: ele rumou para outras plagas, e, numa explosão de talento, destacou-se, sendo premiadíssimo no Brasil e no exterior, tornando a sua terra natal, a nossa “Princesa do Jaguaribe”, conhecida por este mundo afora. Há mais de vinte anos que não nos víamos. Reencontramo-nos no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia D. Aureliano Matos, em agosto do ano passado, quando recebeu, com muito mérito, a “Comenda do Centenário”, ao ensejo dos cem anos de emancipação política da nossa inesquecível Limoeiro. Conversamos rapidamente, em meio ao tumulto, naquele mar de gente, de abraços e de recordações. Evoco as suas palavras bondosas: “Valdez, tenho uma grande admiração por você, que ilustra nossa Limoeiro, e tem a boa alma de sua mãe”. Aquela declaração de afeto deixou-me deveras emocionado. Olhei a sua face lívida e vendo o seu olhar brilhante e nostálgico, senti que a sua alma me dizia:


105 Breve, não verei as sombras quando a tarde baixar; não ouvirei da noite o rouxinol cantar. Sonhando em seu crepúsculo, sem sentir e sem sofrer, talvez possa o mundo lembrar-me talvez possa dos males esquecer... Estranho pressentimento! É como afirmou, certa vez, o Poeta Manoel Bandeira: “Somos pequenos demais para entender das coisas do pensamento e da alma”. Estendeu-me as mãos finas, bem cuidadas e perfumadas Eram... Mãos d’Arte! – Canção que a Paz entoa, Canção bendita, mãos idolatradas! Pássaro triste, alçaste o mais alto dos vôos! Estás naquela esfera de vibração maior, em comunhão com a Suprema Energia de Deus! Assim... A nossa terra humilde te acolheu, Limoeiro-mãe, ao filho adormecido, fez-se um berço que teu corpo recebeu, tão cansado, num mundo tão sofrido! (Jornal da Cidade/Vale do Paraíba, 28/02/1998, Pindamonhangaba-SP) (*) O autor é médico, prof. universitário, da Casa do Poeta de São Paulo, da Academia Pindamonhangabense de Letras, da SOBRAMES, sendo o atual Presidente da União Brasileira de Trovadores(U.B.T)”.


106 Reconhecimento do povo de Limoeiro do Norte

Homenagem Póstuma em abril de 1999 à Márcio Mendonça (in memorium)


107

Cearenses promovem exposição de arte sacra barroca no TRF

“A arte sacra barroca do século XVIII, que teve no escultor mineiro

Antonio Francisco Lisboa – o Aleijadinho – sua maior expressão no Brasil, faz escola no Ceará. É que um grupo de cinco artistas plásticos cearenses vêm produzindo peças sacras com grande aceitação no mercado Nordestino. São pinturas a óleo, nichos em madeira e imagens em resina compactada, que sofrem um processo de envelhecimento. O trabalho exclusivo do grupo de artistas, que segue os estilos barroco e cusquenho – este característico do período colonial peruano – passa por um processo de envelhecimento. Todas as peças medem pouco mais de um metro de altura e pesam cerca de 20 quilos, cada. Agora, parte desse acervo pode ser visto pela primeira vez em Pernambuco, durante a mostra Arte Sacra Barroca no TRF, que fica em cartaz até o próximo dia 25 de fevereiro. A exposição consolida o foyer do Tribunal Regional Federal, no Cais do Apolo, como mais novo espaço cultural do Recife Antigo. No TRF, estão reunidas 15 peças – entre nichos, imagens e pinturas – de autoria de Ricardo Holanda, Geraldo Andrade, Márcia Maia, Chico de Assis e Ricardo Andrade. A mostra é aberta ao público em geral, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. ‘Esta exposição procura assinalar os 2 mil anos de Jesus Cristo, reforçando a fé em Deus, que será a marca do novo milênio’, avisa o artista plástico e curador da mostra, João Batista Pereira da Silva. Na sua avaliação, o trabalho produzido pelos artistas cearenses é dirigido ao público que se interessa por obras sacras de qualidade. ‘Nós temos atendido aos pedidos feitos por religiosos, decoradores e arquitetos dos mais diferentes pontos do País’, comenta. Entre seus clientes mais assíduos está o padre Cheregatto (conhecido como o padre Marcelo Rossi do Ceará).


108 Expositores – Artista plástico cearence Márcia Maia faleceu ano passado em Fortaleza, deixando uma obra respeitada dentro e fora do Brasil. Suas peças podem ser encontradas nos Estados Unidos, França e Argentina, onde morou durante muito tempo. Seus trabalhos em estilo cusquenho impressionam pela riqueza de detalhes. Na mostra do TRF, estão expostas duas peças: Minerva da Justiça e São Gabriel. Outro artista que se fará presente no TRF é Ricardo Andrade. Escultor e pintor pernambucano, vive na ponte aérea RecifeFortaleza, produzindo para o mercado nordestino. O painel do Banco do Brasil, em Caruaru, é de sua autoria e tem sido o cartão postal da Capital do Agreste. Para a mostra, o artista traz dois quadros em óleo sobre tela, em estilo cusquento com o Arcanjo Gabriel. Pernambucano radicado no Ceará, Geraldo Andrade é conhecido nos meios artísticos do Ceará como o ‘Profeta de Márcia Maia’, por seguir a linha de criação de sua amiga, traz para o Recife duas peças em estilo cusquento: Santa Ceia e Coração de Jesus. Outro artista pernambucano radicado na terra das rendeiras, que terá obras expostas no TRF é Chico de Assis. Suas esculturas em estilo barroco têm diversos tamanhos e primam pela riqueza de detalhes. Para a exposição, ele produziu cinco imagens: um Santo Antônio, um crucifixo e três de Nossa Senhora da Conceição. Escultor e pintor pernambucano, Ricardo Holanda tem como peças características os nichos com imagens sacras em relevo. O trabalho em estilo barroco é produzido em resina compactada e madeira. Ele apresenta cinco nichos: dois com Nossa Senhora da Conceição, um crucifixo, um com Santa Terezinha e outro com o Coração de Jesus e Maria. Antes desta mostra de arte sacra, o foyer do TRF já abrigou mostras de Francisco Brennand, Abelardo da Hora, Cícero Dias e Pedro Frederico. Todos pernambucanos. Agora chegou a vez dos cearenses. (Jornal do Comércio, Caderno C, 16.02.2000, Recife/PE).”


109

Ao músico, ao escultor, ao pintor Leonigildo Andrade Maia “Há pessoas que nascem para não ser compreendidas, porque são possuidoras do valor misterioso das artes. O artista revela um sentimento engenhoso, munido de artimanhas, que são imperceptíveis a nós, seres normais. Enxerga o que não podemos ver, entende o que não conseguimos perceber. O artifício, o talento e a imaginação criadora são peças que se encaixam no desempenho das tarefas de um artista. Márcio foi um desses privilegiados, nascido das fontes da cultura limoeirense. Desde cedo, já demonstrava sua intimidade com as artes. Cresceu com elas. A música, a escultura e, principalmente, a pintura serviram de único lugar para que ele fomentasse a sua liberdade, só encontrada no conforto da cultura artística. Márcio dialogava com as telas, antes imaculadas, transformando-as na alegria das cores e das formas, revelando uma maquilagem própria, imposta por suas hábeis mãos, no deslizar dos pincéis matizados. Pintava e esculpia numa gradação sutil. Quem teve o apanágio de vê-lo manusear as tintas, o barro, o gesso tinha a sensação de que o artista rumorejava levemente consigo mesmo num ciciar profundo, alheio a tudo, mas inebriado pelas nuanças estéticas da sua imaginação. Quando seus dedos passeavam pelas teclas de um piano, assemelhavam-se ao resvalar flutuante de um cisne no lago de Tchaikovsky, para depois adormecer romanticamente no aconchego dos noturnos de Chopin. Márcio foi e é o maior dos nossos poetas da pintura e da escultura. Muito ele fez por nós. Pouco fizemos por ele. A lembrança do prof. Aécio de Castro em dar ao salão nobre do Núcleo de Informação Tecnológica – NIT, foi uma homenagem merecida e uma espécie de alento para os seus familiares. Pelo que Márcio representou para Limoeiro, merecia mais. Talvez por esse Brasil afora e em outros países, seu nome tenha mais repercussão que em sua terra. Ficou mundialmente conhecido mediante a sua pintura sacra, menos aqui. Mesmo assim, as marcas de seu talento jamais serão esmaecidas, porque o tempo não apaga o rastro da arte. A criação, provinda de suas sensações e de seu estado de espírito de caráter estético não


110 e aprendi a admirá-lo como professor da cultura e a respeitá-lo como pessoa. O tempo passou, o corpo do artista transformou-se em pó, mas a sua obra será perpetuada para sempre. Sua alma iluminada foi unirse a outras duas: à de Mons. Otávio e a de Odílio Silva, seus ídolos na terra.

Ao músico, ao escultor, ao pintor, a nossa mais eterna gratidão.”


111

Homenagem a Márcio

Sra. Francisca Maia Mendonça recebendo a homenagem a seu filho Márcio no salão nobre do Núcleo de Informação Tecnológica – NIT, por iniciativa do prof. Aécio de Castro.


112

O resgate do gênio limoeirense Márcio Mendonça

Grupo do Projeto da Garagem Digital de Limoeiro do Norte “Nascido em 13/02/1949, desde criança, Márcio Mendonça dava sinais de que seria um gênio, quando, com um pedaço de carvão, reproduziu, na calçada em frente à sua casa, a imagem de Nossa Senhora, chamando a atenção de seus pais, o sr. Fausto e sra. Francinete. Estudou no Ginásio Diocesano (hoje Colégio Diocesano), no Seminário Diocesano e foi professor de Artes no Diocesano, tudo em Limoeiro do Norte. Suas primeiras obras foram a pintura de um quadro de Chapeuzinho Vermelho e um quadro de Irapuã Dinajá Feijó, coletor federal, cidadão ilustre limoeirense. Outras obras de destaque em Limoeiro foram o busto de Monsenhor Otávio Santiago, seu avô adotivo, e a Deusa Olímpica, que, nas décadas de 60/70, era admirada por muitos, localizada onde hoje se encontra a estátua de Dom Aureliano Matos, outra obra desse grande artista limoeirense. Além de suas habilidades nas artes plásticas (escultura e pintura), tendo estudado na escola de Belas Artes em Recife, foi músico. A sua preferência era pelo piano, no qual se concentrava para executar clássicos das músicas nacional e internacional. Tocava também violão e tinha uma melodiosa e invejável voz. Ao cantar preferia ser acompanhado pelos violonistas Zequinha Remígio ou Zé Maria Gadelha, ‘para ficar mais à vontade’, dizia. Ingressou no Convento dos Capuchinhos em Fortaleza. Já como frade saiu para o Estado do Maranhão, onde trabalhou um bom período com os índios. Esteve em vários países da Europa, permanecendo por mais tempo em França e Alemanha, onde se destacou com suas artes, sendo reconhecido mundialmente. Entre tantas obras pelo Brasil e pelo mundo, destacamos ainda a tela de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja Catedral, em Limoeiro. Em Fortaleza, fez lindas pinturas na Igreja do Sagrado Coração de Jesus e na Igreja de Santa Edwirgens. Participou como assessora para assuntos religiosos de um filme de curta metragem gravado em Guaramiranga, no qual fez como figurante o papel de freira. Poliglota, falava, além do nosso idioma, o francês, o alemão e um pouco do Italiano e espanhol.


113 Tinha predileção por coruja, o símbolo do saber. Nessas andanças pelo mundo, resolveu mudarde sexo e, em São Paulo fez essa cirurgia. A partir daí, os problemas de saúde começaram a surgir, segundo ele próprio, por ter sido alertado pelo médico da necessidade de tomar diariamente hormônios necessários para quem faz esse tipo de cirurgia. A não retirada da próstata por ocasião dessa cirurgia, também contribuiu para o posterior câncer de próstata. No período da doença, ainda pintou alguns quadros, sendo o de Santa Apolônia, um dos últimos que conseguiu finalizar. Após este, ainda fez outro, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mas não o conseguiu concluir. Essa obra inacabada encontra-se em poder de sua família. Antes de falecer, em Limoeiro do Norte, cantou algumas músicas de sua preferência, sendo que a Oração Para um Jovem Triste, de Antônio Marcos, era sua predileta. No dia 13 de janeiro de 1998, Márcio Mendonça resolveu encantar-se no universo sagrado de suas telas. Enfim, para nós ele não morreu.”

Fonte: http://www.limoeirotemcultura.com.br/personalidades.htm



4 MEMÓRIA ICONOGRÁFICA



117

Garoto da rua (dĂŠcada de 60) Tela pintada para o Dr. JosĂŠ Nilson Osterne, em posse da sra Maria Mendes (Fortaleza/CE)


118

A Fome (1970) Tela em posse do Dr.Tales Wanderley Vital (Olinda/PE)


119

Santo da Natureza (1974) Tela que se encontra no Convento da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos/OFMCap (Fortaleza/CE)


120

Tapeรงaria, em lรฃ e ponto arraiolo, criada em 1975 Em posse de Marcise Mendonรงa Vital (Olinda/PE)


121

Queimada (1976) Tela em posse de Francisca Maia Mendonรงa (Olinda /PE)

ร ndia Canela (1976) Tela em posse de Francisca Maia Mendonรงa (Olinda /PE)


122 Ressacas (1976) Telas do acervo de Francisca Maia Mendonรงa (Olinda/PE)


123

Por do Sol (1976) Tela em posse de Lúcio Lucas Maia (Recife/ PE)

Nú artístico (1976) Tela do acervo de Francisca Maia Mendonça (Olinda/PE)


124

Sinfonia dos Espantalhos (1979) Tela em posse de Marcise Mendonรงa Vital (Olinda/PE)

Os viandantes (1979) Tela em posse de Marcise Mendonรงa Vital (Olinda/PE)


125 ACERVO DE 20 TELAS DO SANTUÁRIO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS EM FORTALEZA - CEARÁ 1) Via-Sacra (14 estações) pintada no período de 1977 a 1979

Jesus é condenado à morte

Jesus é carregado com a cruz


126

Jesus cai por terra

Jesus encontra-se com sua m達e


127

Jesus 茅 ajudado a levar a cruz pelo Cireneu

Ver么nica limpa o rosto de Jesus


128

Jesus cai pela segunda vez

Jesus consola as mulheres piedosas


129

Jesus cai pela terceira vez

Jesus ĂŠ despido das suas vestes


130

Jesus ĂŠ pregado na cruz

Jesus morre na cruz


131

O corpo de Jesus é colocado nos braços da Mãe

Jesus é colocado no sepulcro


132 2) Painéis datados de 1977

Bodas de Canaã

Multiplicação dos Pães e Peixes


133 3) Os Evangelistas - telas datadas de 1979

S達o Jo達o

S達o Mateus


134

S達o Marcos

S達o Lucas


135

ACERVO DE RICARDO DE BRITO MENDONÇA FORTALEZA-CEARÁ (1979)

Nanâ Buruquê

Tentação


136

Marina

Natureza


137

A fonte PARÓQUIA SÃO JOÃO BATISTA - TAUAPE (FORTALEZA - CEARÁ)

Painél da Pregação de São João Batista (1980)


138

Estรกtua de Dom Aureliano Matos (1980) (Limoeiro do Norte/CE)


139

Catedral de Limoeiro do Norte - Capela-mor reformada (1980/ 1981) com folheamento a ouro. Fonte: Livro escrito pelo Mons. João Olímpio Castello Branco. " O Limoeiro da Igreja: A história de Limoeiro do Norte a partir de seus párocos".


140

Nossa Senhora da Conceição (1981) Tela colocada no teto da Catedral (Limoeiro do Norte/CE)


141

A Anunciação (1989) Tela em posse de Marconi Maia Mendonça (Fortaleza/CE)

Menino do espinho (1989) Acervo de Francisca Maia Mendonça (Olinda /PE)


142

Anjo da Justiça (1989) Acervo de Marcise Mendonça Vital (Olinda/PE)

Nossa Senhora da Conceição em madeira (1989) Acervo de Marcise Mendonça Vital (Olinda/ PE)


143

Pedro ao encontro do Senhor (1994) Mural na Igreja de Santa Edwirges (Fortaleza/CE)

Véu de Verônica (1994) Em poder de Júlia Sombra (Guaramiranga / CE)


144 ACERVO DO CONVENTO DOS CAPUCHINHOS PINTADO NO PERÍODO DE 1994 A 1995 (FORTALEZA/CE)

Os Estigmas de São Francisco (1994)

São Francisco e o despojamento dos bens (1994)


145

São Francisco e o leproso (1994)

A anunciação das regras (1994)


146

Oração diante do crucifixo (1994)

A morte (1994)


147

Ceia Larga (1995)


148

Sagrado Coração de Jesus (1995)


149

Nossa Senhora da Conceição (1995)


150

S茫o Greg贸rio (1995)


151

Santa CecĂ­lia (1995)


152

Santa Bรกrbara (1995)


153 ACERVO DA PARÓQUIA DE N. S. DA PIEDADE - 1995 (FORTALEZA/CE)


154

Pentecostes

A Anunciação


155 Os Evangelistas

São João

São Marcos

São Mateus

São Lucas


156

Chegada dos Salesianos no Brasil para trabalhar com a juventude

Local da parte interna da igreja onde a tela foi afixada


157

Dom Bosco - Santo Mestre e Pai da Juventude

SantĂ­ssimo Sacramento


158

ACERVO DO CONVENTO DOS CAPUCHINHOS PINTADO DE 1994 Á 1997 (GUARAMIRANGA / CE)

Rainha da Ordem do Menores (1994) Tela com dedicatória aos Capuchinhos da Província de São Francisco das Chagas do Ceará e Piauí

Aprovação da Regra da Ordem (1996)


159

Nossa Senhora da Conceição (1996)


160

Ceia Larga (1996)

Telas no refeit贸rio da Pousada dos Capuchinhos


161

O irm達o Sol (1996)

A irm達 Lua (1996)


162

Nossas irmãzinhas aves (1997)

A irmã água (1997)


163

ACERVO DE PARTICULARES E DA FAMÍLIA

Cusquenho em posse de particular (1995) Alemanha


164

Anjo Gabriel (1995) Acervo de Marcise Mendonรงa Vital (Olinda/PE)


165

Santa Apol么nia (1995) Tela em posse da sra. Terezinha R. Tavares (Recife/PE)


166

Santa CecĂ­lia (1995) Tela em posse da Dra. Ana Maria Tavares Duarte (Recife/PE)


167

Anjo da Justiรงa (1995) Tela em posse do Dr. Flรกvio Barbosa (Olinda/PE)


168

Escrava Anastรกcia (1996) Tela em posse de Marcelo Mendonรงa Vital (Olinda/PE)


169

Anjinho (1996) Tela em posse de Mayara Fischer Vital (Olinda/PE)


170 Folhas de biombo - pintura em 贸leo sobre madeira (1996) Em posse de particular (Salvador /Bahia)

Folha (a)

Folha (b)


171

Folha (c)


172

Casal de Barões (1996) Tela em posse do Dr. Flávio Barbosa (Olinda/PE)


173

Nossa Senhora Aparecida (1996) Tela em posse do Dr. Flรกvio Barbosa (Olinda/PE)


174

Anjo Protetor (1997) Tela em posse do Dr. Flรกvio Barbosa (Olinda/PE)


175 PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO ARACOIABA - CEARÁ

Purgatório (1996) Matriz de Nossa Senhora da Conceição (Aracoiaba /CE)


176

Cusquenho pintado em 1997 Sem identificação da posse e do local onde se encontra


177 ÚLTIMOS CUSQUENHOS PINTADOS NO FINAL DE 1997 E INÍCIO DE JANEIRO DE 1998 EM LIMOEIRO DO NORTE/CE

Santa Apolônia (1997) Tela em posse de Dra. Wênia C. M. de Oliveira


178

Anjo Gabriel (1997) Tela em posse do Dr. Ă lvaro de Oliveira Rocha


179

Um Sonho e a Realidade (1997) Tela em posse da sra. Rosรกlia Nogueira Maia


180

Nossa Senhora da Luz (1997) Tela pintada para o Dr. Ă lvaro de Oliveira Rocha


181

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (1998) Última obra (inacabada) Tela em posse de Francisca Maia Mendonça (Olinda/PE)


182

Índice Prefácio..............................................................................................7 1 ”EU ERA FELIZ E NÃO SABIA”................................................9 Notas................................................................................................11 QUADROS DA INFÂNCIA............................................................13 Terra natal.....................................................................................13 Os dedos do menino....................................................................20 Monsenhor Otávio e o seu retrato.................................................24 Espaço das brincadeiras, o piano da dona Vilma e o mestre Odílio.............................................................................................27 O ADOLESCENTE.........................................................................31 A visita que mudaria minha vida.................................................31 O seminarista................................................................................35 O ESTÍMULO DOS AMIGOS........................................................37 RELIGIOSO, MESTRE E ESCULTOR.........................................39 Ingresso na Ordem dos Capuchinhos..........................................39 Missionário das selvas maranhenses...........................................42 Uma grande dor e decepção........................................................46 FIRMAÇÃO COMO ARTISTA.......................................................48 O desabrochar do eu-artista.........................................................48 Primeira viagem ao exterior..........................................................49 Outra vez Paris e a Suíça................................................................51 Cusquenhos, a imprensa e a libertação interior...........................54 Alemanha e Tailândia.....................................................................55 POR OPÇÃO.................................................................................58 2 DE RETALHO EM RETALHO.....................................................61 DESCOBRINDO CAMINHOS........................................................63 A tendência pelas artes................................................................63 Riscando os livros e cadernos escolares.......................................66 A Escola de Belas Artes................................................................69 Sempre Limoeiro............................................................................73 Localização de suas obras............................................................76


183 3

ENTRE ASPAS (reconhecimento ao artista).........................91

Espírito Santo sopra onde quer.....................................................93 A despedida que não deveria haver..............................................94 À artista Márcia Maia Mendonça...................................................96 Márcio ou Márcia..........................................................................98 Uma artista no céu..........................................................................99 Tributo à Márcia Mendonça.........................................................100 Meditação sobre a última tela de Márcia Mendonça..................102 O nosso gênio partiu... ...............................................................104 Reconhecimento do povo de Limoeiro do Norte.........................106 Cearenses promovem exposição de arte sacra barroca no TRF107 Ao músico, ao escultor, ao pintor.................................................109 Homenagem a Márcio...................................................................111 O resgate do gênio limoeirense Márcio Mendonça....................112 4 MEMÓRIA ICONOGRÁFICA...................................................115


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