Movimento Estudantil em Defesa da Vida

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GILIATE COELHO NETO HÊIDER AURÉLIO PINTO MARCOS ASAS

MOVIMENTO ESTUDANTIL EM DEFESA DA VIDA 1a. edição

Recife 2008

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ÍNDICE Apresentação..............................................................................................................07 CAPÍTULO 1 Reflexões sobre o nosso juntar de forças................................................................10 Marcos Asas. CAPÍTULO 2 Ação e pensamento estratégico no movimento estudantil..........................................................................................14 Giliate Coelho Neto Marcos Asas CAPÍTULO 3 Uma proposta de Planejamento Estratégico simplificado para aplicação em CA's.....................................................................43 Hêider Aurélio Pinto CAPÍTULO 4 A difícil relação entre partidos políticos e movimento estudantil............................................................................................66 Hêider Aurélio Pinto CAPÍTULO 5 12ª Conferência Nacional de Saúde: tempo de lutas e sonhos............................................................................................81 Giliate Coelho Neto CAPÍTULO 6 Entre o Banquete e as Migalhas: um debate sobre extensão universitária.................................................................97 Hêider Aurélio Pinto. CAPÍTULO 7 Projeto de Extensão Buli com Tu: a prática cotidiana da extensão universitária......................................................................123 Giliate Coelho Neto Hêider Aurélio Pinto

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“É de pouca utilidade traçar planos sobre o que deveria ser a sociedade de amanhã, a produção, o Estado ou não, o partido ou não, a família ou não, quando na verdade não há ninguém para servir de suporte à enunciação de alguma coisa a respeito. Os enunciados continuarão a flutuar no vazio, indecisos, enquanto agentes coletivos de enunciação não forem capazes de explorar as coisas na realidade, enquanto não dispusermos de nenhum meio de recuo em relação à ideologia dominante que nos gruda à pele, que fala de si mesma em nós, que, apesar da gente, nos leva para as piores besteiras, as piores repetições, e tende a fazer com que sejamos sempre derrotados nos caminhos já trilhados” Felix Guattari

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Dedicamos este livro aos nossos companheiros e companheiras do movimento estudantil, Thiago Milet, Alessandro Prudente, Marjorie, Priscyla, Leila, Carol Chakur, João, Alexandre, Luciano, Dudu, Humberto, Felipe Maceió, Felipe Proenço, Isadora, Silvinha, Rodrigo Gonçalves, Vinicius, Cubano, Garcia, Evangelos, Kati, Herzog, Maria, Fran, Keka, Bianca, Coltro, Alemão, Mário, Adriano, Boschov, Alessandro Campolina, Dani Luchetti, Juliana Furtado, Esteban, Lela, Rosinha, Jorge, Emerson Canonici, Mônica, Rafaela, Cacá, Cariri, Tiago Feitosa, Álvaro, Bernadete, Romero, Rogério, Mozart, Bruno Fontan, Samuel, Artur, Mariele, Lana, Bixana, Régia, Maranhão, Marcos Breunig, Léo Lins, Liu, Edna, Mari Pires, Mari Martins, Rodolfo, Tonho, Lívia (fisio), Ari, Sady, Castanha, Edvânia, Cláudio, Thalita, Ricardo, Aninha, Gledson, Mari Pires (FENSG), Áurea, Lidiane, Domani, Rodrigo Mulambo, Lívia (UnB), André Siqueira, Bruno, Juliana (UnB), Ellen, Timóteo, Rodrigo Formigão, Samuel Soares, Régia, Sílvio Lopes, Chávez, Zé Sérgio, Karine, Chicão, Pedrão, Ravache, Alessandre Amorim, Amanda, Izaías, Alfredo, Lúcia Rohr, Tiago Doido, Maria, Gilson, Carol Aquino, Camile, Júnior, Nicole, Renata, Denize, Salvador, Samuca, Lorena, Cris, William, Miaghi, Estevão, Nilton, Lu Tuts, Anarella, Adele, Carol (UFPB), Renata,Verônica, Thaysa, Anderson, Benício, Raquel, Joana, Luís, Thaís, Vitor Papito, Vítor do Danc, Igor, Trajano, Ricardo Heizemann, Gión, Rodrigo Careca, Horácio, Eline, Tadeu, Hélder, Ubiracé, Vanessinha, Moana, Fredão, Aristides, Rafaela, Olga, João André, Bárbara, Felipe Ferro, Veríssimo, Mariane, Rodrigo Gato Véi, Leonel, Vanina, Rebeca, Carol Paz, Dani, Tiaguinho, Renan e Shirlene e mais algumas pessoas muito importantes que com certeza esquecemos de citar.

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APRESENTAÇÃO Todo coletivo estudantil tem duas faces interdependentes. De um lado, é um espaço de aglutinação e organização dos estudantes por melhores condições de ensino, por uma universidade pública e democrática, um sistema de saúde de qualidade para todos; enfim, uma trincheira na luta por uma sociedade mais justa, equânime e igualitária. Por outro lado, os coletivos estudantis são também espaços de autoprodução de novas subjetividades livres, rebeldes e engajadas na construção cotidiana de novas relações entre as pessoas. Mudar o mundo é também mudar a nós mesmos. É valorizar o saber do outro, acolher o diferente, agir de forma solidária, desierarquizar as relações entre os membros de uma organização; produzir, por fim, espaços de felicidade. Os textos que seguem trazem a marca de um coletivo de estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE) que sempre tentou buscar a harmonia entre essas duas faces. A militância foi realizada nos espaços mais característicos do movimento de área, como o DA de medicina Josué de Castro e a Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (DENEM), como também no movimento estudantil geral, através do Diretório Central dos Estudantes da UPE. Todos os artigos dessa coletânea foram escritos em nossa época de militância estudantil e voltados para sintetizar reflexões advindas de nossa prática cotidiana de luta e estudos. Alguns textos são mais voltados para o uso quase que imediato dos coletivos estudantis, já outros têmum caráter mais analítico, no intuito de instigar o leitor a pensar além das possibilidades colocadas pela realidade à nossa volta. A temática dos três primeiros capítulos é sobre o agir e interagir em grupo, sobre a formação e ação dos coletivos estudantis, desde a análise das singularidades de cada militante e sua relação com o grupo, até a reflexão sobre o uso da ferramenta do planejamento estratégico no movimento estudantil. Os capítulos que seguintes trazem reflexões sobre três temas importantes da pauta cotidiana do movimento estudantil: a relação com o movimento geral, a atuação e interação com o Sistema Único de Saúde, e a discussão e execução de uma certa proposta de extensão universitária libertadora e comprometida em aproximar a universidade da maioria da população. Os textos foram escritos no período de 1999 a 2006.

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Um grande abraço e boa leitura. Giliate Coelho Neto Hêider Aurélio Pinto Marcos Asas

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Capítulo 1

Reflexões sobre o nosso juntar de forças : Marcos Asas : 1

Este texto foi escrito especialmente para este encontro , com o intuito de lançar questões sobre a necessidade, características e problemas de nos associarmos de forma organizada para intervirmos de forma eficaz e resolutiva na construção de nossos projetos de sociedade. Não tenho a pretensão de trazer muitas respostas. Minha intenção é levantar as perguntas, para que as respostas possam ser construídas aqui, e de maneira coletiva, a partir da troca de experiências, saberes e percepções de cada um a cerca do tema. Antes de falarmos sobre “grupo” propriamente, é necessário refletirmos um pouco a respeito de nossa condição de indivíduos. Afinal, não somos uma massa amorfa e homogênea que possa ser facilmente percebida, analisada e compreendida. Somos um conjunto de pessoas com diferentes características, formas de pensar e de entender o mundo. Antes de sermos um Diretório Central de Estudantes e termos desejos coletivos, pensamentos coletivos, práticas coletivas e potencialidades coletivas, somos indivíduos, sujeitos, com desejos próprios, pensamentos próprios, práticas próprias, e potencialidades próprias. É lógico que ninguém, nem aqui nem em lugar nenhum, é estático em seus desejos ou na forma de desenvolver suas práticas. Não estamos, somos constante mudança. Somos sujeitos em contínua construção, nesta eterna roda viva, em que o grupo influencia nosso desejo individual e prática individual, a qual influencia as práticas e desejos do grupo, e que também vão influenciar nos nossos desejos e práticas individuais. 1

O momento ao que o autor se refere é setembro/2003, na casa de Vanessa, na praia de Maria Farinha (Paulista/Pernambuco), num seminário intitulado “seminário político & estratégico”, que iniciava as discussões para a construção da chapa 2 nas eleições do DCE-UPE (Chapa 2 “Lutar quando é fácil ceder”) para a gestão 2003/2004. Este texto foi escrito emresposta à demanda da gestão anterior (Gestão “Ação Coletiva” 2002/2003), solicitando um texto pra debater “grupos”, numa tentativa de dar conta de uma série de ruídos que existiram na época.

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Não somos indivíduos alheios e indiferentes ao mundo, e nem o mundo é alheio e indiferente a nós. É impossível existir sem interferir no mundo. Somos sujeitos, que desenvolvem ações e idéias que, em maiores ou menores graus, reformulam e reconstroem as relações sociais. O mundo é feito de algo parecido com barro mole, e está aí, podendo ter suas formas alteradas por qualquer um que coloque a mão na massa e se faça oleiro. Qualquer atuação faz a diferença, pois nossas mãos também serão decisivas sobre a forma final que esse monte de barro que é o mundo vai tomar. Nós somos muito mais que indivíduos, somos sujeitos, seres pensantes, com capacidade de formulação de teorias e conceitos próprios sobre a realidade, desejantes, com autonomia suficiente para ir além de todo esse conformismo que tentam incutir dentro da cabeça da gente, capazes de transformar toda as nossas angústias diante das injustiças do mundo em combustível para nossas ações e atuações, e com disposição, ousadia e ímpeto para tentar construir uma outra forma, mais equânime e emancipadora, de organizarmos a universidade e a sociedade. Mas nossa condição de sujeitos não significa que sozinhos nossas atuações serão eficazes. É justamente quando lidamos com problemas maiores do que aqueles que os nossos braços podem abraçar, e com reivindicações as quais não podemos conquistar sozinhos, que os sujeitos começam a se aglutinar em organizações e entidades ao redor dessas pautas. Mas não é só para juntar forças que as pessoas se associam e se aglutinam em grupos. Existem outras coisas que se desenvolvem nas relações desses grupos. Vamos então prender o olhar sobre alguns destes outros aspectos. Primeiramente, um grupo é muito mais que um somatório de sujeitos com problemas, reivindicações, objetivos, projetos ou idéias em comum. Durante as atividades, cada participante do grupo exercita sua fala, seu silêncio, sua opinião, sempre defendendo seus pontos de vista. De novo, fica claro que mesmo tendo objetivos em comum, cada sujeito é diferente e possui uma identidade. E neste processo de entrar em contato com o diferente e com o semelhante, com novos argumentos e novas percepções, cada um vai se reconstruindo e se reformulando, aprendendo valores e comportamentos de seus companheiros, como se fosse possível misturar nossas singularidades. Isso irá modificar os próprios objetivos, projetos ou idéias que eram consensuais, construindo-se novos consensos. Além dessa dimensão micropolítica, das disputas de espaço naturais entre diferentes formas de entender o mundo, não podemos esquecer a dimensão afetiva desses grupos. Pode parecer óbvio, mas trabalhamos melhor com quem gostamos, com quem temos afinidades e admiração, e quando estamos em espaços que nos acolhem, isto é, nos permitem exercitar

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a autonomia. Se não nos sentimos partícipes e co-autores dos projetos em que estamos investindo nosso trabalho, rapidamente nos sentimos desnecessários, fazendo ir embora como que descendo pelo ralo toda a mobilização, responsabilização e disposição para o trabalho. Esse ambiente acolhedor de que falo é algo relativamente simples de se construir, desde que estejamos dispostos a rever nossos comportamentos. Passa essencialmente por ouvir com mais disposição e discordar de forma pacífica, explicativa, didática e preocupada em promover uma mudança de posturas, condutas e posicionamentos. Afinal, pessoas ainda não familiarizadas com as linguagens próprias de um determinado grupo podem, por exemplo, ter uma percepção equivocada das discussões acaloradas, entendendo-as não como discordância às suas idéias, mas como hostilidades para com as suas pessoas, e não podemos nos dar o luxo de perdermos um possível simpatizante e futuro militante simplesmente por uma má interpretação de nossos comportamentos, ou porque não tivemos a capacidade de ouvir e acolher o que ele tem a nos dizer. Um grupo é resultado das relações que acontecem entre as contradições internas dele, estabelecidas entre a história do próprio grupo e as diversas histórias dos indivíduos com seus próprios mundos. Um grupo não nasce do dia para a noite, se constrói na constância de seus participantes na rotina e nas atividades, a partir das diversas singularidades das pessoas que o compõem e toda a arrumação e compensação que se faz disso: do extrovertimento de um, da timidez do outro; da sensatez de um, do afobamento do outro; da seriedade e da cara eternamente amarrada de um, da gargalhada quase compulsiva do outro, etc. Fica claro então que a idéia de grupo deve ser pensada a partir dessas dimensões afetivas e políticas, ou seja, enquanto afinidades interpessoais, disputas entre concepções de atuação da entidade, proximidade entre nossas formas de pensar e de interferir no mundo. Mas, como bem sabemos pela nossa prática, também não é só de problemas e dificuldades que é feito o trabalho em grupo e o movimento estudantil. Basta lembrar-se de todas as vitórias históricas que já conseguimos aqui em nossa universidade, como, por exemplo, as diversas vezes em que conseguimos barrar projetos de privatização da universidade, a conquista do congelamento das mensalidades, o voto paritário há mais de 10 anos e uma das estruturas com mais espaços de representação estudantil do país. Na verdade, consolidar um grupo a partir de um conjunto de pessoas sensibilizadas com os problemas vivenciados e cientes da importância dos papéis a serem desempenhados por elas nesse processo de superação das

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dificuldades a que nos propomos superar é a maior ferramenta de que dispomos, sem a qual qualquer estratégia é completamente ineficaz. Percebam que a sensibilização, se estiver desligada da consciência da necessidade da própria atuação para a superação dessa realidade que incomoda e angustia, não provoca maiores efeitos sobre os comportamentos e o grau de atuação desse indivíduo que se nega a se assumir enquanto sujeito, pois meio que se abstém do papel ativo que lhe é responsabilidade. Esta talvez seja a grande discussão: o que realmente nos sensibiliza? Será que queremos nos assumir enquanto sujeitos? E, se queremos, como podemos contribuir para que mais e mais pessoas tragam para si essas responsabilidades, trazendo para si as rédeas seu próprio destino?

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Capítulo 2

Ação e pensamento estratégico no movimento estudantil : Giliate Coelho Neto : : Marcos Asas : Este texto traz a experiência do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Pernambuco na utilização do Planejamento Estratégico durante o ano de 2004/2005, se propondo a publicizar a forma como trabalhamos essa ferramenta, na busca contínua por adequá-la aos princípios expostos nesta introdução. É sobretudo um texto para o uso cotidiano de uma coletivo do movimento estudantil local (que pode estar dentro ou fora, há pouco ou há muito tempo em um DA, CA ou DCE) ou mesmo nacional. Neste último caso, existe a necessidade de uma adaptação a depender do perfil da entidade. Breve histórico do planejamento A idéia de planejamento, independente do método a ser utilizado, é uma conseqüência prática da incorporação do conceito de estratégia no cotidiano da luta social. A estratégia é um conceito de origem militar, que remonta as guerras mais antigas. O general chinês Zun Tzu (séc. V a.C.) elaborou um tratado chamado A Arte da Guerra, onde sistematiza vários saberes relacionados com a utilização das forças armadas nas batalhas (tática) e da coordenação das batalhas para conduzir a vitória em uma guerra (estratégia), e onde alertava quanto à importância do planejamento colocando que “na guerra, primeiro elabore os planos que assegurarão a vitória e só então conduza teu exército à batalha, pois quem não inicia pela construção da estratégia, dependendo apenas da sorte e da força bruta, 2 jamais terá a vitória assegurada ”. O conceito de estratégia teve um enorme desenvolvimento a partir das guerras napoleônicas, quando o militar prussiano Karl von Clausewitz (1780-1831) escreve o tratado Da Guerra – que consiste no principal tratado 2

TZU, Sun. A Arte da Guerra. São Paulo, 2002.

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sobre objetivos e conceitos militares –, e além disso passa a ser incorporado à linguagem da luta política, especialmente a partir do séc. XIX, no período das revoluções burguesas. O Manifesto Comunista (Marx e Engels, 1848), por exemplo, ainda que não utilizando esse termo termo no corpo de seu texto, delineia também uma importante estratégia política. Afinal, delimita com clareza um objetivo político – a conquista do poder político pelo proletariado – e, partindo de uma análise histórica e da conjuntura da época, aponta uma estratégia a ser adotada na luta social: a organização do proletariado em um partido político e com uma determinada política de alianças, além de constituir um programa de ações que levasse a reorganização social (abolição do direito de herança, impostos progressivos, monopólio estatal sobre a atividade bancária e educação pública e gratuita para todos, só para citar alguns). Foi na extinta União Soviética que o planejamento se consagrou como ferramenta da gestão dos aparelhos estatais. O Estado definia de forma centralizada as metas a serem alcançadas na economia do país, e a sociedade se organizava para cumpri-las. Essa forma de planejar tem um viés economicista e dá pouca importância aos atores sociais e à política de uma forma geral – é chamada, portanto, de Planejamento Normativo (PN). Apesar de propor uma ruptura com o modo de produção capitalista, redefinindo as relações de propriedade (com as estatizações de bancos e fábricas e a coletivização dos campos) e de produção, a experiência soviética não 3 abandonou sua lógica gerencial e portanto não conseguiu democratizar o processo de trabalho e preservou a cisão entre os que pensam, decidem e planejam e os que executam. A experiência soviética (e sua crítica) serviu de inspiração para alguns grupos da América Latina desenvolverem novas idéias e formas de utilizar o planejamento. Carlos Matus, ex-ministro do governo chileno de Salvador Allende, desenvolveu o método do Planejamento Estratégico Situacional (PES). Para Matus, qualquer sujeito político que queira construir planos deve levar em consideração os diversos atores sociais que disputam a realidade (por isso o conteúdo estratégico do planejamento), assim como compreender as mudanças de conjuntura, de correlação de forças, movimentação do atores, etc. no decorrer da execução do plano (daí o caráter situacional do plano). Já Mario Testa, sanitarista argentino, dá uma ênfase 3

A lógica gerencial capitalista a que nos referimos é marcadamente influenciada pelos escritos de Taylor. CAMPOS (2000), em seu livro Um método de análise e cogestão de coletivos apresenta (e faz a crítica radical) ao Taylorismo como modelo gerencial.

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especial ao pensamento estratégico que, dentre outras coisas, enfatiza: o modo como vamos considerar e entender os problemas colocados pela realidade, as diversas formas de poder dos atores sociais e o caráter 4 ideológico das práticas de saúde . Planejamento e movimento estudantil Para além do seu uso bélico e do uso nos aparelhos estatais, o conceito de estratégia terminou se consolidando na linguagem da luta política, e sua conseqüência mais prática, o planejamento, vem pouco a pouco se incorporando como uma ferramenta no cotidiano do Estado e de vários movimentos sociais, inclusive do movimento estudantil (ME). Dentro do ME, a maioria dos grupos políticos termina enxergando o planejamento apenas como um “conjunto encadeado de ações”, o que, com toda a certeza, é uma compreensão que reduz enormemente as potencialidades dessa ferramenta. Para além de qualquer método a ser utilizado, talvez um dos elementos mais interessantes seja o exercício do pensar e do agir estratégico, da análise das forças sociais que se enfrentam na arena política, seus agrupamentos, dinâmica e formas de desenvolvimento; cartografias de revoluções ou contra-revoluções em marcha, para que possamos ter uma definição do caminho a seguir para conduzir a luta social às vitórias necessárias, no sentido de gerar mudanças qualitativas na natureza dos processos sociais. É interessante recuperar esse sentido potencialmente subversivo da estratégia, enquanto ciência da direção política, na verdade enquanto um misto de ciência e arte. Afinal, diante da complexidade do desenvolvimento dos processos sociais (nos quais a análise política termina se aproximando do princípio da incerteza de heinzenberg, ou seja, não conseguimos nunca ter plena clareza de todas as variáveis envolvidas num dado processo) a estratégia e a tática política carregam em si uma singularidade razoável: a percepção, a intuição, a aposta. Só se confirma o acerto ou erro de determinada política quando ela está sendo aplicada, pois é quando se coloca a roda para girar que as contradições se evidenciam. 5 Como bem coloca Lênin , quando analisa a as mudanças na estratégia adotada pelo general japonês Nogi, durante a tomada da fortaleza de Port Arthur na a guerra russo-japonesa, só a própria guerra reúne as condições 4

GIOVANELLA, L. Pensamento Estratégico em Saúde: uma discussão da abordagem de Mário Testa. Cadernos de Saúde Pública RJ. 1990. 5 LENIN. A Queda de Port Arthur, 1° de janeiro de 1905, citado por HARNECKER, Marta. in Estratégia e tática, 2ª edição, Editora Expressão Popular.

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necessárias para que possamos avaliar a efetividade de uma estratégia, além de abrir também a possibilidade de reorientá-la, de modo a impedir que uma avaliação mal-feita de qualquer uma das variáveis envolvidas possa nos levar a uma derrota. Só se aprende a combater no curso da própria guerra. Um salto fundamental do planejamento estratégico situacional sobre o planejamento normativo pode ser resumido na célebre afirmação do estrategista argentino Mário Testa, na qual “planeja quem faz”. Enquanto no PN as diretrizes gerais da política eram construídas por poucos (no caso da URSS, era formulado pelo comitê central do partido comunista), o PES traz como novidade a possibilidade de todos aqueles – aliás, só aqueles que estão na ação – participarem, formularem e decidirem sobre qual plano desejam executar. Em outras palavras, no PES a dissociação entre o trabalho intelectual (formulação) e a execução das ações passa a ser combatida ao longo do processo de construção e de reavaliação do plano, envolvendo a todos e em todas as etapas. O PES pode ter várias faces a depender do uso que o grupo que planeja dê para ele. Pode ser uma simples metodologia de construção de planos, pode ser também um instrumento de interação e fortalecimento do grupo e pode ser também uma forma de se democratizar os espaços de decisão. Dependendo do objetivo do coletivo, pode assumir mais um lado do que outro. Uma das premissas em qualquer um dos três casos, todavia, é o caráter longitudinal do planejamento. Ou seja, durante toda a execução do plano, é preciso haver correções de trajetórias constantes e uma renovação das responsabilizações pactuadas no primeiro momento, de construção geral do plano. Ainda mais no movimento estudantil, onde existe uma rápida renovação dos quadros políticos de uma entidade, essa característica tem de ser seguida à risca, sob a pena de contínuos fracassos e frustrações no uso do planejamento. Na prática, como veremos, isso não se restringe aos grandes momentos de formulação inicial do plano, nem inclui apenas momentos fixos de reavaliação, mas principalmente o exercício cotidiano de um pensar e agir estratégico. Refletindo sobre os nossos erros mais comuns no uso do planejamento Uma das principais dificuldades de quem usa o planejamento no movimento estudantil, via de regra, é a articulação coerente entre o que foi planejado e o que está sendo executado pelo grupo que o construiu. Muitas vezes a chamada “demanda espontânea” (vulgo apagar incêndio) consome o cotidiano dos integrantes da entidade ou coletivo a ponto de engavetarem o

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plano elaborado no começo da gestão e só revisitá-lo num momento posterior de reavaliação, geralmente já passados alguns meses. Nessa dificuldade está implícito um obstáculo ao ME (vírgula) que é a pouca organização das entidades. Devido à pouca experiência da maioria dos integrantes e ao relativo pouco tempo que passam no movimento – o que dificulta um repasse de experiência adequado das antigas para as novas gerações – existe o que podemos chamar de pouca “capacidade de governo” das organizações estudantis, entendendo essa como o conjunto de práticas, experiências, destrezas, conhecimentos e técnicas que confere poder a um 6 determinado coletivo . Como conseqüência dessa definição, o termo capacidade de governo também pode ser compreendido como o grau de coesão de determinado coletivo, ou seja, o quanto o trabalho em grupo, quando bem articulado, tem resultados muito superiores à soma dos produtos da ação de cada indivíduo isoladamente. Outro obstáculo à efetivação do planejado é a distância entre produto esperado e o produto realmente produzido pelas ações planejadas. Nesse sentido, ações aparentemente revolucionárias tornam-se conservadoras na medida em que não se consegue transpô-las para a prática. Isso não quer dizer, de forma alguma, que nos voltemos para um pragmatismo baseado no lema de só planejar aquilo que tenhamos certeza que vamos cumprir.Afinal de contas,a essência dessa idéia também traz geralmente elementos conservadores no trato com o real. Qualquer planejamento com caráter progressista há de ser ousado e trabalhar no limite, no limiar entre o possível e o impossível. É planejar o possível, mas também é planejar o caminho para se atingir o que hoje é considerado impossível por alguns. O equilíbrio entre 7 essas duas modalidades de ação é importante para evitar tanto o idealismo – conservador – de esquerda, quanto também para evitar o pragmatismo – ainda mais conservador – da direita. Enquanto o primeiro, pelo próprio imobilismo, assiste passivo à reprodução da ideologia e da cultura dominante, o segundo, ausente de coerência entre meios e fins, contribui ativamente para a reprodução das mesmas A terceira dificuldade que o ME enfrenta na operação do planejamento – principalmente quando se propõe a abarcar um período bem 6

O conceito de Capacidade de governo é do estrategista chileno Carlos Matus, exministro do governo de Salvador Allende. Pode ser encontrado mais detalhadamente no livro Política, Planejamento e Governo. 7 O conceito de idealismo é utilizado aqui como algo desconectado da realidade, e não como conjunto de sonhos, utopias, idéias, etc.

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definido de tempo – é, como já citado acima, a alta rotatividade de quadros dentro de uma organização estudantil. É comum que vários daqueles que planejaram no começo do ano não completarem a gestão e novos integrantes, que não tiveram participação alguma na elaboração do plano inicial, chegarem na entidade e assumirem em pouco tempo papéis importantes dentro do grupo. Perceber esses problemas é importante na medida em que, para além de focar simplesmente na capacidade técnica que um método de planejamento (inclusive este) possa ter, propomos o uso do planejamento como instrumento para ajudar a superá-los. Algumas considerações sobre poder e planejamento Os processos de mudança acontecem de acordo com a correlação de forças entre os diversos sujeitos sociais que interagem entre si. Possuir claros objetivos e não ter acumulado poder suficiente para a operação da política necessária a torná-los realidade implica geralmente em desestímulo crescente do grupo, levando várias vezes as pessoas a saírem da vida pública de uma entidade para se dedicarem à esfera privada de sua existência. No caso do ME, é aquele membro do CA ou DA que vai se afastando progressivamente (ou mesmo abruptamente) para se dedicar exclusivamente à vida acadêmica, família, parceiro(a), etc. O contrário, ou seja, o acúmulo de poder pelo poder, normalmente sem outros objetivos maiores – o que Matus chama de estilo 9 chimpanzé de fazer política –, ou mesmo a prática do apagar incêndio, costuma ter efeito perverso a médio prazo sobre a motivação dos integrantes de uma entidade estudantil, na medida em que se passa viver um cotidiano sem horizonte, com seu sentido encerrado em si. 8

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Como ocorre com as gestões das entidades estudantis (Diretórios (ou Centros) Acadêmicos e Diretórios Centrais dos Estudantes) e em coletivos que muitas vezes coincidem seus planos com o calendário acadêmico do(s) curso(s) ou universidade(s) em que militam. Segundo Carlos Matus, existem basicamente três estilos de práticas políticas vigentes na sociedade: o estilo chimpanzé (no qual os grupos e indivíduos fazem a disputa social para simplesmente acumular poder, não tendo projetos, nem de direita e de esquerda; o estilo Maquiavel (no qual os grupos tem projetos, mas não articulam de forma coerente os objetivos a serem alcançados com os meios necessários para tal e “os fins justificam os meios”); e o estilo Gandhi, ((no qual existe um projeto, e a coerência entre os objetivos e os meios para alcançá-los é condição fundamental para sua realização).

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Perceber as formas como se expressa o poder, com vistas a acumulálo (sempre de forma coerente com os nossos fins ético-políticos), parece ser, portanto, uma das tarefas do movimento. Colocamos abaixo algumas categorias dos poderes que podem ser úteis para analisar o modo como os coletivos e indivíduos interagem: Poderes Políticos: A capacidade de desencadear uma mobilização, dependente de certa forma de conhecimento – uma visão da realidade – que é um saber gerado de maneiras diversas: como experiência de situações 10 concretas e ainda como sentimentos desencadeados por essas experiências . Em termos de poder político, o que realmente importa não é apenas a existência de uma classe ou grupo social, ou o quão numérica essa classe ou grupo é; o que realmente importa e que vai definir sua força social é a disposição que as pessoas de determinado grupo têm (até onde estão dispostas a ir) para defender o que acreditam. Poderes técnico-políticos: Inclui os saberes de áreas específicas da nossa atuação, o valor de uso dos mesmos, e ainda a utilização concreta desses na realidade. Exemplo: Os médicos possuem um conjunto de saberes e domínio de ferramentas que garantem um determinado poder na sociedade. O mesmo vale para historiadores, enfermeiros, administradores, etc. Dentro da universidade, a valorização do poder técnico-político (pois não existem saberes meramente técnicos) é algo extremamente comum, com alguns professores se utilizando disso para tentar excluir os estudantes dos processos de decisão e formulação da instituição. Poderes Administrativos: São os que dizem respeito principalmente ao conhecimento do funcionamento das instituições. Por exemplo, uma secretária do reitor, se quiser, pode com o seu poder administrativo (administra a agenda do reitor), atravancar uma audiência dos estudantes com ele (ou então acelerá-la), muitas vezes sem o conhecimento do mesmo. Poderes Comunicativos: É o poder de se fazer entender, para o maior conjunto possível de pessoas e com a maior freqüência possível. É importante ressaltar aqui tanto a dimensão qualitativa (se fazer entender) quanto a magnitude dessa capacidade de comunicação (freqüência, número de salas que se consegue passar em um breve período, etc). Um erro comum do movimento estudantil, em relação ao primeiro ponto, é produzir 10

Definição de Mario Testa, do livro Pensar em Saúde.

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informativos que não dialogam minimamente com o conjunto dos estudantes. Textos imensos, letras pequenas, uma linguagem pouco compreendida por quem não faz parte do movimento, pouca noção sobre diagramação de páginas, entre muitos, muitos outros problemas que poderiam ser citados e que merecem atenção. No que tange à esfera quantitativa, existe uma dificuldade razoável de manter com o conjunto dos estudantes meios freqüentes de comunicação. Nesse caso (como também na questão qualitativa), não se trata apenas de distribuição de jornais ou atualização de sítios na internet. A interação cotidiana – passagem em sala, conversas de corredor ou de hora do almoço, por exemplo – também 11 possuem uma boa importância na construção de legitimidade entre o grupo que ocupa uma entidade estudantil e o conjunto de estudantes. É notório, entretanto, que uma das formas mais eficazes para se atingir o conjunto dos estudantes é a produção – e distribuição (e não deixar guardado no armário do DCE) – de material impresso. PODERES ORGANIZACIONAIS E DE COESÃO DE GRUPO – Como já citado, quanto mais coeso um coletivo, quanto mais sintonizado em relação aos seus objetivos e quanto mais horizontalmente democrática for a forma de organização para a produção de ações (de calouradas a atos públicos), maior o seu poder de transformação da realidade. Os poderes organizacionais incluem o perfil e o engajamento dos membros do grupo, a disciplina, a construção de decisões de forma coletiva, a noção de técnicas de interação grupal, a valorização dos espaços informais (refeitórios ou mesas de bar, por exemplo), o aprofundamento das relações de amizade, solidariedade e do sentimento de unidade, pertencimento e identificação com os outros e com a luta, além de um conjunto de saberes mais ou menos estruturados para organizar o coletivo na hora da ação, que exige muitas vezes a capacidade de dar rápidas respostas em situações não previstas. A ação exitosa (e normalmente também desejante e prazerosa) de uma entidade estudantil, diante de nossas difíceis tarefas, passa pelo acúmulo de cada um desses poderes. Como a realidade não é cartesiana, a forma como 11

A Legitimidade como entendida aqui se refere à capacidade de se fazer ouvir, de ser reconhecido como um interlocutor; qualidade de quem é reconhecido por expressar coerência entre sua trajetória, história e discurso ético-moral que emite; capacidade de dar explicações/respostas que colam aos problemas coletivos, explicações que produzem sentido nas pessoas. Algo como ‘o quanto de exemplo de sua própria fé’ um determinado ator social consegue ser, além do o quanto seu exemplo e sua fé fazem sentido também para os outros.

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isso acontece varia dependendo do cenário, podendo haver acumulação ou não de várias categorias de poderes simultaneamente. Utilizar-se, pois, do planejamento estratégico para organizar também o acúmulo de força de um coletivo estudantil, (sem vírgula) é um dos objetivos centrais desse texto. CONSTRUINDO UM PENSAR E AGIR ESTRATÉGICO COTIDIANO É chamado aqui de pensar e agir estratégico cotidiano o conjunto de atos que envolvem a construção, execução, avaliação e reorientação de 12 trajetórias dos planos construídos de acordo com o pressuposto de que o planejamento estratégico vai muito além do primeiro momento de elaboração do plano inicial. Para isso, é condição fundamental a consolidação de um grupo que consiga operar os planos e tenha capacidade de tornar seus pactos uma realidade. Deixando claro: não é objetivo aqui disponibilizar as ferramentas que porventura venham a substituir ações de pessoas; pelo contrário, os instrumentos aqui apresentados necessitam a priori ser operados pelo maior número de militantes, podendo, a depender de cada um, tomar feições e utilidades distintas. 1º MOMENTO: JUNTAR O COLETIVO PARA CONSTRUIR UM PLANO INICIAL Este é o momento de construção inicial da ação. Em geral, é realizado em local afastado do cotidiano das pessoas, como uma casa numa praia mais afastada, uma granja, etc. Outra característica possível é que algumas vezes participem dessa etapa militantes que vinham participando ativamente do grupo, mas que não estarão futuramente na mesma medida; ou pessoas em seus primeiros contatos com espaços mais orgânicos do ME. Pessoas novas ou antigas que acharam interessante estar ali. Sendo assim, afirmamos primeiramente que é um grande erro retirar dali o conjunto de ações planejadas do coletivo, pelo fato de que é bastante provável que algumas daquelas pessoas não estejam no cotidiano da entidade, havendo, pois, ou sobrecarga ou não cumprimento do que foi pactuado, gerando frustrações e prejudicando o funcionamento do grupo. 12

Construção, execução, avaliação e reorientação de trajetórias – Coisas que não se dão em momentos necessariamente distintos. Podemos inclusive encontrar certa identidade desses processos olhados em conjunto com o conceito de práxis na teoria marxista, que trata da relação entre prática e pensamento no homem em sua ação social, essencialmente de transformação do mundo: ação – pensamento – teoria – nova ação – novo pensamento – nova teoria – nova ação...

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Planos gigantes, com mais de uma centena de ações pactuadas geralmente acabam sendo engavetados pela impossibilidade de operá-lo no dia-a-dia. Conhecer bem os potenciais e as limitações do grupo nesse primeiro momento é condição fundamental para a construção de um plano condizente com a capacidade de execução do mesmo. Conhecer de forma mais profunda o cenário no qual o coletivo se insere na universidade e na sociedade é outra variável importante, na medida em que possibilitará um diagnóstico da governabilidade do grupo, conhecendo melhor aliados e adversários no cenário. Ou seja, simultaneamente ao processo de definição e produção das ações visando transformações sociais, é necessário uma leitura adequada da capacidade de governo e governabilidade do coletivo. Ao contrário de determinados grupos que se utilizam do conceito de governabilidade para justificar práticas conservadoras e incoerentes entre seus meios e seus fins, sob o argumento de que “política é a arte do possível”, o uso do conceito aqui tem por objetivo um diagnóstico que analise os caminhos para se aumentar tanto a própria governabilidade quanto a capacidade de governo do coletivo. O acúmulo de poder necessário para as transformações almejadas, todavia, virá no pensar e agir estratégico cotidiano, principalmente através do aumento de capacidade de governo do coletivo. A legitimidade do grupo perante um cenário se dá principalmente pelo impacto das ações nesse cenário, aproximando aliados e intimidando adversários. Uma corrida desenfreada pelo aumento da governabilidade (como, por exemplo, o mapeamento constante de eleições de entidades e a canalização das forças do coletivo para eleger supostos aliados), típica do modo chimpanzé de fazer política, se torna inócua a médio prazo, na medida em que não existe a realização cotidiana de um projeto transformador da realidade, na qual está inserida o coletivo estudantil e produtor de uma nova cultura, que faça um mundo novo ser necessário. É claro, em relação ao exemplo dado acima, que não estamos defendendo que nos ausentemos dos diversos debates eleitorais; o que questionamos é a capacidade de envolver e comprometer um coletivo qualquer com um projeto minimamente transformador através de uma agenda política totalmente centrada nessas questões. Feitas as colocações acima, que tiveram por objetivo orientar as prioridades do primeiro momento, podemos entrar nas etapas do mesmo. 1ª ETAPA A primeira etapa é: qual a missão da entidade e do coletivo? Para

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isso, pode-se começar com um debate geral em que todos os membros se colocam e escrevem posteriormente em local visível o que cada um acha sobre a pergunta acima, identificando a idéia ao nome da pessoa. Pode-se também, caso se prefira, começar escrevendo em tarjetas o que cada um pensa e cada um vai falando sobre o que escreveu. O que chamamos de missão aqui é algo mais intuitivo e com menor necessidade de definição exata. Dentro do debate do planejamento na saúde pública (Cecílio, 1997), costuma-se definir a missão com bastante precisão, várias vezes seguindo o seguinte esquema: produzir algo, para alguém (ou para um determinado conjunto de pessoas), de determinada forma. Não é esse tipo de definição que buscamos aqui. O que chamávamos de missão na verdade são sentidos – no sentido simbólico, da representação: o que produz desejo, mobiliza paixões; e princípios – no sentido ético-moral, valores norteadores que se espera que a organização cotidiana do processo de trabalho possa dar conta. Coisas que terminam definindo a forma com que a ação política se dá, algo referente às próprias relações que se estabelecem entre as próprias pessoas do grupo durante o trabalho que estão desenvolvendo, as relações que as pessoas estabelecem entre elas e o seu próprio trabalho e com o trabalho dos outros, entre os outros e o seu trabalho. O objetivo principal dessa etapa não é só pactuar a missão do coletivo. A princípio, a idéia não é construir consensos, ou chegar a conclusões, a não ser que exista alguma diferença gritante entre opiniões que possa inviabilizar o trabalho posterior. Tem como meta prioritária ajudar cada membro a reconhecer o que o outro imagina como missão do coletivo. É momento de reconhecimento, de cartografia do próprio grupo, de entrar em contato com as próprias impressões, e com as impressões do outro; traz alguns elementos que, se por um lado deixa clara a heterogeneidade do grupo, por outro também nos lembra do que nos une. O quadro com essas tarjetas deve acompanhar o grupo por todo o período em que continuarem juntos (geralmente a gestão dura 1 ano). A ação de cada um dentro da entidade vai se basear na missão que cada um imagina, e não serão consensos construídos de forma racional. Em outras palavras, o momento é de reconhecimento, e não de consensos. Um reconhecimento que não termina ali nem provavelmente começa ali; pelo contrário, durante todo o ano será possível, devido à exposição das opiniões de cada um sobre a missão num mural, associar as ações e movimentações dos indivíduos de acordo, ou não, com o que eles afirmaram na tarjeta. TEMPO ESPERADO: 1 TURNO MATERIAIS ÚTEIS: PAPEL MADEIRA, FOLHAS OFÍCIO E PINCÉIS ATÔMICOS.

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2ª ETAPA A SEGUNDA ETAPA DIZ RESPEITO AO DIAGNÓSTICO DO PRÓPRIO GRUPO.

sugere-se que se trabalhe com as categorias potenciais (“pontos positivos”) e limitações (“pontos negativos”). após elencar estas duas categorias, deve-se então fazer uma priorização daquilo que será objeto de tentativas de transformação. por exemplo: uma limitação poder ser “pouco contato com o conjunto dos estudantes” ou então “pouco conhecimento dos membros sobre teorias políticas”. depois de debatido os motivos que levam a esse problema, é interessante agrupá-los em frentes e priorizar algumas delas de acordo com capacidade do coletivo de levá-las a frente. A partir daí, é preciso então construir em linhas gerais aquilo que serão as ações da entidade para resolvê-lo. Essa é uma etapa que tem uma potencialidade interessante para iniciar/disparar uma reflexão aprofundada a cerca da relação do coletivo com o conjunto dos estudantes. TEMPO ESPERADO: 1 TURNO 3ª ETAPA A TERCEIRA ETAPA É A ANÁLISE GERAL DO CENÁRIO NO QUAL ESTÁ INSERIDO O COLETIVO. Para isso, o primeiro passo é identificar os espaços nos quais a entidade se relaciona com outros sujeitos sociais. Ex: 13 Conselho Departamental, Conselho Municipal de Saúde, CONUNE , Conselho de Entidades de Base, etc. A partir daí, deve-se então elencar os principais atores sociais com que a entidade interage, que podem estar nesses espaços (ou não. Ex: prefeitura, governo do estado) e analisá-los, partindo de algumas variáveis (é uma proposta básica que pode sofrer alterações de acordo com as necessidades do coletivo), de forma a dar algum método a essa etapa. De uma forma geral, os coletivos estudantis têm alguma dificuldade em ter clareza quanto aos seus aliados, aliados eventuais e inimigos, pois terminam construindo uma leitura estática dessas relações. É importante lembrar que os sujeitos políticos não se movimentam na arena política de forma independente da natureza e da direção das ações e posicionamentos dos outros: é justamente devido a essa ligação entre as posições dos diversos sujeitos sociais que nos referimos às inter-relações de tentativa de implementação/consolidação de poder pelos sujeitos sociais enquanto correlação. Quando nos referimos à Correlação nos referimos à 13

Congresso da UNE.

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tendência que os sujeitos políticos têm de variar simultaneamente em suas posições, de forma que suas ações e respostas estão relacionadas. Basta lembrar que quando um grupo político radicaliza em suas posições, os outros sujeitos políticos são levados a também radicalizar, seja na mesma direção, se somando, seja uma direção oposta, tentando trazer o “somatório total das posições” para algo equivalente ao momento anterior. Para se debruçar sobre essas questões são úteis as categorias: Adversário declarado, Aliado declarado, mais Adversário que aliado, mais Aliado que adversário ou Neutro/Indiferente? Pode-se trabalhar com alguns questionadores para ajudar na tarefa: 1) A RELAÇÃO É PREDOMINANTEMENTE DE CONFLITO OU COOPERAÇÃO? 2) EXISTE DISPOSIÇÃO DE AMBAS AS PARTES PELA BUSCA DE CONSENSOS? 3) EXISTE SINTONIA ENTRE AS VISÕES DE MUNDO? 4) EXISTEM INTERESSES E OBJETIVOS EM COMUM? Diferentemente da etapa anterior, nesta não se deve construir ações (ex: se aproximar do grupo tal, tentar vencer eleição tal, etc.) diretamente relacionadas com a análise construída, e sim mapear a necessidade de alianças de acordo com as prioridades elencadas na próxima etapa. TEMPO ESPERADO: 1 TURNO MATERIAL ÚTEIS: IDEM 4ª ETAPA A PRIMEIRA PARTE DA 4A ETAPA É O LEVANTAMENTO DE PROBLEMAS no cenário no qual a entidade está inserida e que devem ser pautas prioritárias da mesma no próximo período. É nesse momento que surgem as questões relacionadas, por exemplo, à má qualidade do ensino, projetos de extensão de cunho meramente assistencialista, biblioteca defasada, professores que chegam atrasados na aula, pouco incentivo à iniciação científica, mensalidades elevadas, sucateamento do hospital universitário, só para citar alguns dos problemas vivenciados diariamente na época atual. A segunda parte da 4a etapa é a priorização do que deve ser objeto de luta do coletivo, organizando para isso os problemas mais uma vez em Frentes. O número de Frentes deve ser de acordo, de novo, com a

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análise da viabilidade de operacionalização das mesmas pelo grupo. Deve-se então construir as diretrizes para o enfrentamento dos problemas. Algo importante é não se ater à construção de ações específicas (tanto aqui quanto na segunda etapa “potenciais e limitações”). Pode haver a pactuação de tais ações quando, depois de uma análise do coletivo, se perceber a urgência de construir ações específicas para determinado tema. É claro que que podem ser também pactuadas algumas ações, ficando apenas a ressalva de que o fundamental é a construção das diretrizes gerais. Sobre essas diretrizes, é necessário que não sejam de caráter abstrato, tipo “lutar por uma reforma universitária democrática” ou “aprofundar os debates sobre os problemas do HU”, ou coisa do tipo. Isso pode ser a própria frente. As diretrizes devem estar estruturadas em forma de projetos, e é aí que reside a complexidade delas. Um projeto pode ser um curso de formação política, uma agenda de eventos culturais ou mesmo uma calourada, uma campanha contra a reforma universitária, uma caravana, uma jornada de mobilizações, etc. Ou seja, sempre é algo bastante concreto, que indica uma forma (apesar só vermos a cara que vai tomar no decorrer do ano). Por esse motivo, as diretrizes podem ser chamadas de diretrizes-projetos. Sempre que possível, devem ser conferidos nomes a esses projetos, pois isso ajuda a conferir identidade ao mesmo. Ex: Campanha “Democracia Já!” que vai conter ações que visem democratizar os espaços internos da universidade, Calourada “Pra não deixar privatizar”, Curso de Formação “Pensadores do século XX”, etc. Construir de forma adequada as diretrizes-projetos é bastante importante para o processo de planejamento. Duração: 1 turno. 5ª ETAPA DEPOIS DE PACTUADOS AS FRENTES E PROJETOS PELO COLETIVO DA 5A ETAPA: a gestão de tudo isso que foi construído. A forma como o grupo se organizará vai depender de cada coletivo, mas uma ressalva é importante. Quando se fala em gestão do planejamento (vírgula) não se quer dizer que os projetos devem divididos por coordenações ou secretarias pré-existentes ao plano construído, ou simplesmente transferir os nomes das frentes para as coordenações. É preciso ousar se organizar de uma forma singular, construída a partir de uma realidade concreta que é também singular, de acordo com as especificidades de cada coletivo, cada universidade, cada faculdade e de acordo com cada ENTIDADE, É CHEGADA A HORA DA

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desafio a que esse coletivo se propõe de agora em diante. Quando se constrói (uma) luta com objetivos claros, vai se exigir, para o seu melhor êxito, coordenações próprias para tal. Em outras palavras (vírgula) é a estrutura organizacional da entidade que tem ser flexível para os projetos e não o contrário. Uma decisão que pode vir a ajudar na gestão cotidiana do plano é a criação de uma coordenação de planejamento. Uma forma que pode ser interessante para alguns coletivos é organizar a gestão do plano construído a partir da gestão das diretrizesprojetos. Por exemplo: Gestor(es) do projeto “Democracia Já!”. Seguir por esse caminho implica romper com a estrutura de organização passada da entidade, mesmo que informalmente. Nunca é demais lembrar: uma estrutura organizacional formal, definida a partir de um estatuto, por exemplo, tem que ser no dia-a-dia uma ferramenta organizativa, que nos ajude, e não nos amarre e limite nossa criatividade na hora de nos organizarmos para a ação. É claro que existirão exceções nessa reorganização e que alguns membros, caso queiram participar da nova estrutura de gestão (vírgula) terão que acumular funções. Afinal, pode ser interessante que quem é tesoureiro formalmente também participe como coordenador numa coordenação de finanças. Nesta etapa deve ser discutida também a ocupação dos assentos que porventura a entidade possa ter tanto na universidade quanto fora dela. Ex: Colegiado de curso, departamentos, conselhos departamentais, conselho universitário, conselhos de saúde, etc. DURAÇÃO: EXTREMAMENTE VARIÁVEL. MATERIAIS ÚTEIS: DISPOSIÇÃO AO DIÁLOGO E A NEGOCIAÇÃO, CAPACIDADE DE FIRMAR PACTOS E COMPROMISSOS

6ª ETAPA POR FIM, A 6º E ÚLTIMA ETAPA DESSE 1° MOMENTO (LEMBRAMSE?) É A VISUALIZAÇÃO DA CHAMADA AGENDA ESTRUTURADA, ou seja, mapear na linha do tempo os diversos eventos, congressos, reuniões, dos quais qual o grupo precisa participar. É importante que nesse momento também aconteça a priorização de participação, ou não, nesses espaços. Duração: 30-60min. MATERIAIS ÚTEIS: PAPEL MADEIRA, PINCEL ATÔMICO E FITA CREPE, OU CAPACIDADE DE CONSTRUIR FLUXOGRAMAS NO COMPUTADOR.

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2O MOMENTO: A PUBLICIZAÇÃO INTERNA E A GESTÃO DA CONSTRUÇÃO REALIZADA

A tendência mais comum no movimento estudantil, como já afirmado, é a de responder às demandas espontâneas do dia-a-dia e aos poucos ir engavetando o plano construído para o período. Podemos enumerar algumas dificuldades que contribuem para isso: 1. A pouca divulgação do plano; 2. A dificuldade de enxergar qual será a relação do plano com os espaços de gestão cotidianos, tal quais as reuniões ordinárias da entidade; 3. A inconstância dos membros da entidade, que num mesmo período de tempo podem ter momentos de forte militância (geralmente no início dos semestres) como também de ausência total (geralmente nos períodos de provas); 4. O caráter extremamente normativo que alguns planejamentos adquirem, impossibilitando a sua operação no cotidiano; Atacar estes problemas não é tarefa fácil, pois alguns deles dizem respeito a questões estruturais da universidade. Existem, porém, algumas ações que podem ser realizadas no intuito de fortalecer o grupo e a gestão do plano pelo mesmo. O espaço da entidade enquanto uma Praça

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Uma praça, um lugar que produza encontros. Entre os integrantes do grupo, entre o grupo e os outros estudantes, entre a gestão da entidade e outros agrupamentos sociais. Um encontro, inclusive, com a história e multiplicidade de identidades da entidade. Uma idéia simples, mas que esconde dentro de si algumas questões extremamente relevantes e que muitas vezes não são levadas em consideração pelo movimento. Nos encontros está a possibilidade de se construir interação, de se politizar o cotidiano, de se colocar para a gestão da entidade a exposição constante com a sua base, possibilitando à mesma a todo tempo poder questionar, de forma legítima, as ações e idéias do grupo. Para nós é de fundamental importância esse contato cotidiano, sob o risco de que, caso ele 14

Conceito utilizado pelo prof. Emerson Merhy, da Universidade Estadual de Campinas.

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não ocorra, haja um descolamento do grupo de sua base, fato que pouco contribui na transformação social almejada e na própria sobrevivência política do coletivo. Sendo assim, podemos fazer algumas perguntas: a. O espaço da entidade é freqüentado cotidianamente pelos estudantes? b. Existe espaço lá para isso? c. Eles vão lá para conversar, interagir, etc. ou só aparecem quando tem algum problema específico para resolver? d. A entidade faz parte do cotidiano dos estudantes? É claro que, quando fazemos esses questionamentos, levamos em conta que uma parte importante das entidades estudantis não possui espaço físico e viabilidade financeira para ampliar a sua sede de modo que propicie uma maior freqüência dos estudantes. Cada cenário tem seus próprios cotidianos, os mais diversos, porém igualmente singulares: Simplesmente transferir estratégias de um cenário para outro sem levar em conta as especificidades pode se constituir como um equívoco fatal para qualquer empreitada que se pretende bem sucedida. De tal modo que a tática a ser adotada irá depender de cada local e das soluções criativas para resolver esses impasses. Quais, por exemplo, os espaços freqüentados pelos estudantes, e qual a possibilidade de se desenvolver atividades periódicas – políticas, acadêmicas, culturais, científicas, esportivas, etc. – por lá? Outro ponto importante é se o espaço da entidade propicia o encontro entre os seus próprios membros. Nesse caso, questões como grau de limpeza e organização, mínimo conforto, acesso à internet, etc. assumem papel relevante. Nesse caso, o mais importante, porém, é como o grupo se apropria subjetivamente do espaço da entidade. Até que ponto cada pessoa considera aquele lugar realmente seu (no sentido de pertencimento: compartilhar/pertencer a algo e desse algo lhe compartilhar/pertencer)? O que mudou nesse espaço desde que o novo grupo assumiu? Qual a participação das pessoas nessa mudança e até onde elas se identificam com as mesmas? Levar em conta essas questões pode ajudar a perceber o quanto as pessoas estão envolvidas ou não no projeto e na gestão da entidade. Além de uma possível reorganização física do espaço, é nesse momento que o produto construído no primeiro momento do planejamento pode assumir um papel importante. Em cada parede, em cada canto da entidade, qual a possibilidade de pintar com as cores do grupo e das pessoas que compõem aquele coletivo? A matéria-prima para tal já existe, e é o

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produto citado. Esse é o momento, portanto, de resgatar o que cada um considera missão da entidade e as pactuações realizadas, pendurando-as em alto e bom tom, se diferenciando daquele produto que ficaria num relatório no fundo de alguma gaveta, e se tornando a própria visível a todos e, no caso dos que freqüentarão diariamente o espaço, algo do seu cotidiano, sempre os estimulando a pensar sobre. Um ponto importante é fugir ao máximo das formas burocráticas de apresentação do produto. Quais seriam essas formas? As tabelas, as letras pequenas, o excesso de texto, as cores pouco chamativas (preto e branco), entre outros. Nesse caso, um conceito que pode ser utilizado é o de hipertexto. Ou seja, não é preciso colocar nos murais todos os detalhes sobre o construído na reunião de planejamento, mas sim as informações principais e de forma acessível. O resto das mesmas deve estar contido num relatório de fácil acesso a todos os estudantes que solicitarem. EXEMPLIFICANDO A EXPOSIÇÃO DAS DIFERENÇAS

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Modo burocrático: FRENTES

DIRETRIZES E/OU AÇÕES

1. FORMAÇÃO REALIZAR CURSO POLÍTICA POLÍTICALEVANTAR

COORDENDO

DE

RES DA DIRETRIZPROJETO FORMAÇÃO LEONEL E MATERIAL GLEDSON

BIBLIOGRÁFICO

2. GESTÃO DO 2.1 ORGANIZAR MOMENTOS PERIÓDICOS MARCOS DCE E COESÃO DE ANÁLISE INSTITUCIONAL DO GRUPO DO GRUPO 2.2 ACOLHIMENTOS CULTURAIS MAIS FREQÜENTES

3. 3.1 CONTRATAR ASSESSORIA DE IMPRENSA COMUNICAÇÃO 3.2 CRIAR LISTA DE EMAIL 3.3 CRIAR E ATUALIZAR BLOG DO DCE 3.4 CRIAR E ATUALIZAR SÍTIO DO DCE 3.5 PUBLICAR MENSALMENTE JORNAL DO 15

THALITA, EDVANIA, GILIATE JULIA

E

Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Pernambuco. Planejamento Estratégico Gestão 2005. Recife-PE, 2005.

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DCE 3.6 MONTAR PAINÉIS DO DCE EM TODOS OS CAMPUS

4. PROJETO 4.2 CARAVANA “GRATUIDAD 4.3 MOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADE E JÁ!” (OUTDOORS) 4.4 SEMANA DE AGITAÇÃO 5. PROJETO 5.1 CARAVANA CULTURAL “AGITAÇÃO 5.2 CAMPANHA CONTA DISCRIMINAÇÃO CULTURAL” DOS COTISTAS

CLÁUDIO, MARCOS, MULAMBO E MARIANA ANINHA E GLEDSON

UMA OUTRA FORMA:

Neste caso, a nova forma de apresentação foi capaz inclusive de afirmar a escala de prioridades do grupo. PRODUZINDO MAIS ENCONTROS

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Uma dificuldade do movimento estudantil é resgatar a sua história. 16 Não é incomum várias gerações de militantes passarem por uma entidade e pouco saberem sobre as que vieram imediatamente antes. Produzir, pois, encontros com essas gerações que passaram é um rico dispositivo de acúmulo de conhecimento para o coletivo. Os temas podem ser os mais variados e vai depender da necessidade do grupo; podem variar desde o histórico das forças políticas na faculdade até formas de organização interna da entidade, etc.. Outro ponto importante é a organização e o fácil acesso ao material histórico da entidade. Nesse caso, talvez a principal utilidade seja para a coordenação de comunicação, responsável por elaborar os jornais e informativos. Num mundo onde predomina uma cultura de massas, de descartáveis, de sucessos e decadências meteóricas, onde a história das pessoas, dos territórios e dos movimentos pouco é objeto de conhecimento, é importante na disputa cultural cotidiana resistir a esse processo. Uma das formas de se fazer isso é associando às matérias dos jornais os históricos sobre determinada luta, enfatizando principalmente as vitórias dos 17 estudantes . A RELAÇÃO COTIDIANA COM O PLANO A gestão do plano, o momento tático-operacional segundo Matus, deve ser substituída pela gestão das pessoas. A relação com o plano deve ser de diálogo; diálogo entre uma norma construída num determinado momento histórico e um grupo de indivíduos que estão inseridos num outro momento que pode ou não ser adequado à implementação desse plano. A partir do momento em que afirmamos que a gestão das pessoas é o preponderante, um dos pontos importantes a ser lembrado a todo tempo é os pactos acordados entre o coletivo, sob o risco de se diluir com as demandas cotidianas emergenciais o potencial de ação coletiva do mesmo. É aí, portanto, onde o plano se localiza, como um pacto feito pelo grupo, que (vírgula) para ser quebrado ou revisado, deve ser feito de maneira consciente 16

O conceito de geração é diferente do conceito de gestão. Enquanto a primeira pode durar 1, 2, 3 anos, a segunda geralmente é de 1 ano. 17 Nesse caso, enfatizar as vitórias é parte da disputa cultural, na medida em que a ideologia dominante tenta ao tempo todo vender a idéia da imutabilidade das coisas. Expressões como “Isto aí é muito difícil de mudar, sempre foi assim” não são incomuns de serem ouvidas no dia-a-dia da universidade.

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e mediante a construção de novas pactos. A gestão das pessoas deve ser delas mesmas, mas não se pode esperar que isso vá surgir de forma espontânea. Algumas pessoas no grupo podem ficar responsáveis por colocar o grupo sempre em análise de sua própria prática. É uma função totalmente diferente da de monitorar o cumprimento ou não de ações, o comparecimento ou não às reuniões, etc. É antes de tudo uma função de estímulo e apoio aos militantes, que deve ser sempre anconrada no próprio exemplo do(s) integrante(s) que estarão realizando tal atividade. Fazer da própria prática um exemplo vivo de sua visão de mundo é um desafio cotidiano necessário. É no exemplo que está um dos pilares da gestão de pessoas e efetivação do plano. É o exemplo das coordenações e pessoas mais atuantes, juntamente com o compromisso de estimular e apaixonar as outras, que se defende aqui como o principal fator gerador de coesão de grupo e produção de políticas no movimento estudantil. Em outras palavras, é o exemplo – articulado com o estímulo – e não a cobrança que faz um coletivo se organizar para lutar por algo. Tudo isso é mais fácil de fecundar, como já abordado, em espaços propícios para tal, em ambientes que produzam constantes encontros entre as idéias, sonhos, desejos, angústias e sentimentos das pessoas. Os dois espaços formais de diálogo com o plano são as reuniões ordinárias da entidade e as reuniões das coordenações das diretrizes-projetos. 18 Esquemas como o desenhado anteriormente podem ser expostos em destaque na sala de reuniões da entidade ou então em algum outro lugar bastante visível e que possa ser acessado facilmente pelo conjunto dos estudantes. Construídas as diretrizes-projetos, é o coletivo que tem de dizer a melhor forma de produzir os desdobramentos (ações concretas) das mesmas. Pode-se debatê-las nos espaços das coordenações e depois levar os produtos para as reuniões ordinárias ou se pode, dependendo da importância do tema, se utilizar desde o começo o espaço da reunião semanal para tal. É importante se lembrar do lema orientador planeja que faz, ou seja, se as ações forem planejadas no espaço as coordenações, é natural que a 19 responsabilização se dê, de forma prioritária , entre os membros da mesma; 18 19

Desenho na página De forma prioritária, pois não rara as vezes membros que não participaram da elaboração das ações podem assumi-las e realiza-las, seja por escassez de quadros, seja pela por identificação com as mesmas, ou qualquer outro motivo. Importante não tornar nortes teóricos, que servem para orientar nossas práticas,

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o mesmo valendo para as reuniões ordinárias. A INSERÇÃO DE NOVOS MEMBROS EM AÇÃO O método no qual é realizado um planejamento inicial e o os momentos posteriores são apenas de monitorização do que foi realizado ou não, sem levar em conta a provável inserção de novos membros no coletivo durante a execução do plano, pode gerar dificuldades para a renovação de um coletivo. Afinal a inserção de novos membros vai terminar por se dar de forma acrítica na medida em que não participaram do momento inicial de definição de Frentes e ações, por exemplo. Outro problema que reside na gestão de algumas entidades estudantis é a dificuldade que os que chegam têm em participar das decisões da mesma. Nesse caso, é reservado o direito de voto apenas aos que fazem parte da chapa ou da diretoria. Embasando-se no temor da desestabilização pelos mais novos, por exemplo, os antigos integrantes muitas vezes comprometem a reprodução do movimento em vez de apostar na crítica muitas vezes livre da cegueira institucional em que algumas pessoas se encontram. Esse fato é comum nas entidades em que infelizmente ainda existe o aparelhamento por partidos políticos ou tendências do partido. A experiência do DCE da Universidade Federal de Uberlândia (DCE-UFU) na década de 1990 e começo do deste século aponta uma proposta que pode ajudar na organização da entrada de novos militantes na entidade, de forma a estimular a participação e democratização dos espaços 20 do movimento estudantil . Essa proposta foi discutida e implementada pelo DCE-UPE e consiste em conceder o direito a voto a qualquer estudante que participe de três reuniões seguidas da entidade. O direito é perdido (inclusive pelos membros antigos) quando faltam três reuniões seguidas. Essa simples decisão ajudou a blindar a entidade contra o ataque de possíveis grupos oportunistas que poderiam levar várias pessoas para votar numa pauta de interesse dos mesmos (caso o voto fosse aberto) sem deixar, porém, de acolher, com poder de decisão, as pessoas que se identificassem com o projeto do grupo, ou que simplesmente quisessem debater os caminhos das

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com dogmas que vem ser seguidos à risca e sem questionamentos ou adequação à cada realidade. O texto que contém a proposta chama-se Unidade no grupo, unidade na ação. Exmembros do DCE-UFU que podem talvez disponibilizá-los: Jérzey Timóteo (jtimoteo@yahoo.com), Edson Pistori (edsonpistori@mec.gov.br) ou José Ricardo (vermelhojose@hotmail.com).

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políticas de sua entidade de representação. No caso do DCE-UPE, dava-se a oportunidade para os novos membros, depois das três reuniões, escolherem se queriam participar da gestão de algum projeto especificamente. Como as ações eram construídas a todo tempo (de acordo com o pacto feito no último momento de construção do plano, o da elaboração a linha temporal) as pessoas iam se inserindo nesses “mini-planejamentos” das coordenações ou do grupo maior. A DIFÍCIL GESTÃO DOS CONFLITOS

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A gestão de pessoas e de espaços públicos, como uma entidade estudantil, é também a gestão dos conflitos e atritos que a todo tempo surgem entre os seus integrantes. Um mundo sem conflitos é também um mundo sem seres humanos, ou então o paraíso pintado por alguns setores da igreja. Sendo assim, um grupo é tão mais coeso e maduro quanto mais consegue gerir e direcionar os conflitos existentes para produção de valores 22 de uso, e não na medida em que elimina os conflitos . (parágrafo) As ações das pessoas numa instituição, segundo Boudon e citado por Cecílio, seriam produto conjunto de um “efeito de posição (que dependeria da posição que um decisor ou ator ocupa num contexto determinado e que condiciona seus acesso a informações pertinentes) e de um efeito de disposição (que dependeria das disposições mentais, cognitivas e afetivas desse mesmo ator(..)” Do ponto de vista prático, poderíamos afirmar que a posição de um mesmo estudante pode ser diferente na mesma entidade. Dependendo do 21 22

Inspiradíssimo em O conflito enquanto matéria-prima da gestão, texto de Luis Cecílio, sanitarista, professor da Universidade de Campinas. Mais uma vez,se invoca o bom senso do leitor para não tomar algumas afirmações como verdades absolutas. Cabe lembrar que existem determinadas situações em que as diferenças são tantas que geram conflitos extremamente difíceis de possibilitar a ação coesa do grupo. Via de regra, não é o caso do movimento estudantil de área (militância por setores ou por cursos: Executivas de Curso, DA’s, CA’s...), onde pessoas muitas vezes têm uma maior identidade de idéias e projetos, ou são menos sectárias e têm mais facilidade de compreender a pluralidade. Na maior parte das vezes, montam as suas chapas e são eleitas em eleições majoritárias. No caso do movimento geral (UNE, UEE’s, DCE’s),em que as eleições são muitas vezes proporcionais, as gestões são marcadas por atritos de difícil resolução. Geralmente nessas situações estão envolvidos alguns grupos de juventudes partidárias cuja fidelidade cega ao partido impede a construção qualquer tipo de consensos.

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perfil de alguns membros do grupo, as suas atuações poderiam levá-los a vivenciar, por exemplo, uma série de espaços, reuniões, conversas com atores importantes dentro e fora da universidade, que vai conferir ao mesmo uma visão diferente de outros que priorizaram outros espaços, como por exemplo o contato mais cotidiano com os estudantes (essas duas atuações, é claro, não são dicotômicas). Essas diferentes vivências podem conferir visões diferentes entre os mesmos sobre determinado tema, pela posição que ocupam na entidade. É a diferença que pode ocorrer entre membros de diferentes coordenações, por exemplo. Já os conflitos advindos dos efeitos de disposição seriam produtos de diferentes interpretações sobre determinado tema, por diferentes pessoas ou agrupamentos. São posições influenciadas pelas experiências, leituras, reflexões que cada ator social traz em sua bagagem. Enquanto os efeitos de posição se referem mais ao lugar (lugar não enquanto cargo somente, mas como posição no cenário político) que o indivíduo ocupa, os efeitos de disposição falam mais sobre o histórico de cada ator social como algo que influencia suas opiniões e ações, podendo gerar insatisfações nos que estão a sua volta. Conflito, porém, é superfície, ou seja, é uma espécie de ponta do iceberg. Para resolvê-lo, é preciso, portanto, adentrar sobre as motivações e circunstâncias que o produziram. Esse exercício de solucionar esses tipos de problema pode ser feito informalmente, como por exemplo ao telefone, nos refeitórios, nas mesas de bares, conversas de corredor, etc. Não se pode menosprezar a potência do movimento estudantil em resolver de forma rápida conflitos internos de um grupo, pelo fato de que na maioria das vezes a divergência se dá na esfera da disposição, e não da posição – haja vista a pouca ou nenhuma hierarquia que existe no movimento, assim como uma mistura generalizada de funções. Talvez pelo fato de o ME ter um potencial razoável de resolver os seus conflitos nos espaços informais, haja uma espécie de menosprezo em se construir momentos formais de auto-avaliação/análise do grupo. Mas isso é importante principalmente no médio e longo prazo e entidades que possuem histórico de problemas crônicos, como por exemplo uma executiva de curso ou um DCE que há tempo vêm sendo criticado pelo afastamento da direção com a base. A médio e longo prazo, é importante (o que é importante? A autoavaliação está MT distante, tem que ser mencionada) manter espaços de auto-análise do grupo, pois as gestões no movimento estudantil tendem a se esvaziar com o tempo por uma série de fatores: calendário acadêmico (provas, aulas, etc.), desestímulo gerado pela inabilidade em se conduzir

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políticas (os projetos e ações que nunca saem do papel), centralização da gestão por parte de algumas pessoas insatisfeitas com o “marasmo” das outras, e também por uma visão um tanto distorcida por parte de alguns militantes no que tange à velocidade das ações a serem executas. Nesse último caso, a política da entidade fica refém da boa vontade e do estado de espírito do responsável por geri-la, e esse muitas vezes não parece sentir-se pressionado para executá-la. Se a esquerda já foi bastante criticada por desvalorizar o sujeito em prol da política, algumas pessoas agem como se a política fosse totalmente submetida ao seu estado de humor e disposição. Não precisa nem dizer que nenhuma das duas opções nos serve. Outra questão, talvez mais complexa, diz respeito à própria estratégia do coletivo para superar os desafios históricos colocados aos que se dispõem a transformar a realidade a sua volta. A simplificação programática, além de desarticulação com os problemas reais, tão comuns no ME, torna difícil a resolução de problemas que envolvem articulações políticas complexas, soluções criativas e uma disciplina pouco característica de boa parte dos militantes. O choque entre as pretensas soluções para desatar esses nós históricos e a dura constatação de que não será possível fazê-lo de forma tão simples é algo que pode levar a militância a se superar no enfrentamento a esses problemas ou gerar crescentes desestímulos e conflitos entre o grupo. Cecílio propõe uma forma de se encarar e processar esses conflitos, composta por quatro momentos: 1) Descrição do conflito; 2) Estudo sobre as causas do conflito; 3) Análise de como o grupo lida com o mesmo; e 4) Novas formas de se enfrentá-lo. A utilização desta matriz poderia se dar em momentos periódicos do grupo, com a coordenação de alguém que tenha alguma experiência em coordenar e promover a auto-análise de grupos. A GESTÃO DE PESSOAS E DO PLANO A relação do grupo com o plano deve ser de diálogo, como algo construído pelo coletivo num determinado momento e que pode sofrer alterações ou mesmo ser descartado de acordo com as mudanças situacionais. Infelizmente, em várias ocasiões o plano é observado de forma acrítica pelo grupo, tomando aquilo como uma norma onde há pouco espaço para reavaliação, e a conseqüência disso é a dificuldade em torná-lo real.

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Mais importante que alguém ou uma coordenação que faça a gestão do plano é alguém que faça a gestão das pessoas, ou seja, que tome como função específica a análise do funcionamento do grupo e o como está se dando o seu diálogo com o plano. Questões como a gestão dos conflitos, por exemplo, seriam objeto dessa coordenação. Isso pode ser questionado por alguns, que afirmariam que esse papel é de todos os militantes, ou mesmo outros poderiam dizer que a articulação interna do grupo é função do presidente. Em algumas situações, o grupo pode dar conta dessa função, dependendo do seu tamanho e da velocidade da agenda política da entidade ou do coletivo. Em várias outras, porém, corre-se o risco de “ser função de todos, e acabar sendo de ninguém”, parafraseando o dito popular. O papel de uma Coordenação de gestão de pessoas e do plano não é de fiscalizar o andamento da execução do plano, mas sim de construir formas desburocratizadas dos próprios militantes olharem para o que construíram de forma constante, crítica e reflexiva. Isso inclui desde a elaboração de formas visuais, como já apresentadas aqui, como também na construção cotidiana, 23 em cada reunião , e no agendamento de espaços específicos para se discutir o assunto. O maior erro que pode cometer o responsável por isso é ficar mostrando o tempo todo para as pessoas o que foi feito e o que não foi. O objetivo deve ser analisar o processo de trabalho do coletivo, instigar a reflexão, aguçar a crítica e a autocrítica – e não ranquear e produzir escores. Quando se evidencia no cotidiano essa segunda possibilidade, se cria, na maioria das vezes, um clima de desestímulo e cobrança que pouco ajuda o grupo a encontrar caminhos para superar as dificuldades que o levaram a não operacionalizar aquilo decidido anteriormente. Bibliografia TZU, Sun. A arte da Guerra. São Paulo. Martin Claret, 2002. MERHY, Emerson Elias. Saúde: Cartografia do Trabalho Vivo. São Paulo. Hucitec, 2000. CECILIO, Luís Carlos de Oliveira. Cad. Saúde Pública v.21 n.2 Rio de

Janeiro mar./abr. 2005. 23

Se atentar para o diálogo com o plano em cada reunião é um ponto fundamental na metodologia de planejamento apresentada, na medida em que a operacionalização das diretrizes construídas se dá nesses espaços semanais.

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CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Um método para análise e cogestão de coletivos. São Paulo. Hucitec, 2000. HARNECKER, Marta. Estratégia e tática, 2ª edição, Editora Expressão Popular. MARX, KARL E ENGELS, FRIEDRICH. MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA. TESTA, MARIO. PENSAR EM SAÚDE. MATUS, CARLOS. ADEUS, SENHOR PRESIDENTE. MATUS, CARLOS. POLÍTICA, PLANEJAMENTO E GOVERNO. GIOVANELLA, L. PENSAMENTO ESTRATÉGICO EM SAÚDE: UMA DISCUSSÃO DA ABORDAGEM DE MÁRIO TESTA. CADERNOS DE SAÚDE PÚBLICA RJ. 1990. MATUS, CARLOS. ESTRATÉGIAS POLÍTICAS: CHIMPANZÉ, MAQUIAVEL E GANDHI. MATUS, CARLOS. ENTREVISTA COM MATUS. RIVERA, JAVIER URIBE. PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO EM SAÚDE.

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CAPÍTULO 3

UMA PROPOSTA DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SIMPLIFICADO PARA APLICAÇÃO

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EM CA´S E DA´S

: HÊIDER A. PINTO : APRESENTAÇÃO DE 2003 Há mais de um ano, tive a idéia de fazer um material que simulasse, mais ou menos, oficinas de planejamento que coordenei em vários encontros da DENEM e no movimento estudantil como um todo, diversos DCE´s em especial. Nessas oficinas, começava por resgatar a história do planejamento estratégico, bem como sua utilidade. Continuava pela exposição de seu método de modo simples e em linhas gerais, seguia a isso a apresentação de uma proposta flexível de planejamento para as entidades estudantis e terminava com algumas considerações sobre a gestão da entidade e do plano construído. Minha idéia inicial era montar um texto com boa pesquisa bibliográfica e ampla exemplificação colhida nas diversas visitas e conversas com as pessoas dos diversos Centros e Diretórios Acadêmicos. Afinal de contas, fazemos planos no DA Josué de Castro religiosamente todos os anos e, quando era Coordenador Regional ou Geral da DENEM, pude vivenciar diversos planejamentos nas mais variadas Coordenações locais (CL´s) do Movimento em Defesa da Vida. Contudo, demorei, desanimei, a preguiça se apossou, os livros de referência foram emprestados de forma consentida ou não e, por fim, desisti. Agora, logo após o Fórum Social Mundial, numa praia belíssima do sul de Santa Catarina, com tantas coisas para conversar diferente de planejamento de DA´s, numa boa conversa com o Adriano 24

Escrito em janeiro de 2003 e revisado em Outubro de 2008.

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Massuda do DANC (grande e admirável companheiro), fui motivado por ele a dar seqüência ao projeto. Pois bem, nesse renascer a proposta mudou. A idéia atual é fazer um texto bem simples e amador, portanto, sem trabalhar conceitos nem utilizar bibliografia da área. Não debaterei histórico, nem me deterei em utilidades do planejamento, muito menos discutirei os pormenores. Este texto tentará ser bem prático, desse modo, se quer saber mais aprofundadamente sobre planejamento ele não lhe será útil. Se a intenção é contar com um material bem prático para desenvolver um processo de planejamento do seu DA, penso que ele pode até ser bem útil. Para saber, só lendo e experimentando. Planejando e Pensando Estrategicamente É fundamental para qualquer organização planejar suas ações de forma que possa esclarecer: os objetivos com os quais está comprometida, as metas que pretende atingir, a melhor forma de agir sobre a realidade para poder alcançar esses objetivos. Em situações adversas e com poucas pessoas para trabalhar, o planejamento ganha ainda mais importância. Priorizar ações e objetivos é um passo necessário que pode ser muito bem trabalhado com o uso do planejamento. Além disso, podemos fazer desse planejar um importante momento e processo de democratização da organização estudantil, possibilitando um maior controle e acompanhamento dos estudantes sobre as ações do DA, bem como um avanço importante em sua participação e intervenção nos rumos da luta travada cotidianamente pelo DA. Dessa forma, saímos do discurso e da condição formal de democracia do DA (aquela reconhecida no estatuto, mas pouco usada pelos estudantes) para efetivamente contribuir na qualificação da democracia: tanto no que diz respeito ao envolvimento cada vez maior de estudantes, quanto à qualidade desta participação – ou seja, consciente, orientada, protagonista, crítica, ativa, informada, etc. Por fim, o planejar e pensar estratégicos avançam na compreensão sobre a realidade vivida e as formas de se agir sobre ela – 25

Adriano foi Coordenador do Diretório Acadêmico Nilo Cairo (DANC) da UFPR e Coordenador Regional da DENEM. Fez Saúde Coletiva na Unicamp e hoje é um grande sanitarista da nova geração. Continua atuando a partir da Unicamp em diversas gestões municipais e, mais recentemente, passou num concurso e é agora também professor da UFPR.

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ampliação da capacidade de análise e gestão, de cada sujeito e de todo o grupo. Estimula as pessoas a verem o mundo que lhes cerca para além da primeira impressão, do costume e da superficialidade. Rumo a uma forma mais refletida, analítica, coletiva, compartilhada, dialogada, debatida, contraargumentada. Uma forma que busque aprofundar o entendimento acerca da dinâmica social que produz as situações e fenômenos percebidos. Essa capacidade de trabalhar de modo mais cuidadoso e sofisticado a análise da realidade e o agir transformador sobre ela, vai progressivamente extrapolando as atividades e momentos ditos “de planejamento”. Vai impregnando nosso próprio modo de pensar cotidiano, seja em assembléias, reuniões, debates, conversas e até numa discussão no boteco. Assim, avançaríamos para algo que Mario Testa (importante sanitarista argentino) chamaria de: Pensamento Estratégico. Esse, sem dúvida alguma, é um aprendizado importante não só para a atividade no DA, mas para toda a vida. O LOCAL E O MOMENTO PARA DESENVOLVER UMA ATIVIDADE DE PLANEJAMENTO

Em algumas CL´s costuma-se iniciar a montagem do plano já quando um grupo prepara as Propostas da Chapa que se candidatará às eleições. Neste caso o que vemos é um processo inicial de planejamento que dá conta de apontar os principais objetivos da chapa e as linhas gerais de ações para alcançá-los. Interessa a esse grupo nesse momento: estudar e problematizar a sua realidade e se posicionar frente a ela; desenvolver em linhas gerais propostas de mudança dessa realidade esclarecendo e convencendo os estudantes da importância e viabilidade das mesmas; debater as visões de mundo, análises e proposições dos adversários; disparar um processo que consolide um grupo forte e um apoio e envolvimento vigoroso por parte dos estudantes. Assim, um plano mais detalhado não é o objetivo nesse momento, e sim num posterior à vitória nas eleições. Nesse caso, vale destacar que um Plano não contém tudo o que a CL tem por função realizar uma vez que é uma entidade de representação e que será chamada a responder a diversas coisas que não havia previsto. A imensa variedade e imprevisibilidade da vida não pode ser aprisionada num plano, por mais minucioso que seja. Portanto, princípios, compromissos, posicionamentos, visões acerca da situação do estudante e de seu ambiente sempre farão parte das propostas das chapas e se constituem como um indicativo de como aquele grupo se comportará nestas situações não previstas ou não citadas nas plataformas eleitorais. Retomando..., é possível ainda, embora não seja freqüente,

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encontrarmos CL´s que realizem um verdadeiro Congresso Estudantil Local para montar o seu Plano, seja no momento pré-eleitoral, pós-eleitoral ou numa data específica que se repete anualmente. Mas, na maioria das vezes, é no início de um novo ano, após as férias, ou no início de uma gestão, após as eleições, que as CL´s optam por montar seus planos de ação e elas normalmente o fazem com as pessoas que integram o DA. Com base nos erros a acertos de escolhas de lugares para desenvolver atividades de planejamento que excedam o tempo de uma reunião ordinária, daremos as seguintes dicas quando ao Local indicado para fazer o planejamento. Deve ter algumas características: fácil acesso para garantir o maior número de participantes; boa acomodação e pouco barulho para garantir um limiar alto de atenção durante todo o tempo; ambiente descontraído que propicie momentos de relaxamento (ninguém é de ferro) de preferência diferente de onde ocorre normalmente as reuniões da CL (mudar de ares, novidade); isolamento da vida cotidiana para que familiares e amigos não façam os celulares tocarem o dia todo ou façam aqueles pedidos de levar não sei quem à não sei onde. Normalmente, o que tenho visto, são reuniões em chácaras, sítios, casas de praia, etc. que tomam todo o fim de semana, de sexta à noite, depois das aulas, até o domingo à tarde. Colocar as pessoas em um outro espaçomomento que lhes arranque do cotidiano e que propicie uma interação e um grande envolvimento com a tarefa é um dos mais importantes fatores para o sucesso desse processo. Além de garantir um bom aproveitamento pode propiciar união, solidariedade, amizade e uma identidade afetuosa que é importantíssima para as dificuldades que este grupo enfrenta e enfrentará no dia a dia. Mais à frente, dialogaremos um pouco sobre outros modos de disparar um processo de planejamento como esse sem precisar de condições tão especiais, ou seja, discutiremos como planejar valendo-se da mesma sala e das mesmas horas disponíveis cotidianamente para as reuniões do DA. ALGUNS PASSOS INICIAIS Assim que as pessoas chegam, como primeira atividade, após reconhecer o ambiente, guardar a comida, descobrir onde vai dormir e brigar na hora de dividir as tarefas (quem vai limpar, cozinhar, arrumar, etc.) sugerimos que seja montado um cronograma de atividades bem realista. Suponhamos que temos de sexta à noite até o domingo à tarde. Neste caso, teríamos 5 turnos de atividades (reservando a noite de sábado para uma “confraternização”). É importante lembrar que os turnos da tarde são maiores

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que os da manhã e noite e que os do sábado são mais produtivos que os de domingo quando todos já estão bem cansados. Além disso, é fundamental que seja produzido um Pacto com relação a esse momento que aborde os horários de atividade, descanso e descontração, o atendimento de celulares, o respeito à fala do outro, a lógica de inscrições, a designação de facilitadores, distribuição de tarefas etc. Como um segundo passo, poderiam ser feitas algumas dinâmicas de grupo com o objetivo maior de quebrar o gelo, descontrair, aquecer e integrar as pessoas, revelar o momento do grupo e produzir identidade entre seus membros. Várias dinâmicas podem ser utilizadas, vou dar dois exemplos de algumas que temos usado. Troca de letras de músicas para cantar: as pessoas escrevem a letra da primeira música que vem à mente (quase uma associação livre que expressa o que ele está sentindo naquele momento), trocam de papéis e cada um tenta cantar a música que recebeu. Posteriormente, a pessoa que escreveu deve dizer o que aquela música representa para ela e o que isso tem a ver com esse momento. Tabela de medos/expectativas e defeitos/qualidades: as pessoas escrevem em um papel três medos e expectativas que tem em relação àquele ano e ao trabalho no DA, escrevem também três qualidades e defeitos que possuem para o trabalho em grupo. Sem se identificarem, trocam entre si os papéis. Quem recebeu um papel, irá lê-lo fingindo que é seu, fazendo uma dramatização, portanto. O grupo discute sobre isso buscando identidades e diferenças, buscando de modo solidário trabalhar e tolerar a diversidade, acolher e apoiar as dificuldades, aproveitar as potências... A questão é não se perder muito no tempo total dessa atividade. Deve demorar 1 hora, no máximo, para que as demais atividades não fiquem corridas. Um terceiro passo, seria a montagem de um Pacto de Trabalho e de Relação do Grupo. Utilizamos normalmente a técnica de visualização móvel, as conhecidas tarjetas. As pessoas respondem em tarjetas às perguntas: identificar Valores que queremos que orientem nossa relação em grupo e Pactos que teremos que respeitar em nome da boa relação e de um bom trabalho do grupo. Cada Valor e cada Pacto deve ser escrito em uma tarjeta que traz identificado ao lado com um V ou um P. O facilitador enfileira na parede os Valores de um lado e os Pacto em outro buscando já agrupar aquilo que é semelhante. Deve então fazer a leitura um a um e perguntar se todos compreenderam e concordaram que aquilo deva ser um valor ou um pacto assumido pelo grupo. As pessoas levantam a mão e fazem destaque caso queiram um maior esclarecimento acerca da idéia da tarjeta ou caso queiram debater aquele tema. O facilitador

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vai escrevendo o nome da pessoa que destacou na própria tarjeta. Fazendo a leitura geral, parte então para esclarecimentos e debates só daquilo que foi destacado. Este Quadro de Valores e Pactos, depois de discutido e montado, torna-se um importante marco de referência para as pessoas do DA. Pode-se pendurálo na própria sala de reuniões para ser constantemente lembrado e cobrado. Deste modo torna-se um pacto ético de relação e respeito que o grupo construiu, observa, se avalia e re-vê permanentemente. Esta etapa não deve passar de 1 hora, 1 hora e 20. MOMENTOS DO PLANEJAMENTO E A ADAPTAÇÃO CRIATIVA Caso consultemos a literatura, veremos que o Planejamento Estratégico desenvolvido pelo chileno Carlos Matus é dividido em 04 Momentos - o Explicativo, o Normativo, o Estratégico e o Tático-operacional.No Explicativo, tenta-se produzir uma explicação da Situação vivida pelas pessoas através da identificação de problemas que aqueles sujeitos querem enfrentar a fim de mudar a Situação Atual para uma Situação Desejada. A pergunta que orienta esse momento é “Por quê” isso está assim? Descrevese a situação atual, identifica os problemas, decide quais serão enfrentados prioritariamente e busca-se compreender quais suas causas mais imediatas e mais profundas. Este momento é importantíssimo para ampliar a compreensão que as pessoas têm do mundo que lhes cerca, para o grupo trocar saberes, compartilhar entendimentos e explicações, avançar para além da superficialidade e do senso comum, um momento de dialogar com a compreensão do outro. Além disso, quanto mais bem explicada e próxima da realidade é a análise, mais chances de ser produzir propostas de ação que atinjam em cheio o problema. O Momento Normativo é quando o grupo coloca-se a pensar e propor que ações vai desenvolver para agir sobre a realidade que ele quer transformar. A pergunta que orienta esse momento é “O quê” vamos fazer para mudar? O Momento Estratégico é aquele em que se analisa se temos força e condições para fazer o que queremos? E os outros sujeitos interessados nessa questão como vão se comportar? Serão aliados, adversários, ou indiferentes? Qual deve ser a reação deles e qual é a força e condições de ação que eles têm? Mudarão esta realidade a ponto de termos que mudar nossa ação? Se sim, qual o plano B, e o C, para o fato dele fazer isto? E se ele fizer aquilo outro? A pergunta desse momento seria “Quem são os Jogadores, Como vai ser esse Jogo e quais as condições que cada um tem para Jogar?”.

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Não fazer o momento estratégico equivale a pensar um jogo em que você pensa tudo faz tudo, o adversário só assiste e ainda combina com você como ele vai deixar vocês fazer os gols. Advertência: até João sem braço revida! Por último, temos o Momento Tático-Operacional. Neste se exerce a práxis, ou seja, age, avalia o que fez, analisa se alcançou o objetivo, muda a ação, pensa novas ações, reflete novamente, etc. Estes momentos não são estanques, na verdade são bem integrados e, num processo, bem feito, eles se influenciam de modo que mudanças em um produz adequações e reflexões nos outros levando a um processo de análise permanente. Na proposta que apresentaremos queremos trazer como princípio, a necessidade das CL´s compreenderem o objetivo de cada etapa para que criativamente possa modificar as etapas conforme ache necessário, adaptando às diferentes situações (tempo, características das pessoas, problema tratado, experiência da CL, etc.). Trata-se de uma Adaptação Criativa. Por este motivo, não proporemos uma modelagem acabada e sim discutiremos as etapas que podem ser combinadas de diferentes formas para resultar em uma modelagem adaptada à situação vivida por cada CL. ETAPA 0 OU A MISSÃO DO DA/CA Temos iniciado os planejamentos com o debate acerca da Missão do CA/DA, por razões óbvias. Ora, se não sabemos o que nos cabe e até que nível deveremos nos comprometer com os problemas da realidade que nos cerca, como podemos montar um plano? Se uma pessoa acha que a missão da CL é promover a integração entre os colegas, não construirá ações e nem se atentará para problemas que envolvam a infra-estrutura da escola, seu processo de formação, os problemas dos docentes e da gestão da escola, a construção do SUS, a mudança da universidade, a emancipação dos usuários o papel da ação protagônica dos estudantes na crítica e produção de novos valores sociais. Assim, é necessários que as pessoas coloquem isso na roda, debatam e construam um pacto quanto a isso. Trata-se de uma pré-tarefa importante para o desdobramento das demais. A pergunta que se coloca é: Pra Que serve o DA? Nós entendemos que ele deve cumprir que papel? Uma forma de se fazer isto é através de tarjetas escritas pelos participantes (número limitado pra cada um). O facilitador vai colando no painel e já agrupamento as idéias semelhantes. Lê essas idéias e o que for consenso já está pactuado, o que precisar de esclarecimento, tiver discordância ou exigir debate, se destaca para após a primeira passada geral debater destaque a destaque. Esta etapa costuma demorar 1 hora e meia a 2.

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Em nossa experiência, o cronograma, a dinâmica de integração e identificação, o pacto de relação e trabalho e a Missão podem ser feitos no primeiro turno, visto que costuma ser um turno bem produtivo por ser o primeiro e as pessoas estarem descansadas. Pode-se tentar ainda fazer nesse mesmo turno a etapa 01, vai depender da empolgação e objetividade do grupo... ETAPA 1: MONTAR AS OPERAÇÕES A PARTIR DOS PROBLEMAS OU DOS OBJETIVOS? O Planejamento Estratégico Situacional (PES) recomenda começar o momento explicativo a partir dos problemas percebidos pelos agentes sociais que descrevem a realidade. Sabemos que isto permite um adequado levantamento dos elementos da realidade que perturbam estes agentes, contudo, para fazer bem feito, exige um tempo considerável e uma certa experiência de manejo. Devido a isso muitas CL´s têm dificuldades em fazer o planejamento a partir dos problemas. Para a CL iniciante no hábito de planejar recomendamos uma modelagem mais simples. Este iniciaria pelos objetivos e não pelos problemas. A seguir descrevemos as duas formas do mais simples ao mais complexo. Iniciar a partir dos Objetivos que se busca alcançar tem a vantagem de se basear fortemente na etapa anterior (etapa 0) o que facilita bastante o processo. Partindo do painel da Missão da CL, pode-se começar a desenhar os objetivos que se quer atingir dentro de cada missão desenhada, tendo o cuidado de estimular que se escreve outros também que não necessariamente estão relacionados às Missões. Também neste caso usa-se as tarjetas. Uma vez lidos os objetivos, deve-se então tentar agrupa-los e discuti-los um a um com o grupo para ver se todos concordam. Como normalmente a gente traça diversos objetivos, mais do que podemos debater nessa atividade, é fundamental construir uma Ordem de Prioridades. Para priorizar é fundamental que levemos em conta ao menos três elementos: 1) a Importância que avançar em direção àquele objetivo tem para nós e, obviamente, para o conjunto dos estudantes de mais agentes envolvidos; 2) a Capacidade que temos e a Força e Condições que reunimos para conseguir avançar em sua direção; 3) a Oportunidade de atuarmos em direção a isso naquele momento, seja pelo tema estar em debate na escola e todos já estarem mobilizados em torno dele, seja por estar acontecendo algo justamente nesse momento que se dispararmos uma ação agora vai facilitar o apoio de

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diversos agentes, etc. Pode-se trabalhar com conceitos e números, por exemplo: Grande Importância/Capacidade/Oportunidade vale 03 cada um; Média vale 02 e Pouca vale 01. A gente faz um produto (para quem esqueceu matemática = multiplica os números) para cada objetivo e faz uma ordem de prioridade na discussão do maior para o menor. Assim o facilitador pede para que o grupo dê valores para cada um dos objetivos. Tira a média dos valores atribuídos e faz a multiplicação. Está aí nosso primeiro quadro de prioridades. Lógico que, feito o quadro, se o grupo olhar para ele e achar que não corresponde ao seu interesse e prioridade real, propõe a mudança de um ou outro Objetivo e vê se há consenso. O importante é que essa dinâmica faz com que uma discussão de horas possa ser feita rapidamente. Após esta Priorização deve-se fazer o Momento Explicativo já trabalhando algumas coisas do Momento Estratégico. Através de uma rodada de falas analisando a Situação Atual que envolve o Objetivo que se quer alcançar, exemplo: o objetivo é - estudantes integrados, envolvidos em atividades extra-curriculares culturais, políticas e universitárias e informados sobre as decisões que lhes afetam. A Análise da Situação atual relacionada a esse Objetivo passa pela sua problematização, pelo debate de suas causas. Pode ser feito tanto através de tarjetas como pode liberar falas com tempo definido para as pessoas. O facilitador pode ir organizando as idéias mais importantes para que todos vejam. A partir desta Análise Inicial, torna-se possível pensar quais Ações serão desencadeadas para interferir positivamente na realidade descrita. Para cada Objetivo ou Grupo de Objetivos semelhantes devemos sugerir as Operações (mais amplas) ou Ações (mais específicas) que faremos para alcançá-lo. Então, quando Analisamos a Situação, já propomos na seqüência as Ações antes de se analisar o outro Grupo de Objetivos. Esse processo permite que assim que se debata um tema se pense logo em como enfrentálo. Deve-se agrupar e discutir as operações, eliminando-as, aceitando-as ou modificando-as. Como dissemos acima, um outro modo seria iniciar pelos Problemas. Nessa lógica teríamos um levantamento mais minucioso da Situação Atual. O procedimento seria semelhante: tarjeta-se os problemas da Situação Atual; agrupa em Grupos de Problemas; Prioriza-se os Grupos com base na mesma lógica de Importância, Capacidade de Enfrentamento e Oportunidade; e faz a análise de cada um.

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Nesse momento da Análise, para os CA´s iniciantes, não aconselhamos o uso de ferramentas como a Árvore de Problemas ou mesmo uma outra ainda mais complexa: o Fluxograma Explicativo. Sugerimos uma dinâmica simples: para cada problema ou grupo de problemas priorizado, seja através de falas ou de falas antecedidas por tarjetas, pedimos ao grupo que tente explicar as causas mais superficiais e profundas que explicam a existência e persistência desse problema. É importante identificar quais agentes interferem nesse problema, identificando seus interesses e olhando para ver como jogam, ou seja, se lutam contra ou a favor, como lutam e que força têm. É importante em cada problema debatido se identificar os Nós Críticos ou Centros Práticos de Ação. O que vem a ser isso? Pode haver causas que se a gente atuar na mudança delas não vão produzir muito impacto no problema central que queremos resolver. Outras até teriam grande impacto, mas nós não temos condições nem força para atuar nessa outra. Nenhuma dessas duas causas é um Nó Crítico. Para sê-lo tem que ser uma causa que, eu tenha condições de atuar em sua mudança e, atuando, eu interfiro fortemente na transformação do problema que quero resolver. Às vezes meu grupo, isoladamente, não tem força, mas, agregando aliados e/ou desenvolvendo ações de acumulação de forças posso fazer com que certa causa seja um Nó Crítico. Outras vezes vou atuar lutando contra algo que, não reúno forças para mudá-lo efetivamente, mas disputo valores, promovo uma ação de resistência, luto contra. Ou seja, não é um Nó Crítico, mas é sim um Centro Prático de Ação: é importante, é uma causa que deve ser enfrentada, a ação tem finalidade e utilidade, é uma ação possível ainda que, só a partir de minha ação não seja possível mudar aquilo. Daí que, nesses casos, temos que buscar identificar objetivos e resultados intermediários passíveis de serem produzidos por nossa ação. Para cada agrupamento de problemas é interessante que se construa uma Situação Objetivo, em que estes problemas teriam sido resolvidos e/ou metas que se quer atingir no ano de gestão da CL (seria uma Situação Objetivo prevista após um ano, ou seja, etapa da caminhada e não seu fim). Considerando o agrupamento de problemas e a análise e explicação que se fez a partir dele, observando a situação objetivo e as metas, objetivo daquela gestão num dado espaço de tempo, podemos desenhar então as Operações que visam resolvê-lo. Para ganhar tempo, pode-se também dividir o grupo em dois, para que em um só tempo, dois ou mesmo quatro (dois para cada grupo) agrupamentos de problemas sejam trabalhados paralelamente. Neste caso, é preciso pensar um momento de apresentação do resultado de um grupo para

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o outro, de modo que todos possam entender o que foi discutido e interferir no que foi proposto pelo outro grupo. Quanto ao trato dado às operações, é idêntico ao descrito acima, com a correção de relacionar as operações com os problemas, metas e situação objetivo que lhes correspondem. Esta etapa normalmente é a mais demorada do planejamento. Leva de um a dois turnos se bem feita. Os produtos que temos ao fim dela são: uma Explicação da Realidade que deverá ser enfrentada, objetivos ou situação objetivo e metas a serem atingidos e, por fim, operações propostas para a sua resolução. ALGUNS CONCEITOS PARA SE PENSAR ESTRATEGICAMENTE Para que proponhamos Operações Efetivas é fundamental termos em mente alguns conceitos do PES. Proceder este Pensamento Estratégico é fundamental para a produção de um bom plano, especialmente em dois momentos: naquele em que se explica a situação vivida e naquele em que se propõe as ações. Se nos apropriarmos de alguns conceitos podemos fazer as análises necessárias mentalmente e nos momentos de falas ditos acima. Desta forma, podemos prescindir de instrumentos específicos para isto, o que nos faz ganhar tempo. No COBREM utilizamos estes instrumentos (árvore de problemas, fluxogramas explicativos, espinha de peixe, etc.), mas lá é outra realidade, na CL iniciante, para a maioria dos problemas, o custo é maior que o benefício. Na maioria das vezes um debate organizado, alimentado por um pensamento estratégico, registrado visualmente por um facilitador onde o mesmo, partir das falas, vai relacionando causas no painel, consegue aprofundar o debate o suficiente para sairmos da primeira impressão sobre os problemas e das causas mais superficiais e trocarmos análises e experiências entre os membros do grupo de modo que nos permita propor ações potentes. Ou seja, mesmo fazendo um processo mais simples é fundamental que consigamos avaliar se tal ou qual operação terá impacto sobre a realidade descrita. Ora, quanto melhor for a explicação da situação ou o entendimento prévio que tivermos da mesma, teremos mais chances de propor uma ação efetiva. Se nos preocupamos em analisar a viabilidade de nossa ação, se está dirigida ao nó crítico do problema e se temos poder acumulado no momento para concretizá-la, aumentamos ainda mais esta chance. Um conjunto de conceitos importantes são aqueles que nos permite perceber a Posição Situacional dos Sujeitos e os relacionados à Teoria da Produção Social (é importante buscar bibliografia em Carlos Matus e Mário

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Testa). Matus diz que uma mesma realidade é vivida de forma diferente pelos agentes sociais. Além de poderem olhar para uma realidade de lugares diferentes podem ainda ter interesses diferentes. A não gratuidade do passe estudantil pode ser problema para uma grande parte dos estudantes, pode ser uma situação sem importância para aqueles que têm carro ou carona, e uma solução para os donos de empresa de ônibus. Ou seja, o que é problema para alguns pode ser objetivo para outros. Ser estudante, professor ou diretor da escola muitas vezes faz com que vejamos as coisas de modo diferente, seja pela condição de visibilidade que nos dá esse lugar seja pelo interesse que temos a partir dali. Matus diz ainda que a Situação Vivida não é natural nem acidental, é produzida e conservada historicamente pelos agentes sociais. Como a Situação também influencia o próprio comportamento dos agentes sociais temos então que os agentes são produto e produtores da realidade social. O que deve ser destacado é: há que se procurar quem se beneficia da situação percebida e como age para manter o estado atual de coisas. Dentro disto é sempre importante buscar as causas mais profundas dos problemas além dos meios pelos quais elas se reproduzem. A Teoria da Ação social nos traz o importante conceito do Triângulo de Governo. Num dos vértices deste triângulo temos o Projeto do Agente Social que estamos analisando. Diante de uma dada Situação o Projeto de um Agente pode ser, grosso modo, o mesmo do nosso, o oposto ou não interferir em nada em relação ao nosso. Pode ser importante para o agente de modo que ele lutará pelo projeto, até mesmo contra nós, ou não valer nada para ele de modo que ele não moverá um palmo mesmo que nós mudemos a situação para o oposto do que ele queria. Assim, luta pelo passe livre pode ser indiferente a muitos de nossos colegas, mas certamente os donos de empresas de ônibus não vão ficar sentados olhando nossa luta. Essa análise é muito importante para não repetirmos o vício de acharmos que só nos somos “agentes” e que todos os outros são “pacientes” (vício esse que repetimos em diversos espaços não é mesmo?). Temos em outro vértice a Capacidade de Governo, que reflete os poderes que acumulamos (sejam eles, técnicos, econômicos, políticos, organizacionais, etc.) para modificar a realidade. Porém, não estamos sozinhos, nossa capacidade de governo pode se somar a de outros agentes que apontam para o mesmo projeto ou pode entrar em conflito com a capacidade de governo de outro agente de projeto oposto. Com efeito, temos no último vértice o conceito de Governabilidade que expressa esta relação entre os agentes, ou seja, o choque entre as capacidades de governo dos

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agentes. Na análise da Governabilidade é central entender quais e em que grau os recursos de poder (organizacionais, de decisão, econômicos, políticos, de mobilização, técnicos, etc.) necessários para uma luta estão nas mãos ou sobre o controle dos agentes que disputam o jogo social. Estas posições, obviamente não são estanques. Podemos de forma comunicativa modificar o projeto ou o comportamento do outro. Os estudantes que têm carro podem achar a luta justa e somar aos outros no mesmo projeto saindo da passividade para a atividade. Devemos ainda sempre produzir alianças, para somar forças com quem já compartilha ou pode vir a compartilhar todo ou parte de nosso projeto, temos sempre que buscar acumular mais poder ou seja, mais capacidade de governo, para enfrentar uma situação que nos oprime e os agentes que a mantém. Sempre é importante raciocinar assim para que saibamos se temos condições reais de concretizar certas ações que propomos, para analisar se as ações são viáveis e também propor ações que acumulem nosso poder e aliem outros agentes ao nosso projeto. Daí que a oportunidade pode ser também quando está num momento que todos estão mais susceptíveis a serem mobilizados por um tema, quando fazendo essa luta A ela nos aproxima de aliados e nos faz acumular forças que nos dão condições de avançar para uma luta B (é oportuno então fazer a luta A primeiro para depois avançar na luta B e não o contrário). Infelizmente, não poderei enriquecer com exemplos cada um dos conceitos, mas tentem usá-los, é bem fácil e a gente vai pegando a prática com o uso. Ou seja, sem dúvida, o Planejamento tem um “quê” de Fazejamento! ETAPA

2: DETALHAMENTO

DAS OPERAÇÕES E DISCUSSÃO ORGANIZAÇÃO NECESSÁRIA PARA DESENVOLVER AS AÇÕES

DA

Como parte desta etapa, nossa experiência mostra que é fundamental que algumas coisas sejam feitas ainda nessa atividade de Gestão e Planejamento da CL, outras podem ser deixadas para momentos posteriores que completam este. Mais uma parte do Momento Estratégico pode ser feita nessa etapa. Podemos, frente às Operações propostas, analisar o comportamento dos agentes sociais, como revidarão? como poderemos responder a este revide? quem estará conosco? etc. Exercitar os elementos apontados no item anterior para simular o jogo e testar nossa capacidade de resposta e de produção de novas iniciativas. É importante interrogar ainda se temos o poder, os recursos, as condições suficientes para colocar em prática e sustentar nossas

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operações. Caso falte algo, o que precisamos fazer para criar essas condições? Este debate pode ser feito por meio de rodada de falas ainda que detalhamentos mais profundos possam ser realizados posteriormente pelos responsáveis designados para aquela operação, como discutirei à frente. É muito importante, aliás, diria até que é essencial definir ainda na reunião Em que Tempo serão executadas as operações e, mais importante ainda, definir quem serão as equipes diretamente Responsáveis por estas operações. Se não definir os prazos traz problemas. Não definir os responsáveis inviabiliza as próximas etapas. Para facilitar este trabalho, temos desenvolvido um método bem simples. Após o momento anterior, o que temos na parede é um painel com várias e várias tarjetas esboçando as operações propostas pelas pessoas. Os facilitadores poderiam triar estas tarjetas conforme o seguinte esquema: Operações da Agenda Estruturada, Operações da Agenda Planejada e Operações da Agenda Espontânea. Chamamos de Agenda Estruturada aquelas operações bem localizadas no tempo que representam espaços-momentos que exigem uma certa concentração de trabalho e mobilização de uma determinada equipe. Podemos dar como exemplo: encontros da DENEM, calourada, semana de recepção de calouros, semana de jogos internos, semana científico cultural, semana pedagógica, reuniões mensais do conselho universitário e departamental, reunião mensal dos representantes de turma, congresso da ABEM, Fórum Social Mundial, etc. A idéia é que nestes momentos a CL esteja toda mobilizada para executar todas as ações que cabem a estes espaços, não deixando pesar tudo em cima de uma secretaria ou coordenadoria. Quanto aos espaços de representação que exigem preparo anterior para a pauta, articulações, etc. como o Conselho Universitário e o Departamental ou Colegiado de Curso, deve ser montado um esquema completo de ocupação, capacitação, divulgação e envolvimento dos estudantes etc. Se considerarmos ainda o conselho de representantes de turma ou se está se procedendo uma reforma curricular que cria inúmeros espaços colegiados para os estudantes, o trabalho se multiplica. Pois bem, estas tarjetas devem ser colocadas em uma linha do tempo no devido mês que ocorrerá, deve também ser designada para algumas equipes para detalhar as ações que serão necessárias para alcançar os objetivos almejados, para posteriormente serem apresentadas ao grupo, como será discutido à frente. Uma dica de Gestão posterior do processo: para várias dessas atividades de representação que têm uma periodicidade regular é

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fundamental definir equipe para fazer a gestão dessa agenda: contatar responsáveis por participar das reuniões, disponibilizar pautas, atas e relatos das reuniões, garantir espaço de reunião e decisão antes das reuniões de representação, avaliar atuação e resultados, etc. A Agenda Espontânea, embora seja provocada e demandada por terceiros, também pode ter uma dimensão previsível e estruturável, por exemplo, aquelas ações que sabemos que serão demandadas, mas não sabemos quando e nem em que situação se apresentarão. Exemplos: estudantes aparecem na CL porque tal professor fez uma prova que detonou todo mundo, outro pede auxilio à CL para exigir tal coisa no colegiado, outro foi reprovado injustamente, imprensa cobra participação da CL em determinadas coisas, etc. Para tal agenda a melhor forma de trabalhá-la é discutindo modos de comportamento, valores orientadores e linhas de ação com equipes afins que seriam responsáveis por dar respostas rápidas a estas demandas quando surgissem, submetendo a ação depois ao grupo na reunião semanal da CL. O que devemos evitar é uma dependência excessiva do resto grupo de quem é responsável por responder a isto, retardando em demasia as ações. Dando um exemplo bem concreto, em nosso DA, o Josué de Castro, criamos uma nova Coordenadoria, a Assuntos Internos, pois ainda que tivéssemos a Coordenadoria de Educação Médica para responder a assuntos acadêmicos ela não estava preparada para responder adequada e prontamente quando estas demandas apareciam. As pessoas da Assuntos Internos deveriam conhecer o estatuto e regimento da escola, dominar a burocracia e os protocolos da escola e estar em íntimo contato com as turmas para orientar da melhor forma possível os estudantes. De quebra, eram responsáveis por um item da agenda estruturada, o conselho de representantes de turma, ou seja, fazem a gestão dessa representação. Ou seja, temos que ver na agenda espontânea o que é efetivamente inusitado e o que é passível de ser previsto e estruturado para montar ações que dêm conta disso reduzindo o Índice TEGAI ( tempo gasto apagando incêndio). Já a Agenda Planejada é justamente as tarjetas que sobraram a partir desta triagem, a imensa maioria. Com elas deverão ser feitos ainda dois passos descritos à frente. Deve preceder à designação dos responsáveis diretos pelas operações um debate acerca da Organização da CL necessária para concretizar o plano para fazer a Gestão do dia a dia da CL. Pois não é adequado que cada um levante o dedo e diga: esta eu pego. Deste modo, ao analisar o conjunto de operações propostas, devemos pensar se a atual estrutura organizacional

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da CL está apropriada. Exemplo: no Josué, em um determinado planejamento, percebemos que as operações referentes às políticas de saúde e implementação do SUS ficaram mais relacionadas às de extensão que as dirigidas para o estímulo à pesquisa científica. Sendo assim, integramos a coordenadoria de políticas de saúde com a de extensão, separando esta da científica. Para diversas demandas relacionadas a rearticular a relação do DA com a representação de sala, articular a representação estudantil nos órgãos decisórios da faculdade, operações que faziam parte da agenda estruturada, somada à operações e ações da agenda espontânea, criamos na reunião uma coordenadoria de Assuntos Internos, como foi relatado acima. Portanto, a intenção deste exemplo, é ressaltar a importância de se flexibilizar a estrutura organizacional para melhor comportar o plano. Bom, a partir deste debate, e da identificação das pessoas que farão parte das coordenadorias, secretarias, equipes ou grupos de trabalho, dá-se a Responsabilização pela Gestão e Desenvolvimento dessas Operações, feitas por coordenadoria e não por pessoa. Contudo, algumas operações ficarão sem uma coordenadoria responsável, estas devem ser agrupadas, pois muitas vezes são operações que cabem a todo o DA ou que deverá ser discutido um responsável em reunião do DA mais próxima da data que deverá ser concretizada. Aquelas que cabem a mais de uma coordenadoria, deve ser discutida pelos dois grupos. As ações da agenda estruturada, tais como organização de recepção de calouros, pode ou não ficar mais diretamente vinculada a uma coordenadoria para montar o projeto, levantar a demanda de infra-estrutura, etc. mas, certamente deve ser assumida por todo o DA no momento de trabalho concentrado Após esta definição de responsáveis, seria interessante (porém não essencial) que ainda na reunião de gestão e planejamento o grupo montasse a Linha do Tempo das operações propostas. A idéia de se montar a linha neste momento, responde à necessidade de todo o coletivo priorizar as operações e fazer um raciocínio estratégico para saber se trata-se de uma operação para a qual o grupo já concentra poder suficiente para executar ou se é outra que deve ser feita mais à frente, num momento mais oportuno, quando devido a outras ações (de acúmulo de poder ou de alianças ou ainda aguardar uma situação favorável) estaria empoderado o suficiente para executar com sucesso. Temos utilizado um método fácil e rápido para qualificar a análise de prioridades também nesse momento. As pessoas analisam mentalmente um agrupamento de operações destacando em falas as que acreditam que deveriam ser executadas inicialmente. A gente pode refazer aquele processo

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de priorização, só que agora com relação às operações e agrupando as operações numa linha do tempo. Pode ser aquele mesmo procedimento: atribuição de valores de 1 a 3 conforme importância, capacidade e oportunidade etc etc... As operações com o produto maior deverão ser colocadas primeiro, na linha do tempo. Esta deverá conter todos os meses do ano e as tarjetas da Agenda Estruturada. Este procedimento garante que as mais urgentes e importantes tenham prioridade na fixação do prazo. Esta também é boa hora de raciocinar estrategicamente se temos poder ou não para executar a operação. Se não, o que poderíamos fazer antes? Quando chega a vez das operações menos importantes e urgentes, de menor produto, a linha do tempo já se encontrará cheia o que inevitavelmente jogará estas para o fim da linha. O que deveria ser feito na atividade de Gestão e Planejamento se encerra aqui, o que vem a seguir são desdobramentos igualmente necessários, porém, que ocorrem em reuniões diversas e paralelas que deverão ser integradas posteriormente em uma reunião de todo o DA. De preferência uma reunião ordinária cuja pauta única seja dedicada a este tema. ETAPA 3: A ELABORAÇÃO ESTRATÉGICA DAS AÇÕES POR PARTE DOS RESPONSÁVEIS

Cada Equipe Responsável por parte do Plano, cada Grupo de Trabalho envolvido com um conjunto de operações, assim como foi definido na atividade de Gestão e Planejamento deve marcar a data da sua Reunião Específica tendo o cuidado de adequar a data com a marcada para a Reunião Geral. Geralmente se marca a reunião geral para 15 dias após a atividade de Gestão e Planejamento. É tempo o suficiente para as equipes se reunirem, até, duas vezes se acharem necessário. Nestas Reuniões Específicas, cada equipe deve ter uma cópia da Linha do Tempo construída por todo o coletivo, deve avaliar se dá conta de responder àquele desejo de todo o grupo, avaliando a sua capacidade (suas pernas) de concretizar este desejo. Nesta ora saímos do papel e entramos na vida real, onde os militantes aguerridos são também pessoas, com família, namorado(a), vida social, cultural, prioridades diversas, etc. Por exemplo, é conveniente retirar as operações trabalhosas que cairão no meio de uma agradável semana de provas. Portanto, a equipe deve, avaliar e sugerir ao grupo todo (na reunião geral) as alterações da ordem e prorrogações do prazo das operações que lhes cabem, etc. Além disto, deve detalhar as Operações em Ações, ou seja, é neste

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momento que convém, abordar cada operação decompondo-a nas ações necessárias para que se realize. Desnecessário dizer que aqui é o momento por excelência da Análise Estratégica, onde ela vai ser feita mais minuciosamente para que se construam ações efetivas. Ter aqui bem presente aqueles conceitos colocados acima é muito importante. Faz muito mais sentido que este trabalho mais minucioso seja feito por aqueles que são os responsáveis diretos pela execução das ações. A outra opção é tomar um tempo enorme da reunião de gestão e planejamento para fazer esta parte, não conferindo autonomia à equipe para que decida a melhor forma que pretende concretizar a operação. Conferir esta autonomia é fundamental, não só do ponto de vista técnico - as pessoas que farão as ações planejam, exercitando a criatividade e adequando o plano à suas características e potencialidades singulares, além de dar intimidade entre a ação proposta e o executor - como também do ponto de vista subjetivo – valorização, confiança na pessoa, sentimento de pertencer e de ser construtor de um projeto, não alienação com relação ao projeto do DA, entre outros motivos. Um último comentário que deve ser ressaltado diz respeito à mentalidade aberta e comunicativa que esta equipe deve ir à reunião com o grande grupo. Não deve sentir que aquele projeto, feito na Reunião Específica, seja seu filho caçula e que cada alteração proposta é uma agressão inaceitável. O projeto elaborado pela equipe é uma proposta, e como tal, deve ser discutida e negociada com o grande grupo, onde certamente será bastante alterada. Convém por outro lado que o Grande Grupo não descaracterize a proposta da equipe, fazendo parecer que o trabalho de nada valeu. Também toda vez que negar a adiar uma operação por sua importância ou sugerir outra ordem, o coletivo deveria se mostrar solidário para disponibilizar pessoas para dar uma mão e fazer com que seja viável a alteração proposta (por que se a equipe adiou é porque achou que não daria conta, não adianta forçar a barra). Etapa 4: Apresentação dos planos parciais e montagem final do Plano Geral em Grupo A idéia é montar esta etapa numa reunião ordinária da CL com pauta única. Quanto mais fiel as equipes forem com o que saiu do Plano da Atividade de Gestão e Planejamento e, quanto mais convincentes forem na justificação das mudanças propostas, menos debate e mais rápido será esta reunião. A Coordenadoria de Finanças pode usar o plano para fazer o cálculo aproximado dos gastos previstos que serão feitos no decorrer do ano,

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prevendo, deste modo, em que meses terá maior necessidade financeira, podendo assim se antecipar à falta de dinheiro. O grupo poderia ainda desenvolver novos detalhamentos das ações como produto, resultado esperado, etc. porém, como estes desenvolvimentos se justificam a partir da necessidade de avaliar, corrigir trajetória e modificar o plano no decorrer de sua efetivação, ou seja, no momento tático-operacional, não será abordado neste texto, fica para o próximo que falará sobre a gestão do CA/DA, incluindo aí a gestão do plano (esse texto nunca foi feito – comentário de 2008). Etapa 5: E Quando essa forma mais enxuta de Oficina de Gestão e Planejamento é pouco viável? (comentário de 2008) Seja nos diversos Centros e Diretórios Acadêmicos, nos DCE´s, em Equipes e Unidades de Saúde da Família, ou mesmo em Unidades de Gestão das Secretarias Municiais e Estaduais de Saúde, muitas vezes, o tempo escasso o atropelo da vida das pessoas fazem com que uma Oficina de Gestão e Planejamento que exija de 4 a 6 turnos seja uma possibilidade remota. Até o ano de 2006, muitos ex-militantes da DENEM trabalharam como médico de família na periferia de Aracaju e também como Apoiadores Institucionais de Equipes de Saúde da Família. Provocar e Apoiar a gestão, organização e planejamento das próprias equipes por elas mesmas (em diálogo com a secretaria e o controle social) eram algumas das empreitadas que enfrentávamos com muita dedicação e prazer. Mas o que a gente via é que às vezes esperávamos semanas, até meses para conseguir um espaço de 2 a 4 turnos inteiros para fazer a aguardada oficina. Seu resultado acabava sendo aquém esperado, pois a atividade não se completava. Saíamos com Planos genéricos sem pactuação de prazos e responsáveis, sem lógica de gestão por parte do grupo de como o coletivo vai produzir concretamente as ações que o plano almeja. Está aí um plano com grande chance de ir para dentro de uma gaveta: sem prazo, sem ter tido a capacidade de produzir responsabilização na equipe, sem espaço e processo de gestão e mobilização do próprio coletivo... Pois bem, vou ofertar à vocês uma dica que vi funcionar bastante. Se o Coletivo acha que consegue fazer uma Oficina dessas ou semelhante a essa, com tempo disponível, possibilidade de sair do espaço cotidiano, construir um espaço que favoreça a integração do grupo etc. Ótimo, vão fundo na proposta só não cometam dois erros: 1) sair de lá com as coisas frouxas e não garantir as reuniões que complementam a atividade;

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2) não imaginar que só se planeja em Oficinas desse tipo, pois é a reunião ordinária e cotidiana do CA quem faz a Gestão do CA que inclui a gestão plano, a permanente avaliação, rediscussão e transformação desse plano ante aos desafios concretos, novos e antigos, colocados pelo cotidiano. Rumo à Gestão Estratégia, o acompanhamento do Plano tem quem ajudar a priorizar as pautas da reunião do CA. Ou seja, pode se abrir com Informes, depois Pauta Emergencial (se houver uma de fato, tomar cuidado para tudo não ser enquadrado aí), Pauta Estratégica (aquela que coloca em discussão o desenvolvimento das ações do plano previstas para aquele período em tempo de corrigir trajetória, dar reforço à equipe responsável, etc.) e aí sim, as demais Pautas. O Plano tem que colonizar o dia a dia da gestão, ele deve ser vivo e modificado todo o tempo por essa Gestão pois é isso que dá vida a ele e o coloco no cotidiano de ações e compromissos dos militantes. POIS BEM, MAS COMO FAZ UM CA QUE NÃO TEM CONDIÇÕES DE GARANTIR SEQUER MAIS QUE 2 TURNOS ALÉM DAS REUNIÕES ORDINÁRIAS SEMANAIS DE 2 HORAS E MEIA? Bem, nesse caso, pode fazer nesses dois turnos que dispõe a Etapa 0 e a Etapa 1 até o momento de priorização dos Objetivos e ou dos Problemas. Após compor o quadro de Prioridades, ainda na própria Oficina de 2 turnos, sai de lá com uma Agenda Pactuada que pode ser o seguinte: em cada reunião ordinária do CA/DA, um tempo de 1h a 1h30’ será usado para processar um Objetivo ou Problema por vez. Assim, a etapa de Explicação, Composição das Operações, Análise Estratégica, Definição de Prazos e Responsáveis, etc. seriam feitas por Objetivo ou Problema. Isso significa que em cada reunião se processaria um ou dois por vez de acordo com a ordem de prioridades. Uma vantagem desse desenho é que o coletivo, entre uma reunião e outra, já sabem qual problema e objetivo será debatido, pode propor materiais de leitura, relatos de outras experiências, sugerir diálogo com estudantes e informantes chave para colher impressões sobre o tema, etc. A análise dos problemas pode ser muito enriquecida numa dinâmica dessas. Tem que lembrar que a partir da segunda já tem que ver se os pactos produzidos nas reuniões anteriores já têm necessidade de ser acompanhados e geridos senão, antes do Plano acabar de ser montado já está em descrédito, pois não entrou no dia a dia da organização. Esse modo de construir o Plano não é de modo algum mais limitado é apenas um outro arranjo, muitas vezes, mais viável que o primeiro. O

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envolvimento, vontade e empenho do grupo é muitíssimo mais importante que o método ou o desenho de atividade. E SE O CA SÓ CONTA COM AS REUNIÕES ORDINÁRIAS? Aí temos que ver o seguinte: esse CA não tem tempo por isso não ser uma prioridade ou porque seu coletivo tem características que impedem a inclusão de todos caso se faça uma atividade fora do tempo e espaço normal de reunião? Se for o primeiro caso, há uma pré-tarefa antes de se planejar: produzir o envolvimento do coletivo. A questão não é o método, mais importante é o processo que se pretende disparar e para fazê-lo pode ser desde uma atividade que pretenda integrar as pessoas e construir identidade e projeto de grupo como é a oficina proposta até outras tantas possibilidades, desde uma luta e um desafio enfrentado pelo grupo na escola, até uma conversa franca entre os membros do grupo sobre os rumos do CA e seus projetos existenciais... O fato é que o Coletivo estando motivado, mas receando excluir muitas pessoas caso produza outro espaço diferente do ordinário pode adaptar a metodologia para o tempo que tem a reunião, sem problemas, a proposta é customizável... Sempre ficar atento para dividindo as etapas em sub-etapas, buscar sempre compreender a sua finalidade e lógica, identificar os produtos concretos que o grupo deve produzir em cada uma delas e a partir daí ficar livre a re-invenção e adaptação. E sempre saia da reunião com a tarefa, objetivos, responsáveis e cronograma definido para a próxima etapa. Mas, para além de momentos denominados de planejamento, para cada pauta, questão problema concreto enfrentado pelo DA/CA pode-se exercitar o Pensamento Estratégico. Tem hora que o problema é simples e que a resolução é clara, há só que ver os responsáveis, prazos e rede de ajuda. Tem hora que exige uma discussão que pode ser feita com um pé forte na lógica aqui proposta só que em vez de ser em formato de oficina vai ser modo de orientar o debate. Rodadas de falas buscando: descrever questão que se quer enfrentar, as causas para além da superfície, os atores envolvidos e seus projetos, o modo como jogam no cenário, as a capacidade de governo e governabilidade, os nós críticos e centros práticos de ação, as operações e ações possíveis, a prioridade das mesmas, a definição de responsáveis, prazos etc. Ou seja, é trazer o Pensamento Estratégico e a Gestão Estratégica para o cotidiano.

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O problema sendo mais complexo e dispondo de mais tempo pode até separar etapas de Análise e Identificação de Nós Críticos e depois de Intervenção com uso de tarjetas, árvore de problemas, etc. DESPEDIDAS (de 2003) Espero que tenha sido útil, desculpem pelos erros de português (todos sabem que não sei escrever nesta língua ou em qualquer outra) e 26 agradeço à ajuda de Maria Alicia Castells (minha namorada linda) e de 27 Trajano , ambos pelo empréstimo do computador, e este último também por primeiro ler e fazer as críticas. Antecipadamente, agradeço à Comissão Organizadora do COBREM Aracaju, pois sei que sem eles ninguém vai ver nem cheiro deste texto, pelo menos no COBREM. Ah!!! Gostaria de desejar um bom início de gestão para a galera que vai tomar posse, especialmente à moçada de Pernambuco: Grande 28 Giliate e Rafa do Josué (sempre nossa casa) e aquela figura que se chama Amanda do DAMUC, futura cantora de MPB das noites agitadas e boêmias do Recife. Hêider A Pinto 31 de Janeiro de 2003, ano de promessas e lutas ampliadas Sempre em Defesa da Vida

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Maria foi do Calimed da UFSC e também Coordenadora da Regional Sul I da DENEM em 2000. Fez Saúde Coletiva em Aracaju tendo trabalhado com médica de família e sanitarista num momento de grande concentração de ex-DENEM na SMS de Aracaju. Foi também professora da UFS. Especializou-se ainda em Saúde Mental e Educação à Distância e atua atualmente como médica de família em Niterói. Não somos mais marida e marido, mas seguimos grandissíssimos amigos e companheiros de lutas e ideais. 27 TRAJANO FORMOU-SE NA UFBA DEPOIS DE TER SIDO MIL COISAS NA DENEM E ATUALMENTE TRABALHA COMO MÉDICO DE FAMÍLIA NA REGIÃO DA CHAPADA DIAMANTINA DA BAHIA. 28 Rafa e Amanda fizeram parte da Sede da DENEM, formaram-se e atuam como médicas de família, a primeira em Pernambuco e a segunda no interior da Bahia.

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Capítulo 4

A difícil relação entre partidos políticos e movimento estudantil : Hêider A. Pinto : APRESENTAÇÃO DE 2008 “Qualquer texto tem que ser considerado a luz de parâmetros como: em que tempo foi escrito, em que ambiente e contexto foi construído; para quem é escrito; com que intenção; baseado no quê; de onde olha seu autor; para dizer o mínimo”. Escrevi esse texto no calor de 2000. Era Coordenador Geral da DENEM e nas andanças Brasil a fora as letras dos três capítulos (o IV nunca foi escrito) foram digitadas em diversos computadores de amigos e CA´s. O texto foi sendo escrito sem revisão, sem organização. O que vinha na cabeça ia escrevendo. Naquele momento, o interesse de diversos partidos pela DENEM, muitas vezes tentando, disputar, envolver e/ou subordinar diversos centros acadêmicos, nos levou a colocar tal relação em análise. Esse texto foi escrito quase como um subsídio para que os CA´s mais verdes pudessem ter um contato com algo que buscava trazer elementos e conceitos para sua análise. Naquele período não era militante partidário. Mesmo antes de entrar na DENEM já era de esquerda, o manifesto era um livro de cabeceira e sempre fazia campanha e votava no PT. Mas não tinha militância dentro do partido. Fui me filiar ao PT e passar a ter atuação orgânica só em 2003, ou seja, 3 anos depois de escrito este texto. Mas de tanto ir a espaços do movimento geral - onde os partidos e as tendências confundiam o inimigo de fora com o adversário de dentro, onde a luta social por uma nova sociedade parecia ser o ridículo drama de conquista de espaço e poder na organização estudantil sem avançar um mínimo que fosse na conquista de mentes e corações dos estudantes e povo real que estava fora daquele teatro de absurdos – achei que ou eu estudaria e passaria a compreender a lógica daquelas disputas ou sempre ficaria viajando nas reuniões que participava. Pois bem, foi aí que falar camarada ou companheiro passaram a

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denunciar de onde vinha o sujeito, foi aí que fui aprendendo a identificar as pautas, linguagens, signos, discursos que diferenciavam cada tendência interna do PT. Foi aí que fui estudando o processo historio e desenvolvendo a compreensão acerca da matriz de análise de cada um desses grupos. O primeiro movimento de compartilhar isso foi através desse texto que depois virou a primeira parte de um quase livro: Reflexões: a DENEM como Escola. Eu particularmente gosto mais do segundo e do terceiro capítulo, mas os organizadores dessa coletânea, Giliate e Marcos Asas me encomendaram a revisão deste apenas. Mas entendo a encomenda: o objetivo aqui é dar subsídios iniciais para se pensar a relação do movimento estudantil com os partidos políticos. Isso o texto tenta fazer. Assim, o resumo e o índice que seguem, falam do quase livro como um todo, nesta coletânea teremos só a primeira parte. Mantive tudo como foi escrito em 2000, inclusive a dedicatória, pois ela faz parte do contexto e a ele pertence. O português também continua errado, pois, além de continuar não sendo bom no uso de nossa língua, como sempre, não tive tempo de ajeitar as coisas... Resumo: Tento analisar a relação de partidos políticos com o movimento estudantil e como isto tem se dado com um formato que é bem diferente da prática e da concepção que a DENEM coloca em funcionamento. Aventurome a tentar identificar algumas características deste funcionamento em termos de possíveis origens e eixos de concepção práxica, apontando aí possíveis valores que orientam o nosso movimento. Coloco a minha percepção acerca de um conjunto de necessidades que as pessoas que compõem este movimento começaram a sentir, verbalizando-a genericamente de “ampliação do movimento” ou de “fazer de uma nova forma” e tento historiar como foi este processo até a sua elaboração para uma demanda mais concreta e organizada. Por último tento refletir sobre esta problemática levantando alguns desafios que precisam ser respondidos como, por exemplo, entender a DENEM como uma escola. Obs: assim parece organizado, mas não se iludam, pois as coisas não estão divididinhas assim. Uma questão que não é nova Quando fui buscar referencias sobre este tema constatei que isto não

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é uma questão que só preocupa a nós. Além de ser alvo de todo o movimento estudantil, vários militantes dos mais diversos movimentos sociais, nos mais variados países e períodos discutem o tema. Entretanto, percebi uma concentração maior de textos que abordavam o assunto, especialmente, a partir da década de 60. No Brasil, por exemplo, vários movimentos sociais como: movimento negro e anti-racista, de homossexuais, feministas, movimento sindical, etc. refletiram profundamente sobre o tema em fins da década de 70 e início da de 80 por ocasião da criação do Partido dos Trabalhadores (PT). Naquele momento, toda uma efervescência democrática tomava o país devido, especialmente, ao processo de luta pela redemocratização (ou democratização). Vários movimentos sociais estavam em pleno crescimento e envolvendo um número cada vez maior de pessoas. Entretanto, algumas questões preocupavam tanto os militantes como todos aqueles que almejavam desenvolver ações que trabalhassem na construção de uma nova sociedade. Havia uma necessidade clara: tentar articular o máximo de processos e lutas específicas em torno de um novo projeto de sociedade. Mesmo com todos aqueles movimentos e movimentação, sem um eixo programático e organizativo que se configurasse como uma grande frente de luta, talvez fosse impossível caminhar rumo a uma mudança social mais profunda. De outro lado, havia uma enorme descrença em relação aos partidos políticos e à sua real capacidade de se colocarem como eixo organizador da luta. Neste contexto, o movimento que deu origem ao PT apontou para uma organização partidária diferente, que pudesse articular e orientar toda aquela efervescência se colocando como a frente acima referida. Diversos movimentos tiveram que avaliar a necessidade e o custo-benefício de passarem a compor essa nova organização proposta. Havia claramente uma postura preocupada com a manutenção de certa identidade de grupo e de um conjunto de singularidades que poderiam ser consumidas, perdidas ou apropriadas pelo partido. Será que era possível manter uma conquistada autonomia de grupo-sujeito em uma organização daquele tipo? Será que seria possível manter aquela forma de atuação e expressão singular que caracterizava os movimentos e que talvez fosse o elemento central de identificação e envolvimento dos militantes? Os movimentos seriam “instrumentalizados” pelo partido ou será que este seria capaz de estabelecer uma relação de respeito? Estavam preparados para esta mudança de pauta e de relações? De outro lado, não seria necessário uma articulação e atuação mais ampla para aumentar a própria potência e efetividade das ações e lutas destes

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movimentos? Como poderiam estar fora de um processo novo que se propunha articular uma luta para a construção de uma nova sociedade que, em última análise, era parte importante de seus objetivos finais? Não seria ressaltar exageradamente o específico em prejuízo do geral? Diferentes posturas fossem tomadas ante o receio de movimentos que primavam pela autonomia, especificidade e singularidade serem absorvidos por uma organização partidária centralizada, burocrática, “instrumentalizadora” e pouco democrático (como foi muito comum na esquerda durante todo o século XX). Não pretendo aqui fazer uma análise se o PT deu conta ou não de romper com isso e materializar de fato uma nova proposta, não é este o objetivo e eu de forma alguma teria competência e subsídios para desenvolver este tema. Tentei localizar uma situação nacional onde se desenvolveramdiversos debates acerca da questão de relacionamento de movimentos sociais com os partidos que, segundo Felix Guatarri, também foi amplamente debatido na França em relação ao processo de institucionalização do movimento das rádios livres. Tal pré-conceito tem origem localizável em determinada época histórica, a saber: nas teses de funcionamento do aparelho de luta Bolchevique da revolução russa. Abordarei isto adiante, entretanto, gostaria de deixar claro que me deterei mais nesta lógica de organização partidária, a Bolchevique, por ser aquela que, ainda hoje, marca grande parte dos partidos de esquerda. Contudo, faço questão de sublinhar que vários partidos de tradição distinta podem desenvolver relações semelhantes sendo este, felizmente, apenas um modo dentre várias possibilidades de se desenvolver uma relação com os movimentos sociais. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DE UM CERTO MODELO DE PARTIDO Podemos desenvolver uma análise a respeito da relação dos partidos políticos com os movimentos sociais em âmbito geral, porém, acredito que seria tão genérica e superficial que não serviria para suscitar debates ou mesmo como parâmetro para pensar certos elementos da realidade percebida e vivida por nós em nossos DA´s e CA´s. Normalmente, são os partidos de esquerda que apresentam uma busca maior por essa relação com o movimento estudantil. De um lado, por alguns desses partidos entenderem o movimento estudantil como local privilegiado de formação de quadros e assim investirem pesado nisto como condição de sua renovação. De outro, pelo próprio perfil histórico do movimento estudantil mais atuante: mais crítico, comprometido com a

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transformação da ordem social, com uma orientação à esquerda. As exceções também são evidentes: existem organizações estudantis que não se propõem a ter uma posição política e assim acabam assumindo uma práxis conservadora, além daquelas francamente direitistas. Também há partidos ou organizações de direita que buscam influenciar no movimento estudantil para desmontar a atuação de esquerda. Mas, reconhecendo que a maior parte das questões que são pautadas no movimento como tentativas de “partidarização” do mesmo estão relacionadas aos partidos de esquerda, é neles que nos deteremos. Pois bem, para falar de partidos de esquerda após meados do século XIX temos necessariamente que recorrer ao marxismo e suas diversas tendências para entendermos esta relação. Assim, é importante fazer um breve resgate histórico da produção da luta marxista no início do século XX. O modelo Bolchevique de partido foi um instrumento fundamental de luta na Rússia do início do século. Analisando este modelo e sua teoria de base, podemos localizar interessantes explicadores da relação que constatamos em nossa vivência. 29 Marta Harnecker , conhecida pensadora marxista chilena, analisando certas características que ela considera deficiências, organizacionais de aparelhos e grupos de esquerda em seu livro “Tornar possível o impossível”, desenvolve um tópico intitulado: “Consideração dos Movimentos Sociais como meras correias de transmissão”. Nele ela apresenta o seguinte: “É forçoso reconhecer que existiu uma tendência para considerar as organizações populares como elementos manipuláveis, como simples correias de transmissão da linha do partido. Esta posição apoiou-se na tese de Lênin em relação aos sindicatos dos inícios da revolução russa, quando parecia existir uma estreitíssima relação entre a classe operária - partido de vanguarda - estado”. Sabe-se que esta tese foi revista pelo próprio Lênin quando constatou a necessidade de haver uma contradição entre os sindicatos, defensor dos interesses dos trabalhadores, e os responsáveis pela organização e direção das próprias fábricas. 29

Harnercker, Marta, Tornar Possível o Impossível: a esquerda no limiar do século XXI, São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Para ele, essa contradição era produtiva para o aprimoramento e desenvolvimento do sistema por corrigir os desvios e abusos de poder. Entretanto, Harnecker acrescenta que “esta mudança passou despercebida aos partidos marxistas-leninistas que até pouquíssimo tempo pensavam que a questão da correia de transmissão era a tese leninista para a relação partido-organização social”. 30 Vale considerar ainda o que diz Éric Hobsbawm , talvez o maior historiador vivo, também com relação ao modelo bolchevique de partido copiado a-criticamente por boa parte da esquerda mundial, incluindo a latino-americana. Para ele em seu livro “Era dos Extremos” o novo partido de Lênin: “foi uma extraordinária inovação da engenharia

social do século XX, comparável à inovação das ordens monásticas cristãs da Idade Média, que tornava possível que até pequenas organizações demonstrassem de uma extraordinária eficácia, porque o partido obtinha de seus membros uma grande dose de entrega e sacrifício, além de uma disciplina militar e uma concentração total na tarefa de levar a bom termo as decisões do partido a qualquer preço”. Marta Harnecker, partindo de Hobsbawn, comenta que: “esta grande obra e engenharia social, que teve uma enorme eficácia em realidades como a Russa - uma sociedade muito atrasada e um regime autocrático – foi transferida mecanicamente para a realidade latinoamericana, uma realidade muito diferente. Uma transferência que, além do mais, foi feita de forma simplificada e dogmática. O que a maior parte da esquerda latino-americana conheceu não foi o pensamento de Lênin em toda a sua complexidade, mas a versão simplificada dada por Stalin”. Isto levou a um conjunto de falhas e desvios. Dentre eles temos um 30

Hobsbawn, Eric, Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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auto-proclamado e pouco legítimo “vanguardismo” no qual um grupo ou partido se coloca como o condutor das transformações sociais e, na tentativa de alcançar esse fim, disputa com diversos outros possíveis aliados quem seria a verdadeira vanguarda do processo. Assim, o que acabava acontecendo era “cada organização” disputar “o título de ser catalogada a mais revolucionária, a mais correta (...) o que importava era a seita, a camisa...” e não os objetivos reais pelos quais estavam lutando. Outro desvio referido por ela é o “verticalismo” nas decisões e deliberações associado a um acentuado “autoritarismo”. Pra piorar, constatase ainda um exagerado “dogmatismo” e “teoricismo”, além de uma tendência a conceber a revolução como assalto ao poder. Sobre isto, Marta também escreve: “(...) a esquerda em geral tinha uma concepção do

poder reduzida ao poder de Estado (...) e, portanto, concentrava todos seus esforços em criar condições para esse assalto, descurando outros aspectos da luta, entre os quais o trabalho de transformação cultural da consciência popular, tarefa que era relegada para depois da tomada do poder”. Juntando o “dogmatismo” e o “teoricismo” com o “verticalismo” chegamos à conhecida fórmula dos “iluminados” na qual se tem uma divisão entre os diversos tipos de sujeitos que compõem a organização, a saber: o “sujeito que pensa” - aquele que analisa e sabe, que orienta o modo como se deve pensar, que conhecedor da teoria e do dogma, decide a linha a ser seguida; o “sujeito político”, que envolve e mobiliza, que negocia e convence, que agita a massa; e, finalmente, o “sujeito que faz”, a massa de manobra que executa as normas e ações decididas de cima para baixo e empurradas após sessões de convencimento (conceitos roubados de Emerson Merhy em conversa). O “dogmatismo” também leva a uma dificuldade de evolução e ampliação dos conceitos. Resulta em obstáculos ao aprendizado ao coibir e limitar o debate franco e solidário das diferentes visões dos militantes confrontadas dentro e ante a organização. Uma nítida dificuldade de aprender e se relacionar com o outro, com o diferente, com aquilo que é singular, mas que não necessariamente, aponta objetivos divergentes. Observamos na prática uma lógica de desmonte e destruição do discurso alheio na qual as faltas na fala do outro são utilizadas como “queixos de

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vidro” a serem atacados. Trabalha-se na conhecida lógica de divergência de idéias em que as diferenças são ressaltadas a fim de forjar uma caracterização de grupos diferentes que então disputam a hegemonia. Daí observamos toda a briga por vírgulas nos textos de análise de conjuntura ou nos longos, previsíveis e ritualísticos discursos em plenária. Por último, é também constatado que a esquerda de tradição marxista-leninista talvez tenha sub-avaliado o tema da democracia. Ao denunciar os limites da democracia representativa “acabou por negar o próprio valor da democracia” como coloca Adolfo Vázquez em “Democracia, Revolução e Socialismo”. Essa sub-valorização incide tanto na democracia enquanto valor da sociedade e processo de luta social, quanto na própria falta de democracia interna nas organizações e movimentos. Acredito, que este item dispense maiores comentários. REFLEXÕES SOBRE A RELAÇÃO QUE ACABA POR SE DESENVOLVER Podemos tentar usar um modelo simplificado para pensar como se estabelece normalmente a relação entre estes partidos, que se orientam mais ou menos por este modelo, e uma organização do movimento estudantil. O que chamo de “modelo vertical de relação” seria uma situação como esta que tento caricaturar. Imaginemos que um partido, ou tendência de um partido, se relacione com diversos movimentos, por exemplo, movimento estudantil, movimento docente, sindicatos de metalúrgicos, etc. Contudo, no caso em questão, o espaço de produção de conceitos e análises, de tomada de decisões e construção de políticas não se daria em cada um desses movimentos e sim no partido ou na tendência. Lá se definiria o conjunto de objetivos que orientariam a pauta de lutas daquele ano. Seria produzido um cálculo estratégico no qual cada componente deste sistema vertical - os movimentos docente, estudantil, sindical e os parlamentares e militantes do próprio partido – teriam uma função a cumprir para a efetivação do projeto global. Quanto mais esses indivíduos e organizações desenvolvessem suas ações com rigor, obediência e eficiência, mais todo o grupo avançaria rumos aos seus objetivos gerais. Assim, os estudantes fariam passeatas a fim de chamar a atenção da população para um tema. Os professores iriam à imprensa dar declarações e conferir certa credibilidade à manifestação dos estudantes. Alguns sindicatos de trabalhadores fariam paralizações para sinalizar adesão e reforço do movimento. Todos construindo o cenário adequado para que a disputa da opinião pública ganhe o legislativo e a mídia via discursos dos parlamentares e lideranças do partido.

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Porém, para que isto aconteça a contento, os membros dos partidos que também integram cada uma dessas organizações terão que hegemonizar seus encaminhamentos em seus respectivos movimentos. Caso não consigam disputar, convencer ou impor estas deliberações a todo o movimento, ou seja, incluindo quem não é do partido e não está comprometido com o projeto desse grupo externo, os estudantes podem não ir para as ruas por esse motivo, nem o sindicato paralisar, nem sair a nota da associação de docentes. Portanto, nesta caricatura, todas as peças se encaixam e desenvolvem ações que guardam uma conexão vertical que perpassa todas as organizações. Este eixo vertical é garantido à custa do esvaziamento dessas organizações enquanto espaço de produção de políticas. Esta seria a lógica da “correia de transmissão”. Em contraposição, poderíamos ter um “modelo horizontal de relação” ou em “modelo de relação em rede”: os debates, a construção de valores, conceitos e referenciais, bem como, a definição e escolha de operações a serem desenvolvidas e resultados a serem alcançados se dariam na organização a partir de seu coletivo constituinte. Esta organização, portanto, seria realmente um grupo sujeito, construtor de enunciados e práticas, a voz real daquele coletivo que a compõe, sujeita às variações de entendimentos e opções que este coletivo pactue internamente. Cada grupo sujeito então (o coletivo dos professores, dos alunos, dos metalúrgicos, etc.), caso ache necessário, deverá acordar com outro, ações e lutas no sentido de cooperar para a consecução de objetivos comuns. Assim como se relaciona com outros grupos, pode fazer a mesma coisa com os partidos políticos que compartilha projetos só que, neste caso, não é uma associação subordinada e alienada e sim uma cooperação autônoma, de mão dupla. Neste último caso não teríamos o que chamo de esvaziamento do espaço de produção de entendimentos e políticas que é claramente observado no primeiro. Aqui realmente os componentes da organização são valorizados e reconhecidos como sujeitos pensantes, desejantes, atuantes e autônomos ao contrário de uma visão como massa de manobra do modelo de relação verticalizada. No primeiro modelo temos um eixo distribuidor de tarefas que impõe ações e entendimentos, enquanto que, no segundo temos um conjunto de coletivos que compõem um determinado eixo a partir do diálogo e da pactuação em um processo comunicativo e democrático. Voltando ao caso do modelo vertical: a maneira como esta relação concretamente pode ocorrer pode variar substancialmente. Grosso modo, podemos ter uma das formas do que chamamos de “aparelhamento” da entidade em que o grupo ligado ao partido ocupa os cargos de poder e decisão dentro da entidade e submete a mesma ao eixo estruturado no

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partido. Quanto mais verticalizada e centralizada for a lógica de funcionamento da organização maior será a submissão. Em outra situação, podemos ter a presença de componentes destes partidos na organização, mas sem acumularem poderes institucionais que lhes garantam o controle da entidade. Podem todo o tempo tentar hegemonizar os entendimentos e sugerir os encaminhamentos conforme a orientação de seu eixo orientador (seu partido). Trabalhariam assim numa lógica que advoga um relacionamento instrumental com a organização. Torna-se um militante rígido, pouco dado ao diálogo e à autocrítica. Sua práxis dentro do movimento perde potência, pois o lugar de refletir sobre ela é fora, é junto àqueles com os quais julga compartilhar valores e projeto, não com seus companheiros de movimento. A rica experiência e contradição da práxis de um espaço é, de certo modo, desvalorizada, enquadrada num outro lugar a partir e em benefício de uma outra lógica que deve ter potência de eliminar essa contradição e garantir a atuação disciplinada do militante conforme aquilo definido no seu eixo. Torna-se por fim um sujeito que está e não está. Que não se identifica com os companheiros, pois aquele movimento não é expressão de sua voz e de suas concepções acerca do mundo e da luta. Um estranho no ninho que sempre tenta orientar o grupo segundo o eixo que, supostamente, é a expressão de seus pensamentos e práticas. Sua missão é convencer os companheiros de um ninho da validade das idéias e proposições de um outro. Ou ainda pior, ludibriá-los para que mesmo sem saber, coloquem-nas em prática. Entretanto, como dissemos acima, essa não é a única forma possível de agir de um militante que seja ao mesmo tempo, militante partidário e militante de um ou outro movimento. Obviamente, qualquer indivíduo que participe de várias organizações e movimentos terá diversos espaços de formação e construção de conceitos e entendimentos como também uma ampla visão acerca de formas diferentes de relações, de posturas, de pautas, de encaminhamentos e de estratégias de luta. Este cara traz isto tudo para a sua participação em qualquer espaço: seja a família, o local de trabalho, de estudo, a reunião de condomínio ou da associação de bairro, etc., pois isto é ele próprio, seu modo de pensar e agir, sua caixa de ferramentas, sua lente de percepção e valoração do mundo. O que colocamos em debate não é uma possibilidade (desnecessária, castradora e fantasiosa) do cara esquecer e abandonar aquilo que ele acredita e vestir várias vestes e máscaras, autônomas entre si, adequadas cada qual à organização que ele faz parte naquele momento. Nem achamos que ele deva abrir mão de certa visão e modos de pensar e agir que podem ter mais a ver

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com uma das organizações das quais ele faz parte. O que queremos colocar em questão é: qual a relação que ele desenvolve com cada uma dessas organizações? Esse sujeito tem muito a beneficiar aos movimentos dos quais participa (até pela riqueza que traz fruto da experiênciação de suas múltiplas inserções) se ele desenvolver uma relação solidária e cooperativa com as organizações, não impondo uma sobre a outra; se conseguir estabelecer uma relação de intercâmbio e transversalidade e não de atravessamento; caso se proponha a entender e respeitar as diversas organizações como espaços autônomos de produção, com ethos, valores e dinâmicas próprias; se dispuser-se a participar na qualidade de membro realmente integrado ao coletivo daquela organização e movimento, não se transformando num elemento “introjetado” cuja missão é “instrumentalizar” a sua participação. Outro complicador de uma relação mais madura, horizontal e em rede decorre de uma orientação teórica muito comum entre diversos partidos de que não devem ser valorizadas lutas que não trabalham com uma perspectiva de tomada do poder (este entendido em sentido restrito como o poder de Estado) ou com uma proposta bem delimitada de modelo de sociedade a ser viabilizada. Esta postura, parte da idéia que estas são lutas de importância menor e que acabam por desviarem militantes e energia da estratégia ou tática prioritária a ser assumida. Temos aí uma questão complicada na medida em que a maioria dos movimentos sociais aborda questões específicas, senão, singulares. Aqui a luta social é pensada de modo unívoco, qualquer coisa que desvie dessa única direção, supostamente correta, é fragmentação negativa. Nem toda a movimentação social da década de 70, nem toda a riqueza produzida a partir da “somação” de lutas, pautas e movimentos que a esquerda experimentou a partir daqueles anos mudaram essa concepção atrasada de alguns partidos. Como exemplo, podemos re-lembrar que a vitalidade do movimento sanitário foi não ter uma organização líder, condutora, uma estratégia unívoca. Sem dúvida produzia espaços de articulação, de encontros de estratégia, de pactuação de ações conjuntas, mas daí a querer atribuir a esse movimento um grupo hegemônico ou mesmo um único modo de ação e direção estratégica é fazer vista grossa à multiplicidade de movimentos, orientações, concepções, espaços e modos de luta que produziam convergência, mas também muita contradição e divergência. Mas isso ao contrário de ter sido ruim garantiu força e vitalidade ao movimento que, ao longo de seus primeiros 15 anos viu suceder movimentos, organizações e estratégias distintas cada qual com mais potência para um dado período. Se fosse unívoco, estava morto na primeira mudança de conjuntura!

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Recentemente tive algumas experiências interessantes para ilustrar boa parte do que foi dito aqui. A partir de algumas situações em debates com indivíduos de outras executivas, de DCE´s, de UEE´s e da UNE, que vivenciei especialmente este ano, podemos coletar exemplos preciosos. Em relação a uma dificuldade de desenvolver um outro modo de abordagem da realidade diferente do que estava habituado, um militante de determinado movimento, teve sérias dificuldades em se inserir na discussão e pactuar propostas, projetos e ações que, até certo nível, fazia parte da luta e dos objetivos de todos que ali estavam. O grupo de discussão desenvolveu seu trabalho partindo de uma lógica de construção de um entendimento e de convergência de idéias até onde fosse possível fazer a pactuação acima referida. Ou seja, assumiu a tarefa de produzir um consenso progressivo. Entretanto, este militante sempre fazia questão de lembrar que se trabalhássemos a fundo a concepção de Universidade que estávamos desenvolvendo que, por sua vez, implica em certo modelo de sociedade que almejamos, nossos acordos e pactos poderiam cair por terra. Concordava com sua colocação, o que questionava era a necessidade de se ir até o ponto onde se percebe as diferenças e começar a disputá-las quando, em um determinado grau de compreensão e acordo, é possível desenvolver uma ação que, de acordo com o projeto singular de cada grupo ou pessoa, leva e avança em direção aos objetivos de ambos. Uma ação que poderia ser desenvolvida por todos e que ocasionaria produtos e resultados esperados por todos, mesmo que para alguns estes sejam apenas um passo inicial e para outros o próprio fim, às vezes é impedida por disputas que paralisam o processo e antecipam uma divergência que teria sentido em outro momento, mais adiante, ou não: pois além da realidade não ser previsível, a práxis é estruturante de forma que vale a pena apostar nestes pactos acreditando que o caminhar juntos podemos compreender e aprender com o outro, transformarmos concepções, desenvolver outras bases e entendimentos. Outra experiência interessante foi no Seminário de Avaliação Institucional, promovido pelas Executivas e Federações de curso. Lá se definiu como estratégia trabalhar um processo de avaliação, participativo, democrático, construtor de novos referencias para o objeto avaliado, no caso a Universidade, como um dispositivo com forte potencial de envolvimento crítico de um conjunto de atores que passariam a lutar pela viabilização de novas possibilidades de Universidade. Percebemos que muitos grupos não conseguiam compreender a construção de poder técnico, político e organizacional, que este processo possibilitaria, e outros ainda não apostavam nesta forma de construção de hegemonia em determinado campo.

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Isto fazia com que elas só percebessem o dispositivo como um instrumento que conferiria maior poder de argumentação ao grupo para que este pudesse, no embate ao sistema governamental, questionar a política do governo para a educação superior (através de sua política de avaliação, provão e Avaliação das Condições de Oferta) e trabalhar para a contestação do modelo neoliberal adotado pelo grupo que governa o país. Aí temos uma desvalorização e falta de sensibilidade para compreender lutas que não objetivem diretamente a tomada ou a contestação do poder central. Sempre há aí a necessidade de, "maniqueísticamente" e superficialmente, localizar e mirar no "inimigo". Deste modo, qualquer atividade específica mesmo que guarde uma imbricada conexão com o contexto tende a ser desvalorizada e negligenciada. Isto tem sido um enorme erro de grande parte da esquerda latino-americana que muitos prejuízos têm trazido à nossa luta. A desvalorização de todo o processo de produção de subjetividades que hegemonicamente serve ao “controle de mentes” necessário à reprodução deste sistema mundial capitalista, tem sido negligenciada e não entendida como espaço importante e estratégico de luta. Tem-se falhado na composição de uma frente de atuações que trabalhe para a construção de uma forma singular de produção de subjetividades assentada em outros valores e apostas. Este foi apenas um exemplo de falha, dentre vários outros, pela insistência no erro de desvalorização de qualquer atividade que não implique direta e imediatamente na tomada do poder ou na luta em apenas em espaços políticos-jurídicos-institucionais tradicionais. A DENEM, felizmente, ao longo desses anos produziu uma outra forma de 31 movimento, mas isso é tema do próximo capítulo!

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Refere-se ao capítulo 2 da coletânea “Reflexões: a DENEM como escola”, do próprio autor.

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ANEXOS Índice e dedicatória do livro “Reflexões: a DENEM como escola”, obra origirinária ao qual foi retirado este texto. Índice: Parte I: A difícil relação entre partidos políticos e o movimento estudantil a- Uma questão que não é nova b- Algumas características de um certo modelo de partido c- Reflexões sobre a relação que acaba por se desenvolver Parte II: Refletindo sobre a DENEM a- Buscando alguns porquês de nossa práxis b- Algumas características do Movimento em Defesa da Vida c- Tentando levantar alguns resultados de nossa atuação d- Desafios colocados Parte III: O movimento captando os ruídos e dando vazão a uma necessidade a- Uma certa necessidade causando ruídos ainda não bem entendidos b- Alguns avanços na elaboração destes ruídos Parte IV: Reflexões finais a- Refletindo o refletido b- Caminhando no defender da vida, sempre Dedicatória Dedico este trabalho:

aos meus pais que foram fundamentais para tudo o que tem que ver com

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qualquer coisa que se chama Hêider e tiveram uma postura fantástica de compreensão e apoio ao caminho que escolhi. à Maria que está onipresente em minha mente e em meu peito e que tem sido o porto seguro de sentimentos e pensamentos sobre as mais diversas faces da vida. a todos os meus colegas que compõem e dão vida a este movimento fantástico. ao Alessandro Prudente, imenso amigo, parceiro intelectual, político e irmão que teve seu caminho bruscamente alterado e que desenvolverá a partir de agora uma descoberta e uma mobilização de forças que guarda dentro de si para uma retomada de seu caminhar a vida.

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Capítulo 5

12a Conferência Nacional de Saúde : tempo de lutas e sonhos 32

: Giliate C. Coelho Neto : “Aqui é permitido sonhar” Expressão colocada em parede na plenária da 12ª CNS E de repente, não mais que de repente, estávamos lá. Vinte e dois militantes, depois de furar a segurança (pois só tínhamos nove crachás de delegados, os únicos com direito de assistir a conferência de abertura), sentados no chão, bem em frente à mesa de abertura, com cinco mil pessoas atrás de nós, num auditório totalmente lotado, desde tribos indígenas da Amazônia até todas as lideranças históricas do movimento da Reforma Sanitária. Era o início do evento mais esperado do ano, a 12a Conferência Nacional de Saúde: A saúde que temos, o SUS que queremos – Conferência Sérgio Arouca. Para a DENEM, estar ali significava o desaguar de seis meses de intensas articulações desde as conferências municipais e estaduais de saúde. Cada uma das vagas foi conquistada senão debaixo de uma enorme disputa; afinal de contas, quem são estes estudantes, que se meteram nos espaços do controle social e disputam com usuários e profissionais a participação na 12a CNS? Esta era a pergunta de vários que nos observavam e que muitas vezes foi jogada à nossa cara. Estar naquela mesa de abertura, então, significava um somatório, de um lado, de toda a mística e expectativa de nós, enquanto militantes do SUS, em participar de uma conferência nacional de saúde; e do outro, o sentimento de vitória por ter conseguido de forma tão suada aquelas vagas. E assim, entra, sob uma tempestade de palmas, Eduardo Jorge, coordenador geral da 12a CNS. Num ato totalmente inesperado, coloca: 32

Ocorrida na Universidade de Brasília (UnB) e Academia de Tênis, de 07 a 11 de dezembro de 2003, Brasília-DF. Texto escrito no primeiro semestre de 2004. Este texto foi escrito a pedido da comissão organizadora do Seminário do CENEPES sobre a Reforma Sanitária, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 2004.

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“Vou abrir mão da minha fala em nome da comissão executiva em favor da Dra. Sarah Escorel, por três razões: por ela ser presidente do CEBES (Centro Brasileiro de Estudos em Saúde), por ter sido esposa de nosso homenageado Sérgio Arouca e por ela ser mulher!”. E debaixo de ensurdecedores aplausos, aparece Sarah e tem início o espaço que marcou para sempre a vida daqueles militantes: a 12a CNS. A CONJUNTURA POLÍTICA AO QUAL SE INSERE A 12A CNS: EXPECTATIVAS E DISPUTAS

O resultado da eleição de 2002, assim como o grupo que assumiu o Ministério da Saúde, caracterizado como o setor mais progressista da Reforma Sanitária, conferiu à conferência nacional uma singularidade ambígua, sustentada pela seguinte indagação: que fazer agora? Apoiar e confiar no atual grupo do MS, abrandando as críticas? Ou aprofundar as mesmas, no intuito de construir uma base social forte o suficiente para sustentar as tentativas de mudança? Sair de uma posição bem delimitada de oposição em que estávamos no governo anterior, para onde?

Afinal de contas, apesar dos avanços claros no setor saúde, a política econômica era a mesma, a reforma da previdência já havia sido aprovada, as alianças conservadoras continuavam, os ataques da equipe econômica aos recursos da saúde, enfim, um governo altamente contraditório, e com uma impressão nítida de que o grupo da saúde ministerial representava até certo ponto uma contrahegemonia silenciosa neste cenário. Este nó não era específico do campo da saúde, mas da imensa maioria dos movimentos sociais brasileiros. Esta questão não foi tratada pela maioria dos ali presentes com a velha e fácil dicotomia estado x movimentos sociais, pelo contrário, foi desenvolvida por aquele coletivo de tal forma que, em alguns momentos a relação assumia um caráter mais próximo das idéias governamentais, em outros um cenário de franco embate, que, pela conjuntura de forças daquele espaço, sempre favorecia os movimentos. O reconhecimento ao trabalho do MS foi explicitado logo na abertura, com os aplausos a Humberto Costa por parte dos delegados. Isto não teria uma conotação tão especial se praticamente todos os ministros da saúde que o antecederam não tivessem sido vaiados nas conferências passadas. Nas plenárias, entretanto, as propostas muitas vezes moderadas do governo foram várias vezes derrotadas. O referencial naquele espaço, portanto, se configurava nos

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projetos defendidos por cada uma daqueles atores. De forma geral, havia uma aprovação da gestão federal na saúde, o que não acontecia em relação ao resto do governo. Quando os debates iam se especificando, porém, os embates eram consideráveis. O Sistema Único de Saúde completava 16 anos e acumulava alguns avanços, tais como: 1) Criação e funcionamento dos conselhos de saúde, 2) Universalidade do acesso, 3) Descentralização da gestão para os estados e municípios; 4) Aumento e regulamentação do financiamento através da aprovação emenda constitucional nº 29, 5) criação do sistema nacional de vigilância epidemiológica 6) crescimento de 23% para 42% da participação dos estados e municípios no financiamento do SUS; entre outros. Apesar da considerável diferença na qualidade do atendimento à população se compararmos o SUS com o extinto Inamps, os desafios para a plena efetivação do sistema único ainda eram e são enormes. Entre eles, cito alguns que tem correlação direta com os debates travados pelo movimento estudantil nesta época: a) a interiorização da saúde, que ainda atende de forma prioritária os grandes e médios centros urbanos; b) a reorientação da política de gestão do trabalho e da educação na saúde, como por exemplo: a implementação de plano de cargos, carreiras e salários, a regulação dos atos profissionais e a transformação da graduação dos cursos de saúde e c) O estado precário dos Hospitais Universitário e de Ensino. Havia uma evidente limitação por parte do movimento estudantil de medicina (MES) em se discutir e construir intervenções em alguns temas centrais na conferência, como, por exemplo, os debates travados em torno dos modelos de atenção e da política de assistência farmacêutica. Mesmo assim, considero que conseguimos formular e executar de forma razoável a nossa estratégia. AS ARTICULAÇÕES PRÉVIAS DA DENEM Desde a II Reunião de Órgãos Executivos da DENEM (Abril de 2003) pautamos a nossa organização para a 12a CNS. Alguns resgates históricos foram feitos por pessoas que participaram da 11a CNS, que ocorreu em dezembro de 2001, e ajudaram a clarificar as nossas possibilidades de ação. A prioridade naquele momento era a participação das coordenações locais nos espaços das conferências municipais, que ocorreriam até setembro. A coordenação nacional, através da Coordenação de Políticas de Saúde (CPS), preparou então um excelente material que serviu de subsidio para os CA´s e DA´s e os coordenadores regionais

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começaram a debater o tema nas visitas aos mesmos. O outro eixo de intervenção, no âmbito da esfera nacional, era a articulação com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), no intuito de garantirmos as chamadas “vagas nacionais”, que seriam deliberadas por esta instância. Por iniciativa da DENEM, apresentamos um documento com a assinatura de todas executivas de saúde solicitando participação como delegado na conferência nacional. Este pedido não teria grande repercussão se não tivéssemos desenvolvido durante todo o ano de 2003 uma intervenção sistemática no CNS, participando das reuniões mensais e de alguns grupos de trabalho internos, como o de recursos humanos. As movimentações nos estados foram acompanhadas pela CPS e nas subseqüentes ROEx e reuniões de regionais. No final das contas, conseguimos oito vagas nas conferências estaduais de saúde para delegados, e mais uma pelo CNS. Além disto conseguimos mais três vagas para observadores nas estaduais. Devido a uma articulação um mês antes da 12a CNS com o Ministério da Saúde, durante o Congresso da ABEM em Floripa, conseguimos garantir ainda mais dez vagas na modalidade “participante”, o que conferiu um total de 22 vagas “oficiais” para a DENEM no espaço. Esta foi a maior bancada da DENEM numa Conferência Nacional de Saúde. Em relação às pautas discutidas dentro do movimento para serem levadas à Conferência, decidiu-se por priorizar os debates acerca da regulação dos atos profissionais, a luta em torno dos HU´s, Pólos de Educação Permanente, Abertura de novas escolas médicas, assim como debates acerca da interiorização da Saúde. Em relação ao primeiro tema, tínhamos um posicionamento contrário ao Projeto de Lei do Ato Médico (PLS 25/2002), deliberado na plenária final do XV Congresso Brasileiro dos Estudantes de Medicina - COBREM (Aracaju, 2003). A nossa proposta, entretanto era construção de um debate interdisplinar e multiprofissional com as várias categorias de trabalhadores na saúde com vistas à construção de um projeto de lei unificado, se utilizando para isto dos conceitos de campo e núcleo, formulados pelo coletivo da reforma sanitária de Campinas. No que tange aos HU´s, queríamos mais uma vez garantir a diretriz de implementação dos Conselhos Gestores nestas instituições, assim como possuíamos um debate razoável acerca da integração dos HU´s à rede do SUS e à questões referentes ao financiamento dos mesmos. Em relação à abertura de novas escolas, o objetivo era a construção de um estudo sobre a necessidade social de novos profissionais. No que tange aos debates sobre os Pólos de Educação Permanente, estávamos levando para a Conferência a

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proposta de estimular, garantir ou aumentar a participação dos usuários do SUS nesta arena que estava surgindo. As discussões sobre a interiorização da saúde começaram a ser discutidas ainda no começo do ano, na I ROEx. Nesta reunião resgatamos o projeto construído em 2000 pela DENEM intitulado “Frentes de Trabalho em Saúde – Serviço Civil Voluntário”. Ainda em março de 2003, o apresentamos ao Ministro da Saúde em uma audiência com o conjunto das Entidades Médicas. As constantes e ambíguas declarações do Governo em relação à proposta de um Serviço Civil para recém-formados dos cursos de saúde estimularam, pois, o movimento a levar os debates sobre este tema para o espaço máximo de deliberação do controle social. Depois de escolhidos e debatidos os nossos objetivos, discutimos a estratégia que seria utilizada. Esta se baseava basicamente em 1) Construção de moções para, através do recolhimento de assinaturas, fomentar o debate acerca dos temas da mesmas, 2) Intervenção nos grupos, com vistas a construir as propostas para a plenária final e 3) Mapeamento no compilado das Conferências Estaduais das propostas que se congruiam e que se contrapunham às nossas. Algo que vale ainda ser citado foi a confecção de faixas e de um imenso banner que foi colocado no saguão principal do encontro. Esta parte visual, que muitas vezes é remetida à última das prioridades no movimento estudantil, teve um papel importante de “divulgar” a presença da DENEM no espaço e conseqüentemente, nos ajudar na operação da política como um todo. O MOVIMENTO ESTUDANTIL DE MEDICINA NA 12A CNS Chegamos razoavelmente exaustos na conferência. Final de ano, de gestão, de semestre na faculdade. Mais do que um cansaço físico, havia todo um estresse psicológico gerado por inúmeros atritos internos na DENEM durante todo o ano de 2003. Em momentos como este, até comentários despretensiosos são capazes de gerar verdadeiros “fatos políticos” na entidade. Coloco esta consideração pois este componente subjetivo teve um valor que não pode ser desprezado quando avaliamos a ação do grupo como um todo. Ao mesmo, é importante ressaltar a maturidade daquelas pessoas que lá estavam em identificar estes ruídos e saber trabalhar em conjunto, apesar deles. Na minha análise sobre o âmbito interno da DENEM na conferência, esta certa estabilidade dinâmica construída pelo coletivo foi algo que, quando olho para trás, realmente não esperava que o grupo tivesse

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todo o potencial que teve ao lidar com esta questão. A atuação da DENEM se baseou nos pontos já levantados. Com um quê de desorganização, íamos mapeando os espaços, aliados e adversários, aprofundando o debate acerca de alguns temas, construindo as intervenções, escrevendo os documentos e delegando responsabilidades. As reuniões ocorriam toda a noite depois dos trabalhos, e durante o próprio dia quando necessário. Foi realizado ainda um encontro inesquecível com militantes e ex-militantes da DENEM, e que juntou desde o pessoal que fundou a entidade em 1986 até a delegação de 2003. Os temas mais polêmicos foram sem dúvida, a interiorização da saúde e normatização dos atos profissionais em saúde. No primeiro, havia divergências dentro da DENEM sobre a forma de intervenção sobre este tema. O cerne da questão estava na própria formulação da proposta da DENEM e na interpretação da posição do Ministério da Saúde. No que tange à proposta, havia divergências sobre o caráter totalmente voluntário ou não do programa de interiorização; quais os mecanismos com a eficácia adequada para promover a migração e fixação de profissionais no interior do país e nas periferias dos grandes e médios centros urbanos? Seria necessário apenas um programa de incentivos, ou deveria ser prevista na proposta alguma passagem obrigatória, durante os programas de pós-graduação e residência, por estas regiões desprivilegiadas? Além disso, existiam alguns elementos confusos no cenário, como por exemplo a posição do Ministério da Saúde. No documento escrito no mês de agosto com as diretrizes deste órgão para a conferência nacional, observa-se a proposição de um serviço civil profissional, um termo situado num limbo entre a obrigatoriedade e o voluntarismo e, que nos discursos, às vezes caminhava mais para um pólo, às vezes mais para o outro. Um elemento, no discurso do governo, era certo: a vontade do presidente Lula de “obrigar os médicos a irem ao interior”, como num serviço militar. Parecia, dentro do MS, haver certa resistência a esta proposta, mas o produto final desta pressão do palácio sobre o setor saúde no governo estava bastante indefinido aos olhos do movimento estudantil. Um fato, porém, estava claro: a DENEM não havia priorizado o debate sobre este tema no decorrer de todo o ano, e sentiu, pois, uma boa dificuldade na hora de fazê-lo sob tal pressão. No fim das contas, porém, o termo serviço civil profissional foi retirado do texto final e substituído por uma expressão vaga, que previa uma política de interiorização mas sem tocar se teria caráter coercitivo ou não.

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O ATO MÉDICO E O CORPORATIVISMO DOS TRABALHADORES DE SAÚDE Chegamos na 12ª CNS com uma posição, como já coloquei, contrária ao PL 25/2002, mas com uma proposta de construção de projeto conjunto das diversas profissões da saúde tendo como base os conceitos de campo e núcleo. Esta proposta, entretanto, era bastante incômoda para diversas categorias, pois implicava em revogar as leis que instituíam os seus respectivos atos profissionais. Além do mais, no que tange à categoria médica, existia uma presunçosa certeza da aprovação do apoio à regulamentação do Ato Médico pela plenária. Isto se baseava num acordo feito por dentro do Conselho Nacional de Saúde com o conjunto dos trabalhadores representados neste espaço. Se fazendo, todavia, uma análise de campo com a opinião dos delegados, era extremamente claro que a plenária não respaldava o que, inclusive, já tinha começado a ser chamado de “acordão”. Estávamos com um certo pé atrás, entretanto, porque a alternativa a esta proposta parecia ser tão ou mais corporativista, era um texto que continha apenas a expressão “ser contra o ato médico”, e era de longe esta a proposição que estava ganhando mais força. Construímos então um adendo a este texto, que depois de uma enorme pressão na mesa que estava coordenando os trabalhos, foi aceita, votada e aprovada na plenária. Ela acrescentava à expressão citada acima, o seguinte trecho: “Ser contra o PL 25/2002, assim como todas as leis que normatizam os atos profissionais em saúde de forma individual. A favor de um projeto de lei único e negociado com todas as profissões de saúde e da realização de um seminário internacional para discutir o tema e formular a proposta”. Foi, porém, na hora de negociar tal proposta, que as máscaras caíram. Vários sindicatos de profissionais de saúde não aderiram à proposta, pois elas iam de encontro às suas leis. Mesmo na hora da plenária, alguns sindicalistas quiseram fazer falas contra o adendo proposto pelo movimento estudantil, mas acabaram por não conseguir. SOBRE A ATUAÇÃO DO CONJUNTO DOS ESTUDANTES DE SAÚDE No espaço da 12ª CNS, a DENEM fez uma opção clara por estar construindo as intervenções sempre que possível em conjunto com as outras executivas de saúde, chegando até mesmo algumas vezes a ser centralizado pelo espaço do fórum. Hoje, avaliando esta tática, considero um erro a forma como foi conduzido este processo. Explico: cada executiva de saúde tem um tempo político muito diferente na condução das pautas colocadas, e isto

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depende de uma série de fatores internos de organização, aprofundamento das discussões, acúmulo histórico em determinado debate, perfil dos militantes, entre outros. De longe, a DENEM e ENEEnf possuem uma dinâmica interna muito mais favorável a agilização de determinados processos. Possuem uma rede nacional já muito bem estruturada de Centros Acadêmicos que a possibilitam responder de forma mais rápida e duradoura a algumas políticas que o conjunto das executivas, de forma geral. Isto não faz destas executivas superiores ou inferiores às outras, apenas reflete o processo de construção de cada organização. Algumas executivas, por exemplo, se formaram em 2003, enquanto que a própria DENEM existe desde 1986. Quando chegamos num espaço como uma Conferência de Saúde, esta discrepância fica extremamente clara. Houve de imediato uma aproximação da maioria das executivas, inclusive da Enfermagem, com os respectivos sindicatos, onde se percebia-se claramente que as pautas e idéias trazidas por algumas delas nada mais eram do que as já formuladas pelos trabalhadores de sua profissão. Devido ao atrito que existia entre o movimento estudantil de medicina e os médicos, esta aproximação foi pequena, o que quase obrigou a DENEM a ser aproximar muito mais dos gestores e dos usuários. Estas movimentações políticas diferentes foram refletidas em vários ruídos nos momentos das reuniões conjuntas. Como a DENEM era minoria e havia construído um pacto com aquele coletivo, teve que abrir mão de algumas ações discutidas há muito tempo dentro do movimento (ex: a reivindicação por um assento no Conselho Nacional de Saúde) porque uma ou outra executiva achava que não era interessante. E como as decisões eram tomadas por consenso, acabamos por nos deixar levar por este falso sentimento de união (pois na verdade o que havia muitas vezes era uma relação de coerção) e só fomos nos dar conta disso algum tempo depois. Hoje vejo que deveríamos ser mais autônomos, definindo muito bem o que vamos pactuar com as outras executivas e o que achamos que temos perna e vale a pena tocarmos em parceria com outros atores, que não o movimento estudantil de saúde. REFLEXÃO FINAL: O ESGOTAMENTO DE UM DETERMINADO MODELO DE CONFERÊNCIA? O processo de condução dos trabalhos durante toda a conferência foi bastante complicado. O complexo dilema Aprofundamento dos debates x Tempo político para conclusão da Conferência deu a tônica das ações da

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comissão organizadora, com uma clara priorização pela segunda opção. Talvez o “trauma” da 11ª CNS, onde a plenária não terminou e temas importantes tiveram que ser remetidos à decisão do Conselho Nacional de Saúde, talvez a dificuldade em se conduzir um processo de construção coletiva com cinco mil pessoas; talvez a complexidade dos temas para serem debatidos em apenas quatro dias; enfim, acredito que dificuldade de condução se deu muito mais por um destes fatores do que pela opção consciente dos organizadores de suprimir os debates, com vista a impedir o coletivo de tomar decisões que iriam contrariá-los. Um debate interessante travado dentro do Conselho Nacional e por algumas lideranças históricas do movimento de reforma sanitária é sobre o possível esgotamento deste modelo de conferência. Cinco mil pessoas, quatro dias para analisar o compilado de todos os encontros estaduais, decidir sobre os temas mais polêmicos, tudo isto numa enorme plenária onde poucos acabam tendo direito a colocar os seus posicionamentos. Além disso, várias propostas dos grupos são suprimidas por decisão da comissão de relatoria, com vistas a “enxugar” o relatório final que vai para votação e, consequentemente, dar tempo para se decidir sobre os principais temas. Além disso, qual o verdadeiro impacto que estes produtos construídos na 12ª CNS tem na política nacional de saúde, principalmente nas áreas não ligadas diretamente ao setor, como, por exemplo, a educação e economia? Uma das propostas aprovadas, por exemplo, coloca que as verbas direcionadas para a saúde devem ser 10% das receitas correntes da união? Quais os mecanismos para operacionalizar isto, fora os já conhecidos? Este modelo, que se mostrou vitorioso no passado e que se consagrou na 8ª CNS, quando foi aprovada criação do SUS, se apresenta hoje com uma necessidade clara de revisão. Fica no ar, porém, o questionamento: o que poderíamos colocar no lugar do que hoje está posto? Esta, com certeza, é uma pergunta que vários militantes do SUS estão se fazendo hoje e que terá impacto concreto, na minha opinião, na estrutura da 13ª Conferência Nacional de Saúde. De resto, fica a saudade daqueles olhares tão cheio de sonhos de usuários de todo lugar deste país, de gente que vem lutando há mais de vinte anos com a mesma força... e do sentimento daquele grupo que furou a segurança da mesa de abertura, que apesar de todas as dificuldades, conseguiu colocar a causa da construção do SUS e da transformação por uma nova sociedade acima das divergências que viriam a ocorrer.

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ANEXO: Reportagens sobre a XII CNS e o movimento estudantil OBS: POR FAVOR, NÃO LIGUEM PARA O BLEFE “21 DELEGADOS E 60 OBSERVADORES”... FIOCRUZ - XII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SERGIO AROUCA ESTUDANTES SÃO CONTRÁRIOS AO SERVIÇO CIVIL OBRIGATÓRIO POR SARITA COELHO

As propostas dos cerca de cem mil estudantes de medicina existentes no país estão sendo defendidas na CNS pela Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem). "Consideramos o espaço da Conferência muito importante. Por isso, viemos com 21 delegados e um total de 60 observadores e convidados para representar e defender nossas propostas", disse o coordenador da Denem, o estudante da Universidade Estadual de Pernambuco (UPE) Giliate Coelho Neto, de 22 anos.

Os centros acadêmicos das universidades participaram de dez reuniões preparatórias para a Conferência durante todo o ano. Os estudantes defendem mudanças na formação dos profissionais de saúde e nas residências e a maior participação deste grupo no controle social, seja por meio de representação nos conselhos de saúde ou pela participação em conferências. Além disso, eles querem garantir o caráter 100% público dos hospitais universitários.

"Temos uma preocupação muito grande com o serviço civil obrigatório, ou seja, obrigar o médico a ir para o interior. Entendemos que deve haver um processo democrático que contemple a ida não só do médico, mas de outros profissionais da saúde, e um investimento em infra-estrutura para o interior.

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O movimento estudantil está aberto a discutir com gestores esse problema", comentou Coelho Neto. DEZEMBRO/2003 FIOCRUZ - XII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SERGIO AROUCA MAIORIA É CONTRÁRIA AO ATO MÉDICO POR SARITA COELHO

A proposta de regulamentação do ato médico, que define as ações de saúde específicas desse profissional, foi rejeitada pela plenária da 12ª Conferência Nacional de Saúde. Durante todo o evento, enfermeiros, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem e outros profissionais da saúde não médicos fizeram manifestações contrárias a essa proposta. Na opinião desses profissionais, o texto tal como está escrito é contrário ao princípio do SUS, que preconiza que todos têm livre acesso e direito à saúde. Segundo o ortopedista José Erivalder Guimarães, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo e vice-presidente da Confederação dos Médicos Brasileiros, houve uma confusão generalizada em relação a esse item, o que gerou uma falsa polêmica.

"As ações de saúde devem ser realizadas por uma equipe multiprofissional. Cada profissional dessa equipe tem uma responsabilidade, que corresponde ao ato profissional. Diagnóstico e tratamento, por exemplo, são prerrogativas do médico, porque ele foi qualificado para isso. Assim como fazer a higiene no paciente é prática do auxiliar de enfermagem", disse Guimarães. Para ele, muitos gestores de saúde não querem investir em equipes multiprofissionais e transferem a responsabilidade do médico para o enfermeiro, por isso é preciso regular o ato médico. Mas a enfermeira Antonella Fioravante, do Programa Saúde da Família de São Paulo, não concorda com a idéia. Segundo ela, o ato médico sugere que o indivíduo deve procurar primeiro o médico antes de procurar qualquer outro profissional da saúde. "Os médicos têm medo de perder uma hegemonia conquistada há anos. Por isso fazem campanha contrária a qualquer outra profissão. A prescrição de

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enfermagem existe sim. É o enfermeiro que deve dizer qual é o tipo de curativo que o paciente deve fazer, quantas vezes ele deve ser trocado etc", comentou. A Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem) foi uma das representações que votou contra o ato médico. Na opinião de Giliate Coelho Neto, coordenador da Denem, o ato médico é uma ação corporativa que vai contra a integralidade do SUS. "Somos contrários a todo corporativismo, seja de médicos ou de enfermeiros, por isso sempre votaremos contra qualquer proposta de regulamentação individual de profissões de saúde", disse. Também sobre o assunto, o obstetra Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, lembra que já está em tramitação no Senado um projeto de lei (PL 25/2002) que regulamenta o ato médico. "Todas as profissões já estão devidamente regulamentadas, menos a médica. A conseqüência disso é perversa, porque passamos a conviver com uma série de distorções em saúde, que criam uma lógica de medicina pobre para gente pobre", avaliou Darze. No entanto, tendo em vista o voto contrário a esse projeto na Conferência Nacional de Saúde, caberá ao Conselho Nacional de Saúde levar essa deliberação ao atual relator do projeto, o senador Tião Viana (PT-AC). DEZEMBRO/2003 XII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SERGIO AROUCA UMA VOZ FEMININA NA ABERTURA DA CONFERÊNCIA POR SARITA COELHO

Uma voz feminina arrancou lágrimas e aplausos na abertura da 12ª Conferência Nacional de Saúde. A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) Sarah Escorel, convidada por Eduardo Jorge para falar em nome da Comissão Executiva da Conferência, fez um discurso emocionado em que relembrou os princípios da Reforma Sanitária e a carta aberta escrita ao presidente Luís Inácio Lula da Silva. Eduardo Jorge, que não chegou a discursar, justificou a escolha de Sarah por três motivos: por ser presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), por ter sido companheira de Sergio Arouca e por ser mulher aproveitando para lembrar que as mesas de autoridades costumam ser muito

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masculinas.

Sarah recordou o contexto histórico da criação do Cebes, organização mais antiga na luta pela Reforma Sanitária, criada em 1976, em plena ditadura militar. Segundo ela, o Cebes iniciou uma luta que foi abraçada por várias outras entidades, como a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), a Rede Unida e a Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres). Junto a essas entidades, o Cebes "briga" nas Conferências Nacionais de Saúde por lemas como "saúde e democracia", "democracia é saúde", "saúde é qualidade de vida" e chega na 12ª apresentando suas propostas sob o lema "saúde, justiça e inclusão social". Segundo Sarah, o Cebes nunca fez defesa de um interesse particular ou corporativo, a defesa foi sempre do direito à saúde, da melhoria das condições de saúde e da atenção à saúde da sociedade brasileira. "Por isso, reclamei e escrevi uma carta aberta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando nos chamou de lobistas da saúde quando defendíamos e defendemos o cumprimento da Emenda Constitucional 29 e não queríamos e não queremos que outros projetos, igualmente importantes como o saneamento básico e o combate à fome fossem considerados como sendo ações de saúde", disse ela, sendo interrompida várias vezes por aplausos. Para ela, o "X" da questão é transformar as propostas de atendimento humanizado e de melhora das condições de trabalho dos profissionais de saúde em ações concretas. Para isso, Sarah dirigiu-se aos delegados da Conferência pedindo o compromisso e a participação de todos. "Proponho que essa Conferência seja livre de violências, de qualquer violência. Quero deixar claro que gritaria também é uma forma de violência, assim como não ouvir as opiniões que são contrárias às nossas, não permitir que o outro se expresse e monopolizar a palavra também o são", comentou Sarah falando sobre o ideal democrático da conferência. Por fim, ela dirigiu-se a Pedro, Lara, Nina, Luna, Aninha e Clara, filhos, nora e neta de Arouca, para falar sobre o sanitarista. "Acho que é importante falar dele com suas qualidades e reconhecer a sua importância no cenário político. Mas acho que é importante também lembrar dos defeitos que ele tinha, para que não seja idealizado. Gosto de lembrar de todos vocês juntos, contando casos que faziam ele chorar de tanto rir".

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Ao encerrar, ela repetiu a frase que escreve sempre quando pedem para falar sobre Arouca: "Eu sei que essa dor não vai passar mais nunca, mas sei também que um dia ela será tão parte de nós que se tornará mais suave e nem lembraremos de como era viver sem sentir essas saudades". Aplaudida de pé, Sarah retornou à sua cadeira junto aos participantes da conferência. Em seguida, sob os gritos de "lugar na mesa", o coordenador da Conferência, Eduardo Jorge, ofereceu um lugar a Sarah na mesa de abertura, sendo ovacionado pelo público. DEZEMBRO/2003

PLENÁRIA APROVA 10% DA RECEITA CORRENTE DA UNIÃO PARA A SAÚDE POR RICARDO VALVERDE

Terminaram agora há pouco os debates do eixo Financiamento à Saúde, que proporcionou discussões acaloradas. Dentre as propostas do eixo que obtiveram aprovação na plenária da Conferência, a mais importante foi a que defende que o orçamento da saúde seja constituído por 10% dos recursos da receita corrente da União. "O valor permitirá que o Governo Federal disponha de índices semelhantes aos dos estados, que é de 12%, e dos municípios, que fica em 15%. Essa proposta destinará cerca de R$ 38 bilhões anuais para a saúde", afirmou a médica Julia Roland, representante da Central Única dos Trabalhadores na Comissão de Finanças (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Além da aprovada, foram apresentadas outras três propostas sobre o tema. Uma corrente defendia que 30% dos recursos da seguridade social deveriam ser destinados à saúde, o que daria cerca de R$ 60 bilhões. Outra propunha alterar entre os 10% das receitas líquidas da União ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB) - o valor que significasse mais recursos. E havia a proposta de manter a fórmula aplicada hoje, em cima de um percentual do PIB, que este ano ficou em 1,8%.

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Foi aprovada ainda uma medida determinando obediência à Resolução 322 do Conselho Nacional de Saúde, que exclui das verbas do setor os gastos com saneamento, Fome Zero e pagamento de funcionários públicos inativos. "De maneira geral, houve amplo apoio às propostas chave, aquelas que contam com grande adesão dos movimentos sociais", explica Julia. A nãorenovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), antiga bandeira da esquerda brasileira, também foi aprovada na manhã desta quinta-feira pela plenária. "As cláusulas do acordo com o Fundo impedem o desenvolvimento econômico, o que tem relação direta com a saúde da população, o transporte e a moradia", argumenta a conselheira, que prevê para breve outra luta para o movimento sanitarista: a da regulamentação da emenda constitucional 29. DEZEMBRO/2003 SOBRE A 11ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE: Moções mobilizam delegados e serão votadas hoje (BRASÍLIA, 19.12.2000) - A coleta de assinaturas para a apresentação de moções mobilizou delegados de diversas instituições presentes à 11ª Conferência Nacional de Saúde. Hoje, último dia da Conferência, as moções serão apresentadas e votadas na Plenária Final do evento, que começa às 9h. Uma das mais apoiadas, com mais de 700 assinaturas, foi a do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase - Morhan. Segundo o coordenador nacional da entidade, Artur Custódio, “a moção é de repúdio ao Ministério da Saúde, por não realizar, desde 1988, campanhas publicitárias sobre a hanseníase, conforme prevê a Resolução 133/94, do Conselho Nacional de Saúde”. Custódio informa que, desde aquele ano, 25 mil pessoas chegaram aos serviços de saúde com seqüelas irreversíveis, provocadas pela doença. Ele atribui o problema à inexistência de campanhas de esclarecimento sobre a doença. No total, segundo ele, 250 mil novos casos de hanseníase foram registrados, no período. Outra moção, apresentada pela Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina (Denem), propõe que o Conselho Nacional de Saúde recupere o poder de veto na abertura de novas escolas superiores na área de saúde. Segundo Felipe Correia, da coordenação regional Nordeste I da entidade,

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“atualmente o Conselho só emite o parece, quem decide é o MEC, que não tem a representatividade do Conselho”. Uma moção conjunta, da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime) e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), propõe que o Ministério da Saúde financie totalmente os órgãos do SUS que realizam desde a produção de medicamentos até a sua utilização, de sorte que todos os produtos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais estejam disponíveis aos usuários. José Ruben Bonfim e Sílvia Vignola, representantes da Sobravime e do Idec, respectivamente, lembram que a moção também propõe a subordinação da política de remédios genéricos à política de medicamentos essenciais e a realização de campanhas sobre os direitos dos cidadãos sobre o uso dos remédios essenciais, no SUS.

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CAPÍTULO 6

ENTRE O BANQUETE E AS MIGALHAS UM DEBATE SOBRE MOVIMENTAÇÃO ESTUDANTIL E EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA : HÊIDER AURÉLIO PINTO : APRESENTAÇÃO DE 2008 Foi muito interessante pra mim re-encontrar este texto. Lembrava de tê-lo escrito, mas não de seu conteúdo e nem mesmo o contexto. Giliate foi quem teve a idéia de colocá-lo nessa coletânea: re-encontro produtivo de velhos amigos e companheiros – equivale quase a uma boa conversa sobre mundo, mudanças e mundanos regada a uma cerveja. Não tinha mais esse texto nem impresso nem digital, Giliate me mandou e só fiz ajustar algumas coisas em termos de forma, não de conteúdo. Lendo-o lembrei-me do contexto. Dias de convulsão em minha militância. Havia acabado de deixar a Coordenação Geral da DENEM e estava buscando outras formas de luta, pois o movimento estudantil de medicina já não me fazia pulsar como antes, queria experimentar uma militância para fora da universidade e dos nossos círculos de esquerda estudantil. Foi quando no início de 2001 fizemos uma explosiva combinação: entre um projeto que pretendia envolver culturalmente os estudantes de medicina fomentando espaços de debates, polêmica e participação em momentos artísticos; um projeto de extensão chamado Bulicomtu que transformou todos nós que participamos dele; e o trabalho como estagiário na Secretaria Municipal de Saúde no primeiro ano da gestão petista de Recife onde estávamos responsáveis pela articulação do Distrito Sanitários

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com algumas associações de bairro. Essa combinação, seus encontros e desencontros, encantos e frustrações, contradições e descobertas, foi transformadora de minha militância e de mim mesmo. O texto é filho desse momento de encanto e de descoberta. De uma certa ingenuidade também que, embora critique no texto, ela é evidente no mesmo a partir do próprio autor. O texto tem a cara dos livros que estava lendo tentando enrobustecer minha práxis. Nesse período, volta a me aproximar do movimento estudantil, de uma maneira muito mais madura e compreensiva, superando a negação gerada pela primeira percepção de alguns de seus limites situacionais. Volto muito mais feliz para a militância com meus colegas percebendo que na luta podemos ser vários e atuar de vários modos, sempre buscando exercer no cotidiano a solidariedade, humanidade e paixão que anima nosso projeto. Esse texto foi encomendado pelo pessoal da DENEM, mais especificamente pela amiga que trago forte no coração Juliana Furtado, que organizava um Seminário do Centro de Estudos e Pesquisas em Saúde, órgão da DENEM. Acho que em 2002, não tenho certeza. Como é de praxi, foi feito em dois dias, no fim do prazo de uma semana que me deram... tem coisas que não mudam Apresentação de 2003 Retirei várias falas e concepções da vivência no movimento estudantil e da vivência no projeto de Extensão Bulicomtu, de estudantes de saúde, arquitetura e direito da UPE, UFPE, etc. O Pedro Paulo foi bem baseado em Geraldo, vice-presidente do Conselho de Moradores de Monte Verde, comunidade onde ocorre o Bulicomtu. Alguns questionamentos surgiram num encontro improvisado que ocorreu entre projetos de extensão da Paraíba e de Pernambuco que ocorreu no Josué no mês de Agosto de 2002. Este encontro teve como comentador, companheiro e amigo Eymard Vasconcelos que mais uma vez produziu ventanias teóricas, práxicas, referenciais e afetivas, como faz por onde passa. Homenagens à Eliana, seu Chico, Dona Terezinha e dona Maria, Pequena e todas aquelas maravilhosas pessoas de Monte Verde que nos motivam a lutar cada vez mais e a se realizar e transformar nesta luta. 33 Homenagens também à Vital, Leila Franscichele , Falcão da UFPB, 33

Leila foi Assessora de Extensão Universitária da DENEM em 2000 (na época que tinha assessoria) e se especializou em Saúde da Família. Fez também medicina

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Armando Cipriano da UFF que apontaram o caminho da extensão e ao pessoal que continua construindo o Bulicomtu, principalmente à Olga 34 Leocádia , que hoje coordena o projeto com muito mais tato que eu 35 consegui e conseguiria. À Juliana Furtado , por ter sido a estimuladora deste texto. Reli a “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire e o capítulo sobre Universidade do “Pela Mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade” de Boaventura de Souza Santos, para escrever com mais segurança as partes mais técnicas deste livro. Baseei-me obviamente no “Banquete” de Platão para a estrutura geral e no “Mundo de Sofia” de Jostein Gardner para fazer o fim. CHEGANDO À UNIVERSIDADE PARA O DEBATE SOBRE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

Ao adentrar aqueles muros Pedro Paulo só confirmou o que sua imaginação já havia pressentido. Uma sensação de contraste, um sentimento de “não pertencimento” tomou sua mente confundindo seus pensamentos. Ao mesmo tempo em que se sentia inferiorizado, certa mágoa foi tomando seu peito e lhe dando forças. Logo esta mágoa, trabalhada por um agudo pensamento crítico e uma afinada sensibilidade, foi transformada em combustível para um turbilhão de vontades, esperanças e idéias. Reprimiu-o, por um momento, seu realismo, tantas vezes confundido com pessimismo. Era de fato um homem de sonhos a despeito da vida que levava e do ambiente em que estava mergulhado. Passou por um estacionamento cheio de carros, entrou em um pátio interno e riu das paredes que o cercavam. Do lado de dentro dos muros se viu tão isolado da vizinhança que cercava a Universidade quanto esta seguia estando das propostas políticas de mudança e das lamúrias sociais. Seu antroposófica e, convertida ao budismo, trabalha hoje sendo uma médica de família em Florianópolis com alargados recursos terapêuticos e uma imensa alegria de viver. 34 Olga coordenou o Bulicomtu com qualidade e tempo suficiente para ele saber caminhar com as próprias pernas. Sempre foi aguerrida militante do DA Josué de Castro e hoje é médica residente em psiquiatria no Hospital Juliano Moreira, em Salvador. 35 Juliana era do Calimed da UFSC, foi Coordenadora de Extensão da DENEM. Hoje mora em São Paulo e é pediatra, depois de enveredar pela Saúde Mental em Campinas e fazer residência em São Paulo mesmo.

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sorriso expressava uma doída ironia. Chegando à Reitoria, atento aos olhares pernósticos, não cedeu um momento sequer aos imperativos do orgulho e se dirigiu às pessoas de forma humilde e ao mesmo tempo firme e consciente. Seus olhos, mesmo para os cegos, de alguma forma transmitia a autoridade moral e a grandeza dos princípios que movimentavam aquele corpo. Ainda estava nervoso, mais que de costume. Nunca se acostumava apesar de tantas vezes ter representado a Associação de Moradores em debates importantes. Esta situação em especial era muito “ansiogênica”. A Universidade sem dúvida era um símbolo forte. Algo que, desde criança, aprendeu a ver com respeito e reverência. Um local que, se penetrado, poderia garantir uma outra vida. Para a tristeza de seus pais, apesar de todo esforço os filhos não avançaram para além do 2° grau. Hoje, porém, concorda com os vizinhos: para eles, a Universidade é uma escola para os ricos e ter diploma não garante a ninguém sequer um emprego, que dirá mudar de vida. De outro lado, já ouvira falar dos demais debatedores. Sabia que eram pessoas capazes, com importante destaque em suas áreas de atuação, com convicções firmes e elaboradas além de serem portadoras de projetos que acreditavam apontar para o desenvolvimento da sociedade e do ente humano. E o que para ele era mais importante: lutavam para a concretização deste projeto. Pedro Paulo sabia que o debate seria tenso, pois além dessas pessoas terem origens, biografias e projetos diferentes, mais de uma vez, travaram lutas políticas entre si. Chegando no auditório, viu uma faixa escrita “A Extensão em Debate”, observou aquelas várias cabeças: professores, figuras cujo semblante e trajes denunciavam pertencer à burocracia, notáveis e um grande número de estudantes. Apesar do esforço, não conseguiu se imaginar sentado ali vinte anos antes. Sentiu um nó na garganta por perceber que era mais entranho ainda imaginar um de seus filhos sentado naqueles bancos. Até quando as coisas seriam daquele jeito, até onde se poderia seguir com este mundo perguntou-se sem esperar respostas. Cumprimenta as pessoas, senta, e escuta o início do debate. DISCURSO I Uma senhora de aparência grave e bastante firmeza na voz inicia a discussão após os corriqueiros agradecimentos e apresentações: - Não é possível debater a Extensão Universitária se não pensarmos no papel da Universidade frente à sociedade em que vivemos. Ora, há muito sabemos, senhoras e senhores, que a Universidade tem o importante papel de

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desenvolver ciência e tecnologia, de transmitir estes conhecimentos e de aplicá-los na vida social. Este tripé, é a base para superarmos uma idéia de Universidade dirigida para a formação da alta elite da sociedade, idéia tão cara à aristocracia dos séculos anteriores. Apesar de ninguém sustentar isto nos dias de hoje temos uma variante deste pensamento ainda bem ativa no meio universitário. Digo-lhes com franqueza e convicção que o pensamento que vê a Universidade como espaço de construção de saberes gerais em oposição aos saberes especializados, como lugar de incorporação de valores humanos em oposição a conhecimentos concretos e práticos é ingênuo e conservador. Ora, hoje a Universidade deve se democratizar. Deve atender às demandas de desenvolvimento da sociedade. Qualquer tentativa de trabalhar valores é na verdade uma seleção de valores e, portanto, um controle político. Não estamos mais em épocas em que grupos políticos excludentes queriam cada qual montar a sua própria Universidade, fábrica de robôs. O comportamento adequado à conduta social do mundo atual, ou seja, a disciplina, o respeito às hierarquias, a iniciativa, o senso de liberdade, a capacidade de competir, a busca da eficiência, a curiosidade, etc. são elementos que são incorporados antes mesmo de se chegar à Universidade. Aqui apenas recebem um reforço, uma vez que são essenciais à própria atividade Universitária. A única necessidade de conhecimento geral que o futuro nos coloca é aquela exigida por uma sociedade que espera um consumidor mais elaborado e exigente, consciente de seus direitos e deveres de cidadão. Este, portanto, não é o generalismo como saber universalista e desinteressado da aristocracia antiga ou das elites. Este generalismo deve produzir um estudante versátil, inovador, apto a fazer mudanças em sua atividade para responder com velocidade às flutuações do mercado de trabalho e às exigências dos outros consumidores. Entendido este ponto, compreendida a necessidade da pluralidade e da liberdade e o abandono de ideologias artificiais e excludentes, passemos ao próximo. O chamado tripé (ensino, pesquisa e extensão) deve ser o orientador do sistema Universitário e não de cada Universidade em particular. Imaginar que cada Universidade deva priorizar intensamente o ensino, a pesquisa e a extensão é se fechar em um dogma que não reconhece as necessidades e os limites de nosso país. É urgente o desenvolvimento de mão de obra qualificada e de tecnologia para o desenvolvimento industrial. Além disto, aplicar estes saberes é o retorno necessário que a Universidade deve garantir à sociedade que a financia. Desta forma, devemos hierarquizar as Universidade distribuindo suas funções a depender de sua tradição, de seu ambiente, do potencial de atração de recursos, etc. Algumas poderiam se

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dedicar mais ao ensino e outras à pesquisa. Já e extensão, sendo mais flexível, poderia ser desenvolvida de diversas formas. Portanto, discutir Extensão Universitária hoje, é no mínimo reconhecer três tipos de atividades de extensão. A extensão universitária que se refere à complementação da qualificação de um quadro técnico altamente preparado para conquistar o mercado de trabalho. Aqui cabem temas de utilidade geral como o domínio da comunicação, da linguagem da informática e do inglês. Além de guardar um espaço mais flexível no currículo, rapidamente adaptável às variações velozes do mercado de trabalho. Outra extensão que devemos ter em mente é aquela que insere os estudantes precocemente nos futuros ambientes de trabalho, além de formar uma parceria do pólo de produção de tecnologia com as empresas que se utilizarão desta tecnologia. Para um país que pretende se inserir de forma soberana na globalização é fundamental o desenvolvimento produtivo afinado com a produção de conhecimentos. Inclusive, esta atividade social deveria ser financiada em parte pelas próprias empresas beneficiadas, uma real repartição dos custos num país com extrema desigualdade social. Por último, mas não menos importante, a extensão solidária que tenta enfrentar o sofrimento de nosso povo. Além de desenvolver o espírito do voluntariado, cada vez mais necessário em uma sociedade que assume seu papel e não fica esperando o Estado, socializa os frutos do que é desenvolvido na Universidade, antes restrito à parte interna de seus muros. Em áreas como a saúde, o direito, a educação, etc. a população pode ser extremamente beneficiada pela ação dos estudantes, principalmente naquelas regiões onde a grande maioria não pode comprar estes serviços. Para os estudantes, ou melhor, para o movimento estudantil, dou uma dica: lutar pela extensão é uma forma de legitimar a Universidade frente à sociedade que está cada vez mais desacreditada nela. Nunca conseguirão o apoio da população, das empresas, dos técnicos, etc. se a Universidade continuar a ser vista como uma instituição arcaica, sem fins importantes e que não justificam seu auto custo. Em síntese, devemos transformar a Universidade para que se adapte as exigências de nosso país, devemos sair do imobilismo e deixar que as necessidades do país adentrem os seus rígidos muros. Devemos romper dogmas, visões políticas exclusivistas e arcaicas frente a janela da pósmodernidade pluralista que ingressamos. Muito obrigada pela oportunidade.”

DISCURSO II

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Curioso, Pedro Paulo ouvia os aplausos e observava o respeito com que aquelas pessoas, principalmente os professores, olhavam para aquela senhora. A cada palavra, pôde observar vários “balançares” de cabeça em concordância com o que era dito. Sentiu um frio na espinha. Impressionou-se com suas firmes convicções, ficou a pensar se era cinismo ou se ela acreditava realmente que aquilo respondia às necessidades do país. Ficou com vontade de perguntar se desenvolvimento do país para ela era o do povo ou tão somente da economia do país, mais próxima das necessidades de seus maiores agentes, a classe e os grupos dominantes e que nem sempre deixam cair migalhas no tapete. Ainda mais resignado, aguardou o rumo das coisas. Um professor chamado Eymar Antônio Santos é apresentado e após uma grande salva de palmas, mais por parte dos estudantes, começa a falar. - Gostaria de debater diversas questões e pressupostos que a doutora Neolina Cardoso colocou para nós implícita ou explicitamente. Porém, devo me ater ao tema para não cair no risco de em tudo falar e nada abordar adequadamente, pois assim poderão continuar a dizer que só criticamos e que não apresentamos uma alternativa. Pretendo partir de onde a Dra. começou. Ela disse que não se pode discutir a extensão sem debater o papel da Universidade frente à sociedade. Vou mais longe, não se pode debater o papel da Universidade sem pensar em que sociedade vivemos e que posição a Universidade toma com relação a esta sociedade. Admitir que esta sociedade exige apenas melhoramentos e que os interesses e valores ocultos ou explícitos por traz da ações dos dominantes devem ser respeitados e aplaudidos, nos coloca em uma situação de fortalecimento deste modelo, desta sociedade. Para mim, este é o caminho apontado pela Dra. em sua fala. Idealizar, projetar uma nova sociedade, uma nova vida, um outro ser humano, mais livre, mais solidário, emancipado, em um mundo mais justo, democrático, equânime, onde a felicidade do outro é condição para a minha felicidade além de se multiplicar com ela, nos coloca uma tarefa árdua, porém, encantadora. Nessa perspectiva, é coerente lutar para que a Universidade seja mais um elemento de transformação e não de conservação. A Dra. faz um discurso que aparenta imparcialidade, que se apresenta sem ideologias, mas de fato, sustenta aquela que dá base à sociedade atual: é um discurso neoliberal ou no máximo, social-liberal. Não questionando o estado atual das coisas, ela reproduz a lógica feita por e para o benefício d´aqueles que hoje dominam. Pensa estar ajudando os dominados, os oprimidos e só reproduz a sua miséria. Acho realmente que a Dra. tem boa intenção, contudo, respeitosamente, estou convicto que o

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resultado de sua ação é uma só: mais opressão velada. Banquete para os mesmos e migalhas para aqueles que as aguardam pacientemente em baixo da mesa ou no lixo fora da casa. Disto decorre que não há como fazer esta discussão sem optar por um lado: o da transformação ou da conservação. Transformar até onde não agredir os interesses mais importantes dos dominantes é estar do lado da conservação, pois nada de essencial será transformado desta forma e, portanto, nada será mudado no cotidiano da maioria de nosso povo. Entendido isto, podemos assumir nosso compromisso com uma Universidade que produza conhecimento de outra forma, que forme cidadãos cientificamente embasados, ética e politicamente alicerçados, culturalmente experimentados e comprometidos essencialmente com as classes populares e com os oprimidos e dominados de todas as classes. Na Universidade circulam valores, reproduzem-se formas de ser e sentir, por isso, clamo à todos para subverter tudo isto de forma radical, ou seja, até remoer a raiz de tudo isto.” O momento do sorriso de Pedro é o mesmo do estalar de palmas e assobios dos jovens mais afoitos e emocionados da platéia. Ainda mais obstinado, Eymar volta a falar: - Grande parte do discurso da minha antecessora, é fruto de certa elaboração intelectual produzida a partir de uma situação de crise do nosso sistema econômico e da própria Universidade. Quando a produtividade e a inovação tecnológica estacionaram em meados da década de 70, fazendo com que os lucros declinassem, houve uma crise de financiamento dos Estados. Esta crise faz pressões de contenção e mesmo franca redução de gastos sociais, entre eles, o sistema de ensino superior e o desenvolvimento científico e tecnológico. À fim de incrementar a pesquisa em processos que aumentem a produtividade, e consequentemente os lucros da indústria, certos setores cobram da Universidade um papel ativo em parceria com as empresas. Para este setor, abertura da Universidade à sociedade, às demandas sociais é na verdade colaboração e cooptação pelos grandes industriais, atendendo à demanda de seus interesses privados, confundidos aqui como “do país”. Ao mesmo tempo, ao propor esta orientação, tentam garanti-la na marra através do ataque à autonomia universitária que ao mesmo tempo joga a Universidade nas mãos dos grandes capitais e reduz os seus custos para o “Estado Mínimo”. A Extensão aqui, além de significar várias coisas que não são extensão de

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fato, como os cursos de inglês e computação ou os estágios profissionais referidos pela Dra., visa tão somente justificar a existência da Universidade para o povo em geral. Uma vez que os filhos do povo têm extrema dificuldade para atravessar estes muros e que os produtos dessa mesma Universidade se destinam aos dominadores, cabe convencê-los da importância da Universidade oferecendo serviços periféricos à população. Este modelo de Universidade não é novo senhores, já nos anos 60 nos EUA foi proposta a Multiuniversidade. Uma Universidade funcionalizada, disponível para o desempenho de serviços públicos e a satisfação de necessidades sociais conforme a solicitação de financiadores estatais e não estatais. Esta Universidade aparentemente faz tudo, agrada a todos, sem discriminação de classe, gênero ou cor.” Muito bonito!!! Mas isto é apenas a aparência, como sabem. Se na pesquisa e no ensino esta Universidade traz como fundamento a necessidade de responder ao mercado, produzindo tecnologia, trabalhadores qualificados e consumidores refinados para este, como ficou claro na fala da Dra., para a verdadeira extensão ela propõe que a prioridade deva ser dada a projetos que envolva pouco recursos e que visem ajudar um dado grupo local sem antagonizar outros. Há, portanto, uma tentativa de isolar a Universidade dos conflitos sociais, das queixas e das lutas da comunidade, além de reservar os melhores recursos, principalmente humanos, para a pesquisa e em segundo lugar para o ensino. Afinal de contas não se pode exagerar a importância desse assistencialismo para este modelo de Universidade, pois ele é periférico. Pois bem, o movimento estudantil dos anos sessenta foi, sem dúvida, o porta-voz das reivindicações mais radicais no sentido da intervenção social da Universidade. A multi-universidade foi atacada implacavelmente pelo movimento estudantil. Argumentavam que esta Universidade com a sua total disponibilidade para ser funcionalizada e financiada, acabava por se tornar dependente dos interesses e dos grupos sociais com capacidade de financiamento, ou seja, os grupos dominantes. Como disse o grande pensador Immanuel Wallerstein, naqueles anos: “a questão não está em decidir se a Universidade deve ou não ser politizada, mas sim em decidir sobre a política preferida”. Esta idéia de Universidade na pesquisa, traz o preocupante e inevitável risco de alteração degenerativa das prioridades científicas. Que poderiam ser ditadas pela: relevância econômica e perspectivas de lucros dos temas de investigação; virtualidade destes para criarem novos produtos e processos produtivos; probabilidade de serem financiados por empresas próximas á Universidade, etc. O imaginário Universidade é dominado pela idéia de que os avanços do conhecimento científico são propriedade da comunidade

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científica. A comunidade industrial tem outra concepção acerca destas questões. Obviamente orientadas na perspectiva de lucros e no aumento de produtividade. Impondo sua lógica teremos em vez da publicidade dos resultados, o “secretismo”, em vez da discussão enriquecedora, o mutismo, sobretudo acerca do que é verdadeiramente importante. Em vez da livre circulação, as patentes. As investigações mais interessantes serão mantidas em segredo para não destruir as vantagens competitivas das empresas financiadoras e os resultados só serão divulgados quando poderão ser patenteáveis. Ora, isto iria acabar por subordinar totalmente a produção de conhecimentos ao interesse do capital. Temos, ao contrário, que promover uma democratização cognitiva, sem a qual a própria democracia é muito limitada, colocá-la a serviço do ser humano e da humanidade. Mas, lhes pergunto, o que isto tudo tem a ver com a extensão universitária? A idéia do tripé, senhoras e senhores, deve ser transformada. A extensão em meu entendimento é o eixo pelo qual a produção, a socialização e a troca de conhecimentos será integrada efetivamente e orientada no sentido de construir, com o povo, instrumentos para a superação de sua condição de vida, para a superação do estado atual de ser das coisas. A ciência moderna constituiu-se contra o senso comum. Esta ruptura, feita em si mesmo, possibilitou um assombroso desenvolvimento científico. Mas, por outro lado, expropriou a pessoa humana da capacidade de participar, enquanto atividade cívica, no desvendamento do mundo e na construção de regras práticas para viver “sabidamente”. Para superar esta situação, entre outras coisas, compete à Universidade reconhecer outras formas de conhecimento (técnico, cotidiano popular, artístico, religioso, literário, etc.) e promover o confronto comunicativo entre eles. A Universidade deve ser um ponto de encontro privilegiado entre os saberes. A Universidade será democrática se souber usar o seu saber hegemônico para recuperar e possibilitar o desenvolvimento autônomo dos saberes não-hegemônicos gerado nas práticas das classes sociais oprimidas ou dos grupos e estratos socialmente discriminados. Um novo senso comum estará em gestação quando estas classes e grupos se sentirem competentes para dialogar com o saber hegemônico e, vice-versa, quando os universitários começarem a ter consciência que a sua sabedoria de vida não é maior pelo fato de “saberem mais sobre a vida”, conforme acreditam. É necessário também uma aplicação edificante da ciência, de forma que substituamos o “know-how” técnico pelo know-how ético, comprometendo a comunidade científica ética, existencial e profissionalmente com o impacto de aplicação da ciência que produz. A legitimidade da Universidade só será

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cumprida quando as atividades de extensão se aprofundarem tanto que desapareçam enquanto tais e passem a ser parte integrante das atividades de ensino e pesquisa. As Atividades de extensão procuraram estender a universidade sem a transformar; traduziram-se em aplicações técnicas e não em aplicações edificantes da ciência; a prestação de serviços a outrem nunca foi vista como prestação de serviços à própria Universidade. Devemos partir para transformar as atividades de extensão até que elas transformem a Universidade. Além deste importante papel de democratização cognitiva e de transformação da própria Universidade e seus produtos. Efeito que tem inúmeras implicações no ensino e na pesquisa, como pude apenas indicar. Devemos ter em mente que uma práxis social comprometida com as classes populares, logo, com a superação do estado atual das coisas, terá efeitos bem diferentes da prática profissional atual tida como neutra e des-politizada, mas que é na verdade, na maioria das vezes, instrumento de uma dominação ocultada ou amenizada. Por exemplo: uma medicina socialmente comprometida certamente questionará, a partir da interação com as necessidades de saúde individuais e coletivas, todo o modo de produção da doença e as diversas relações sociais. Assim, na educação popular em saúde, torna impossível não compreender, juntamente com o usuário, os efeitos cotidianos indesejados da organização atual da nossa sociedade. Se este profissional desenvolve esta relação orgânica e autonomizadora com as pessoas buscará junto com elas condições de superar isto. Talvez, buscas que cresçam em complexidade e que, igualmente, exijam organizações e movimentos cada vez maiores, mais fortes e mais complexos. O tempo disto tudo não é previsível para cada caso em particular, e cada um terá um tempo diferente. Se estes processos se encontrarão, também não é previsível, contudo, só de evitar que os saberes sejam usados contra o povo ou mesmo para mantê-lo onde está, já é um importante passo para a luta por um outro mundo. Por tudo isto, acho que levantar a extensão com as características e a centralidade que nosso projeto de sociedade e de Universidade merece é uma luta essencial e urgente para o movimento universitário. Por ser uma luta que traz retornos imediatos de pequena monta, porém proporcionadores de enormes satisfações, acho que será uma bandeira levantada com vigor, empenho, alegria e muita esperança, já que, também a amplitude de seus horizontes nos cantam à luta. Muito obrigado, e ao fim desta mesa quebremos os muros desta Universidade para não ter que esperar até amanhã.

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DISCURSO III O anfiteatro pulsou com palmas ensurdecedoras, ainda que se pudesse perceber olhares reprovadores e palmas sem vontade. Alguns estudantes aplaudiam com um ar de “digestão incompleta”, seja pela novidade do pensamento, seja por ele ter entrado em contradição com suas idéias. Outros, mais exaltados, pareciam estar próximo do orgasmo. Pedro Paulo esboçava um sorriso largo na boca, disfarçado por um olhar que buscava o fundo do anfiteatro. Olhava com curiosidade as reações daquela platéia. Não havia compreendido tudo, porém, muito mais do que imaginara. Sentiu uma grande afinidade com as palavras d’aquele homem. Não esperava encontrar pessoas assim dentro d’aqueles muros. Contudo, sua surpresa e expectativa se deteve, não era um homem de letras ou palavras, mas sim de ações e lutas concretas. Precisamente por isto, perguntava-se: se estes que falam e aplaudem acreditam mesmo nisto onde estiveram até agora que nem eu nem os meus encontramos com eles na luta que travamos dia a dia para vencer esta mesma situação que, pelo estardalhaço, parecem detestar mais do que nós? Mais uma vez, Pedro Paulo teve medo da resposta, preferiu pensar em uma coisa boa. O quindim da feira e o sorvete com casquinha que levaria para a sua filha, a linda Maria, quando voltasse para casa. Foi interrompido pelo reinício da mesa. Edson Ernesto se levanta, toma o microfone nas mãos, passa para adiante da mesa e começa a discursar num tom provocativo: - Gostaria de dizer a vocês que tô muito feliz com esta mesa. Acho que a fala do professor me eximiu de ter que responder, talvez com até mais contundência, aos temas levantados pela Dra. Dou-me por satisfeito. Deste modo não vou aqui debater nossa formação social, nosso modelo econômico, o ataque neoliberal à Universidade ou mesmo quais concepções de Universidade estão em disputa. Prenderei-me então em como o movimento estudantil vem trabalhando a extensão ou como deveria trabalhar. Falarei também do papel dela em nossa lutas. Serei telegráfico porque o tempo é curto. Falarei ainda da experiência da medicina e da área de saúde porque esta experiência é que foi solicitada para a mesa. Gostaria de dizer que os companheiros que quiserem fazer apartes em minha fala sintam-se à vontade. Iniciarei com duas citações, a primeira é de Paulo Freire, falando sobre o movimento estudantil dos anos 60, referido aqui também pelo professor Eymar: ‘Os movimentos de rebelião, sobretudo de jovens, no mundo atual, manifestam, em sua

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profundidade, uma preocupação em torno do homem e dos homens, como seres no mundo e com o mundo. Em torno do que e de como estão sendo. Ao questionarem a civilização do consumo; ao denunciarem as burocracias de todas matizes; ao exigirem a transformação das Universidades de que resultem, de um lado, o desaparecimento da rigidez professor-aluno; de outro a inserção delas na realidade; ao proporem a transformação da realidade mesma para que a Universidade possa renovar-se; ao rechaçarem as velhas ordens e instituições estabelecidas, buscando a afirmação dos homens como sujeitos de decisão, todos estes movimentos refletem o sentido mais antropológico que antropocêntrico de nossa época’. “A outra é de Cristovam Buarque quando reitor da UNB no documento chamado uma idéia de Universidade: ‘a política da Universidade deve combinar o máximo de qualidade acadêmica com o máximo de compromisso social. O que caracterizará o produto é sua qualidade, sua condição de elite, mas o que caracterizará o seu uso é seu compromisso amplo - a sua condição antielistista!’. Com estas duas citações deixo bem claro quais são os meus compromissos. Quero agora dizer como fomos descobrindo a importância da extensão universitária. Quando iniciamos a luta pela construção de projetos de extensão juro que fizemos meio sem saber o que se passava de fato. Discutíamos no movimento que era importante e tal, mas não sentíamos esta importância por, pelo menos, três motivos: não fazia parte de nossa cultura acadêmica, parecia-nos longe do cotidiano e não sabíamos como fazê-lo. Visitamos certos projetos de diferentes tipos e resolvemos montar o nosso baseado na lógica da educação popular em saúde. A partir daí fomos tragados pelo furacão. A primeira percepção que nos foi quase imediata, é que aquele era um caminho importantíssimo para desenvolvermos a luta pela construção do

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SUS, tão falada mas muitas vezes, ainda mais distante. Discutindo, entrando naquele mundo dos usuários - que a partir daí deixaram de ser usuários e passaram a ser amigos, cidadãos, sujeitos, povo, lutadores – “empatizando” com suas necessidades, dores e sonhos pudemos dar base concreta às discussões abstratas que fazíamos sobre controle social. Ora, estávamos mergulhados no tal de social, como controlar o Estado agora? As dificuldades de concretização do direito à saúde, garantido na constituição depois de décadas de luta, eram sentidos por nós com tristeza e indignação a cada caso que as pessoas nos contavam. E meu Deus! Não era só a saúde, precisávamos mexer na moradia, na educação, no transporte, no emprego, no lazer, virar tudo de pernas para o ar, pois tudo parecia estar mais errado do que nunca. Só os estudantes de saúde já não bastavam, precisávamos agregar mais gente. Percebemos a impossibilidade de resolver aquela situação através de soluções individuais. Nos assustamos com as dificuldades de produzir soluções coletivas que respeitassem a autonomia e garantissem a mobilização de todos os envolvidos no processo. Para resolver de fato, em profundidade e de forma permanente, só uma mudança radical da sociedade, e até lá, o que faríamos? Sabíamos, em teoria, que o que fazíamos era parte da tentativa humana de superar a opressão, mas na prática tudo parecia tão confuso. Éramos impulsionados a produzir soluções imediatas e de pequeno alcance. Frustração: não era o mesmo assistencialismo gerador de dependência e apaziguador que tinha nos movido até lá? Com muita perseverança, com muita reflexão, ouvindo mais que falando, estamos descobrindo que se não pode ser 80, tampouco nos renderemos ao 8. A satisfação que esta vivência nos dá, o imenso prazer de fazer uma coisa que acreditamos ao lado daqueles que admiramos e solidarizamos, além de querer muito bem, foi a cola que nos manteve juntos até o amadurecimento que superou, em parte, a frustração inicial. Estamos avançando e a cada dia descobrindo a resposta para esta questão ainda não solucionada. Além desta luta pelo direito à saúde e pela mudança dos determinantes do processo saúde e doença, o que nos leva à causa da própria transformação social, percebemos que o impacto daquela atividade que fazíamos sobre o currículo de nossas faculdades era imenso. A diferença de culturas e os modos de estabelecer um diálogo franco e democrático; a inadequação de várias técnicas e condutas àquela realidade; a cegueira para pensar e compreender como aquela condição interferia na saúde; o despreparo para lidar com os sentimentos e emoções das pessoas; a falta de criatividade e experiência para intervir na dita dimensão psíquica e social de modo efetivo e compartilhado; etc. denunciaram mais do que nunca como éramos

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preparados para um consultório dos sonhos muito distante daquele país que vivíamos. A surpresa foi que aquela medicina, aquela luta pela saúde era imensamente mais bonita, mais realizadora do que jamais esperávamos que fosse. O brilho no olho do calouro, passou a residir novamente em nossos olhos. A experiência de aprender, movidos por um profundo compromisso afetivo e ético-político com aquelas pessoas, a partir das situações concretas que colocavam diversas necessidades de saúde e que exigiam modos criativos de intervenção, foi a prova experimental de que este processo pedagógico era muito mais potente que o implantado nas diversa escolas. Assim, tudo isso era também uma ferramenta teórica e prática que embasava nossa crítica ao processo de formação e luta de transformação da escola. Mais tarde vimos que este caminho, mostrado pela extensão, não só era potente para transformar a escola, mas também tinha um efeito avassalador na luta por uma nova Universidade que integrasse de fato o ensino, a pesquisa e a extensão e que fosse comprometida com a luta junto à comunidade pela superação de sua condição de existência. Tinha poder para colocar em foco a posição da Universidade em relação ao mundo que a rodeia e a penetra. Não vô falar muito disso porque o professor Eymar já discutiu muito e eu já fiz a citação da UNB. Só gostaria de dizer que Universidade assim estão sendo pensadas em vários lugares do mundo. Tem até a tal teoria da complexidade do Edgar Morin, mas juro que não conheço quase nada a respeito só o fato de que fala deste tema. Depois quem quiser pergunte aí ao Eymar. Outra agradável surpresa foi a transformação que as atividades de extensão produziam em seus participantes. A vivência naquele ambiente, com aquelas pessoas, tirou os estudantes de uma vida que era voltada para si mesmo, quando muito, para seu ambiente cotidiano, e colocou-lhes a necessidade de optar: se assumiria aquela luta como sua ou fingiria não ver. Isto é válido até para aquelas que faziam parte dos DA’s e CA’s. As pessoas não só descobriram seu curso, como também a si mesmas. Descobriram não estavam sozinhas no mundo ou que o mundo não era feito só de pessoas parecidas com ela. Acredito que esta experiência nos dá provas de que as atividades coletivas, seja a extensão seja os DA’s, etc, a vivência coletiva orientada pelas ditas utopias ativas - liberdade, solidariedade, equidade, autonomia, democracia, justiça, etc. - comprometidas com a auto-análise, com a auto-descoberta, com o deslumbramento do mundo, com a busca da auto-gestão, a auto-determinação do coletivo, com a transformação do mundo etc. tem o desejado poder de dar novos sentidos às vidas das pessoas. É campo fértil para a construção de novos projetos existenciais. Inclusive, a

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falta destes é um dos dramas da juventude narcisista, individualista, aculturada e vazia da sociedade do consumo. A extensão além de tudo é um local de formação de novos quadros para os mais diversos espaços de atuação, dentre eles, o movimento estudantil. Por todas estas questões, lutar pela construção de projetos de extensão com estas características é desenvolver uma luta que possui interfaces com diversas outras que constituem os principais temas de nosso movimento. Comecei com Paulo Freire e termino com ele: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. “Palmas para todos nós.” De fato, o auditório foi abaixo. Gritos, assobios, palmas, euforia. Algumas figuras aproveitaram a agitação para saírem de fininho uma vez que percebiam que a platéia rumava para um entendimento que poderiam trazer problemas para a visão hegemônica de extensão e de Universidade. Melhor era não se comprometer com os resultados daquele debate para não ser cobrado depois. Pedro Paulo se impressionou com o rapaz. Por um momento se surpreendeu com o forte otimismo e se perguntou: será que eles iriam finalmente começar uma coisa e ir até o fim ou parariam como sempre quando menos se espera? Sempre apostou nos estudantes, era de uma época que eles realmente eram os primeiros a se levantarem em nome do povo contra os abusos dos dominantes. Acompanhou de longe, ainda jovem, estes tempos. Porém, hoje as coisas eram diferentes, até onde sabia os estudantes tinham voltado também para dentro dos muros e parecia que nada os tiraria de lá durante um bom tempo. Uma estudante, chamada Josefina levanta a mão e pede a palavra: - Achei muito interessante estas discussões, mas acho que perdemos o foco principal. Tudo o que está se dizendo aqui é muito importante, porém o povo sofre e tem pressa, deste modo temos que priorizar o que é realmente mais importante. Um dos grandes problemas destes movimentos de classe média é justamente a distância que têm das condições de vida da população. Se para nós não mudar a Universidade é ter uma formação insuficiente, ter que viver uma educação descontextualizada da realidade social, suportar professores e métodos autoritários, repetir a ideologia produzida por este mundo injusto e assassino, para os populares o preço é a fome, a filha que morre por uma doença idiota, a adolescente que aborta, o pai alcoolista que bebe e perde a esperança após ser demitido do emprego, etc. Presos em nós mesmos, com uma propensão ao subjetivismo, à

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verborréia, uma aversão oculta à ação, à práxis, temos o hábito de discutir só coisas nossas ou quando muito coisas nossas que podem ter um impacto no futuro distante no mundo que aí está, ou ainda, coisas da imensa maioria da população, mas que, se esperarem até tomar-mos atitudes, não teremos mais população, pois o mundo já terminou. Pois bem, acho que devemos sim é ir para a periferia, estudar muito para que possamos ter a capacidade de organizar as massas, conscientizá-las, desaliená-las, darmos os primeiros passos para o objetivo de torná-las uma classe para si, ou seja, consciente de seu papel e disposta a fazer uma revolução social quando as condições econômicas tornarem o ambiente propício para isto. Par mim, todo o resto só tem sentido dentro desta estratégia, nunca mudaremos a Universidade pois ela é reflexo deste mundo que aí está. Nunca o povo será como um todo consciente, pois também é reflexo do que aí está. Para que seja uma classe para si, antes da revolução terão que ser dirigidos, os pensamentos que vão muito além disso não são objetivos e confundem a estratégia. Obrigado pela chance de botar o dedo na ferida de vocês.” O auditório pareceu meio perplexo, de fato ela tocou em diversas feridas. Foi aplaudida com um entusiasmo meio fingido. Pedro Paulo sorriu com o canto da boca, apesar de ter se arrepiado com aquela concepção de “dirigentes e massa seguidora”, própria dos movimentos de esquerda da década de 70 de quando era operário, gostou de algumas verdades que ela disse e que não estavam sendo colocadas até então. Foi quando um rapaz bastante moço chamado Inácio C.T. pediu a palavra:. - Muito do que foi disto aqui não entendi. Acho que é preciso ler um pouco mais estas coisas para entender o quanto eu quero. Mas é isso mesmo a essência do negócio, eu acho. A mesa passou o quanto é importante lutar pelo que está sendo dito aqui. Talvez eu não compreendesse como compreendi se não participasse de um projeto de extensão. Mas devido a isto eu sinto na pele, cada palavra me tocou profundamente porque isto tem significado para mim. Não são palavras vazias, são palavras que vêm acompanhadas de experiências, sentimentos, compromissos assumidos, etc. E isto me dá uma força, uma vontade fora do normal que garante que eu procure tudo o que pode me ajudar a brigar por isto aí, inclusive, dar uma estudada. Queria falar mais duas coisas. A primeira é que realmente eu dei novos sentidos à minha vida, queria ajudar as pessoas como médico. Talvez, como vários outros, eu me dês-sensibilizaria no decorrer do curso, achando que o médico tem que ter distância do paciente e tem que ter objetividade,

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portanto, longe destes idealismos cristãos de fazer o bem, lutar pelo bem, etc. Eu e meus colegas de projeto descobrimos um outro mundo, e o mais bonito é que estamos descobrindo agora o nosso lugar neste mundo. Sei lá, a cada dia de ir no projeto acho que acordo revitalizado. Acho muito importante para aqueles que estão aqui entrarem num projeto destes. A segunda coisa é que a vivência democrática do projeto, a maneira como corremos atrás do conhecimento para responder aos problemas percebidos, o respeito como tentamos abordar as diferenças, tudo isto me mostrou o quanto temos muito a mudar na escola e na Universidade, como disse o Edson. Mas também, como temos que mudar o nosso comportamento com todas as pessoas, como temos que brigar para que todos lutem por seus direitos, por novos direitos, que exijam respeito, etc. é um negócio muito forte às vezes nem em casa você aceita algumas coisas mais. E quando você liga o jornal aí então é pior. Ah! Tem mais um negócio, acho que o que nos move mais que o pensamento de lutar pelas mudanças é a base emocional deste pensamento. Tá meio estranha esta frase, mas o que quero dizer é que é a profunda afetividade que desenvolvemos com aquelas pessoas, com aquelas famílias, com a comunidade, enfim com todos que sofrem a opressão, como diz o Paulo Freire né?, é que dá significado a estas coisas que falamos de luta pela transformação da sociedade. Não sei como se transforma não, mas estou me transformando nesta luta aí. Obrigado.” Havia um ar de carinho nos semblantes que comandavam aqueles aplausos. Talvez pelo carinho e afetividade com que aquele jovenzinho desenhou o que para ele era a luta que o tinha cativado. Talvez pelas próprias feições e porte de Inácio ou então por um sentimento muito mais elaborado e profundo: ver aquele jovem representando a própria esperança, esperança que muitos estavam perdendo aos poucos diante do mundo de hoje. Muitos que haviam perdido a humanidade nesta luta, agora refletiam sobre o amor que Inácio colocava em suas palavras. Era uma viagem no tempo, tanto em relação à época vivida como em relação à idade de concepções e sentimentos de cada um ali. Por que no passar dos anos fomos ficando duros, perguntavam-se. Será que é preciso para suportar as adversidades? Mas será que isto não afasta as pessoas que poderiam se somar a nós, o que é uma enorme adversidade? Continuaram a se perguntar assumindo uma postura típica de Pedro Paulo, não esperando resposta alguma. Foi permitido a Edson responder rapidamente aos adendos:

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- Inácio, fico muito feliz com tudo o que disse, uma das coisas mais gratificantes cara é ouvir palavras como as que você disse aqui. Você me tocou e acho que tocou muita gente aqui. É um gás do cacete para a gente continuar brigando com um vigor cada vez mais renovado. Tem coisas que você disse que acho que precisam de mais amadurecimento, mas não vou nem debater agora não porque acho que você discutirá no seu próprio processo aí no projeto de extensão. Agora, gostaria de polemizar com a Josefina, mas como o tempo é curto vou só levantar algumas questões. Concordo quase inteiramente com a sua análise o que discordo é com as conclusões que você tira dela, mais especificamente, como você propõe que lutemos e quais são os valores implícitos aí. Ainda na análise, acho que você diz bem uma característica dos movimentos de classe média. Mas você vê isto como estático, como dado, e com um certo rancor. Ora, vejo isto como uma situação que deve ser alvo de intervenção também. Não vamos fazer nenhuma revolução contra a totalidade da classe média e ela tampouco acontecerá sem o engajamento de grande parcela desta na luta pela libertação do ser humano. Nós, do movimentos estudantil, temos uma condição difícil: por mais que nossas lutas venham do cotidiano dos estudantes este cotidiano não tem problemas tão emergenciais e importantes para os estudantes que os impulsione para uma ação coletiva. Num sindicato o que está em jogo é o salário, o emprego, a sobrevivência. Numa comunidade a violência, ter ou não assistência a saúde, o lixão que fede e causa doenças, etc. E olhe que nem por isto a mobilização deles é muito maior. No nosso caso, a mudança da educação não é para os estudantes uma coisa tão emergencial ou importante que faça com que ele saía da lógica desta mesma educação e se engaje em uma atividade que exige tempo, sacrifícios e que pode ser recompensadora e transformadora para si mesmo ou até muito chata, pesada e frustrante. Pelo lado dos interesses próprios e imediatos do indivíduo acho que vamos perder a briga. Acho então que a saída é buscar um projeto que seja mesmo uma nova maneira de pensar a sua condição de ser no mundo, engajando em uma briga importante que valha a pena, que seja grande, que mude a nossa vida e a vida das pessoas, etc. Que gere aquilo ali que o Inácio disse que estava sentindo. Que construa novos projetos existenciais e novas formas de vivência desta pessoas com aqueles que lutam com ela e que se identificam na luta, trazendo um pouco para o momento atual o que deveriam ser as relações neste “novo mundo”. Isto é não deslocar os meios dos fins, os resultados da transformação com a forma de se transformar. Isto é produzir uma usina nuclear de estímulo. Peguei pesado, mas acredito mesmo nisso.

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Quanto ao que disse sobre estudar para saber como conduzir as massas, ora, discordo radicalmente disto. Não é nos livros e nos dogmas que encontraremos as respostas. Estudar, buscar saberes onde quer que se escondam, em estado elaborado ou bruto é condição para quem quer ir a qualquer lugar importante no que diz respeito a este tema, porém isto tem que ser fruto da interação entre ação e reflexão, práxis, como diz Marx, Gramsci, Paulo Freire... Refletir sobre o concreto, a situação e a ação, colocar a reflexão em cheque frente ao concreto, um mudando o outro em eterno movimento. Não podemos também achar que somos os donos da verdade e que ensinaremos ao povo. Não podemos aparecer com um projeto de sociedade pensado nos mínimos detalhes e querer que o povo lute em nome dele porque será o melhor para ele. Temos que acreditar realmente que estamos ali para construir isso juntos, a prática e a teoria. Sobre o que é “realmente o foco”, como você disse, acho que temos concepções diferentes sobre como se processa a história e que estratégias devemos utilizar para agir nela. Sem entrar em detalhes, gostaria de finalizar dizendo que as mais variadas ações fazem parte desta luta. Nós mesmo, como indivíduos, nos transformamos neste processo, estes seres em transformação estão lutando para transformar diversas coisas que, por sua vez, contribuam para que mais pessoas entrem em processo de transformação o que acelerará o processo mais geral e assim segue... Esta luta é uma luta política, cultural, ideológica, que opera na produção de subjetividade, uma luta econômico-social, etc. Faz parte de construção de um processo contrahegemônico como diz Gramsci. Temos que estar atentos aos espaços que concentram poder, como o Estado por exemplo, porém, nunca seremos hegemônicos nesses lugares concentrados se só lutarmos focados neles. Ou seja, as lutas se somam e se potencializam. Portanto, não é besteira lutar pela educação, pela Universidade, pela mobilização autônoma da comunidade, pelo SUS, etc. contanto que não se perca o objetivo desta luta, para onde ela aponta e a interação com as outras que se processam na sociedade. Obrigado de novo e desculpem a longa resposta”. O DISCURSO SEM FIM Depois das manifestações de acordo ou desacordo da platéia a palavra é passada a Pedro Paulo. Não estava mais ansioso, pegou o microfone com uma mão que tinha a firmeza de uma pedra e calos que mostravam propriedade sobre o que iria falar:

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- Bom dia, é muito bom estar aqui com vocês. Fiquei muito espantado com tudo o que ouvi aqui. Não concordo com várias coisas, mas concordo com outras várias também. Mas o que me espantou é ver como parece que vocês estão preocupados com toda esta situação, como parece que ela incomoda vocês. Parece até que incomoda mais que a gente. Ao mesmo tempo eu fico achando que todo mundo não faz aqui o que diz não, se não vocês não me pareciam tão estranhos como parecem. Enquanto aqui a conversa vai correndo a vida lá fora vai seguindo. Gostaria de avisar a vocês que o povo que muitas vezes vocês falam não existe a não ser na cabeça de vocês. Vocês cobram muito do povo, esperam muito dele, e se desanimam muito fácil quando acham que o plano perfeito de vocês não está dando resultado. Resultado para quem? Quem combinou estes resultados? Vocês têm uma outra cultura e, por mais que digam que não, acham ela melhor que a do povo. O rapaz aqui, o Edson, disse que vocês têm que pensar o movimento de vocês a partir dos valores, dos sentimentos e das características dos estudantes. Acho que seria ótimo se usassem o mesmo princípio nos seus projetos de extensão com relação aos valores da comunidade. Desculpe ser duro mas a maioria dos projetos valorizam o saber popular, a autonomia, a mobilização, só a partir do jeito que vocês vêem e escrevem sobre estas coisas, não a partir de como é isto para a gente. A mensagem que gostaria de deixar é que, para nós é muito ruim vocês acharem que sabem como o povo sente e sofre, que sabem do que o povo precisa, de como o povo tem que agir, da pressa que tem o povo, como foi dito aqui. Pensando assim, vocês fazem projetos de sonho, de ficção e se frustram muito rapidamente. Quando a comunidade começa a acreditar que ali está sendo feito uma coisa diferente, vocês vão embora e deixam a certeza de que era mais do mesmo. Nossas pessoas têm uma baixa auto-estima muito grande, desde pequenas no colégio aprendem que não valem nada por não terem dinheiro. Que nunca vão ser ninguém. Elas se rendem antes de começarem a lutar juntas, porque cada uma luta todos os dias individualmente pelo simples fato de sobreviverem. Acho também que mais do que serviços, vocês poderiam tentar trabalhar um pouco desta confiança em si mesmo, esta confiança no homem, na libertação de fato, devolver àquelas pessoas a vontade de ser mais. Só assim acho que elas se juntarão para lutar. Não com vocês dizendo o que tem que ser feito, mas oferecendo a elas o que elas pedirem de conhecimentos e tudo o mais para desenvolver sua própria luta onde vocês estão ao lado e não pairam em cima como uma nuvem ou qualquer outra coisa. Eu sempre fiz parte de comunidade eclesial de base, conheço um pouco

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de teologia da libertação e também usamos muito o Paulo Freire. Fiquei assustado com o tanto que vocês falaram o nome dele. Pensei que assim como Marx é banido da ciência oficial, Leonardo Boff e Frei Beto da Igreja conservadora, Jesus Cristo pela sociedade da época dele, pensei que nunca se falaria de Paulo Freire aqui. Trouxe várias frases dele aqui, vou ler duas dele que acho que dizem muito sobre esta mesa: ‘Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que sua generosidade continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça. A ordem social injusta é a fonte geradora, permanente, desta generosidade que se nutre da morte, do desalento e da miséria.’ Esta frase é para a senhora que falou primeiro. Não tome isso como uma crítica pessoal, pois sinceramente acho que a senhora realmente acredita no que diz e que tem boas intenções, tome isso como um ataque às idéias que a senhora apresenta, defende e luta por elas. Vamos a um outro trechinho um pouco maior: ‘Um dos elementos básicos na mediação opressores-oprimidos é a prescrição. Toda prescrição é a imposição da opção de uma consciência a outra. Por isto, o comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores. (...) A liberdade que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário luta por ela precisamente por que não a tem. (...) Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, imersos na própria engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade enquanto não se sentem capazes de correr o risco de assumi-la. E a temem, também, na medida em que lutar por ela significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir, como seus proprietários exclusivos, mas

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aos companheiros oprimidos, que assustam com maiores repressões. (...) A liberdade, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos’. Isto é para a pressa de vocês! É para que vocês estejam mais abertos a aprender, a se colocar no nosso lugar, sentir o que sentimos. Não quero pena, generosidade ou estudados batendo palma para tudo o que um homem do povo diz, isto é ainda pior. Quero um diálogo de verdade, que respeite as diferenças e que não prescreva inclusive como o povo deve ser, pensar, sentir e agir. Não quero vir aqui e dizer como somos, mesmo porque somos diferentes entre nós, e nem dizer como têm que agir com a gente, não posso fazer isto. Mesmo porque, desde que cheguei nesta Universidade, escuto este estalar de teclas de um computador. Sei então que alguém tenta prescrever meus comportamentos. Não passo mais uma vez da idealização de povo de alguém. Mesmo que se baseie em algumas experiências, é uma idealização. E, este escritor, não sendo de fato um homem do povo, não tendo vivido com estes, naquele ambiente, não dá conta de falar por um. Por isto não é este texto que deve dar a falsa impressão de ter respondido perguntas. Vocês têm que buscar suas próprias perguntas e respectivas respostas na experimentação, na vivência, na atividade. Façam seus projetos, engajem nesta luta. Só lá vocês poderão encontrar o que vocês esperaram achar em meu discurso. Estou vendo as caras assustadas de vocês na platéia. Novamente, por mais que não queiram só vêem o mundo por seus olhos. Pois bem. Deixo-os nos intermináveis debates e viro um ponto de interrogação para quem quer começar a buscar perguntas e respostas ???????????????????????????? Por que estes nomes? Pedro Paulo De “Pedro Pedreiro” fantástica música de Chico Buarque da década de 60 que traça um perfil do brasileiro médio: pobre, trabalhador, desiludido com a vida e as coisas, mas ainda com esperanças “Pedro pedreiro penseiro esperando o trem”. O personagem é mais crítico e combativo que o Pedro Pedreiro, contudo, é o retrato de nosso povo, idealizado por

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aqueles que acreditam no povo consciente de seu potencial de transformação das raízes de nossa sociedade (há um debate que vai em contrário a esta idealização do povo no texto de Vicent Vala- “A crise de interpretação pode ser nossa” – é legal dar uma conferida nisto e no dito de Paulo Freire: o oprimido carrega o opressor em si mesmo). O Paulo é uma referência ao mestre Paulo Freire e a todo o seu pensamento revolucionador. Neolina Cardoso O Neolina vem do Neo-liberalismo, neste caso, travestido num discurso que tenta resgatar as promessas não cumpridas da modernidade: liberdade, solidariedade, democracia e igualdade. A adaptação tenta colocar também o lado selvagem deste modelo econômico que tem condenado à miséria a população equivalente a 2/3 do globo terrestre, leonino, portanto. O Cardoso é uma referência à teórica e mulher do presidente FHC, Ruth Cardoso, base de grande parte do discurso que a personagem apresenta. Um discurso que mistura a teoria e prática do governo do marido dela, colocado em ação por Paulo Renato e defendido também por Bresser Pereira. Eymar Antônio Santos O Eymar é uma dupla referência, tanto ao conhecido educador popular, Eymard Mourão Vasconcelos (apesar de seu pensamento não estar concentrado neste personagem e sim diluído também em outros, principalmente em Edson), homem de ação e coração, professor universitário comprometido com as classes populares e um dos inspiradores de nosso projeto de extensão. Quanto à concepção do personagem, ou seja, a esquerda universitária nos leva ao Antônio, de Antônio Gramsci, socialista italiano que desenvolveu a importante concepção dos intelectuais orgânicos às classes populares. O Santos vem de Boaventura de Souza Santos, o sociólogo que mais utilizei para produzir sua fala com relação à Universidade e a Extensão. Edson Ernesto O Edson vem do estudante que foi morto no Rio em 68 pela ditadura militar que foi o estopim e a razão imediata da famosa passeata dos cem mil e que se transformou em símbolo da luta contra a ditadura. O Ernesto é em relação ao nosso grande Ernesto Che Guevara, símbolo de uma luta socialista desprendida, apaixonada que unia com síntese tão perfeita o

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amor ao ser humano, a paixão pela possibilidade de ver a humanidade emancipada, o desprendimento com relação em valer a pena perder a vida em nome de um ideal puro e o compromisso e a luta por uma sociedade socialista que ele acreditava que produziria esta realidade. Inácio C. T. Vem de inércia, tentando constatar uma realidade e fazer uma crítica. É fato que existe certa inércia na sociedade proporcionada pelo domínio ideológico e cultural feito pelos grupos e classes dominantes. Contudo, esta inércia não é puramente ruim, ela tem elementos, valores, esperanças que podem ser estimulados para que a inércia ruim seja quebrada fazendo com que o Inácio, por exemplo, possa ser C., ou seja, conservador, ou T., transformador dele mesmo, da vida das pessoas e do mundo. A crítica é ao movimento estudantil como um todo que desiste de brigar contra a inércia acreditando que é insuperável e acaba por adaptar-se a ela sendo mais um a manter a inércia. Inácio também é InÁCIO, ou seja acción, ação. Mergulhado nela, pensa a partir dela, de sua experiência vivida. Não devemos subestimá-los, nunca. Josefina Vem de Josef Stalin, ditador russo, acusado por muitos de ter desvirtuado e condenado a revolução russa, defendido por outros. A crítica aqui é a um certo marxismo vulgar, que virou teoria oficial do Estado russo na época de Stalin, e à concepção vanguardista e economicista defendida por esta teoria. A Menina Maria Homenagem à mulher que é minha companheira, amante, namorada, amiga, amada, etc.

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Capítulo 7

Projeto de Extensão Buli com Tu: a prática cotidiana da extensão universitária 36

: Giliate Coelho Neto : : Hêider A. Pinto : 1. INTRODUÇÃO Criado em maio de 2001 por estudantes de medicina, enfermagem e odontologia, o projeto de extensão “Buli com tu” tem como proposta central a prática de uma nova concepção de saúde, onde, através de atividades em comunidades e postos de atenção primária, se possa compreender sob outra lógica, cuidadora, a relação sistema de saúde/ profissional de saúde x população/ indivíduo. Tendo como pilares teóricos fundamentais as idéias da Rede de Educação Popular em Saúde, o método Paulofreiriano de emancipação dos indivíduos através da superação da contradição opressor x oprimido e os exemplos da concepção de saúde “SUS em defesa da vida”, que é um reflexo direto da Reforma Sanitária, o Buli com tu surge como uma alternativa local a diversos projetos de extensão assintencialistas, procurando sempre trabalhar para a construção da liberdade e saúde plena da nossa população. Este texto tem como proposta descrever, resumidamente, a evolução do projeto desde o seu início até os dias de hoje, deixando aqui um pouco de todas as situações que vivenciamos, no intuito de contribuir para outros projetos de extensão ou simplesmente para as pessoas que estiverem interessadas em conhecer o que passamos neste 1 ano de Buli com tu. Obs: Buli com tu = mexer com você O início do projeto 36

Escrito no ano de 2002, para divulgação do projeto na Universidade de Pernambuco.

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PRÓLOGO Depois de algumas conversas internas, fomos na Paraíba visitar o “Grotão”, projeto de extensão da UFPB, coordenado por Eymard Vasconcellos, da Rede de Educação Popular em Saúde. O Grotão funciona, resumidamente, através de visitas domiciliares em uma comunidade de João Pessoa, feita por estudantes da área de saúde, e trabalhando com as na lógica das idéias da REPS. Depois desta visita é que começamos então a Ter uma idéia mais pragmática de como se estruturaria o nosso projeto em Pernambuco. Na época, o Distrito 6 do Secretaria Municipal de Saúde era coordenado pelo ex-militante da DENEM e do Josué, Mozart Sales (Coordenador geral da DENEM em 1993), o que facilitou em muito a nossa articulação para implementação do Projeto. A ESTRUTURAÇÃO DO PROJETO A Comunidade escolhida foi “Monte verde”, uma área da periferia do Recife, bastante carente do ponto de vista econômico-social ,mas com uma organização política ímpar se comparada com as várias outras comunidades da Região Metropolitana (apesar disto ainda estar muito distante de um ideal). A prefeitura ficou de ceder o transporte para o local, que era relativamente distante da Universidade. Em paralelo, começou-se então a se estruturar algumas pilares básicos de funcionamento do Projeto. Este seria, assim como o Grotão, multidisciplinar e funcionaria inicialmente através das visitas domiciliares. A lógica destas visitas seriam, como já afirmado, baseada nas idéias da REPS e de Paulo Freire, no sentido de promover uma emancipação política daquelas pessoas. No começo, foi bastante confuso a forma como abordaríamos aquelas famílias, como estas idéias poderiam ser colocadas em prática. E isto só ficando mais claro a medida em que começamos a efetivar a nossa práxis, ou seja, só depois de começarmos a visita-los e a parar para refletir em cima desta prática, buscando então um material teórico necessário para entender melhor aquela realidade, e jogando, num eterno ciclo, a nossa produção reflexiva-teórica na nossa atuação na comunidade. As reuniões do projeto começaram de forma semanal e contavam com 15 integrantes, sendo cinco estudantes de medicina, cinco de enfermagem e cinco de odontologia. A seleção ficou a cargo de cada diretório acadêmico. O número no começo foi limitado pois queríamos consolidar as idéias a qual o projeto estava se baseando. A nossa principal

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preocupação era que o Buli com tu se tornasse algo assistencialista, que quando saíssemos da comunidade esta estaria ainda mais carente, tendo em vista que estaríamos desenvolvendo uma dependência deles conosco. Com um número pequeno, pois, conseguimos desenvolver muito bem a ideologia proposta, num processo de construção coletiva com o grupo e sempre revendo nossos conceitos no sentido de aperfeiçoa-los ou modificá-los. A PREPARAÇÃO TEÓRICA PRÉVIA Nas primeiras reuniões decidimos que haveria um espécie de curso de capacitação teórica acerca do conteúdo ao qual queríamos embasar a nossa prática. Vários questionamentos tem que necessariamente serem esclarecidos para uma atuação coerente : O que é extensão universitária? E Educação popular em saúde? E a Contradição e superação da dicotomia opressor x oprimido? Como funcionam as comunidades, do ponto de vista socio-político-econômico? Qual a influência da religião nas vidas das pessoas e nos aspectos citados acima? As respostas a estas perguntas e a muitas outras serviriam para clarear um pouco o início confuso da nossa prática, apesar de sabermos que isto de forma alguma seria suficiente e que as discussões teóricas teriam que ser uma constante no decorrer do projeto. Este “curso” se constitui na forma de oito palestras, uma ou duas vezes por semana. Alguns textos foram selecionados, mas não de uma forma tão eficiente quanto a da segunda preparação, que aconteceu na entrada de novos membros, onde foi feito um caderno de textos. A conclusão que tiramos desta discussão prévia é que, apesar de no começo ela ser interessante no sentido de tornar nossa atuação um pouco menos nebulosa, por volta da terceira ou quarta palestra já estávamos tão ansiosos para ir a campo, para ver como a realidade acontece, que decidimos antecipar a nossa ida. Concomitantemente às palestras, portanto, começamos a visitar todo Sábado de manhã a comunidade de Monte Verde. A PRIMEIRA ATIVIDADE EM CAMPO. O DIAGNÓSTICO DE SAÚDE DA COMUNIDADE : OS ASPECTOS SOCIAL, POLÍTICO, ECONÔMICO E CULTURAL A nossa primeira ação nas comunidades foi tentar entender como ela funcionava, dos diversos pontos de vista. Primeiramente visitamos as principais lideranças de monte verde: A presidente e o vice da associação de moradores, um pastor e uma agente de saúde. Foram as pessoas que o vicepresidente da associação, que era a nossa principal ponte com a comunidade,

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indicou (nós o conhecemos através da secretaria municipal de saúde). Foram conversas informais onde elaboramos algumas perguntas básicas: 1)Quantas pessoas tinham na casa? Idades? Alfabetizadas? Ocupações? Qual a condição de saúde da casa e da comunidade? 2)Qual o tipo de casas da comunidade? Para onde vai o lixo? Como é o saneamento básico? Qual o destino das fezes? Tem abastecimento e/ou tratamento de água? 3)Tem plano de saúde? Quando tem problemas de saúde, para onde vai? Quais os meios de comunicação e transporte? 4)Participa de grupo comunitário? Qual o lazer das pessoas na comunidade? Isto foi um roteiro que elaboramos e que usamos no começo das visitas. Depois de um tempo ele não foi mais necessário, pois as conversas fluíam mais fácil e naturalmente. Percebemos, com a aplicação destas perguntas, que a comunidade tinha um padrão bem claro de comportamento e mais ou menos uniforme na maioria dos aspectos citados, sendo que estes começavam a mudar mais de acordo com a situação econômica das famílias visitadas. Por exemplo : no que se refere ao lazer, quase todas as pessoas reclamavam bastante pois monte verde era bastante isolado, que o último ônibus era às dez da noite, que não havia praças, etc. 3. AS 4 LINHAS DE ATUAÇÃO NA COMUNIDADE : No começo do Buli com tu, como já exposto, a única linha de atuação em monte verde eram as visitas domiciliares. Com o passar do tempo, depois que começamos a ver como a comunidade funcionava e uma série de necessidades que a mesma apresentava, novas propostas de ação foram sendo elaboradas pelo grupo, que progressivamente foi colocando em prática. As frentes então ficaram em número de quatro; são elas: As visitas domiciliares As visitas são feitas em dupla, se possível com dois estudantes de cursos diferentes, onde a principal ação são as conversas sobre saúde com a família visitada. Uma área é escolhida, e cada dupla fica responsável por mais ou menos dez famílias.

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Os trabalhos coletivos no posto de saúde Os trabalhos coletivos são constituídos basicamente por palestras sobre algum tema sobre saúde que esteja no cotidiano daquela população. DST, gravidez na adolescência, diabetes, hipertensão, etc. eram temas potenciais para serem abordados nestes encontros. A divulgação era feita pela rádio comunitária e pelas nossas próprias visitas às casas. A capacitação das agentes de saúde Conversando com as agentes de saúde, uma das principais críticas que elas expunham era a falta de programas de reciclagem do trabalho das mesmas. Afirmavam que, à época em que iriam começar o serviço, tiveram uma capacitação de três meses e que este foi o único momento em que discutiram a teoria do seu trabalho. A partir daí então surgiu a idéia de montar algumas palestras e discussões no sentido de trabalhar em cima desta necessidade real da comunidade. A Rádio Comunitária Em Monte Verde existe uma rádio comunitária que tem uma grande difusão na comunidade. Esta rádio fica na própria associação de moradores, o que facilitaria em muito a nossa ação nela. Surgiu então a idéia, especialmente discutida depois do Encontro Nacional da Rede de Ed. Popular em Saúde em agosto de 2001 em Brasília, de se fazer um programa no Sábado de manhã, que discutisse a sobre vários temas relacionados a saúde. 4. OS ESPAÇOS EXTRA-COMUNIDADE Os espaços fora da nossa atuação em campo se constituem fundamentalmente como espaços de reflexão em cima da prática, no intuito de que o produto deste momento seja usado nas próximas ações práticas do grupo. Os momentos pós-visita Os momentos que sucedem as visitas no Sábado de manhã são espaços riquíssimos de reflexão em cima do acontecido horas atrás. “Pô, seu Franscisco está desempregado e além disso não toma o remédio para diabetes”. Então a partir daí começa toda uma discussão coletiva em cima da experiência vivenciada por uma das pessoas do grupo. Estes momentos são fundamentais para o próprio grupo perceber, por exemplo, que o problema

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de D. Maria, que tem pressão 120x150 e que mesmo assim não toma o remédio nem vai ao médico, não é um problema de má-vontade e preguiça, como ela mesmo afirmou. É porque para ir ao posto, conforme disse Seu João, que é visitado por outra pessoa do grupo, é preciso acordar às três horas da manhã e subir uma ladeira que, se alguém vir o estado de saúde de D. Maria, percebe claramente que ela não tem condições fazer isto. Então são destes espaços que saem as grandes idéias e linhas de ação do projeto. O problema do desemprego, que em monte verde é crônico, foi discutido pelo grupo, de onde saiu a idéia de se tentar montar uma cooperativa de trabalho na comunidade, além de organizar uma feira de saúde para mobilizar as pessoas e arrecadar dinheiro para a própria cooperativa. Por que isto? Porque a partir do momento em que uma cooperativa tivesse firmada, aquela população estaria muito mais autônoma do que estava antes. Perceberiam o que muitas vezes a sua condição social e econômica os impede, que, se conseguirem se organizar politicamente, sua força como coletivo é muito maior do que suas forças individuais somadas. A partir, portanto, do confronto entre as teorias que embasam o Buli com tu e a realidade da nossa população, surgem as idéias citadas acima, que consideramos o grande “curinga” do nosso projeto. As palestras no meio da semana : a lógica prático-construtivista de construção do conhecimento Devido a uma demanda do próprio grupo, que percebeu a importância de discutir alguns temas que eram vivenciados no dia-a-dia no trabalho de campo na comunidade, freqüentemente são convidadas pessoas para explanarem sobre algum assunto escolhido pelo grupo, entre uma manhã de Sábado e outra. Sexualidade e Saúde da mulher e do homem foram alguns já discutidos pelo Buli com tu. Esta lógica de absorver o conhecimento teórico, construindo-o através de necessidades surgidas nas experiências práticas, ou seja, de uma forma “prático-costrutivista” (diferentemente do normal da faculdade, onde o estudante vai para a aula teórica e usa a prática apenas para demostrar o conhecimento teórico) é um dos maiores trunfos do Projeto. Esta nova experiência foi fundamental no próprio processo de Reforma Curricular da Faculdade, onde um dos eixo de aprendizagem se chama “eixo práticocosntrutivista”. Claro que não fomos nós que inventamos esta nova lógica de aprendizagem, mas, fazendo uso dela conseguimos ganhos de conhecimento

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que motivam cada vez os integrantes do grupo. 5. PILARES TEÓRICOS ATUAIS, CONCLUSÃO E BIBLIOGRAFIA Depois de um ano de projeto, temos como uma base teórica do projeto mais ampliada e clara do que no começo, assim como uma ação prática muito mais qualificada. Identificamos hoje no Buli com tu alguns referenciais teóricos: -

Práxis como principal método de amadurecimento prático e teórico do grupo;

-

Práticas de saúde baseada nas necessidades de saúde da população;

-

Extensão Universitária como emacipadora da população e como algo capaz de produzir novas práticas que possam inovar diretamente o ensino na Universidade;

-

Aprendizado baseado numa lógica prático-construtivista;

-

Uso da Educação popular em saúde como prática emacipadora da população;

-

Sistema e profissional de saúde com prática cuidadora e promotores de uma saúde plena (bio-psico-social) para a população, não aceitando a idéia da “cesta básica de saúde”;

-

Trabalho multidisciplinar sempre que possível;

-

E, consequentemente, valorização da cultura popular, da comunidade como um todo e dos indivíduos que dela fazem parte.

E para concluir, gostaria de deixar aqui a sugestão de algumas leituras ao qual nos identificamos bastante no projeto e que foram fundamentais neste 1 ano de Buli com tu: 1. Educação Popular nos Serviços de Saúde. Eymard Vasconcellos.

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2. Ed. Popular nos Programas de Saúde da Família. Idem. 3. Pedagogia do Oprimido. Paulo Freire. 4. Educação como Prática para Liberdade. Idem. 5. Caderno de Extensão da DENEM, 2000. Assessoria de Extensão da DENEM. 6. Caderno de Textos do Buli com Tu. DA Josué de Castro, UPE. E como autores: Edgar Morin, Emerson Merhy, Gastão Wagner, Boaventura de Souza Santos e Michel Foucaut.

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