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O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor 2
Jorge Amado (1983, p. 33 e 34)
Os pais de Sinhá haviam saído em busca de alimento. A Andorinha tinha visto o Gato vir vindo e o esperava sorridente. Gato Malhado pára embaixo da árvore, espia, descobre a Andorinha... – Não me diz bom dia, seu mal-educado? – Bom dia, Sinhá... – havia até certo acento harmonioso na voz cava do Gato. – Senhorita Sinhá, faça o favor. E, como se ele fizesse uma cara triste (era ainda mais feio quando ficava triste), ela concedeu: – Vá lá... Pode me chamar de Sinhá se isso lhe dá prazer... E eu lhe chamarei de Feio. – Já lhe disse que não sou feio. – Puxa! Convencido! É a pessoa mais feia que eu conheço. Junto de você minha madrinha Coruja é prêmio de beleza. Afinal, que fazia ele ali? Pensava o Gato Malhado. Aquela jovem Andorinha, apenas uma adolescente, não o trata com devido respeito [...] Era o resultado de ter ele dado confiança a uma jovem andorinha qualquer. Que era ela senão uma estudante, aluna de religião do Papagaio, que podia ter na cabeça, que espécie de conversa podia manter com ele, um gato sério, viajado, que se considerava um ser superior, mais culto do que toda a gente do parque e que se achava – principalmente – um gato bonito? Resolveu retirar-se e nunca mais voltar a falar àquela desrespeitosa andorinha (ah! Seus pés como chumbo, como se tivessem toneladas de chumbo...) Faz um esforço: – Até logo... – Está aí, se ofendeu... Ainda é mais convencido do que feio... ... Agora não eram apenas os pés que já não lhe obedeciam, também a boca se abria em riso quando ele queria falar sério, com um ar de zangado [...] A Andorinha continuava, num palrar incessante, linda adolescente dos campos, cuja juventude domina tudo em derredor: – Não precisa ir embora. Não lhe chamo mais feio. Agora só lhe trato de formoso. – Não quero também... – Então, como vou lhe chamar? – Gato.
– Gato não posso. – Por quê? Será que ela entristecera? Agora sua voz já não é brincalhona. O Gato Malhado repete a pergunta: – Por que não pode? – Não posso conversar com nenhum gato. Os gatos são inimigos das andorinhas. – Quem lhe disse? – É verdade. Eu sei. O gato fez a cara mais triste do mundo. A Andorinha Sinhá, que amava a alegria e não podia ver ninguém triste, continuou: – Mas nós não somos inimigos, não é? – Nunca. – Então, nós podemos conversar. Mas logo acrescentou: – Vá embora que Papai vem aí. Depois eu vou à ameixeira conversar com você, Feião... O gato ri e trata de sumir entre as moitas de capim que cresce por ali. Estava novamente alegre. Enquanto atravessava agilmente por entre o mato, vai recordando o diálogo com a Andorinha, a voz melodiosa volta a ressoar em seus ouvidos. Questões: 1) Considere as alterações no tom de voz das personagens, palavras de ofensa e respiração. Um tom de voz pode mudar tudo numa conversa, palestra ou reunião. Palavras mal empregadas ofendem as pessoas e podem gerar antipatia relacional. 2) Descubra as figuras de estilo e de linguagem. Perceba a ironia na conversa, o tom de suspense, o exagero. Como é rica em sentidos e significados a comunicação. Considere esses aspectos enquanto estivermos caminhando nas “aulas de comunicação e oratória” em nossa obra Falar Bem é Fundamental. 3) Veja também o poder que o amor é capaz de gerar nas palavras e, sobretudo, nos relacionamentos. Palavras ditas com terno amor podem transformar situações improváveis, até mesmo “impossíveis”, em histórias de admiração recíproca.
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MÓDULO I: História da Oratória e Concepções de Linguagem 4
Quem Pede a Palavra? “A palavra a seu tempo quão boa é” - Provérbios de Salomão 15 : 23 Quem pede a palavra? Assim iniciava uma reunião na Assembléia ateniense da Grécia antiga. Logo após a leitura da pauta dos assuntos a serem debatidos no dia, o “mestre de cerimônias” abria o evento, desafiando qualquer pessoa presente a fazer alguma consideração relevante. Sobre esse assunto comenta Pessanha (apud REZENDE, 1986, p. 44): De direito, qualquer cidadão podia fazê-lo. Porém, de fato, assumiam o comando das discussões aqueles que sabiam manejar bem as palavras: os hábeis na arte da argumentação e persuasão. Por isso, a eloqüência tornou-se instrumento fundamental do poder.
Dava-se tanta importância ao falar eloquente, nos primórdios da cultura grega, quanto realizar grandes proezas. Até o século VI a.C, a arte de falar em público era vista como um dom natural e privilégio de poucas pessoas, em geral pertencentes à aristocracia grega. Com o fim das tiranias e a instituição das assembléias e conselhos populares nas póleis, o cidadão comum passou a reconhecer a importância de dominar bem a oratória. Mais tarde, na metade do século V a.C, a eloqüência tornou-se uma capacidade que podia ser adquirida e desenvolvida através de estudo e treinamento. O primeiro manual sobre a Retórica surgiu em Siracusa, na Sicília, em 465 a.C, escrito por Córax e Tísias. O mais renomado foi “A Arte Retórica”, de Aristóteles (384 a 322 a.C) que escreveu três livros: o primeiro, 15 capítulos -”Do Que Fala; o segundo, 26 capítulos -”Do Que Ouve” - o terceiro, 19 capítulos -”Da Mensagem”. Com o advento dos sofistas1, a oratória recebeu um grande impulso e, poucos anos depois, chegou ao apogeu em Atenas. O período que vai de 415 a.C a 323 a.C assinala a época áurea da oratória Ática.
A força da oratória em Atenas A ovacionada democracia ateniense exercida somente pelos chamados “cidadãos” – os homens livres e nascidos na cidade, excluindo-se as mulheres,
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O termo sofista significa “especialista do saber”. A sofística utilizava como principais temas a ética, a política, a retórica, a arte e a educação. Os sofistas eram pragmáticos. Foram os primeiros professores de retórica na expressão profissional do termo: cobravam pelos trabalhos realizados com seus alunos (atitude considerada um absurdo na época).
os escravos e os estrangeiros - era convergência de excelentes oradores. Estes, como Péricles, grande líder ateniense, conquistavam o poder através da força eloqüente - a conquista do poder pelo trato com as palavras. Com a Oratória em alta – as escolas gregas investiam nessa disciplina – a cada dia aumentava a quantidade de professores de retórica em Atenas que se apresentavam como sábios - os sofistas - com o objetivo de capacitar os jovens para a vida pública de sucesso.
Platão, Sócrates e a Política Um dos expoentes da Filosofia grega, Platão, de família tradicional e aristocrata, conhecedor dos bastidores da cena política, na sua juventude também desejou dela participar (Carta VII – Platão aos parentes e amigos de Dion): Outrora, em minha juventude, tive a mesma ambição que muitos jovens. Prometi a mim mesmo que, desde o dia em que fosse senhor de minhas ações, entraria imediatamente na carreira política.
Um acontecimento na vida do jovem pensador ateniense mudou completamente sua visão de sociedade: Platão conheceu Sócrates2, o perguntador implacável. Ele afirmava saber apenas que não sabia. E por isso perguntava, perguntava, pouco afirmava. Dizia que sua missão era de conhecer a si mesmo e levar também os outros ao autoconhecimento, à conquista da própria alma. Para chegar ao autoconhecimento se fazia necessário o diálogo bem conduzido. Sócrates começava por demolir as opiniões frágeis e enganosas, as noções equivocadas e sem base, desprovidas de consistência e utilizava-se da dialética - uso de perguntas e respostas - para derivar o discernimento e a verdade. Platão via Sócrates realizar esse trabalho de ajudar as pessoas a se libertarem de opiniões aparentemente sensatas, mas que reconheciam pensar que pensavam, quando, na verdade, não sabiam dizer claramente o que estavam pensando, e o via auxiliar os que se dispunham ao esforço de conhecer, após admitirem a própria ignorância: esforço para darem à luz opiniões mais sólidas e fundamentadas. A concepção de vida de Sócrates custou-lhe a morte. Como sabemos, ele foi acusado perante a Assembléia de corromper a juventude e condenado à morte, em 399 a.C., bebendo veneno.
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Sócrates usava o método dialético que se constituía de dois momentos: a “refutação” e a “maiéutica” (expressão criada pelo filósofo e quer dizer: “parto” intelectual).
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Platão e a crítica à arte retórica e aos sofistas 6
O motivo da morte de Sócrates levou Platão a seguir outro destino intelectual e político, aprendendo uma lição dolorosa: sua cidade, apesar de “democrática”, estava longe de ser uma cidade ideal, posto que nela um justo como Sócrates não pudera continuar vivendo. Fazer política torna-se, para Platão, projetar e tentar construir essa cidade ideal digna de puramente formal de persuasão. O uso da retórica com caráter manipulativo mais o fato de a democracia ateniense nao ser democrática, como parecia, levaram Platão a ter sérios conflitos e a fazer duras críticas à retórica. Platão considerava o ato retórico um perigoso meio de manipulação, pelo fato de muitos utilizarem a retórica como forma de convencimento pela força das palavras e emoções, sem conteúdo condizente e transformador. Ele tornou-se um crítico mordaz dos maiores responsáveis pela expansão da retórica numa forma manipuladora, os sofistas. Sobre esses, Platão afirmou serem os sabe-tudo e afirmava que eles transmitiam um “saber pronto” (inquestionável), sem crítica. Dizia que o sofista faz retórica onde o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem transmitir conhecimento algum. O problema dos sofistas que mais incomodava era o fato de eles se julgarem os mestres do saber. Muitos jovens da elite financeira afluíam a eles, dispostos a pagar bastante dinheiro para aprender o que apregoavam ensinar. Como no regime democrático de Atenas o exercício da função política dependia do bom uso da palavra, os sofistas tinham o respeito de todos pela qualidade técnica na arte de falar, tanto em discursos longos, quanto breves (perguntas e respostas). Apesar da crítica de Platão, a retórica3 foi significativa para a democracia ateniense. Grandes oradores fizeram um bom uso dela. Suas técnicas estenderam-se a outros povos. Chegaram à poderosa Roma.
Cícero e o preço da manipulação Com o tempo, a Oratória ocupa um lugar mais amplo, passando a ser um composto de técnica e argumento, incluindo o ato retórico - representando este somente uma faceta da arte de falar em público - sendo encarada como algo que exigia ética de todos quantos dela desejassem fazer uso. A oratória, nos idos do século I d.C, tornou-se uma das disciplinas mais importantes do currículo escolar de Roma, que mostrou ao mundo a força da oratória e o seu uso demagógico. Marco Túlio Cícero (106 - 43 a. C), o maior e mais perfeito orador que se tem notícia, para muitos historiadores, era desprovido de caráter, de conduta ética política e pessoal.
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Para Aristóteles, o objetivo da retórica é o de “persuadir” ou, mais extremamente, o de descobrir quais são os modos e meios para persuadir. A retórica apresenta analogias com a lógica e a dialética. Foi ensinada nas universidades da Idade Média, junto com a lógica e a gramática. No século XIX foi uma parte central da educação ocidental, no treinamento de treinar oradores e escritores.
Enquanto demagogo, Cícero foi desmascarado pelo imperador Marco Antonio, que mandou decapitá-lo - expondo em praça pública sua cabeça, mão e língua: era a renegação à pessoa que manipulava criminosamente a comunicação.
A evolução histórica da oratória O poder manipulativo da retórica continuou por toda a Idade Média, quando o conhecimento e a persuasão ficaram submissos aos ditames do Clero Católico. A partir de Tomás de Aquino (1225 a 1274) com o apogeu da Escolástica Medieval, é estabelecido o equilíbrio entre Fé e Razão - Teologia e Filosofia tratando, à própria maneira, do mesmo objeto: Deus, por exemplo. Distingue-se a ferramenta utilizada. A Filosofia utiliza as luzes da razão natural; a Teologia se vale das luzes da razão divina manifestada na Revelação (a Bíblia). Mas a força retórica continuou ainda com seu sentido de manipulação. O conhecimento era empurrado “goela a baixo” pela persuasão carregada de emoção e misticismo - o discurso do clero - ou de argumentos aparentemente lógicos, mas de caráter mitológico da filosofia grega. Com o Racionalismo Cartesiano (René Descartes, 1596 a 1650), a razão humana é enfatizada como a capacidade exclusiva de conhecer e estabelecer a Verdade. O empirismo e o misticismo são rejeitados; este último porque a razão deve rejeitar qualquer intervenção dos sentimentos e das emoções - sem provas lógicas, não há verdade, era o sentido proposto pelo Racionalismo. Friedrich Hegel (1770 a 1831) trata a dialética como uma das matizes fundamentais de sua caminhada filosófica. Ele quer que o saber e as verdades sejam resultado de um longo processo de discussão e troca de idéias: tese, antítese e síntese. A verdade é sintética, diz ele. Na Antigüidade encontramos os filósofos gregos tratando dessa questão com grande capacidade e solidez. Como conceito, a dialética significava a arte do diálogo, a arte de discutir. “O que sabe interrogar e responder, não é o que chamamos um dialético?” Perguntava Platão. Entre os gregos, a dialética era a arte de distinguir as coisas em gêneros e espécies, classificando as idéias para poder discutir melhor. Dos pré-socráticos aos filósofos modernos, o tema da dialética esteve sempre presente entre os grandes pensadores, nas importantes escolas do pensamento. A partir de Hegel a dialética passou a dominar os diversos momentos da reflexão filosófica em debates e discursos. A dimensão dialética em Hegel deve ser analisada pelas seguintes óticas: a dialética do ser, da essência, do conceito, da relação entre essência e conceito e a dialética da idéia, entre outros conceitos hegelianos. Hegel organiza seu sistema filosófico a partir de dois pontos de partida, a fenomenologia do espírito e a ciência lógica. Para ele, afirma Rezende (1986, p. 137) a fenomenologia
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[...] é o verdadeiro fundamento de toda a reflexão filosófica [...] é sobretudo a descrição de uma dialética própria do Espírito que o transporta até o começo do filosofar [...]. A Fenomenologia apresenta um movimento dialético do espírito que tem como ponto de partida a certeza sensível que progride até o saber absoluto.
A Fenomenologia é o caminho que o espírito percorreu através da consciência humana para chegar a si mesmo. O homem se descobre, tornando-se sujeito histórico. E é fundamental o processo dialético para a descoberta do ser. Não nos descobrimos sozinhos, precisamos interagir, precisamos do outro – como se fala na linguagem hodierna: feedback – dar e receber informações.
Século XXI: auditórios dialéticos e subjetivos O orador do Século XXI tem diante de si platéias que foram se constituindo em torno desse conceito filosófico hegeliano, são auditórios dialéticos, querem uma interatividade, têm sede de feedback, mesmo as pessoas de simples reflexão, de conhecimento empírico, sem formação acadêmica. Somos uma geração dialética. Hegel considera a lógica como o primado da ciência pura e a grande responsável pela demonstração da identidade entre pensar e ser. Somos o que entendemos que somos. A verdade deve ser explicada e entendida. Engels e Marx, mais tarde, recebem forte influência hegeliana, especialmente em se tratando das categorias filosóficas que fundamentaram o Materialismo Histórico. Por outro lado, a intersubjetividade vivenciada no existencialismo sartreano4 aponta um aspecto significativo na força persuasiva da comunicação - bem expressa por Hegel, anos antes, conforme comenta Rezende (1986, p. 198): A sua intuição genial, expressa na dialética do mestre e do escravo, foi mostrar que a consciência depende, em seu próprio cerne, para ser, do reconhecimento de outra consciência: eu só sou na medida em que o outro me reconhece como tal.
A Filosofia Analítica, iniciada no final do Século XIX, é um modo de fazer filosofia acreditando serem os problemas filosóficos possíveis de se resolver por meio de uma análise da linguagem. Nessa perspectiva, a A Filosofia deve preocupar-se com o esclarecimento das expressões linguísticas e, mais abstratamente, com questões sobre a significação, a verdade, a referência.
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O existencialismo foi termo aplicado a uma escola de filósofos dos séculos XIX e XX. O filósofo Soren Kierkegaard (início do século XIX) é considerado o pai do existencialismo. Um dos seus importantes representantes foi o filósofo francês Jean Paul Sartre. Tal escola filosófica tem influenciado grandemente os auditórios do século XXI, sobretudo a classe pensante e intelectualizada.
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A atenção para as expressões linguísticas e seus elementos constitutivos revela um cuidado para com a maneira pela qual falamos das coisas e dos problemas levantados. O que a proposição a seguir que dizer? “O Brasil assinou um novo acordo com o FMI”. Que Brasil é esse? Será que podemos traduzir na frase seguinte? “Os brasileiros assinaram um acordo com o FMI”. É verdade que todos os brasileiros assinaram o tal acordo? Se não é, então as duas proposições não estão dizendo a mesma coisa. Podemos pensar na seguinte frase: “O ministro da Fazenda assinou um acordo com o FMI”. Mas, ainda que seja o representante do Brasil, o ministro da fazenda também não é o Brasil. Veja a complexidade da comunicação. Pense no desafio que é falar em público. Porque não é somente uma questão de conteúdo e forma. É preciso o conhecimento na matéria. A forma deve ser persuasiva e honesta (sem manipulação), mas há o próprio jogo das palavras, o sentido daquilo que realmente queremos dizer. Já ouviu alguém tentando explicar uma situação, mas que por mais que fale, argumente, explique exaustivamente, o interlocutor não compreende e ainda reage negativamente, como se fosse insultado, ofendido? O que fala tenta justificar-se: “Não era bem isso que eu queria dizer. Você não entendeu... Eu não queria ofendê-lo”. A boa comunicação implica evitar as inadequações e as confusões que a linguagem pode oferecer.
Wittgenstein e os jogos da linguagem O trabalho de Ludwin Wittgenstein (1889 a 1951), filósofo vienense, estudioso da linguagem,
explicando
a
necessidade
de
compreensão
das
imprecisões
e
generalizações dos termos da linguagem ordinária, destaca que falar a respeito de objetos é diferente do falar de nossas sensações. É como se praticássemos jogos de regras diferentes. As regras de futebol não são as mesmas do vôlei. Não dá para analisar uma a fim de entender a outra. Wittgenstein admite diversas maneiras de se usar a linguagem; o que, para ele, representa a existência de vários jogos de linguagem, com suas regras próprias. Sobre isso, Wittgenstein (1979, p. 209) indaga: Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando, talvez? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego daquilo que chamamos de ‘signo’, ‘palavras, ‘frases’. E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são esquecidos [...] O termo ‘jogo da linguagem’ é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida.
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O jogo de palavras constitui-se num dos maiores desafios da comunicação humana. Pode representar o sucesso ou o fracasso do orador/palestrante (ou mesmo da relação entre marido e mulher, da comunicação no cotidiano das empresas e outros). Wittgenstein (1979, p. 18 e 19) destaca: Imagine a multiplicidade de jogos de linguagem por meio destes exemplos e de outros: comandar e agir segundo comandos, descrever um objeto conforme aparências ou medidas, produzir um objeto segundo uma descrição (desenho), relatar um acontecimento, conjecturar sobre o acontecimento, expor uma hipótese e prová-la [...]. É interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e seus modos de emprego, a multiplicidade das espécies de palavras e frases com aquilo que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem.
A multiplicidade da linguagem para Wittgenstein - o uso das palavras, da sintaxe, das expressões idiomáticas, a linguagem natural - contém grande valor, pois aponta todas as distinções estabelecidas pelos homens durante os séculos, fazendo uso dela.
Austin e as funções da linguagem O trabalho de John Austin (1911 a 1960) em relação à linguagem inclui a função constativa e a função performativa da linguagem. A primeira se atém ao modo pelo qual empregamos as palavras. É uma forma mais descritiva. A segunda é uma sistematização das expressões lingüísticas. Os atos da fala, como o de prometer casar-se, afirmar, negar, representam a função performativa da linguagem. Quando falamos para determinado público - um auditório de acadêmicos da área de humanas, por exemplo - tanto o aspecto constativo (São Luís é uma cidade de forte evolução turística) quanto o performativo da linguagem do palestrante (vamos morar em Florianópolis) irão reverberar, ganhar sentido e valor, se estiverem coadunados com os sentimentos, a motivação, as informações e o interesse do público-alvo – assunto conhecido deve tornar-se interessante por meios de estímulos criativos, ilustrações, humor; assunto desconhecido requer a busca de meios para estimular o auditório a continuar nos ouvindo – as aplicações para o cotidiano, por exemplo.
Você pede a palavra? Falar bem não é somente falar bonito, empolgar pela retórica, como ocorrera inúmeras vezes na antiga Grécia. Não é um falar técnico sem conteúdo coerente. Falar bem é, antes de tudo, o conhecimento da linguagem e sua aplicação adequada a determinado
tipo
de
auditório.
Acompanha
o
tempo
e
a
história.
O
orador/comunicador deve estar “antenado” com as dinâmicas da comunicação, ficando
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“por dentro” da cultura do auditório. Precisamos saber com quem estamos falando, antes de querer falar. O século XXI pede um orador leve, dinâmico, intuitivo, sensível, de voz clara, conteúdo objetivo, com boa técnica de articulação vocal e saudáveis argumentos, sem a mania de grandeza do tal “sabe tudo” sofístico. O auditório deste século ainda está em formação. Por enquanto, vive das conseqüências complexas das gerações dos séculos anteriores. Por vezes, é de um racionalismo cartesiano impressionante. Tornando-se absolutamente cético, descrente do que ouve, rejeitando qualquer conhecimento empírico ou com pitadas de misticismo. Em outros casos, é hegeliano, dialético, discute, troca idéias exaustivamente, quer ser convencido, desde que seja com base em diálogos marcados pela tese e a antítese para, assim, chegar à síntese. O auditório contemporâneo está aberto à persuasão e se submete à manipulação de místicos, de religiosos, de comunicadores de faz-de-conta e tantos outros que, às vezes, têm interesses mal intencionados. Geralmente nos nossos cursos de Comunicação e Oratória e nas palestras ministradas nas universidades, encontramos discentes que possuem um misto de influências, indo desde o materialismo histórico, passando pela dialética hegeliana, até chegarem ao misticismo vazio de um Paulo Coelho. É uma miscigenação confusa e complexa a ser compreendida pelos palestrantes do Século XXI. Temos também auditórios cuja marca fundamental é a intersubjetividade impregnada do existencialismo sartreano. Para esses, a vida é uma experiência. Todo conhecimento, científico ou não, é uma experiência válida. Nada é absoluto. Tudo é bom em si mesmo. Vale o momento. Estamos também vivendo a era do jogo de palavras, conforme concepção wittgensteiana. É um jogo em que muitas palavras têm um sentido por trás do sentido. É o caso de parte da música brasileira. Uma palavra cujo seu sentido real parece inofensivo, torna-se extremamente mal intencionada e dúbia – isso ocorre com a chamada música brega, a sertaneja, os forrós e os grupos de pagodes. O trabalho de John Austin é importante para a proteção do orador. Tendo consciência de como usar termos e expressões dentro da realidade de cada auditório, o orador poderá seguir um trilha segura e de sucesso. Outro fator a considerar é que, com o advento e a força da interatividade virtual, palestrantes e outros comunicadores devem ter a capacidade de seduzir com criatividade, através de imagens e palavras. A internet possibilita aos usuários que simplesmente recusem o que não lhes atrair. Líderes religiosos, professores e comunicadores em geral são desafiados a encontrar alternativas para atrair internautas e incluenciar com palavras e idéias.
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PARA REFLETIR E RESPONDER 12
Neste módulo estudamos sobre a História da oratória o valor da linguagem. Com base no que você leu deste módulo, responda: 1 - Qual o valor da oratória para os gregos dos tempos antigos? 2 - Por que Platão teve “barreiras” com a retórica de sua época? 3 - Fale sobre os sofistas e dê sua opinião (eles eram bons ou ruins para os que desejavam falar bem?) 4 - Você acha que assim como Cícero existem oradores nos nossos dias que “manipulam” a oratória? Se SIM, mencione o que isso pode causar nas pessoas “manipuladas”. Se NÃO, justifique. 5 - Diferencie linguagem constativa de linguagem performativa. Dê exemplos. 6 - Escolha um dos seguintes estudiosos e faça uma pesquisa sobre o que a linguagem (ou a oratória) representava para ele (o nome que você escolheu). Veja a lista: Aristóteles, René Descartes, Friedrich Hegel, Ludwin Wittgenstein ou John Austin.
Bons estudos. Pensar e falar com emoção e convicção podem dar brilho à sua oralidade.
ENVIAR AS RESPOSTAS PARA O E-MAIL: marcosoares2020@gmail.com
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Contatos com o autor: (98) 98847 9550