Perfeição Original, As Cinco Transmissões Inicias de Vairotsana

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PERFEIÇÃO ORIGINAL


Perfeição Original ____________________________________________ AS CINCO TRANSMISSÕES INICIAIS DE VAIROTSANA

________________________________________ Tradução e Comentário

Keith Dowman Préfacio de

Bhaka Tulku Pema Rigdzin Adaptado ao português por

Kadag Lundrub (Marcos Paulo)


Wisdom Publications 199 Elm Street Somerville, MA 02144 EUA www.wisdompubs.org © 2013 Keith Dowman Todos os direitos reservados. Uma edição anterior deste livro foi publicada pela Vajra Publications, Kathmandu, Nepal, em 2006, sob o título Eye of the Storm. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotografia, gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informação ou tecnologias agora conhecidas ou desenvolvidas posteriormente, sem permissão por escrito do editor. Dados de catalogação na publicação da Biblioteca do Congresso Vairocana, oitavo sec. [Olho da tempestade] Perfeição Original: Cinco Transmissões Iniciais de Vairotsana / Tradução e Comentários por Keith Dowman; Prefácio de Bhakha Tulku Pema Rigdzin. páginas cm Uma edição anterior deste livro foi publicada pela Vajra Publications, Kathmandu, Nepal, em 2006, sob o título Eye of the Storm. Inclui referências bibliográficas e índice. ISBN 0-86171-680-9 (pbk .: papel alk) 1. Rdzogs-chen. I. Dowman, Keith, tradutor, escritor de comentário adicionado. II. Título. BQ7662.4.V35 2013 294,3'420423 — dc23

2012049881


ISBN 9780861716807 eBook ISBN 9781614291350 17 16 15 14 13 5 4 3 2 1 Design da capa por Phil Pascuzzo. Design de interiores por Gopa & Ted2, Inc. Conjunto em Garamond Premier Pro 11/14. Os livros da Wisdom Publications são impressos em papel sem ácido e atendem às diretrizes de permanência e durabilidade das Diretrizes de Produção para a Longevidade do Livro do Conselho sobre Recursos da Biblioteca. Impresso nos Estados Unidos da América. Este livro foi produzido com atenção plena ambiental. Optamos por imprimir este título em papel reciclado de 30% de PCW. Como resultado, economizamos os seguintes recursos: 6 árvores, 3 milhões de BTUs de energia, 488 lbs. de gases de efeito estufa, 2.649 litros de água e 177 lbs. de resíduos sólidos. Para mais informações, por favor visite nosso website, www.wisdompubs.org. Este documento também é certificado pelo FSC®. Para mais informações, visite www.fscus.org.


Dedicado aos os mestres da grande perfeição, conhecidos e desconhecidos, quem quer que sejam, onde quer que estejam, no entanto, eles aparecem.


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CONTEÚDO _______________________________________________________________

Prefácio de Bhakha Tulku Prefácio à Edição Americana Introdução do Tradutor A Canção do Cuco da Presença Pura Criatividade Radical O Grande Garuda em Voo O Minério de Ouro Puro O Estandarte da Vitória Eterna: O Vasto Espaço de Vajrasattva Apêndices O Texto Tibetano e os Comentários A Terminologia da Série da Mente Bibliografia Selecionada Sobre o Tradutor


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PREFÁCIO _______________________________________________________________

OS CINCO TEXTOS traduzidos para o português neste livro são considerados a primeira transmissão do Dzogchen Ati ao Tibete. Eles foram transmitidos por um monge Tibetano chamado Vairotsana, que se distinguiu não só no campo da tradução, emergindo como o maior dos lotsawas (tradutor) Tibetanos, mas também como um viajante e peregrino que deixou a Terra das Neves para as colinas do Hindu Kush para trazer de volta um cânone de textos Dzogchen de sua fonte cuidadosamente guardada. Voltando de Oddiyana, onde ele havia recebido a transmissão do Dzogchen Ati de Shri Singha, ele imediatamente traduziu esses cinco tantras para o Tibetano, e eles ficaram conhecidos como as Cinco Transmissões Iniciais ou Traduções (snga ’gyur nga). Elas constituem a raiz e a essência do Dzogchen no Tibete – preceitos básicos e crus do Dzogchen que são apropriadamente designados "Dzogchen radical". Os tulkus na tradição Nyingma, considerados emanações do coração da realidade, foram treinados nos ritos e devoções da linhagem, nas meditações e iogas do Vajrayana, na filosofia Budista da Índia e do Tibete e nos meios hábeis de ajudar os outros não apenas no caminho da liberação, mas na melhoria do seu sofrimento no samsara. Mas o que precede tudo isso em significado e prioridade, o que lhe dá sentido e o que facilita a partilha do Budadarma é o Dzogchen Ati. Este é o ensinamento especial e extraordinário de nossa linhagem Nyingma. Os grandes mestres, incluindo Vairotsana, Padmasambhava e Vimalamitra, todos atingiram a realização através do Dzogchen, todos os mestres contemporâneos devem seu status ao Dzogchen, e qualquer realização no futuro será baseada nos preceitos do Dzogchen Ati. E embora haja um grande número de textos revelando os vários preceitos do Dzogchen – na Série da Mente, da Matriz e do Preceito Secreto, os Ciclos Elaborados, Simplificados, Simples e Ultrasimples, o Cerne da Coroa e o ensino Ultra Essencial – estas cinco transmissões de Vairotsana, o núcleo da Série da Mente, constituem a semente, a raiz e o ramo do Dzogchen. Por favor, lembre-se, afinal de contas que o próprio Garab Dorje, o primeiro guru da linhagem Dzogchen, recitou de forma improvisada a maior dessas cinco primeiras transmissões, O Estandarte da Vitória Eterna, também conhecido como O Vasto Espaço de Vajrasattva, em sua infância. Se o darma Tibetano for prosperar no Ocidente, será através da transmissão do Dzogchen Ati, o caminho do ápice, a culminação do Budismo Vajrayana ou um equivalente não-dual. Ao longo da história o Dzogchen tem sido objeto de disputa entre as várias escolas de filosofia no Tibete, mas é aclamado por todos os iogues no caminho real da pratica. Sabe-se que está entre as práticas secretas e pessoais do próprio S.S. o Dalai Lama. Em sua transmissão ao mundo Ocidental os métodos de expressão podem sofrer certas mudanças, mas a essência do Dzogchen permanecerá imutável. Este foi o


ensinamento de nossos lamas Dudjom Rinpoche e Kanjur Rimpoche em sua mandala Dzogchen em Darjeeling, na Índia, onde encontrei pela primeira vez Keith Dowman, o eminente tradutor desses textos. Espero que muitas pessoas leiam esses textos e percebam o significado essencial e atinjam espontaneamente a realização do Dzogchen Ati e juntem-se àqueles que realizaram esta verdade última, mas permanecem anônimos. Que todos os seres sencientes se libertem do samsara! Bhakha Tulku Pema Rigdzin Vairotsana Foundation Los Angeles, Califórnia www.vairotsana.org Losar do ano do cão de fogo, 2006


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PREFÁCIO À EDIÇÃO AMERICANA _______________________________________________________________

APÓS A PASSAGEM dos anos desde que este trabalho foi publicado em Katmandu, eu ainda estou satisfeito com a introdução, que fornece uma ampla introdução ao Dzogchen e particularmente ao Dzogchen radical que é encontrado nas transmissões originais que Vairotsana transmitiu aos Tibetanos no oitavo século. Eu me encontrei menos satisfeito, no entanto, com as próprias traduções. Vairotsana traduziu os versos originais em um estilo poético altamente ambíguo que, ao transmitir uma rajada poderosa do Dzogchen radical, ficou aquém da precisão didática que daria a um tradutor as pistas gramaticais para fornecer uma interpretação segura. Assim, senti que, às vezes, eu poderia ter sido mais preciso em minha tradução de frases poéticas – que aproveitei a oportunidade desta nova edição para remediar. Mas e os comentários canônicos? Certamente, eles elucidam um significado discursivo inequívoco? Infelizmente, os Dez Sutras foram escritos séculos depois, quando o Dzogchen já estava se tornando parte integrante de um estabelecimento egoísta e os comentários serviam para esse fim. Retornando ao comentário dos Dez Sutras após esses anos, ele parece ser lido como uma ferramenta para assimilar o imediatismo do caminho sem caminho do Dzogchen no caminho graduado espaço-temporal do Vajrayana. Por outro lado, mostra quão radical o efeito do Dzogchen tem no Vajrayana e como ele pode ser considerado inseparável dele. A partir disso, podemos inferir, de fato, que qualquer forma cultural (Budista, xamã, humanista ou pós-modernista) é igualmente iluminada – e liberada – pela luz do Dzogchen. Assim, na edição do texto para esta nova edição, eu em primeiro lugar reforcei o significado usando a terminologia que desenvolvi nesse ínterim. “Gnose” (rig pa) é agora “presença pura”, por exemplo; “igualdade” é “mesmidade”; (NT: aqui escolhi manter “igualdade” na maioria das vezes) e “processo” (caminho) às vezes é “modalidade”. “Campo da realidade”, que foi usado como o equivalente de dharmadhatu, é agora “a espacialidade que é o campo da realidade” ou uma adaptação dessas palavras. A transliteração da fonética Tibetana “Bairotsana” foi substituída por Vairotsana que é mais facilmente reconhecível. O apêndice “Terminologia da Série da Mente” ilumina essas mudanças. Eu recomendo que o leitor passe algum tempo com este apêndice antes de entrar no texto para ter uma ideia do modo como muitos termos Budistas bem conhecidos – como buda, bodichita e tatagatagarba – foram tratados no presente trabalho. Em segundo lugar, ajustei os versos, fortalecendo seu sentido radical enquanto intensifiquei a distinção entre eles e o comentário. No processo, corrigi alguns erros que se insinuaram durante as etapas finais da publicação da edição anterior. Material adicional relacionado à Perfeição Original pode ser encontrado em www.keithdowman.net/dzogchen/eyeofthestorm.htm.



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INTRODUÇÃO DO TRADUTOR _______________________________________________________________

A NATUREZA DO Dzogchen, ou da Grande Perfeição, é talvez melhor entendida como a essência de todas as aspirações místicas não-duais. Dentro do contexto Tibetano constitui o cerne do xamanismo, do Bön e do Budismo. Tomando suas referências culturais e linguísticas do Bön e do Budismo pode parecer estar limitado a essas tradições, mas ver sua realidade existencial restrita a esse quadro cultural contradiria os preceitos Tibetanos que o definem como totalmente inespecífico e não-confinado. Historicamente, o Budismo forneceu a base na qual os preceitos da Grande Perfeição apareceram, e certamente ainda fornece um rico e maravilhoso campo metafísico de referência. Mas os princípios do Dzogchen radical são apropriados a cada contexto religioso e cultural. Toda religião e cultura é transcendida por sua essência sem-forma. Abrange a ciência e o humanismo hoje como outrora incorporou o xamanismo e o teísmo. Substitui a religião evitando o dogma e a doutrina. Supera a ioga e a meditação ao repudiar a técnica. Transcende a criatividade da mente humana – seja como ciência ou arte – através da identidade com a nossa natureza intrínseca. Inclusividade é o que define a Grande Perfeição. Quanto ao esforço místico, concebe-se que a busca da perfeição natural é tão extensa como a história humana. Certamente isso está oculto nos mistérios da Babilônia, Egito, Grécia e Roma, nos tantras Indianos, no Tao Chinês, no Sufismo Islâmico, na Torá Judaica, nas heresias dos Cristãos Albigenses, Cavaleiros Templários e Alquimistas, mesmo porque a perfeição natural é inerente ao ser humano e não se pode suprimi-la. Privada de uma tradição linear, guias e preceitos, a busca da perfeição natural pode surgir de modo espontâneo como um imperativo do espírito humano, como ocorreu na Europa e na América nos anos sessenta. Independentemente do contexto cultural e religioso, do tempo e do lugar, o "caminho sem caminho" da iluminação não-dual é sempre o mesmo porque a natureza da mente é una, sendo ela a origem do tempo e do espaço. Acontece, porém, que no século XXI, os modelos e depositários dessa tradição viva são os Budistas Vajrayana do planalto Tibetano. O misticismo não-dual encontra o seu fundamento em todo o âmbito do Budismo Tibetano, especialmente na tradição Mahamudra Kagyu. Porém, é na sua primeira transmissão ao Tibete, na época em que a tradição dos Antigos (Nyingmapa) ainda estava em sua fase inicial, que encontramos a declaração mais pura e inequívoca dos princípios e a efusão poética do significado essencial da Grande Perfeição. Esse é o chamado Dzogchen radical. Tendo em conta que o mais velho e mais antigo não é necessariamente o melhor, a qualidade de puro frescor, no entanto, reverbera ao longo dos séculos de uma cultura à beira da ruptura. Essa qualidade pode ser percebida no Tibete do século oito e em particular na obra do poeta e místico Vairotsana que naquela época escreveu os cinco poemas apresentados neste livro. Em seu trabalho há uma sensação da luz do alvorecer


espalhando-se sobre a paisagem para iluminar a escuridão de uma só vez. A palavra do Dzogchen chegou para iluminar a escuridão do xamanismo espiritualista, para esclarecer as opções Budistas apresentadas pela Índia, China, Khotan, Brusha e Oddiyana e exaltar os estilos de vida do povo do planalto Tibetano. O frescor e vitalidade da obra de Vairotsana, escrita quando a língua Tibetana era tão jovem quanto a língua inglesa na época em que Shakespeare escrevia, ainda tem o poder de iluminar, apesar das sombras provocadas pelo apocalipse do materialismo e consumismo. O poder das cinco obras originais de Vairotsana pode estar na magia da "transmissão" – pois é assim que esses poemas são designados. Vairotsana não os atribuiu a si mesmo enquanto poeta, mas os lançou nos moldes das revelações de Garab Dorje, a fonte humana da tradição Dzogchen, porque é dito que todos os tantras, transmissões e preceitos do Dzogchen têm a mesma origem atemporal. Os versos de cada uma das cinco transmissões – consistindo geralmente de um quarteto de duas slokas ou dísticos – podem se destacar como joias didáticas da expressão do Dzogchen, às vezes com apenas uma conexão tangencial entre eles, mas são melhor vistos como as facetas de um globo de cristal, cada uma refletindo um aspecto do todo. O conteúdo das transmissões é sempre o mesmo – uma visão unitária da natureza da mente. A natureza da mente (onde "natureza" só pode significar "essência") é a mente luminosa, a mente indivisível e nãodual da perfeição natural. O produto holístico pode ser personificado como o todo-bom buda Samantabadra, que é ao mesmo tempo a fonte suprema da transmissão e a própria transmissão. O leitor, o recipiente da transmissão, é identificado, portanto, com a visão todo-exelente da transmissão do Dzogchen. O propósito desses cinco poemas, então, é induzir uma visão da perfeição natural na mente do leitor. Isso não é feito por lógica ou conexão causal, mas através da magia, da ambigüidade e da poesia. Como Patrul Rirnpoche escreve: "Não concordamos com o dogma comum dos tradicionalistas, de que o único conhecimento válido é o conhecimento mental testado pela razão face a prova textual e lógica. A compreensão experiencial da percepção direta e nua na própria consciência primordial é a visão”.1 Nesse sentido, cada um dos cinco poemas constitui uma introdução direta – se não a iniciação – à natureza da mente e a grande perfeição. A experiência das próprias transmissões é autovalidante e qualquer avaliação racional de sua lógica ou de seus termos de referência as diminue ou as arruina. O único requisito para alcançar a visão estabelecida pelo poeta é uma mente bem aberta e, como todos os seres humanos são dotados dessa mente, a Grande Perfeição está disponível para todos. N1: Veja Patrul Rimpoche, “Os Três Preceitos Incisivos” (Dowman 2003, 181).

A visão que essas transmissões induzem não é como de uma mandala tântrica de budas, deidades búdicas ou formas de luz padronizadas. Não há o menor indício de simbolismo, seja abstrato ou antropomórfico. Não há nada a ser visto que tenha alguma especificidade cultural. Não existe uma infraestrutura obscura e metafísica articulada à visão. Nada existe que não seja intrínseco à natureza da consciência comum, à natureza da luz comum do dia. Na verdade, não existe vestígio de qualquer coisa absolutamente. Não existe estrutura alguma para a visão – a natureza da transmissão é, em última análise, desconstrutiva. "Simplicidade" é a única palavra que pode descrevê-la. É uma visão holística no sentido de que é todo-inclusiva e não-dual. Consiste na percepção direta e nua da natureza da mente em cada instante da experiência.


A essência da transmissão é a percepção simples e direta. No momento atemporal do aqui e agora não existe espaço para projeção e filtragem, nem tempo para avaliação, reflexão e julgamento. É nisto que reside a perfeição natural. É aqui que reside o segredo da realidade não-dual. Quando se fala em misticismo não-dual, o que é indicado nada mais é do que a clara luz intrínseca à percepção cotidiana; contudo esta percepção e esta função da consciência trazem a resolução final à condição humana. Todas as suas dicotomias e contradições são resolvidas na luz unitária da consciência em si. Se é possível dizer que a concepção e o ato existem, certamente não há um intervalo entre o início do ato e a sua realização. O momento unitário é a sua própria recompensa. O tempo e o espaço são resolvidos na totalidade que a tudo inclui do momento. Os dilemas da encarnação são solucionados em cada momento. O paradoxo e as contradições do gênero são resolvidos na unidade do momento. Esta é a transmissão da Grande Perfeição, que não impõe uma nova estrutura condicionada à mente, mas revela o que já está primordialmente presente. Isto vem por meio da confirmação, portanto daquilo que sempre se soube: que a natureza do ser, a natureza da realidade e a natureza da mente são imanentes como a perfeição consumada. As Cinco Transmissões de Vairotsana são composições de preceito desconstrutivo, que expressam a visão do Dzogchen sobre a natureza da mente. O impacto primordial dessas transmissões num leitor receptivo pode abrir-lhe uma porta para a visão da Grande Perfeição. A mente racional, entretanto, pode criar objeções a um estado tão sem referência e a um sentido simultâneo de perda de identidade. Aqui o comentário começa a embalar o intelecto com seus clichês, ao estabelecer elaborações através de uma conexão causal, ao mesmo tempo em que vai demolindo – desconstruindo – a estrutura do intelecto, indicando o estado natural do ser, a realidade supra-racional da Grande Perfeição, que sempre jaz imanente no momento atemporal. Aqui, a linguagem autoreferente da tradição indica a base não-estruturada de toda linguagem. Como essa realidade existe na ausência de características, atributos ou funções, emprega-se o método dos Upanishads "Nem isto! Nem aquilo!". O mistério da Grande Perfeição reside na sua realidade inefável e não-dual, que é uma unidade, mas ao mesmo tempo, uma multiplicidade. É ao mesmo tempo a fonte e a criação. É inconcebível e inexprimível. É a mente iluminada, a mente luminosa. Revelar toda a experiência como esta realidade é o propósito do Dzogchen, e os princípios auto-evidentes da Série da Mente do Dzogchen (ver apêndice 2) são a transmissão. Não há nada a fazer! A “não-ação” – ou “ação não-direcionada”, “ação não-deliberada” – é o que define a natureza, o carater e a dinâmica da Grande Perfeição. O aqui e agora é um campo de igualdade imanente. Qualquer tentativa de afetá-lo ou mudá-lo a partir de uma técnica qualquer é contraproducente. Qualquer emprego de esforço lhe diminui. Procurá-lo é impedir-lhe a descoberta. A não-ação é o preceito que define a inclinação natural da natureza da mente ou a ausência de qualquer inclinação nesse sentido afim de que a dinâmica manifesta do campo da realidade seja descristalizada na presença pura. Nenhuma meditação! Nenhuma disciplina! A mente luminosa que é a natureza de toda experiência jamais vem a ser ou deixa de ser; ela não pode ser criada ou destruída: não tem estrutura. Não pode, portanto, ser acessada através da atividade estruturada de disciplina calculada, e toda meditação orientada para um objetivo é atividade estruturada. Deixando de lado toda e qualquer prática, inclusive toda técnica de meditação que condiciona a mente ao se concentrar em um objeto da visão, da audição ou do pensamento, não há meditação, mas apenas um continuum sem fim da mente


luminosa. A modalidade da não-meditação e da não-estrutura são ilustradas especificamente na quarta transmissão, intitulada Minério de Ouro Puro. Nenhum progresso! Nenhum desenvolvimento em um processo graduado! O momento é perfeito e completo em si mesmo e nada superior pode se efetuar. Não há possibilidade de alcançar algo mais desejável do que o momento presente. Nenhum crescimento pessoal é possível. É impossível a evolução no sentido de um objetivo mais elevado. Não há maturidade que se possa antecipar. A noção de processo em si é redundante, porque ela funciona através do tempo num padrão linear ilusório construído pelo intelecto. Nenhum lugar para ir! O aqui e agora é sempre completo no momento presente, portanto, não há caminho a seguir, nenhuma busca, nenhuma jornada a perseguir e nenhum destino. É impossível se afastar ou se aproximar da realidade da mente luminosa, uma vez que ela está sempre aqui e agora. A inevitável, universal e onipresente modalidade da realidade é sempre imanente. Não há outro destino que não a dinâmica naturalmente libertadora do momento. Isto é ensinado particularmente na segunda transmissão da Criatividade Radical. Nenhuma discriminação! Nenhum preconceito ou viés! A consciência prístina que é a natureza cognitiva da mente é totalmente livre de qualquer inclinação julgadora. Não discrimina entre o que é bom ou mau, certo ou errado. "Bom" e "mau" são rótulos fictícios projetados em uma tela neutra, que em si é incapaz de qualquer parcialidade. Tudo o que ocorre na experiência cotidiana, sem exeção, é permeado por essa consciência primordial e de momento a momento se dissolve nela. Tudo é perfeito tal como se apresenta, portanto nada é rejeitado ou evitado e nada é aceito ou favorecido acima de qualquer outra coisa. Nada é abraçado ou apropriado e nada é desprezado ou suprimido. Todas as coisas são sempre boas e a atividade é sempre indiscriminada. Isto é ensinado na primeira transmissão de A Canção do Cuco. Ninguém e nenhuma coisa a mudar! Os elementos da experiência, interior e exterior, fazem parte de um campo da realidade (espacialidade básica) em que nenhuma partícula indivisível pode ser isolada, seja nos laboratórios da ciência ou nos da mente. O campo natural unificado é uma realidade não-dual. Cada momento da experiência é uma expressão inefável desse campo, e na medida em que é reconhecido como um campo do ser cognitivo é conhecido como totalmente perfeito e completo em si mesmo. Não pode ser melhorado nem um pingo. Não pode ser mudado ou transformado em algo que não seja a consciência pura. Porque a nossa identidade – a não-identidade – repousa na mente luminosa e qualquer ilusão de personalidade que surja é totalmente pura. Nenhum controlador! Nenhum controle! As funções de controle do ego auto-articulado na mente racional são involuntariamente substituídas pela consciência prístina do estado natural do ser. O que parece ascender e cair como instantes sequenciais da experiência é a teia da ilusão insubstancial e a dinâmica de cada momento perfeito é a espontaneidade. Qualquer crença em uma realidade substancial e material ou em um "eu", uma "alma", um "ens" ou "atman" é ilusória. Não há controlador em nenhum nível e, portanto, nenhum controle. O suposto intelecto controlador é substituído pela dinâmica intrínseca da não-ação. O aqui e agora é a exibição de forma livre, perfeito em todas as suas permutações.


A consumação desses preceitos e das próprias transmissões se baseia numa percepção intuitiva da natureza da mente como intrinsecamente pura, uma suposição que é autenticada, ainda que nem atestada nem comprovada na experiência iniciática. “Mente luminosa" é uma representação da palavra Budista bodichita. No Budismo Mahayana, o significado discursivo dessa palavra é permeado pela ética compassiva e altruísta do bodisatva, que se dedica a dar o que for necessário a quem quer que necessite. Mais tecnicamente, ela é traduzida como "o pensamento da iluminação". No Budismo Vajrayana, onde a iminência da budeidade é assumida, é traduzida como "mente iluminada" ou "mente desperta". Na Serie da Mente do Dzogchen, esta mente iluminada é a base de tudo e de todos, o ponto de partida, o processo e o produto em um. Ela abrange o campo da realidade, o processo da liberação, a natureza da mente e a consciência primordial. A mente luminosa é o estado natural e não-dual e portanto não pode possuir qualquer qualidade definível, mas em sua vastidão e profundidade, em sua grandeza inefável, exalta nosso estado natural. Seu dom principal reside na iluminação direta e imediata. A mente luminosa é personificada como Samantabadra, o todo-bom buda primordial – não um buda para adorar, mas a realidade de cada momento. Aqueles que ele "ensina", ou manifesta, são os budas e todos os seres sencientes na roda da vida, todos livres da transmigração e renascimento. Seu "ensinamento", ou manifestação, é a expressão de cada momento de nossa experiência em uma visão da realidade como a matriz de todas as coisas e de todas as coisas em si mesmas como uma só. O tempo de seu ensinamento é o único momento atemporal do passado, presente e futuro juntos num só. E o lugar de seu ensino é a espacialidade básica da dimensão zero. Em nosso estado de perfeição natural, o mundo aparentemente material é consumido em sua natureza intrínseca como luz pela consciência prístina inerente a cada percepção sensorial. Os quatro grandes elementos – terra, água, fogo e ar – que são uma condensação de sua essência espacial constituem a própria espacialidade básica, e a mente luminosa, em que os aspectos subjetivos e objetivos ilusórios da experiência são unificados, dota a espacialidade básica com sua própria exibição luminosa que nunca se cristaliza como isto ou aquilo. O aspecto subjetivo do campo unitário, o senso de identidade pessoal, é definido como o espaço onde nada pode ser encontrado pela busca, nada pode ser realizado pelo esforço, absolutamente nada pode ser melhorado e onde não pode haver progresso ou amadurecimento. Este é o estado natural da iluminação primordial e pré-existente. Mas como esse estado não pode se tornar um objeto de foco, uma vez que não é de modo algum concebível, imaginável, determinável ou demonstrável, é melhor denominado "não-iluminação". Somente nesse sentido há iluminação universal. A expressão da mente luminosa é a compaixão que permeia nossa experiência como água no leite. Tal compaixão é o potencial de todas as possíveis convenções e variações do caráter e personalidade humana, toda qualidade e atributo, toda afetação, todo ponto fraco, todo vício e virtude e toda estranheza e manifestação extrema de estar na roda da vida. A diversidade psicológica da experiência nesse sentido expressa-se em termos equívocos de homens, deuses, titãs, fantasmas famintos, animais e demônios. No entanto, a roda da vida é a expressão da compaixão da mente luminosa e a compaixão é a roda da vida. O buda primordial Samantabadra abraça a totalidade da mente luminosa como sua vaziez essencial, sua luminosidade radiante e sua expressão compassiva.


A vasta espacialidade da mente luminosa é personificada como Vajrasattva e a consciência primordial é sua exaltação. A espacialidade da realidade é espontaneamente cognitiva em uma modalidade não-dual e Vajrasattva representa a individualização desse evento. Esse momento é inerentemente libertador, de modo que nunca pode haver qualquer experiência que não seja espontânea e momentaneamente liberada. A presença inevitável de Vajrasattva fornece essa garantia. A consciência primordial do campo da realidade é uma constante e, portanto, Vajrasattva recebe o nome de “Ser Imutável”. O vajra é um símbolo da sua natureza imutável e imperturbável da constante consciência luminosa. Sua dinâmica imutável é a liberdade da Grande Perfeição. Na medida em que há apenas a mente luminosa em nossa experiência, na medida em que o vajra é inerente a cada momento, nunca pode haver separação ou não-separação de Vajrasattva, que é uma maneira de indicar a imanência inefável do estado natural do ser na Grande Perfeição. Portanto, nunca pode haver qualquer obstáculo a esse estado natural. O que parece obstruir o reconhecimento da espacialidade cognitiva intrínseca é o apego ao mero cintilar da teia da ilusão, que é como uma camada de sujeira sobre o ouro puro. Se este apego parece velar a natureza da mente, então o que é necessário é uma guinada fortuita para uma intuição de ver o próprio apego como sendo a consciência prístina – um lampejo de realização ou uma lembrança da experiência iniciática. Se os problemas que surgem das exigências do carma pessoal se projetarem na vanguarda de nossas mentes e uma sensação de constante interrupção do fluxo natural nos obceca, então o que surge fortuitamente é a intuição da clareza intrínseca da própria falha. Assim, os obstáculos aparentes que surgem na mente fornecem a chave para sua própria resolução. Algumas pessoas estão convencidas de que seu desejo, raiva e confusão emocional são um véu espesso sobre sua mente iluminada, mas o reconhecimento da luz e do puro prazer na exibição maravilhosa da expressão enérgica dissipa tais crenças ilusórias. Alguns estão convencidos de que a lógica implacável do intelecto e o apego aos seus prazeres criam a armadilha que bloqueia a espacialidade, mas cada construção intelectual e cada linha de pensamento constituem uma porta para o vasto espaço de Vajrasattva. Para superar o que parecem ser obstáculos emocionais e intelectuais, as pessoas comprometem-se a disciplinas de estilo de vida e moralidade, ioga e meditação, fixando-se a meta da liberdade do apego e renascimento, mas a ansiedade envolvida em prostituir o momento para algum benefício futuro e o esforço por um objetivo conceitual é resolvido naturalmente no relaxamento da não-ação. A doença do esforço calculado e da orientação a um objetivo que é chamado de materialismo espiritual é curada pela intuição espontânea e inevitável da natureza pura da mente. A futilidade de tentar pegar o que já está na gaiola ou procurar por toda parte os oculos que já estão no fim do nariz inevitavelmente desperta o iogue ou a ioguine obscedados por um objetivo, e é bom que estejamos preparados para esse desencantamento, recordando da espacialidade e da radiância que conhecemos a partir da iniciação fortuita na natureza da mente. Decisivamente, chegamos ao lugar onde os imperativos morais instigados pela lógica simples e a simetria da crença no encadeamento cármico são vistos como fornecendo ainda mais da mesma transmigração ansiosa de uma armadilha neurótica para outra e onde o relaxamento no momento atemporal do aqui e agora – não fazer nada – permite que a clareza e a vaziez do estado natural do ser brilhe e transpareça. Quando as compulsões da causalidade cármica e a crença nos imperativos morais desaparecem e se dissolvem e nos rendemos à dinâmica da natureza búdica da


contemplação espontânea, a consciência prístina prevalece naturalmente, substituindo qualquer confiança residual no mundo do carma. Com o reconhecimento da realidade assim definida, há o reconhecimento simultâneo dos compromissos samaya do Dzogchen – ausência, abertura, espontaneidade e unidade. Por sua própria natureza, esses samayas não podem ser guardados ou mantidos. Pelo contrário, a consciência de sua realidade é uma presença constante e natural que nunca pode ser concedida ou negada. Estes samayas não são compromissos provisórios a serem renunciados ao atingir qualquer meta. Eles são a realidade da budeidade aqui e agora que pode ser expressa como um único compromisso – compromisso com a própria consciência prístina. Essa consciência sempre tem primazia. É coextensiva e co-terminal com o espaço da igualdade que exalta toda a cognição como a presença pura. A presença pura é a experiência direta do momento em que não há componente subjetivo ou objetivo, embora nela o ilusório e o não-ilusório estejam inextricavelmente misturados. É a consciência intrínseca do ser efervescente na totalidade atemporal de pureza e impureza. É a luz comum do dia. O que constitui a exibição de Samantabadra não pode diferir em espécie das formas dos universos neuróticos que estão sendo neutralizados. O séquito de Samantabadra é composto de budas e seres sencientes, e o brilho translúcido da luz de arco-íris inunda as ilusões que uma vez pareciam tão concretas, tangíveis e enfastiantes. As projeções dos ambientes psicológicos dos fantasmas famintos, por exemplo, podem ainda existir, mas agora as invenções horripilantes da imaginação que povoam aqueles ambientes são como as máscaras ferozes, porém vazias da dança dos lamas. Além disso, no reino humano, muitas pessoas, particularmente Budistas, entraram nos vários caminhos graduais para a iluminação. Cada um descansa em seu próprio nível que é completo e perfeito em si mesmo. Todas as atividades dos deuses e dos homens são completas e perfeitas em si mesmas e, embora possam perseguir atividades orientadas para uma meta e constantemente criar ou encontrar falhas aparentes no processo universal da realidade desperta, a capacidade libertadora de Vajrasattva que permeia os cinco elementos que constituem a encarnação em um aparente ambiente concreto é sempre imanente. Os diferentes estilos de vida e as visões, terapias e técnicas de meditação associadas, empregados por monges e monjas, leigos e leigas, iogues e ioguines, e tulkus e dakinis podem ser concebidos hierarquicamente numa pirâmide de mente cada vez mais desestruturada. Esta hierarquia nônupla é empregada pelo comentário sobre os versos raiz dos textos como um índice de diferentes estados mentais e permite um enfoque sobre as diferentes abordagens progressivas que, embora ilusórias como caminhos para a realidade não-dual são perfeitas em si mesmas. Nove é um número perfeito ou infinito na numerologia xamânica, de modo que as nove abordagens ou níveis convencionais que fornecem a base incluem todos os outros. Da mesma forma, os nove níveis de significado discursivo na transmissão, cada um dirigido e ouvido por aqueles a quem é relevante, inclui todos os outros níveis na busca da natureza da mente. Além disso, como a metáfora tradicional diz: assim como um rei nunca deixa seu palácio sem sua comitiva em associação apropriada, assim o Dzogchen Ati é sempre acompanhado por um séquito composto de inúmeras disciplinas que buscam modificar ou melhorar a condição humana – pois a marca do nascimento humano é o impulso para alcançar a felicidade. O professor da Grande Perfeição, Samantabadra, incorpora um vasto e todo-


abrangente séquito de seres, cada um preocupado com seu caminho pessoal, no qual a transmissão apropriada pode ser recebida fortuitamente. As nove abordagens ou níveis do ápice são o atiyoga, o anuyoga, o mahayoga, o tantra ou o sattvayoga, o ubhayayoga, o kriyayoga e as diversas práticas dos bodisatvas, eremitas (pratiekabudas) e discípulos (shravakas). No nível do atiyoga o hiper-iogue é o adepto no reconhecimento de toda experiência como a transmissão da grande perfeição. No nível do anuyoga a identidade da realidade e da presença pura, o espaço e a consciência são revelados, de modo que todo fenômeno criado pela mente se torna a consciência primordial. No nível do mahayoga, os elementos do psico-organismo, os elementos da percepção e os campos dos sentidos são revelados como nossa identidade iluminada atemporal; o mahayoga é ensinado de modo que a estrutura da mente condicionada é reconhecida como os cinco budas. Na visão criada pela mente do tantrayoga, embora as paixões não sejam abandonadas, o apego a elas é completamente abandonado e as substâncias sagradas são literalmente apreciadas; assim, na ausência de sinais, na vulnerabilidade aberta, a consciência primordial é facilitada e as quatro consortes são reconhecidas. No ubhayayoga a identidade da clara luz com sua difusão colorida, entre a consciência autossurgida e a fantasmagoria sensorial é ensinada. Na prática dos discípulos engajados em ouvir e aprender, os eremitas em retiro ascético e os bodisatvas em busca da bondade amorosa, a natureza da mente brilha involuntariamente. Finalmente, para distinguir entre os recipientes dessas transmissões, há aqueles que são vasos prontos com uma afinidade inata para a grande perfeição natural. Este tipo atinge a visão simplesmente por ler a transmissão ou ouvir os preceitos – portanto é a "liberação pela audição". Através do reconhecimento do estado natural da mente, tudo o que surge é liberado e se dissolve imediatamente sem deixar vestígios. A modalidade existencial do iogue ou ioguine do Dzogchen é então proporcional à impressão de um pássaro no céu. Toda experiência é como uma dança e como o jogo livre do prazer sensual. Não há meditação nem meditador. Se surgirem falhas, elas serão transformadas imediatamente em um momento atemporal de esforço mental e se tornarão uma porta de volta ao espaço da grande perfeição que, de fato, nunca pode ser abandonado. Ele ou ela assimila a afirmação e a confirmação da experiência iniciática que o atiyoga fornece na transmissão e é absorvida sem reflexão na totalidade não-discriminatória de um corpo anônimo de luz. Depois, há aqueles que vêem claramente a visão de Samantabadra através desta transmissão, mas a deixam escapar em seguida. Por meio de uma introdução verbal, ou alguma experiência iniciática, eles aceitam a visão como a apoteose da natureza humana e com a subseqüente insinuação da natureza da mente eles desfrutam da não-meditação. Mas então imersos nas preocupações mundanas da vida – lucro e perda, amor e ódio, sucesso e fracasso, fama e desgraça – eles vêem as invenções de suas mentes como uma personalidade isolada interagindo em um ambiente concreto, e se apegando a fenômenos aparentemente externos, a visão de Samantabadra é perdida. Fortuita e inevitavelmente, entretanto, a visão e a não-meditação retornam à mente, como o nascer do sol, e com o aumento da familiaridade e da intimidade permite-se uma entrega destemida e de todo o coração à natureza da mente. A consciência prístina então reassume a sua primazia natural. A confiança na não-ação é reafirmada. A crença nas construções mentais é abrandada. As projeções fictícias desaparecem. Através da


temeridade do reconhecimento da fonte suprema no que quer que surja no bardo a perfeição natural é reconhecida em um corpo de luz. Então, há aqueles que percebem a visão como através de um vidro escuro e, rejeitados pelo pensamento crítico enquanto lêem ou ouvem a transmissão, passam a conceitualizá-la e analisá-la tornando-se suscetíveis à dúvida. Em um processo racionalista, a visão é externalizada e distanciada e torna-se uma meta sutil e substancial a ser alcançada com um senso coincidente de separação e inadequação diante disto. O samsara é divorciado do nirvana neste processo de pensamento linear através do tempo e apanhados pelos tentáculos das emoções conflitantes ficamos suscetíveis à expectativa e apreensão. “Nossas ações são determinadas pelo carma”, dizemos. “Estamos sujeitos à retribuição cármica. Estamos presos ao ciclo inevitável da transmigração na roda do tempo.” “Recebemos a transmissão de Samantabadra que nos trouxe um vislumbre da perfeição por um momento. Mas ficamos com apenas um entendimento intelectual e isso não afetou nosso modo de ser”. “Vivemos em um mundo de preferências e parcialidades, apegos e aversões, discriminação e julgamento, esperanças e medos.” “Nós não estamos prontos”, objetamos com um senso de nossa própria inadequação. “Somos apenas iniciantes. Precisamos melhorar a nós mesmos, ser bons e virtuosos, controlar nossos padrões de energia, estabelecer metas e alcançá-las, subir a escada da pureza espiritual”. Assolados por tal conflito intelectual e emocional, infectados por esperanças e medos, concluímos que algo deve ser feito, que a ação corretiva é prescrita a fim de atingir o estado não-dual da visão. Tais leitores podem passar a dedicar suas vidas a um caminho gradual de esforço, praticando alguma técnica de meditação ou ioga, deixando de adotar o reconhecimento da perfeição de seu estado natural. Por outro lado, muitos ouvem a transmissão e pensam nela e sem qualquer experiência iniciática, eles a rejeitam e se afastam. Para eles nunca pode haver nada além do estado natural de perfeição, mas eles vivem como mendigos na roda da transmigração acreditando que o mundo material é concreto e os estados mentais em que se encontram são reais. Apegados ao prazeroso e aversos ao doloroso, inconscientemente eles esperam a revelação da natureza da mente. Assim é dito.

Pagor Vairotsana: O Grande Tradutor Na visão da Grande Perfeição, as cinco transmissões são o Darmakaya Samantabadra em si mesmo. Por intermédio de Vajrasattva, e a união de vogais e consoantes, a transmissão surge como uma exibição atemporal da emanação compassiva na natureza da mente. Esta revelação é conhecida como o Vajra-Prazeroso, ou Garab Dorje, que também é o adiguru da linhagem Dzogchen. Vairotsana era o seu tradutor Tibetano. No século VIII, na Ásia Central, o local do vigor político e cultural ainda estavam no Tibete. Os nômades de um Tibet Central unido criaram um império militar que se estendeu da Pérsia à China, do Nepal à Mongólia. Sua herança xamânica, sob a influência de culturas sofisticadas que agora faziam parte de seu domínio, estava em processo de transformação. Essas culturas, em sua maioria, eram Budistas, embora fossem de vários tons e, juntamente com a cavalaria e os diplomatas, os comerciantes e artesãos, viajando pelas rotas comerciais do Himalaia e todos com destino a Lhasa, eram monges chan da China, panditas Vajrayana de Bengala, de Bihar e Khotan, iogues tântricos da Caxemira e do Vale do Nepal, sadhus Hindus do sul da Índia e xamãs Bon do antigo reino de Zhangzhung que haviam dominado o planalto Tibetano antes da


ascensão da dinastia do vale Yarlung. Templos Budistas de pedra foram construídos nesta terra de tendas de cabelos de iaque e, embora a maioria da nobreza tribal conservadora se opussesem a eles, o rei patrocinou uma academia monástica dirigida por um abade Bengali que tinha ordenado um pequeno grupo de monges Tibetanos. A menos de um dia de caminhada até o rio Yarlung Tsangpo a partir do local do novo mosteiro, em um dos vales laterais férteis ao norte chamado Nyemo, estava a aldeia de Jekhar. Foi a partir dali que o jovem Vairotsana foi convocado à ordenação Budista pelo abade Bengali Shantarakshita. Sendo um dos mais brilhantes e fortemente motivados dos jovens monges, ele foi escolhido para se concentrar no estudo da linguagem. As questões existenciais eram uma preocupação constante entre um elemento significativo da corte real, alguns dos quais também haviam recebido a ordenação Budista junto com Vairotsana, e a discussão com monges visitantes do exterior era fervorosa e muitas vezes aquecida. Um iogue-exorcista chamado Padma Sambava que tinha sido convidado a Samye de Katmandu tinha sido bem sucedido em confrontar os xamãs Bon e os Budistas estavam em ascendência. Este exorcista itinerante, um sadhu tântrico Budista que perambulava pelos vales do Himalaia durante anos, deixando uma trilha de dakini-consortes desconsoladas atrás dele, já ganhara notoriedade no Tibete ao seduzir uma princesa local. Ele era originalmente de um reino no extremo oeste do Himalaia chamado Oddiyana, a terra das dakinis. Oddiyana tinha se associado a uma disciplina extraordinária chamada Dzogchen, conhecida pelos Tibetanos de Yarlung através de seus confrades Bon de Zhangzhung que tinham conexões trans-Himalaias em Brusha e outros reinos nos vales dos afluentes superiores do Indo. Talvez como uma reação a uma sobrecarga de disputa doutrinal, talvez baseada em uma inclinação natural para uma disciplina sem esforço prometendo a realização imediata, talvez devido a uma palavra secreta transmitida pelo próprio Padma Sambava ou por outro iogue itinerante, um nexo de opinião formado em Samye expunha que o Dzogchen era a resposta aos problemas existenciais do povo Tibetano. Posteriormente, sob os auspícios do rei Trisong Detsen, Vairotsana e um amigo foram escolhidos para viajar para Oddiyana para trazer de volta ao Tibete a transmissão do Dzogchen. A rota direta para Oddiyana estendia-se pelo vale de Yarlung Tsangpo, passando o Monte Kailash para o sul, e depois continuando através do antigo coração de Zhangzhung e descendo o vale do Indo através de Ladakh para Caxemira e Brusha e daí para o sul até o que é agora Swat e leste do Afeganistão. A viagem de Vairotsana a Oddiyana e sua reunião com o mestre Sri Singha, é o material da lenda. Perto do Lago Dhanakosha, em uma floresta de sândalo, ele encontrou o velho mestre Shri Singha, originalmente do lado Chinês do deserto Taklamakan, vivendo em um pagode de nove andares. Ele precisava primeiro passar por uma velha ioguine protetora, uma porteira que barrou seu caminho, mas com uma mente totalmente ingênua e um estoque de moedas de ouro ele passou por ela e obteve uma audiência com o mestre. Shri Singha ouviu o seu apelo para o extraordinário ensinamento do Dzogchen e sabia que estava destinado que a transmissão deveria passar para o Tibete. No entanto, ele manteve Vairotsana esperando até a manhã seguinte. Então ele prometeu ao jovem Tibetano que lhe concederia a transmissão com a condição de ele se juntar aos panditas estudando as abordagens graduais e causais durante o dia e somente à noite receber o ensinamento do atiyoga. Devido ao Dzogchen Ati e o ciúme do rei de Oddiyana, sua propagação tinha sido proibida, então durante as noites de transmissão o mestre escreveu as transmissões da Série da Mente em seda branca com tinta de leite de cabra que só se tornaria visível quando exposta ao calor. Então, com um pouco mais de insistência de Vairotsana, Shri


Singha concedeu-lhe os preceitos da Série da Matriz nos modos preto, branco e variegado. Vairotsana ainda não estava satisfeito, mas Shri Singha não lhe daria mais.2 N2: Vairotsana recebeu pela primeira vez de Shri Singha as dezoito transmissões da Série da Mente, que incluíam suas próprias cinco primeiras traduções (snga ’gyur lnga) e treze transmissões traduzidas posteriormente por Vimalamitra, e depois as transmissões da Série da Matriz.

Depois desta exposição longa e intensa de Shri Singha, Vairotsana foi finalmente preparado para encontrar o adiguru da tradição Dzogchen, a emanação nirmanakaya de Vajrasattva, o próprio Garab Dorje. Este suposto encontro ocorreu em um terreno de cremação chamado Dumasthira, o lugar do fogo e da fumaça, e Vairotsana emergiu do encontro com a transmissão de todos os quatrocentos e sessenta mil versos do Dzogchen e um corpo de luz. Ele retornou ao Tibete central por meio de sua facilidade recém-adquirida de andar rapidamente. Recebido com toda a devida honra, residindo no palácio real, ele começou um período de tradução intensa, em primeiro lugar das cinco transmissões, que se tornaram conhecidas como as Cinco Traduções Iniciais. Durante este período, ensinou ao Rei Trisong Detsen os preceitos que ele estava traduzindo da mesma forma que Shri Singha lhe ensinara – a abordagem progressiva durante o dia e o Dzogchen Ati à noite. A proximidade com a corte, no entanto, foi para pôr fim à sua lua de mel no Dzogchen radical e, ao mesmo tempo, para preservar sua linhagem de Dzogchen no Tibete durante seu período de maior vulnerabilidade. Uma das consortes do rei tinha sido influenciada pelo braço longo e invejoso do rei de Oddiyana, e para restringir a atividade de ensino de Vairotsana o acusou de violá-la e procurou bani-lo. O rei relutou em acreditar em sua rainha, mas acabou por sucumbir à sua repetida denúncia, ele exilou Vairotsana a Tsawa Rong, no país de Gyelmo Rong, em Kham, no leste do Tibete. Lá Vairotsana ensinou Dzogchen a três iogues, entre os quais Yudra Nyingpo era o principal, estabelecendo uma tradição do Dzogchen separada e duradoura no leste do país. Quando o clima na corte finalmente se tornou clemente, Vairotsana foi retirado do exílio e continuou a ensinar e traduzir no Tibete Central. Os principais destinatários de sua transmissão foram Nyak Jnana Kumara e a rainha Khotanese Liza Sherab Dronma. Mais tarde, ele foi convidado a ensinar em Khotan e faleceu naquela terra estrangeira. Vairotsana é um parte da raiz de todas as linhagens Tibetanas do Dzogchen.3 N3: Esse relato de Vairotsana é derivado de várias fontes, às vezes conflitantes. Uma variação significativa é o local do encontro de Vairotsana com Shri Singha, que é dado como Vajrasana (Bodh Gaya) em algumas fontes, mais particularmente na Bairo ’dra ’bag, a hagiografia canônica de Vairotsana (veja Yudra Nyingpo 2004, The Great Image: The Life Story of Vairochana). Mas “Vajrasana” pode ser entendida figurativamente como o assento de toda iluminação. Veja também Norbu e Clemente 1999, 46-56.

Notas sobre o texto As Cinco Traduções Iniciais são encontradas em A Coleção de Tantras de Vairotsana (Bairo rgyud ’bum), um compêndio que foi compilado provavelmente no décimo segundo século. Durante o mesmo período, eles foram assimilados à Fonte Suprema (Kun byed rgyal po), a enciclopédica do tantra da Série da Mente Dzogchen, que tomou um lugar de destaque como o primeiro texto na seção do atiyoga de A Coleção de Tantras dos Antigos (Rnying ma rgyud ’bum). Esta última coleção passou por várias


mutações e é a nossa principal fonte de textos do Dzogchen hoje (ver Apêndice I). O segundo texto na seção atiyoga de A Coleção de Tantras dos Antigos é chamado Os Dez Sutras (Mdo bcu), um comentário sobre as cinco transmissões de Vairotsana e uma rica fonte de preceitos do Dzogchen em si mesmo. É esse texto que é a fonte do meu comentário. Foi escrito por um autor desconhecido mais uma vez provavelmente no século XII. No texto aqui contido as linhas que introduzem cada uma das transmissões são uma síntese do material tirado de A Fonte Suprema e dos Dez Sutras. Os versos raiz são traduções das melhores leituras que pudemos extrair das várias fontes. O comentário sobre os versos é uma tradução parafrástica do comentário dos Dez Sutras com notas explicativas interpoladas. O Estandarte da Vitória Eterna: O Vasto Espaço de Vajrasattva, de longe a mais longa das transmissões, é dividido em vinte e sete partes, ou "momentos atemporais", encontrados na edição de A Coleção dos Tantras de Vairotsana. Os títulos dos comentários aos versos do Estandarte da Vitória são tirados dos Dez Sutras. A última linha do comentário é uma soma do significado de todo o verso. A anotação ao texto indica apenas algumas das discrepâncias entre as várias fontes. Agradecimentos Com profunda gratidão e respeito, agradeço a todos os mestres da tradição Tibetana pela sua transmissão, em particular Dudjom Rimpoche e Kanjur Rimpoche, ambos filhos do coração do grande descobridor de tesoros Trinle Jampa Jungne; também ao meu amigo e mentor Bhakha Tulku Pema Rigdzin, um iogue Dzogchen, por toda a sua bondade; a Chogyal Namkhai Norbu, o terton-rei de nossa época, por seu entendimento espaçoso; a Adriano Clemente pelo seu trabalho preliminar sobre os textos; e a Terese Coe e Sondra Hausner por sua impecável, profissional e sensível edição.


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A CANÇÃO DO CUCO DA PRESENÇA PURA _______________________________________________________________

NA ANTIGA tradição xamânica do Tibete, o cuco era um pássaro mágico, o rei dos pássaros. Como a primeira chamada do cuco é o prenúncio da primavera, as seis linhas da Canção do Cuco da Presença Pura introduzem a realidade do Dzogchen. Nesta transmissão seminal, Samantabadra define a si próprio como a não-ação espontaneamente completa e perfeita. Ele incorpora o preceito da atividade alegre e não-discriminatória. Este é o texto raiz da Série da Mente do Dzogchen.4

Ei, Mahasattva, Ser magnífico, ouça! A natureza da multiplicidade é não-dual e as coisas em si mesmas são puras e simples; estar aqui e agora é livre de constructos e brilha em todas as formas, sempre totalmente boa; já é perfeita, então o esforço é redundante e a espontaneidade é sempre imanente. Toda a experiência, toda a fantasmagoria dos seis sentidos, a multiplicidade diversificada da existência, na realidade, é sem dualidade. Mesmo se examinarmos as partes da essência pura da mente no laboratório da mente, tais especificidades são vistas como ilusórias e indeterminadas. Não há nada para agarrar e não há maneira de expressá-la. A talidade das coisas, sua realidade, deixada tal como é, está além do pensamento, é inconcebível e isso é o aqui e agora. No entanto, a diversidade é manifestamente aparente e essa é a esfera não-discriminatória que a tudo inclui do todobom buda Samantabadra. A perfeição total sempre foi um fato e nunca houve nada a fazer para realizar essa conclusão imaculada. Todo esforço é redundante. O que permanece é a espontaneidade que está sempre presente como a nossa condição natural. Se as seis linhas são divididas em três pares de versos que descrevem a visão, a meditação e a ação do Dzogchen respectivamente, as duas primeiras linhas expressam a visão de que a mente luminosa é uma singularidade inefável e não pode ser analisada; as segundas duas linhas indicam a não-meditação como o estado natural da exibição de Samantabadra; e o terceiro dístico mostra a ação como a ação não-direcionada – nãoação – da consciência espontânea. N4: As seis linhas da Canção do Cuco (Rig pa'i khu byug) são chamadas Os Seis Versos Vajra (Rdo rje tshig drug) na Fonte Suprema, onde eles definem a natureza do próprio Samantabhadra como a não-ação espontaneamente completa e perfeita. O comentário dos Dez Sutras tomam os versos como uma transmissão do preceito do gozo indiscriminado.



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CRIATIVIDADE RADICAL _______________________________________________________________

A CRIATIVIDADE RADICAL DE SAMANTABADRA é o milagre da exibição ilusória emanada em cada momento. Ela reside no campo da realidade de forma livre, impulsionada pela dinâmica da não-ação. Em um sentido mais limitado, no entanto, a criatividade radical é evidente aqui no toque suave da lufada de inspiração de Samantabadra que informa essas instruções essenciais. Esta é uma transmissão que incorpora instruções específicas. É ensinado que não há caminho a percorrer e nenhuma distinção a ser feita na realidade da mente luminosa.5 N5: A Fonte Suprema (Kun byed rgyal po) introduz a Criatividade Radical (Rtsal chen sprugs pa) assim: “Esta grande transmissão é o inspirado preceito de Samantabadra e revela o campo imaculado da forma livre (a espacialidade básica) como o campo de sua criatividade radical, que é a não-ação”.

Ei, Mahasattva, Ser Magnífico, ouça! 1 Tudo e todos emanam de mim, assim tudo e todos, o que quer que apareça, é revelado como a transmissão, a revelação da espacialidade básica atemporalmente pura. O caminho é o processo de desdobramento da emanação inteira de Samantabhadra em um momento atemporal. A este respeito, cada momento é idêntico e completo em si mesmo e não pode haver progresso ou desenvolvimento em ou da mente luminosa. Não pode haver aumento gradual ou diminuição da realização através do tempo. Além disso, se tudo é um no momento, como pode haver qualquer diferenciação válida da mente luminosa da realidade ou, de fato, qualquer distinção que seja? A emanação momentânea e todo-inclusiva de Samantabadra é o campo não-referencial da realidade, que é sua transmissão e sua instrução. O aqui e agora é a mente luminosa, o campo da realidade e a transmissão completa de Samantabadra. Não há mais nada. 2 Todo exterior e interior é o campo atemporal da realidade espaçosa e em um campo de jogo tão imaculado, buda e seres sencientes não são distintos – então, por que tentar mudar alguma coisa?


A mente luminosa e a realidade são uma só na espacialidade básica e é completamente impossível fazer qualquer distinção. Dizemos que todos os fenômenos, quaisquer que sejam, compostos de terra, água, fogo, ar e espaço, são externos, e que a mente luminosa e a natureza da realidade são internas. Mas este é um pensamento especulativo ocioso, imputando um mero significado nominal onde não há base real para isso. O campo da realidade é uma unidade que a tudo inclui. Nessa esfera atemporal de atividade não há distinção entre buda e seres sencientes. É impossível melhorar o momento atemporal – já é perfeito e completo, o todo-bom Samantabadra. Não pode ser alterado ou transformado porque é o imutável Vajrasattva. 3 Não há ambição na criatividade sem esforço plenamente potencializada e essa perfeição espontânea de forma livre é sempre a mesma; no campo puro da realidade, onde a concepção e o ato são um, por mais equivocados que sejamos, como podemos nós inocentes fazer algum mal? Um momento da realidade bodhi é primordialmente perfeito e carece de qualquer orientação a uma meta ou intenção oculta; é desprovido de desejo. Está livre de toda aspiração. É a exibição de forma livre, desimpedida e incontrolável. Cada momento da realidade é o mesmo na igualdade última da mente luminosa. O significado essencial é sempre o mesmo. Uma vez que é completo e perfeito tal como se apresenta, não há nada a fazer, e nunca houve nada para fazer, e, portanto, a atividade é a exibição de forma livre. Toda prática extenuante é ineficaz. Aqui, tanto o impulso como a sua realização simultânea e tanto o sujeito quanto o objeto imaculados são o campo puro da realidade. Neste meio, é impossível errar, independentemente de nossas crenças ingênuas e hábitos intratáveis. Nada que nós, tolos, possamos fazer pode contaminar este espaço puro. 4 A união do puro prazer do comportamento senciente, concebido pelo iludido como um caminho perverso, é idêntico à modalidade pura de Samantabadra: quem entende tal igualdade é buda, senhor de todos. A união do puro prazer, sensorial ou sexual, seja como parte integrante da conduta humana ou como um caminho tântrico, é insultada como imoral ou perversa pelo ignorante. Mas o curso do comportamento humano, desde o início, é inseparável da transmissão de Samantabadra como revelado acima – o jogo de forma livre. Estes dois caminhos são realmente um só. Buda, o senhor do passado, presente e futuro é aquele que percebe esses modos aparentemente incompatíveis como idênticos. Todas as dualidades, todas as estruturas dualistas, são resolvidas espontaneamente na igualdade última do Dzogchen. Isso inclui a dualidade do caminho ilusório da união de gênero e a modalidade da mente luminosa onde a visão e o ato são um. A aparente dualidade dos princípios de gênero dos meios hábeis e insight unidos no puro prazer são, de fato, sempre uma unidade desde o início, uma unidade primordial, separada (no anuyoga) apenas para reconhecê-la como unidade e sempre pela primeira vez.


5 No caminho ilusório e extremista, pensando, “eu” e “meu”, inocentes iludidos entram em um caminho estruturado da prática do Darma sem chance de perceber que não leva a lugar algum: como a realidade pode ser encontrada pela busca? O professor que fala em termos de "eu" e "meu" implica a existência de um eu substancial – ou alma – em um indivíduo que deve se esforçar para ganhar e manter algo que lhe falta. Este modo de pensar convencional é chamado de "extremista" por causa da ausência de um senso do caminho do meio onde o eu é desconstruído e a noção de posse se torna uma falácia. Tal professor atrai seus alunos para uma prática de darma conceitual, progressiva e orientada para um objetivo, onde há uma presunção de que o caminho gradual tem um objetivo atingível e que a realização pode ser obtida através da análise e onde não há possibilidade de realização espontânea. O caminho do desempenho ritual e da prática religiosa não tem fim. Na grande perfeição não há caminho – apenas a modalidade atemporal do desdobramento momentâneo. Assim, a natureza da realidade não pode ser encontrada pela busca; já está presente. A mente não pode objetivar sua própria natureza, de modo que a realidade não pode ser encontrada procurando-a. Procurar seria como um cão perseguindo seu próprio rabo. 6 A instrução de mestres semelhantes a macacos que carecem do insight direto é repleta de conceitos falsos de preparação e técnica; assim o mestre que limpa a mancha do ouro puro, o professor autêntico, o recurso mais precioso, ele vale o resgate não importa o preço. Como um macaco que imita sem entender é o mesmo que o professor que dá preceito e transmissão sem a base válida de entendimento que é o insight direto da natureza da mente. Tal ensinamento induz na mente do discípulo uma noção conceitual do caminho, um ponto de partida específico e um objetivo envolvendo preparação, apoio e técnica. O mestre que vê a natureza da mente erradicou qualquer implicação de um caminho condicionado. Isso é comparado à remoção de qualquer fina camada de mancha do ouro puro através da aplicação de alúmen preto – uma prática tradicional. Nenhum refinamento, como separar a escória do ouro puro, é necessário. A transmissão do professor deste caminho sem caminho vale a pena para seus alunos, qualquer preço deve ser pago. Nos primeiros tempos, o aluno demonstrava seu compromisso oferecendo ouro ao mestre.


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O GRANDE GARUDA EM VOO _______________________________________________________________

O GARUDA é um pássaro mítico gigante semelhante a uma águia. Nas montanhas ele plana alto no céu, com suas asas largas estendidas, cavalga as correntes de ar, ocasionalmente batendo as asas em harmonia. Ele parece não colocar nenhum esforço em seu voo. Ele está totalmente sozinho lá. Ele parece estar voando puramente para a sua alegria. Ele tem maestria. Samantabadra, Mente Luminosa, ensinou esta transmissão seminal sobre a perfeição sem esforço, a ação de forma livre e não-direcionada, para que a mente possa descansar à vontade. Isso mostra que não há nada de substancial na mente, que não há busca a perseguir e nenhum progresso possível em um caminho rumo a um objetivo, e que a realidade não pode ser demonstrada ou comprovada de qualquer maneira e que é imune a inflar ou desinflar tendências de avaliação. Dentro desta firme descrição do grande garuda em voo – o iogue do Dzogchen em uma modalidade não-dual – aparecem referências a falhas e véus e também alusões às chaves para as portas pelas quais o miasma existencial pode ser abandonado.6 N6: O Grande Garuda em Voo (Khyung chen lding ba) não deve ser confundido com o trabalho de Shri Singha ou qualquer um dos vários outros com títulos semelhantes. O comentário dos Dez Sutras distingue entre uma primeira parte (versículo 1-16) que constitui uma instrução específica, principalmente sobre a não-meditação, e uma segunda parte (versículos 17-26) que trata vários aspectos da carreira do iogue.

Ei, Magnífico Ser Imutável, ouça! 1 Ei, este campo de forma livre, ilusório como o espaço, não estando localizado em nenhum lugar, não tem objeto de foco; um processo experiencial não-estruturado ocorre na menor projeção sutil: o conceito de ser puro, indeterminável, é em si mesmo a consciência autossurgida, uma presença onipresente, sem pensamento e autêntica, e este campo ilusório de forma livre não precisa de alteração.


O campo da não-ação, um campo de forma livre da realidade, é a espacialidade básica que é o próprio dharmadhatu, e sua consciência prístina está naturalmente presente em todos os lugares. Os campos projetados da percepção dualista são transcendidos como um campo espontaneamente emergente e não-objetivo da realidade. Nisso reside a modalidade do desdobramento atemporal. O ser puro, o darmakaya, concebido como um objeto na meditação artificial, não tem conteúdo, nenhuma qualidade específica e nenhuma realidade e, portanto, é a onipresente consciência autossurgida. Pense no ser puro – um espaço de igualdade ilimitado e sem pensamento – e a mente é preenchida pela realidade não-dual da consciência prístina espontânea. A mente luminosa é ao mesmo tempo a única causa e efeito e, por essa razão, quando as formas de pensamento relativistas surgem no ser puro, elas emergem espontaneamente da consciência prístina como um campo de forma livre. A realidade da percepção não-dual é um campo integrado no qual os objetos não podem ser localizados ou isolados como entidades distintas. A tendência inata do intelecto para concretizar e reificar é percebida aqui como uma sutil projeção ou "dedicação" que é imediatamente reconhecida como o campo da realidade. É como se a tendência estruturante e conceitualizadora da mente condicionada se desdobrasse instantaneamente em um campo insubstancial, não-estruturado e inconcebível da espacialidade. Assim, o dualismo do conhecedor subjetivo e qualquer fator objetivo nunca surgem. Só existe o ser puro, simultaneamente um conceito de vacuidade e uma realidade existencial. Qualquer leve projeção que dê a indicação de uma suposta dualidade é imediatamente liberada por si mesma. Cada pensamento e conceito têm em si mesmo a sua própria função de liberação automática: como a consciência prístina que consome a si mesma. Assim, o campo natural da realidade não pode ser melhorado e não há nada a ser feito para alcançá-lo. Na verdade, não há nenhum objeto para abordar neste campo, então como pode ser feito algo a ele? Qualquer técnica meditativa orientada para uma meta empregada para descobri-lo é uma tentativa contraproducente e vã que procura transformá-lo em um objeto; mas a natureza do próprio método causal não pode deixar de encontrar a realidade da essência pura da mente. 2 Buscando a essência em fenômenos interdependentes, desfrute-a apenas em seu aspecto não-conceitual: pois a essência manifesta é apenas o ser puro. O campo da experiência é aperfeiçoado tal como se apresenta e nada precisa ser feito para realizá-lo como o ser puro. De qualquer maneira que a essência pura da mente apareça, a própria aparência encontra sua própria realidade intrínseca. Seu aparência aparente é reconhecida como inconcebível e, portanto, sua manifestação é livre da estruturação mental e somente como tal, livre de construções, pode ser desfrutada. "Fenômenos interdependentes" devem ser entendidos como o mundo relativo que surge pela dependência mútua das doze causas e condições (ignorância, tendências habituais, consciência, nome e forma, os seis campos sensoriais, contato, sensação, desejo, existência, nascimento, velhice e morte). Mas o que parece ser fenômenos interdependentes é o campo de forma livre da essência pura da mente. “A espacialidade


básica que é o campo da realidade, imutavelmente vazia, é conhecida através dos reflexos na natureza da mente.”7 A análise do samsara como uma cadeia causal de doze elos pode ser empregada na técnica de meditação, através da qual a vaziez de cada ligação é estabelecida e a fonte do samsara revelada. Mas, na visão aqui revelada, os doze conceitos em si mesmos – nada além do ser puro – são os meios para sua própria consumação imediata (ver também os versículos 24 e 25). Relaxando em cada conceito com uma mente vazia, a consciência prístina do ser puro, que é a essência pura da mente individualizada, está espontaneamente presente. Assim, a maravilhosa exibição de Samantabadra é apreciada como sua natureza inconcebível e não-estruturada. Uma vez que a essência pura da mente é intrínseca a tudo, nada além do ser puro pode surgir dela e não há mais nada a ser alcançado. Dito de outra forma, a expressão natural do ser puro é seu próprio antídoto e é reflexivamente liberado em si mesmo. N7: Sems nyid rang snang gi rnam pa las / stong pa ’gyur ba med pa’i dbyings shes bar byas. (Gnas lugs mdzod ’grel ba, p. 84, fol. 35. Em Dowman 2009, canto 71: “Qualquer aspecto das imagens gestálticas da natureza da mente deve ser conhecido como a espacialidade que é a imutável vaziez”.

3 Esta partícula todo-inclusiva, indivisível e não-padronizada,8 é a realidade não-específica da consciência prístina; nessa essência vivida, não-pensada e todo-aberta, no caminho da pureza reside a igualdade soberana. Essa partícula indivisível que nunca pode ser particularizado ou localizado é a essência da mente luminosa evocada no verso anterior. Dentro dele a consciência pristina, sendo não-composta, surge por e de si mesma. A singularidade dessa realidade é o significado não-específico do coração que é a exaltação da consciência prístina. A consciência prístina surge espontaneamente em e como o significado unitário das coisas. Essa consciência primordial do ser puro permeia todos os fenômenos aparentemente concretos em uma cognição unitária. É uma percepção vívida e direta, não-pensada e desestruturada, uma extensão todo-aberta e ilimitada. Na modalidade da pureza total que está imersa nessa não-dualidade perceptiva reside à consciência sem esforço da mesmidade, a igualdade natural de todas as coisas, e esta é a natureza da essência pura da mente. N8: Essa "partícula" ou "núcleo" (rdul phran gcig) é ao mesmo tempo uma partícula subatômica que não pode ser dividida e a única semente seminal da totalidade (thig le nyag cig). Existem leituras variantes para gses shing.

4 No imutável e inalterável, não há nada a desejar, nenhum objeto de percepção, nenhuma mente percebedora; a impulsão para a auto-percepção direta implica fixação em uma causa, mas nenhuma igualdade última pode surgir no êxtase da paixão pela meditação.


Essa cognição prístina que surge naturalmente impede o apego porque não tem nenhum objeto dentro dela para se apegar ou agarrar. Na ausência de qualquer objeto de apego não há mente para se agarrar e nenhuma mente para se apegar e assim a mente é ilimitada. Só existe o aqui e agora. Os fatores subjetivos e objetivos são resolvidos na cognição unitária. A natureza imutável daquela consciência é como uma ausência atemporal e primordial de um objeto a ser agarrado e de uma mente agarradora. Se, no entanto, ainda estamos impressionamos com o imperativo de buscar e encontrar a natureza da mente – esse absoluto atemporal e primordial – em um caminho de presença pura, vivida e direta, então isso implica a fixação em um caminho causal de meditação. Empregando tal técnica, muito provavelmente nos tornaremos intoxicados e obcecados pelo prazer que surge no modo projetivo da absorção meditativa. Nesse apego por prazer a possibilidade de alcançar a famosa igualdade soberana é negada. 5 Na dimensão búdica unitária e todo-abrangente, nada pode ser acrescentado, e uma vez que a espacialidade básica é ilimitada, não pode ser diminuída; na exibição da realidade não há lugar de humor elevado especial, pois o prazer reside igualmente por toda parte no vasto campo autossurgido. Nesta perspectiva não-dual, “a única dimensão búdica” é o ser puro que a tudo inclui (darmakaya), que engloba as dimensões de clareza (sambogakaya) e compaixão (nirmanakaya). Desde o início é completo e perfeito em si mesmo e nada pode aumentálo ou melhorá-lo. Da mesma forma, como a realidade da consciência autossurgida não pode ser alcançada pelo movimento em qualquer direção, sua espacialidade que é o campo da realidade é o ilimitado aqui e agora e não pode, portanto, ser delimitado. Assim, na experiência da mente luminosa não-dual não há variação no humor, apenas o sabor único do puro prazer , pois a realidade é o jogo do prazer e o campo da realidade é o playground do prazer. 6 Não há uma visão maravilhosa para ser vista aqui com um olho de insight, e nada específico para ser ouvido uma vez que nada pode ser explicado; aqui o sagrado e o profano estão sempre inextricavelmente misturados, e um objetivo final, um lugar superior, não pode ser articulado. Não há nenhuma compreensão ou insight particular a ser desejado acima de qualquer outro, pois toda cognição é igual no ser puro. Não existe um modo particular de ver que forneça um insight do aqui e agora, pois o aqui e agora está sempre presente. É inútil esperar ouvir algo de particular significado porque, no momento, o significado do coração permanece sem elaboração e não pode ser exposto. Se o "sagrado", o "real", é a


aparência aparente e o "profano", o "irreal", é pura fabricação,9 uma vez que a expressão verbal é uma mistura indissociável desses dois, é impossível articular a realidade última que é supostamente um estado superior. A realidade última da "vaziez absoluta", sendo expressa e definida, não existe na realidade e não pode ser estabelecida existencialmente. N9: “Sagrado e profano” cria “Dharma e não-Dharma” (chos dang chos min).

7 O caminho da mente luminosa não pode ser concebido como verdadeiro ou falso porque a própria consciência autossurgida não pode ser definida; na presença vivida e direta da identidade inclusiva e atemporal o pensamento surge, porém como uma sombra. Qualquer tentativa de determinar a mente luminosa manifesta, as aparências que esvoaçam pelo céu da mente, como reais ou irreais, autênticas ou artificiais, verdadeiras ou falsas, é puramente acadêmica. Tal discussão é orientada por constructos mentais que não podem compreender a natureza espontânea da mente. O próprio céu da mente autocognitivo supera seu conteúdo. Na identidade de forma livre, sem atividade direcionada, a presença pura não busca identificar a si mesma. Na consciência prístina, os constructos e pensamentos discursivos são como sobras tênues sem peso ou substância. Eles são uma sombra do estado búdico e uma sombra é tudo o que podemos ver deles. São como invenções da mente em tons de arco-íris, nem existentes nem inexistentes, nem vindo à existência nem deixando de ser. Toda expressão verbal na mente ou na fala é transcendida por sua natureza como a consciência prístina que ocorre de forma una com a fórmula verbal. Assim, os glifos alfabéticos do pensamento e da fala – quer expressem significados discursivos positivos ou negativos – são a fala búdica, e é inútil discutir consigo mesmo a validade de qualquer dada experiência com vista em qualquer conclusão imaginada. O apego a qualquer premissa, hipótese ou fórmula particular sobre qualquer outra é, portanto, impedido e o argumento ou discussão torna-se uma questão morta. Toda experiência é consumada em si mesma. 8 Sua inexistência não é desqualificada – sua essência emerge como uma ausência e sua vaziez não é uma nulidade – está presente como objetos vazios; através da lembrança da natureza do espaço, sem desejo, o prazer da ação consumada de forma livre é apreciado e nesse campo não-específico a consciência prístina emerge. A essência não existe como qualquer coisa, mas emerge como uma ausência de qualquer outra coisa. Do mesmo modo, a vaziez não é uma nulidade porque está


presente como um campo vazio. A “inexistência” e a “vaziez” da essência pura da mente são ferramentas conceituais que negam a sua substancialidade e criam um espaço inefável em que ocorre a não-ação e a criatividade espontânea. A “ausência” ou “inexistência” descreve a fonte – a essência pura da mente – de um campo ou objeto não-objetivável. A “vaziez” indica apenas a ausência de algo concreto ou específico nesse campo e, além disso, implica a infusão de tal realidade indeterminada por uma plenitude vital. O espaço é seu melhor análogo e, de fato, por evocar a experiência da natureza do espaço, livre de qualquer desejo ou intenção, o puro prazer da mente luminosa emerge em um campo de forma livre, permeado pela consciência prístina. 9 Os antigos ascetas, focando-se em uma vontade apaixonado, tornaram-se completamente perdidos no tormento do esforço extenuante; a onisciência que é a imersão no processo natural, se for articulada, gera meditação conceitual. Voltando aos sábios de outrora,10 para exemplificar um modo de meditação improdutivo e autodestrutivo, não foi tanto o esforço extenuante e apaixonado que condenou seu empenho, mas a construção de metas fixadas pela conceitualização do indubitável estado de onisciência daquelas que haviam reconhecido a verdadeira natureza da mente. A onisciência é a qualidade da consciência prístina não-conceitual; quando tal entendimento natural é definido como o conhecimento deste ou daquele através da especulação metafísica e da fabricação conceptual é transformado em uma meta desejável e a espontaneidade é impedida. Os rishis seguiram um caminho temporal fútil de meditação conceitual orientada para um objetivo. N:10: "Sábios" (drang srong) pode se referir aos rishis indianos ou aos monges do Bon.

10 Anciar pelo puro prazer é uma doença do apego; se não for curada pela panaceia da igualdade imperturbável, mesmo as bases causais dos estados superiores são infectadas pela paixão. O desejo pela felicidade ou prazer através da meditação é um apego tão estranho como o desejo por prazeres sensuais ou objetos materiais. A fome pelo puro prazer é uma doença cardíaca crônica. A panaceia universal para o desejo e o apego é o nosso senso imperturbável e inato da igualdade de toda experiência. Sem esse reconhecimento natural, o desejo anula até mesmo o mérito acumulado com o propósito de atingir um estado superior de ser. Sem isso, virtudes sociais como generosidade, paciência e moralidade são infectadas e distorcidas. Assim, o desejo que alimenta a ambição de atingir um objetivo espiritual é autodestrutivo. O desejo em si é auto-libertador, mas com a ânsia e o vicio – como o apego doentio ao êxtase da união – o desejo se torna uma falha no processo. É a presença da igualdade


que arranca a ferroada do desejo e permite a liberação espontânea. Mesmo que seja o desejo para a virtude que cria estados de beatitude, o mesmo se aplica a esse que é infectado pelo desejo orientado para um objetivo. 11 Aqueles enredados em um processo negativo por esta doença virulenta, ansiosos pelo progresso, são como animais perseguindo uma miragem – seu destino não existe em lugar nenhum; até mesmo as bases causais dos dez estágios obscurecem a mente mais pura. O anseio dirigido pelo objetivo implica um processo negativo que é como perseguir um fantasma – o objetivo é uma invenção da imaginação e não pode ser alcançado, não importa quão longa seja a viagem. O nirvana nunca pode ser alcançado pelo esforço. O princípio aplica-se igualmente àqueles que buscam uma meta mundana quanto àqueles que se esforçam para percorrer os dez estágios do caminho do bodisatva – os estágios e os níveis não podem ser percorridos enquanto estiverem separados do ponto de partida no aqui e agora onde a consciência prístina é uma fonte imediata de realização. Mesmo quando o objetivo é um dos dez estágios de purificação no caminho do bodisatva ou do próprio estado búdico, a ambição de alcançá-lo é uma falha no processo natural.11 N11: Veja Norbu e Clemente 1999, 280n205, para o comentário de Longchenpa sobre esses primeiros onze versos.

12 A consciência prístina ultrarrápida – além do pensamento, como um amigo espiritual – é uma fonte de preciosidades, ela é não-motivada e independente da mudança de circunstâncias; por sua própria natureza realiza todos os desejos. O esforço orientado para um objetivo é redundante porque a própria consciência prístina – movendo-se tão rapidamente que a realização é simultânea com a necessidade – é totalmente satisfatória. Tal consciência prístina é como a joia que realiza desejos dos mestres, que é a fonte da virtude infinita, a joia preciosa que carregamos em veneração sobre nossas cabeças. É como uma alma gêmea que responde aos nossos desejos não expressos, não tem motivação autodirigida ou oculta e permanece constante em todas as circunstâncias. Não é algo que possa ser imaginado ou que esteja sujeito às circunstâncias. É a presença pura que surge de dentro como nossa própria natureza – é isso que é totalmente satisfatório. 13 Se analisada não é nada – deixando-a ser, ela se revela como uma exaltação refinada! É verdadeiramente invisível, no entanto satisfaz todas as necessidades:


o mestre, inocente do eu e do outro é um tesouro; as Ilhas Felizes se revelam na compaixão altruísta. Esta consciência prístina, a joia preciosa que realiza desejos, quando examinada sob o microscópio parece inexistente. Mas ao relaxar naturalmente nela, ela emana espontaneamente uma multiplicidade de qualidades positivas; é a matriz invisível de onde emana a resolução de todas as nossas necessidades, e aqui o grande caminho é revelado a todos. Na consciência prístina, onde a dualidade de sujeito e objeto, eu e outro, é resolvida, há o mestre, o buda-guru e o professor. Essa é a terra do leite e do mel, onde tudo é cumprido, um campo de realizações instantâneas. O mestre é um bodisatva em sua terra pura que é uma emanação da compaixão altruísta. Este é o corpo da emanação (tulku) que nunca deixa sua fonte da mente luminosa e nunca se torna um objeto concreto – esta é a joia que realiza todos os desejos. 14 Sendo imóvel no interior, não é nada que possa ser encontrado dentro e virando-se para fora, ela não pode ser imaginada ou isolada; nem se afastando nem se intrometendo, essa compaixão altruísta é inalienável – permanece aqui atemporalmente. Esta joia preciosa da compaixão altruísta é idêntica à mente luminosa e, é dito que a mente desperta existe no interior, porém não pode ser descoberta dentro ou mesmo em qualquer lugar. Certamente ela não pode ser encontrada do lado de fora porque o que aparece lá fora é uma projeção em uma tela vazia e não tem nenhuma realidade substancial qualquer. Portanto, essa compaixão altruísta não pode ser nem irradiada nem absorvida, nem aplicada ao outro nem absorvida de fora, pois não pode sair de sua própria esfera, que é todo-abrangente. De modo algum pode ser intencional ou conscientemente aplicada a um campo externo humano ou material, ou se reduzir a uma piedade sentimental. Não pode ser focada em um alvo específico de simpatia. É uma constante primordial e universal. 15 Ansiar por prazer impede o seu alvorecer – o prazer já está aqui, ainda assim se esforça por si mesmo; na pura ilusão, desejamos ardentemente o nirvana, mas tal eu apegado não possui a visão búdica. O desejo incessante em direção a um fim futuro se frustra porque o processo atual do desejo neste momento é o próprio fim. A consumação não pode ser atingida até que o desejo seja reconhecido como o puro prazer que sempre foi. O desejo por prazer que surge da mente luminosa se esforça em direção ao que está sempre presente inevitavelmente no aqui e agora como o puro prazer. Da mesma forma, o desejo pelo nirvana que surge na consciência prístina obscurecida só é consumado quando reconhece a si mesmo como o nirvana. Enquanto houver esforço em direção ao nirvana a aspiração se afasta do nirvana e, em tal amarra, a natureza da aspiração como o


objetivo permanece obscurecida. Ao invés de tentar realizar a tarefa impossível de ficar de lado e admirar a mente luminosa, nós saltamos diretamente para ela! 16 Onde não há buda não há buda para nomear e rotular o buda revelado é um erro: tentar pegar o buda 'lá fora' é um caminho falso pois todas as coisas são sem forma, sem um pingo de substância. Enquanto a percepção dualista mantiver uma lacuna entre o desejo e o prazer, o chamado "buda" não pode ser visto. Na ausência de “buda”, empregar o conceito é sugerir algo que não existe, o que cria uma dicotomia entre o que é e o que poderia ser. Esforçar-se para o que pode ser é uma busca equivocada e quimérica porque “buda” não tem cor ou forma e não existe em lugar nenhum. "Buda" não tem substância ou continuidade alguma, então o rótulo não se refere a nenhuma entidade ou estado. Então, quando “buda” é revelado, não pode haver objetivação do estado búdico não-dual. Não pode ser conceituado e “aquele que sabe não fala”. Assim, a palavra “buda” continua sendo falsa em qualquer contexto e quer em um estado ilusório ou não-ilusório "aquele que fala não sabe". 17 Consumado, além do desejo, sereno, insubstancial, e totalmente anterior, a natureza da ambrosia milagrosa não depende de nenhuma técnica. A "ambrosia milagrosa" é a percepção não-dual onde o sujeito consciente e o objeto animado ou inanimado estão indissoluvelmente unidos na totalidade da consciência prístina. Esta ambrosia (amrita) é, portanto, a própria consciência prístina que é espontânea, sem esforço e inevitavelmente presente em cada momento. Não há necessidade de aplicar qualquer técnica para atingir a liberação e não importa de modo algum o formato e a cor da forma imaterial que é abandonada lá. A neurose da fixação e a dor do apego são natural e primordialmente abrandadas. 18 Esta realidade sublime, livre, aberta e que a tudo inclui, oferece recursos para os pequenos; mas quando os conceitos se dissolvem na vastidão não há distinção entre grande e pequeno. O antídoto para as aspirações orientadas para um objetivo de adeptos aos níveis menores – causais – dos discípulos, eremitas e bodisatvas é a vasta extensão da realidade naturalmente aperfeiçoada. Neste espaço todas as ideias sobre a natureza da realidade se dissolvem, todo desejo, aspiração e ambição se dissolvem, todos os conceitos projetados sobre os campos sensoriais se dissolvem. Há apenas um recurso, uma técnica ou um antídoto, e essa é a mente luminosa primordial, que não deve ser procurada.


19 As transmissões articuladas e as visões emergentes, que são como um truque de um ilusionista, surgem na consciência pulsante obscurecida. A transmissão que é verbalizada de improviso aumentada pela instrução secreta, ou uma visão que toma forma momentânea, é como a magia de um bruxo – mera ilusão. Agora você a vê; agora não mais! Parece ter conteúdo, mas é totalmente insubstancial. Tal criatividade surge pelo poder da consciência prístina pulsando na igualdade, criando uma meada de ilusão em cada batida, a cada batida é engolfada em sua própria pureza. Através do auto-reconhecimento da igualdade ultima em uma mente entorpecida, a consciência prístina é liberada de seu aparente embotamento e nebulosidade. Dentro da ilusão aparente a consciência prístina emerge espontaneamente. No próprio processo das flutuações voláteis da energia ilusória, em sua dispersão e absorção, expansão e contração, sua oscilação entre a produção criativa e, finalmente, o repouso desconstrutivo, a consciência prístina surge na igualdade. Desta forma, a transmissão verbal é a revelação inspirada de uma consciência prístina pulsante e dinâmica. A visão surge pelo mesmo processo. A poesia e a arte surgem do mesmo modo. A escritura tem a mesma fonte. Fora de uma mente lânguida e entorpecida, a consciência primordial brilha e, portanto, pode ser considerada a fonte da criatividade espontânea. Este preceito é reafirmado no Minério de Ouro Puro, versículo 5, e no versículo 44 do Estandarte da Vitória Eterna. 20 Nesta abordagem soberana e universal, liberada e acolhedora, nossa natureza não aspira a nada, não se apropria de nada, e não induz a menor presunção. Sendo auto-suficientes, somos liberados de todos os suportes conceituais e muletas mentais, livres de uma base ou porto espiritual. Com a presença da igualdade somos não-discriminatórios. Não temos desejos nem necessidades. A ingenuidade de nosso prazer assegura que nenhuma complacência ou arrogância possa ser gerada, e isso nos liberta da aparente segurança do útero dos deuses. A universalidade do processo onde os reinos superiores e inferiores são um só e os budas e os seres sencientes são indivisíveis, nega a possibilidade da exclusividade dos deuses como também o orgulho divino do sábio. 21 Tal como acontece com o sublime garuda em voo, sem complicação nem simplificação, não tendo nada a perder e nada a ganhar. O garuda, o rei mitológico dos pássaros, emerge de seu ovo completamente maduro e ao nascer ele pode deslizar pelo universo com um único movimento de suas asas. Completamente autossuficiente, destemido, sem qualquer ansiedade, ele não precisa de saída ou entrada, não irradia e nem absorve nada, sem difusão ou concentração; voando


alto e livre, ele é completamente feliz em si mesmo sem expectativa ou trepidação, esperança ou medo. 22 Esse espaço último que é como o oceano, dá origem à multiplicidade das coisas; o potencial criativo, de igual extensão com o espaço, é imprevisível nas formas que toma. O oceano é a fonte de toda variedade. Ainda em suas profundezas, sua superfície assume espontaneamente todas as formas pacíficas e iradas que representam todo tipo de experiência humana. Tal como a forma da superfície do oceano é caprichosa e variável, assim a forma da criação, o formato de nossa experiência, é mutável, variável e imprevisível. A criatividade da essência pura da mente é todo-penetrante como o espaço e onde parece se manifestar como isto ou aquilo é sempre incerto. 23 Na essência pura da mente, o supremo samadi soberano surge espontaneamente; e a visão é como um vasto oceano, não-estruturada, tão extensa quanto o espaço. A dinâmica criativa da essência pura da mente é onipresente, embora seu ponto de manifestação aparente seja incerto. Em cada pensamento ou construção adventícia, o samadi final sempre surge sem concentração ou relaxamento. Com isso, então, a visão é como um vasto oceano ou como o céu. A visão não tem estrutura; ou é simultaneamente estruturada e desestruturada. Livre de pensamento com um senso de igualdade ela é de igual extensão com o espaço. Essa é a visão. 24 Neste campo de forma livre de Samantabadra nada nasce e nada se transforma; a cadeia causal dos doze elos o denigre e o degrada. No campo da atividade de Samantabadra, que é o espaço da igualdade, nada nasce e nada morre, nada vem a ser e nada deixa de ser; nada pode se transformar ou transmigrar e não há nada que possa mudar. A causalidade é anulada, de modo que não há carma nem reencarnação. A cadeia dos doze elos da origem interdependente (ignorância, tendências habituais, consciência, nome e forma, os seis campos sensoriais, contato, sensação, desejo, existência, nascimento, velhice e morte) é uma análise do samsara, a roda da vida. Entreter tal teoria denigre e rebaixa o buda original, Samantabadra, ao imputar um processo causal ao que é atemporal. A causalidade impede a perfeição do aqui e agora pela presunção de causas e condições. É a premissa de um pessimista intratável. Porém, negar a cadeia causal diminui o samsara, enquanto afirmá-lo reifica suas aparências fugazes – e nenhum delas é apropriada para o reconhecimento de sua natureza.


25 Deixe o sábio reconhecer a cadeia dos doze elos como uma porta para a compreensão ilusória do ignorante; a experiência dos seis tipos de seres míticos deve ser reconhecida como o caminho principal. Se acreditarmos no samsara, afirmando a existência de suas causas e condições, uma porta para os seis reinos de sofrimento do samsara se abre e começa a transmigração sem fim de reino para reino. Os ignorantes que passam por essa porta estão presos por aparências ilusórias. Mas quem reconhece a natureza da realidade entende os doze elos e as aparências samsáricas como meros conceitos e construções. Ao mesmo tempo, a experiência samsárica ilusória dos seis tipos de personalidade – os seis tipos de seres míticos que povoam os seis reinos da roda da vida – reconhecida pelo sábio como a própria mente luminosa, constitui a modalidade iluminada. Desta forma, o que representa uma armadilha para aqueles que afirmam ou negam o samsara e sua retórica causal é um golpe de sorte para aqueles que o entendem como um processo da mente luminosa. 26 Uma vez que as buscas sensuais são estimuladas pela compaixão, o prazer da mente luminosa é adotado em todas elas; açougueiros, prostitutas, quebradores de tabu, pecadores terríveis e os excluídos,12 todos só podem conhecer o puro prazer através da perfeição inclusiva, o elixir não-dual. Quando não há lacuna entre a visão e a ação na roda da vida, quando a visão e a ação são congruentes e simultâneas, qualquer que seja a forma que o continuum sensorial tome, independentemente do opróbrio ou tabu social, só pode haver puro prazer. Na percepção não-dual, a forma aparente é sempre uma mera ilusão tênue da mente luminosa. Toda a atividade é permeada pela compaixão pelos outros. Isso inclui a atividade de açougueiros e todo o deleite erótico – tudo é a ação da mente luminosa e o puro prazer é o seu tom de sentimento inevitável. Mesmo a quebra dos tabus sociais é permeada pela compaixão, independentemente de se tratar de uma única ação ou estilo de vida. Os cinco tabus, ou crimes imperdoáveis da tradição budista são, matar a mãe, matar um arhat, matar o pai, criar uma cisma na comunidade e derramar o sangue de um tatagata com malícia – é dito que estas ações resultam no renascimento imediato no inferno sem um momento para absolvição. O elixir da não-dualidade absolve – absolutamente – toda a culpa, e na igualdade última só pode haver o puro prazer.13 N12: Essa linha ambígua também pode ser lida como “todos estão livres da moralidade convencional” ou “todos abandonaram o pecado mundano” (kha na ma tho ’jig rten spong). Veja também Dowman 2009, canto 122ii, p. 247 N13: Veja também Minério de Ouro Puro, verso 8, abaixo. As sete linhas seguintes foram removidas do corpo da tradução porque parecem ser uma interpolação irrelevante quebrando o fluxo do significado (os Dez Sutras não têm comentários sobre essas linhas). Talvez eles tenham sido


acrescentados devido à forte força de seu argumento, instigando a não-ação, que é o tópico dessa transmissão em particular. “Porque toda a experiência está no presente, / a natureza da experiência é o aqui e agora; / assim a mente fenomenal em busca de si mesma, / o espaço buscando a natureza do espaço / como se a realidade fosse algo estranho, / é como tentar extinguir o fogo com fogo, e essa é uma tarefa muito difícil.” O intelecto não pode ver ou isolar sua própria natureza, e no esforço e na luta para objetivar a si mesmo, cria um fluxo de pensamento analítico e discursivo, juntamente com ideias equivocadas sobre como alcançar a consumação que apenas torna a água mais turva. Por outro lado, tentar parar de pensar apenas cria mais pensamentos e é como adicionar fogo ao fogo.

27 Essa essência pura, desestruturada e não-pensada da mente não pode ser ocultada no continuum da mente: para os iogues de mente luminosa e indiscriminada a mente luminosa está presente em todas as situações. Nossa identidade real, sendo todo-inclusiva, perfeita e completa, nossa identidade como a mente luminosa é inseparável do puro prazer. É conhecida como “a essência inconcebível”. Não é algo discreto escondido em algum lugar na continuidade do ser ou na personalidade. Está lá para todo mundo ver em cada situação que surge. Quando agimos sem discriminação, nem rejeitando nem adotando o que quer que surja, ela está implícita no senso de realização total. Não há nada faltando e nada supérfluo, ela reside na ausência de motivação. É a equanimidade que existe na experiência da coisa-em-si, a essência da experiência não-estruturada. Ela existe como a natureza da mente na continuidade do pensamento.


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MINÉRIO DE OURO PURO _______________________________________________________________

Assim como o minério é impregnado pelo ouro puro, toda experiência é permeada pela mente luminosa. O minério, na verdade, é tão bom quanto o ouro. A experiência de todas as coisas compostas pelos cinco elementos é, portanto, o professor a mente-puraluminosa. Aqui Samantabadra transmite o significado do coração desse axioma. A nãoação natural é o tema e a não-meditação é o modo. Manjushri, o Príncipe Virgem e Gentil, é evocado como o modelo desta transmissão inequívoca. O iogue repousa naturalmente no prazer espontâneo da perfeição sem esforço!14 N14: O título Minério de Ouro Puro (Rdo la gser zhun) fornece uma metáfora para a pureza intrínseca de todas as nossas experiências. Impregnado pelo ouro, o minério não é menos precioso do que o ouro purificado em si. O jovem gentil, ou o príncipe virgem e gentil, que personifica a mente luminosa que impregna toda a experiência, é Manjushri Kumara (Jam dpal gzhon nu), conhecido mais convencionalmente como o bodisatva da inteligência e o protetor da mente. Identificado com a pura essência da mente, a fonte de tudo e de todos, ele é onisciente.

Ei, Ser Magnífico, ouça! 1 A Mente Luminosa é a Luz de Buda e o Coração de Todas as Coisas Mente luminosa, inexprimível, além da ideação, como a luz do professor é exaltada por todos; como o coração da experiência é o príncipe gentil descansando no prazer espontâneo da perfeição sem esforço. Na essência pura da mente existe um samadi que transcende todo o campo das ideias e está além da expressão. Descansando no samadi que está além da mentalidade, buda é a percepção da essência pura da mente como a luz que é o professor, a Lâmpada Búdica e o seu louvor. É o núcleo de tudo, de todos os fenômenos e de toda revelação, onde tudo é conhecido. Esta onisciência é personificada como a juventude gentil, brilhando em glória. Ele não tem objetivo a atingir e nada para se esforçar, assim nele a não-ação é facilmente aperfeiçoada e sem qualquer esforço ele repousa na matriz do puro prazer. 2 A Modalidade da Mente Luminosa Não é Condicionada a Um Voto de Conduta Moral Como a base de todas as disciplinas, tal como a conduta moral, a mente luminosa fornece liberação em todos os seus modos, é a mãe de buda e o caminho universal –


sem ela nenhum buda poderia vir a ser: eu sou o caminho da liberação suprema. A essência pura da mente é o fundamento de uma vasta gama de modos comportamentais, incluindo as disciplinas derivadas do voto de conduta moral e dos compromissos tântricos. Na medida em que a mente luminosa é o fundamento de todos eles, todos eles participam de sua função libertadora. A essência pura é assim chamada "a mãe do buda alegre". O caminho que a tudo inclui, no entanto, abraça todos, quer mantenham ou não votos de conduta moral. Se os votos da conduta moral não possuírem a modalidade da liberação, nenhum buda será gerado; mas qualquer que seja a natureza da conduta, uma vez que está fundamentada na essência pura da mente, ela possui a função da liberação. Por esta razão, não há voto de conduta moral na modalidade da liberação suprema. É essa liberdade que Vajrasattva representa. A essência pura da mente, como a fonte suprema, é a origem de todos os caminhos e abordagens para o estado búdico e fornece simultaneamente a modalidade de liberação de todos esses estilos de vida múltiplos. Vajrasattva é a modalidade da liberação suprema (veja o versículo 1 do Estandarte da Vitória Eterna). Todas as disciplinas e compromissos samaya são assimilados a esses aspectos do estado búdico e, portanto, abrangidos por Vajrasattva. O processo da liberação suprema, no entanto, não depende de nenhuma disciplina ou compromisso samaya. 3 O Processo Universal da Liberação Inerente à Mente Luminosa é Insondável Sutil e elusivo, este caminho universal transcende o pensamento e o não-pensamento; sem localização ou referência – indeterminado – está além de toda ideação; indizível, não tem cor nem forma em um campo sensorial; intangível e impenetrável, é inexprimível. A modalidade universal da liberação inerente à mente luminosa não pode ser concebida e transcende o pensamento e a ausência de pensamento. Não tem ponto de referência em nenhum nome ou forma concreta; não pode ser isolada ou localizada de qualquer forma. É totalmente indeterminável e, portanto, não pode ser enquadrada em qualquer ideia e não pode ser expressa verbalmente. Desta forma, é sutil e elusiva. 4 Os Perigos do Caminho da Meditação Formal Quem segue o caminho dos antigos ascetas fica doente devido ao apego ao processo de meditação; a instrução literal de seus professores interpretada como uma busca, faz com que eles persigam um fluxo de conceitos, como se perseguissem uma miragem: a modalidade perfeita não pode ser indicada por palavras


e qualquer "doutrina verdadeira" é uma farsa de Vajrasattva. Seja Budista, Hindu ou Bon, o caminho clássico da meditação é uma armadilha e uma ilusão quando o apego a ela se torna obsessivo e se torna um fim em si mesmo. O hábito da meditação se torna uma doença quando não há função libertadora no processo. É uma doença quando um estado de transe bem-aventurado aparentemente separa um iogue arrogante de sua mente. Mas acima de tudo, é uma doença simplesmente porque é orientada para um objetivo e promete a realização somente se o presente for prostituído para o futuro. Esse estado de alienação é causado por confundir construtos mentais pelo caminho, confundir a sombra do significado expresso em palavras pela coisa em si, seu significado do coração. Os significados das palavras são considerados como conceitos sagrados. A letra da instrução é levada a peito mais do que ao espírito. Tomar literalmente a palavra do professor é, por exemplo, interpretar a realidade como algo concreto a ser atingido, esforçando-se na técnica e no método, e não como uma porta para a realidade do momento. As palavras e conceitos são um meio para sua própria transcendência no aqui e agora. O fascínio pela estrutura é um desvio; a doutrina professada como "verdadeira" e "correta" dá a Vajrasattva uma máscara do ridículo. 5 Perplexidade e Ignorância São a Base da Iluminação Pureza e impureza, como uma, estão indissociavelmente misturadas, a consciência prístina e a confusão são indivisíveis; esta é a lâmpada da claridade desimpedida livre da atividade mental, e a ignorância intratável, em si mesma, é um samadi soberano. Todas as polaridades e dicotomias perpetradas pelo intelecto são resolvidas na atemporal consciência prístina da mente luminosa. O que é chamado de "puro" e o que é chamado de "impuro" é uma totalidade perfeita, e o que é chamado de "consciência prístina" e o que é chamado de "confusão" e "ignorância" são precisamente a mesma coisa. Tanto a ignorância como a consciência prístina residem na mente luminosa e a natureza da mente é a natureza de tudo. Essa unidade é a lâmpada de buda e o coração da mente luminosa, e a própria consciência prístina é, por definição, desimpedida e todo penetrante. O estado de escuridão total é inerentemente um estado de absorção suprema, de modo que a "estupidez" e a "indiferença lânguida" são outra maneira de dizer "samadi não-discriminatório". (Veja também o Grande Garuda verso 19 e o verso 44 do Estandarte da Vitória Eterna) 6 Não Há Nada para Ver com o Olho Búdico O olho do insight direto, vendo diretamente, não vê nada, e é chamado de “o olho búdico da onisciência”; conheça a natureza da vastidão sem centro ou fronteira e aí reside à igualdade soberana não-discrimitatória.


No samadi da consciência prístina não há pontos de referência, nenhuma imagem para se focar, nenhuma particularidade. O olho búdico da onisciência vê diretamente dentro da natureza das coisas e como essa realidade não tem campo de referência diz-se que não vê nada ou não vê absolutamente. Uma extensão “suave” sem centro ou circunferência é uma definição de realidade. 7 O Que Quer Que Apareça aos Sentidos é Puro Prazer A mente luminosa e seus hábitos são um e estão indissoluvelmente misturados: toda a experiência manifesta pela mente projetiva, brilha como um adorno, nem aceito nem rejeitado – simplesmente deixe-o ser e aproveite! Na essência pura da mente, na condição natural, não há distinção entre a mente e suas propensões. Portanto, não há chance de modificar ou mudar hábitos. O que quer que apareça nas janelas da mente – as cinco janelas sensoriais – é determinado pelo hábito mental e construído pela mente condicionada. Mas os próprios sentidos não fazem distinção entre as formas que aparecem nessas janelas. Eles não fazem julgamento de qualidade ou adequação. Não há atribuição de bom ou mau. Eles não suprimem ou rejeitam algumas formas enquanto deixam outras entrarem. Os sentidos indiscriminados permitem que cada sensação surja como decoração estética para ser desfrutada em e como ela mesma, independentemente de sua forma. Não há absolutamente nada a ser feito com ela. Qualquer intenção de alterá-la ou modificá-la impede o puro prazer. 8 Nenhum Vício Está Fora do Âmbito da Mente Luminosa. As atividades que são anátemas ou tabus, as cinco emoções e os cinco crimes imperdoáveis, proporcionam igualdade soberana no caminho da pureza; nada é rejeitado – muito menos o sexo. Na medida em que as propensões da mente que se manifestam espontaneamente como atividade antissocial convencionalmente repugnante ou como emotividade apaixonada são inseparáveis da mente luminosa, elas geram uma experiência que não é diferente de qualquer atividade comum. Mas, uma vez que são acompanhadas de desdém social e talvez de culpa pessoal, elas proporcionam um espaço de alienação em que a igualdade da consciência prístina, sendo imperativa para a sanidade, é aparentemente amplificada. Em tal experiência, sem procurar cultivá-la ou abandoná-la, encontra-se a pureza sublime e absoluta, e quem lá entra atinge a igualdade última da mente luminosa. Assim, as moradas do desejo – em particular o sexo oposto – não devem ser evitadas. Isto é destacado nos compromissos samaya do mahayoga. Embora os tabus sociais variem de sociedade para sociedade, a emotividade apaixonada é universalmente de cinco tipos – luxuriosa, irada, ciumenta, arrogante e temerosa. Os cinco crimes irreparáveis são matar a mãe, matar o pai, matar um arhat, criar uma cisma na comunidade e maliciosamente derramar o sangue de um buda, nenhum dos quais, é dito, podem ser absolvidos porque as consequências cármicas são imediatas.


9 As Abordagens Tradicionalistas são uma Anátema O intelecto condicionado pela forma tradicional e significado literal,15 os três samadis elaborados,16 a crença na doutrina e no dogma, tudo isto é uma falha na transmissão sem esforço – é delusão; permaneça no prazer espontâneo da perfeição de forma livre!15 Conhecemos a história pelas formas que a tradição nos transmite através da linguagem corporal, sinais e símbolos, pela transmissão oral ou poética e através da literatura. Também a conhecemos pela intuição primordial de Samantabadra e Vajrasattva. Quando esse legado da tradição é assimilado à mente racional, testado e comprovado, quando a “história” é transformada em um padrão linear e lógico pelo tempo e pelo esforço intelectual, o iogue se torna condicionado às formas e significados da tradição e perde a espontaneidade. Se a história da filosofia, do mesmo modo, discernida nas camadas de véus que encobrem o ser puro momentâneo, se torna uma função da mente lógica linear, condicionada pela abordagem acadêmica, é delusória. Se, entretanto, ele pratica os três samadis do mahayoga de "corpo", "fala" e "mente" com absorção meditativa, ele cultiva os três modos ou dimensões do ser (trikaya) em um caminho com um objetivo em mente. (Os três samadis do mahayoga do aqui e agora, o samadi que a tudo ilumina e o samadi da sílaba semente, referem-se respectivamente às três dimensões da essência, natureza e compaixão.) Através da projeção e aplicação dos princípios de gênero de meios e insight, ele está perdido em um caminho orientado para uma meta. Seguindo os princípios estabelecidos de dogma e doutrina, ele pode se envolver em filosofia comparativa e até mesmo em metafísica especulativa, ele pode até ensiná-la, mas está perdido em esforço dirigido a um objetivo. Esse método de estudiosos tradicionalistas e intelectuais convencionais cobre efetivamente a efusão momentânea da transmissão espontânea de Samantabadra. A imperativa não-ação de forma livre é perdida na camisa-de-força da tradição e disciplina orientada para um objetivo. N15: O texto tem lo rgyus don gnyis, que pode ser usado para indicar seu significado absoluto (rang don) e específico (spyi don). Os Dez Sutras tratam a história (lo rgyus) sob três títulos: a bênção (byin brlabs), a “própria essência” (rang gi ngo bo) e a escritura (tshig sdebs). N16: Os três samadis do mahayoga são tomados como o samadi do aqui-e-agora (de bzhin nyid kyi ting nge ’dzin), o samadi todo-iluminador (kun tu snang gi ting nge ’dzin), e o samadi da sílabasemente (rgyu’i ting nge ’dzin) e referem-se respectivamente às três dimensões da essência, natureza e compaixão.

10 A Não-ação é a Condição Natural O núcleo da sublime consciência autossurgida, imperturbável, imutável e não-elaborada – esta é a ambrosia da consumação atemporal que derrota a dor de qualquer esforço: toda ambição satisfeita, repousa no aqui-e-agora!


A natureza da própria cognição é, em última instância, satisfatória e previne a necessidade de lutar por qualquer satisfação através do esforço extenuante da atividade dirigida. O sofrimento do fracasso de não obter o que se deseja, de obter o que é indesejável e de perder o que está à mão é evitado pelo elixir da consciência prístina. Uma vez que a consciência prístina não pode ser mudada, o aqui e agora é perfeito e completo em si mesmo. Mesmo que haja uma ilusão de evolução, a realidade do momento está além da mudança, portanto não há objetivo a ser alcançado e nada a fazer. A ambrosia da não-dualidade consuma a atividade de cada momento: a não-ação é o modo em um campo de consumação sem esforço. Ei, Ser Magnífico, ouça! Todas as coisas na experiência tem a natureza da mente luminosa – ela é o núcleo seminal que a tudo inclui; incapaz de elaboração ou concentração, expansão ou contração, originação ou cessação; não confinada, simplesmente está sendo. essa essência inconcebível, atemporalmente presente como o céu, onipresente como o espaço, transcende as ideias e a fala.17 N17: Estas doze linhas anexadas ao Minério de Ouro Puro parecem ser uma inserção posterior. Os Dez Sutras acrescentam este verso conclusivo: “Os seis núcleos todo-transcendentes, / imunes a qualquer inflar ou desinflar, / por sua natureza não-nascida e incessante, revelam o significado da não-meditação.” Os seis núcleos são o núcleo da realidade (chos nyid kyi thig le), o núcleo da espacialidade básica (dbyings kyi thig le), o núcleo da espacialidade totalmente pura (dbyings rnam par dag pa’i thig le), o núcleo da consciência prístina (ye shes chen pa’i thig le) ), o núcleo de Samantabhadra (kun tu bzang pa’i thig le) e o núcleo da espontaneidade (lhun gyi grub pa’i thig le). Pode ser relevante notar que algumas fontes incluem os Seis Núcleos Seminais (Thig le drug pa) entre as Cinco Traduções Iniciais.


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O ESTANDARTE DA VITÓRIA ETERNA: O VASTO ESPAÇO DE VAJRASATTVA _______________________________________________________________

O Estandarte da Vitória Eterna é a fonte de toda a transmissão e instrução essencial. Mais especificamente, ele ensina a não-ação total pela qual tudo e todos já são perfeitos. Nesta grande transmissão, Samantabadra se revela a Vajrasattva como sua própria natureza. “Eu sou você,” ele afirma. “Eu sou a mente luminosa e a mente luminosa é o vasto espaço de Vajrasattva.”18 N18: Também conhecido como O Vasto Espaço de Vajrasattva (Rdo rje sems dpa’ nam mkha’ che), O Estandarte da Vitoria Eterna ou A Bandeira da Vitoria Sempre-Desfraldada (Mi nub rgyal mtshan) é introduzida nos Tantras Coletados de Vairotsana como a raiz de toda instrução e transmissão essencial. Na Fonte Suprema, Samantabhadra introduz a transmissão da seguinte forma: “Ouça, Sempa Dorje, / Eu mostrarei a você, Sempa Dorje, / sua própria natureza. Eu, a fonte suprema, sou sua natureza / e sou uma mente luminosa atemporal / e a mente luminosa é assim.”

O Momento Atemporal da Realidade 1 O vasto espaço de Vajrasattva a extensão do todo-bom do campo da realidade, esta é a modalidade pura e todo-libertadora, incriada, incessante e não-pensada. O Professor Sublime – Samantabadra: Vajrasattva é a espacialidade onipresente do nosso ser imutável, cuja exaltação reside em sua inalterável consciência autossurgida. Sua realidade indiscriminada é Samantabadra, o todo-bom e todo-abrangente campo da realidade, a espacialidade básica que é o dharmadhatu. Tudo se dissolve nele e emerge dele em um gozo desimpedido e relaxado, todos os budas e seres sencientes do universo triplo (sensual, forma e sem-forma) são liberados instantaneamente na mente luminosa. Desta forma, nada substancial no campo da realidade nunca é criado, nada em absoluto nunca vêm à existência ou deixar de ser. A consciência autossurgida reside nisso, desimpedida, num samadi implacável que não tem começo nem fim, não concebe nem motiva absolutamente nada. Samantabadra, que é a mente luminosa em si, é o professor perfeito de cada situação. Divulgando sua natureza a Vajrasattva, ele diz, “Você é o céu claro da consciência pura


e eu, como o professor, lhe mostro minha realidade não-discriminatória. Eu sou a mente luminosa e tudo e todos simultaneamente emanam de mim e se dissolvem em mim e nesse processo encontra-se a liberação inevitável”.19 Assim, a realidade do professor, Vajrasattva, é a natureza do ser. N19: O terceiro sutra dos Dez Sutras aborda as três primeiras partes da excelência quíntupla do professor, o ensinamento, seu séquito, o lugar e o tempo. A natureza do professor perfeito, Samantabhadra, é demonstrada aqui (verso 1); o ensinamento excelente é a mente luminosa (verso 41 e também 42); a natureza do séquito excelente é os três modos de ser dentro da presença pura (versículo 46). O lugar excelente é a vasta espacialidade do campo da realidade tratado nos versículos 16 e 9; e o tempo excelente é a unidade do tempo tratada nos versículos 26 e 48.

2 A bondade amorosa já é consumada, de modo que a compaixão não é perseguida; supremamente vasta e profunda nenhuma qualidade existe para aclamar. A Exaltação da Iluminação Aqui e Agora: A bondade amorosa é a natureza todo-penetrante da mente luminosa, por isso é o próprio amor que já cumpriu o objetivo final que é a realidade sempre imanente de Vajrasattva. A compaixão é então a natureza da realidade, como afirma buda, e é fútil focalizar e direcionar a qualquer ser o que já está presente como sua natureza. É impossível cultivar o que já é natural e plenamente potencializado e, portanto, qualquer prática de compaixão é redundante. É contraproducente permitir que a compaixão se torne uma resposta afetiva à dor alheia, uma vez que isso criaria uma dicotomia de interior e exterior e um obstáculo ao fluxo espontâneo de compaixão. A exaltação da consciência prístina é sua natureza imaculada e isso não pode ser melhorado, alterado, nem conscientemente cultivado ou realizado. Tal exaltação é profunda porque a percepção dualista é transcendida. Nesse espaço oculto e nãoreferencial onde não há imperfeição ou defeito, não há falha para corrigir, e nenhuma falha a reconhecer, assim como pode haver alguma qualidade particular para exaltar ou qualquer sucesso para celebrar?20 Assim, Vajrasattva é apresentado como a bondade amorosa. N20: O quinto sutra dos Dez Sutras trata das cinco exaltações (che ba rnam lnga): a exaltação da iluminação aqui e agora (mngon par sangs rgyas che) expressada como a excelência quíntupla (ver nota 19 acima), exaltação do campo iluminado da realidade (versículo 16), exaltação da identidade iluminada (versículo 33), exaltação da evidência da iluminação (versículo 40) e a exaltação da nãoiluminação (versículo 8).

3 As intenções não-agitadas de sua própria natureza, por meio da não-ação são liberadas e ativam a liberação; não buscando a consciência autossurgida, sendo libertadora, revela a modalidade da liberação.


A Transmissão Finalmente Resolvendo Toda a Experiência: Nossa identidade – nossa individualidade – é a realidade inalterável da mente luminosa. Nem mesmo nossas intenções e impulsos, nossas metas e objetivos, nossas reações e respostas podem escapar de sua condição natural que é esta realidade inalterável. Não fazendo absolutamente nada, sem atividade direcionada, livre de empenho e sem esforço – que é a não-ação – a Grande Perfeição é reconhecida. A consciência prístina, não condicionada por causas e condições, se libera por meio de seu estado natural nãoapreensível e revela a modalidade liberadora. Resolver toda a experiência como o significado puro é o propósito da mensagem essencial da transmissão do Estandarte da Vitória Eterna: a liberação na grande perfeição é inerente a todo movimento da mente, seja de um buda ou de um ser comum, desde que não haja nenhum esforço para alcançá-la.21 Assim, a mente ordinária é naturalmente liberada no momento. O caráter e a personalidade nunca são divorciados da mente luminosa. N21: O sétimo sutra dos Dez Sutras trata os três tipos de transmissão: a transmissão direta ou a emanação na natureza da mente (verso 19); a transmissão auditiva (verso 22); e a transmissão, finalmente, resolvendo toda a experiência (verso 3).

O Momento Atemporal da Presença Intrínseca 4 Vajrasattva é os grandes elementos intrinsecamente presentes em todos os seres; mesmo que noções falsas nos obcequem, a liberação é autossurgida – mas somente nele. A Consumação do Mahayoga: A totalidade, Vajrasattva, está universalmente presente como os cinco "grandes" elementos da terra, água, fogo, ar e espaço, e esses elementos são os cinco budas todocriadores. Todos os seis tipos de seres – deuses, homens, titãs, fantasmas famintos, animais e seres dos infernos – são compostos por esses elementos. Assim, Vajrasattva é uma presença constante e todo-abrangente. Podemos conceber os elementos de qualquer maneira – simbolicamente, personificados, materialisticamente ou funcionalmente – mas independentemente de tais noções e apesar de qualquer conceitualização de Vajrasattva, como os cinco budas, ele é o lugar da liberação inevitável e espontânea. No mahayoga, os cinco elementos estão localizados no fluxo mental e são visualizados como a mandala dos cinco budas (Vairocana, Akshobia, Ratnasambava, Amitaba e Amogasidi) representando a pureza primordial dos cinco elementos. Este é um processo artificial de meditação orientada para um objetivo. Mas, uma vez que o fluxo mental luminoso é a grande perfeição que engloba todas essas enumerações e todas essas técnicas meditativas o momento da prática surge espontaneamente como Vajrasattva. O mahayoga fornece uma porta para a grande perfeição em si, quando a sua técnica meditativa é reconhecida como abarcada pela mente luminosa. 22


Assim, Vajrasattva é intrínseca e naturalmente presente no aqui-e-agora. N22: Os versos 4, 5 e 6 mostram a perfeição intrínseca da natureza da mente, independentemente da técnica de meditação. No nono capítulo dos Dez Sutras, o comentário sobre esses versos mostra como o mahayoga, o anuyoga e o sattvayoga (versos 4, 5 e 6, respectivamente), englobados pelo Dzogchen, facilitam a realização dessa perfeição.

O Momento Atemporal da Exaltação Natural 5 A elevada consciência prístina, tão elusiva, pode ser realizada através de meios e insight; embora estes apareçam como uma ficção estranha de apoio; o prazer real surge apenas espontaneamente. A Consumação do Anuyoga: A consciência prístina é impossível de localizar porque não tem referência, nem endereço. A dificuldade de acesso pode ser superada através do reconhecimento da união intrínseca da realidade e da presença pura. Isso parece implicar uma dependência de uma dualidade nominal ineficaz, mas uma vez que a exaltação da consciência prístina, – o puro prazer imediato – surge apenas de e na mente luminosa, que está completamente além de causa e efeito, sua natureza só pode ser a espontaneidade. No caso da ignorância intratável em relação a perfeição intrínseca da natureza da mente, onde a consciência prístina permanece fugidia, pode-se recorrer à construção do anuyoga de meios e insight (Tib: thabs dang shes rab) que fornecem uma abordagem referencial ao puro prazer da consciência prístina. Os meios hábeis são a presença pura (representada iconograficamente como Samantabadra, o princípio masculino) e o insight é a espacialidade do campo da realidade (Samantabadri, o princípio feminino). O puro prazer é intrínseco a esta união primordial e atemporal e a espontaneidade é sua natureza. O anuyoga é realizado através da grande perfeição da mente. Todos os meios hábeis das abordagens inferiores e secundárias do mahabodhi (grande despertar) surgem da natureza pura da mente, que é perfeita e completa em si mesma e nunca pode se divorciar da presença pura da espontaneidade natural. Aqui o Dzogchen é a ioga completa, incluindo todas as outras (veja também o verso 52). Assim, a vasta presença intrínseca da mente luminosa é apresentada abrangendo a aparente dualidade dos princípios de gênero, dos meios e insight.

O Momento Atemporal Não-Procurado 6 A ilusão mágica sublime é fácil de encontrar:


através de uma compreensão sutil da realidade, de todo o potencial e potência, ela emerge instantaneamente por si mesma. A ilusão mágica sublime, a exibição de maya, é a auto-reveladora mente luminosa. Quando sua natureza é entendida como incriada e não-estruturada, como uma ilusão totalmente insubstancial, como o truque de um mágico, ela é atingida reflexivamente. A partir da realização de sua natureza como a realidade não-elaborada, o potencial indestrutível do ser puro e da consciência prístina, o vasto potencial búdico do passado, presente e futuro emerge suavemente sem qualquer obstrução como tudo e todos. O senso de ilusão não pode ser forçado; ele é reflexivo e inato e não pode ser separado de uma realização da talidade, o campo da realidade. A visão da realidade como ilusão é uma revelação espontânea que não pode ser forçada. No entanto, este processo natural é facilitado no yogatantra exterior (sattva-yoga). O processo envolve a visualização das qualidades de uma deidade-búdica (jnana-sattva) e a subsequente identificação internalizada disso como sendo o compromisso (samayasattva). A percepção da ilusão mágica surge espontaneamente nessa prática. Mas tal meditação é uma brincadeira de criança (no versículo 36). Neste verso e no seguinte, é mostrado que fazer qualquer esforço, qualquer tentativa de encontrar a natureza ilusória da realidade, é fútil e contraproducente. Não há nada a se fazer! 7 A natureza invisível da realidade preenche a mente quando a busca pára; enfatizar acerca do que e do por que inibe seu surgimento espontâneo. A Realização da Não-Meditação: A ilusão de um ambiente material e a existência de seres animados não pode surgir na não-dualidade perceptiva da mente luminosa. Esta realidade é uma ausência de aparências. Simplesmente ao relaxar, sem estresse, sem querer nada – que é a suprema meditação da não-meditação – aí está! A tentativa de definir aparências essencialmente inexistentes, de insistir em algo concreto onde nada substancial existe, de buscar um significado definitivo: isto é semelhante a tentar colocar um telhado sólido em uma casa imaginária. Nada pode vir do nada. Portanto, procurar por algo que já existe e o contra-resultado do esforço ansioso, é fútil.

O Momento Atemporal Inexprimível 8 Esta realidade hermeticamente selada 23 não pode ser transmitida ao ouvido; e nem a língua tem o poder


para expressar um pouquinho disso. A Exaltação da Não-Iluminação: O ensinamento da perfeição que a tudo inclu não pode ser expresso por um buda, por um homem ou por uma mulher e, portanto, não pode ser transmitido oralmente. Se não pode ser falado ou ouvido, ele não existe. Então, o que é iluminação? O estado búdico ou a iluminação é inatingível e sua realidade não pode ser ensinada ou expressa. Está além da atividade mental, é não-referencial, indeterminável, carece de qualquer indicação e é não-composto. Nesse sentido, não existe; é uma ausência, e nesta vasta ausência reside a sua exaltação. A não-iluminação se traduz como a iluminação universal. Assim, não há tal coisa como iluminação. N23: TB tem “realidade” (chos nyid, Skt. dharmata); BGB tem “ensinamento” ou “darma” (chos ’di).

O Momento Atemporal da Imunidade ao Carma 9 O sofrimento dos seres é a bodichita, e sendo totalmente desperta, ela é musica e dança; sem agitação, imóvel, como o espaço infinito, o sofrimento é a igualdade. Instrução Essencial sobre a Mente Luminosa: A dor de cada um dos seis tipos de seres – seres humanos, deuses, titãs, fantasmas famintos, animais e demônios – é determinada por um veneno emocional particular (hormonal), e tudo isso é a essência da mente luminosa. Uma vez que é todo-penetrante, a mente luminosa compreende toda a dor através das dimensões vazias da emanação física, energética e mental e, portanto, é reconhecida como a exibição maravilhosa do ser puro e da multiplicidade da consciência prístina do buda do passado, presente e futuro. A atividade de todos os seres, surgindo para sempre espontaneamente, a perniciosa reatividade do desejo, aversão, estupidez, ciúme, orgulho e ganância, tudo que surge espontaneamente para sempre, tudo emerge e é compreendido pela pura essência da mente. Ela nunca pode se tornar nada além da mente luminosa. Desde que a mente luminosa tem a natureza da igualdade, ela permeia todo o sofrimento e atividade humana igualmente, assim como o espaço infinito permeia todas as coisas. (Ver também os versículos 15 e 16.) Os seres humanos não podem ser irrevogavelmente condicionados pelo carma – não precisam ser escravos do carma. A mente luminosa torna o condicionamento cármico ineficaz e impotente. O carma é negado aqui como nada além de uma construção ilusória do intelecto o produto cármico aceito como a base ilusória do método principal do Dzogchen. A experiência dos seis tipos de seres, deve ser reconhecida como o caminho principal (p.25). A presença pura que a tudo permeia da mente luminosa, no entanto, subjuga o carma, tornando-o redundante. O carma é, afinal, mera imputação.24


Assim, a roda da vida surge da mente luminosa e permanece sempre a mente luminosa. N24: O sétimo sutra dos Dez Sutras também aborda a instrução essencial (man ngag, alternativamente traduzida como “preceito secreto”) sobre a mente luminosa (verso 9); sobre a nãounião (verso 52); sobre o tempo nocional (verso 48); e sobre a instrução seminal desta grande transmissão (verso 55). Veja Dowman 2009, canto 84, p. 189, para o comentário do mestre sobre o status do carma apresentado nos versículos 9 e 10.

10 Tendemos a interpretar distinções congruentes como um relacionamento “cármico”; na medida em que o "carma" impera carece-se da consciência autossurgida. A Perfeição Não-Condicionada Pelo Carma: Todo o puro prazer de buda, e a dor e a ansiedade das paixões das pessoas comuns, são idênticos como a essência da mente luminosa. Contudo, nosso intelecto ambíguo persiste em explicar a aparente discrepância entre o buda e os seres sencientes e as diferenças no comportamento das pessoas, por referência aos efeitos das ações passadas e nos enredamos em uma teia de construções mentais criadas por processos de pensamento lineares e causais. Portanto, a crença no carma é como uma droga que domina a mente e inibe a emergência da consciência prístina. Livre de todas as causas e circunstâncias a consciência prístina surge espontaneamente. Assim, é afirmado que a crença no carma é um obstáculo para o surgimento espontâneo da consciência prístina. O intelecto procura concretizar distinções e reificar a ilusão, substanciando a relação causal. Mas o pensamento não pode agitar a espacialidade básica. 11 A única causa, como a condição imutável, nunca nasceu, portanto nunca será destruída; nesta atemporal e primordial essência pura da mente, as formas de pensamento especulativas não podem afetar a espacialidade básica. A Perfeição Sem Recurso: A mente luminosa é a fonte universal, a primeira causa e a única condição. Como o vajra, é imutável e todo-vitoriosa. Uma vez que não tem causa nem semente, não é criada; Uma vez que não tem nenhuma condição externa agindo sobre ela, é indestrutível. Essa essência pura e atemporal da mente é imune a constructos mentais que buscam condicionar a mente à causalidade. Mesmo o pensamento especulativo mais intenso e idéias potentes que procuram estruturá-la, explicá-la, divulgá-la, alterá-la ou fixá-la, continuam a ser meras penugens na mente e o campo da realidade permanece imutável. Desse modo, é enfatizado que o carma é um conceito imposto sobre a realidade imaculada e não-causada, assim qualquer forma de pensamento é ineficaz em alterar a


perfeição natural da realidade da mente luminosa de qualquer maneira. O padrão cármico, como construção mental, é ineficaz.

O Momento Atemporal do Esforço Mental 12 A concentração em sua forma mais fina é não-reflexiva em sua própria natureza; como a experiência não-refletida e inalterada, a consciência prístina surge no próprio pensamento. A Falha da Absorção Concentrada: A não-meditação inclui e transcende todos os véus positivos e negativos, mesmo as qualidades obscuras do transe que surgem na absorção meditativa. Essas qualidades de transe, incluindo a imperturbabilidade, a clareza, a felicidade, a serenidade, a resplandecência, a consciência prístina e a percepção extra-sensorial, tornam-se falhas e véus somente quando são objetivadas. Mas a concentração natural inerente à absorção meditativa está livre do dualismo perceptivo e integra automaticamente essas qualidades de transe. Esta concentração natural mais fina é não-reflexiva e incapaz de ideação. Então, por que nos esforçamos para alcançar a ausência de pensamento? Na nãomeditação da concentração natural, o próprio pensamento discursivo, deixado sozinho, inalterado, efloresce como consciência prístina. No simples estado natural de concentração que é sem-pesamento e sem-reflexão, a natureza do pensamento emergente é a própria consciência prístina. A meditação naturalmente perfeita – nãomeditação – está livre de toda motivação e esforço mental. A consciência prístina surge no próprio pensamento, assim a absorção meditativa é redundante. As falhas na modalidade do Dzogchen são uma função de um dualismo ilusório que produz esforço mental. Embora o menor esforço diante de uma ausência completa de motivação e esforço na mente luminosa seja loucura, não obstante, essa loucura é naturalmente pura e perfeita em si mesma e surge em um momento atemporal de esforço mental.25 Assim, o pensamento e os próprios construtos mentais são eles mesmos a consciência prístina. N25: O sexto sutra dos Dez Sutras trata falhas e véus em uma enumeração sextupla: (1) a falha da crença no progresso em um caminho (verso 21); (2) a falha do esforço (verso 20); (3) a falha da ação dirigida a um objetivo (verso 54); (4) a falha da discriminação moral (verso 14); (5) a falha do método sutil (verso 13); e (6) a falha da absorção concentrada (verso 12).

13 Alguns identificam a mente luminosa como uma porta sutil: buscando uma maneira de isolá-la eles se fixam na vacuidade do fluxo mental – se for forjada, é meditação conceitual.


A Falha do Método Sutil: Não há dualismo perceptivo na não-meditação, mas dentro da consciência que constrói elementos subjetivos e objetivos na percepção sensorial, a mente luminosa pode ser concebida como a porta da liberação – algo infinitamente sutil, mas ainda concreto. Num quadro dualista, a mente luminosa é assim considerada como uma entrada para um estado mais elevado e não como o ponto de partida: o caminho e a meta juntos num só. Baseado em tal idéia, em isolamento físico, livre de formas energeticas intrusivas, a meditação se torna um método de colocar os campos sensoriais e a atividade mental em suspenso por meio de um samadi muito fino da vacuidade. Quando os chakras de "corpo", "fala" e "mente" são visualizados em tais técnicas de meditação, eles também são sutilmente concretizados. Essa técnica é sempre artificial e de natureza orientada para um objetivo. Qualquer meditação que envolva atividade intelectual, tal como focalizar um aspecto particular da mente ou visualização, mesmo que sutil, e qualquer meditação que possa ser desconstruída, é conceitual por natureza.26 Assim, a mente luminosa, que carece de qualquer impulso de procurar a si mesma, induz a si mesma em esforço meditativo sutil. N26: Considere os preceitos do estágio de conclusão do mahayoga (rdzogs rim) da solitude física, verbal e mental (lus sngags sems dben).

14 Alguns acreditam que ao designar causa e efeito, tanto a virtude quanto o vício são claramente definidos e o mundo mundano é transcendido; a discriminação moral é a presunção suprema! A Falha da Discriminação Moral: Designar causa e efeito moral é criar um sistema autossuficiente e auto-realizável de comportamento e recompensa. O que é definido como virtude invariavelmente produz um resultado positivo e o que é definido como vício um resultado negativo. Nesta vida a felicidade do paraíso e dos reinos superiores é o efeito do comportamento virtuoso e a miséria do inferno e dos reinos inferiores é o resultado da atividade viciosa. Através da disciplina moral de cultivar a atividade virtuosa e abandonar o vício, o sofrimento do mundo é transcendido. Quando alguém está familiarizado com o processo causal-moral e qualificado na disciplina da discriminação moral, o resultado de qualquer ação pode ser previsto; mas essa facilidade pode produzir uma presunção e arrogância enorme que pode resultar em exclusividade e intolerância. Como solução para o problema da existência, além disso, essa análise é incompatível com a modalidade da mente-pura-luminosa, em que a concepção e a ação condizente são simultâneas: a concepção que consiste na realidade da mente luminosa e a ação como não-ação. Não há dualidade de causa e efeito na mente luminosa. O caminho da conduta moral como método de liberação é contrário ao princípio da mente luminosa da não-ação e a ausência de esforço. Os fornecedores de causa e efeito cármica orientados para uma meta encurralam a si mesmos em complacência exclusiva. No entanto, o próprio pensamento é a consciência prístina.


Assim, este versículo mostra que mesmo os moralistas são abrangidos pela grande perfeição.

O Momento Atemporal da Não-Dualidade Perfeita 15 As palavras “apego” e “desapego”, como no caminho do meio, não passam de eco, e prazer e dor são básicamente os mesmos. O Senhor dos Seres, Vajrasattva, disse isso. A Congruência Inequívoca de Prazer e Dor: O desejo centra-se em uma imagem objetiva nos campos sensoriais, onde o apego surge. Mas, uma vez que os campos sensoriais não têm substância e é possivel dizer que não possuem existência, desejo e apego não têm um objetivo real. Nesse sentido, nem o apego nem o desapego são reais; eles aparecem apenas como índices num mero jogo de palavras. No caminho do meio, todo o som é apenas eco, e investigando o "apego" e o "desapego" como mero som, ambos são música semelhante ao ouvido. Além disso, as realidades de prazer e dor, felicidade e sofrimento, e as cinco paixões, são idênticas na pura essência da mente. Aqui “identidade” significa identidade causal, que no contexto do Dzogchen significa a sua verdadeira identidade em e como a mente luminosa; os rótulos "prazer" e "dor" referem-se à sua distinção nominal na percepção dualista. Vajrasattva é senhor soberano dos seis tipos de seres dos seis reinos, na medida em que ele é a natureza dos elementos que os compõem (ver versículos 4 e 46).27 Portanto, a grande perfeição é ininterrupta e sem falhas na visão não-dual. N27: O oitavo sutra dos Dez Sutras trata das cinco certezas e três equívocos: (1) a unidade inequívoca do tempo (versículo 26), (2) a identidade inequívoca do guru e da oferenda (versículo 49), (3) a ausência inequívoca de motivação na oferenda (versículo 50), (4) a ausência inequívoca de indicação da realização (verso 43), e (5) a congruência inequívoca de prazer e dor (versículo 15); juntamente com (6) a natureza equívoca da experiência (verso 35); (7) o intelecto ambíguo e duvidoso (verso 45); e (8) a consciência prístina imprevisível (versículo 25).

O Momento Atemporal da Consciência Autossurgida 16 Vajrasattva diz: desejo, raiva e confusão também ocorrem na modalidade sublime da mente luminosa; e os cinco prazeres sensuais ornamentam a espacialidade que é o campo da realidade.


A Exaltação do Campo Iluminado da Realidade: A realidade da mente luminosa é o campo da realidade de Samantabadra, a escpacilidade básica que é o dharmadhatu. Os potenciais poluentes no caminho da mente luminosa são o desejo, o ódio e a confusão; essas três tendências – positivas, negativas e neutras – são imediatamente integradas à realidade existencial iluminada através dos modos do "corpo", "fala" e "mente" búdicos respectivamente. Os cinco prazeres sensuais do nosso comportamento habitual – visão, som, cheiro, sabor e sensação tátil – que são mais potentes em situações sexuais-sensuais, são então adornos desse campo da realidade, como pequenos cestos de flores lançados na superfície de um rio. Eles são instantaneamente integrados como o puro ser e a consciência prístina. Desta forma, o deleite no prazer sensual é a própria modalidade da mente luminosa e o gozo é seu modo. A consciência prístina surge espontaneamente no desejo, na aversão e na confusão, que são os objetos dos sentidos internos e também nos cinco prazeres sensuais, que são os objetos dos cinco sentidos externos. Assim, a espacialidade básica é sempre iluminada (ver também o versículo 44). A exaltação do campo da realidade como já iluminado é elaborada em termos de Vajrasattva como os cinco grandes elementos nos versos 4 e 47. Assim, a paixão e o prazer sensual são o caminho. 17 O espaço e o conceito de espaço são ambos sem origem, de modo que o próprio conceito é igual ao espaço; no desapego do espaço dedicado o espaço último auto-validante emerge. A Realidade do Dzogchen Anuyoga: A realidade do anuyoga são os campos sensoriais vajra. O pensamento do espaço, como o próprio espaço, não tem substância ou origem e, portanto, é considerado nãooriginado e não-estruturado e que é a natureza do campo da realidade. Construções e conceitos – todas as formas de pensamento – surgem no céu da mente como nuvens ou miasmas. Sua particularidade nunca vem à existência. Eles permanecem completamente sem estrutura, como é a natureza do campo da realidade. Conceitos são, portanto, como o espaço. Como conceitos os cinco prazeres sensuais – forma, som, cheiro, gosto e toque – são vistos o como espaço neutro, livre de desejo; através da idéia de que tudo é espaço, a espacialidade que a tudo inclu emerge abundante com o significado de seu próprio coração. Não pode haver apego ao ser puro conceitualizado (darmakaya) devido à sua natureza ilusória e espaçosa. Todos os conceitos são dedicados como espaço, mas o ser puro conceitual em particular – o ser puro de "corpo", "fala" e "mente", e "passado", "presente" e "futuro" – visto como espaço, a realidade do ser puro é realizada como o espaço auto-validante, que é o propósito último. Esta é uma análise de um processo espontâneo e instantâneo.


Aqui é descrito o processo em que os seis campos sensoriais são reconhecidos como a realidade da mente luminosa – o campo sensorial vajra. Esse reconhecimento é realizado pela sua "dedicação" como espaço. Aqui dedicação significa “a projeção da idéia de espaço sobre as construções que surgem nos campos sensoriais e, assim, atualizando sua inerente realidade espaçosa”. Isso descreve as formas de pensamento e prazeres sensuais que surgem espontaneamente como a consciência prístina. Não há lacuna entre a intenção e a ação. O processo ocorre dentro da espontaneidade da consciência autossurgida. A noção de "dedicação" atribui essa realidade momentânea ao anuyoga.28 Assim, o reconhecimento da espacialidade dos conceitos aciona a grande perfeição. N28: O quarto sutra dos Dez Sutras trata as quatro yogas: a realidade do Dzogchen atiyoga (versículo 42), a realidade do Dzogchen anuyoga (versículo 17), a realidade do mahayoga criativo (verso 37) e a realidade do tantrayoga (versículo 36). ). Veja Grande Garuda, versículo 1, onde o conceito do darmakaya é igualado ao próprio darmakaya, e aos versos 49 e 50 abaixo, onde a realidade do anuyoga é superada pela espontaneidade.

O Momento Atemporal da União com a Consorte 18 A igualdade não-pensada, o ser puro, como o reflexo da lua na água, não pode ser agarrado; na exibição todo-excelente de Samantabadra ele é revelado como as vogais e consoantes ulteriores. A Perfeição da Exibição de Samantabadra: A realidade da mente luminosa é como o espaço, e a mente, não-pensada e sem construções, é a igualdade do ser puro (darmakaya). Dentro do ser puro, a realidade carece de qualquer nome ou forma concreta – é totalmente insubstancial – então não há nada para agarrar ou segurar. Dentro do ser puro não-originado de Samantabadra a ilusão mágica da criação é aparente e toda a criação é a exibição de Samantabadra. Na medida em que essa exibição da realidade é como o reflexo da lua na água, ela não pode ser agarrada. Essa é a realidade da manifestação fenomenal imediata. A fantasmagoria da exibição de Samantabadra é uma revelação de uma linguagem interior. As vogais desta linguagem representam sua natureza não-nascida e não estruturada e as consoantes, a presença pura que nunca pode ser cristalizada. A interação de vogais e consoantes em um momento de experiência não-dual da totalidade é chamado de “união com o mudra ou consorte”. A união da realidade da mente luminosa (as vogais) e da presença pura (as consoantes) é primordial e atemporal – não há método ou técnica para facilitá-la. No anuyoga do verso anterior, essa união deve ser reconhecida tanto na espacialidade dos conceitos quanto no prazer sensual.29 Desse modo, a unidade da linguagem e a forma da exibição mágica é revelada.


N29: Os versos 18 e 19 tratam a realidade em termos da linguagem. Um dharani (uma extensa e elaborada concatenação de sílabas), que é o mudra, é uma formulação de gnosemes (partículas de som ou vibração): tais “uniões” de vogais e consoantes descrevem uma realidade aparentemente concreta, porém como emanações do darmakaya, sua realidade é a fala búdica vazia. Em união com o dharani (o mudra) não há distinção entre a formulação gnosêmica ou verbal e a grande exibição de Samantabhadra. (Mas veja o verso 52 sobre a não-união.)

19 Como o A e o adorno TA, como o PA e suas elaborações complexas, no campo da experiência do mundo finito, consequentemente a fala búdica emerge. A Transmissão Direta – Emanação na Natureza da Mente: O ser puro de Samantabadra (darmakaya) na realidade da mente luminosa (dharmadhatu) é definido pelo glifo A, que é puro potencial, e o glifo TA, que é a potencialização. O glifo PA descreve toda a elaborada emanação milagrosa dentro do ser puro. Os agregados desta exibição mágica são as funções subjetivas da mente (nome e forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência). As oito formas de consciência (cinco sensoriais e três mentais) são emanações secundárias que abrangem todo o campo da experiência múltipla do mundo finito. Dentro desse campo, os cinco prazeres sensuais das cinco emoções são os padrões da energia do passado, do presente e do futuro, e eles são conhecidos como a fala búdica. Assim, a realidade incriada da mente luminosa da forma, do som, do cheiro e assim por diante, é a decorrente fala búdica, apenas porque é incriada. A "fala búdica" pode ser interpretada como vibração ou como padrões de energia, mas nesta descrição do processo de emanação dentro do ser puro, tais constelações de energia são formalizadas como glifos alfabéticos. O glifo PA é a primeira letra da palavra “padma”, o som embrionário, o órgão gerador. Fora de PA surgem as vogais e as consoantes correspondentes a um aspecto da emanação – os cinco agregados, os oito tipos de consciência, as cinco emoções, os cinco prazeres sensuais, etc. – e na complexidade da experiência sensual, da forma e sem forma, no campo da realidade, elas soletram toda a gama de atividades possíveis. Uma vez que a realidade do prazer sensual é não-nascida, é a consequente voz búdica. Uma vez que a realidade é nãonascida, o conteúdo do momento é o ensino do estado búdico. Os aspectos da emanação consistem nos cinco agregados (nome e forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência), os oito tipos de consciência (consciência dos cinco sentidos externos e três internas), as cinco emoções (desejo, raiva, orgulho, ciúme e medo), os cinco prazeres sensuais (visão, som, gosto, toque e sensação), os cinco campos dos sentidos, etc. Assim, a união com a consorte é descrita. 20 Não! O campo da experiencia búdica não pode ser encontrado pela busca e esforço; uma vez que a experiência sensorial sêxtupla


não fornece objeto buscá-la é como um homem cego que tenta apanhar o céu. A Falha do Esforco: Um desvio sério nas praticas do Dzogchen é procurar o que é espontâneo e inevitavelmente presente. O ser puro e a consciência prístina que compõem o campo maravilhoso da experiência búdica não dependem de nada. O campo em si é instantaneamente autossurgido. Qualquer tentativa de agarrar os objetos desejáveis e fascinantes dos sentidos está fadada a frustração porque nada substancial existe. O impulso de estender-se para agarrar os seis objetos da consciência (que compõem a "experiência sêxtupla") deriva de um dualismo perceptivo delusório. É tão fútil e tolo como um homem cego esticando seus braços para agarrar o céu. Assim, há o perigo de se esforçar para um produto. Fazê-lo é um erro de comportamento. A união com a consorte (o campo da experiência búdica) é naturalmente aperfeiçoada no aqui-e-agora e nenhuma técnica ou esforço pode facilitála. 21 O caminho da pureza que se alcança de altura em altura está em desacordo com a modalidade da forma livre; viajando no caminho sem caminho, como no espaço infinito, não há destino. A Falha da Crença no Progresso em um Caminho: O iogue que acredita que o caminho de buda, o processo da mente luminosa, é um caminho graduado, se desvia para um caminho estruturado de níveis e estágios. Não há estágios na modalidade do Dzogchen; não há graus de realização. Um caminho graduado de purificação é incompatível com a espontaneidade sem esforço em que não há nada a fazer; este é o caminho da não-ação imperativa. O relaxamento total em um caminho não-estruturado não permite se esforçar em um objetivo estruturado. Se houvesse progresso no caminho do Dzogchen, seria um processo sem fim e, se houvesse algum destino, seria o horizonte sempre a se afastar. Em um caminho gradual, ao contrário, cada momento é o destino e não há outro objetivo. Desse modo, desviar-se da modalidade da mente luminosa para um caminho graduado é um erro potencial.

O Momento Atemporal da Perfeição Completa 22 Visto que as coisas são perfeitas tal como são, no momento da revelação reside a realização; a essência da mente luminosa é a fonte universal, e toda a realidade é pura e simples. Sim!


A Transmissão Auditiva: As coisas são puras e simples tal como são porque na realidade imutável do todo-bom Samantabadra, não há tal coisa como evolução, desenvolvimento ou progresso. Apenas a única realidade está continuamente presente. O que quer que apareça momentaneamente no céu da mente é o objetivo completo, a totalidade última.

Na modalidade da transmissão oral, tudo o que é ensinado e revelado no momento é inevitavelmente realizado no momento por quem quer que seja capaz. A realização é intrínseca ao desabrochamento momentâneo, e a revelação e a realização são simultâneas da mesma maneira que a essência pura da mente é, ao mesmo tempo, a própria realidade indeterminada e a fonte da realidade. Assim, o momento é totalmente perfeito e completo e a fonte e a realidade têm uma identidade supra-racional. Este e os dois versos seguintes tratam da perfeição completa, a perfeição intrínseca que a tudo inclui do aqui-e-agora. 23 O que era antes e o que é agora como a talidade é a mesma vastidão intrínseca; tal é a modalidade búdica e a talidade é sua natureza. A Perfeição do Caminho: O passado é conhecido apenas através das construções de pensamento da memória, que são a realidade da mente luminosa. O presente é o campo da realidade que é conhecido pela consciência prístina. O futuro, como o passado, é conhecido apenas como construções mentais ou projeções, que, novamente, são a realidade da mente luminosa. A realidade, a coisa-em-si, a talidade do passado, presente e futuro é uma presença vasta e espaçosa idêntica. A modalidade búdica através da qual o passado é conhecido não é diferente da modalidade pela qual o futuro é conhecido e nem é diferente da modalidade presente que é a realidade não estruturada em si. O passado, o presente e o futuro são conhecidos no aqui-e-agora e a modalidade búdica através da qual eles são entendidos é idêntica. 24 Portanto o aqui-e-agora é todo o processo como a lua e seu reflexo em um; mesmo sendo inteiramente a mesma ela não pode ser vista com um foco seletivo. Uma Imagem do Processo: O processo universal que a tudo inclui é a realidade búdica. Abarca a todos, os conscientes e inconscientes, e toda a experiência, porque o próprio processo é a realidade. A realidade é como a lua no céu e seu reflexo na água feitos um; como a identidade da lua e o dedo apontando para a lua; como a identidade da lua e seu indicador verbal. A igualdade última de buda e dos seres sencientes é a realidade do


puro prazer que é invisível na medida em que é não-objetificada. Se nos concentrarmos em um único objeto dos sentidos como se ele fosse uma entidade concreta, em um olhar fixo e direcionado, que é parcial, na medida em que é seletivo, essa igualdade última permanece elusiva. Assim, a natureza do processo da realidade é mostrada. O primeiro verso anterior o faz do ponto de vista do passado, presente e futuro de buda, cuja experiência é idêntica; enquanto este verso descreve sua natureza como todo-abrangente, abarcando tanto o buda como todas as criaturas vivas.

O Momento Atemporal da Ausência de Desejo 25 O prazer atual e o prazer futuro, são a percepção direta e sua sombra: tal cálculo conceitual é um erro – não confie nele. A Consciência Prístina Imprevisível: Acreditar que um momento de felicidade transcendente levará automaticamente a outro porque o momento presente da percepção direta é o "lado da frente" da consciência prístina, ao passo que o próximo momento é o seu "lado de trás" é um erro. Atribuir “frente” e “trás”, “anterior” e “posterior”, ou qualquer atribuição relacional à consciência pristina é uma falha no processo. Calcular qualquer aspecto da consciência prístina da mente luminosa é um convide ao desastre, pois o cálculo implica a dependência de construções fictícias como o passado e o futuro. A noção de uma "sombra" da percepção direta é derivada do apego ao seu puro prazer e a esperança pelo prazer repetido. O apego à memória da bem-aventurança pode gerar construções de apoio delusórias, como "passado" e "futuro", que minam a consciência em que o êxtase é naturalmente inerente. A consciência prístina transcende todo esse apego e é, portanto, ambígua, na medida em que desafia a previsão. Assim, o desapego, ou a ausência de desejo, na consciência prístina é demonstrado.

O Momento Atemporal da Vastidão Primordial 26 Passado, presente e futuro são um, não têm distinção, o passado nunca surgiu, o futuro nunca ocorreu; abraçado pelo ser puro, tudo é um, imanente como uma vastidão exaltada. A Unidade Inequívoca do Tempo:


Na mente búdica, há apenas o aqui-e-agora. Na consciência prístina, nunca houve um passado e nunca haverá um futuro. A unidade do aqui e agora impede a possibilidade do tempo. São apenas os hábitos mentais dos seres humanos que criam passado, presente e futuro distintos. Dentro da unidade do tempo do ser puro, na consciência prístina da realidade exaltada, é puro prazer espontâneo. Sem a unidade do tempo, o puro prazer da realidade imanente não está presente. Assim, a atemporalidade primordial da essência exaltada da mente luminosa é revelada (ver verso 24).

O Momento Atemporal da Liberdade da Aspiração e da Ambição 27 Com pleno envolvimento no universo triplo as idéias aparecem como um encantamento ilusório; até mesmo a capital do imperador universal é um lugar condicionado pela ilusão. A Perfeição Total do Mundo Mundano Totalmente engajados no mundo, somos motivados pela felicidade e lucro, fama e reputação, comprometidos com os prazeres dos sentidos, a apreciação estética e talvez a ideais elevadas. Aqui, os fenômenos são, em última análise, incriados e não-causados, mas aparecem em um universo relativo onde às ideias determinam sua forma ilusória e a experiência é conhecida através de construções verbais. O todo é uma teia de encantamento ilusório (maya). Na medida em que esse engajamento é um processo purificador, o mérito acumulado no mundo relativo pode levar a um lugar de poder, ou mesmo ao trono do imperador universal. Mas isso também é ilusão. A perfeição natural do universo tríplice – o céu, a terra e o submundo – é um fato, mesmo quando há engajamento ativo e comprometido neles e independentemente da eminência e do status de poder alcançados pela acumulação de mérito. A mente luminosa é inevitável. Além disso, todas as aspirações e desejos mundanos, independentemente da sua realização, são integrados pela mente luminosa e nada pode escapar disso. Mas as ilusões do poder – físico, econômico, militar, político e espiritual – não têm credibilidade e maya, a ilusão, é a única causa para o humor. Assim, a perfeição completa independentemente da ação ou intenção é afirmada. 28 Aqueles cujas vidas são escravizadas pelo tempo nunca veem um resultado no momento; se a atividade estiver cheia de esperança só pode ser uma ação “vazia”.29 A Perfeição Total da Motivação Mundana:


Se conduzirmos nossas vidas sobre uma agenda rigorosa, acreditando no futuro, estabelecendo metas agora para a realização mais tarde, nenhum objetivo pode surgir no presente. Na medida em que o presente é prostituído continuamente para o futuro, nenhum objetivo pode ser alcançado no presente. Cumprir o tempo significa nunca ver um objetivo alcançado no momento. No entanto, nossa rotina diária, nossa agenda de eventos, depende de uma construção fictícia do futuro que, em natureza, é uma ausência, e, portanto, o aqui-e-agora está sempre conosco. Mesmo que nossas agendas diárias estejam repletas de desejo, motivados pela ambição, nossos objetivos localizados em um futuro inexistente são inalcançáveis, mesmo quando tentamos reificar a vaziez como uma realização concreta, nossa atividade permanece para sempre vazia. No esforço motivado pelo desejo, a vaziez reside na ausência de um resultado ou de um produto. Conhecer a vaziez como uma ausência, e não como uma qualidade inerente, aciona a perfeição do momento – as aparências e a existência são vazias de todas as outras coisas, não vazias em si mesmas. Este verso mostra que a perfeição inerente do momento pode ser acionada mesmo quando a mente do planejamento discursivo está sempre funcionando em um futuro inexistente. Isso indica que o passado, o presente e o futuro, e as construções mentais relacionadas particularmente ao futuro, são inevitavelmente abraçadas pela mente luminosa. Assim, mesmo que nossos desejos criem uma dependência contraproducente no tempo, e mantenhamos noções concretas do passado e do futuro, há, entretanto, acesso automático à mente luminosa. N29: TB tem ma bral smon pas spyod pas na; BGB ma bral smon pa spyod pas na; e DC suporta isso com chags dang ma bral. O NCG tem bya bral smon pa spyod pas na e assim inverte o significado: “ação não-motivada no tempo / isto é ‘ação vazia’”; onde a conduta é não-motivada, essa atividade é dita como "vazia".

O Momento Atemporal da Transmissão Revelada 29 Totalmente livre de imagem, como um, o iogue é como a impressão de um pássaro no céu; na essência desestruturada e não-nascida onde estão os sinais alardeados de sua passagem? A Revelação de Todas as Coisas Como Uma – A Raiz de Toda Experiência: A natureza da mente e da mente luminosa são uma, completamente livre de qualquer forma e, em particular, livre de qualquer atributo temporal – uma singularidade incalculável. O iogue conhece a natureza da mente muito além de suas fabricações e ficções, e sua sabedoria (gnose) é como uma impressão de um pássaro no céu e seu domínio do fluxo como a trajetória de voo de um pássaro e sua realidade é como um espaço sem pensamento. A pura essência da mente é tão vazia e desestruturada como a impressão de um pássaro no céu, uma vez que não tem causa e está livre de todas as condições. Todas as coisas ocorrem na pura essência da mente. No entanto, absolutamente nada é substancial lá e nem há quaisquer evidências de alguma coisa ou nada. Nada surge de qualquer causa; nada é criado por qualquer condição; então, desde


o início, a mente luminosa é livre de todo julgamento tendencioso imputando uma realidade aqui e uma delusão ali, uma verdade aqui e uma mentira lá, um significado aqui e uma futilidade ali, inflando esse significado e desinflando aquele. O iogue não deixa nenhum vestígio de sua realização ou a maneira pela qual foi realizada, nem doutrina nem dogma, nem sinais nem indicações. Aqui, a transmissão é a única natureza da mente – todo o ensinamento do Buda é a única natureza da mente. Todo momento e cada experiência é a revelação inspirada de Samantabadra. Nenhuma revelação tem maior significado do que qualquer outra. Tudo é a transmissão e não existe um ‘caminho do darma’ específico, apenas a modalidade que a tudo inclui. A imagem do iogue como a trajetória de voo de um pássaro pode ser considerada um koan, a construção inconcebível que silencia a mente e a identifica com o espaço infinito, e isto pode constituir uma transmissão da singularidade da mente luminosa. Assim, há a transmissão da unidade não-específica.

30 Interior e exterior são um, o interior é o próprio exterior, de forma que não existem profundezas ocultas para se descobrir; sob o poder do mundo fictício o samadi carece da igualdade absoluta. Não-Diferenciação de Interior e Exterior: O cálice e o elixir, o recipiente e o conteúdo, o corpo e a mente e assim por diante, são inseparáveis, nos sentido de que um é uma mera proposição do outro. Portanto, nenhuma dimensão oculta ou "interna" existe para ser conhecida. Exotérico e esotérico são indivisíveis. Tudo está aberto e nas nossas caras. Se estamos enfeitiçados pelas designações verbais da fabricação mental e operamos sob a delusão de que existe uma realidade esotérica "interna" para descobrir, então a qualidade essencial da igualdade permanecerá vaga. A crença na dicotomia entre interior e exterior prende o iogue em uma armadilha conceitual. Por outro lado, o samadi que realiza a unicidade de interior e exterior, uma vez que nem o interior nem o exterior realmente existem, reconhece a igualdade universal da mente luminosa. Na mente luminosa, nossas vidas interior e exterior são uma, porque o próprio exterior é o interior e o interior [é] a natureza do exterior, e lá nada está oculto ou encoberto. O que tem significado é o aqui-e-agora – que é totalmente completo em si mesmo. Essa identificação de exterior e interior também se aplica as vidas pública e privada. A transparência e a invisibilidade completa é o que podia se esperar. Assim, a transmissão não tem dimensão e o que você vê é o que obtém. 31 E mais uma vez sobre “exterior” e “interior”, o corpo-mente é o espaço indiferenciado; e passado, presente e futuro são inseparáveis


dentro dele, todas essas designações são redundantes. A Unidade Espacial e Temporal: No samadi que é totalmente livre de construções mentais, "exterior" e "interior" não podem ser computados. Eles não podem ser identificados e nenhuma distinção pode ser feita entre eles. Eles não podem ser diferenciados. Assim, se o psico-organismo, o corpo-mente, composto dos cinco agregados (nome e forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência) é o que é referido por "exterior", como uma realidade indeterminável e incalculável, está presente apenas como o elemento "interior" indeterminável do espaço. Se "interior" se refere aos campos sensoriais (os órgãos dos sentidos, seus objetos e a consciência de cada um), novamente, exterior e interior são inseparáveis, pois nada existe senão o espaço indiferenciado. Além disso, através do tempo a realidade indefinível não pode ser separada de sua espacialidade. Por isso, é ilusório dizer: "Este é o interior" e "Esse é o exterior". Tal designação não pode ser feita. No vajrayana, os samayas e os compromissos são divididos em seções internas e externas. Nós nos comprometemos a manter a consciência dos agregados do psicoorganismo (nome e forma, sensação, percepção, volição e consciência) como budas e os componentes dos campos dos sentidos como bodisatvas. Uma vez que nenhuma distinção pode ser feita entre os agregados externos e o espaço interno, ou os sentidos externos e o espaço interno, e como não há distinção entre passado, presente e futuro, a unidade espacial e temporal é obtida e até mesmo a palavra "compromisso" é redundante. 30 Assim, a transmissão possui a unidade espacial e temporal.

O Momento Atemporal da Igualdade 32 O imóvel é o selo do ser puro o imperturbável é a consciência prístina; não se apropriando de nada, não há um eu, não rejeitando nada, a igualdade é indizível. A Perfeição Completa do Ser e da Consciência: A mente luminosa nunca se torna coisa alguma, nunca toma qualquer forma, tamanho ou cor. Portanto, na medida em que ela nunca sai de sua própria natureza, ela é imóvel e imutável e, como tal, é chamada de o selo do ser puro, que é livre da dualidade perceptiva. A consciência autossurgida do ser puro permanece constante em um samadi imperturbável. Na percepção não-dual, não é possível se apropriar de nada da realidade, porque não há nada para apanhar e nenhum eu para fazer o agarramento e a captura. Não recusando ou rejeitando nada, tudo o que surge na mente se é totalmente aceito sem discriminação, não há repressão. Através da imobilidade, da imperturbabilidade e da não-discriminação, podemos dizer “Indizível, não-verbal, igualdade!”


O Imóvel é a igualdade última e imutável de toda a experiência em termos do ser puro ou da ausência inerente de estrutura para a realidade, e o Imperturbável é a consciência prístina do ser puro. O primeiro é o mudra ou consorte deste último em uma união primordial e atemporal. Em outro contexto, a mente luminosa e imutável é representada como Achala (Miyowa) e o samadi imperturbável é Akshobia (Mikyopa). Essa união do puro ser e da consciência prístina também é tratada nos versículos 6 e 20. 33 O que, quem e onde – nossos modos e comportamentos psíquicos– ocorrem na mente luminosa; mas sobre quaisquer distinções entre homem e mulher, o Senhor da Igualdade não tem nada a dizer. A Exaltação da Identidade Iluminada As aparentes especificidades de nossas vidas, quem e o que somos, nossos ambientes mentais e estados psicológicos, nossas paixões dominantes, os impulsos cármicos que determinam nosso comportamento, as várias formas de atuar como deuses, titãs, humanos, animais, fantasmas famintos e seres dos infernos – tudo isso é a própria mente luminosa e a essência pura da mente. Samantabadra, a personificação da essência pura da mente, não faz menção nos tantras do Dzogchen de qualquer distinção entre homem e mulher em seu espaço todo-inclusivo da igualdade e não implica, portanto, nenhuma distinção de gênero na modalidade da mente luminosa. Assim, a igualdade de caráter, de personalidade e de gênero, é a igualdade última da mente luminosa.

O Momento Atemporal do Desapego ao Êxtase 34 A renúncia e o ascetismo feroz não fornecem uma resposta definitiva; mas dotado do a e do pa32, o prazer do encantamento ilusório é assegurado. A Perfeição Imanente da Renúncia Na realidade onde não há nada para encontrar, se procurarmos disciplinar os seis sentidos através da privação monástica ou ascetismo auto-mutilante, nenhum resultado certo pode ser alcançado e nenhum lugar para se estabelecer pode ser encontrado. Nesse estado de indeterminação, contudo, os discípulos (shravakas), que escapam do sofrimento por meio da renúncia, podem experimentar o prazer passageiro do encantamento ilusório. Nos termos do atiyoga (que não são aceitos pelos discípulos), quando dotado do glifo a, que representa o canal da transmissão e fornece o acesso ao nível do professor, também está presente o glifo pa, que representa a emanação ilusória que proporciona o prazer. Este verso ambíguo serve, assim, para demonstrar a perfeição imanente no método de renuncia dos discípulos, segundo a qual os glifos a e pa podem ser a ocasião para o puro


prazer enquanto recebem instrução. Na superfície, no entanto, parece tratar do tantrayoga. A prática do ascetismo implacável, fornecendo um espaço indeterminado e ambíguo, permite que o êxtase do grande sidi surja na ioga da união. O apego a esse êxtase é, no entanto, substituído pela união intrínseca dos glifos a e pa, representando a mente luminosa como a fonte e a manifestação coincidentes [ver versículo 19]. Assim, o apego ao êxtase é evitado. N32: A BGB tem A dang par ni rnam ldan na, enquanto os dez sutras têm Lung gi a dang ston pa’i sar ldan na: “dotado do a da transmissão no nível do professor”. Ver NCG, capítulos 7 e 8.

35 Devido à indeterminação da unidade, no entanto, ela é percebida de modo que aparece: o prazer cobiçado nas aparências,33 é um pesado véu obscurecedor. A Natureza Ambígua da Experiência Nos sutras Mahayana, é dito que as aparências fenomênicas são como o reflexo da lua na água. Elas são como ilusões de ótica, miragens, sonhos, ecos, castelos de fadas no céu, alucinações, arco-íris, raios, bolhas de água e reflexos em um espelho. Através da contemplação apropriada, os fenômenos realmente aparecem assim. Assim, o olhar do percebedor, condicionado pelas propensões cármicas, determina a forma da experiência. Desta forma, a mente luminosa indeterminada aparece como é percebida ou de qualquer maneira que seja condicionada. Esforçar-se para determinar positivamente a natureza das aparências que são infinitamente variáveis impede o prazer na natureza da mente. Quando o prazer é a qualidade que é procurada na experiência indeterminada – o que geralmente é o caso – o prazer que é uma projeção imposta pelo hábito mental, a luta por ele obscurece o prazer inato em todas as aparências. Cobiçar e ansiar por prazer é contraproducente. Na percepção não-dual, não há objeto para se focar, mas quando o hábito mental define uma parte dessa totalidade como uma fonte potencial de prazer, ela é objetivada, e o prazer do grande sidi da realização não-dual desaparece. A obsessão por uma projeção mental externalizada é uma falha notória na modalidade do Dzogchen. O apego a uma qualidade aparentemente existente "lá fora" está implícito no desejo por um objeto sexual. Aceitando a natureza inexistente de todos os fenômenos e experiências, e entendendo-as como projeções insubstanciais, embora aparentemente concretas, de nossos hábitos mentais, esse apego é quebrado. Assim, somos advertidos a não projetar aparências que servem apenas para satisfazer o desejo. N33: Esta linha (snang ’dod rtsol sems bde ba la) do TB é encoberta nos Dez Sutras por “anseio por aparências” (snang bar ’dod cing rtsol sems byed pa), que é o obscurecimento. Veja também Grande Garuda, verso 15, sobre este verso.

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O método da prática tântrica da mente luminosa requer visualização do traje divino como o reflexo da lua na água; a nudez e o desapego surgem – mas essa meditação é como a brincadeira de uma criança. A Realidade do Tantrayoga A técnica empregada nos inúmeros métodos do yogatantra externo (tantrayoga) é a visualização de formas simbólicas. Nesta prática, com o intelecto, uma deidade búdica é visualizada junto com sua cor, sinais simbólicos e mudras, e em um transe mental a visão translucida, embora ilusória, aparece. Então, a deidade búdica como um ser de consciência prístina (jnanasattva), despida de todas as marcas e sinais dualistas e desapegada de qualquer senso de eu, une-se ao iogue sem desejo. Mas essa meditação exterior do yogatantra é como construir castelos de areia: uma busca infantil e fútil. A consciência prístina é realizada pela ausência de desejo, mas depende de um exercício intelectual que deve ser repetido várias vezes à medida que a visão entra em colapso repetidamente. Assim, é evidente que a prática do yogatantra pode induzir o êxtase do mahasidi, mas o êxtase é uma função da técnica e, portanto, passageira. 37 Identificando-se com o corpo de Mahakrodha em sua mandala de atributos irados, mesmo que a sílaba-semente seja realizada, o próprio nirvana não pode ser visto diretamente. A Realidade do Mahayoga Criativo Na meditação do mahayoga, a mandala da consciência é visualizada com os atributos visionários da ira divina, com a deidade irada Mahakrodha no centro. Após a prática repetida, identificando-se com o corpo visualizado de Mahakrodha, a deidade realmente se manifesta. Então a sílaba-semente HUNG, amadurecida pelo hábito, pode emergir e, assim, a natureza todo-aberta e não-elaborada, que é a paz e a serenidade última, é descoberta. Isto não é a mesma coisa, entretanto, que perceber o nirvana através da percepção sensorial direta. O mahayoga leva o iogue ao ponto do nirvana apenas dentro de seu samadi formal. Neste verso o êxtase do grande sidi é realizado através da visualização da mandala do mahayoga e da atualização da sílaba HUNG. Na grande perfeição, o apego é impedido pela compreensão da natureza limitada desse sidi do mahayoga. Assim, o mahayoga é uma técnica de meditação encenada que leva ao caminho do Dzogchen Ati. 38 Sob a influência da emoção, podando a parte de cima da árvore


ou incinerando a semente, sua tirania pode ser evitada: assim é ensinado. A Perfeição Inviolável e Não-Diminuída A disciplina e os votos dos discípulos (shravakas), eremitas (pratyekabudas), e bodisatvas dos sutras se deterioram sob a influência da emoção. Sua maneira de lidar com a paixão – supressão e sublimação (“cortar a parte de cima da palmeira”) ou aplicar um antídoto apropriado – é assim frustrada e sem proveito. No Vajrayana, o método homeopático de erradicar a causa raiz da paixão (“incinerar a semente”) é inútil se os compromissos samaya não forem mantidos. Por outro lado, porque o compromisso samaya do Dzogchen é não-formado e, portanto, inquebrável, ele fornece imunidade a todas as condições externas e internas. É loucura tentar destruir o apego e a base da emoção quando se está sob a influência da paixão. No processo graduado de erradicar a emoção, a paixão ainda está presente para minar os compromissos que são a única proteção contra o retrocesso. O compromisso samaya do Dzogchen, que não é um samaya, a perfeição espontânea do momento, garante que ele nunca pode se deteriorar ou degenerar. Assim, o apego ao êxtase do mahasidi que surge dentro da prática da ioga da união no caminho tântrico mostra-se evitado através dos samayas do Dzogchen. 39 Cada uma das centenas de milhares de técnicas tem um florir apropriado, mas a perfeição sem marca e sem sinal, não tem morada particular. A Natureza Aperfeiçoada da Mente – A Perfeição de Todos os Caminhos Onde há uma técnica, um processo causativo e uma prática, há um objetivo, um produto e um efeito. Embora a meta seja um estado de mente tão sutil quanto o êxtase, se ele puder ser encontrado, ele também poderá ser perdido. Mas como todos os métodos e objetivos surgem dentro da mente luminosa que é a perfeição completa, eles não podem deixar de participar da natureza da pureza. O Dzogchen, no entanto, é um caminho sem marca, e não há sinal de realização – nem mesmo uma pequena flor. Por outro lado, devido à ausência de sinais da realidade do Dzogchen, que é a vaziez, as moradas do mundo que buscam prazer não podem emergir sob seu poder, e as moradas celestiais ou estados de transe, criados por técnicas de meditação, não podem aparecer. Ainda assim, as miríades de técnicas do tantra e as abordagens mais baixas continuam a ser abraçadas pela natureza pura e perfeita da mente. Assim, a ausência de sinal da modalidade do Dzogchen impede o surgimento do apego ao prazer da união e do desejo pela felicidade mundana.

O Momento Atemporal da Ausência de Esforço 40


Presente aqui com uma mente silenciosa, o iogue é realmente afortunado; o eu e outro sendo indistinguíveis, ele se diverte na arena da espontaneidade encantada. A Evidência da Iluminação A mente do iogue é silenciosa na medida em que toda a discussão avaliativa e julgadora dentro de si é transcendida na realidade da mente luminosa. Ele conhece a natureza desestruturada e não-fabricada dela, e sua atividade e sua mente compassiva se unem. Nisto reside sua grande fortuna; o prazer que surge sem uma causa é totalmente acidental. Com uma mente silenciosa, no puro potencial do espaço, ele não tem nada para fazer por si mesmo, e sem nada para incitá-lo a agir, ele não tem nada a fazer pelos outros. Sua realidade é uma ilusão encantada, ocorrendo espontaneamente e sem esforço, e lá ele joga em um campo natural da realidade. Em um estado de encantamento feliz, o iogue personifica a exaltação do estado búdico aqui e agora. Assim, uma imagem da ação sem esforço e não-direcionada é apresentada, afirmando a autenticidade natural do estado búdico.

O Momento Atemporal da Realidade Imutável 41 Totalmente completa, todo-inclusiva, imutável, está simplesmente sendo; e como o espaço ilimitado, a realidade não depende de nada. O Ensinamento Sublime – A Grande Perfeição Samantabadra é o professor constante e universal e a mente luminosa é o ensinamento atemporal. Tudo o que é revelado é divulgado por Samantabadra; o que é divulgado é sempre a mente luminosa. A mente luminosa é a grande perfeição, a essência de toda experiência, e tudo é sempre todo-abrangente, nada querendo, completa e perfeita em si mesma. Nada nunca precisa ser feito – de fato, nada pode ser feito – para melhorar ou alterar a experiência. É autossuficiente, por isso nunca pode depender de nada nem de ninguém. É imutável e inalterável, portanto, nenhum progresso é possível. Está sempre à frente e nas nossas caras, então não há nada oculto que deva ser divulgado. Completa e perfeita, é sem causa ou efeito, então não depende de qualquer outra coisa. Assim, somos providos de uma celebração da grande perfeição. 42 O puro prazer surge espontaneamente do poder intrínseco da presença pura, e única e exclusivamente como a consciência prístina; a realidade não pode estar em outro lugar.34 A Realidade do Dzogchen Atiyoga


A presença pura é auto-cognição, a ioga do Dzogchen Ati. A liberdade da causalidade e do condicionamento é o ambiente no qual ocorre a espontaneidade: a consciência autossurgida e naturalmente potente. A natureza da consciência prístina é incomensurável com qualquer nome e forma aparentemente concretos, hostis a ela. Assim, a experiência, que é puro prazer, ocorre apenas na presença pura espontânea. O puro prazer é a radiância mágica na presença pura da consciência prístina da mente luminosa. Sua espontaneidade indica uma ausência de todos os fatores causais e condicionais. A mente luminosa é todo-inclusiva e totalmente autônoma, e sua consciência prístina, naturalmente autossurgida, transcende todo processo causal e imediatamente dissolve qualquer nome e forma delusórios. A espontaneidade atemporal é o selo do Dzogchen Ati. Assim, a espontaneidade feliz e atemporal da consciência primordial da presença pura é a realidade do Dzogchen Ati e é intrínseca a toda experiência, que não pode ser outra coisa senão puro prazer. N34: Veja Norbu e Clemente 1999, 172, e Dowman 2009, canto 115, p. 231, que tem uma linha interpolada entre a terceira e a quarta linha: "isto é conhecimento não-dual e ignorância".

43 Fácil e difícil, difícil porque é muito fácil,35 a mente luminosa, invisível, é onipresente; não pode ser apontada pelo nome – nem mesmo Vajrasattva pode mostrá-la. A Ausência Inequívoca de Qualquer Indicação de Realização No sentido de que a mente luminosa não tem causa ou condição e é atemporal e espontaneamente presente, é incontornável e inevitável e, portanto, de fácil acesso. Mas, como não há traços de sua presença, nenhum objeto de foco ou qualidade finita nunca podem conceitualizá-la e, portanto, é impossível acessá-la. Não há palavra ou definição grande o suficiente para identificá-la, porque abrange todo o mundo fenomenal. Mesmo Vajrasattva em pessoa não pode particularizá-la ou defini-la. Por esse motivo, nenhum grau de facilidade pode ser avaliado. Assim, uma vez que a mente luminosa é inseparável da percepção direta, ela não pode ser acessada e nem tampouco pode escapar. N 34: Rongzom (ver Clemente 1999, 55n9) “contaminou” (bslad) em vez de “fácil” (sla): o estado natural é velado por conceitos contaminantes. A frase “ausência inequívoca de qualquer indicação de realização” (dka 'sla mtshon du med pa) que encabeça o comentário é uma representação inadequada da noção de que é impossível dizer se o acesso à mente luminosa é fácil ou difícil, ou se de fato existe algum acesso a todos.

O Momento Atemporal Não-Causado e Incondicionado 44 Essa exibição maravilhosa e miraculosa, não-direcionada, de forma livre, como o espaço,


surge momentânea e espontaneamente, não fica fora nem da perplexidade amorfa. A Perfeição da Exibição Autossurgida Essa maravilhosa mente luminosa não-causada, com sua milagrosa, autossurgida e incondicionada consciência prístina, é uma fantasmagoria contínua e agradável. Como o espaço, essa exibição é puro potencial, não exigindo esforço, contribuição ou cultivo. Mesmo dentro de nossa perplexidade, a consciência prístina emerge instantaneamente e de maneira imprevista. O torpor da perplexidade sem foco, imagem ou ideia concreta sustentada facilita a consciência prístina porque ela não pode ser cristalizada, confinada ou obstruída. A perplexidade é, portanto, a base do milagre não-causado da exibição momentânea de ilusões não imaginadas. O oceano de luz da consciência não é o outro lado do oceano escuro – é o próprio oceano escuro. Assim, até mesmo a estupidez é impregnada pela mente luminosa. [Veja também Mineiro de Ouro Puro, verso 5, e Grande Garuda, verso 19.] 45 Esta é a modalidade todo-inclusiva naturalmente presente em todos os seres; na tempestade de areia da delusão nós chamamos pela medicina, embora a natureza da mente seja a cura.36 O Intelecto Equivocado e Duvidoso A noção de que todos os seres, independentemente de sua inteligência, status moral ou estado de mente, estão incluídos no caminho da mente luminosa é difícil para o intelecto engolir. Habituado às distinções de alto e baixo, puro e impuro, inteligente e estúpido, e à ideia de um caminho graduado e estruturado sobre o qual o progresso é determinado pelo carma, é difícil assimilar a imanência da realidade. Embora a mente racional esteja incluída na modalidade da mente luminosa não-dual, o intelecto imaturo, deixado inseguro, continua a duvidar. Sem a presença pura, somos contaminados pela delusão e procuramos por uma cura estranha, embora o mestre da medicina seja a nossa própria mente. Sabemos que o buda é a própria mente, mas, independentemente disso, continuamos a procurar a solução lá fora, constantemente mudando nosso foco de procura quando, inevitavelmente, não conseguimos encontrá-la. Este verso mostra que mesmo a menor motivação para buscar a grande perfeição impede de encontrá-la.

O Momento Atemporal da Iluminação Universal 46 No campo da experiência comum reside o puro prazer, ela mesma a pureza prístina da existência mundana; em cada percepção finita a luz é concentrada e o espaço ilimitado é estabelecido.


O Séquito Sublime Todos nós sabemos que a natureza da mente é buda e que, no campo da presença pura, buda é puro prazer. Esse entendimento acessa a dimensão aberta da existência mundana.37 Não há nenhum objeto específico para se focar. De fato, o foco ou a reificação impedem o acesso ao puro prazer. O relaxamento em toda e qualquer experiência sensorial aleatória abre a pureza inata de nosso mundo comum, uma experiência concentrada na consciência elevada e conhecida como luz. Nossos órgãos dos sentidos naturalmente concentram a luz da experiência enquanto a consciência a estende, preenchendo as dez direções (as direções cardeal e intermediária, o zênite e o nadir) do espaço ilimitado e iluminando-o [ver verso 50]. Através deste processo simultâneo de concentração e radiação, todos os fenômenos são experimentados como deidades búdicas e mente luminosa. Tal é o processo instantâneo da iluminação. A concentração e a radiação da luz nos órgãos dos sentidos é paralela à absorção e emergência da luz por Samantabadra no campo da realidade. Tudo o que ele irradia e absorve é o seu séquito perfeito. Seu séquito no ser puro (darmakaya) consiste do buda do passado, presente e futuro e de todos os seres sencientes dos reinos sensuais, estético (da forma) e sem forma e dos seis fluxos de consciência. Seu séquito no modo do gozo (sambogakaya) compreende todas as emoções e conhecimentos fugazes. Seu séquito no modo da emanação (nirmanakaya ou tulku) são as aparências da compaixão que são os seis tipos de seres míticos, a mente condicionada e o oceano de atividades. Sua relação com o séquito, embora seja uma unidade, é o mesmo que a relação do espaço com os outros quatro grandes elementos, a relação do Dzogchen como a realidade perfeita para as 84.000 técnicas do processo da mente luminosa, e a relação da pura essência da mente com o processo sensorial. A concentração da luz através da consciência pode parecer revelar um método, uma ioga da abordagem, uma porta para a realidade de Vajrasattva e, portanto, constitui uma técnica encenada; mas o processo de absorção da luz no foco sensorial e a radiação simultânea da luz da consciência no espaço ilimitado é inato e não precisa ser concedido. Este versículo e o próximo mostram como o buda é revelado no momento para todos. N37: Nos caminhos progressivos, a compreensão (go ba), a experiência (nyams pa) e a realização (rtogs pa) são três estágios de crescente assimilação do conhecimento para o intelecto. Nesta análise do Dzogchen, dentro da mera compreensão (go ba), ou dentro de cada pensamento ou conceito passageiro (rtog pa), reside a realização (togs pa).

47 Fora da luz de arco-íris nebulosa, as qualidades distintivas das famílias aparecem; do mesmo modo, como partículas vibrantes imóveis, o senhor rege os cinco elementos. A Consumação do Ubhayayoga Na unidade nebulosa e amorfa, não pode haver diferenciação das cinco cores e qualidades distintas das cinco famílias. No entanto, a luz de arco-íris da unidade, como um feixe de luz branca difratada em um espectro, é diversificada na mente como cinco


cores separadas – branco, azul, vermelho, amarelo e verde. Dentro dessas cores, as cinco famílias búdicas aparecem com suas qualidades específicas de consciência. Da mesma forma, sem se mover um milímetro, a natureza da mente torna-se visível na consciência autossurgida que a tudo inclui. Este é Vajrasattva, o soberano dos cinco elementos, e os cinco elementos são os cinco budas. O ubhaya, ou charyayoga, participa tanto das qualidades macrocósmicas do kriyayoga como dos elementos mentais do yogatantra. Aqui, o enigma da unidade e da multiplicidade idênticas é resolvido na realidade de Vajrasattva. Nessa visão do ubhayayoga, Vajrasattva é, simultaneamente, a luz de arco-íris unitária e a eflorescência das cinco cores diversificadas das cinco famílias búdicas das quais os campos sensoriais se manifestam. Da mesma forma, ele é ao mesmo tempo o campo imóvel de onde surgem os cinco grandes elementos vibrantes e os próprios elementos que compõem o universo ilusório. No centro dessa mandala das famílias búdicas, Vajrasattva é a realidade unitária. [Veja também o versículo 4.] Assim, todos os seres já são iluminados pela realidade que a tudo penetra de Vajrasattva.

O Momento Atemporal do Ganachakrapuja 48 “Passado”, “presente” e “futuro” – esses rótulos são redundantes; compreender o que é não-nascido e incessante é conhecer a unidade sublime do tempo. A Instrução Essencial sobre o Tempo Nocional "Passado", "presente" e "futuro" são abstrações nominais. “O passado” e “o futuro” nunca podem existir no aqui e agora e “o presente” existe apenas como um conceito relacional. Conceber o passado e o futuro é uma falha na perspectiva do Dzogchen. Passado, presente e futuro nunca vêm à existência e nunca passam à inexistência: o que temos na realidade é a unidade sublime do tempo, a atemporalidade ou o Grande Tempo. Conceber e compreender os três tempos como incriados e incessantes é uma instrução secreta sobre a unidade do passado, presente e futuro. Cada momento é um grande festim de celebração. É uma função espontânea da unidade sublime do tempo e do espaço. Não há possibilidade de estrutura temporal na realidade da mente luminosa. Compreendendo a unidade do tempo, cada momento é completo e perfeito em si mesmo. A base do procedimento ritual é assim minada e, assim, todo e qualquer apego ao processo é erradicado. A grande oferenda do festim (ganachakrapuja, ou em Tibetano, tsok cho) é a celebração tântrica central da natureza da realidade através do deleite sensorial. Geralmente é realizado como um rito congregacional. [Os versos 48 a 54 dizem respeito a aspectos da visão do Dzogchen como a grande oferenda do festim.] Este verso e o próximo estabelecem a redundância do ritual, junto com o passado, presente e futuro, como construções mentais fictícias [ver também o verso 26].


49 Na igualdade, a criação temporal é impossível; na unidade, a dedicação do espaço é supérflua. As oferendas adornadas, naturalmente arranjadas, desafiam a melhoria devido à perfeição intrínseca. A Identidade Inequívoca do Guru e da Oferenda Passado e futuro são idênticos, de modo que os estágios de preparação e promulgação da oferenda são indiferenciados no aqui e agora. Através da lógica da singularidade experiencial, a oferenda (que compreende todos os fenômenos absolutamente), a consciência prístina, e o iogue que oferece todos os fenômenos são idênticos. Nessa realidade unitária, não há vestígios de qualquer coisa concreta em lugar algum, nenhuma reificação das oferendas e nenhuma distinção entre o iogue e a oferenda. Como não há projeção dualista, não há nada para ser dedicado ritualmente. As oferendas, os adornos do campo da realidade, são os cinco prazeres sensuais (visão, som, sabor, cheiro e tato), que surgem espontaneamente em um arranjo arbitrário, porém perfeito, na presença natural e atemporal. A ausência de qualquer arranjo é em si o arranjo perfeito. Assim, a presença pura, o doador e a oferenda são um na doação espontânea, onde a dedicação e o arranjo provisório são redundantes. 50 A espontaneidade, impedindo qualquer dedicação da oferenda, naturalmente puro, o universo como oferenda já é ambrosia; um senso específico e sua consciência, no mais elevado samadi, são indivisíveis. A Ausência Inequívoca de Motivação na Oferenda A oferenda é sempre o campo ornamentado da realidade, a totalidade do momento. Esta vasta oferenda que a tudo inclui é atemporal e espontaneamente presente e, em sua própria presença, é feita como uma oferenda. A espontaneidade impede a ficção da “dedicação”, que implica uma reificação ou conceitualização da oferenda e uma transferência projetiva. Além disso, a perfeição intrínseca da oferenda impede a necessidade de qualquer dedicação. Apesar de uma percepção dualista do iogue de fazer a oferenda e a oferenda em si, uma vez que essa dicotomia é naturalmente resolvida desde o início, a oferenda já é ambrosia. No samadi mais elevado do iogue, o poder de concentração dos seis sentidos e a função proliferativa das seis consciências [ver versículo 46] são uma unidade, e nessa não-dualidade perceptiva a bênção é alcançada. Qualquer visualização é redundante. Assim, oferecer é uma função espontânea natural no aqui e agora.

O Momento Atemporal da Oferenda Espontaneamente Perfeita do Prazer Sensual.


51 O intelecto a projetar é o doador, e o arranjo natural reside no poder do olhar; o sidi inerente à visão clara é o equilíbrio meditativo perfeito. Fazendo a Oferenda Universal Através do Intelecto Na função ritual sutil da oferenda, o intelecto é o doador, dedicando todos os fenômenos como a oferenda através de uma sutil projeção de doação ao espaço infinito. Um arranjo assimétrico natural dos cinco prazeres sensuais (visão, som, cheiro, sabor e sensação) está implícito no olhar sensorial.38 Percebendo a oferenda como imagem sensorial, na clareza ou luminosidade dos cinco prazeres sensuais está o sidi (ou realização). No sidi reside o samadi do equilíbrio meditativo. Nisso, a acumulação de mérito como base causal da realização do desejo e da consciência prístina é imediatamente completada. Assim, tanto a função natural de oferecer no momento como a perfeição espontânea intrínseca da oferenda ritual foram descritas. N38: Na terceira linha do verso (na segunda linha da tradução), TB tem “a oferenda que é vista” (bltas ba'i tshogs ni) ao invés de “o poder do olhar” (bltas ba'i stobs), como é no BGB e nos Dez Sutras.

O Momento Atemporal da Espontaneidade 52 Um lampejo de apreensão é a união e a satisfação feliz é o compromisso; movendo-se na dança dos meios hábeis, a união não-dual é a oferenda. A Instrução Essencial na Não-União Cada momento da experiência como a natureza da mente é uma união transcendente e consumada. Nisso, a bem-aventurança adventícia é o compromisso sem forma (samaya) que é naturalmente sustentado. Dentro da presença pura desse momento, o campo da sabedoria vazia é momentaneamente revelado; na dança da ilusão transformadora, qualquer situação ou posição aparente surge como uma oferenda na totalidade da identidade da mente luminosa. Os componentes tântricos da “união”, “compromisso”, “meios hábeis” e “oferenda” são definidos em termos da não-dualidade. Na grande perfeição da natureza da mente, não há processo temporal em que dois se tornam um, porque desde o início nunca houve qualquer separação. Tudo é um na mente luminosa. Assim, "união" é um reconhecimento da natureza inexprimível da mente luminosa, onde o puro prazer é sempre o tom de sentimento. Embora em anuyoga, a mente luminosa seja definida em termos da união da presença pura e do campo da realidade,39 ainda assim essa união nunca é consumada e nunca se divide e a dança hábil é uma oferenda constante.


Assim, o grande rito do festim é a espontaneidade momentânea. N39: Em anuyoga, a união da presença pura (rig pa) e do campo da realidade (dbyings) é representada pela união do buda-pai Samantabadrae da buda-mãe Samantabadri. Sobre a união, veja também os versículos 5, 18 e 32.

O Momento Atemporal do Ritual Infinito 53 A generosidade desapegada é a torma, e a não-ação instantaneamente consuma o ritual; a consciência prístina não-pensada dissolve os obstáculos, e o equilíbrio meditativo não pronunciado é o hino de louvor. A Consumação do Desempenho Ritual Cada momento é uma oferenda de torma espontânea e não-ritual. Na presença pura, o mundo fenomenal é totalmente abandonado sem um pingo de apego, agarramento – ou mesmo apreensão. No espaço da igualdade completa, nenhuma ação é superior a qualquer outra. Mas quando o ritual da oferenda de torma, por exemplo, é realizado, a não-dualidade perceptiva é representada pela torma (geralmente um bolo cônico de cevada torrada, coberto com melaço e decorado com símbolos de transcendência para representar aspectos da mente búdica). A ação não-direcionada transcende a performance do ritual do iogue, que é, portanto, consumado antes de ser feito. Aqui, a consciência prístina sem pensamento é o Senhor das Direções; aqui o Senhor das Forças Obstrutoras imediatamente dissolve obstáculos sutis e formas de pensamento40 criadas pelo ritual de oferenda; e aqui o equilíbrio meditativo não-verbal é o Senhor da Atividade Não-elaborada, Senhor da Não-ação, que canta os hinos de louvor. Desta forma, os elementos do ritual expressam naturalmente a modalidade da espontânea mente luminosa momento-a-momento e o desempenho ritual do kriyayoga – o kriyavajra – é aperfeiçoada pela natureza transcendente da mente. N40: Obstáculos à meditação podem ser personificados como espíritos chamados geks (’gegs).

O Momento Atemporal da Grande Amarra: Os Grilhões da Doação Presunçosa 54 Veneração ao lama, generosidade e todas essas atividades meritórias tornam-se uma grande amarra quando adotadas sem um desapego imperturbável.


A Falha da Ação Dirigida a Metas Na modalidade da grande perfeição, não é a natureza da ação, mas a atitude que conta, e a má atitude é revelada no apego a uma meta ou a atenção ao resultado de uma ação. Mesmo que o resultado seja a virtude que sirva ao seu próprio proposito ou o de outra pessoa, como conduta moral e paciência, a orientação a uma meta coloca a mente em um quadro dualista e a prende. Adorar o guru-lama com oferendas dadas com o propósito de receber bênçãos ou algum benefício mundano, ou dar esmolas a mendigos ou presentes a amigos com um motivo oculto, é uma falha no processo da mente luminosa, a menos que seja realizado com a total indiferença proporcionada por um samadi imutável da ausência de desejo. Essa falha no comportamento – que pode por extensão se aplicar a qualquer atividade na qual o apego se encontre – é enfatizada como uma amarra terrível, não tanto pelo autoenvolvimento inerente ao ato, mas pela motivação dirigida a um objetivo. Sem o samadi da igualdade, somos pegos em uma amarra dupla. Não estamos errados se não adorarmos o professor; estamos errados se o venerarmos com apego regular. É imperativo fazer uma oferenda, mas apenas sem apego. Na prática da Grande Perfeição, no entanto, a grande amarra é liberada reflexivamente. Aconteça o que acontecer, a natureza do momento é a espontaneamente resolvida. Assim, nós nos libertamos da adoração ao lama.

O Momento Atemporal da Transmissão Simbólica 55 Sobre essa mesma transmissão, se for estruturada, ela se torna um véu; se conceitualizada, similarmente, sua realidade nunca poderá ser alcançada. Instrução Seminal sobre esta Grande Transmissão Se procurarmos por um significado literal, seremos atados a ele e o perderemos. Se nos esforçarmos pela ausência de esforço, não poderemos encontrá-la. Assim, nessa transmissão da perfeição total, se a ausência de esforço não-procurada se transformar em esforço, estaremos doentes e velados. Se, no entanto, percebermos a não-ação aqui e agora, a realidade nunca poderá se tornar concreta. O objetivo desta transmissão é resolver toda a experiência que seja na perfeição completa. Na medida em que a experiência da transmissão consiste na compreensão do significado de seu coração, seu propósito é desconstruir e dissolver os véus que ocultam sua realidade. Assim, estruturar seu conteúdo de qualquer maneira é desafiar seu propósito. Conceituar seu significado ou transformá-lo em prática religiosa ou ioga também significa derrotar seu propósito. A ambiguidade é um elemento intrínseco de sua dinâmica. Na medida em que buscamos sólidos significados literais, sua dialética interna é frustrada. Assim, somos advertidos de que as palavras da transmissão são o dedo apontando para lua e não a lua em si.



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APÊNCIDE 1 O Texto Tibetano e Comentários _______________________________________________________________

As seguintes abreviações são usadas aqui e na anotação: BGB Os Tantras Coletados de Vairotsana. Bairo rgyud 'bum Tashigangpa, 1971. Os Tantras Coletados dos Antigos. Rnying ma rgyud ’bum TB 46 vols. Thimphu, Butão: Biblioteca Nacional, Royal 1982. Veja também online na Univ http://www.thlib.org/encyclopedias/literary/canons/ NCGO O Tantra do Vasto Espaço de Vajrasattva. Rdo rje sems dp TB vol. ga, 165.3191. KG A Fonte Suprema. Kun byed rgyal po. Kulayarāja. TB vol. ka Os Dez Sutras. Mdo bcu (O Sutra que inclui Toda Experiência DC da Grande Perfeição. Chos thams cad rdzogs pa chen po por pa'i mdo). TB vol. ka, 352-499. As Cinco Traduções Iniciais aparecem nos Tantras Coletados de Vairotsana (BGB) e como capítulos da Fonte Suprema (KG). Eles também são citados nos Dez Sutras (DC) no contexto de seus comentários. O BGB é o mais antigo, mas o mais corrupto. Meu comentário às transmissões é derivado principalmente do texto explicativo dos Dez Sutras, o segundo texto nos Tantras Coletados dos Antigos (TB), (o segundo texto na seção “atiyoga”). Dos vários tantras no TB Rdo rje sems dpa’ nam mkha’ che no título, o Tantra do Vasto Espaço de Vajrasattva (Rdo rje sems dpa'nam mkha' che 'i rgyud) e, da mesma forma, o comentário de Lcags ’grel (BGB vol. nga, 397–453) às vezes esclarece os versos do Estandarte da Vitória Eterna. Os seguintes versos ou linhas são citados por Longchenpa em Byang chub kyi sems kun byed rgyal po’i don khrid rin chen sgru bo, traduzido no livro Você é os Olhos do Mundo (Longchenpa 1987): Criatividade Radical, verso 6 em pp 24-25; Minério de Ouro Puro, verso 7 na nota 42; Estandarte da Vitória Eterna, verso 16 na p. 40 e verso 40 em p. 43. Os versos ou linhas seguintes são citados por Longchenpa em Gnas lugs mdzod ’grel ba, que traduzi em Perfeição Natural (Dowman 2009): O Estandarte da Vitória Eterna, versos 9 e 10 no canto 84, p. 189; o primeiro dístico do verso 30 no canto 85, p. 191 e no canto 113, p. 228; e versos 41, 42 e 44 em partes no canto 115, p. 231. Os versos do Grande Garuda 2–4 são citados em parte no canto 8, pp. 71–72; verso 10 no canto 33, p. 121; verso 12 em parte no canto 63, p.158; verso 14 no canto 12, p. 228; e verso 21 em parte no canto 125, p. 242.

Fontes de Textos Tibetanos e Tradução em Português


A Canção do Cuco da Presença Pura (Rig pa’i khu byug) IOL / Stein 647 na coleção Tun Huang (Dunhuang). TB vol. ka, 113,2–5; KG, cap. 31 TB vol. ka, 453,3-6; DC, no oitavo sutra. BGB vol. nga, 306. Karmay 2007, 50. Reynolds 1996, 232-33. Norbu e Shane 1986, xv. Norbu e Clemente 1989, 48. Norbu e Clemente 1999, 174. Criatividade Radical (Rtsal chen sprugs pa) TB vol. ka, 98,7 a 100,1; KG, cap. 27 TB vol. ka, 453,6-455,1; DC, no oitavo sutra. BGB vol. nga, 306-8. Norbu e Clemente 1999, 165. J. Valby 2011, 2:36 O Grande Garuda em Voo (Khyung chen lding ba) TB vol. ka, 87,2-91,6; KG, cap. 22 TB vol. ka, 455,1-462,4; DC, no oitavo sutra. BGB vol. nga, 308–14. Norbu e Clemente 1999, 158-61. J. Valby 2011, 2: 26-29. O Minério de Ouro Puro (Rdo la gser zhun) TB vol. ka, 96,4-98,6; KG, cap. 26 TB vol. ka, 450,3-453,3; DC, no oitavo sutra. Norbu e Clemente 1999, 163-65. O Esntandarte da Vitória Eterna: O Vasto Espaço de Vajrasattva ((Mi nub pa’i rgyal mtshan: Nam mkha’ che) TB vol. ka, 105,2 a 113,1; KG, cap. 30 TB vol. ka, 352-499; nos décimos sutras da DC. BGB vol. nga, 383-95. Clemente 1999. Norbu e Clemente 1999, 168-73. Valby 2011, 1: 4–10.


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APÊNCIDE 2 A Terminologia da Série da Mente _______________________________________________________________

As seguintes abreviações são empregadas como índices na análise subsequente: CC = Canção do Cuco; CR= Criatividade Radical; GG = Grande Garuda; OP = Minério de Ouro Puro; e EV = Estandarte da Vitória Eterna. O “c” denota a citação do respectivo comentário. Os textos do Dzogchen são divididos em três séries ou classes: A Série da Mente (sems sde), A Série da Matriz (ou Vasta Extensão) (klong sde) e a Série do Preceito Segreto (man ngag sde). As Cinco Traduções Inicicias são textos seminais da Série da Mente, e a Fonte Suprema (Kun byed rgyal po) contém todos os principais textos da Série da Mente. A explicação mais simples para a existência de três séries separadas consite nas três fontes geográficas distintas da tradição. Poucas evidências existem em apoio a esta hipótese, mas um exame comparativo da terminologia parece encorajá-la. Certamente o vocabulário das transmissões ajuda a confirmar esses textos da Série da Mente como as primeiras escrituras do Dzogchen. A terminologia do Dzogchen ainda estava evidentemente em uma fase incipiente e não se desenvolveu no vocabulário da exegese posterior. Era como se Vairotsana estivesse empregando uma expressão vernacular para traduzir sua experiência, da mesma forma que lutamos para traduzir o Tibetano para o Inglês-Português. A linguagem dos Dez Sutras, por outro lado, é escrita com um vocabulário Dzogchen mais desenvolvido e defende uma data muito posterior de composição por um autor diferente de Vairotsana. Nas transmissões, por exemplo, as palavras “realidade” (chos nyid) e, surpreendentemente, “presença pura” (rig pa) raramente aparecem, e igualmente “espacialidade básica do campo da realidade” (dharmadhatu) e “ser puro” (darmakaya). A palavra “matriz” ou “extensão” (klong), uma noção vital no Dzogchen elaborado, não aparece nas transmissões e apenas uma vez no comentário. O termo “base do ser” (kun gzhi, skt. alaya) não aparece (no entanto, veja PG2). A frase “percepção não-dual” (gzung 'dzin med pa) não aparece nas transmissões, embora seja frequente nos comentários dos Dez Sutras. O termo “núcleo seminal” ou “núcleo que a tudo inclui” (thig le chen po) aparece uma vez nas transmissões (PG10), embora a noção de “uma partícula indivisível” (rgul phran gcig) (GG3) pareça significar a mesma coisa. Previsivelmente, a “vaziez” (stong pa nyid), um termo favorito dos dialéticos, não aparece nas transmissões, embora o comentário o use ocasionalmente. Além disso, as transmissões não mencionam as três dimensões do ser (trikaya), enquanto o comentário enfatiza a unidade dos três como o darmakaya. Tampouco as quatro yogas ou as nove abordagens são mencionadas, embora um dos principais temas dos Dez Sutras seja a assimilação das abordagens graduais ao Dzogchen radical. O comentário ao Estandarte da Vitória Eterna, versos 4, 5 e 6, aplica a modalidade natural da Grande Perfeição ao mahayoga, anuyoga e yogatantra exterior (sattvayoga), onde cada um é mostrado como completo e perfeito. Isto está em oposição com o comentário


aos versículos 17, 27, 36 e 42 sobre a realidade de anuyoga, mahayoga, tantrayoga e atiyoga respectivamente, onde o anuyoga é descrito como uma "técnica sutil" enquanto o mahayoga e o tantrayoga são considerados incompletos. A ausência dessas e de outras enumerações e quadros conceituais nas transmissões defende uma data muito inicial e antecedentes muito puros para as transmissões da Série da Mente do Dzogchen radical. Buda (sang rgyas pa) Na visão do Dzogchen radical, não existem entidades separadas chamadas “budas”. Em vez disso, há buda, que é sinônimo de iluminação (não-iluminação). Além disso, a anglicizada budeidade amplia a lacuna entre a realização e o aqui e agora, então simplesmente “buda” é preferível aqui. Buda refere-se à realidade inefável da experiência não-dual, que não pode ser dualizada de nenhuma maneira. Campo, objeto (yul) Na análise dualista e delusória da percepção, os objetos dos sentidos – o campo objetivo – são apreendidos pela consciência, "o conhecedor". Na percepção não-dual, não há objeto para agarrar, e os campos sensoriais são a espacialidade básica: o campo da realidade, o dharmadhatu. Caminho, processo, modalidade (lam) Se um caminho implica um ponto de partida distinto, uma progressão temporal e um destino, o Maha Ati não tem caminho – ou é melhor designado um caminho sem caminho, o caminho sempre sob os nossos pés que não tem extensão. E, no entanto, dentro de um momento atemporal da mente luminosa, há um desdobramento e uma liberação. Por essa razão, “caminho” às vezes é traduzido como “processo”. Para enfatizar a função sincrônica do “surgimento”, “permanêcia” e “liberação”, “modalidade” tem sido freqüentemente preferida em vez de “caminho” ou “processo”. Consciência prístina (ye shes, jnana) Esta consciência básica está sempre fresca, nunca se torna cansada, entediada ou fatigada. Há um elemento de ingenuidade do simplório nela, uma vez que não pode ser elaborada em uma proposição complexa. Visto que ela é percepção não-dual, nada pode transcendê-la e não pode ser objetivada; pode, portanto, ser traduzida como “consciência última”. Uma vez que existe como a realidade original, ela pode ser traduzida como "consciência primordial". Não tem causa ou condição e surge espontaneamente por e de si mesma e é, portanto, a "consciência autossurgida". A percepção direta e a cognição não-dual são a consciência prístina na espacialidade básica, tudo isso é a mente luminosa; é a cognição instantânea e espontânea. Não pode ser descoberta por meio da busca (VB20c) e é imune à análise (VB25c). Ela surge em um samadi desimpedido (VBlc) e imperturbável (VB32). Nada pode induzi-la ou desenvolvê-la. O processo de liberação é inerente dentro dela (VB3). Sua natureza é puro prazer natural (VB26c). A presença pura é uma função da consciência prístina (VB42). O próprio pensamento é a consciência prístina porque o darmakaya como um conceito é naturalmente indeterminado e puro. O pensamento em si é livre de pensamento e a consciência prístina é "uma presença autêntica, onipresente e não-pensada". Não tem localização, nenhuma especificidade, e é não-composta. Ela transcende todo pensamento e expressão, absorvendo todo o significado específico em uma única igualdade soberana. A espacialidade básica que é o campo da realidade é


espontaneamente e constantemente impregnada pela consciência prístina. A consciência prístina é uma joia que realiza desejos. A consciência prístina é o olho do insight direto, o olho da onisciência, que vê a natureza espaçosa do campo da realidade. Embora não possa ser localizada, ela pode ser reconhecida na união natural de meios e insight (anuyoga) (VB5). Desejo, raiva e confusão surgem como a consciência prístina (VB16). A consciência prístina surge particularmente no estado de confusão como a exibição milagrosa de Samantabadra (VB44). Ela surge espontaneamente no pensamento (vs12), na espacialidade das construções mentais (anuyoga) (VB17). Na perspectiva do sattvayoga, a deidade búdica da consciência prístina se identifica com o iogue. Na visão do ubhayayoga, a consciência prístina se irradia da natureza da mente como Vajrasattva, que é inseparável das cinco cores e dos cinco elementos (VB47c). A oferenda dos prazeres sensuais, a mente individualizada que está fazendo a oferenda e a consciência prístina são todos um dentro do ritual de oferenda (VBc49). A desorientação, ou um estado de estupidez, é a consciência prístina nublada que possui a mesma facilidade não-discriminatória que a própria consciência prístina e, portanto, a consciência prístina surge facilmente dentro dela, ou melhor, é atemporalmente inerente a ela e espontaneamente emerge dela (PG05). As próprias escrituras e visões momentâneas aparecem na consciência nebulosa (GG19). Corpo, fala e mente (sku gsung thugs) As três dimensões do corpo, fala e mente são uma só na mente luminosa e no ser puro. A elaboração da unidade fundamental em três aspectos fornece um meio hábil de iluminar os miasmas ilusórios dos seis tipos de seres míticos nas três dimensões. "Corpo", "fala" e "mente" humanos referem-se às dimensões do ser emanacional estruturado, dos fluxos e padrões de energia e da consciência, respectivamente. “Corpo”, “fala” e “mente” búdicos referem-se à igualdade natural dessas dimensões na mente luminosa. O corpo, a fala e a mente búdicos são como os olhos da mente luminosa que reconhecem a variedade de seres, as paixões, os sofrimentos e os prazeres sensuais na roda da vida, como a mente luminosa. Mais especificamente, o corpo, a fala e a mente búdicos são a pureza dos três venenos na mente luminosa: o corpo búdico, reconhece a tendência à atração, o desejo e suas manifestações; a fala búdica, reconhece a tendência à aversão e a raiva; e a mente búdica, reconhece todas as formas de confusão e ignorância. Na meditação conceitual, os centros do corpo, fala e mente estão localizados na cabeça, garganta e coração, respectivamente. Espacialidade básica que é o campo da realidade, espacialidade básica, campo da realidade, campo-realidade, etc. (chos dbyings, dharmadhatu) A primeira distinção a ser feita no desenvolvimento temporal da consciência na infância é entre interior e exterior, sujeito e objeto. A tendência para concretizar o eu e o outro domina nossa percepção comum, mas a realidade verdadeira é um campo unificado da experiência que visto holisticamente é chamado de dharmadhatu, que é traduzido aqui como “espacialidade básica”. Os três primeiros versos da Criatividade Radical descrevem-na como a emanação de Samantabhadra, que é o nosso próprio campo de experiência. É um campo unitário que substitui todas as distinções externas e internas e o próprio tempo (VB26). É um campo da identidade e igualdade últimas. É perfeito em si mesmo, inalterável e imutável. É um campo dinâmico da experiência livre de qualquer atividade direcionada e, portanto, pode ser descrito como uma “exibição de forma livre” (RCc3). Nos dois primeiros versos do Grande Garuda, a emanação de


Samantabhadra como espacialidade básica é mostrada sendo “individualizada” como a mente do iogue do Dzogchen e, portanto, como a modalidade do Dzogchen, em que um campo, como a mente luminosa, não pode ser localizado em qualquer lugar; um nãocampo na não-dualidade, na não-discursividade e na não-análise perceptiva. Embora seja "individualizado", o dharmadhatu ainda é ilimitado, não-demarcado, sem centro ou circunferência (GG5). Se Samantabhadra é a totalidade não-dual do ser e do conhecer, Vajrasattva é a vasta espacialidade do campo da realidade dentro do ser puro, ou “vaziez individualizada” (VB1). O campo da realidade é, portanto, o espaço no qual tudo se aglomera e é liberado reflexivamente como Vajrasattva em um processo constante e desimpedido. O dharmadhatu pode ser traduzido simplesmente como “espacialidade” ou como “espaço existencial”. Na visão do anuyoga, a espacialidade básica é postulada como o complemento da presença pura (rig pa) em uma união dos princípios de gênero de meios hábeis e insight. Assim, a unidade do Dzogchen do único Samantabhadra é provisoriamente dividida para mostrar Samantabhadra como a presença pura em união com Samantabhadri como a própria realidade (VB5). As cinco paixões surgem na mente luminosa, e os cinco prazeres sensuais são descritos como “ornamentos” da espacialidade do campo da realidade. Como tal, eles participam da natureza da realidade e, portanto, não podem ter aparência, nem forma, nem formato e nem cor (VB16). Da mesma maneira, o universo como uma oferenda de prazer sensual é descrito em termos de um “adorno” da espacialidade básica, de modo que a oferenda é uma oferenda da espacialidade básica como vaziez (VB49). Essência pura da mente (byang chub snying po, bodhigarbha) Como a primeira e única causa, a mente luminosa é a essência pura da mente, a fonte de todas as coisas (VBc33). "Essência" é aqui uma tradução de snying po, que também pode ser traduzida como "útero", "matriz" ou "coração". No entanto, "essência" deve ser entendida como vaziez, nunca como uma quintessência concreta mais sutil. Uma vez que a mente luminosa está livre de qualquer ens ou eu substancial, a conotação de substância é sempre inadequada. A imagem física da palavra “útero” a torna inapropriada como um equivalente de snying po no contexto do Dzogchen, porque implica uma separação do recipiente e do conteúdo. A essência pura da mente é a bodichita como a única causa, não como separada da bodichita como o único efeito. A essência e a manifestação são uma só. A semente e a fruição são uma só. A essência pura da mente e da mente luminosa é uma só. Particularmente no Grande Garuda e no Minério de Ouro Puro, a "essência pura da mente" substitui a "mente luminosa". A "essência pura da mente" é preferível porque denota potencialidade em vez de realidade. Nada jamais surge ou deixa de existir e, portanto, permanece em estado de potencial, como em um útero, que é a natureza da mente luminosa, e é descrito como "o núcleo que a tudo inclui" (thig le chen po) e “os seis núcleos” (thig le drug, ver nota 17). No Grande Garuda, a natureza emergente da essência pura da mente é o puro ser, a vaziez “individualizada” (GG2). Essa essência é a nossa identidade todo-inclusiva, e essa é a joia que realiza desejos (GGc13). É uma criatividade todo-abrangente (“criatividade radical”) (GG22). Na essência pura da


mente, o samadi último surge como a consciência prístina no campo da realidade (GG23). No Minério de Ouro Puro, a essência pura da mente é identificada com Manjushri Kumara, a deidade do corpo búdico todo-inclusivo dos oito budas do mahayoga, que é a fonte de todos os fenômenos e, portanto, de toda a experiência. Toda essa experiência é espontaneamente liberada na modalidade da essência-pura-da-mente. Assim, a essência pura da mente luminosa é “a mãe dos sugatas” (sugatagarbha). Na essência pura da mente, a mente luminosa e as inclinações da mente são uma só – não há separação. A natureza da essência pura da mente é a consciência autossurgida, imutável e imperturbável. É inconcebível, sempre presente como o espaço, transcendendo ideias e discursos. No Estandarte da Vitória Eterna, a essência pura da mente é o lugar de todo sofrimento, onde para sempre compreendido, nunca se torna nada mais do que a mente luminosa e se manifesta como o ser puro e a consciência prístina (VBc1). Todas as dualidades são congruentes na essência pura da mente: nela o puro prazer búdico, a felicidade e a miséria dos seres comuns são um (VBc10). A realidade do prazer e da dor, da felicidade e da tristeza, e as cinco paixões são idênticas na essência pura da mente. O homem e a mulher são idênticos na essência pura da mente (VB33). O campo da realidade na essência pura da mente permanece inalterado pela atividade mental (VB11). Desejo, raiva e confusão surgem na modalidade da essência pura da mente (VBc16). “A essência da mente luminosa é a fonte universal, e toda a realidade é pura e simples”, a própria realidade indeterminada e a fonte da realidade (VB22). Igualdade; mesmidade (mnyam nyid; mnyam pa) “Igualdade” descreve a natureza do próprio Samantabhadra, que é o Senhor da Igualdade (VB33); a "igualdade soberana" é a natureza da mente luminosa, a matriz da mente luminosa e, portanto, de todas as coisas absolutamente (RC3). Essa “igualdade” é sinônimo de “identidade” no sentido de que a natureza da mente é idêntica em todos os momentos do aqui e agora. "Igualdade" é um atributo do oceano e também do céu. A igualdade, no entanto, é um estado de ser, um estado de "mesmidade" ou "equanimidade", no qual não há radiação nem absorção. Em sua imperturbabilidade, é o antídoto para o desejo e o apego (VBc32). Embora mesmo imperturbável, ela está presente na esfera ativa de Samantabhadra e, como tal, é tanto a identidade intrínseca da multiplicidade como a própria multiplicidade, da mesma forma que a realidade é simultaneamente a matriz da mente luminosa e a mente luminosa manifesta. Desta forma, a igualdade é praticamente sinónimo de vaziez (stong pa nyid), embora tenha um sabor mais forte e positivo. É a natureza da presença pura (rig pa). É o darmakaya nãopensado. É a realidade (chos nyid) em si. "Igualdade", em Tibetano, como em Português, carrega o senso de um ancoramento e, portanto, está livre de toda "complacência e arrogância" (VBc14). A igualdade, além de tirar o ferrão do desejo e do apego, é o antídoto para a culpa e o remorso. De fato, como no tantrayoga, o deleite sexual e a atividade antissocial podem ser os meios hábeis do reconhecimento da igualdade. É essa qualidade fundamental da mente luminosa que leva o santo e o pecador a um campo de jogo nivelado. Mente luminosa (byang chub sems, bodhichitta)


Há fortes razões para assimilar a palavra bodichita, pela qual entendemos a mente búdica compassiva, para a língua portuguêsa – não possuímos equivalente. “Mente iluminada” ou “mente desperta” é a frase mais comumente empregada como equivalente no Vajrayana. Mas na mente iluminada do Vajrayana é a prerrogativa apenas de buda, ao passo que no Dzogchen é o próprio material da realidade todoabrangente. A bodichita é a própria realidade – a “mente luminosa e a realidade são uma na espacialidade básica” (RCc1-2), como a mente e o espaço interno são um (GGc1). O imperativo não-dual do Dzogchen requer um equivalente mais neutro e menos afetivo para bodichita, e por essa razão eu escolhi mente luminosa, a mente luminosa que substitui ou transcende a mente racional sem qualquer senso de qualidade moral. A mente luminosa é também o único recurso dos seres presos em um caminho causal, porque é a única causa e o único efeito (GGc1). A mente luminosa, no entanto, também é identificada como a bondade amorosa (VB2) e a compaixão altruísta (sem-um-eu) (GGc14). Uma vez que o termo define a Série da Mente dos preceitos do Dzogchen, seu significado é primordial e justifica sua incidência dominante nos textos. Natureza da mente (sems nyid) A frase seminal a “natureza da mente” não aparece nas transmissões. A mente luminosa e a pura essência da mente são a natureza da mente e englobam todos os seus significados. Não-ação; adj. forma livre (bya med; bya bral) A "não-ação" pode implicar a natureza imóvel da espacialidade básica (GG1), o dharmadhatu em si (GGc1), mas é, simultaneamente, o jogo da igualdade ou a vaziez na multiplicidade, e por essa razão algumas vezes aqui ela se tornou “forma-livre”, como o céu. A não-ação é não-direcionada ou espontânea, ação de forma-livre (RC3); é a própria espontaneidade. É a atividade do iogue que é parte integrante da exibição milagrosa e dinâmica de Samantabhadra (GG24). Não há motivação autodirigida e, de fato, não há motivação alguma. Não há esforço envolvido, nenhum esforço orientado para objetivos, nenhuma busca com o interesse de encontrar (VBc55). Não há um sentido de “trabalho duro” ou “dever oneroso”. Isso pode implicar renúncia a todo envolvimento mundano, mas nem sempre é esse o caso. Pode implicar o abandono de todo o materialismo espiritual, incluindo meditação, exercícios devocionais e rituais, mas novamente nem sempre é assim (VB21). Essa definição está se inclinando para a “não-ação” como uma atitude em relação à dinâmica do corpo, fala e mente (VB53). Com essa atitude, a exibição espetacular das aparências, incluindo o iogue, é uma constante, mas nada nunca é feito. Ao mesmo tempo tudo é liberado (VB3). As Cinco Traduções Iniciais pertencem aos capítulos da Fonte Suprema que tratam a não-ação aperfeiçoada. Mas a palavra aparece apenas raramente na mesma e raramente no comentário dos Dez Sutras. Sua importância, no entanto, é seminal na exegese do Dzogchen. Presença pura (rig pa) Rig pa é melhor definido como a consciência não-dual de todos os nossos momentos de experiência. Enquanto o verbo “conhecer” em estruturas verbais dualísticas, é elevado no jargão do Dzogchen para denotar a realização da perfeição natural. Como não temos equivalente desta noção na língua portuguesa, usei a expressão “presença pura” aqui, uma frase que deveria ser adotada para implicar a plena consciência do estado natural holístico e não-dual do ser. A palavra aparece apenas uma vez nas transmissões, onde é


usada para descrever a consciência do puro prazer de Samantabadra (VB42), e então raramente no comentário para o Estandarte da Vitória Eterna, que indica um movimento tardio para o centro da exegese do Dzogchen. Aqui a presença pura é a realização transcendental que abrange toda a meditação conceitual (VBc13). Ela não pode ser cultivada e, intrínseca à realidade não estruturada, está livre da percepção dualista; o pensamento discursivo que surge nela é a própria consciência prístina (VBc12). Aqui a presença pura seria representada iconograficamente como o único buda azul e nu Samantabadra. Mas essa totalidade da presença pura é também descrita como uma união atemporal da presença pura e da espacialidade básica (dharmadhatu), na qual a presença pura é o meio hábil e a espacialidade básica a função do insight (VBc5). Da mesma forma, enquanto a espacialidade básica é representada pelas vogais da expressão articulada, a presença pura é representada pelas consoantes (VBc18). A união de vogais e consoantes é a exibição de Samantabhadra que nunca se cristaliza. Essa exibição da espontaneidade é uma dança da presença pura (VBc52). No Dzogchen radical das transmissões, é difícil evitar a conclusão de que rig pa é a cognição da luz comum do dia. Realidade (chos nyid, dharmata) A realidade do Dzogchen da mente luminosa é a realidade não-dual, e isso é tudo o que deve ser dito sobre isso. Na medida em que a visão e a meditação do atiyoga são um reconhecimento constante da mente e da experiência desconstruída, ele fornece essa realidade. Etimologicamente tanto o Sânscrito como as palavras Tibetanas significam “experiência (dharma) em si”. A palavra aparece apenas sete vezes nas transmissões, mas embora a realidade seja certamente sua natureza e seu propósito, não é exclusiva de nenhuma experiência ou fenômeno particular (RC5); é livre, aberta e todo-inclusiva (GG18); não-procurada, é conhecida na não-meditação (VB7); não pode ser transmitida através do tempo (VB8); é adornada pelo prazer sensual na espacialidade básica (VB16); é pura e simples e não pode ser elaborada (VB22); e é não-eventual (VB41). A realidade é inexprimível e todos os adjetivos usados para descrevê-la nos Dez Sutras apontam para essa inefabilidade por meio da negação. É não-dual (CSc), superando o tempo linear (VB48), o espaço (VB31), o prazer e a dor (VBc15), e as cinco paixões (VBc15); não é criada (CSc e VBc6); é não-discursiva (GGc1); não pode ser localizada (GGc3) e não pode ser descoberta; não pode ser objetivada (GGc1); é insubstancial (GGc15); é não-elaborada e indeterminável (VBc12); é imóvel (VBc3) e imutável (VB41–43); é sem sinal (VBc21); e não pode ser realizada ou atestada (VBc55). Por outro lado, a realidade é definida positivamente como Vajrasattva, a mente luminosa (RCc2 e VBc16), como o aqui e agora (“talidade”) (CSc), como consciência prístina (GGc3), como igualdade (GGc3), como nossa identidade do darmakaya (VBc3), como uma totalidade (VBc22); sua natureza é puro prazer espontâneo (VBc26); é uma exibição da felicidade suprema (GGc5); é a própria modalidade do Dzogchen (VBc21); é idêntica à bondade-amorosa e compaixão (VBc2). É um momento atemporal e imutável (VB41-43). Realização (rtogs pa) A palavra rtogs pa, freqüentemente traduzida como “realização” ou “compreensão intuitiva”, está linguisticamente enraizada no verbo rtog pa, “pensar”. A estrutura mental e o pensamento como funções da mente intelectual e racional coincidem com a realização da natureza da mente como vazia e radiante (GGc1). A modalidade da


perfeição natural é inerente a toda forma de pensamento. Na exegese posterior do Dzogchen, o pensamento, ou o fluxo da atividade mental discursiva (rnam rtog), é concebido mais como uma falha na modalidade da mente luminosa do que como uma base para a realização. Na medida em que conhecemos a realidade como nada além de construções mentais, nunca nos afastamos da “realização”. Nas transmissões, e particularmente no comentário do Estandarte da Vitória Eterna, o pensamento, como a paixão, é inseparável da própria mente luminosa e, portanto, nunca deve ser evitado ou suprimido. O uso aparentemente indiscriminado de rtog pa e rtogs pa nos textos pode ser um erro de gramática ou caligrafia, mas sua identidade próxima é assim indicada. Ser puro (darmakaya, chos sku) Se o dharmadhatu se refere ao campo experiencial holístico, o darmakaya refere-se à dimensão ônica da totalidade, ao próprio ser puro. A palavra "ser" em Português, dentro de seu significado comum e abstrato realizado por toda a vida senciente, tem um sentido personalizado que permite a noção de buda na forma humana. Essa limitação, no entanto, é desmentida pela sua definição como a "igualdade sem pensamento" (VB18), que é um sinônimo próximo de "vaziez" um termo raramente usado na exegese Dzogchen. “A realidade da mente luminosa é como o espaço; a mente, sem pensamento e sem constructos, é a igualdade do puro ser” (VBc18). Dentro do ser puro, a realidade da mente luminosa não tem nenhum nome ou forma concreta – é totalmente insubstancial – então não há nada para se agarrar ou segurar. Dentro do darmakaya nãooriginado de Samantabadra a ilusão mágica da criação se torna aparente, e toda a criação é a exibição de Samantabadra. “A realidade da mente luminosa é como o espaço; a mente, sem pensamento e sem constructos, é a igualdade do puro ser” (VBc18). Dentro do ser puro, a realidade da mente luminosa não tem nenhum nome ou forma concreta - é absolutamente insubstancial - então não há nada para se agarrar e segurar. Dentro do dharmakaya não-originado de Samantabhadra, a ilusão mágica da criação se torna aparente, e toda a criação é a exibição de Samantabhadra. Dentro do ser puro, surge a ilusão mágica composta dos cinco agregados, que como emanações secundárias das oito consciências compõem a esfera completa da atividade do tríplice mundo finito mundano, um mundo que assume a forma dos cinco prazeres sensoriais das cinco paixões (VBc19). Nesse sentido, o ser puro é todo-inclusivo. Mas uma vez que a mente luminosa nunca se torna qualquer coisa, nunca toma qualquer forma, tamanho ou cor e, portanto, na medida em que nunca se afasta de sua própria natureza, ela é imutável e inalterável (VBc32); conhecida como o ser puro, presente como a postura (mudra) do ser puro; e como um selo do ser puro é livre da dualidade perceptiva. A consciência autossurgida do ser puro permanece constante em um samadi imperturbável. Assim, o ser puro é a consciência prístina. No Grande Garuda (versículos 1-3) é feita uma distinção entre o darmakaya nocional que é o objeto da meditação orientada para um objetivo e o ser puro que é a consciência prístina. O darmakaya nocional como um conceito não se refere a nada e, portanto, simultâneo com a sua concepção surge a consciência autossurgida. O mesmo pode ser dito para qualquer conceito, então, todo pensamento é o ser puro. Ser puro e consciência prístina (sku dang ye shes) A mente luminosa não tem estrutura, mas é descrita didaticamente em termos de ser (sku) e consciência (ye shes), um suposto dualismo de seus aspectos ôntico e epistêmico (VBc6). O "ser puro" refere-se à estrutura da realidade, embora, uma vez que essa


estrutura não tem uma realidade concreta e não tem limitações temporais ou espaciais, talvez a "anti-estrutura" seja mais significativa. Poderia ser descrito como a realidade unidimensional da mente luminosa, uma vez que não é elaborado no tempo ou no espaço, mas aparece como a multiplicidade variegada. Essa estrutura pode ser diferenciada como os três modos do ser puro – darmakaya, sambhogakaya e nirmanakaya –, mas tal distinção é mencionada apenas uma vez nas cinco transmissões e no comentário. A consciência prístina é a cognição pura que a tudo inclui de buda. Portanto, o ser puro é a mente luminosa e a consciência prístina é a sua propensão inata para cognição. Como um meio hábil, a realização da unidade do ôntico (sku) e do epistêmico (ye shes) anula a aparência da substancialidade nos campos sensoriais ao facilitar a união do sujeito e do objeto. Eles estão unidos como uma união do “imóvel” e do “imperturbável” (VBc32). A ilusão mágica que a tudo inclui da mente luminosa é atualizada por uma realização involuntária de sua natureza unitária da “talidade”. Então ela pode ser descrita como o “ser puro” indivisível em sua realidade ôntica e a “consciência prístina” em seu aspecto epistêmico (VBc6). Da mesma forma, na realização da roda da vida como a modalidade da mente luminosa, a exibição fantasmagórica é uma união do ser puro e os cinco aspectos da consciência prístina (VB9c). Novamente, na medida em que o campo da experiência búdica é desprovido de dualidade perceptiva – qualquer estrutura baseada na consciência, órgão dos sentidos e objeto sensorial, as ficções da análise dualista – a experiência búdica no ser puro é descrita em termos do ser puro e da consciência prístina (VBc16). União (sbyor ba) A noção de "união", sexual ou metafísica, pertence ao domínio tântrico. No entanto, a união sexual como o jogo espontâneo da emanação de Samantabhadra é a atividade búdica (RC4) e sua exibição em si pode ser concebida como a união de vogais e consoantes (VB18-19). No comentário sobre o Estandarte da Vitória Eterna, a união de meios hábeis e insight é tratada sob a rubrica do anuyoga (VB5). Enquanto no tantrayoga a noção de união seria empregada como o rodeio para indicar uma interfusão imanente e atemporal (VB34), que pode aparecer como um lampejo de cognição espontânea ou “não-união” (VB52). Na desconstrução do rito tântrico do ganachakra, a união é uma dança infinita e atemporal (VBc52).


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BIBLIOGRAFIA SELECIONADA _______________________________________________________________

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SOBRE O TRADUTOR

UM REFUGIADO CULTURAL de sua terra natal, a Inglaterra, Keith Dowman chegou a Benares, Índia, em 1966, tendo viajado por terra da Europa. Além de uma incursão ocasional de volta ao Ocidente, ele passou uma vida inteira na Índia e no Nepal, nem sempre na sociedade de refugiados tibetanos, envolvido no Budadarma existencial. Ele viveu como um iogue, um monge, um peregrino e, depois, como um chefe de família, e como um estudioso e poeta, livre de qualquer constrição institucional. Na Índia, nos anos 60, ele teve a sorte de encontrar os refugiados avôs-lamas que chegavam à Índia na esteira da invasão Chinesa do Tibete. Naqueles anos inebriantes, quando os antigos lamas estavam totalmente receptivos à solicitação de discípulos ocidentais em busca de confirmação da validade de suas trajetórias existenciais, ele recebeu iniciação, empoderamento, instruções essenciais e orientação pessoal de Dudjom Rimpoche Jigdral Yeshe Dorje e Kanjur Rimpoche Longchen Yeshe Dorje, que se tornaram seus gurus raiz, entre muitos outros lamas Nyingma e lamas de outras escolas, notavelmente o Oitavo Khamtrul Rimpoche e o Décimo sexto Karmapa Rikpai Dorje. Como Chogyal Namkhai Norbu observou, “Em comunhão com muitos grandes mestres [Keith Dowman] absorveu fortuitamente a realização do Dzogchen”. Nos anos 80, ele traduziu vários textos do Vajrayana e, quando o Tibete abriu três anos de caminhada sazonal no Tibete central, resultou em um guia de peregrinos para o Tibete. Mais recentemente, ele se concentrou exclusivamente na tradução de textos do Dzogchen. Da mesma forma, embora ele tenha ensinado o Vajrayana desde 1992, mais recentemente ele se concentrou inteiramente no Dzogchen. Ele vive um estilo de vida peripatético ensinando o Dzogchen radical derivado dos tantras Nyingma iniciais que é livre da tendência para o materialismo espiritual tão evidente no Budismo Ocidental, um darma facilmente assimilável na cultura Ocidental.

OUTROS TÍTULOS DE KEITH DOWMAN Spaciousness: Longchenpa’s Treasury of the Dharmadhatu


(forthcoming) The Great Secret of Mind (trans.) Maya-Yoga Natural Perfection (Old Man Basking in the Sun) The Flight of the Garuda The Sacred Life of Tibet Power-Places of Kathmandu Boudhanath: The Great Stupa Masters of Enchantment The Power-Places of Central Tibet: The Pilgrims Guide Masters of Mahamudra Sky Dancer: The Secret Life and Songs of the Lady Yeshe Tsogyel The Nyingma Icons The Divine Madman: The Life and Songs of Drukpa Kunley The Legend of the Great Stupa Calm and Clear: A Manual of Buddhist Meditation


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