Coração Quente, Cabeça Fria: Pensamento, Gestão Pública e Ação Política

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resumir, que o êxito de Marcus Pestana deriva de uma opção que fez ainda jovem e sustenta até hoje: a de ser um protagonista do seu tempo. Por isso, vale a pena acompanhá-lo.

MARCUS PESTANA • Coordenador do Diretório Acadêmico de Economia/UFJF – 1980; • Presidente do DCE/UFJF – 1980/1982; • Vereador em Juiz de Fora – 1983/1988; • Presidente do PSDB de Juiz de Fora – 1988/1992; • Secretário de Governo – Prefeitura de Juiz de Fora – 1993/1994; • Secretário Adjunto de Planejamento – Governo de Minas Gerais – 1995/1997; • Secretário de Planejamento – Governo de Minas Gerais – 1998; • Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações – 1999/2001; • Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente – 2002; • Secretário de Estado de Saúde – Governo de Minas Gerais – 2003/2006; • Presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) – 2005/2006.

“Seja pelo destino ou por irresistível vocação, Marcus Pestana é um ‘Homem de Estado’, forjado, desde cedo, nas lutas pela redemocratização. Político em grande estilo, integra a estirpe dos que vivenciam a política como a arte que se traduz em diálogo, em realizações e ousadia, em avanços, em passos à frente no processo de mudança, em serviço da causa do interesse público e do bem comum. Conhecendo-o de perto, sei quanto o caro e ilustre amigo e companheiro de jornada é capaz de aliar intenção e gesto, sensibilidade e eficiência na ação, na razão e na utopia, habilidade e determinação. Como bom mineiro, sabe valer-se do combustível da esperança e do sonho no exercício visionário/realista da política.” Aécio Neves Governador do Estado de Minas Gerais

I SBN 8 5 - 8 9 2 3 9 - 3 4 - 9

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CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: Pensamento,Gestão Pública e Ação Política – Marcus Pestana

Rubem Barboza Cientista político, Doutor pela IUPERJ e Professor da UFJF

Marcus Pestana

CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA:

Pensamento,Gestão Pública e Ação Política

O final do século XX desencontrou-se do seu desfecho esperado. Um vendaval de mudanças cancelou antigas expectativas utópicas e tornou a vida e o mundo muito mais complexos e inesperados. O Brasil foi atingido em cheio por essas mutações, precisamente quando encerrávamos o período dos governos militares e ensaiávamos a transição para a democracia. Tornou-se difícil navegar nessa ventania permanente. E ainda o é. Marcus Pestana nasceu para a vida pública nesse horizonte conturbado. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora, vereador mais novo do Brasil à época, presidente de partido, secretário de governo da Prefeitura de Juiz de Fora, professor da Faculdade de Economia da UFJF, secretário de Planejamento do Estado de Minas Gerais, chefe de gabinete do Ministério das Comunicações, coordenador da campanha do governador Aécio Neves e, até há pouco tempo, secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais. Mas o êxito de Marcus Pestana como homem público não pode ser resumido nos cargos que ocupou. Deve ser medido pela forma como exerceu essas funções. A coletânea de artigos que agora se publica revela o espírito que anima Marcus Pestana. Oriundo de um partido de esquerda na juventude, percebe com clareza essas mudanças que tornavam obsoletas antigas certezas e finalidades da vida social. Desprende-se da ortodoxia para jogar-se na reinvenção criativa de um horizonte coletivo para a sociedade brasileira. Daí as suas preocupações centrais: a atualização permanente da idéia e da prática da democracia entre nós, a reconstrução da dimensão pública numa sociedade ferida pelo particularismo, seja de elites, seja de um mercado feito de interesses mal compreendido, a busca da eficácia de políticas públicas destinadas a aumentar a eqüidade num país tão desigual e sofrido como o nosso. A trajetória de Marcus Pestana mostra tal esforço para juntar teoria e prática, o pensamento e a ação, fugindo tanto da pura abstração quanto da ação comandada pelo imediato. Digamos, para


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Copyright © 2006 by Marcus Pestana

Capa Jairo Alvarenga Fonseca (Sobre fotos de Douglas Fedócio e Humberto Nicoline/Arquivo Tribuna de Minas) Produção Gutenberg Publicações (3423 3022) Revisão M. Lígia Dutra Vera Lúcia De Simoni Castro 2006 Todos os direitos reservados pelo autor. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica sem a autorização prévia do autor. WA Pestana, Marcus. Coração quente, cabeça fria: pensamento, gestão pública e ação política . Minas Gerais, 2006. 540 PE 136 p. CO ISBN 85-89239-34-9 1.Democracia – SUS. 2.Crise e reforma política. 3.Orçamento e saúde; I.Título.

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Para Lígia e Carol, pela compreensão, carinho, apoio e paciência. Para Ivan Barbosa, que começou esta história toda. Para Rômulo Quinhões e Ricardo Tomasco, que, de algum ponto do universo, estão torcendo para que as coisas dêem certo.

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Sumário

Apresentação – Aécio Neves.......................................................... 9 Introdução.......................................................................................... 11 PRIMEIRA PARTE - Coração quente: Pensamento e Ação Política..................................................................................... 13 Democracia com qualidade................................................................ 15 O Brasil, o PSDB, o governo Lula e a ação política de Aécio Neves.............................................................. 19 Ao encontro do futuro de Minas........................................................ 25 Pesquisas, eleições e o PSDB............................................................... 29 O PSDB e 1998: alianças e identidade................................................. 33 Crise e reforma política....................................................................... 41 O PSOE, o PSDB e o futuro.................................................................. 45 Nem tudo que reluz é ouro.................................................................. 49 Neoliberalismo e outras bobagens.................................................... 51 Segundo turno: dos boatos aos fatos................................................. 55 Por que os tucanos votam em Lula...................................................... 59 O PMDB ainda é aquele?....................................................................... 67 Unidade e dissidência em Minas........................................................ 73

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SEGUNDA PARTE – Cabeça fria: Pensamento e Gestão Pública............................................................................... 81 A democracia como estratégia do SUS............................................. 83 Esqueceram-se do dinheiro para a saúde.................................... 85 Ajuste e pacto federativo................................................................ 89 Orçamento e saúde.......................................................................... 93 Farmácia Popular: avanço ou equívoco?...................................... 97 Um novo olhar sobre o desenvolvimento.................................... 101 Regulação e democracia.................................................................. 105 Reforma e modernização do Estado no Brasil: a experiência de Minas Gerais............................................................................... 109 A dança dos números......................................................................... 117 Desenvolvimento regional: limites e potencialidades .............. 123 Eleições e crise: os desafios do Brasil.............................................. 129

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Apresentação

“Política é destino, como consideram alguns. Seja pelo destino ou por irresistível vocação, Marcus Pestana é um “Homem de Estado”, forjado, desde cedo, nas lutas pela redemocratização. Político em grande estilo, integra a estirpe dos que vivenciam a política como a arte que se traduz em diálogo, em realizações e ousadia, em avanços, em passos à frente no processo de mudanças, em serviço da causa do interesse público e do bem comum. Lastreado na credibilidade e na experiência, percorre caminhos pavimentados pela crença e largueza de propósitos, na certeza de que, com esforço, trabalho, coragem e idealismo, é possível transformar para melhor a realidade. Conhecendo-o de perto, sei quanto o caro e ilustre amigo e companheiro de jornada é capaz de aliar intenção e gesto, sensibilidade e eficiência na ação, razão e utopia, habilidade e determinação. Como bom mineiro, sabe valer-se do combustível da esperança e do sonho no exercício visionário/realista da política. Coração quente, cabeça fria. Eis a obra que bem o retrata e representa.” Aécio Neves Governador do Estado de Minas Gerais

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Introdução

1976. Foi aí que tudo começou. De repente, lá estava eu liderando a maior manifestação secundarista do pós-AI-5 em Juiz de Fora. Tinha só 16 anos. Tínhamos um desejo generoso e sincero de fazer o mundo melhor. Queríamos recuperar o fio da meada da história do País e resgatar os sonhos da geração de 68. Já naquele ano elegemos – o núcleo que seria mais tarde o embrião do PSDB/ JF – o vereador mais votado da cidade. A maioria do movimento estudantil defendia o voto nulo. Começávamos a perceber que a política era o grande instrumento para mudar a vida, a cidade, o País e, por que não, o mundo. Mais tarde, presidi o Diretório Central dos Estudantes e me elegi vereador em 1982. Nunca gostei muito daquela história de que se é incendiário aos vinte e bombeiro aos quarenta. O amadurecimento é natural e necessário, mas sempre preferi a frase de um velho militante de que “política se faz com a cabeça fria e com o coração quente”. A distância entre teoria e prática, administração pública e ação política nunca existiu para mim. São faces da mesma moeda. Mas só faz sentido, se houver paixão. A realidade é dura e complexa. Pode levar ao ceticismo, ao desânimo, ao abandono dos sonhos. Momentos assim existiram. Mas as derrotas ensinam mais do que as vitórias. Sempre estava presente a afirmação do pensador italiano: pessimismo no pensamento, otimismo na ação. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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No momento em que me afasto da mais rica, produtiva e gratificante experiência das seis posições que ocupei na vida pública, para mergulhar em nova aventura política e eleitoral, lembro-me do que disse o poeta português: se a alma não é pequena, vale a pena. Esta coletânea de artigos, simples e despretensiosa, é apenas um registro de que é possível fazer política com coerência e fidelidade a determinados princípios e convicções. O projeto de Minas liderado pelo Governador Aécio Neves, a defesa das transformações substantivas que começam a ocorrer no sistema público de saúde do Estado e o protagonismo do PSDB na política nacional me motivam a prosseguir nesta caminhada. E é com a cabeça fria, mas principalmente com o coração quente, que encaro esta nova etapa em minha militância política. Marcus Pestana

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Foto: Humberto Nicoline/Arquivo Tribuna de Minas

PRIMEIRA PARTE

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Democracia com qualidade Estado de Minas /fevereiro de 2006(*)

O Brasil mergulhou nos últimos meses em profunda crise ética e política. A população aguarda o resultado das investigações para se posicionar melhor. É inevitável certo desgaste do quadro político-partidário. A crescente dificuldade dos partidos políticos em vocalizar os interesses da sociedade pós-moderna – fragmentada, plural, complexa, “on-line” – é um fenômeno universal. Isso se agravará no Brasil com a percepção de que, mesmo depois de todas as principais correntes políticas ocuparem o poder central, grande parte dos atores ainda se move inspirada por valores menores, pessoais, incompatíveis com bons princípios éticos, e não pelo interesse público. É exatamente num momento como este que todos aqueles que detêm uma clareza maior sobre os limites e as potencialidades do jogo político devem fazer vigorosa e enfática defesa da democracia como valor universal e abrir uma discussão com a sociedade sobre os caminhos para fortalecermos nossas instituições e aprimorar nosso sistema político e eleitoral. A democracia carrega as virtudes e os defeitos de toda sociedade humana. É uma dinâmica, por definição, imperfeita, em permanente mutação, demandando constante aperfeiçoamento a partir de sua grande qualidade: a capacidade de autocorreção. A melhoria crescente das regras que regem a disputa pela hegemonia política e o aumento da transparência e dos mecanismos de controle social sobre o (*)

Marcus Pestana/Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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sistema são imperativos para sairmos revigorados da atual crise. Fora da liberdade, não há saída. A pior democracia é melhor que qualquer experiência autoritária. Não é possível ser complacente com a percepção legítima, mas incorreta e ingênua, de que são todos iguais, de que é indiferente para a população o jogo de poder. Portanto, não há outro caminho a não ser aprender com os erros e avançar na radicalização da democracia brasileira. Já disseram outros que as crises são como parteiras da História. A crise do mensalão tem suas raízes na fragilidade do nosso sistema partidário, na precariedade da legislação eleitoral e nas conseqüentes dificuldades para formação da maioria que sustenta o projeto de governo eleito pela população. Tony Blair, George W. Bush, Jacques Chirac não ficam lutando pela maioria no varejo e em negociações individuais. Há claramente a formação de maioria e minoria. Nas atuais regras brasileiras, isso é impossível. Se não sairmos da atual crise no Brasil tendo como saldo uma profunda reforma política, aí, sim, a democracia brasileira estará sob risco. É urgente o debate da reforma política e eleitoral. Temos de garantir que, passadas as eleições de 2006, o Congresso Nacional aprove, no primeiro semestre do próximo ano, uma reforma que seja o marco de um novo patamar da democracia brasileira. Devem, obrigatoriamente, a nosso juízo, constar da reforma: a) o fim da reeleição e o mandato de cinco anos para os cargos executivos; b) o fim das coligações proporcionais, para que a singularidade e a particularidade de cada partido sejam realçadas, e a correlação de forças reflita fielmente a pluralidade de visões existentes na sociedade; c) a introdução do voto distrital misto, com metade das vagas eleitas em sistema de lista e a outra em eleições majoritárias nos distritos, com o fortalecimento ideológico dos partidos e a limitação da força dos compradores de voto; d) o estabelecimento de regras claras e saudáveis de financiamento de campanha e da vida partidária; 16

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e) o fortalecimento da fidelidade partidária, com claros mecanismos que inibam o troca-troca de partidos; f) a manutenção das cláusulas de barreiras, para inibir a existência de micropartidos de aluguel; g) a correção dos parâmetros de representação regional no Congresso, assegurando maior equilíbrio federativo, sem perder a preocupação com a unidade nacional. Precisamos urgentemente de regras permanentes e democráticas que regulem nosso processo de decisão. Esse não é um assunto que interessa só aos políticos e aos partidos. Empresários, trabalhadores, lideranças da sociedade civil devem participar ativamente do debate e cobrar agilidade na votação da reforma política, já que isso tem a ver com a dinamização do crescimento econômico, com o prosseguimento das reformas estruturais e com as políticas públicas de educação, saúde e segurança. Nossa jovem democracia já passou por quatro eleições presidenciais diretas, pelo afastamento de Fernando Collor de Mello, por crises econômicas internacionais graves. E se revelou sólida. Nunca houve tanta liberdade no País. A reforma política será a alavanca para um salto de qualidade em nossa democracia. Será a face positiva da atual crise. Fora isso, ficará apenas a indignação com a corrupção, a perplexidade com a sensação de impunidade e a triste convicção de que repetiremos, mais cedo ou mais tarde, os mesmos erros.

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O Brasil, o PSDB, o Governo Lula e a ação política de Aécio Neves Resposta à “ Primeira Leitura”/ maio de 2004(*)

I) Primeira Leitura: referência para a oposição brasileira Como leitor assíduo e atento da revista e do site “Primeira Leitura” e como admirador de sua criatividade ao abordar a situação econômica e política brasileira, permito-me enviar um elogio na sua forma talvez mais profunda: a crítica. Não posso deixar de registrar a estranheza com que recebi o artigo publicado sob o título “O PSDB e o jogo de Aécio”. Espero, dentro da tradição do debate democrático, encontrar espaço para participar da polêmica, já que “Primeira Leitura” tornou-se importante referência para todos aqueles que pensam o Brasil e militam na política em campo diverso daquele identificado com o projeto petista de poder. Tudo de que o País não precisa, neste rico e complexo momento da vida nacional, é de maniqueísmo e simplismo analítico. Muito menos de um desqualificado “fogo amigo” dentro das fileiras da oposição. Para se habilitar a ser alternativa de poder em futuro breve, o PSDB não pode e não deve repetir a tática irresponsável adotada pelo PT em passado recente de apostar no “quanto pior, melhor”. Nós, mineiros, cultivamos a certeza de que quanto pior, pior mesmo, para o país e seu povo. (*)

Marcus Pestana/Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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II) Aécio Neves, o PSDB e o PT O artigo condena encontro do Governador Aécio Neves com o Presidente Lula no mesmo momento em que a nova direção partidária se reunia para organizar a ação oposicionista do PSDB. Em primeiro lugar, em Minas a luta política é travada com civilidade e elegância. Como reiteradas vezes disse o Governador de Minas: “Em Minas quem briga são as idéias, não as pessoas”. Mas o mencionado artigo avança em suas fantasias ao imaginar um precoce ensaio de aliança a partir da Prefeitura de Belo Horizonte, com profundas conseqüências sobre o futuro nacional. Só o total desconhecimento sobre a política mineira – sua dinâmica e seu estilo – pode acalentar afirmações desse tipo. Só uma análise com a profundidade de um pires pode visualizar que o experiente e habilidoso Governador de Minas estaria, ingênua e atabalhoadamente, abrindo todas as cartas de um suposto projeto pessoal e não partidário, posicionando-se em pleno verão de 2004 sobre fatos que ocorrerão nas primaveras de 2004, 2006 e, imaginem, do distante e imprevisível ano de 2010. O delírio analítico de nosso articulista agride gratuitamente uma das mais importantes lideranças do PSDB, desconhecendo que a movimentação do Governador de Minas se dá a partir de intensas conversas e articulações no interior do próprio PSDB. E chega ao ápice ao propor que Aécio Neves tenha até interferido em nomeações de ministros petistas. A miopia de nosso articulista deve tê-lo impedido de ler a firme e lúcida análise sobre a atual conjuntura encontrada em entrevista do Governador Aécio Neves ao jornal “Folha de São Paulo”, publicada em 2 de janeiro último. Esse tipo de estreiteza já pavimentou o caminho do PSDB para retumbantes derrotas. O artigo tenta ainda, em vão, criar uma polarização artificial entre Aécio Neves e o atual presidente do PSDB, José Serra. Esse tipo de intriga divisionista cai por terra, quando o próprio Serra, em visita recente à capital mineira, reconhece a correção e a coerência da posição do Governador de Minas. Esquece-se ainda o 20

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desavisado articulista de que Serra foi solidário à candidatura de Aécio Neves à Presidência da Câmara dos Deputados, em 2000. Infelizmente, a vida não é tão simples e linear quanto pretende nosso articulista. Há enorme complexidade envolvida nas relações históricas entre PSDB e PT, em suas implicações atuais e nos desdobramentos esperados no futuro. Para nos qualificarmos como pólo principal e alternativo na disputa pela hegemonia política com o PT, temos de nos afastar de ataques gratuitos e intrigas baratas do tipo “projeto Aécio 2010”, com seus absurdos e inconsistentes pressupostos, e discutir a sério a trajetória do Brasil nos últimos anos e o papel do PSDB e do PT nessa realidade, para daí projetarmos o futuro do jogo político.

III) O Brasil, o PSDB e o PT Sem pretender uma análise exaustiva, seria bom lembrar que o PSDB não chegou ao poder fruto de um longo e paciente trabalho de enraizamento na sociedade e de construção de um projeto hegemônico como o PSOE, o PSF, o trabalhismo inglês ou a social democracia alemã. Surgimos como alternativa ao esgotamento do PMDB a partir de quadros parlamentares e intelectuais, mas sem sólidas bases eleitorais, populares e sindicais. Bancamos logo de cara a candidatura de Mário Covas à Presidência e chegamos a cogitar, no início dos anos 1990, uma aliança com o PT para as eleições de 1994. Nascemos como um projeto social democrata já acabado e adaptado aos trópicos nas condições predominantes no final do século XX. Portanto, sem referência à matriz marxista de pensamento e sem o amadurecimento nas lutas sociais e sindicais como a social democracia clássica européia. Diante de uma sociedade brutalmente injusta, surgia uma força que concebia a ação política e o Estado socialmente necessário como instrumento de construção de uma economia de mercado regulada e de uma sociedade mais justa e democrática. O PT, por seu lado, surgiu em 1980, a partir de uma mistura entre o sindicalismo economicista do ABC, o socialismo ingênuo e o esquerdismo infantil. Ainda assim, não esqueçamos, ensaiamos um início de aliança por volta de 1992. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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As linhas tortas do destino construíram um cenário acidental, no qual a partir de um líder qualificado e experiente – o ex-presidente Fernando Henrique –, um plano de estabilização bem-sucedido e um quadro eleitoral circunstancialmente favorável, ganhamos a eleição. Não pelo longo amadurecimento de um projeto dentro da sociedade, e sim num “assalto ao poder”, reafirmando a “via prussiana” que marcou as principais mudanças de nossa história. Demonstramos a virtude necessária e aproveitamos a sorte, tornando-nos precocemente a coluna vertebral de um bloco de poder que seria hegemônico por oito anos. Implantamos reformas profundas e consolidamos a democracia brasileira e a estabilidade econômica. Ao contrário, o PT se entrincheirou em uma posição crítica radical e maniqueísta, tentando preservar seu espaço político e ideológico ao estigmatizar o novo projeto como “neoliberal”, embora seu amadurecimento apontasse cada vez mais para uma convergência em torno da agenda social democrata adaptada ao mundo contemporâneo. Demarcar radicalmente os campos se fazia necessário, aos olhos dos petistas, para manter parcela significativa da sociedade mobilizada em torno de uma alternativa de poder, o que muitas vezes beirava à irresponsabilidade e semeava a promessa de um verdadeiro e futuro “paraíso na terra”. A impossibilidade de alianças à esquerda nos lançou, obrigatoriamente, nos braços de forças conservadoras, em face da necessidade de garantir a governabilidade. As convergências objetivas do campo social democrata no Brasil se desfizeram nas polarizações subjetivas conjunturais em torno da disputa de poder no curto prazo. Veio a vitória de Lula em 2002. Grandes eram as expectativas. Dará o governo uma guinada à esquerda, aventurando-se por caminhos imprevisíveis ou se renderá às determinantes da realidade e construirá uma agenda realista marcada pela responsabilidade fiscal e pela prudência? Para surpresa de muitos, o PT promove forte guinada para o centro e adota a agenda conjuntural praticada até então pelo PSDB. A complexidade e até mesmo 22

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certa esquizofrenia da realidade se agravam na medida em que o movimento de correção de rumos do PT não foi acompanhado de proporcional autocrítica diante de uma sociedade perplexa, mas cheia de esperanças. A calibragem da política fiscal e monetária chega a níveis de rigor capazes de surpreender o mais prudente tucano. Por mais que sejam propostas “muralhas da China” retóricas sobre uma suposta “herança maldita” e o PSDB refine cada vez mais seu aprendizado oposicionista, ficam cada vez mais claras as convergências táticas e estratégicas, objetivas e subjetivas entre as forças do campo social democrata – PSDB e PT – em relação às questões substantivas do projeto que devem orientar o futuro do País. Ironicamente, o papel que a História reservou para o PSDB é o de pólo principal da oposição brasileira, já que a candidatura Serra foi a que polarizou as eleições presidenciais. Impossibilitados mais uma vez de compartilhar uma experiência de poder, PSDB e PT se encontram em campos opostos, e o PT – mais uma vez repetindo a trajetória do PSDB – faz alianças com setores conservadores para assegurar maioria a seu governo. Diante de realidade tão rica e complexa, poderia o PSDB simplesmente se refugiar no simplismo e no maniqueísmo e repetir, como verdadeiro avesso, a prática do PT na oposição? Afinal, a ação política se dá em cima de conteúdos e projetos que visam beneficiar a população e o País ou é apenas um simulacro, um teatro, uma encenação retórica permanente onde o que importa é o oportunismo e a luta cega pelo poder? A população, mais cedo ou mais tarde, não se desiludiria por completo com o quadro partidário, se cada um que hoje defende uma posição no poder, amanhã combater radicalmente essa mesma posição na oposição, e vive-versa? Não. O PSDB, para se qualificar como força política de primeira grandeza, tem de ter a visão clara de que o avanço econômico e social é feito de consensos progressivos que se consolidam a partir do embate político. Se o PT convergiu para nossa agenda, e não há mais nenhuma utopia paradisíaca socialista no ar, devemos considerar isso uma vitória política e ideológica. O PSDB CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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deve consolidar a confiança da população em seu projeto e em seu estilo, defendendo radicalmente suas convicções, independentemente disso nos colocar ao lado do PT e de seu governo ou contra. É fazendo uma política de tipo novo que vamos nos diferenciar e nos habilitar a ser alternativa. Devemos agir até para libertar o PT de suas atuais alianças conservadoras e fisiológicas, diferentemente do que fazia o PT no governo FHC, oferecendo votos de convicção no Congresso a cada reforma ou mudança que avançasse o país e a sociedade brasileira. É isso que fundamenta a ação política do Governador Aécio Neves. A percepção correta das contradições e da complexidade da realidade do Brasil de nossos dias. Acredita o Governador de Minas que o PSDB deve estabelecer uma dinâmica dialética em relação ao Governo do PT, já que o PT assumiu, na agenda de curto prazo, o programa do PSDB e se transforma cada vez mais em um partido social democrata. A combinação firme e hábil entre cooperação e conflito, dissenso e convergência, entre ações oposicionistas e de crítica de conteúdo sucedidas de apoios públicos a medidas que apontem no sentido do avanço rumo a um Brasil melhor – essa é a chave da afirmação do PSDB como grande partido nacional social democrata. É isso que, com maestria, o Governador Aécio Neves vem praticando. E é isso que, infelizmente, articulistas menos atentos não conseguem perceber.

IV) PSDB, o futuro e Aécio Neves Feliz é o partido que tem um grande quadro como Aécio Neves. Feliz é o partido que tem quadros como Fernando Henrique, Geraldo Alckmin, José Serra, Tasso Jereissati, Arthur Virgílio, entre outros. O Governador de Minas é um dos maiores quadros políticos surgidos no Brasil nos últimos anos. Certamente terá grande papel a desempenhar em 2004, 2006, 2010 e por um longo tempo após. Se vier a ser protagonista no cenário nacional no futuro, isso será natural e, até certo ponto, já previsto por muitos. Mas o será por motivos e caminhos diferentes daqueles apontados por nosso equivocado articulista. 24

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Ao encontro do futuro de Minas Tribuna de Minas / julho de 2002(*)

“Só os mineiros sabem. E não dizem, nem a si mesmos, o irrevelável segredo chamado Minas” DRUMMOND

O destino tem sido generoso ao me abrir oportunidades na vida pública para trabalhar pela melhoria da vida de nosso país e, simultaneamente, crescer política e profissionalmente. Passei pela Câmara e pela Prefeitura de Juiz de Fora, atuei na Secretaria de Planejamento de Minas Gerais e no Ministério das Comunicações. Recentemente tenho tido uma experiência gratificante e prazerosa como Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente. Trabalhar no Governo de Fernando Henrique Cardoso, que sempre foi referência política e ideológica para mim, ao lado do competente e dinâmico Ministro José Carlos Carvalho, é um verdadeiro privilégio. Com uma equipe motivada e aguerrida, dedicamo-nos à proteção de nossas florestas, à defesa de nossa rica biodiversidade, à melhoria da qualidade dos rios, do ar e da vida. Neste segundo semestre colheremos muitos frutos. O Brasil terá papel de destaque no encontro mundial de cúpula – Rio+10 – na África do Sul, em setembro. Criaremos o maior parque florestal do mundo, o Tumucumaque, no Amapá. Consolidaremos o Conselho Nacional de Gestão do Patrimônio Genético. E implantaremos definitivamente a nova política de recursos (*)

Marcus Pestana/Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente.

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hídricos, começando pela Bacia do Paraíba do Sul. Só a luta pela viabilização do Jardim Botânico de Juiz de Fora já traria motivação suficiente para o resto do ano. Mesmo diante de cenário tão atraente, estou me afastando de meu cargo no Ministério no próximo dia 1º de agosto. Quais seriam os motivos? O Presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, convidou-me para integrar a coordenação de sua campanha. À luz da visão que tenho sobre o rico e delicado momento que vive nosso país, encarei como uma convocação. Não tinha o direito de recusar. Essa decisão me proporciona três grandes encontros. Primeiro, o encontro com o mais talentoso político de minha geração. Aécio simboliza a renovação política na trilha das melhores tradições de Minas. Significa ética, habilidade, liderança, capacidade de transformação. Aécio representa a voz forte e serena de Minas no coração do Brasil. Em segundo lugar, o reencontro com o mais importante político que a história de nossa cidade produziu e um dos maiores políticos brasileiros vivos. Itamar Franco trilhou todos os degraus da vida pública. Sempre com dignidade, altivez e marcante sentimento nacional. Em 1982, quando apoiei Itamar e Tancredo e me elegi vereador, fiz minha estréia nos palanques. Meu pai era candidato a prefeito pela situação, o voto era vinculado, e eu estava na oposição. Descobri a política no movimento estudantil e me filiei, para sempre, às posições progressistas. Meu pai compreendeu, e até me ajudou dando os “santinhos”. Em 1986, liderei a dissidência do PMDB na Câmara de Juiz de Fora, junto com Wilson Jabour, em favor de Itamar, contra Newton Cardoso. A partir de 1992, Itamar apoiou de forma decisiva as grandes conquistas de nossa administração na Prefeitura, liderada por Custódio Mattos. Agora o destino patrocina a sorte de um reencontro com as melhores lembranças de minha militância política, mostrando que pequenos distanciamentos temporários são efêmeros, quando os valores e os princípios são comuns. 26

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Em terceiro lugar, o encontro com o futuro de Minas e do Brasil. A união de Aécio e Itamar, apoiada por amplas forças sociais e políticas, transcende as fronteiras de Minas. Não só assegura a possibilidade de reafirmação dos valores democráticos e éticos no próximo governo de Minas, como constitui movimento histórico para o equilíbrio da Federação e da democracia brasileira. Mais uma vez, Minas revela, sem dizer, seus mistérios. Mais uma vez, Minas faz história.

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Pesquisas, eleições e o PSDB O Globo / fevereiro de 2002(*)

Dizem que, de médico, louco, técnico de seleção e analista de pesquisa, todo mundo tem um pouco. É impressionante a forma apaixonada como aderimos a essa última moda nacional que é o acompanhamento de sondagens eleitorais. A cada semana chovem diante de nossos olhos números produzidos pelos mais variados institutos. Em clima de final de campeonato, somos induzidos a imaginar que em poucos dias iremos às urnas para definir o futuro do País. Candidaturas são guindadas à condição de favoritas, outras sepultadas definitivamente, ao sabor das oscilações conjunturais e de esforços analíticos com base em convicções pré-concebidas. Quem não subiu é porque não é conhecido, quem cresceu demais já encontrou seu teto, quem caiu está fora do jogo, quem estacionou, estacionado ficará. Isto me lembra um velho amigo que dizia: “Vamos primeiro ver qual é o nosso objetivo, depois a gente inventa os argumentos”. Para que os exercícios de futurologia política sejam coroados de êxito, falta apenas um pequeno detalhe: combinar com a sociedade, com o povo, com o eleitor. Na verdade as pesquisas de opinião são importante instrumento na ação e na análise política. Medem inegavelmente a pulsação momentânea da opinião pública. Mas, nesta altura do campeonato, (*)

Artigo escrito por Marcus Pestana e Márcio Fortes, membros do Diretório Nacional do PSDB. Marcus Pestana/Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações.

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relevantes são os sinais qualitativos emitidos pela sociedade e o resultado das preferências espontâneas. Segundo este último parâmetro, certamente um mergulho nos relatórios de pesquisa revelaria que mais de 60% do eleitorado brasileiro ainda não estão mobilizados para as eleições. Oferecer listas fechadas de nomes a esta altura do processo produz evidentemente um quadro de preferências momentâneo, mas contaminado de artificialismo e instabilidade. A maioria do eleitorado só se posiciona pra valer três meses antes da eleição, principalmente após a entrada no ar do horário eleitoral gratuito de rádio e TV. O que temos até agora são ensaios, testes, especulações, experimentações, jogo partidário. Os candidatos treinam e se aquecem buscando o melhor tom; a melhor embocadura; a tática e a estratégia corretas. Enquanto isso, o cidadão médio comum cuida da sua vida; trabalha, estuda, cuida da casa e da família, aguardando que o quadro político amadureça seus contornos definitivos, suprimindo blefes, bravatas ou objetivos implícitos. Afinal, o eleitor brasileiro está cada vez mais maduro, mas, apesar de se interessar pelas eleições, não tem a paixão e o espírito militante cotidiano de nós políticos, articulistas, comentaristas, intelectuais. Hoje, o que ocorre são múltiplos monólogos paralelos que ainda não interagem plenamente diante dos olhos do eleitor. Nada é sólido, nada é definitivo, e o que parece sólido poderá desmanchar rapidamente no ar. O jogo pra valer começa depois de junho, com a campanha na rua. Aí, sim, a sociedade começará crescentemente a se posicionar a partir do contraste e da interação entre as candidaturas efetivas, dos apoios recebidos, da consistência das propostas, da reflexão coletiva instalada, da capacidade das candidaturas de estabelecer identidade com o sentimento da população. A população avaliará o passado do País, mas principalmente projetará o Brasil que deseja para as gerações futuras. O PSDB entrou no jogo. O Partido tem passado, tem história, tem consistência programática, tem referências sólidas. Fez um 30

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governo transformador, assegurando a estabilidade econômica, consolidando a democracia política e iniciando o urgente ataque às desigualdades. E agora tem um candidato que personalizará o projeto e a visão do partido. Uma candidatura deve ter pré-requisitos: história; conhecimento da realidade; criatividade e consistência na formulação programática; experiência e capacidade na ação transformadora. Lançamos um ex-presidente da UNE, secretário de planejamento do histórico governo Montoro em São Paulo, deputado, senador, Ministro do Planejamento e o melhor Ministro da Saúde de todos os tempos. Economista, autor de textos marcantes como “Além da estagnação” e “Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do após guerra”, uma pessoa com visão clara de quais devem ser as marcas de nosso projeto nacional para alcançarmos os horizontes desejados neste início de século XXI. O PSDB tem história, tem idéias e tem capacidade transformadora. Agora tem José Serra candidato à Presidência. A trajetória do partido e de seu candidato ao longo dos anos atesta bem que queremos muito mais que um mero fenômeno de mídia e de marketing: queremos aquilo que efetivamente interessa à população brasileira: um presidente e um projeto nacional capazes de conduzir um país cheio de potencialidades e desafios em um mundo complexo e em veloz transformação.

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O PSDB e 1998: alianças e identidade Instituto Teotônio Vilela - circulação interna / abril de 1998(*)

Introdução O PSDB caminha para seu décimo aniversário com um saldo extremamente positivo. Temos o Presidente da República, importantes governadores e lideranças regionais, uma das maiores bancadas no Congresso, centenas de prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Temos um símbolo popular – o tucano, uma vida partidária que não se rendeu às práticas tradicionais, uma agenda clara, um diagnóstico preciso e uma prática na direção correta. Temos uma bela história, marcada pela coerência e pela ética. O PSDB, por seus méritos e pelos desdobramentos acidentais da recente história do País, é hoje o centro da vida política nacional. Saldo positivo como esse só deveria ser motivo de otimismo. No entanto, as contradições e as armadilhas a ser desvendadas pelo partido são também de grande complexidade e exigem o melhor das nossas energias. Acentuo duas dimensões que me parecem relevantes: uma externa, outra interna. a) O fato de o PSDB ter o Presidente da República não significa que detém a hegemonia real do processo político e social no Brasil. O Presidente é tucano, mas é maior que o partido. Mais, é escravo de uma correlação de forças que evidencia as fragilidades e a pulverização da estrutura (*)

Texto produzido a pedido da Executiva Nacional do PSDB. Marcus Pestana/Secretário de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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partidária no País. O Presidente FHC tem se equilibrado no “fio da navalha” para manter sua base de sustentação operando. O papel do PSDB não coincide completamente com o do Presidente FHC. Essa relação contraditória não foi ainda corretamente equacionada. Nem pelo PSDB, nem pelo Presidente e seu governo. Potencializar as identidades e minimizar os impactos dos pontos onde os interesses se chocam são o rumo a ser perseguido. Neste momento, o Presidente FHC não pode nem deve desempatar o jogo pela hegemonia a favor do PSDB. Teremos que caminhar com as próprias pernas, construindo a maior bancada no Congresso pelo voto, conquistando importantes governos estaduais e afirmando nossa identidade partidária e ideológica específica no seio da aliança governista. O segundo mandato traz inevitável e previsível luta pela direção do processo, com olhos no delineamento do perfil do segundo governo FHC e antecipando os cenários alternativos para 2002. Mas isso dependerá de uma série de fatores – da correlação no Congresso e nos governos estaduais, do destino do espólio do PMDB, da definição do novo papel do Presidente – e não é tema para estas breves notas. O importante é ressaltar que a população, de uma forma ou outra, percebe esta realidade. E, ao descolar a figura do Presidente FHC de seu partido, tende a não conferir ao PSDB o mesmo prestígio e apoio a ele demonstrado. É preciso solidariedade e reciprocidade. O PSDB precisa compreender o papel e as limitações do Presidente para agir em favor de seu partido. O Presidente FHC e seu governo, por sua vez, precisam engendrar formas criativas e concretas de fortalecimento do PSDB, demonstrando saber claramente que não é indiferente para um segundo mandato ter ou não maioria tucana no Congresso e governadores do PSDB reeleitos. b) O PSDB ainda não se transformou em um instrumento orgânico para arquitetarmos de forma compartilhada nossas estratégias. O PSDB nacional deve perseguir a curto 34

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prazo suprir esta lacuna. Desde 1995, diversos eventos (mudanças tributárias/Lei Kandir, guerra fiscal, alianças regionais x aliança nacional, etc.) mostraram que não tínhamos um processo coletivo de formulação organizado nacionalmente. O PSDB poderia ter uma série de iniciativas autônomas a partir dos governadores e da bancada, que iriam demarcando o espaço próprio da social-democracia no quadro político brasileiro.

Linhas de intervenção e a nitidez de imagem do PSDB Diante da tradição da cultura política brasileira e da postura monotemática que a opinião pública tem, não é nada fácil impor uma marca própria que impregne segmentos significativos da população. É inevitável que os candidatos à Presidência ocupem o centro da cena política, quase monopolizando a mídia. Portanto, a articulação de uma imagem forte e nacional deve passar por: I) seleção clara de três ou quatro bandeiras partidárias que traduzam a essência das posições e as propostas que o PSDB representa no cenário de 1998; II) a unificação desse discurso nacionalmente; III) e o uso intensivo de todos os mecanismos de comunicação (entrevistas, programa partidário nacional, eventos, etc.), visando à massificação dos conceitos que irão levar o cidadão/eleitor a perceber a importância de votar nos tucanos em todos os níveis. Com o intuito de alimentar o debate, elenco quatro campos temáticos, procurando dar uma base de argumentação sintética e embrionária e uma roupagem inicial de comunicação social. A) Quanto mais tucano no Congresso, mais o Presidente FHC vai poder avançar: hoje é inegável a posição privilegiada que o Presidente FHC tem junto à maioria do eleitorado. Portanto, temos de desenvolver esforço adicional junto à opinião pública para associar a figura do Presidente ao PSDB. Temos de mostrar que “se muito vale o CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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já feito, mais vale o que será”, que há uma revolução em curso no País e que essa é liderada por um tucano. É preciso popularizar a idéia que, na hora H, quem fica ao lado do Presidente é o PSDB (vide crise asiática e o ataque especulativo de outubro de 97) e que, para avançar mais nas mudanças, ele precisa libertar-se das amarras e das algemas representadas pela correlação de forças sem hegemonia definida. B) Para avançar mais, é preciso mudar as regras do jogo político. O PSDB quer mais democracia: a idéia de radicalização da democracia é central na postura da moderna social-democracia. Pode ser uma marca forte e específica do PSDB, já que tanto o PFL, por sua formação conservadora, como as esquerdas têm postura ambígua e vacilante em relação à reforma política. A desfuncionalidade do atual sistema já ficou patente no esforço monumental despendido nesses três anos para a aprovação das reformas constitucionais. A reforma política deve ser comunicada como instrumento da melhoria do dia-a-dia do cidadão comum. O parlamentarismo deve ser afastado do debate imediato e colocado como bandeira estratégica de longo prazo. A reforma política seria a ante-sala de um novo estágio democrático, que poderia num segundo momento derivar na implantação do parlamentarismo. Devemos amarrar um conjunto de pontos que fariam parte da proposta do PSDB, passando por: voto distrital misto, fidelidade partidária, proibição de coligações proporcionais, restrição aos pequenos partidos, regras de financiamento de campanha, manutenção do segundo turno, mudanças regimentais no Congresso, etc. C) Geração de emprego e renda através de “missões de desenvolvimento”. O PSDB quer que cada um descubra o seu lugar no novo Brasil: não resta a menor dúvida de que o tema central da campanha será a questão do emprego. Temos de, além de uma linha defensiva 36

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(defesa de controles internacionais sobre o fluxo de capitais flutuantes x ataque especulativo de outubro de 97, fortalecimento do Estado regulador x crise da Light e CERJ, etc.), erguer uma bandeira que indique um projeto de desenvolvimento. Sabemos que setores importantes do PSDB defendem uma não-política industrial e o afastamento do Estado da indução do desenvolvimento. Criado o ambiente macroeconômico adequado e atendidos os requisitos básicos, o mercado deveria orquestrar a alocação dos fatores produtivos. É preciso, a meu ver, sem nenhum saudosismo do dirigismo estatal, conceber uma política de desenvolvimento econômico que reforce o papel coordenador do Estado moderno, que buscaria, através da articulação dos diversos segmentos sociais, potencializar os efeitos do bem-estar resultantes de um esforço produtivo com planejamento compartilhado. As palavras-chave parecem ser: seletividade e descentralização. O que imaginamos é que, em lugar de toda a parafernália de instrumentos que foram utilizados no modelo anterior, surgiriam “missões de desenvolvimento”, com “câmaras setoriais” correspondentes a partir de um foco preciso em potencialidades e oportunidades regionais concretas. Detectada e selecionada uma missão de desenvolvimento, a Câmara começaria a trabalhar a agenda de pontos que impedem aquela potencialidade/oportunidade de se transformar em realidade (regulação do setor, aspectos fiscais, infra-estrutura, qualificação de recursos humanos, linhas de financiamento, comercialização e marketing, gargalos tecnológicos, etc.). A idéia nem de longe passa por arranjos setoriais objetivando benesses públicas e sem atender às exigências de competitividade e qualidade. Não se trata de reproduzir o passado. O centro da idéia é, baseando-se no foco selecionado, desencadear um processo coordenado que produziria frutos potencializados pela sinergia de investimentos públicos e privados e pela polarização, através de forte decisão CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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política, de programas, linhas e instituições já existentes (BNDES, FAT – requalificação profissional, universidades, etc.). D) O PSDB quer avançar a conquista da justiça social, através de políticas sociais com execução descentralizada, controle social da qualidade e financiamento adequado garantido: no campo das políticas sociais deveria prevalecer a linha de radicalização do já feito. Também experiências modelares de governos tucanos nos Estados e nos Municípios deveriam servir de âncora. O rumo geral das políticas está correto. O Governo Federal deve sair completamente da execução. Deve ter políticas públicas e diretrizes setoriais, recursos alocados e sofisticados mecanismos de avaliação. Aos governos estaduais devem caber a coordenação tática dos municípios e o papel complementar na execução quando a questão de escala se colocar (2º grau e parte do 1º na educação, o segmento hospitalar que não for passível de municipalização, combate às epidemias, parcela do saneamento, segurança pública e justiça). O centro de gravidade das políticas sociais (educação, saúde, habitação e saneamento) deve ser o município. Na educação talvez seja preciso tornar mais rígida a definição legal dos papéis de cada esfera de governo (a LDB é vaga) e em contrapartida assegurar as fontes de financiamento adequadas (reforma tributária, aprimoramento do FUNDEF, etc.). O Governo Federal deveria agir permanentemente na qualificação de recursos humanos e na avaliação de resultados. As universidades poderiam prestar enorme contribuição se fossem induzidas a concentrar seu foco de atuação em atividades do tipo. Na saúde é aprofundar e consolidar o SUS. Há um enorme problema gerencial. É fundamental desencadear uma ação específica e agressiva de treinamento gerencial de gestores de políticas de saúde. Certamente o combate aos desperdícios e às fraudes melhoraria muito a produtividade dos recursos aplicados. Outra 38

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linha seria incorporar às diretrizes básicas do sistema as experiências exitosas de saúde da família e agentes de saúde e os consórcios intermunicipais de saúde. Na área de habitação e saneamento, as diretrizes da política proposta pelo MPO/SEPURB são corretíssimas, com inovações importantes, que poderiam ser aprofundadas em um segundo mandato. Como se vê, o resgate da dívida social passa por questões básicas: reforma tributária e definição clara de um pacto federativo (não deve ser afastada a hipótese de agravamento preocupante da crise fiscal em Estados e municípios, comprometendo o financiamento das políticas sociais), qualificação de recursos humanos na esfera pública, desenvolvimento de mecanismos de avaliação e controle da qualidade de resultados (permitindo premiar a eficiência e a qualidade e induzir mudanças) e descentralização (que representa desburocratização, maior transparência e controle social).

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Crise e reforma política O Tempo / novembro de 1997(*)

Grande tem sido o esforço da sociedade brasileira no sentido de consolidar um horizonte de crescimento econômico combinado com a conquista de maior justiça social. Sabíamos todos que a vitória passaria obrigatoriamente pelo fim da inflação aguda que marcou a vida do País nos anos que antecederam o Plano Real. Às portas da hiperinflação, não haveria nem desenvolvimento econômico com fôlego de longo prazo e muito menos distribuição de renda. A crise recente nas bolsas asiáticas e seus fortes rebatimentos nos quatro cantos do planeta demonstraram claramente que não devemos dormir sobre os louros das vitórias já alcançadas e, sim, arregaçar as mangas em torno da agenda de reformas. As âncoras cambial e monetária não podem carregar sozinhas o processo de estabilização. É preciso urgentemente atacar o desequilíbrio fiscal. Essa agenda de mudanças foi desenhada no início dos anos 1990 e, mesmo diante de tamanha urgência e importância, o sistema político brasileiro não conseguiu produzir decisões com a agilidade e a profundidade necessárias. E não adianta buscar bodes expiatórios e fulanizar o problema. O erro é sistêmico. É a fragilidade das nossas estruturas partidárias e das regras do jogo que levam o processo de decisão, na democracia brasileira, a parecer excessivamente moroso, um tanto irracional e perigosamente (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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aquém das exigências da realidade. Não há projetos nacionais claramente definidos ou assumidos em torno dos quais se formem maioria e minoria. Os partidos não agem como instrumentos orgânicos na objetivação do processo decisório, e aí caminhamos para a formação pontual de “maiorias eventuais”, a partir da negociação individualizada, onde cada cabeça é uma sentença. Basta contrastar a situação à luz da recente crise de gabinete italiana. Em torno de questões substantivas, relativas à implantação da moeda única européia e suas repercussões no corte de gastos no orçamento de 1998, o quadro partidário e a sociedade produziram a queda e a rápida recomposição do gabinete liderado por Prodi e pelos ex-comunistas do PDS. Isso só foi possível pela existência de partidos que agem e decidem, coletiva e organicamente, em torno das questões decisivas para a vida da sociedade. Portanto, é fundamental um diálogo mais estreito entre a economia e a política. Também a reforma política é fundamental para consolidarmos a estabilização. Entre outras medidas, seria importante: a) O fim das coligações nas eleições proporcionais: se cada partido tem algo singular e específico que o distingue dos outros, em torno de um projeto nacional e de um estilo, não faz sentido nas eleições parlamentares, que buscam retratar exatamente a diversidade de visões presentes na sociedade, misturar os diferentes quando se trata exatamente de medir qual é o espaço específico proporcional de cada proposta. b) Instituição da fidelidade partidária: daria consistência ao processo de decisão, evitando as negociações individualizadas e conferindo ao mandato parlamentar conteúdo partidário. Evitaria a desfiguração dos partidos e a situação inusitada, comum no Brasil, de um partido ser governo e oposição a um só tempo. c) Instituição de um percentual mínimo de votos razoável para a garantia de representação parlamentar: a pulverização de 42

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partidos se deve à flexibilidade excessiva ainda existente, permitindo a sobrevivência de micropartidos. Os pequenos partidos, com perfil programático sério, poderiam se transformar em correntes de partidos afins de maior porte. d) Correção das distorções na proporcionalidade de representação das diversas unidades da Federação. e) Manutenção das eleições em dois turnos: torna as disputas majoritárias muito mais transparentes e democráticas. No primeiro turno, longe da chantagem do voto útil, os partidos que não se sentem representados nas coligações propostas lançam suas candidaturas (pressupondo rígidas restrições aos micropartidos de aluguel). Na transição para o segundo turno, todas as forças políticas têm que explicar a trajetória escolhida de apoio ao candidato X ou Y. O eleitor, diante das informações colhidas no primeiro turno e do reposicionamento explicitado, julga não só os dois candidatos majoritários, mas também as composições feitas. Isso é muito melhor que alianças feitas nos bastidores, longe do controle da sociedade. Assim, ficamos livres de aventureiros que poderiam chegar ao poder com 25% ou 30% dos votos, asseguramos ampla liberdade para que a pluralidade política se manifeste e, ao mesmo tempo, garantimos legitimidade e governabilidade ao eleito. O importante é que a reforma política gere regras permanentes e democráticas, que assegurem um processo de decisão à altura dos desafios sociais e econômicos que temos pela frente.

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O PSOE, O PSDB e o futuro O Tempo / julho de 1997(*)

O que poderia chamar a atenção de um brasileiro que mergulhasse na vida espanhola em pleno despertar do verão europeu, além de Picasso, música flamenca, vinhos, Miró, Gaudí? A rivalidade entre o Real Madrid, de Roberto Carlos, e o Barcelona, de Ronaldinho, é claro. Mas, para um tucano de carteirinha, certamente os desdobramentos do 34º Congresso do PSOE, realizado de 20 a 22 de junho, mereceriam um acompanhamento especial. A Europa é o mais rico e mais interessante laboratório político, dimensão esta reafirmada diante da instigante agenda que marca o final do século XX. O PSOE foi fundado em 1879, enfrentou 40 anos de ditadura, foi importante ator na redemocratização e esteve na oposição de 1977 a 1982. Fez um importante movimento em 1979, abandonando o marxismo e operando um giro em direção ao centro, visando habilitar-se a exercer o papel de força hegemônica e fugindo do isolamento. Os frutos não tardaram, e em 1982 os socialistas chegaram ao poder. Em 1996, veio a derrota para o Partido Popular (PP), por margem estreita de votos, com os socialistas conseguindo mobilizar 9,5 milhões de eleitores. Toda essa trajetória recente do PSOE tem indissolúvel vinculação com a firme e carismática liderança de Felipe González, secretário geral do partido desde 1974. O 34º Congresso foi convocado para (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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desencadear um processo de renovação e preparar o partido para as eleições de 2000. Diante da polarização estéril entre “guerristas” e “barões”, Felipe González renunciou a uma nova candidatura à SecretariaGeral logo no primeiro dia do Congresso. Com isso, de uma só vez fortaleceu sua liderança no partido e transformou-se no centro das atenções da imprensa, saindo da defensiva na luta interna. Assim, tanto poderá ressurgir como candidato à Presidência do governo nas eleições de 2000, como passar à História como líder, mais uma vez, de uma grande renovação partidária. Foi eleito Joaquim Almunia, porta-voz parlamentar do PSOE, liderança consistente, mas sem o carisma de González. As discussões e as eleições do PSOE despertaram inevitáveis paralelos com a trajetória do PSDB em dois planos, o da estratégia política e o da vida partidária. Em relação à formulação estratégica, a social-democracia européia está operando um giro à esquerda. Almunia saiu do 34º Congresso propondo à “Esquerda Unida” plataforma progressiva. Movimento semelhante faz o PSF, que tenta consolidar a base de apoio a seu governo em aliança com os comunistas. É evidente que as recentes vitórias de Tony Blair e Lionel Jospin sinalizam o desgaste dos processos liderados pelos conservadores. Mas também é inevitável perceber contradições quase incontornáveis entre as formulações da social-democracia e as posições mais à esquerda em questões substantivas como a condução da unificação européia, a introdução da moeda única e a avaliação dos tratados de Maastrich e Amsterdam. A posição reticente do PCF e a ambigüidade de Jospin, a reação fria e cética por parte da “Esquerda Unida” espanhola em relação ao chamamento do PSOE e as atitudes da direção da “Esquerda Unida” contra a corrente “Nova Esquerda”, que votou a favor de leis que flexibilizam o mercado de trabalho e contra a esquerda galega que se coligou ao PSOE, mostram que o giro à esquerda não é nada fácil. No Brasil, o PSDB fez em 1994, debaixo de muita polêmica, um movimento decisivo e correto. Com o giro para o centro, 46

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materializado na aliança com o PFL, asseguramos o apoio de um amplo arco de forças ao urgente processo de modernização da sociedade e do Estado. A meu ver, essa opção deve ser encarada não como provisória, mas como estratégica. A opção por um giro à esquerda se resumiria a interlocutores importantes como José Genuíno, Roberto Freire, Eduardo Jorge, Paulo Delgado, francamente minoritários dentro de uma esquerda escravizada pelo corporativismo e por um nacionalismo e um estatismo exacerbado e anacrônico. Resta o desafio da construção da hegemonia. O Presidente Fernando Henrique tem uma missão histórica que é liderar, dada uma determinada correlação de forças, o processo de transição do Brasil, de sua etapa substitutiva de importações sob a liderança estatal para o novo ciclo de desenvolvimento. Portanto, nós tucanos não devemos esperar que o Presidente Fernando Henrique baixe medida provisória decretando a hegemonia do PSDB no processo político brasileiro. Ele necessita do PFL e do PMDB. É claro que ajudaria muito uma dose de mineiridade na forma do segmento paulista tratar seus principais aliados. Ao PSDB cabe construir a hegemonia real pelo voto, formando a maior bancada no segundo mandato da aliança de 1994, atraindo lideranças como Jaime Lerner, Antônio Brito, Jarbas Vasconcelos e Hélio Garcia e ganhando governos estaduais importantes. Assim, seremos o eixo hegemônico do futuro governo, preparando entre os governadores e parlamentares tucanos novas lideranças nacionais, com os olhos em 2002. Democracia se faz com vida partidária ativa e orgânica. O Congresso do PSOE foi acompanhado por 37% da população com razoável ou muito interesse, segundo pesquisa do “El País”. As principais revistas e jornais dedicaram dezenas de páginas à sua cobertura. O partido mostrou sua vitalidade mobilizando 954 delegados, com uma pauta substantiva e discussões sistemáticas. Os líderes levaram propostas e intervenções densas e preparadas. Enfim, a busca de partidos fortes é um verdadeiro desafio no Brasil. O PT tem isso presente desde a sua fundação. O PFL percebeu CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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essa exigência recentemente. O PSDB nasceu a partir de um estatuto e um programa que eram promissores no sentido de consolidarmos um verdadeiro instrumento político em torno dos princípios social-democratas. O desafio está lançado e é uma exigência incontornável apresentada pelo amadurecimento da democracia brasileira.

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Nem tudo que reluz é ouro O Tempo / maio de 1997(*)

No debate sobre a privatização da Vale, nem tudo que reluz vale ouro, mesmo diante da tentativa de reedição tardia, anacrônica e ampliada de certo mercantilismo que procura identificar, errônea e mecanicamente, recursos minerais como a última e verdadeira expressão de riqueza econômica. Os argumentos não valem quanto pesam, em consistência e objetividade. Há enorme distância entre intenção e gesto. A retórica nacionalista, desenvolvimentista e em favor da justiça social de alguns tem desdobramentos reais e práticos paradoxalmente antagônicos à inspiração original de seus formuladores. A intensa discussão em torno do tema é importantíssima, pois assim se faz uma democracia. Mas é fundamental separar o joio do trigo. Quando a miopia ideológica, a desinformação e a ingenuidade tecem uma aliança exótica e mal costurada com interesses particularistas e atrasados, é preciso redobrar a atenção para que preocupações sinceras não sirvam de biombo para motivações menos nobres. É evidente que existem lideranças importantes e pessoas de boa fé contrárias à privatização da Vale. Mas não foram raros os momentos, na história recente do País, em que interesses corporativos e cartoriais deram as mãos a pessoas sinceramente preocupadas com o Brasil e seu povo para cantar o Hino Nacional em nome de nossa soberania. O pior é quando o debate resvala para o campo da histeria, dos preconceitos e da intolerância, ou para o terreno dos argumentos de suposta “autoridade ética e moral”, onde reina o monopólio das boas intenções. (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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Essencialmente, o que importa é reconstituir o espaço para um debate aberto e produtivo que permita, em prejuízo de posturas sectárias, a formação de uma convicção majoritária no seio da sociedade acerca dos melhores caminhos para a construção de um novo Brasil. Talvez nenhum debate recente tenha sintetizado de forma tão completa a luta natural entre o novo e o arcaico no atual processo de transição que envolve a sociedade brasileira. Ninguém mais tem dúvida de que vivemos um momento de profundas transformações no Brasil e no mundo. As sementes lançadas agora definirão o perfil da sociedade que deixaremos para as novas gerações. O fim da inflação crônica e elevada, a renovação tecnológica, a inexorável e complexa globalização da economia, a consolidação da democracia e a redefinição do papel do Estado criam ambiente fértil e desafiador para a construção do novo modelo nacional de desenvolvimento. É nessa perspectiva que devemos situar a discussão sobre a privatização da Vale. A garantia de um desenvolvimento sustentado e com maior justiça social é o objetivo final. O Estado no lugar certo e as transformações estruturais, seus instrumentos. O Estado líder e o processo de substituição de importações, com erros e acertos, trouxeram-nos até aqui. É preciso avançar! Temos o privilégio de assistir a uma ruptura radical de paradigma no padrão de desenvolvimento do Brasil neste final de século. Podemos nos acusar de neoliberais e neobobos, e não acrescentar uma linha na formulação de uma boa teoria sobre o Brasil contemporâneo. Podemos nos chamar de entreguistas e dinossauros, e não avançar um centímetro sequer em direção a uma sociedade mais justa e democrática. O Brasil real dos excluídos, no entanto, tem pressa. O muro de Berlim caiu, a Albânia não é mais o “farol do socialismo”, a URSS não é mais a “pátria-mãe de todos os povos oprimidos” e nem tudo que é estatal reflete o interesse público. O Brasil tem pressa nas reformas. Retórica vazia não combate a pobreza, nem garante o desenvolvimento. A privatização da Vale não nos levará ao inferno, nem carimbará nosso passaporte para o céu. Mas será, certamente, mais um passo na construção de um horizonte moderno, democrático e justo para o nosso país e seu povo. 50

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Neoliberalismo e outras bobagens Estado de Minas / outubro de 1996(*)

É impressionante, no atual processo político-eleitoral, como alguns segmentos procuram construir um espantalho, um verdadeiro fantasma, que seria a raiz de todos os males e fonte de todas as injustiças, o neoliberalismo. Tal mistificação não passa de resistência conservadora às mudanças necessárias para que efetivamente, e não no discurso, tenhamos o desenvolvimento sustentado combinado com maior eqüidade social. Não conseguindo aprender o que há de novo no mundo neste final de século e reconstruir suas estratégias políticas, preferem inventar “tigres de papel” e ficar combatendo as miragens que seu próprio anacronismo ideológico criou. Tais formulações são de um primarismo intelectual atroz. Partem de uma visão conspirativa da realidade, ao enxergar em tudo as sombras de um suposto “consenso de Washington” e de uma péssima leitura de Marx. Aliás, a utopia marxista nada tem a ver com a criação de um Estado máximo, nem confunde público com estatal, ao contrário, a busca de liberdade passaria por formas de organização social superiores, que brotariam exatamente da supressão do Estado. Ao confundir o posicionamento do PSDB, que aponta a necessidade inadiável de reformar e modernizar as formas de atuação do setor público no Brasil, com a defesa de um Estado mínimo, os nossos ideólogos de um progressismo mal formulado não (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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só falseiam a realidade, como cometem ainda dois grandes equívocos. Primeiro, o de não reconhecer que a tentativa de substituir o encontro de produtores e consumidores no mercado como principal alocador dos fatores produtivos por um Estado máximo, seus burocratas e institutos de estatísticas, deu com os burros n’água, levando as experiências socialistas a fracassarem por ineficiência e falta de dinamismo. Segundo, o de não reconhecer publicamente, longe da demagogia e perto dos problemas reais do Brasil, que existia, na agenda dos anos 1990, uma crise fiscal, previdenciária, inflacionária e no modelo de crescimento industrial a ser enfrentada com determinação. O PSDB teve a coragem de chamar a si o papel de liderar o processo de reformas, consciente que fora dessa perspectiva a promessa de desenvolvimento com justiça social não passaria da mais pura demagogia. Das duas uma, ou nossos “socialistas retardatários” defendem e não dizem a inflação alta, o capitalismo cartorial e o Estado corporativo ou tentam preencher o vazio de suas formulações assustando criancinhas e desavisados com o “temido” fantasma do neoliberalismo. De mais a mais, o povo quer saber é quem tem capacidade de resolver os problemas concretos. Em vez de guerrear na estratosfera ideológica, nossos adversários deveriam perceber a enorme valorização dos municípios como instrumento de política pública, a partir da Constituição de 88. Discutir as políticas de saúde, educação, habitação, urbana e de transporte seria muito mais proveitoso do que a mistificação e a demagogia em torno de uma discussão ideológica distante do cidadão comum e de péssima qualidade teórica. Nós, tucanos, temos defendido a social-democracia na teoria e na prática. Temos visão clara de que o mercado é mais eficiente para produzir crescimento econômico, pré-condição para a melhoria da vida do povo. Mas sabemos que o mercado, por si só, também produz injustiças. Por isso, imaginamos um Estado moderno, enxuto, forte, com a integração das pessoas e 52

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das classes sociais na economia de mercado, através de uma política fiscal justa e de políticas públicas que garantam os direitos básicos dos cidadãos. Brandir o fetiche do neoliberalismo contra quem, entre outras coisas, implantou o Plano Real, a Lei “Robin Hood” do ICMS, a melhor política estadual de qualidade na educação básica com descentralização e democratização e está tendo a coragem de enfrentar os gargalos estruturais para garantir um horizonte de crescimento da renda per capita e de melhoria das condições de vida da sociedade brasileira, pareceria cômico se não fosse trágico. Discutir quem tem a melhor condição de somar para a melhoria da vida da cidade e seu povo é bem melhor do que pescar nas águas turvas da criação de mulas-sem-cabeça ou lobisomens no mundo fantasioso da má formulação ideológica.

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Segundo turno: dos boatos aos fatos Tribuna da Tarde / outubro de 1992(*)

Aproxima-se o 2º turno das eleições municipais em Juiz de Fora. Nos próximos dias, os partidos políticos estarão amadurecendo suas posições acerca da disputa eleitoral em 15 de novembro. Nós, do PSDB, estamos absolutamente convencidos de que, pelo seu perfil político-ideológico, por sua capacidade de aglutinação e pelas possibilidades que se abrem de articulação administrativa com as esferas estadual e federal de governo, a candidatura de Custódio merecerá o apoio das forças progressistas e da maioria do povo de nossa cidade. Particularmente, os partidos progressistas, que nasceram e cresceram na luta pela liberdade e pela justiça social, têm motivos de sobra para caminharem juntos com Custódio e o PSDB. Neste momento tão importante da vida nacional e de decisões tão relevantes no plano municipal, é fundamental reavivar a memória. Afinal, a prática é o critério da verdade. Uma breve visita ao passado de lutas do povo de nossa cidade constituirá, certamente, uma base sólida para que os partidos progressistas se posicionem de forma a dar contribuição decisiva para a construção de um projeto renovador e radicalmente democrático. 1. Os integrantes do PSDB são velhos companheiros de todos aqueles que lutaram contra a ditadura. Foi assim no movimento estudantil, popular e sindical, na campanha (*)

Marcus Pestana/Presidente do PSDB de Juiz de Fora.

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pela anistia, na luta pelas diretas, nas campanhas eleitorais, na Constituinte e, mais recentemente, na luta unitária pelo afastamento do Presidente Collor. 2. O PSDB surgiu em 1988 em defesa do parlamentarismo. Não se prende hoje a nenhum projeto personalista, visando às eleições de 1994, nem está envolvido na nova safra de denúncias sobre corrupção. Jogará o melhor de suas energias na luta pela aprovação do parlamentarismo e vem desenvolvendo promissor intercâmbio com as forças progressistas, como bem atesta o recente posicionamento do PSDB/ SP em favor de Suplicy e a decisão da Executiva Nacional do PT, lida na Tribuna da Câmara pelo Deputado Eduardo Jorge, em favor do apoio do partido às candidaturas do PSDB onde o PT não estiver no segundo turno. 3. Desde que surgiu em Juiz de Fora, o PSDB tem sido marcado pela seriedade com que encara o trabalho de construção partidária. São quatro anos de reuniões semanais, de intensos debates. Sempre com decisões marcadas pela democracia interna e pela clareza em sua formulação política. Foi assim no apoio a Lula no segundo turno – dado quatro dias depois do resultado –, que derivou em uma nota aprovada em âmbito estadual, na organização da “Festa de Tucano em Noite de Estrelas”, com a presença de Pimenta da Veiga, e na intensa participação na campanha e no comício do Largo do Riachuelo. Foi assim na luta contra os desmandos do Governo Collor e na campanha pela posse de Itamar. Além disso, o PSDB incorporou em suas fileiras dezenas de lideranças populares e sindicais, várias das quais se candidataram a vereador, mostrando opção clara pela organização da sociedade civil ante todos os tipos de autoritarismo e/ou populismo manipulador(es) e desmobilizante(s). 4. No plano municipal desenvolvemos atitude oposicionista séria e firme. Na questão do transporte coletivo, das casas argentinas, da publicidade oficial – dando origem a 56

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processo judicial, já vitorioso em primeira instância. O PSDB participou ativamente da organização do SOS-JF, articulação unitária das oposições em âmbito municipal. Cabe lembrar que, no seminário de lançamento do movimento, tivemos como debatedores, entre outros, o Deputado Estadual Custódio Mattos e o Prefeito de Ipatinga, Chico Ferramenta, do PT. Onde estava o PMDB? Quem era sua direção e por que não participou? Nos últimos dias, temos assistido ao crescimento de uma onda de boatos e calúnias, espalhados de forma sistemática e orquestrada pelas ruas de Juiz de Fora. Neste momento, o PSDB conclama todos os progressistas a realizar a verdadeira reflexão que tentam obscurecer o que é melhor para Juiz de Fora. Qual é a candidatura que, sem a arrogância dos intolerantes, pode permitir nos próximos quatro anos uma convivência rica e fraterna, sem sacrifício das divergências, que certamente frutificará em atendimento muito melhor à população mais carente? Boatos, fofocas, calúnias são expedientes baixos. Não serão estratégias rasteiras e outros interesses menores que nos farão desviar de nossos compromissos históricos. O PSDB/JF não se desviará um milímetro de seu compromisso com os mais pobres e com valores como a liberdade e a justiça. Mais do que nas palavras, são em nossas atitudes presentes e passadas que estão gravadas a marca de coerência, firmeza e dedicação às lutas do nosso povo. Somos dos anos rebeldes, estivemos ao lado dos “caras-pintadas” e estaremos sempre em busca de um país feliz. Como diz o poeta, “não somos melhores, nem piores, melhor é a nossa causa”.

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Por que os tucanos votam em Lula Tribuna da Tarde / dezembro de 1989(*)

“O primeiro compromisso do PSDB é com a democracia. Repito: o primeiro compromisso do PSDB é com a democracia”. (Senador Almir Gabriel – candidato a Vice-Presidente na chapa do Senador Mário Covas, pelo PSDB, em palestra na UFJF, em 24/10/1989).

A sociedade brasileira vivencia a expectativa de, ao final desta semana, escolher o seu destino. Cada pessoa, ao votar – e mesmo aquela que não votar – terá motivos para, no dia 17 próximo, merecer ser chamada, verdadeiramente, de “cidadão” ou “cidadã”. Passada a disputa do primeiro turno, quiseram as urnas – expressando a vontade popular – que a escolha final recaísse sobre as candidaturas da Frente Brasil Popular e do PRN. Foi essa a vontade do eleitorado brasileiro: pobre ou rico, conscientizado ou alienado, bem ou mal informado – isso agora não importa. Foi a sua vontade e deve ser respeitada. Neste momento, cresce sobremaneira a responsabilidade de um partido político que, por sua vez, também mereça ser chamado assim. Principalmente se essa entidade político-partidária não se confunde com uma “sigla eleitoral” ou uma “legenda de aluguel”, formalmente constituída tão só para cumprir os requisitos da legislação que disciplina as eleições. E especialmente se essa entidade (*)

Artigo publicado em parceria com Nilson Rogério Pinto Leão (Advogado, filiado ao PSDB). Marcus Pestana/Presidente do PSDB de Juiz de Fora.

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leva o nome de Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB –, o “Partido dos Tucanos”, aí, sem dúvida, a responsabilidade é enorme. Nestas eleições o PSDB – pelo seu programa, pelos seus quadros, pelos seus candidatos, por suas posturas e atitudes na Assembléia Nacional Constituinte e nas campanhas eleitorais, pela coerência de princípios da qual, pouco a pouco, vai se dando conta a opinião pública brasileira – pode se considerar, no primeiro turno do pleito, um verdadeiro vencedor, não obstante a derrota. Ainda que objetivamente tenha perdido – “conquistando” um honroso quarto lugar em nível nacional e um muito honroso terceiro lugar em âmbito local –, o PSDB relativamente sai ganhando: suas propostas são hoje nacionalmente conhecidas; seu candidato a presidente, o Senador Mário Covas, com a expressiva votação recebida, é reconhecidamente uma personalidade nacional, de enorme respeitabilidade em todo o País; novos diretórios municipais vão sendo constituídos em todos os Estados, de maneira não açodada, sem fisiologismo e com regularidade, critério e organização; inúmeras filiações vêm se efetivando, dia-a-dia. O Partido nasceu da verdade e, agora, nasceu de verdade; mesmo perdendo, sai das urnas fortalecido e mostra a que veio. Não é de se admirar que, mal tenha saído o resultado do turno primeiro, o apoio do PSDB passasse a ser disputado, com veemência, pelas duas candidaturas vencedoras, como valioso troféu ou indispensável trunfo para quem pretendesse assegurar a vitória final. E, pela coerência política, pela responsabilidade eleitoral e por respeito ao povo brasileiro, o Partido dos Tucanos não poderia se omitir. Pois bem: Lula ou Collor? Eis o dilema e há que enfrentá-lo. Entre as duas candidaturas vencedoras, naturalmente, uma infinidade de diferenças: de passado, de programas, de propostas, de idéias e de interesse; e de presente, de métodos, de pessoas, de apoios e de candidatos. E agora, José, perguntaria o poeta. A resposta, para alguns, pode até parecer difícil. Parece, mas não é! A verdade é que, tendo-se em conta os princípios pelos quais e os objetivos para os quais o PSDB foi fundado – decorrentes até 60

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mesmo da trajetória política, de extrema coerência, dos seus fundadores –, certas questões, para o Partido, podem até ser – como são – consideradas importantes. Importantíssimas, até. Mas não que sejam, no momento atual, as mais importantes. Assim, dilemas como “socialismo ou capitalismo”, “estatização ou privatização”, “suspensão ou renegociação da dívida externa”, “esquerda ou direita” e mesmo “parlamentarismo ou presidencialismo” (um assunto muito caro ao partido tucano) são temas de natureza ideológico-programática, que têm implicações econômicas e apresentam na atualidade, e na iminência do segundo turno do pleito, caráter que chega a ser conjuntural. Para o Partido dos Tucanos, porém, a questão fundamental é outra, de natureza institucional, com implicações políticas e, nos dias de hoje, de caráter basicamente estrutural. Para nós, o problema básico se encerra na dicotomia “democracia ou ditadura”. Daí, sim, decorre todo o resto. É fato incontestável que, nas três últimas décadas – para nos limitarmos à nossa história mais recente –, não houve para o Brasil mal maior do que a afronta cometida ao Estado de Direito, impondo-lhe o Estado de Exceção: ao Direito, à força; à razão, o arbítrio; à vontade popular, os desmandos do autoritarismo. Enfim, à democracia impôs-se a ditadura e, desta, derivou-se tudo (ou quase tudo) de que se pode lamentar neste país, que está efetivamente numa situação muito, mas muito aquém da que poderia estar em face de suas reais potencialidades. Eis tudo o que se fez, nos últimos trinta anos, em nome da “ordem e progresso” (segundo os critérios do regime ditatorial): as perseguições políticas de todo gênero, os homicídios, os desaparecimentos, as prisões ilegais, as torturas, as cassações de mandatos, as suspensões de direitos políticos, os exílios forçados, as intervenções, a censura nas manifestações culturais e nos meios de comunicação, a supressão das garantias individuais e de instrumentos jurídicos como o habeas corpus e o mandado de segurança; mais: o arrocho salarial, o sacrifício de trabalhadores e dos aposentados, a falência dos sistemas educacional, de saúde e de habitação, o êxodo rural, o agravamento da crise social em geral, e, logo, o aumento dos índices de violência e de criminalidade, com a CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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crise do sistema penitenciário. Isso sem falar na dívida externa contraída sem procuração do povo, nas obras faraônicas construídas com objetivos no mínimo questionáveis, no engano e no fracasso do “milagre econômico”, na estagnação da economia, na queda dos investimentos e da produção, na crescente especulação financeira, na diminuição da oferta de emprego, na perda do poder aquisitivo dos salários, no baixo índice de vendas dos pequenos e médios comerciantes, na redução das atividades industriais, na inflação monstruosa de mais de 1.000% ao ano e... é bom parar por aqui. Mas o que é pior: tudo isso sem a mínima possibilidade de questionamento ou contestação, sem qualquer oposição efetiva – quase “simbólica” apenas – sem um real poder de mudança das coisas, pelo menos no auge do período ditatorial. E com a pior das agravantes, que – a propósito do tema – vale muito ser lembrada: tudo isso sem eleições diretas para a Presidência da República, tudo sem a participação do povo e, pois, sem a responsabilidade do povo. Enfim, o resultado está aí, para todos vermos: o Brasil é a oitava economia do mundo ocidental e, ao mesmo tempo, é um dos países com mais miséria, fome e analfabetismo do planeta. Isso, sem dúvida, não é ordem e muitos menos é progresso. Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, e ao analisarmos as candidaturas de Lula e de Collor, cumpre, de início, consignar que – não há dúvidas – existem várias diferenças entre o programa do PSDB e o programa da Frente Brasil Popular. Aliás, se elas não existissem, formaríamos um só partido ou uma só frente, com uma única candidatura, já no primeiro turno. Todavia, são diferenças que, no contexto atual, se apresentam muito mais conjunturais ou estruturais – muito mais secundárias que fundamentais. Apesar de haver quem diga que os ideais programáticos dos tucanos são inconciliáveis com os da Frente Brasil Popular, nós, do Partido dos Tucanos, afirmamos que as nossas propostas de social-democracia são inconciliáveis, sim, é com as idéias e práticas daqueles que, nesses trinta anos, implantaram a ditadura no Brasil, cresceram e se multiplicaram à sombra da ditadura, compactuaram com a estrutura ditatorial, colaboraram com os ditadores ou 62

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mesmo “apenas” se conformaram ou se omitiram diante da ditadura, e, portanto, a ela deram o seu aval. Fazemos essa afirmativa porque, repetimos, o nosso meio e o nosso objetivo maior é o regime democrático. Ora, a inegável realidade é que, ao lado da candidatura Fernando Collor de Mello, estão todas as forças – grupos, partidos, pessoas e interesses – que conspiraram contra a democracia neste país: os antidemocráticos, os autoritários, os golpistas, os aproveitadores e, agora, os oportunistas de toda ordem. Não estamos afirmando – e nem seríamos levianos em dizer – que todos os que estão com Collor são comprometidos e oportunistas; isso não! Mas podemos, tranqüilamente, constatar que todos (ou quase todos) os comprometidos e oportunistas estão com Collor. É o “Rei” e são os “Amigos do Rei”. Dizemos isso, aqui nesta Tribuna, com a mesma independência e coerência de princípios com que – nas eleições para governador em 1986 – viemos, neste jornal, defender publicamente a candidatura do Senador Itamar Franco (edições de 21 e 22, 23 a 25 de outubro, seção “Tribuna Livre”, pág. 2). De lá para cá, não houve – da nossa parte e da parte dos que acreditavam e acreditam nos princípios democráticos – qualquer mudança de direção, de posicionamento ou de ideário. A propósito – ainda quanto às eleições de 1986 para o governo do Estado –, é admirável como se acham atualíssimas as observações do companheiro “tucano” Custódio Mattos, à época candidato a deputado estadual pelo PMDB (e que, na ocasião, também apoiava a candidatura Itamar Franco) que, neste mesmo periódico (edição de 12/12/1986, “Tribuna Livre”, pág. 2) dizia: Newton, Maluf e Jânio são políticos feitos da mais estranha associação. Associação entre os grandes privilegiados do passado, da elite econômica do País, com suas maiores vítimas: a massa que vive na pobreza extrema da periferia urbana. Populistas de direita, estes políticos exploram a alienação desta massa com uma linguagem e uma postura obscurantista no plano dos valores, acompanhada de promessas recheadas de CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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demagogia e má-fé. Não desconheço que outros oportunistas que antes espancavam estudantes e derrubavam casas de pessoas humildes, aproveitem-se da confusão do momento para afirmar-se, posando de democratas.[...]

Como se percebe claramente, tais considerações se encaixam, como uma luva, na candidatura Collor de Mello. Aliás, não é mera coincidência que Newton Cardoso, Paulo Maluf e Jânio Quadros – todos – estejam hoje apoiando o candidato do PRN. Logo, não é difícil perceber o porquê de o PSDB afastar-se, inequivocamente, de qualquer apoio a Collor de Mello. Se, por um lado – e por motivos óbvios –, o PSDB jamais poderia apoiar a candidatura de Collor de Mello, tampouco os tucanos poderiam pousar no muro da neutralidade, da indefinição, da omissão política (que tanto combatemos) e do “não temos nada a ver com isso”. Optar pela neutralidade nessa hora seria o mesmo que optar pelo voto em branco, pelo voto nulo ou pela abstenção – que dá ao eleitor apenas a “sensação” de que não está contribuindo com o resultado das urnas, quando, na verdade, está contribuindo sim, e da pior maneira para ele próprio: passiva e indiretamente (através da maioria dos votos alheios). Portanto, o PSDB precisava optar; o Partido não poderia crescer à margem do drama atual da sociedade brasileira. Afinal, não foi para isso que muitos dos nossos (junto a muitos outros da oposição) lutaram por mais de um quarto de século neste País. Mas, sim, para que neste dia 17 se realizasse finalmente a eleição direta do próximo Presidente da República. O Partido, pois, devia tomar partido. E tomou. Aos poucos foi ficando claro que, ao final das contas, a escolha era muito mais fácil do que parecia ser. E, mesmo em âmbito local, a opção não foi (e nem poderia ter sido) outra: primeiramente, afastou-se qualquer possibilidade de apoio a Collor de Mello. Em segundo lugar, afastou-se a cômoda e até irresponsável atitude de neutralidade. E em momento algum foi considerado ou discutido o raciocínio pobre, simplista, egocêntrico e bairrista segundo o qual os “interesses de Juiz de Fora” devem prevalecer – como afirmam alguns “colloridos” da cidade, na ilusão de que é 64

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possível resolver os problemas do nosso município independentemente de se resolverem, na substância e com profundidade, os problemas do país. E assim, todo o PSDB – à frente o seu candidato a Presidente, Senador Mário Covas – outra coisa não fez: democraticamente (como convém a um partido político de verdade) ouviu as suas bases, os Diretórios Municipais e depois os Diretórios Regionais, para finalmente deliberar, em nível nacional, o apoio à candidatura Luiz Inácio Lula da Silva. Saliente-se que, assim como não foi esse apoio uma atitude automática e incondicionada – mas avaliada e discutida – não se trata de uma adesão acrítica. Pelo contrário, há certas ressalvas que as nossas diferenças programáticas impõem. Não se fale, tão pouco, em apoio “negociado” em torno de cargos e participações no governo. Trata-se, sim, de uma decisão consciente, motivada pela necessidade de posicionamento e pela firme convicção de que Lula, ainda que não seja o candidato de nossos sonhos, está longe de ser o candidato de nossos pesadelos. Muito pelo contrário: Lula é quem, agora, mais representa os ideais e as aspirações de mudança da realidade social brasileira, a resistência ao continuísmo e a possibilidade concreta do novo – não apenas na forma (na imagem ou na “embalagem”), mas principalmente no conteúdo. É que a candidatura Lula, neste momento – à margem de aspectos positivos ou negativos que possa apresentar – traz consigo uma evidência incontestável: ela estampa, escancaradamente, o retrato da verdade. E o Brasil já não pode ser mais um país de mentiras. Assim, nós, tucanos, tomamos a nossa decisão, escolhemos o nosso caminho: numa deliberação conjunta, com o predomínio da maioria, mas com respeito às minorias; com a possibilidade de divergências, mas com a convivência harmoniosa dos contrários. O que – antes de tudo – pressupõe coerência e fidelidade aos próprios compromissos. E, como bem frisou o nosso candidato a Vice-Presidente, Senador Almir Gabriel: “O primeiro compromisso do PSDB é com a democracia”. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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O PMDB ainda é aquele? Tribuna da Tarde / abril de 1988(*)

Um partido político pode ter sua identidade evidenciada por três parâmetros fundamentais: a) A sua história e experiência de lutas, que o leva a ser incorporado à memória política da sociedade, associado a um conjunto de valores e posturas, fixando ou não uma imagem de coerência, respeitabilidade e firmeza. O grau de acerto de suas propostas táticas e estratégicas, a cada situação concreta, e o nível de confiança que consegue conquistar da população são elementos chaves no julgamento que a sociedade faz dos partidos, nos momentos eleitorais. b) O seu programa político e o seu perfil ideológico, que o situa dentro do espectro de forças políticas e espelha os objetivos fundamentais, em nome dos quais o partido se apresenta como instrumento de aglutinação e como alternativa de poder. c) A sua ação política concreta, que confirma ou não a sua história e sua linha programática. O MDB e o PMDB foram os principais instrumentos políticos da sociedade brasileira na resistência democrática e na superação do autoritarismo. Nas vitórias de 74, 78 e 82, nas caminhadas de Teotônio Vilela, na luta pela anistia, na campanha pelas diretas em 84 e na vitória sobre Maluf e o continuísmo autoritário, o (*)

Marcus Pestana/Vereador do PMDB e Líder da Câmara Municipal em Juiz de Fora.

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Partido firmou-se como canal de expressão das esperanças da sociedade brasileira e habilitou-se a liderar a transição para a democracia e a inauguração de uma nova fase de desenvolvimento, com democracia e justiça social. Páginas memoráveis foram escritas na história política brasileira. Atos de coragem e heroísmo desafiaram a ordem existente, temperados pela sensatez, pela amplitude política e pela certeza de que a unidade de todas as forças democráticas era imprescindível para a vitória, que poderia tardar, mas certamente viria. O MDB e o PMDB cresceram assim, no calor da luta, colhendo vitórias expressivas como intérpretes do repúdio popular à ditadura e seus desmandos. Ganharam respeito, credibilidade e confiança. Souberam sentir corretamente o pulso da realidade, com ousadia e realismo. Transformaram-se em patrimônio político do povo brasileiro. Nas praças, nas ruas, eram identificados como o partido da esperança e da mudança, como o partido dos pobres e marginalizados. PMDB: o partido-instrumento da conquista da liberdade. Foram vinte e um longos anos de ditadura. Vencemos. Para a História ficará o papel destacado e a bela caminhada do MDB e do PMDB. Mas e esta sensação de que ganhamos e não levamos? O sonho acabou? A crise era maior do que a nossa esperança e disposição de luta? Temos uma bela história, não resta dúvida. Mas nossos compromissos programáticos parecem esquecidos, e a prática política concreta não honra a nossa história. O saudosismo no máximo consolaria a nós, peemedebistas históricos e autênticos. Mas seria impotente para enfrentar nossas dúvidas, angústias. Seria incapaz de nos devolver a energia e a capacidade política para novamente retomarmos a dianteira do processo de profundas transformações sociais que o povo brasileiro reclama. O fato é que a crise de identidade que vinha amadurecendo nos últimos anos explodiu em uma radical crise de existência. O PMDB, que deveria transitar para um partido de centro-esquerda, de corte socialdemocrata, reformista e moderno, renovado e renovador, tropeçou no caminho. Será que o acerto na opção por adotar a via da transição negociada – a única possível – nos levou a um sacrifício exagerado de nossa identidade, preparando-se uma poderosa arapuca e nos reservando o papel de fiadores/escravos da travessia? A 68

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todos os democratas conseqüentes e progressistas, que ainda se encontram nas fileiras do PMDB, não resta outra opção a não ser aceitar o desafio de encarar frente a frente a profunda crise que atravessa o Partido e dela procurar extrair um saldo político que permita continuar a caminhada. Duas são as principais causas, a nosso ver, que podem explicar o desvirtuamento da trajetória do PMDB. A primeira, já mencionada, diz respeito às próprias características da transição em nosso país. Fomos engolidos por esta arapuca chamada “Nova República”. O PMDB, que tinha sólidas ligações com a sociedade brasileira, teria certamente outra trajetória, se tivéssemos, em 1984, conquistado as diretas. Provavelmente ganharia as eleições presidenciais, teria um presidente com apoio social para implementar as mudanças desejadas em ritmo mais acelerado e no processo eleitoral assumiria compromissos mais claros com a população, aprofundando o entrelaçamento partido/sociedade. Mas a História nem sempre escolhe os roteiros ideais. Fomos para a construção da transição possível, derrotar Maluf era imperioso. Veio a Aliança Democrática, o Colégio Eleitoral, a morte de Tancredo. Deparamo-nos com a peça que o destino nos havia pregado. Lutamos 21 anos para construir um governo presidido pelo inimigo de ontem, José Sarney. Vieram alguns avanços políticos e institucionais, houve até o Plano Cruzado. Mas nem o Governo Sarney definia se queria representar o novo ou o velho nem o PMDB conseguia viver a ambigüidade de ser, a um só tempo, oposição e governo. A ponte parecia às vezes nos levar à mesma margem da qual havíamos partido. Fomos perdendo as praças, as ruas, e nos afogando no pacto das elites. Em maio de 87, Sarney deflagra uma clara guinada conservadora. Quer cinco anos, FMI e arrocho salarial. Atropela o PMDB e agride a soberania da Constituinte. Pipocam denúncias de corrupção. Antônio Carlos Magalhães vira primeiro-ministro. O partido oscila, os principais governadores se alinham com o Planalto, Ulysses se equilibra na corda bamba, temendo colocar em risco a transição. O Partido não consegue decidir. As contradições vêm à tona como fratura exposta. Descontentamento crescente, popularidade descendo a ladeira, o programa sendo rasgado a cada votação da Constituinte por parte CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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expressiva da bancada, o fisiologismo e a corrupção presidindo a ação de boa parte do Partido. Tudo em nome da transição, tudo para evitar o retrocesso. A unidade ainda era preciso. Será? Mas não existe a bancada do Sarney e a bancada dos históricos. A coisa explode na terça-feira negra. Deu presidencialismo e cinco anos. Sarney fortalecido, e o PMDB em frangalhos. Prisco Viana, Newton Cardoso, Antônio Carlos Magalhães, Carlos Santana comemoram. O resgate de nosso velho MDB, o das mudanças e da esperança, fica cada vez mais difícil. Não conseguimos decifrar os mistérios da transição e fomos devorados. Uma segunda razão, entre outras tantas, para o descarrilamento do PMDB foi o inchaço verificado em suas fileiras. Já no início dos anos 1980, o PP serviu de ponte para velhos arenistas saltarem do barco que começava a afundar. Essa tendência foi agravada a partir de conquista de alguns Governos Estaduais com a entrada de fisiológicos de todo o naipe, atraídos como mariposas pela luz à sombra do poder. Com a perspectiva de conquista do Governo Federal é que a coisa desandou de vez. Resultado: metade de nossa bancada constituinte é constituída por ex-arenistas. Não se quer dizer com isso que as pessoas não possam avançar posições. Há bons companheiros que vieram da ARENA e que demonstram sinceridade em sua adesão às lutas democráticas. Mas, a maioria vota sob a orientação dos Robertos Cardoso Alves da vida. A esquerda, a intelectualidade, os progressistas servem de cartão de visita e de verniz mudancista para atrair a população. Mas, na hora de decidir as questões substantivas, a maioria silenciosa sarneysista aparece em Brasília e adeus compromissos programáticos. Perdemos, nos últimos anos, companheiros valorosos para o PT, o PSB, o PCB, o PDT e o PC do B. Inchamos pela direita com a entrada de toda sorte de oportunistas. Mas a sociedade sabe bem quem é quem nessa confusão. Sabe que existem dois PMDBs, um bom e outro que não presta ao avanço da democracia. Sobre os ombros dos peemedebistas históricos pesa enorme responsabilidade. Essa é a corrente que tem as melhores condições de barrar o retrocesso e reeditar as possibilidades de tornar realidade os nossos sonhos de modernidade, democracia e justiça social. 70

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A omissão e a inércia podem custar caro. Não podemos perder o “bonde da História”. É preciso agir, antes que seja tarde. O que fazer? Vivemos um momento histórico carregado de significado. A crise econômica e social se mostra resistente e avassaladora. Por outro lado, a Constituinte aparece como última porta de uma transição precária e instável. Fisiologismo, corrupção, pressões de todo o tipo ameaçam sua soberania. A maioria do PMDB vota com o Planalto, contra o programa do Partido. Diante de tal situação, a acomodação e o culto a uma falsa unidade – oca de conteúdo – não se justificariam. Talvez mais uma vez a fórmula do passado possa nos dar o tom de nossas ações políticas: um pé na ousadia, outro no senso da realidade. O que é inaceitável é assistir ao esfrangalhamento das forças progressistas que, perplexas e atônitas, perdem peso na conjuntura. Uma perigosa dispersão ronda a cena. É preciso não vacilar na percepção de que somente a união entre os liberais progressistas e a esquerda democrática pode reeditar as esperanças no avanço da democracia temperada com profundas reformas sociais. É preciso devolver a confiança a expressivos setores da sociedade brasileira de que é possível resistir à ofensiva governista, bloquear o retrocesso, apressar a transição e vislumbrar um futuro melhor. Hoje o PMDB se mostra sem firmeza. Em nenhum momento teve uma postura clara e madura diante do Plano Cruzado, da moratória, do Plano Bresser, da Reforma Agrária. O que pensa hoje o PMDB sobre o debate privatização x participação estatal, sobre o fim da URP, sobre a dívida externa? O partido não consegue decidir. A ambigüidade é condição para sua sobrevivência. Chegamos a convocar uma Convenção Nacional que nada decidiu. Nem mandato nem sistema de governo. Perdemos a visão de longo prazo, sobreviveu apenas a administração pragmática do curtíssimo prazo. É preciso não precipitar. O PMDB ainda é o partido da preferência da maioria da população. No momento de desfecho da Constituinte e da transição, os históricos não podem ficar dispersos e desorganizados. O horizonte ainda é nebuloso, a legislação eleitoral e partidária permanece indefinida. As situações regionais e CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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municipais não são homogêneas. Em Minas, por exemplo, os melhores deputados já saíram do Partido, diante do radical conservadorismo sarneysista e dos métodos “à la trator” do Governador Newton Cardoso. Temos que saber lidar com esse complicado quadro, conscientes de que teremos eleições municipais em novembro, convenções regionais em maio e convenção nacional em junho. Por tudo isso deve merecer todo o nosso apoio o lançamento do Bloco Independente do PMDB, com a adesão de 94 constituintes. Consiste uma clara sinalização de que os progressistas do Partido não vão assistir passivamente ao melancólico fim do PMDB. Constituinte-já, diretas em 88, rompimento com o Governo Sarney com renúncia dos ministros, afastamento dos fisiológicos e oportunistas – essa deve ser nossa linha de ação e luta. Esse deve ser um último esforço para conquistar a direção do Partido e expulsar os traidores da história e do programa do PMDB. Mas o que importa é assumir o perfil progressista e ativo do Bloco. Dentro do PMDB regenerado ou através da constituição de um novo partido. Se a convenção nacional, em junho, perpetuar a confusão e o marasmo que reinam no Partido, não haverá alternativa a não ser construir outro instrumento político, suficientemente amplo e firme, capaz de empolgar novamente o País com a possibilidade de profundas reformas e de uma democracia progressiva. A democracia brasileira depende visceralmente da existência de um forte partido de centro-esquerda, amplo o suficiente para espelhar as diversidades presentes no tecido social brasileiro, mas firme e com unidade de ação intransigente na luta pela modernização, pela democracia de massas e pela justiça social. O PT, pelo ainda estreito raio de ação que tem; o PDT, pelo caudilhismo e personalismo de Brizola, e os demais partidos progressistas, por seu estágio embrionário, não têm possibilidades reais de ocupar esse espaço. Que se dêem as mãos Carlos Santana, Prisco Viana, Newton Cardoso, Roberto Cardoso Alves, Sarney, entre outros, e sigam seu caminho. Nós, militantes históricos e progressistas do PMDB, devemos perseguir a nossa identidade e o nosso caminho. Dentro ou fora do PMDB. Coerentes com a nossa história e com as nossas convicções políticas e ideológicas. 72

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Unidade e dissidência em Minas Tribuna da Tarde / outubro de 1986(*)

Os partidos políticos são, nas sociedades modernas, instrumento privilegiado da luta pela hegemonia política entre os diversos segmentos políticos e ideológicos. A construção partidária decorre das exigências colocadas pela realidade, como pólo de aglutinação orgânica daqueles que se identificam com um mesmo diagnóstico da história da sociedade e com um projeto para seu futuro. Não constituem fim em si mesmo. Quando o instrumento substitui as idéias e os projetos que lhe deram origem, assistimos a uma exaltação vazia do instrumento em si e a perda crescente das referências éticas, ideológicas e de princípio. Qualquer exaltação acrítica leva fatalmente à atrofia política. Ainda mais quando sabemos que até mesmo partidos classistas e ideológicos estiveram às voltas com desvios oportunistas e crises de identidade. Dizer que a democracia depende de partidos fortes é repetir o óbvio, mera tautologia. Ficar na generalidade do óbvio, no entanto, de nada adianta na atividade política que é essencialmente dinâmica. A análise concreta de situações concretas é a “própria substância, a alma viva” da teoria política crítica. Fora isso restam abordagens abstratas e idealistas que derivam obrigatoriamente em absolutizações unilaterais e pouco profundas. A unidade e a contradição em política não são tema novo. A unidade, por si só e sem qualificação, torna-se palavra apenas simpática, mas sem maior significado. A unidade nos partidos políticos (*)

Marcus Pestana/Vereador do PMDB em Juiz de Fora.

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sempre foi fruto de enfrentamento de um problema fundamental: unidade de quem e para quê? As transformações capitalistas no Brasil, que se deram nos marcos de uma modernização conservadora, legaram-nos uma situação contraditória em que, de um lado, encontramos a 8ª economia industrial do mundo ocidental e, de outro, sobrevive um tecido social e político flácido, inorgânico e desconjuntado. De toda a história republicana, poucas são as lembranças de períodos caracterizados pela liberdade, pelo pluralismo e pela democracia. Vale dizer, nossa experiência democrática é incipiente, embrionária e desenraizada. Isso se traduz de maneira violenta em nosso frágil quadro partidário. Não temos partidos centenários como na Argentina e no Uruguai, para não ir muito longe. Do PSD, da UDN e do PTB sobraram apenas traços residuais. O Partido Comunista, fundado em 1922, que é a única presença mais ou menos regular na história política do País, experimentou apenas um curto período de legalidade em 1946. Não há solidez e estabilidade estatutária nos atuais partidos. A formação do colégio de convencionais que escolheu o candidato oficial do PMDB às eleições de governador de 1986 se deu em 1984, sem que a questão estivesse colocada de forma clara e concreta. Também é inegável que, embora exista uma intelectualidade peemedebista da melhor qualidade (Celso Furtado, Conceição Tavares, Fernando Henrique, Belluzo, Hélio Jaguaribe, entre outros) que formulou e formula as bases programáticas e estatutárias do PMDB, a realidade do dia-a-dia, do partido real dos vereadores, dos parlamentares diversos e dos diretórios ainda reproduz, na maioria dos casos, comportamentos fisiológicos e atrasados. Essas questões não podem ser enfrentadas com a política do avestruz, que enterra a cabeça na terra enquanto a caravana passa. Por isso, ao discutirmos a crise do PMDB mineiro, devemos ter consciência plena de que não estamos na Europa nem temos uma democracia com seu quadro político sólido e enraizado. Poderia ser mais simples, mas não é. Portanto, todo cuidado é pouco com as análises precipitadas e superficiais. 74

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O PMDB vive uma crise de identidade que aflorou em decorrência do tipo de transição democrática vivida e da convivência com o pluralismo. O PMDB tanto pode virar um partido fisiológico e governista, desfigurado política e ideologicamente, como pode emergir com uma aglutinação de centro-esquerda, moderna e reformista, no campo do socialismo democrático. As perspectivas são boas. Com a vitória de Arraes, Waldir Pires, Simon, Santillo, Álvaro Dias, Pedro Ivo, Max Mauro e outros, somada à eleição de parlamentares peemedebistas que representem majoritariamente o liberalismo reformista moderno, e à esquerda democrática e não ortodoxa, daremos um passo à frente na solução positiva da atual crise de identidade. Enganam-se os nossos adversários ao dizer que o PMDB acabou. Ele está mais vivo do que nunca. No entanto, qualquer postura apaixonada, que prefira o avestruz à análise concreta da situação, não contribui para a construção partidária de um PMDB progressista. Em Minas, o quadro político é complexo e singular. Eleitos os delegados do PMDB em 1984, o Sr. Newton Cardoso desencadeou, a partir da Prefeitura de Contagem, uma operação avassaladora de conquista de convencionais, que deve merecer a mais veemente condenação de todos aqueles que, embora não cultuem saudades do radicalismo udenista, ainda têm na honestidade e na retidão valores a ser cultivados na vida pública. Essa operação encontrou terreno fértil no PMDB mineiro. De um lado, um tecido partidário flácido e embrionário (ou esquecemos a incorporação PP/PMDB em 81 e o crescimento de 250 para mais de 700 diretórios em apenas três anos?); do outro, a subestimação do potencial destruidor que partia de Contagem resultou na inércia e no imobilismo de importantes lideranças partidárias. Depois de idas e vindas, faltando apenas 72 horas para a convenção, erguemos a chapa Pimenta/Cotta, contra o projeto de nosso “Malufinho mineiro”. Tarde demais. E foi exatamente isso que o Senador Itamar Franco parece ter antevisto. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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A eleição de Newton Cardoso como governador representaria a consolidação de um PMDB fisiológico e desfigurado, que fatalmente perderia sua credibilidade perante a sociedade e seu potencial transformador. Se, a partir da Prefeitura de Contagem, o Sr. Newton Cardoso atropelou tudo e todos, corrompendo a convenção e comprometendo sua legitimidade, imaginemos o que faria tendo como central de operações o Palácio da Liberdade. Só uma “lógica partidária” linear e pobre não percebe que estaremos entregando de bandeja, e de forma irreversível, nosso instrumento de luta, o PMDB, ao pior dos inimigos. O pior inimigo é aquele que rouba nossa bandeira, apropria-se de nosso discurso, para dissimular seus projetos conservadores e reacionários. Existem peemedebistas sinceros que ainda não penetraram profundamente nessa análise. Não conseguiram perceber que resgatar o papel do PMDB em Minas é eleger Itamar Franco e reconstruir, a partir de 15 de novembro, o PMDB mineiro sob liderança de Pimenta da Veiga e da Executiva Regional. Outros que nasceram de um narcisismo infrutífero e despolitizante para transitar para um “intelectualismo orgânico”, tardio e pouco convincente insistem em agredir a realidade e em deformar sua análise, em busca de qualquer espaço político, na impossibilidade da conquista de espaço melhor. O que realmente importa é que recoloquemos o PMDB/MG em sintonia com o projeto nacional do partido. E isso passa pela derrota de Newton Cardoso. Foi essa percepção que levou Pimenta da Veiga, Cássio Gonçalves, Raul Belém, Manoel Costa, Carlos Mosconi, Antônio Faria, Mares Guia, Custódio Mattos, Roberto Martins, deputados e/ou candidatos às eleições parlamentares, entre outros, a apoiar Itamar Franco. Também em Juiz de Fora, nove dos quatorze secretários municipais e oito dos dez companheiros da bancada de vereadores, pelos mesmos motivos, alinharam-se às forças democráticas que apóiam Itamar Franco. 76

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Nos municípios também é forte e representativa a dissidência. Entre outros prefeitos, aderiram a Itamar Franco: Carlos Pioli (Andradas), Lídio Nusca (Barbacena), Ronaldo Perim (Governador Valadares), Aristides Salgado (Divinópolis), Francisco Ramalho (Itaúna), Eduardo Brás (Formiga), Adnei Morais (Poços de Caldas), Gualter Monteiro (Congonhas), Ronald Ferreira (Campanha), Gastão Melillo (Itabirito), José Carlos Costa (Itanhandu), Sebastião Fabiano (Nova Lima) e Cid Valério (São João del-Rei). Fica claro que, do que há de melhor no PMDB mineiro, a maioria absoluta se alinhou com o PMDB de Verdade para derrotar aqueles que tomaram de assalto o nosso partido. Restam ainda duas questões cruciais a discutir; a legitimidade de posturas dissidentes e a política de alianças. Seria ou não justo se rebelar contra uma decisão partidária? Em tese, não. Se a questão estivesse posta dentro de um quadro de experiência democrática consolidada, com partidos política e ideologicamente definidos, em que a democracia interna prevalecesse como norma e programa/estatuto como documentos básicos a nortear a vida partidária, o desrespeito às decisões de maioria seria condenável. Não é o caso. As ambigüidades e as contradições da transição democrática brasileira perpassam a vida partidária. A Nova República nasceu exatamente de uma dissidência. Tivessem os membros do PFL, então membros do PDS, se limitado a uma visão linear e simplista da fidelidade partidária, e não teríamos exercitado a arte do possível e viabilizado Tancredo na Presidência, dentro de uma solução negociada entre forças políticas diversas para derrotar a continuidade do regime militar autoritário. Não houvesse dissidência em Pernambuco e não teríamos a candidatura de Arraes, a meu juízo, fato da maior importância para a consolidação de um PMDB progressista. Portanto, devagar com o andor, que o santo é de barro. A cega e automática defesa da fidelidade partidária, num quadro incipiente como o brasileiro, face a fatos como os vividos CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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pelo PMDB mineiro, pode transformar ótimas intenções em conseqüências políticas desastrosas, conservadoras e antipopulares. A política de aliança é outra questão-chave. Nas democracias modernas é tão importante quanto os compromissos programáticos (como concretização transparente da ação política do partido em sua luta pelo poder). Se efetivamente pensamos em viver uma experiência democrática e pluralista no Brasil, é bom começarmos a nos despojar de heranças residuais que incorporamos nos tempos de arbítrio. A arrogância, a auto-suficiência, o exclusivismo, o monopólio da verdade e o desprezo pelos diferentes e pelas diferenças não servem à reconstrução democrática. São mostras de sectarismo e de um diagnóstico equivocado das sociedades contemporâneas. Devemos distinguir alianças espúrias de composições necessárias, quando forças diferenciadas (não antagônicas), acertam ação política comum em determinado momento, abrindo mão de questões acessórias ou que não estão colocadas na ordem do dia, sem perder o perfil ideológico. Isso é o ABC da atividade política. Dizer que Itamar Franco é candidato do PFL é, no mínimo, desinformação ou simplismo. É bom até destraumatizar a discussão sobre o PFL. A Frente Liberal surgiu como dissidência da base de sustentação parlamentar da ditadura, transitando para o campo democrático em função da crise de poder na sucessão do General Figueiredo. Foi elemento imprescindível para a vitória de Tancredo. Dizer que o PFL é o braço conservador da Nova República é mais uma vez repetir o óbvio. Mas hegemonia política não se conquista como simples tradução da vontade de apenas uma parte do todo. Impossibilitado de realizar a transição democrática a sua imagem e semelhança (via eleições diretas), o PMDB consolidou aliança com o PFL em busca do passo possível. E tem sido assim na sustentação da Nova República. Unidade na diversidade, contradições permanentes, mas unidade no fundamental, ou seja, na defesa da transição para a democracia. 78

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Os que combatem a candidatura Itamar Franco por esse lado, apontando-o linearmente como candidato do PFL, deveriam observar a expressão da dissidência na cidade e no Estado, tendo Pimenta da Veiga à frente. Deveriam demonstrar consideração e respeito pelo Partido Comunista Brasileiro, pelo Partido Democrático Trabalhista, pelo Partido Socialista Brasileiro, entre outros. Deveriam perceber que qualquer governador eleito terá de compor com outras forças, visto que nenhum bloco conquistará maioria absoluta na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, por onde têm de passar seus projetos. São os “incômodos” da democracia. Além disso, a vitória do PMDB em dezoito, dezenove ou vinte Estados com candidaturas progressistas ou liberais reformistas neutralizará, na correta medida, a influência conservadora no Governo de Itamar Franco. Se esses argumentos não bastam para demover aqueles que temem a presença conservadora no arco de forças que apóia o Senador juizforano, não resta outro caminho para essas pessoas que a não ser passar a uma condenação sumária e radical do Governo Sarney. Devem também condenar a política de alianças do PMDB em Pernambuco, Bahia, Pará (com Jarbas Passarinho, do PDS?!), Maranhão, etc. Saberemos enfrentar politicamente os conservadores de todos os matizes. Saberemos nos aliar a eles quando isso traduzir as necessidades do povo e do País. Mas para isso é preciso menos fraseologia vazia e mais trabalho de organização da sociedade. E não é entregando o nosso PMDB/MG para um bando de oportunistas que conseguiremos colaborar com o avanço nacional do partido, contra a fome insaciável da direita e a irresponsabilidade infantil de alguns segmentos de extrema-esquerda. Pelo contrário. Entregar a Newton Cardoso o comando do PMDB mineiro, isso, sim, é fazer o jogo do inimigo.

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A democracia como estratégia do SUS O Globo / fevereiro de 2006(*)

Nos últimos 20 anos, o Brasil consolidou sua democracia e estabilizou a economia, que está preparada – salvo gargalos da infra-estrutura de transporte e energia – para um novo ciclo de vigoroso e sustentado crescimento. Mas um desafio permanece: a superação das inaceitáveis e gritantes desigualdades sociais entre pessoas, famílias, segmentos sociais e regiões. A bandeira principal a ser levantada no Brasil deste início de século XXI é a da eqüidade social. E é aí que entra a luta por um sistema público de saúde que garanta dignidade a todos os brasileiros. O combate à pobreza e a promoção da cidadania dar-se-ão com a redistribuição de renda de forma direta, num processo de crescimento acelerado de novo tipo, e de forma indireta, através de políticas públicas de educação, qualificação profissional, ação social e saúde. Não há cidadania plena sem saúde pública de qualidade. Temos uma Constituição ousada e generosa no tocante à saúde. É direito de cidadania o acesso universal, integral e gratuito a uma saúde que se pretende de qualidade. Ninguém pode ser discriminado por raça, renda, sexo, idade, endereço ou gravidade da doença. Deve ser assegurado o acesso da vacinação ao mais complexo transplante, incluindo medicamentos, exames, tratamentos e cirurgias. E, embora estejamos longe de conquistar o sonho constitucional e distante do SUS necessário para um país moderno, justo e democrático, temos resultados a comemorar. (*)

Marcus Pestana/Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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O SUS é o maior programa de inclusão social da História brasileira. As políticas de imunização e de combate à AIDS são modelos para outros países. Não há portador de câncer ou paciente renal crônico sem tratamento. Há inegavelmente dificuldades: qualidade aquém da desejada, formação inadequada de recursos humanos, filas para exames, cirurgias e consultas especializadas, subfinanciamento e defasagem na remuneração dos serviços, pacto federativo setorial com responsabilidades ainda difusas, subdiagnóstico nas regiões mais pobres, problemas gerenciais e baixa capacidade regulatória. É impossível garantir os direitos constitucionais na saúde com apenas R$ 450 por habitante de investimento público anual. A sucessão presidencial é um momento privilegiado para a nação refletir sobre seus avanços e desafios. Com o amadurecimento da democracia, é possível travar um debate profundo sobre o país que queremos e quais os caminhos para construí-lo. Na saúde temos ampla agenda de discussões mapeada. É hora de avançar na construção do SUS constitucional ou de rever princípios como querem os defensores das políticas sociais focalizadas? Como se portar diante da ininterrupta revolução tecnológica na saúde que impõe custos sempre crescentes? O problema central é o subfinanciamento ou são as falhas na gestão? Como assegurar uma cooperação efetiva e harmônica entre os três níveis de governo? Como construir qualidade em ambiente de permanente escassez? Como perseguir a eqüidade? Para enfrentar essa agenda é que o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e O GLOBO realizarão, nos dias 13 e 14 de março, no Rio de Janeiro, o fórum “Saúde e Democracia: uma visão de futuro para o Brasil”. Participarão lideranças políticas, prefeitos, governadores, intelectuais da saúde, gestores, lideranças da sociedade civil, ex-ministros, o atual Ministro da Saúde e membros do controle social. Será uma preciosa oportunidade de, num ambiente plural, debatermos oportunidades e riscos para que possamos avançar na construção de uma saúde digna para todos, fundamental para chegar ao Brasil justo e democrático de nossos sonhos. 84

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Esqueceram-se do dinheiro para a saúde O Globo / fevereiro de 2005(*)

Salta aos olhos que um sistema público de saúde de qualidade é prioridade absoluta na construção da cidadania brasileira. As últimas eleições municipais evidenciaram a clara percepção que a população tem sobre isso. A consolidação do SUS talvez tenha sido o maior programa de inclusão social já feito neste país. Os avanços são visíveis. Com todos os gargalos e limitações, são 2,5 milhões de partos e mais de vinte mil transplantes por ano. Não há um portador de câncer ou de HIV ou renal crônico diagnosticado sem tratamento. O programa de imunização brasileiro é modelar e a estratégia da saúde da família avança. Mas é evidente que há ainda graves problemas. Eles estão presos a duas variáveis: ineficácia gerencial e subfinanciamento. É certo que precisamos melhorar a qualidade do gasto na saúde. Fazer mais e melhor com o mesmo dinheiro. Aumentar a produtividade de cada real investido. Volta e meia surgem denúncias de desperdícios e corrupção. Mas é inegável que um choque de gestão, crescente e silencioso, está sendo operado nos diversos níveis do sistema. É um erro achar que a regra é ditada por “vampiros”. A tolerância deve ser zero com a corrupção. Mas não deve prevalecer a idéia que sobra dinheiro e que as mazelas do sistema se devem à incompetência e à corrupção. (*)

Marcus Pestana/Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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Ao contrário, há no Brasil um claro problema de subfinanciamento na saúde pública. Se compararmos com outros países, veremos que, enquanto no Brasil o gasto público anual per capita está em torno de 120 dólares, na Argentina é de mais de 360; no Uruguai, mais de 300; no México e no Chile, quase 150; no Canadá, 1.500; e nos EUA, 1.900. O subfinanciamento se manifesta nas filas para consultas especializadas, cirurgias e exames; nas visíveis distorções da Tabela SUS; no subdiagnóstico que leva a população das regiões mais pobres e distantes a nem sequer ter acesso à identificação de suas doenças; nos problemas de qualidade no atendimento prestado. Precisamos administrar com criatividade, rigor e eficiência. Mas a saúde pública brasileira precisa urgentemente de um financiamento mais adequado. Nesse sentido, é extremamente preocupante o desdobramento para a saúde da aprovação do Orçamento Geral da União de 2005. A luta capitaneada pelo CONASS e pela Frente Parlamentar de Saúde não obteve êxito, e o custeio da saúde corre sérios riscos. O CONASS sugeriu que o programa Farmácia Básica, que garante distribuição gratuita de medicamentos na rede SUS, tivesse incremento de 150%. Nos medicamentos de alto custo, dirigidos a 400 mil brasileiros portadores de doenças complexas, estimamos que serão necessários dois bilhões de reais, e o OGU/2005 prevê somente 960 milhões. No custeio da média e da alta complexidade ambulatorial e hospitalar – em que estão incluídos exames, consultas especializadas, cirurgias, internações e tratamentos –, a situação é delicada. O teto financeiro praticado em 2004 teve um acréscimo de apenas 1,5%. Isso para fazer face à inflação setorial projetada em pelo menos 6%; ampliar a oferta de serviços; corrigir as distorções na remuneração dos hospitais e incrementar programas como o SAMU. É evidente que teremos dificuldades. O CONASS reivindicou mais 3,5 bilhões de reais. A mobilização do setor não foi suficiente para sensibilizar o Congresso. Não é muito, considerando que o governo federal pagou, em 2004, 79 bilhões de juros nominais, praticou um superávit primário de 86

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63 bilhões e teve incremento de pelo menos 70 bilhões de reais em suas receitas, pelo aumento da carga tributária. Isso evidencia a forte correlação entre discussões aparentemente distantes, como políticas sociais, superávit primário, inclusão social e taxa de juros. Ainda estamos distantes da utopia dos constituintes de um SUS que garanta acesso universal e integral de qualidade. Mas o desafio de nossa geração é não perder o rumo em direção ao SUS constitucional, dando passos concretos na superação do subfinanciamento da saúde em nosso país.

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Ajuste e pacto federativo Estado de Minas / dezembro de 2004(*)

O Governo de Minas debateu-se, nos últimos 10 anos, com uma grave e crônica crise fiscal. Isso dificultou o cumprimento regular de compromissos básicos como o 13º salário, diminuiu a capacidade de intervenção governamental por meio das diversas políticas públicas e reduziu dramaticamente os níveis de investimento. A crise teve como pano de fundo problemas estruturais, que vieram à tona com o fim da inflação, cortina de fumaça que mascarava o desequilíbrio financeiro do Tesouro Estadual. As raízes centrais do estrangulamento fiscal foram: a) o fim das receitas inflacionárias, que chegavam a mais de R$ 1 bilhão por ano; b) o profundo desarranjo previdenciário; c) o esgotamento da capacidade de endividamento com o fim das operações de antecipação de receita, o acordo da dívida e a privatização dos bancos estaduais; d) o excessivo comprometimento da receita com gastos com a folha salarial. Isto resultou em déficits crônicos anuais em torno de R$ 1,3 bilhão, compensados, parcialmente, em alguns anos, por vultosas receitas de capital (venda de ativos e derradeiras operações de crédito). Qualquer trabalhador ou dona de casa sabe muito bem que não é possível gastar, indefinidamente, mais do que se ganha. Qualquer governo, empresa, família ou pessoa que vive, por longo tempo, um desajuste entre suas receitas e suas despesas, envereda pelo caminho, muitas vezes sem volta, do endividamento agudo. Ainda (*)

Marcus Pestana/Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais e membro dos Diretórios Nacional e Estadual do PSDB.

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mais num país em que há muito tempo não temos taxas civilizadas de juros. Os desdobramentos possíveis são: a) continuar se endividando até o crédito ser interrompido; b) vender patrimônio para financiar gastos correntes ou para promover um ajuste estrutural; c) cortar despesas até o limite que não comprometa as funções essenciais; d) aumentar receitas até o teto da carga tributária suportada pela população. A capacidade de endividamento do governo estadual se esgotou, a carga tributária brasileira não comporta aumento de impostos e os ativos relevantes remanescentes (CEMIG e COPASA) são estratégicos para o desenvolvimento de Minas e, portanto, indisponíveis para um ajuste patrimonial. Diante dessa realidade, o governo Aécio Neves fez uma opção histórica e corajosa: empreender profundo ajuste nas contas públicas, via aumento da eficiência, tanto pelo lado da receita quanto da despesa. Austeridade, choque de gestão, redução de estruturas, modernização de processos, ganhos de eficiência da receita estadual, cobrança mais ágil da dívida ativa, combinados com a retomada do crescimento da economia, geraram, em rápido espaço de tempo, a possibilidade do anúncio do déficit zero, ou seja, o equilíbrio do fluxo corrente de receitas e despesas. O governo preparou Minas para um novo tempo. Mas os problemas acumulados ao longo de décadas exigem esforço continuado. É preciso ampliar a capacidade de intervenção e investimento do governo. O estoque de dívida é alto, o problema previdenciário não está totalmente equacionado. Mas agora o presente passa a gerar não problemas, e sim soluções. E o futuro, certamente, será muito melhor. Minas precisa, para prosseguir na construção de um novo tempo, da reformulação do pacto federativo, de uma efetiva reforma tributária e do redimensionamento da questão da dívida pública. E o Governador Aécio Neves tem liderado nacionalmente esse debate. A carga tributária pós-Constituinte, que era em torno de 23% do PIB, este ano baterá em 38%. A Constituinte tinha como um dos seus eixos centrais o fortalecimento de Estados e 90

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municípios. Em 2004, assistiremos a uma concentração inédita dos recursos tributários em mãos do governo federal, equivalente a 60% de todo o bolo tributário. As receitas não compartilhadas (Cofins, PIS, CSLL, CPMF, Cide) representavam, em 1988, 10,4% das receitas federais compartilhadas (IR+IPI) e 14,8% de todo ICMS arrecadado no Brasil. Em 2004, as receitas exclusivas da União representarão 120% das bases que alimentam o FPE e o FPM e 110% de todo o ICMS arrecadado. Ou seja, a carga tributária cresceu para alimentar uma concentração tributária que coloca em risco a própria Federação. Embora os Estados desembolsem, anualmente, cerca de 15% de sua receita corrente líquida para pagar a amortização e os juros da dívida, o estoque da dívida continua a crescer. Preservada uma conquista irreversível da sociedade brasileira – a responsabilidade fiscal –, temos que reconstruir o pacto federativo, redistribuir o bolo tributário com critérios de rateio justos e que levem em conta a eqüidade social, redefinir os parâmetros para cobrança da dívida, tendo como objetivo final o fortalecimento e a autonomia de Estados e municípios, permitindo que as políticas públicas estejam mais próximas dos cidadãos e sejam mais efetivas e melhor controladas pela sociedade. Feito isso, teremos ambiente político para discutir e implementar uma verdadeira reforma tributária, com foco na competitividade da economia, na geração de emprego e renda e na reversão da regressividade do atual sistema. Sem cruzar o conflito federativo com a discussão da reforma, será possível simplificar o sistema tributário, desonerar os investimentos produtivos e as exportações, cobrar mais dos mais ricos e menos dos mais pobres, eliminar os impostos em cascata e pôr fim à guerra fiscal. O Governador Aécio Neves tem chamado atenção que 2005 não pode ficar para a história como o ano que não existiu. Construir uma agenda nacional e trabalhar por ela é uma necessidade inadiável. Se conseguirmos criar condições estruturais para a queda substantiva das taxas de juro, equacionarmos em novas bases a dívida pública, sedimentarmos um novo pacto federativo e promovermos CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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efetiva e profunda reforma tributária, poderemos, num ambiente de responsabilidade fiscal e câmbio flutuante, dar um passo seguro rumo ao Brasil com o qual sonhamos.

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Orçamento e saúde Correio Braziliense / dezembro de 2004(*)

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) encaminhou um documento ao Congresso Nacional acerca dos recursos previstos para o setor no Projeto de Lei Orçamentária para o ano de 2005. Se não forem feitas alterações, estaremos diante de uma perspectiva extremamente preocupante. Para fundamentar nossas preocupações, apontamos a grave situação de subfinanciamento do sistema. Mesmo com a promulgação da Emenda Constitucional 29, o orçamento proposto pelo Ministério da Saúde é muito menor do que o previsto no momento inaugural do SUS – trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego. Seriam mais de 70 bilhões de reais, e não os atuais 39,2 bilhões propostos. Se compararmos com outros países, com base em dados do BIRD e da OMS para o ano 2000, veremos que, enquanto no Brasil o gasto público per capita era de 109 dólares, na Argentina era de 362 dólares, no Uruguai, 304, no Chile, 143, no México, 144. Sem falar no Canadá e nos EUA, com gastos públicos, respectivamente, de 1.483 e 1992 dólares per capita em saúde. Salta aos olhos que, embora tenhamos avançado muito, o nosso País ainda investe pouco no SUS. Por outro lado, de 2000 para cá, os Estados e os Municípios têm tido participação percentual crescente nos gastos públicos totais na saúde, enquanto o Governo Federal recua sua posição relativa no gasto total do setor. (*)

Marcus Pestana/Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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É evidente que temos de aprimorar cada vez mais a gestão dos recursos, fazendo mais e melhor com o mesmo dinheiro. É fundamental combater desvios e desperdícios. Mas é impossível assegurar o acesso universal e integral com qualidade investindo apenas 115 ou 130 dólares em saúde por habitante a cada ano. O CONASS reivindica objetivamente incremento de 3,5 bilhões de reais no orçamento do Ministério da Saúde em três programas essenciais: a farmácia básica, os medicamentos de alto custo e a atenção ambulatorial e hospitalar. Na distribuição gratuita de medicamentos básicos através da rede SUS, temos um programa que funciona bem, desde 1999, em que o MS coloca R$ 1,00 por habitante/ano, os Estados R$ 0,50 e os municípios outros R$ 0,50. São dois reais para abastecer as unidades básicas com analgésicos, antibióticos, ansiolíticos, hipotensores. A OMS recomenda que, para uma boa assistência farmacêutica básica, seria necessário investir de seis a oito reais. Alguns Estados e municípios complementam, outros não. E as prateleiras ficam vazias. Estamos propondo que o Ministério suba sua participação para R$ 2,50 por habitante/ano e estados e municípios para R$ 1,25, aproximando o gasto dos parâmetros internacionais de qualidade. Nos medicamentos de alto custo, o previsto no orçamento não cobre sequer o gasto que efetivamente será feito em 2004. O programa que vem tendo crescimento explosivo necessita de mais 719 milhões de reais. Dessa forma, o Ministério financiaria 80% dos gastos, já que originalmente o programa era da sua competência, e os Estados financiariam 20%, conforme pactuação já consensada. Por último, a atenção ambulatorial e hospitalar. Os tetos financeiros para alta e média complexidade custeiam quase todas as cirurgias, internações, exames, tratamentos e consultas especializadas. É de conhecimento público que o subfinanciamento da saúde se manifesta de várias formas: subdiagnóstico; filas imensas visando cirurgias, consultas e exames; remuneração aos prestadores muito abaixo dos custos reais, levando os hospitais a crises permanentes; e, graves problemas de qualidade e acesso. Considerados os tetos já vigentes em outubro de 2004, o incremento 94

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proposto no Orçamento é de apenas 1,0%. Só de estouro de teto – produção feita sem remuneração – já temos levantado R$ 700 milhões em 2004. Além disso, é preciso cobrir a inflação setorial, prever o reajuste na tabela SUS, corrigir desigualdades regionais, ampliar a oferta de serviços. Os recursos previstos não cobrem sequer a inflação setorial esperada (5% a 7%). Reivindicamos um incremento de R$ 2,6 bilhões. Se tudo permanecer como está, é de se prever uma grave crise hospitalar em 2005. O SUS é uma grande vitória da sociedade brasileira. Uma aposta em um Brasil sem exclusões. Para que a utopia dos sanitaristas e de todos que lutaram para a criação do SUS não naufrague, é preciso, aqui e agora, dar um passo concreto na superação do subfinanciamento da saúde em nosso país.

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Farmácia Popular: avanço ou equívoco? O Estado de São Paulo / maio de 2004(*)

O Governo Federal anuncia a implantação, nos próximos meses, do programa Farmácia Popular. Inspirado em programa semelhante existente em Pernambuco, esse vem recebendo grau de prioridade máxima. Cabe registrar que a experiência pernambucana tem suas raízes históricas fincadas em ambiente institucional anterior à fundação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição de 1988. Até onde sabemos, o patrocínio inicial da idéia está mais ligado aos profissionais da área de comunicação social, que a inseriram nos programas eleitorais de rádio e TV, do que propriamente aos sanitaristas e aos militantes do PT que, ao longo de décadas, pensaram e implementaram políticas públicas de saúde. A concepção básica é simples: consiste na construção de uma rede nacional de farmácias populares onde seriam comercializados medicamentos produzidos pelos laboratórios oficiais a preços baixos ou subsidiados. Gostaríamos de apresentar três argumentos centrais que parecem indicar que estamos prestes a cometer um grave equívoco. Em primeiro lugar, os princípios constitucionais que norteiam o SUS são a universalidade, a integralidade e a eqüidade. Prevê a Constituição que o Estado tem o dever de assegurar o direito de todos os cidadãos ao acesso integral e gratuito a todos os serviços de saúde – aí incluídos a atenção básica de qualidade, a assistência ambulatorial e hospitalar e o acesso a medicamentos. (*)

Marcus Pestana/Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais.

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É evidente que, diante do quadro econômico estrutural e das graves restrições fiscais presentes, o acesso universal e integral gratuito se coloca como objetivo estratégico a nos desafiar, enquanto regulamos e organizamos a escassez. Seria impossível ao SUS ofertar gratuitamente as mais de 13 mil apresentações de remédios presentes no mercado. Por isso, o SUS organiza a política de assistência farmacêutica em três planos: 1) a farmácia básica; 2) os medicamentos de alto custo; 3) os programas estratégicos (AIDS, diabete, hipertensão). O caminho do avanço é o fortalecimento desses programas. O próprio SUS patrocinar uma cadeia de “lojas” para comercialização de medicamentos nos parece romper os princípios constitucionais da integralidade e da gratuidade, abrindo um perigoso precedente. A sabedoria popular mineira costuma dizer que “onde passa boi, passa boiada”. Daqui a pouco, estaremos oferecendo ou legitimando a realização de consultas especializadas ou cirurgias a preços subsidiados. Em segundo lugar, a tendência é que quem irá se beneficiar majoritariamente das farmácias populares serão os setores médios da população. A segmentação do sistema põe em xeque os princípios da universalidade e da eqüidade. Os modelos segmentados de saúde têm o falso suposto de que, ao se instituírem sistemas específicos para os que podem pagar, sobrariam mais recursos públicos para os mais pobres. As evidências empíricas internacionais mostram que ocorre exatamente o inverso. Um sistema focado exclusivamente nos mais pobres tenderá a ser sempre subfinanciado e a ofertar serviços de menor qualidade. Por último, até mesmo como estratégia de intervenção regulatória do mercado privado, com base na legítima preocupação com os preços elevados dos medicamentos, as farmácias populares parecem oferecer perspectiva equivocada. Não é uma rede estatal de “lojas do SUS” – com todos os seus custos administrativos e burocracia – que trará eficiência no combate aos preços abusivos dos medicamentos. Paralelamente ao fortalecimento das 98

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políticas públicas de assistência farmacêutica, o correto manejo de instrumentos, tais como a política tributária e creditícia para o setor, a ação contra cartelização, o fortalecimento dos genéricos e o uso seletivo da quebra de patentes pode, certamente, colher melhores resultados. O importante é aprofundar a discussão. Se isso ocorrer, temos certeza de que as lideranças do Governo Federal, que são inspiradas pelas melhores intenções, saberão reorientar o rumo. O que não podemos é precipitar e arriscar jogar fora, numa única tacada, anos e anos de reflexão coletiva que deram sólidos fundamentos teóricos, políticos e ideológicos ao Sistema Único de Saúde.

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Um novo olhar sobre o desenvolvimento Correio Braziliense / junho de 2002(*)

Na semana passada, comemoramos o Dia Mundial do Meio Ambiente. Momento de reavivar atitudes, fortalecer convicções. Ano: 2002. Ano especial, de Rio+10. Hora de recuperar o fio da meada. A Revolução Industrial introduziu profundas mudanças na vida social. A paisagem rural e bucólica do mundo feudal cedeu lugar à velocidade do mundo moderno, urbano e industrial. Mudaram a tecnologia e a produção, a política e as idéias. A natureza, antes fonte única de riqueza e renda, agora fornecedora de matérias-primas para alimentar a voracidade das modernas máquinas industriais. As cidades se tornaram imensas concentrações populacionais, pólos geradores de soluções novas e novos problemas. Os recursos naturais pareciam inesgotáveis. Produtividade crescendo aos saltos, acumulação e concentração de capitais, a democracia se firmando, o mercado pedindo passagem e atropelando os resquícios feudais e colonialistas. A profecia de Malthus era desmentida pelo incrível dinamismo do novo sistema, indomável na criação de riquezas. Desde o início, o novo modo de vida gerou, como seria natural, opositores e críticos. O movimento sindical lutando por melhores condições de vida e trabalho para os operários. Chaplin, em seu Tempos modernos, denunciando, com graça e humor, a alienação provocada pelo trabalho fabril. O movimento socialista propondo um novo mundo de igualdade. Todos, no entanto, questionando (*)

Marcus Pestana/Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente.

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fundamentalmente o controle sobre os meios de produção e a natureza do poder. A atitude predatória em relação ao meio ambiente não era central na agenda do mundo moderno. Mais adiante, o maio de 68 – querendo proibir o proibir e advogando em favor da criatividade no poder – começava a ampliar o universo das críticas à sociedade contemporânea. Talvez o primeiro movimento a levantar a oposição cultural e comportamental ao estilo moderno de vida tenha sido o hippie. Mas propondo uma sociedade paralela, um estilo de vida marginal. 1972. Primeiro marco: realiza-se, em Estocolmo, a 1ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente. Sinais de exaustão na natureza. O ritmo alucinante de crescimento econômico começava a ameaçar o horizonte ambiental das gerações futuras. Os movimentos ambientalistas permaneciam marginais, ainda estavam no “gueto”, marcados por um, até certo ponto legítimo, sentimento de radicalismo. 1992. O Brasil abriga a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio 92. O mundo é outro, cresce a consciência social acerca do desafio ambiental. O processo inexorável da globalização acelera, em escala sem precedentes, a integração internacional e o crescimento material. Cenário rico em potencialidades, carregado de riscos e armadilhas. Nem inferno, nem paraíso coloca uma agenda complexa e multifacetada diante de todos. A questão ambiental ganha espaço, inunda a agenda dos governos, da sociedade e das empresas. Qualidade de vida passa a se associar indissoluvelmente à noção de desenvolvimento sustentável. A visão conseqüente do mundo contemporâneo passa pelo entendimento de que a sociedade não se reduz ao mercado e cidadania não se resume ao universo da produção e do consumo. Um olhar novo sobre o mundo de nossos dias implica pensar na luta contra a pobreza, conjugada com o desafio da sustentabilidade 102

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ambiental. Aos países ricos cabe compartilhar os frutos do desenvolvimento. E, ainda, redimensionar padrões de crescimento e consumo para assegurar a preservação do meio ambiente. Aos países pobres e em desenvolvimento resta o enorme desafio de superar o atraso sem uma atitude predatória em relação aos recursos da natureza. O Brasil avançou muito na direção de um padrão de desenvolvimento novo e sustentável. Muito há ainda para transformar. Mas sociedade e governo fizeram sua parte. Os incêndios florestais diminuíram, e o desmatamento tem tendência declinante. Temos uma lei de crimes ambientais das mais avançadas e construímos uma política nova de recursos hídricos que nos capacitou a melhorar a qualidade da água de nossos rios. Ampliamos a reserva legal nas propriedades da Amazônia e vamos dobrar as áreas de conservação totalmente protegidas. Instalamos o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético e administraremos os desdobramentos produtivos e tecnológicos de nossa rica biodiversidade segundo os interesses nacionais. É por essas e outras que o Brasil tem hoje credibilidade e força para liderar a América Latina e o Caribe na defesa de um padrão sustentável de desenvolvimento global e pode, nas últimas duas semanas, no Japão e na Indonésia, erguer alto a bandeira do Protocolo de Kioto, do Santuário das Baleias no Atlântico Sul e do combate à pobreza com respeito ao meio ambiente.

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Regulação e democracia Correio Braziliense / agosto de 2001(*)

O esgotamento do modelo estatal intervencionista, que presidiu a industrialização brasileira da era Vargas até a crise dos 80, colocou a reforma do Estado no centro da agenda de nossa sociedade. O endividamento crescente, a inviabilidade do modelo previdenciário, o engessamento gerencial e a queda da capacidade de investimento aliaram-se às mudanças trazidas pela revolução tecnológica e à crise do socialismo e da social-democracia, desafiando todos a repensar o Estado. Ao longo da história surgiram ondas de inovação e até modismos que buscavam o mesmo objetivo: responder melhor às demandas da população em relação ao setor público. São muitas as experiências bem-sucedidas. Mas a ação modernizadora também gera suas distorções. Ignácio Rangel nos alertava que a natureza da crise brasileira residia no fato de que havia um setor público com graves restrições fiscais e com oportunidades de investimento nos serviços públicos e um setor privado com capacidade de geração de poupança e sem acesso a essas oportunidades. Teríamos de desatar o nó concedendo à iniciativa privada a exploração dos serviços públicos. Assim foi feito. Como no caso dos serviços públicos, a mudança não implicava alteração de sua natureza; tratava-se de desenvolver competência para desempenhar o novo papel regulador do Estado. (*)

Marcus Pestana/Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações.

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Mas no caminho foi produzida uma panacéia que encerraria em si toda a virtude. A qualquer problema, prescreve-se o remédio: cria-se uma agência, uma vez que ela não padece dos males do velho Estado. É verdade que, diante da tradição brasileira de quebras contratuais e de instabilidade institucional, ao querer atrair capital privado para os serviços públicos e assegurar um pacto duradouro entre usuários, investidores e governos, teríamos obrigatoriamente de construir agências profissionalizadas, com autonomia, erguidas sobre regras especiais, que as protegessem das oscilações conjunturais. Assim estaria assegurado o respeito às regras do jogo. Mas, no afã de transformar o velho Estado, muitas vezes se joga fora a criança junto com a água do banho. Simples seria se tivéssemos governos eleitos coordenando políticas públicas, as agências desempenhando suas funções regulatórias e a iniciativa privada investindo num ambiente competitivo. Mas, por diversas vezes, assistimos a governos querendo avançar em tarefas regulatórias, agências reivindicando a formulação e a implementação de políticas públicas e setores tentando politizar a fiscalização dos serviços e a fixação de tarifas. Os governos eleitos é que têm legitimidade para decidir como deve ser o futuro do País. O equívoco na concepção institucional aparece quando se imagina que o poder concedente, que se materializa em um governo eleito em nome de determinadas idéias e valores, possa abrir mão de traçar a política pública setorial no momento de modelagem da licitação para a concessão ou a privatização de um segmento novo. Cito um exemplo: um liberal não incluiria as obrigações contratuais de universalização e o Fust no modelo de privatização das telecomunicações. Um social-democrata como o Presidente Fernando Henrique introduziu cláusulas sociais no processo de reestruturação do setor. Um socialista mais ortodoxo provavelmente nem privatizaria. As três posturas são legítimas se colocadas na perspectiva da tradução do desejo majoritário da população expresso nas eleições. Vamos a um exemplo extremo. Um presidente eleito poderia introduzir nos editais de privatização e concessão uma cláusula, entre 106

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tantas outras, exigindo que os dirigentes da empresa ganhadora viessem mensalmente a Brasília beijar sua mão e jurar fidelidade. O investidor faria suas contas, analisaria o ambiente institucional e entraria ou não na licitação. Se entrasse, seria por ter aceitado as regras do jogo, por mais absurdas que parecessem. Feita a licitação, assinado o contrato, a estabilidade das regras seria um princípio sagrado. E é aí que entram as agências. Infelizmente, não é esse o entendimento corrente. O que dizem nossos teóricos da modernização do Estado? As agências são guardiãs da racionalidade, da moralidade, da eficiência e têm o monopólio das boas intenções. Seriam a arma necessária para proteger a sociedade dos governos e dos políticos que só sabem fazer clientelismo, irracionalidades e até falcatruas. Ter voto é quase um crime. A legitimação pelas urnas nada vale. Muito superior é a clarividência, o saber técnico dos sábios conselheiros das agências regulatórias que, do alto de suas torres de marfim, podem defender os interesses da sociedade da voracidade do jogo político.

É preocupante que, com ar de rigor técnico e sofisticação teórica, se cristalize visão profundamente autoritária e tecnocrática. Nada pode substituir a voz das ruas na definição do futuro do País em qualquer segmento da ação pública. Por melhores que sejam nossos conselheiros, nada substitui a difícil, complexa, imperfeita luta política dos partidos pelo poder de transformar a sociedade mediante políticas públicas. É de assustar que pessoas que conviveram em sua trajetória com instrumentais críticos ricos para a reflexão sobre as relações entre sociedade e Estado estejam se associando a formulações tão antidemocráticas. Se nós não tivermos clareza sobre essa questão, introduziremos perigosa contradição entre intenção e gesto. Em vez de erguermos instrumentos técnicos permanentes e autônomos para a defesa da estabilidade do processo de modernização, semearemos confusão, plantando crises institucionais futuras profundas, no caso da ocorrência da natural alternância no poder das diversas correntes políticas brasileiras. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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Reforma e modernização do Estado no Brasil: a experiência de Minas Gerais Seminário Internacional sobre a Reforma Administrativa: a administração por objetivos e a questão orçamentária – Escola Galega de Administración Pública(EGAP) Santiago de Compostela – Espanha / junho de 1997(*)

Os fundamentos da reforma no Brasil Diante dos complexos desafios colocados pela realidade mundial neste final de século, a sociedade brasileira direciona o melhor de suas energias no sentido da consolidação das bases de um novo ciclo sustentado e consistente de desenvolvimento, através da discussão e da implementação de um profundo processo de reformas estruturais. Este novo cenário de transição, que nasce com base no esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações sob a liderança estatal, tem como características essenciais: A) A ESTABILIDADE DE PREÇOS E REGRAS

Após conviver mais de uma década com índices de inflação anual de três ou quatro dígitos, a economia brasileira vem apresentando sólida tendência de estabilização, devendo a inflação girar em torno de 7% em 1997. A inflação aguda impossibilitava a formação de expectativas positivas dos diversos agentes econômicos quanto (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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ao futuro do País, inibia investimentos e aguçava o conflito distributivo. Isso resultou na sucessão perversa de espasmos inconsistentes de crescimento, seguidos de períodos recessivos, o que levou a renda per capita a ficar estacionada ao longo dos anos 1980 e início dos 1990. Sucessivos planos de estabilização foram acionados, levando à quebra contínua das regras do jogo em questões ligadas ao câmbio, aos preços, às políticas monetária e fiscal. O sucesso do “Plano Real”, desencadeado em 1994, configura-se como o primeiro passo para a construção de um horizonte de longo prazo, marcado pelo retorno a taxas expressivas de crescimento econômico, combinadas com melhor distribuição de renda. A estabilização implicou grandes mudanças econômicas, sociais e culturais e forte impacto sobre as finanças públicas, que sustentavam seus desequilíbrios na aferição de expressivas receitas inflacionárias e no desgaste do valor real dos principais componentes de sua estrutura de gastos. A estabilidade de preços e regras, se por um lado abre perspectivas promissoras para o desenvolvimento nacional, coloca em outro plano a necessidade urgente do ajuste fiscal e estrutural do setor público. B) A ABERTURA EXTERNA E A NOVA INSERÇÃO NO QUADRO INTERNACIONAL

O Brasil vivenciou, a partir de 1930 e notadamente a partir do pós-guerra, um vigoroso processo de industrialização, com taxas médias anuais de crescimento do Produto Interno Bruto em torno de 7%. Utilizando todo o arsenal de instrumentos de política econômica, os sucessivos governos, com enfoques e intensidade diferenciados, promoveram a substituição de importações através da proteção à indústria nacional, da atração de capitais estrangeiros e da pesada intervenção do setor público via empresas estatais, incentivos fiscais e creditícios, barreiras tarifárias e política cambial. Isso permitiu que o País transitasse de um modelo agroexportador para uma economia diversificada, com grande complementariedade, dispondo de importantes segmentos na produção de bens de consumo duráveis, bens intermediários, bens de capital e serviços públicos. A revolução científica e tecnológica, a globalização da economia e as exigências decorrentes de qualida110

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de e competitividade representaram o “tiro de misericórdia” no modelo substitutivo de importações baseado no fechamento da economia. O esgotamento já havia se configurado anteriormente, mas o novo cenário mundial colocou a exigência de mudanças. E essa é a trajetória em curso na integração brasileira com o MERCOSUL e no redimensionamento das relações com a Europa, os Estados Unidos e o resto do mundo. A modernização do Estado é pressuposto para o sucesso nessa caminhada. C) A RENOVAÇÃO TECNOLÓGICA

O modelo de desenvolvimento que presidiu a industrialização, ao erguer, de forma prolongada, elevados níveis de proteção à produção nacional, gerou como subproduto, em diversos setores que cresceram distantes de um ambiente de competição, ineficiência, baixa qualidade e preços distorcidos. Com as substanciais alterações introduzidas na matriz científica e tecnológica, a partir de meados da década de 1970, e diante da veloz e permanente inovação dos processos produtivos, o País visualizou que necessitava preparar-se adequadamente, modernizando seu parque industrial e o setor agrícola. Só um Estado enxuto e ágil é capaz de promover parcerias com a iniciativa privada e com a sociedade científica, para produzir respostas eficazes e rápidas às constantes mutações tecnológicas. D) A CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA

Após vinte anos de regime autoritário, o Brasil ingressou, a partir de 1985, em rico período de consolidação da democracia. Após duas eleições presidenciais, uma Assembléia Nacional Constituinte, o afastamento pelo Congresso Nacional de um presidente eleito, diversas ameaças de crise institucional, é possível afirmar que o País cristalizou o estado democrático de direito, marcado por uma liberdade sem precedentes na História brasileira. Todas as questões são amplamente debatidas no Congresso, na imprensa, no interior da sociedade. Essa realidade torna o processo de reformas difícil, trabalhoso e, às vezes, mais lento que o desejável. Os interesses feridos procuram criar as maiores dificuldades ao CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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processo de modernização da sociedade. Mas é um preço inevitável, já que felizmente a sociedade brasileira faz na democracia uma aposta radical e esse é um compromisso nacional inarredável. O novo e reformado Estado nascerá, portanto, da mais ampla e aberta discussão. Apesar da urgência das mudanças estruturais e das reformas constitucionais (administrativa, previdenciária e tributária) já estarem em discussão no Congresso Nacional há mais de dois anos, não existe outro caminho a não ser o de construir a convicção hegemônica na sociedade e nas estruturas políticas de que as reformas são necessárias e inadiáveis. E) A MUDANÇA NO PAPEL DO ESTADO

O Estado brasileiro ocupou papel central no processo de desenvolvimento do País. Desde a produção siderúrgica até o controle de preços, passando pela infra-estrutura e pelos estímulos creditícios, fiscais e cambiais, a mão visível do Estado esteve presente na liderança do desenvolvimento nacional. A crise fiscal combinada com as transformações tecnológicas e a globalização da economia mundial decretaram a falência desse modelo de Estado. O processo de modernização e reforma do aparelho estatal tem duas determinantes básicas. Uma de origem conceitual: queremos o Estado no lugar certo, em setores essenciais como educação, saúde, segurança e justiça, delegando à iniciativa privada e às instituições da sociedade civil atividades onde a presença do Estado já se mostrou inadequada e ineficiente, e aperfeiçoando sua capacidade regulatória nos segmentos que se fizerem necessários. A outra vertente impulsionadora das reformas é a própria escassez de recursos públicos, revelada de forma contundente pelo fim da inflação e pelo esgotamento da via do endividamento como fonte de financiamento das políticas públicas. Esse diagnóstico está claramente incorporado às estratégias do Governo Federal e do Governo do Estado de Minas Gerais, como é possível constatar em diversos documentos oficiais. No “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, elaborado pelo Governo Federal, diz-se: 112

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No Brasil, sobretudo a partir da segunda metade da década de 80, discute-se a necessidade de redefinição do papel do Estado, com base (i) na crise fiscal definida pela perda do crédito público e por poupança pública negativa; e (ii) na crise do modo de intervenção burocrático e planejador, definida pelo esgotamento do modelo de intervenção econômica e social, em que o aparelho do Estado concentra e centraliza funções, e se caracteriza pela rigidez dos procedimentos e pelo excesso de normas e regulamentos. A grande tarefa dos anos 90 é superar a crise, reconstruindo o Estado, através da recuperação da poupança pública e do conseqüente resgate da autonomia financeira para implementar políticas públicas. É imprescindível manter a estabilidade da moeda, bem como reavaliar as formas de intervenção no plano econômico e social, dado o esgotamento da estratégia burocrática e planejadora que caracterizou a ação estatal neste século, já superada, dentre outros fatores, pela dinâmica tecnológica e pela internacionalização do mercado. A superação da crise do Estado torna-se fundamental para a retomada do desenvolvimento econômico e social. A reforma do aparelho do Estado deve ser estendida dentro de contexto de redefinição do papel do Estado, em que o mesmo transforma-se de produtor em empreendedor do desenvolvimento econômico e social. Apresenta-se como tendência o fortalecimento das funções de regulação e coordenação no âmbito do Estado, particularmente no nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infra-estrutura. Simultaneamente, verifica-se uma descentralização no plano horizontal, com a transferência de funções da esfera do Estado para o setor privado. O Estado assume um papel menos executor ou prestador direto de serviços mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor destes. Considerando-se essa tendência, busca-se o fortalecimento da capacidade do governo mediante: o aperfeiçoamento dos instrumentos de coordenação, formulação, implementação e avaliação de políticas públicas; o redesenho de estruturas; a inovação dos mecanismos de gestão CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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e a profissionalização (formação e capacitação) de quadros para a administração pública.1

Também o plano estratégico do Governo de Minas Gerais, o “Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI”, coloca-se em perspectiva solidária ao diagnóstico do governo brasileiro, ao afirmar: Sob a égide da consolidação democrática dá-se hoje entre nós um renascimento da política, marcado pela defesa intransigente de segmentos expressivos da opinião pública, da busca da realização de valores universalistas na condução dos negócios públicos, da rejeição das tradições clientelistas e da estrutura burocrática-patrimonialista característica do Estado brasileiro. Reivindica-se a mudança do Estado, não só para combater a corrupção, mas para permitir a ação eficaz e efetiva do poder público. Tudo isso visto como condição para plena cidadania. Grande, pesado, desarticulado e atuando, não raro, sem prioridades ou considerando tudo pertinente e importante, o Estado brasileiro precisa submeter-se a processo compreensivo de reforma de suas funções, estruturas e formas de atuação. 2

O tamanho do desafio e a dimensão dada ao problema atualmente no Brasil podem ser aferidos através das palavras do Ministro da Administração e da Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira: A tarefa é imensa. Para que seja bem-sucedida, não basta que as idéias, que as diretrizes sejam modernas e equilibradas. É preciso que, através de um amplo debate com a sociedade e os funcionários, se chegue a um razoável entendimento. Não há dúvida de que alguns interesses serão atingidos, de que alguns privilégios serão eliminados. Mas o mais importante é o aspecto positivo da reforma. É o fato de que nela está ¹ Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasil. 1995. 2

Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasil. 1995.

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embutida uma concepção de estado social-democrata e pragmática. De que através dela a crise fiscal poderá ser superada. De que, graças a ela, funcionários competentes e dedicados serão mais valorizados, terão melhores salários e mais respeito social. Enfim, que teremos um Estado mais enxuto e mais eficiente, que prestará um serviço de melhor qualidade aos cidadãos. 3

Minas Gerais e seus números A luta pela modernização e reforma do setor público brasileiro perpassa as três esferas governamentais: federal, estadual e municipal. Os gargalos fundamentais só serão superados a partir do momento em que os governantes, nos diversos níveis, dispuserem de instrumentos legais que derivarão do atual processo de reforma na Constituição Federal. Dentro dos marcos jurídicos e institucionais atuais, certamente avançaremos muito menos que o necessário na direção do aparelho governamental desejável. A expectativa é a de que as reformas administrativa e previdenciária sejam aprovadas pelo Congresso Nacional, ainda no ano de 1997. Premidos, no entanto, pela necessidade imediata de reformatar o modelo de atuação do setor público nos mais diversos campos e pelos graves desequilíbrios financeiros e orçamentários trazidos à tona pela estabilização econômica, os governos federal, estaduais e municipais desencadearam uma série de iniciativas visando enxugar a máquina, desonerar o Estado, ganhar eficiência e garantir um melhor atendimento ao cidadão. Para que aqueles que não conhecem de perto a realidade brasileira possam aquilatar a importância nacional das transformações lideradas pelo Governo de Minas Gerais no âmbito de sua atuação, faz-se necessário destacar alguns indicadores econômicos e sociais que traduzam o peso específico do Estado dentro da Federação. 3

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A REFORMA DO APARELHO DO ESTADO E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA. 1995. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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O Estado de Minas tem um território de cerca de 588 mil quilômetros quadrados, correspondendo a 7% da área total do País, tendo, portanto, dimensão territorial superior a países como a Espanha, a França e a Suécia. Sua população, segundo o censo de 1996, é de 16.660.691 habitantes, o segundo maior contingente populacional do Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) girou em 1996 em torno de US$ 64 bilhões, valor comparável a economias nacionais latino-americanas como as do Chile e do Peru. A economia mineira exporta cerca de US$ 5,8 bilhões, representando 12% das exportações nacionais. O Governo do Estado de Minas Gerais se organiza em 19 Secretarias Estaduais, 16 autarquias, 16 fundações, 4 empresas subvencionadas, 20 empresas públicas ou sociedades mistas e 9 órgãos autônomos. Considerando aqueles que recebem seus salários ou aposentadorias diretamente do Tesouro Estadual são 470.060 servidores entre ativos e inativos, sendo 120.729 aposentados, excluídos aqueles ligados a autarquias, fundações e empresas que financiam suas atividades com recursos próprios. O Orçamento Fiscal de 1996 foi de, aproximadamente, US$ 10 bilhões, que, subtraído das transferências a municípios e das receitas de capital, resultou em uma Receita Corrente Líquida de cerca de US$ 6,2 bilhões, sendo 78% consumidos exclusivamente com gastos de pessoal ativo e inativo. O excessivo gasto com pessoal, o fim das receitas inflacionárias, a supressão do mecanismo de desgaste do valor real das despesas pela corrosão imposta pela inflação aguda e o pesado ônus do serviço da dívida acumulada ao longo dos anos colocou a maior parte das unidades da Federação em situação delicada de desequilíbrio orçamentário e financeiro. Melhorar a qualidade dos serviços públicos e recuperar a capacidade de geração de poupança para custear as políticas e os investimentos governamentais é objetivo comum da maior parte dos governos no Brasil. Esse é o sentido fundamental do programa de reforma e modernização do Estado que vem sendo discutido e implementado pelo Governo de Minas Gerais. 116

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A dança dos números Estado de Minas / fevereiro de 1996(*)

Fica cada dia mais claro que o desajuste das finanças públicas não é um fenômeno localizado e conjuntural. É fruto de problemas acumulados ao longo de décadas em função do tratamento inadequado a diversos componentes da estrutura de gastos do setor público. Além disso, os desequilíbrios afetam, salvo raríssimas exceções, o governo federal, os governos estaduais e as prefeituras. Mesmo tendo a carga tributária alcançado, em 1995, um dos maiores patamares dos últimos anos (30,1% do PIB), o déficit verificado no conjunto do setor público brasileiro no ano passado ficou em torno de 4% do PIB. Não é à toa que o próprio presidente da República elegeu como desafio prioritário para 1996 o equilíbrio das contas governamentais, em todos os níveis, como pressuposto da continuidade do sucesso do Plano Real e da conseqüente garantia de um cenário de desenvolvimento sustentado na economia. Mas, se o problema não é novo, por que sua dramática manifestação se dá de forma tão contundente no ano de 1995 e no início de 1996? Por um motivo muito simples: a inflação aguda mascarava o descompasso estrutural entre receitas e despesas públicas. Por um lado, produzindo receitas financeiras extremamente significativas, por outro, depreciando, em termos reais, os principais (*)

Marcus Pestana/Secretário Adjunto de Estado do Planejamento de Minas Gerais.

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componentes de despesa que, por não possuírem mecanismos instantâneos de indexação, geravam uma folga que permitia aparente equilíbrio no fluxo de caixa. Impostos, como o ICMS, acompanhavam de perto o crescimento da inflação, enquanto grande parte das despesas tinha um ritmo de crescimento bem mais lento e espaçado no tempo. Com o sucesso do plano de estabilização, objetivo perseguido por toda a sociedade brasileira, o desajuste fiscal do setor público, até então camuflado, revelou-se de forma inequívoca, colocando, mais do que nunca, diante de nós, o desafio da reforma e da modernização do Estado. A resposta a essa questão cabe não só aos governos, mas ao conjunto da sociedade brasileira. Qual é o Estado que queremos? Quais são as tarefas da esfera governamental e quais as que devem ficar a cargo da sociedade civil e da iniciativa privada? Eleitas as funções do setor público e o tamanho desejado de Estado, como distribuir dentro de um “pacto federativo” a participação das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal? E como financiar, através dos impostos, as atividades governamentais? São perguntas a que democraticamente a sociedade brasileira vai, aos poucos, respondendo. Dentro da ampla discussão instalada, tem tido destaque a questão do nível de gastos com os salários do funcionalismo. Se todo o dinheiro for consumido com gastos de pessoal (ativos e inativos), obviamente não restará nada para saldar dívidas do passado, para custear o funcionamento do governo (combustível, remédios, luz, água, etc.) e para investir (hospitais, estradas, equipamentos para as polícias civil e militar, construção de escolas). Os governos não são um fim em si mesmos. Existem para servir ao cidadão-contribuinte, suprindo as necessidades vitais da comunidade, principalmente nos campos da educação, da saúde e da segurança pública. Não faz sentido, portanto, consumir todos os recursos com o custeio da máquina governamental. É preciso que o dinheiro dos impostos chegue à população na forma de serviços e obras de qualidade cada vez melhor. 118

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Longe de nós transformarmos o servidor público em “bode expiatório” da crise das finanças públicas. Nós, servidores públicos, somos parceiros potenciais e obrigatórios da reforma do Estado. Não resta opção: ou enxugamos, modernizamos e racionalizamos o setor público, ou assistiremos à falência do Estado e à inviabilização das políticas públicas. Governantes, servidores e, principalmente, cidadãos têm papel importante nesse processo. É evidente que todo ajuste tem seu preço. Estatísticas das mais variadas unidades da Federação demonstram que os gastos com pessoal atingiram nível insuportável. Vantagens mal concebidas, privilégios cristalizados em alguns setores, efeitos encadeados e em cascata, crescimento vegetativo em taxa elevada, inchaço e ineficiência em determinados segmentos, política previdenciária equivocada. Esses, entre tantos outros elementos, articulam-se na formação de um quadro inadministrável de estrangulamento financeiro dos governos, impossibilitando assegurar a margem de investimento necessária para garantir o desenvolvimento da sociedade. Nesse ambiente, nem mesmo uma política eficiente de recursos humanos voltada para o funcionalismo se torna possível. Alguns por falta de informações suficientes, outros por miopia política-ideológica, em vez de encarar tão importante e complexo problema, procuram jogar uma cortina de fumaça sobre o debate, tentando desacreditar as estatísticas e os números oficiais. O PSDB e o Governo de Minas têm compromisso inarredável com a democracia e com a transparência. Além disso, são dados públicos que constam dos balanços anuais e que, a partir de 1996, serão publicados mês a mês, conforme prevê a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995, mais conhecida como “Lei Rita Camata”, que regulamentou o dispositivo constitucional que limita em 60% das receitas correntes líquidas arrecadadas a despesa com pessoal. O desafio presente para toda a sociedade é debater alternativas. Fingir que o problema não existe, como desejam alguns mistificadores, nada resolve. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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O Governador Eduardo Azeredo tem dito de forma cristalina que o dispêndio médio de Minas Gerais com seus servidores ativos e aposentados girou, ao longo de 1995, em torno de 73%. Agora que dispomos de dados preliminares do Balanço Geral de 1995, onde está computada a dinâmica atípica de receitas e despesas no mês de dezembro, em função principalmente da superposição da folha de dezembro com o 13º salário, chegamos ao patamar de 78,12%, segundos os critérios da “Lei Rita Camata”. Ocorre que, na base de cálculo prevista pela Lei Complementar nº 82, são levadas em conta receitas de convênio do Sistema Único de Saúde, do salário-educação e de outras receitas vinculadas, que não podem ser destinadas ao pagamento de salários e aposentadorias, tendo seu uso previamente carimbado para projetos e atividades específicas. Nesse sentido, a situação é mais grave, porque se levarmos em conta apenas os recursos ordinários correntes (tributos e taxas + transferências federais obrigatórias + outras receitas correntes), ou seja, o que efetivamente o governo tem livre dentro do cofre para gastar, segundo seu juízo, com pessoal, custeio, dívidas e investimentos, chegamos à preocupante marca de 95,58% de despesas com pagamento de pessoal. Contra fatos não há argumentos. Observe o gráfico a seguir:

A B

C

78,12% (B/A)

A

Receita Corrente Líquida Arrecadada R$5.924.827.527,00

B

Despesas com Pessoal R$ 4.628.443.285,00

C

Receita Corrente Ordinária Livre R$ 4.507.575.522,00

D

Despesa com Pessoal (1) R$ 4.308.193.517,00

D

95,58% (D/C)

FONTE: Superintendência Central de Contadoria Geral/SEF – dados preliminares do Balanço Geral de 1995. OBS.: (1) Uma pequena parcela dos salários é paga com recursos próprios das autarquias, fundações e empresas subvencionadas. 120

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Governantes, servidores e cidadãos precisam construir um debate profundo acerca do problema e criar as alternativas para que o setor público recupere, em plenitude, o seu papel insubstituível na construção de uma sociedade cada vez mais feliz e democrática.

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Desenvolvimento regional: limites e potencialidades Tribuna da Tarde/ novembro de 1991(*)

A Zona da Mata vem experimentando, nas últimas décadas, grave processo de estagnação econômica. Juiz de Fora teve papel de destaque no período de consolidação da etapa primário-exportadora do capitalismo brasileiro, entre o final do séc. XIX e 1930. Aqui se desenvolveu o principal núcleo industrial da Minas Gerais e um dos mais importantes do País. A partir dos anos 30, quando a indústria passa a liderar o processo de acumulação capitalista, assistimos a perda paulatina de posições da cidade no cenário nacional. Isso se agrava a partir do desencadeamento da industrialização pesada, nos idos de 1956, visto que a consolidação da aliança entre o Estado, o capital estrangeiro e o capital nacional não se traduziu em implantação de grandes projetos industriais na cidade. Juiz de Fora e a Zona da Mata ficaram à margem das grandes safras de investimento características dos períodos do Plano de Metas (56/61), “Milagre Econômico” (68/73) e do IIº Plano Nacional de Desenvolvimento (74/78). A instalação de duas empresas transnacionais – a Beckton Dickson e a Facit – e de duas grandes plantas industriais no setor de insumos básicos – Paraibuna Metais e Siderúrgica Mendes Jr. – configura-se como a exceção a confirmar a regra geral. Fato é que a dinâmica de desenvolvimento da economia regional nos legou como herança um quadro onde predominam (*)

Marcus Pestana/Professor da Faculdade de Economia da UFJF.

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pequenas empresas nos setores tradicionais, ocupadas em produzir bens de consumo não-duráveis, um significativo segmento terciário e de construção civil, circundado por uma agropecuária decadente. Isso se traduz em uma economia de baixo dinamismo, em que a renda média é extremamente baixa. Os dados estatísticos são eloqüentes na demonstração desse quadro de crise crônica que envolve a Zona da Mata. Valendo-se da análise de alguns poucos indicadores alinhavados na tabela que se segue, é possível perceber a urgência de uma tomada de posição das llideranças regionais. Verifica-se uma perda de posições relativas em termos populacionais e um grave esvaziamento da zona rural. Paralelamente cai a paticipação da região no Produto Interno Bruto estadual e no valor da produção industrial. Indicadores populacionais e econômicos da Zona da Mata 1960

1970

1980

A- Participação na população total de MG (%)

15,64

13,75

12,28

B- Grau de urbanização (%)

36,68

49,27

60,68

C- Participação no Produto Interno Bruto (MG) (%) 11,00

9,20

8,30

D- Participação do nº de estabelecimentos industriais no total de MG (%)

17,70

15,40

E- Participação no valor total da produção industrial de MG (%)

9,60

6,10

FONTE: Economia Mineira: Diagnóstico e Perspectivas. BDMG. 1989.

Felizmente parece que a comunidade regional vem tomando consciência da gravidade da situação e começa a se organizar em busca de soluções efetivas para os problemas regionais. Mostra disso é a consolidação da Fundação de Desenvolvimento Regional (FUNDER), que se prepara para a realização do “1º ENCONTRO PRÓ-DESENVOLVIMENTO DA ZONA DA MATA”, nos próximos dias 7, 8 e 9 de novembro. Motivados pelo ambiente criado por tão importante evento, levantamos alguns pontos que nos parecem relevantes para o correto enfrentamento dos desafios colocados 124

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diante de todos aqueles que se preocupam com os caminhos e descaminhos de nossa região. A) Diagnóstico, planejamento e horizonte utópico O primeiro passo essencial é construir um projeto de desenvolvimento econômico e social que consiga reunir em torno de si um mínimo de consenso. Isso implica que a sociedade, através das lideranças políticas, empresariais, sindicais e intelectuais, se pronuncie de forma cristalina sobre qual é a cidade e a região que imagina construir, neste final de século. Afinal, qual é o horizonte utópico com que sonhamos? Um diagnóstico preciso de nossos problemas, a definição de objetivos e programas claros e consistentes, e, por fim, uma estratégia inteligente e agressiva, parecemnos o patamar inicial necessário para que a luta pela retomada do desenvolvimento regional obtenha êxito. Para tanto é preciso perceber que não existe saída possível isolada para Juiz de Fora. A cidade, como centro polarizador, só tem a ganhar com a redinamização da economia regional. É preciso, portanto, de forma urgente, criar alternativas para a agropecuária da região, assim como apoiar a instalação de novas plantas industriais em outros municípios vizinhos. Também é fundamental visualizar que a ação de estímulo à atividade econômica deve possuir obrigatoriamente caráter multilateral, de ataque simultâneo e articulado aos problemas dos mais diversos setores da economia local. Nesse sentido, é de suma importância o desenvolvimento de um leque de programas de estímulo às pequenas e médias empresas locais. Essas empresas cumprem papel insubstituível, particularmente na geração de empregos. No entanto, se efetivamente desejamos aumentar a renda média da população e retomarmos o crescimento econômico, é imprescindível – sem prejuízo das preocupações sociais, urbanísticas e ecológicas – atrair capital novo, preferencialmente em setores mais dinâmicos e onde as exigências de capital e tecnologia e as dimensões das plantas industriais sejam maiores. CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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Além disso, temos de explorar as possibilidades abertas pela nova onda de inovações tecnológicas desencadeadas, em escala mundial, a partir do final dos anos 70. Se não quisermos perder o “bonde da história” mais uma vez, temos de descobrir as vocações regionais para o desenvolvimento de setores de ponta (microeletrônica, robótica, biotecnologia, engenharia genética, insumos sintéticos, etc.). No setor de serviços, comércio e de construção civil vivemos uma situação curiosa em Juiz de Fora. Em plena recessão, assistimos a uma explosão de lançamentos, principalmente de salas e lojas. É evidente que há um superdimensionamento da oferta, e muito rapidamente o ponto de saturação será atingido. O que aqui importa ressaltar é que o setor terciário e a construção civil não têm autonomia para crescer de forma permanente pelas próprias pernas. Dependem de forma vital da drenagem da onda gerada pelos setores básicos, ou seja, a indústria e a agropecuária. Sendo assim, se quisermos manter a posição de pólo comercial e prestador de serviços, e dar continuidade à captação de parcela do excedente regional pelo setor imobiliário, temos de revitalizar a base produtiva da economia local e regional. B) Obstáculos e limites Visualizamos pelo menos quatro níveis principais de problemas que se colocam no caminho do esforço pela retomada do crescimento da cidade e da região: 1- A crise geral da economia brasileira deprime de forma acentuada o nível geral de investimento. Como uma região decadente e pouco dinâmica poderia atrair novos investimentos em meio a um profundo processo de estagflação? 2- A orientação política e ideológica hegemônica na sociedade brasileira e em todo o mundo, neste final de século, aponta para a drástica redução da intervenção estatal na economia. Programas de correção de desequilíbrios regionais implicam ação governamental deliberada e consciente pró-descentralização dos investimentos. Sem incentivos, 126

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subsídios, indução governamental, será possível retornar o crescimento da Zona da Mata? 3- A cidade e a região apresentam uma série de debilidades no tocante à infra-estrutura. É preciso um diagnóstico e uma ação política urgente para detectar e superar os gargalos presentes na capacidade de oferta de energia elétrica, água, transporte e telecomunicações, terrenos industriais. 4- Um dos entraves históricos do desenvolvimento da região tem sido a dificuldade de unir lideranças empresariais e políticas em torno de uma estratégia comum para a viabilização de um plano arrojado, consistente e realista de desenvolvimento regional. Nunca tivemos uma situação política tão favorável. Um Vice-presidente, Secretários Estaduais e uma importante representação parlamentar em Belo Horizonte e Brasília. É fundamental que pequenas divergências passadas sejam colocadas em segundo plano, e que a vaidade e a perspectiva personalista sejam definitivamente arquivadas. Teremos maturidade política e grandeza suficiente para costurarmos tal entendimento? C) O que fazer? Os obstáculos levantados certamente serão contornados, se construirmos uma sólida e firme unidade em torno de um programa mínimo para a região. É preciso evitar a pulverização de esforços. Conferir objetividade e eficácia à ação política da comunidade organizada é tarefa prioritária. Sem isso realizaremos mil seminários e encontros, daremos centenas de entrevistas, escreveremos dezenas de artigos, entregaremos kilos de manifestos às autoridades maiores, e nada acontecerá de significativo. Nesse sentido devemos canalizar todas as nossas energias para a FUNDER. A Fundação de Desenvolvimento Regional reúne o que há de mais representativo do setor público e da iniciativa privada da região. É um terreno neutro em termos políticopartidário, possibilitando a coordenação de esforços conjuntos entre Prefeitura, Governo Estadual e Federal e a base parlamentar CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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identificada com a região. Além disso a FUNDER, por ser uma fundação, tem a leveza, a agilidade e a flexibilidade necessárias para conferir objetividade à luta pela redinamização econômica da região. Por tudo isso, é preciso não perder tempo, e começar, aqui e agora, a partir do “1º Encontro Pró-Desenvolvimento da Zona da Mata”, a luta pela conquista da cidade e da região de nossos sonhos.

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Eleições e crise: os desafios do Brasil Diretório Acadêmico Faculdade de Economia/UFJF / outubro de 1989(*)

Toda e qualquer eleição nas sociedades democráticas carrega em si grande importância. Confirmação de rumos, retificação de rota, redimensionamento da correlação entre as forças políticas que disputam a hegemonia na condução dos destinos de determinado povo. Mas a eleição presidencial de 1989, no Brasil, está revestida de significado especial e decisivo. Não só pela dramaticidade do quadro social que a emoldura, e pela complexidade da crise econômica que a envolve, mas principalmente pelas inegáveis e profundas implicações estratégicas que certamente terão as decisões tomadas, para o delineamento de nosso horizonte de médio e longo prazo. A possibilidade aberta de retrocessos indesejáveis e a hipótese, também possível, de perdermos o “bonde da história” reforçam de forma aguda a responsabilidade de todos aqueles que, sinceramente, se preocupam com a construção de um Brasil democrático, moderno e justo. É extremamente preocupante que, exatamente neste momento crucial de nossa história, amplas parcelas da sociedade brasileira estejam tomadas por um sentimento de ceticismo e desesperança, que se traduz em uma postura que oscila de completa alienação à subestimação do papel do processo eleitoral em curso. As derrotas amargadas na campanha das Diretas e no Plano Cruzado, os desvios (*)

Marcus Pestana/Presidente do PSDB de Juiz de Fora e Professor da Faculdade de Economia da UFJF.

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da Nova República e a associação permanente da atividade política com a corrupção e a irresponsabilidade deixaram profundas marcas, dificultando a população visualizar na política o legítimo canal por onde as sociedades enfrentam seus conflitos, contradições e desafios. É fundamental resgatar, aqui e agora, o caráter decisivo da eleição de novembro e contribuir para que a decisão que brotar das urnas seja fruto de amplo e profundo debate acerca da crise brasileira e das alternativas disponíveis para sua superação.

Compromissos básicos Cinco parâmetros básicos devem nortear a construção de um programa de governo que aponte no sentido da superação da crise de forma consistente e duradoura: a) O compromisso inarredável com a democracia como valor universal, enterrando de vez qualquer possibilidade de retrocesso político-institucional. Fora do pluralismo e da liberdade, qualquer projeto tende a se distanciar da vontade das bases da sociedade e acumular distorções, muitas vezes, de forma irreversível. Há uma enorme tarefa de complementação da transição democrática, de regulamentação da nova Constituição, de consolidação de conquistas alcançadas por se fazer. O esforço de superação da crise não pode ser tarefa de um só partido ou segmento social. Será preciso ampla negociação em que se conjuguem dialeticamente conflito e consenso. b) A retomada do crescimento econômico é outro objetivo central a ser perseguido. A economia brasileira tem crescido, nos anos 80, a taxas médias anuais inferiores à expansão demográfica – 2,5% a.a. –, contra os 7% a.a. que caracterizam nosso desenvolvimento desde os anos 40. Sem crescimento, é impossível imaginar o resgate da dívida social, a modernização tecnológica, a superação dos desequilíbrios regionais. 130

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c) Para se garantir a consolidação da democracia e a articulação de um novo padrão de desenvolvimento econômico, é inevitável que o próximo governo, logo em suas primeiras semanas, lance mão de um programa de estabilização da economia. A inflação é um mecanismo perverso de transferência de renda daqueles que não possuem defesas contra a escalada dos preços – assalariados, pequenos e médios empresários que operam em mercado competitivo – para o sistema financeiro, para o circuito especulativo e para os grandes oligopólios. Mas, a partir de certo patamar, a inflação (às portas da hiper) ameaça o conjunto da economia, transformando “o cálculo empresarial em obra de ficção científica, e o orçamento familiar em peça de humor negro”. A própria legitimidade do próximo governo, adquirida nas urnas, deve contribuir de maneira autônoma para a estabilização das expectativas. Mas esse cacife esgotar-se-á rapidamente se não for utilizado como ponto inicial para um amplo programa de reformas. d) A necessidade emergencial de superação da crise econômica e do tratamento da questão social não deve obscurecer o horizonte de longo prazo. Não tomar como prioritária a modernização tecnológica é perpetuar, em novos moldes, a dependência externa, é negar à economia brasileira a possibilidade de sua maturidade, é decretar o atraso competitivo num momento onde a tendência internacional é de integração crescente (unificação da Europa em 92, integração EUA-Canadá...). e) Mas o maior compromisso do próximo governo deverá ser certamente com uma ação agressiva no sentido de superação das enormes desigualdades sociais, simbolizadas em indicadores alarmantes sobre a situação de saúde, educação, alimentação e moradia de nossa população. Não é possível pensar uma sociedade moderna e democrática onde a fatia do trabalho na repartição da renda se encontre em torno de 35%, quando em qualquer país capitalista CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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desenvolvido essa participação nunca é menor que 70%. A cidadania não pode ficar restrita a uma igualdade formal-jurídica presente no momento do voto. Resgatar a cidadania brasileira é eliminar em curtíssimo prazo a miséria e a fome a que estão submetidos milhões de brasileiros.

O próximo governo e a crise econômica A estabilização da economia e a retomada do crescimento, conquanto objetivos primários, colocam no centro da cena a discussão sobre o papel reservado ao Estado, no novo ciclo de desenvolvimento. A recuperação da capacidade de investimento governamental, a rearticulação das relações Estado-sociedade, a redefinição de sua área de atuação e a reforma administrativa são os eixos fundamentais de enfrentamento da crise brasileira. O Estado brasileiro hoje se encontra no banco dos réus. Aparece, dentro da presente avalanche neoliberal, como o grande vilão. Em um país de memória curta, vale a pena relembrar que, sem a forte intervenção do Estado, não haveria industrialização brasileira, com a profundidade e a diversificação atingidas. Hoje vivemos, de fato, um grande paradoxo. De um lado, o setor estatal passando por uma crise fiscal de proporções gigantescas. De outro, o setor privado com extrema liquidez, girando 100 bilhões de dólares no over e em outras aplicações de curtíssimo prazo. Esses recursos, que representam 30% do PIB, certamente não consistem mero saldo de caixa das empresas, e sim uma massa de recursos líquidos à procura de inversões, momentaneamente suspensas pela instabilidade das expectativas e pelo fato de importantes gargalos a exigirem investimentos se encontrarem na órbita estatal que, como já dissemos, se defronta com uma cavalar crise fiscal, o que compromete sua capacidade de investimentos e pode derivar em importantes estrangulamentos a médio e longo prazo, nos campos de infra-estrutura, energia e insumos básicos. Particularmente Ignácio Rangel tem continuamente chamado a atenção para 132

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esse fenômeno. O que se esquecem os nossos neoliberais é de assinalar que a crise fiscal resulta de uma violenta privatização do Estado brasileiro (via subsídios e incentivos, estatização da dívida externa, compressão das tarifas e preços públicos). O enaltecimento anacrônico da capacidade auto-regulatória do mercado – visão sepultada historicamente pela crise de 29 e pelas duas grandes guerras – é, no mínimo, desconhecimento das características centrais do processo de desenvolvimento econômico nacional, e, no limite, construção ideológica de péssima qualidade, ao propagar a idéia de que seria possível reeditar, nos marcos de um capitalismo maduro, o liberalismo clássico e seu “estado mínimo”. Para redefinir o papel do Estado e recuperar sua capacidade de investimento, visualizamos alguns campos de ação essenciais:

Renegociação da dívida externa em termos soberanos, aproveitando a legitimidade do novo governo para a conquista do alongamento do perfil da dívida e de taxas de juros menores, e a apropriação do deságio que já é praticado no mercado secundário.

Choque fiscal, com controle e corte seletivo de gastos públicos, corte de subsídios e incentivos, redução do endividamento interno e externo, mudanças significativas no sistema tributário.

Programa seletivo de privatização, sob o controle democrático do Congresso e da sociedade, com vistas a superar o paradoxo: liquidez no setor privado x crise fiscal no setor público.

Democratização dos controles sobre o setor público, combate sem tréguas à corrupção, profissionalização dos serviços públicos, enxugamento e racionalização da máquina estatal, dando-lhe maior mobilidade e eficiência.

Dessa forma seria possível reeditar um programa de desenvolvimento e uma política industrial ativa, onde Estado, em parceria com a iniciativa privada nacional e com o capital estrangeiro, retomassem CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: PENSAMENTO, GESTÃO PÚBLICA E AÇÃO POLÍTICA

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o ritmo de investimento de outras épocas, garantindo taxas de crescimento anual em torno de 6%, com a ampliação da capacidade produtiva e melhoria das condições de renda e emprego. A integração soberana do País na economia mundial dar-se-ía pela descoberta da dosagem ideal de abertura externa, evitando o isolamento a que nos levaria uma política excessivamente defensiva, voltada exclusivamente para a substituição de importações, mas também excluindo a abertura imediata e absoluta, com efeitos desastrosos sobre a estrutura produtiva e quanto à necessidade de recuperação de terreno no campo tecnológico. Particularmente, neste último campo, o Estado tem o papel fundamental de aumentar os investimentos em ciência e tecnologia, articulando esse esforço de pesquisa com a produção. Não há como fugir: paralelamente ao combate ao analfabetismo, à superação da fome, à melhoria dos padrões de saúde, temos de preparar o País para uma nova era dominada pelos computadores, pelos robôs, pela engenharia genética, pelos insumos sintéticos, pela microeletrônica, enfim, por uma permanente, veloz e profunda revolução científico-tecnológica. Cabe ainda ressaltar a necessidade de atenção especial a uma política agrícola articulada com a questão da reforma agrária. Absorção de mão-de-obra, fortalecimento do mercado interno, aumento da oferta de alimentos, sem prejuízo da atividade exportadora, são objetivos essenciais para incorporação do campo, dentro de uma visão integrada de desenvolvimento nacional. O acesso à terra para milhões de trabalhadores agrícolas sem terra, o investimento em armazenagem, eletrificação rural e transportes, o apoio técnico e creditício devem gerar uma nova dinâmica na agricultura, cumprindo não só importantes objetivos econômicos, como também revertendo os grandes deslocamentos demográficos que pressionam a vida nos grandes centros urbanos. Também no setor de obras públicas e de política habitacional deve residir um núcleo central de ação governamental, não só por consistirem prioridades emergenciais, mas pelo efeito que 134

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desempenham na absorção de mão-de-obra pouco especializada, garantindo nível de renda mínima a amplos segmentos da população. Todos esses desafios estão colocados em jogo. Hoje não vivemos o ambiente ufanista dos anos 1970. Não existe nenhuma vocação genética do País para um desenvolvimento inexorável. Enormes são as potencialidades de que dispõe o Brasil para a construção de um futuro de progresso e menos injustiças. Mas não está descartada a possibilidade de mergulharmos em profunda letargia, com perda crescente de capacidade produtiva inovadora e distanciamento paulatino dos padrões de desenvolvimento moderno. Não há nenhum dado intrínseco à própria realidade que nos garanta um futuro melhor. Isso vai depender da ação subjetiva de todos os atores políticos e sociais. Mais do que nunca, é preciso acertar. Com a palavra, o eleitor brasileiro.

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resumir, que o êxito de Marcus Pestana deriva de uma opção que fez ainda jovem e sustenta até hoje: a de ser um protagonista do seu tempo. Por isso, vale a pena acompanhá-lo.

MARCUS PESTANA • Coordenador do Diretório Acadêmico de Economia/UFJF – 1980; • Presidente do DCE/UFJF – 1980/1982; • Vereador em Juiz de Fora – 1983/1988; • Presidente do PSDB de Juiz de Fora – 1988/1992; • Secretário de Governo – Prefeitura de Juiz de Fora – 1993/1994; • Secretário Adjunto de Planejamento – Governo de Minas Gerais – 1995/1997; • Secretário de Planejamento – Governo de Minas Gerais – 1998; • Chefe de Gabinete do Ministério das Comunicações – 1999/2001; • Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente – 2002; • Secretário de Estado de Saúde – Governo de Minas Gerais – 2003/2006; • Presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass) – 2005/2006.

“Seja pelo destino ou por irresistível vocação, Marcus Pestana é um ‘Homem de Estado’, forjado, desde cedo, nas lutas pela redemocratização. Político em grande estilo, integra a estirpe dos que vivenciam a política como a arte que se traduz em diálogo, em realizações e ousadia, em avanços, em passos à frente no processo de mudança, em serviço da causa do interesse público e do bem comum. Conhecendo-o de perto, sei quanto o caro e ilustre amigo e companheiro de jornada é capaz de aliar intenção e gesto, sensibilidade e eficiência na ação, na razão e na utopia, habilidade e determinação. Como bom mineiro, sabe valer-se do combustível da esperança e do sonho no exercício visionário/realista da política.” Aécio Neves Governador do Estado de Minas Gerais

I SBN 8 5 - 8 9 2 3 9 - 3 4 - 9

9 788589 239349

CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA: Pensamento,Gestão Pública e Ação Política – Marcus Pestana

Rubem Barboza Cientista político, Doutor pela IUPERJ e Professor da UFJF

Marcus Pestana

CORAÇÃO QUENTE, CABEÇA FRIA:

Pensamento,Gestão Pública e Ação Política

O final do século XX desencontrou-se do seu desfecho esperado. Um vendaval de mudanças cancelou antigas expectativas utópicas e tornou a vida e o mundo muito mais complexos e inesperados. O Brasil foi atingido em cheio por essas mutações, precisamente quando encerrávamos o período dos governos militares e ensaiávamos a transição para a democracia. Tornou-se difícil navegar nessa ventania permanente. E ainda o é. Marcus Pestana nasceu para a vida pública nesse horizonte conturbado. Foi presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora, vereador mais novo do Brasil à época, presidente de partido, secretário de governo da Prefeitura de Juiz de Fora, professor da Faculdade de Economia da UFJF, secretário de Planejamento do Estado de Minas Gerais, chefe de gabinete do Ministério das Comunicações, coordenador da campanha do governador Aécio Neves e, até há pouco tempo, secretário de Saúde do Estado de Minas Gerais. Mas o êxito de Marcus Pestana como homem público não pode ser resumido nos cargos que ocupou. Deve ser medido pela forma como exerceu essas funções. A coletânea de artigos que agora se publica revela o espírito que anima Marcus Pestana. Oriundo de um partido de esquerda na juventude, percebe com clareza essas mudanças que tornavam obsoletas antigas certezas e finalidades da vida social. Desprende-se da ortodoxia para jogar-se na reinvenção criativa de um horizonte coletivo para a sociedade brasileira. Daí as suas preocupações centrais: a atualização permanente da idéia e da prática da democracia entre nós, a reconstrução da dimensão pública numa sociedade ferida pelo particularismo, seja de elites, seja de um mercado feito de interesses mal compreendido, a busca da eficácia de políticas públicas destinadas a aumentar a eqüidade num país tão desigual e sofrido como o nosso. A trajetória de Marcus Pestana mostra tal esforço para juntar teoria e prática, o pensamento e a ação, fugindo tanto da pura abstração quanto da ação comandada pelo imediato. Digamos, para


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