PALAVRA E UTOPIA
- UM FILME DE MANOEL DE OLIVEIRA Recria o tempo e a vida de Padre António Vieira através dos seus sermões, com Lima Duarte e Luís Miguel Cintra. Recomenda-se! A não perder!
DOSSIER DE LETRAS, ARTES E IDEIAS
DL
Ano 12º Número 2 De 19 março a 1 abril de 2014 Portugal (Cont.) Gratuito Número único Diretora : Fernanda Lamy
Padre António Vieira… Paladino dos fracos e dos oprimidos Edição Exclusiva
“O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão, mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio!” Sermão de Santo António aos peixes, capítulo V
“Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem” Sermão de Santo António aos peixes, capítulo III
Ana Nunes Pe. António Vieira, o homem e a obra Págs. 3 a 5
Inês Drago A época do Pe. António Vieira – séc. XVII Págs. 6 e 7
DL / 19 março a 1 abril de 2014
Sumário
EDITORIAL
PE. ANTÓNIO VIEIRA, O HOMEM i)
Breve nota biográfica P.3
Ana Nunes
Inês Drago
ii) Três imagens do autor P.4 iii) Breve nota informativa sobre as características de Vieira Vieira é palavra, mundo, viagem, pensamento, fé e sabedoria. Foi não só um dos maiores oradores de sempre, pregador e missionário P.5 mas também um defensor da tolerância entre diferenças, da
A ÉPOCA DO PE. ANTÓNIO VIEIRA: busca do saber e da harmonia entre povos. A sua obra leganos todo um património de pensamento e domínio da O SÉC. XVII: i)
Características do barroco na palavra – essenciais para a definição do que fomos e do que poderemos ainda ser. arte e na literatura P.6 Assim, foi com o objectivo de explorar um dos expoentes
PE. ANTÓNIO VIEIRA, A OBRA
máximos da nossa literatura portuguesa, Padre António
O sermão do século XVII P.8 ii) Objetivos da eloquência P.9 iii) Onde, quando e porque é que foi escrito o Sermão de Sto. António aos peixes P.10 i)
Vieira, que abraçamos este projecto com entrega total, de modo a ficarmos mais sabedoras do seu percurso policromado literariamente. Para efectuarmos esta viagem no tempo, socorremo-nos de suportes variados, como pesquisas online, manuais escolares, plataforma Moodle, bem como outros livros
A
ESTRUTURA ARGUMENTATIVA DO
específicos da área.
SERMÃO DE ST. ANTÓNIO AOS PEIXES Durante a sua elaboração, devido à quase infinita i)
A estrutura argumentativa do informação sobre o pregador, foi uma tarefa árdua Sermão de Sto. António aos seleccionar os itens mais importantes e indispensáveis a esta edição. Já no que diz respeito às imagens, estas foram peixes P.11 de difícil acesso, uma vez que são escassas, tanto em livros
O
CONTEÚDO DO
SERMÃO
DE
ANTÓNIO AOS PEIXES
ST. como na internet. Para finalizar, o trabalho em si não foi fácil, dada a sua extensão, mas “Quem quer passar além do Bojador/ Tem
i) Resumo de cada capítulo do que passar além da dor“, pois, de facto, “Tudo vale a Sermão de Sto. António aos pena/ Se a alma não é pequena.”. peixes P.12 ii) Crítica social presente no Sermão P.14 iii) Características do estilo vieirino P.13 CONCLUSÃO P.16 BIBLIOGRAFIA/WEBGRAFIA P.17
2
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, O HOMEM BREVE NOTA BIOGRÁFICA
V
ieira nasceu em 1608. Aos
Defende a não perseguição dos cristãos-
seis anos partiu para o
novos, custando-lhe o ódio da Inquisição.
Brasil.
D. João IV morre. Foi perseguido pelos
Frequentou o Colégio dos
apoiantes de D. Afonso VI. A Inquisição
Jesuítas, na Baía. Ingressou na Companhia de
prende-o até 1667, sob a acusação de heresia
Jesus, tornando-se sacerdote em 1634.
e crença messiânica.
Em 1641, vem a Lisboa homenagear D. João
Em 1675, o Papa liberta Vieira da Inquisição
IV. Torna-se seu confessor, conselheiro,
e regressa a Lisboa. Volta para a Baía, em
pregador da corte e embaixador na Europa.
1681, falecendo em 1697.
Intervém na política, pregando sobre a injustiça dos colonos no Brasil, face à exploração dos índios.
Danuta Wojciechowska, in Padre António Vieira. Col. Noes com História. Zero a Oito
3
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, O HOMEM
ANTÓNIO, in Atual (Expresso), 22 de dezembro de 2007
Pe. António Vieria, pintura de Carlos Peres Feio in http://carlosperesfeio.blogspot.pt
António Vieira numa pintura de Columbano Bordalo Pinheiro, nos Passos Perdidos da Assembleia da República in in PINTO, Elsa Costa, FONSECA,
Paula e BAPTISTA, Vera Saraiva. (2011). Plural 11. (1ª ed.).Lisboa Editora
4
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, O HOMEM BREVE NOTA INFORMATIVA SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DE VIEIRA PREGADOR E MISSIONÁRIO
Q
uando se ordenou, Vieira já
António Vieira vem de novo a Portugal,
surpreendia com a sua
para convencer o rei a decretar o fim da
oratória.
desumanidade vivida no Brasil.
Queria
ser
pregador, missionário.
O monarca entrega-lhe o decreto em que
Em 1624, os holandeses atacam a Baía.
os jesuítas passam a ter inteira jurisdição
Vieira coloca-se ao lado dos índios, para
sobre os índios. Consequentemente, as
os
defender
dos
vilipêndios. Em 1641, integrou a comitiva que veio a Portugal homenagear D. João IV. Assumiu
autoridades
O Pe. António Vieira pronunciou o Sermão de Santo António aos peixes na catedral de S. Luís. S. Luís. que
locais
jamais poderão intervir na missionarização. Em 1669, embarca para Roma,
onde
enorme
prestígio.
aí
alcança
pronuncia
Os
o papel de pregador régio.
sermões
Mais tarde, no Maranhão, dá-se conta do
excecionais e o Colégio dos Cardeais
caos moral, sobretudo dos brancos,
pede-lhe para pregar na sua presença.
preocupados com o enriquecimento. Os colonos declinavam interferência. Os índios viviam miseravelmente, à mercê dos colonos. Nos primeiros sermões, ataca a escravatura, que denuncia ao rei. Em vão. É preso, funda um hospital, reparte a sua alimentação, catequiza, fulmina o vício e a luxúria. Na catedral de S. Luís, pronunciará o Sermão de Santo António aos peixes – alegoria do modus vivendi na colónia. 5
Litografia representando o padre António Vieira a pregar aos índio in http://www.anovieirino.com
são
DL / 19 março a 1 abril de 2014
A ÉPOCA DO PE. ANTÓNIO VIEIRA: O SÉC. XVII BARROCO NA ARTE
o
1. A arte barroca surge em Itália, no século
momento
de
maior
dramatismo
XVII, como a arte da Contra-Reforma,
abandonando os princípios de simetria,
pela
proporção e harmonia.
necessidade
de
combater
o
Protestantismo e atrair mais fiéis às
6. Recorre ao movimento, à assimetria, aos
igrejas. Entendia-se que as obras de arte
recursos
deviam “falar” aos fiéis e dai o carácter
cenográficos,
às
formas
exuberantes, à luz e à sombra.
solene. 7. Na
Arquitetura,
a
principal
2. A arte barroca vai ser utilizada pela
característica é a nova concepção de
nobreza e monarcas absolutos como
espaço infinito e movimento contínuo.
ostentação e para demonstração da sua
Vai criar, nas igrejas, o ambiente para a
riqueza e poder.
exaltação católica e aparece um novo conceito
3. Em Portugal, desenvolve-se um pouco
de
cidade
como
símbolo
mais tarde do que no resto da Europa
religioso. As praças são centro de
porque, em 1580, Portugal perde a
referência dominadas por um edifício
autonomia e faz parte do reino de
principal, igreja ou palácio, decoradas
Espanha,
com fontes, obeliscos e estátuas. São
ficando
numa
situação
económica que não permitia desenvolver
planificadas
uma arte de luxos.
monumentais.
para
criar
Dominam
perspetivas as
linhas
curvas, elipses, parábolas, hipérboles, 4. Na Península Ibérica, evoluiu sobretudo
sinusóides, hélices, há a abundância de
a arte da talha que é um produto de
arcos de formas variadas e diferentes
douradores,
tipos de cúpulas. São usados suportes
marceneiros,
de
desenhadores e imaginários, que vai
dinâmicos (colunas sinusóides).
estar presente em toda a arte sacra da 8. A Pintura é marcada pela busca do
época.
efeito de ilusão, com pinturas nos tetos e 5. É uma arte de persuasão, que apela às
paredes dos palácios e igrejas. Os
emoções do espectador, tentando captar 6
DL / 19 março a 1 abril de 2014 artistas
pintam
cenas
e
elementos
Caracterizava-se por contrastes de luz e
(colunas,
escadas,
sombra. Possuía realismo formal com
balcões, degraus) que dão ilusão de
perfeição das formas. Utilizava-se a
movimento e ampliam o espaço, por
acentuação dos gestos e expressões
vezes, dando a impressão de que a
faciais e corporais, com representação de
pintura é a realidade e a parede não
posições em movimento.
arquitectónicos
existe. Há uma exploração do jogo de 10. Na Música foi o apogeu da música
luz e sombra.
instrumental. As músicas ficaram mais 9. Na Escultura a principal característica á a
omnipresença.
praticada
no
Foi a
período
arte
mais
ganhando
complexidade
de
variedade
e
performance
Era
instrumental. Surgiram novas formas
adaptada ao interior e exterior e possuía
musicais: a ópera barroca, a cantata e a
o
fuga.
realismo
barroco.
longas,
tridimensional.
Pierre Legros: A Religião derrotando a Heresia e o Ódio in http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Religion_Overthro wing_Heresy_and_Hatred_Legros.jpg
Pietro da Cortona: O triunfo da Divina Providência, 1633-1639 in http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5 1/Cortona_Triumph_of_Divine_Providence_01b.jpg
7
DL / 19 março a 1 abril de 2014
A ÉPOCA DO PE. ANTÓNIO VIEIRA: O SÉC. XVII BARROCO NA LITERATURA 1. Recebe a influência da Contra-Reforma.
- O conceptismo ocorre sobretudo na prosa e
Havia oposição entre os ideais da vida
é marcado pelo jogo de ideias e de conceitos, seguindo um raciocínio lógico.
eterna, em contraposição com a vida terrena. 2. O
estilo
6. A organização da frase obedece a uma barroco
é
decorrente da tensão oposição
entre
ordem rigorosa com o intuito de ensinar
conturbado,
e convencer.
causada pela
os
princípios
7. Na poesia, as temáticas mais frequentes
renascentistas e a época cristã.
eram: a efemeridade e fugacidade da vida; o desengano e ilusão da realidade;
3. As principais características são o
a obsessão pela morte; os motivos
dualismo e a fugacidade.
religiosos e históricos; o burlesco de - O dualismo é o conflito entre a herança
situações quotidianas e a sátira aos
religiosa e o espírito humanista e racional.
vícios da sociedade.
Esse é evidente na produção literária através do
contraste
de
imagens,
palavras
e
8. Na prosa foi a idade de ouro. Visava a
conceitos. Mas também há a tentativa de
propagação e a edificação religiosa.
conciliá-los.
Escreveram-se sermões, cartas e tratados
- Na fugacidade, tudo é passageiro e
moralistas.
instável, as pessoas, as coisas e o mundo 9. Em Portugal, os escritores que mais se
mudam.
destacaram foram Manuel Bernardes,
4. Usam-se recursos estilísticos como a
Frei António Chagas, D. Francisco de
metáfora, a antítese, o paradoxo, a
Melo (Carta de Guia de Casados), Padre
hipérbole e a prosopopeia.
António Vieira e Rodrigues Lobo. 5. Utiliza-se o cultismo e o conceptismo.
10. Padre António Vieira surge como um
- O cultismo usa linguagem rebuscada,
dos maiores vultos da prosa religiosa e
extravagante, repleta de jogos de palavras e
desenvolveu a teoria do Quinto Império.
uso abusivo de figuras de retórica. 8
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, A OBRA O TIPO DE TEXTO “SERMÃO” DO SÉCULO XVII
N
o
século
XVII,
o
e exemplos para comprovar a tese. E, por
sermão era o género
fim, na peroração ou conclusão, tem de
literário predominante
existir
por ser a base da mais
impressionar o auditório e levá-lo a pôr
um
desfecho
em
O sermão clássico é uma argumentação,
apresentados.
composto
de exórdio, exposição e
O púlpito tornou-se a tribuna ideal para
peroração. No exórdio ou introdução, o
a crítica à vida pública, sendo um lugar
pregador expõe a sua tese ou conceito
único onde os padres podiam falar,
predicável.
criticar e acusar livremente, um dos
exposição
ou
no
desenvolvimento utilizam-se argumentos
últimos
locais
os
de
importante cerimónia social: a pregação.
Na
prática
capaz
com
ensinamentos
liberdade
de
expressão, algo que não existia na época, devido
à
dominação
filipina
e
à
Inquisição. Concluindo, através da pregação do sermão, a palavra do orador atinge todas as camadas sociais.
“Santo António a pregar aos peixes”, pintura de Júlio Pomar in PINTO, Elsa Costa, FONSECA, Paula e BAPTISTA, Vera Saraiva. (2011). Plural 11. (1ª ed.).Lisboa Editora
9
Caricatura de Pe. António Vieira, in http://www.luso-livros.net/
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, A OBRA OS OBJETIVOS DA ELOQUÊNCIA:
DOCERE, DELECTARE, MOVERE
A
eloquência é a arte de bem
seu interesse e atenção (delectare); e,
falar e possui três funções
finalmente, influenciar o comportamento
oratórias: docere, delectare e movere,
do auditório, fazendo-o sentir-se como
isto é, ensinar, deleitar e persuadir.
parte do problema e, também, como
Estes conceitos, que estão bem presentes
parte da solução, apelando às suas
na tipologia textual que é o sermão, têm
emoções (movere).
como finalidade ensinar, explicando e
Em suma, os objetivos da eloquência,
expondo argumentos, tendo o sermão
que estão subjacentes no sermão, servem
uma profunda vertente didática (docere);
para levar o auditório à reflexão, à ação
agradar ao público, de forma a captar o
e à mudança.
Postal “Conheça a sua história - O Padre António Vieira”. Coleção de sócio in http://filatelica.aac.uc.pt/padreantoniovieira.php
10
DL / 19 março a 1 abril de 2014
PADRE ANTÓNIO VIEIRA, A OBRA ONDE, QUANDO E PORQUE É QUE FOI ESCRITO O
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
O
Sermão António
aos
de
Santo
Peixes
Vieira imitá-lo-á, visto que também não é
foi
ouvido
pelos
colonos
do
Maranhão,
proferido no Maranhão pelo padre António
exploradores dos ameríndios e dos escravos
Vieira a 13 junho, dia de Santo António, em
negros. À semelhança do santo que tanto
1654.
venera, falará aos “peixes” – alegoria dos
O sermão inspira-se na lenda em que Santo
colonos.
António, numa das pregações destinadas a
Finalizando, por se ter empenhado na defesa
emendar os homens, decide falar aos peixes
das minorias, deixou profundos traços de
ao constatar que aqueles não lhe prestam
humanismo nos seus trabalhos literários.
atenção. .
André Letria, in Sermão de Santo António aos Peixes, Sol/Quasi
In http://bibesjcp.no.sapo.pt/PAV_SAP.jp g
11
DL / 19 março a 1 abril de 2014
A ESTRUTURA ARGUMENTATIVA DO SERMÃO DE
SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
O
O Sermão de Santo
moradores do Maranhão, mas também o
António aos Peixes é
capítulo IV, em que se expõe o tema, as
uma obra alegórica que
ideias e o seu desenvolvimento, com
critica o homem. É composto por seis
inúmeros argumentos apresentados: vícios e
capítulos, inseridos na estrutura clássica do
defeitos dos peixes, em geral, e o capítulo
sermão: exórdio, exposição e confirmação, e
V, em que critica os peixes, descendo ao
peroração.
particular.
O capítulo I está integrado no exórdio, onde
Na peroração, que contém o capítulo final,
se apresenta o conceito predicável “vós sois
utiliza-se
o sal da terra”.
impressionar o auditório.
Da exposição fazem parte o capítulo II, onde
Conclui-se com uma advertência aos peixes,
se referenciam as obrigações do sal e as
um retrato do próprio pregador como
virtudes dos peixes, em geral, e o capítulo
pecador e um hino de louvor (“Como não
III, que apresenta as virtudes dos peixes, em
sois capazes de Glória, nem de Graça, não
particular. Na confirmação, não só está
acaba o vosso Sermão em Graça e
presente este último capítulo, que inicia a
Glória.”).
argumentação
um
com uma apóstrofe aos
Gonçalo Viana, in Visão, nº 846, 21 de maio de 2009
12
desfecho
forte
para
DL / 19 março a 1 abril de 2014
O CONTEÚDO DO SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES RESUMO DE CADA CAPÍTULO DA OBRA
O sermão tem seis capítulos.
N "vos
estis
o capítulo I, Vieira
No Capítulo IV, são apresentadas as
apresenta o assunto do
repreensões
sermão. A partir do
ignorantes, cegos e vaidosos, comem-se
conceito
predicável
uns aos outros, com a agravante de
procura-se
serem sempre e continuadamente os
sal
terrae”
a
aos
peixes
comerem
em
os
geral:
encontrar a razão pela qual a corrupção
grandes
pequenos.
persiste, indagando se esta se deve aos
Através destas críticas, estabelece-se
pregadores ou/e aos ouvintes.
também uma analogia com os homens,
No capítulo II, é retomado o conceito
onde se critica a “antropofagia social” e
predicável – Propriedades do sal –
a “vaidade no vestuário”.
“conservar o são e preservá-lo para que
No capítulo V,
se não corrompa.” Relaciona, ainda, as
assiste-se
ao
referidas propriedades do sal com as
enumerar
dos
propriedades das pregações de Santo
defeitos
dos
António. Além disso, são feitos os
peixes
em
louvores aos peixes em geral: bons
particular,
que
ouvintes, obedientes, tranquilos, devotos
representam
e prudentes.
humanos. A sua escolha recai também
No Capítulo III, menciona as virtudes
sobre
quatro
os
André Letria, in Sermão de Santo António aos Peixes, Sol/Quasi
diversos
peixes:
o
defeitos
voador,
caracterizado pela ambição e presunção,
dos peixes em particular, escolhendo quatro exemplos: o peixe de Tobias (o
os roncadores que são arrogantes, os
poder curativo), a rémora (a força e a
pegadores marcados pela dependência e
determinação), o torpedo (a energia) e o
oportunismo e, finalmente, o polvo, traidor e hipócrita.
quatro-olhos (a vigilância).
As atitudes tomadas 13
DL / 19 março a 1 abril de 2014 por Sto. António reúnem a solução para
O CONTEÚDO DO
sanar estes defeitos. Finalmente,
no
capítulo
VI,
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
que
corresponde à peroração, salientam-se
CARACTERÍSTICAS DO
dois aspectos fundamentais: a condição
ESTILO VIEIRINO
dos peixes, apesar da sua exclusão como objeto de sacrifício a Deus, é superior à dos outros animais, pois, embora não
PARALELISMO E ANÁFORA
Lhe ofereçam o sangue e a vida, sacrificam-Lhe o respeito e a reverência.
Ou é porque o sal não salga, ou porque
E os peixes estão acima do próprio
a terra se não deixa salgar.
pregador.
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não
O CONTEÚDO DO SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES
deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhe dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os
CRÍTICA SOCIAL NELE
pregadores dizem uma coisa e fazem
PRESENTE
outra, ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que
“Entre todas as injustiças, nenhumas
dizem.
clamam tanto ao Céu como as que
Ou é porque o sal não salga, e os
tiram a liberdade aos que nasceram
pregadores se pregam a si e não a
livres e as que não pagam o suor aos
Cristo, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a
que trabalham.
Cristo, servem os seus apetites.
Padre António Vieira, In: Cartas
14
DL / 19 março a 1 abril de 2014
O
Sermão objetiva a denúncia do drama
APÓSTROFE
dos índios.
Já que me não querem ouvir os exórdio,
homens, ouçam-me os peixes. Oh
apresenta-se o tema: a necessidade de os
maravilhas do Altíssimo! Oh poderes
colonos
conduta
do que criou o mar e a terra!
desumana. As qualidades dos peixes
Começam a ferver as ondas, começam
estabelecem uma relação antitética com
a concorrer os peixes, os grandes, os
os defeitos humanos (“os peixes ouvem e
maiores, os pequenos, e postos todos
não falam”), colocando o homem nos
por sua ordem com as cabeças de fora
antípodas.
da água, António pregava e eles
A referência às naus retrata uma
ouviam.
alterarem
No
a
sua
panóplia de vícios humanos. Quando o orador reporta que os peixes grandes comem os pequenos, metaforicamente,
GRADAÇÃO E ENUMERAÇÃO
coloca a tónica na antropofagia social. A Terra assemelha-se a um açougue. Os homens também se comem inter pares,
Vede um homem desses, que andam
porque cobiçam os bens mútuos. (“Pois
perseguidos de pleitos, ou acusados
tudo aquilo é (…) os homens como hão-
de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-
de comer.”). A senda da sua crítica social continua,
o o carcereiro, come-o o escrivão,
enfatizando que os homens valorizam
come-o o solicitador, come-o o
um retalho de pano, pois os bens
advogado,
“Lamentavelmente, as suas incidências, são intemporais”
materiais
são
epicentro
de
o
inquiridor,
come-o a testemunha, come-o o julgador,
e
ainda
não
está
sentenciado, e já está comido. São
discórdias (“Pode
come-o
piores os homens que os corvos.
haver maior
ignorância e (…) cegueira?”). Aquando do roncador, expõe os homens arrogantes. No tocante ao pegador, critica o parasitismo. Quanto ao voador, 15
DL / 19 março a 1 abril de 2014 metaforiza o humano ambicioso e o polvo representa a traição. Concluindo, nenhum humano corrupto escapou ao olhar radiográfico deste padre visionário. Lamentavelmente, as suas incidências são intemporais, pois, no início do século XXI, a ”feira das vaidades” continua a ser o Leitmotiv do “cego” humano. Até quando?
IRONIA Ah
CONCLUSÃO
moradores
caso!
entranhas;
ícone
da
Maranhão,
quanto eu vos pudera agora dizer neste
F
do
Abri, vede,
abri
estas
vede
este
inalizado o caminho percorrido ao
coração. Mas ah sim, que me não
longo deste trabalho, constatámos
lembrava! Eu não vos prego a vós,
que o Padre
prego aos peixes.
António Vieira é
passível de ser considerado, não só um literatura
nacional,
como
da
COMPARAÇÃO
internacional. Autor de um número considerável
Se as baleias roncaram, tinha mais
de obras (sermões, cartas, etc…), todas são
desculpa a sua arrogância na sua
cunhadas com a sua marca singular, orientada
grandeza. Mas ainda nas mesmas
para a correção das imperfeições humanas.
baleias não seria essa arrogância
Com toda a legitimidade, podemos afirmar que
segura. O que é a baleia entre os
este padre viveu no seu tempo fora dele, por ser
peixes, era o gigante Golias entre
visionário e merecedor de um quinto império que
os homens.
tanto profetizou, quanto mais não seja o império da palavra pregada, que é dele por direito.
In http://porterrassefarad.blogspot.pt
Pacotes de açucar, coleção Delta in http://prosimetron.blogspot.pt/2013/02/pacotes-deacucar-54.html
16
DL / 19 março a 1 abril de 2014
BIBLIOGRAFIA/ WEBGAFIA MAGALHÃES, Olga e COSTA, Fernanda. (2011). Entre Margens – Português 11º Ano. (1ª ed.). Porto: Porto Editora PINTO, Elsa Costa, FONSECA, Paula e BAPTISTA, Vera Saraiva. (2011). Plural 11. (1ª ed.).Lisboa Editora http://www.infopedia.pt/$triunfo-dohttps://www.infopedia.pt/$padre-antonio-vieira,2 http://www.clpic.uni-hamburg.de/pt http://atena2010.wordpress.com/2011/05/23/sermao-de-santo-antonio-aos-peixes-antonio-vieira/ http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm http://www.ipav.pt/index.php/vieira
In http://salisterrae.blogspot.pt/2012/11/biografia-de-padre-antoniovieira.html
17