Transtorno Bipolar - Cap. 1

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1 Descrição Muitas pessoas que recebem o diagnóstico de transtorno bipolar são inicialmente encaminhadas para o tratamento medicamentoso, com pouca ou nenhuma proposta de tratamento psicossocial. Muitos terapeutas questionam a própria capacidade de tratar o transtorno bipolar, pelo fato de conhecerem de forma detalhada os potenciais riscos, e aceitam desse modo, corretamente, que o tratamento medicamentoso é a primeira linha. A resistência de tratar esse transtorno tem aumentado as inseguranças dos terapeutas quanto ao tratamento do transtorno afetivo bipolar no consultório particular. Quando se considera, porém, quantos aspectos da vida e do bem-estar são influenciados pelo transtorno bipolar, parece que seria o transtorno perfeito para abordagens psicossociais. De fato, nossa experiência pessoal sugere que, se nós nos equipamos com humildade, reconhecendo a severidade dos desafios, e com as ferramentas adequadas, é uma experiência muito gratificante ajudar as pessoas com o transtorno bipolar a reconquistar a sensação de controle, promover o conhecimento do transtorno e os fatores desencadeantes e achar caminhos para reconstruir domínios da vida que foram afetados pelos episódios anteriores. Este livro tenta proporcionar uma base firme e um contexto adequado para que o clínico realize esse trabalho. Como o diagnóstico exato é o pré-requisito para um tratamento bem-sucedido, vamos começar considerando a quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (Diagnostic and statistical manual of mental disorders), o DSM-5(APA, 2013), com atenção especial aos diagnósticos diferenciais e suas implicações para a prática clínica. Com embasamento científico cada vez maior para a sobreposição genética entre esquizofrenia e o transtorno bipolar, o DSM-5 criou o capítulo específico de “Transtorno Bipolar e Transtornos Associados”. Alguns pequenos ajustes feitos nos critérios diagnósticos são discutidos a seguir e ao longo do livro, sempre considerando a melhor evidência disponível.

1.1 Terminologia O transtorno afetivo bipolar (TAB), anteriormente chamado de doença maníaco-depressiva, é um transtorno do humor definido por sintomas maníacos de gravidade variada. A maioria das pessoas com TAB também experimentam sintomas depressivos. Sintomas maníacos podem envolver alteração de energia, da impulsividade, do comportamento e

Medicação com tratamento psicossocial, na maioria dos casos, é o ideal


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da cognição. O TAB geralmente é caracterizado por um curso episódico ao longo da vida, resultando em prejuízo importante no funcionamento social, interpessoal e ocupacional. Emil Kraepelin (1921) reuniu uma série de observações sólidas relativas à apresentação e ao curso da doença em pacientes com doença maníaco-depressiva, e muitos dos sintomas maníacos observados por ele continuam fazendo parte do diagnóstico. O DSM-5 (APA, 2013) e a CID (Classificação Internacional de Doenças) da OMS (Organização Mundial de Saúde) (Maier & Sandmann, 1993) são os dois maiores sistemas usados internacionalmente. No DSM-5, os transtornos bipolares são agrupados nas seguintes categorias, que são mutuamente excludentes, dependendo da gravidade e da duração dos sintomas ao longo da vida. ■■ O transtorno afetivo bipolar tipo 1 (TAB 1) é caracterizado por, pelo menos, um episódio maníaco ao longo da vida. Os episódios maníacos, por sua vez, são determinados por sintomas maníacos de gravidade suficiente para causar impacto importante no funcionamento social e ocupacional, podendo resultar em hospitalização psiquiátrica ou psicose. ■■ O transtorno afetivo bipolar tipo 2 (TAB 2) é caracterizado por, pelo menos, um episódio hipomaníaco, além de um ou mais episódios depressivos maiores ao longo da vida. Episódios hipomaníacos são determinados por sintomas do tipo maníaco e sua duração e severidade não são suficientes para causar impacto social ou ocupacional importante, não resultando em hospitalização ou psicose. Episódios depressivos podem ser associados a sintomas psicóticos, porém isso não é observado na mesma frequência que em pacientes com depressão no TAB 1. ■■ O transtorno ciclotímico é caracterizado por instabilidade de humor ao longo de um período de dois anos (ou um ano em crianças e adolescentes), apresentando sintomas hipomaníacos e depressivos que não satisfazem os critérios para um episódio maníaco ou um episódio depressivo maior. ■■ O transtorno afetivo bipolar induzido por substância/medicamento e transtorno associado é definido por sintomas de humor que são desencadeados pelo uso ou pela descontinuação de substâncias. ■■ O transtorno bipolar e transtorno associado, devido a outra condição médica, é definido por sintomas do tipo maníaco que aparentemente são consequências de outra condição médica. ■■ Outro transtorno bipolar e transtorno relacionado especificado substituiu a categoria “Não especificado de outra maneira” do DSM-IV-TR (4a ed.) (APA, 2000). Essa categoria agora é usada para designar quatro subcategorias que não preenchem os critérios para um dos


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transtornos listados acima: episódios hipomaníacos de duração curta (2-3 dias) e episódios depressivos maiores; episódios hipomaníacos com número de sintomas insuficiente e episódios depressivos maiores; episódios hipomaníacos sem histórico de episódios depressivos maiores; e ciclotimia de curta duração (menos de 24 meses). ■■ O transtorno bipolar e transtorno relacionado não especificado foi concebido para o uso provisório, quando não há informação suficiente, mas há alta suspeita de que a pessoa apresente um histórico de sintomas maníacos. Os especificadores mudaram significativamente no DSM-5 e são usados para descrever elementos importantes da apresentação ou do curso da doença. A maioria dos especificadores é usada para os TAB 1 e TAB 2 e alguns são aplicáveis a outros transtornos bipolares. Os especificadores atuais incluem: ■■ Com sintomas ansiosos (novo no DSM-5). ■■ Com características mistas (novo no DSM-5, referem-se a episódios maníacos, hipomaníacos e depressivos). ■■ Com ciclagem rápida. ■■ Com características melancólicas. ■■ Com características atípicas. ■■ Com características psicóticas (podem ser congruentes ou não com o humor). ■■ Com catatonia. ■■ Com início no periparto (que agora inclui periparto e pós-parto até quatro semanas do parto). ■■ Com padrão sazonal (agora usado para sintomas depressivos, hipomaníacos e maníacos). ■■ Especificadores do curso: ■■ Em remissão parcial ou remissão completa. ■■ Gravidade leve, moderada ou grave. Os especificadores mudaram significativamente no DSM-5, em comparação ao DSM-IV-TR. O novo especificador das características mistas é uma mudança importante no DSM-5. Como melhoria em comparação ao DSM-IV-TR, sintomas como irritabilidade, distratibilidade e agitação, que são frequentes em mania e depressão, não entram mais no critério do especificador de características mistas. É muito importante detectar estados mistos, pois eles apresentam maior risco de comportamento suicida. Aumento de energia durante um período depressivo poderia fomentar comportamentos impulsivos.

O novo especificador de características mistas, uma mudança importante no DSM-5


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1.2 Definição A Tabela 1 apresenta os critérios de um episódio maníaco ou hipomaníaco, conforme descrito no DSM-5. Aumento da atividade ou energia foi adicionado como sintoma cardinal no DSM-5, em parte porque pode ser relatado de forma mais confiável que alterações do humor.

Tabela 1. Critérios de episódio maníaco e hipomaníaco, conforme DSM-5 A. Um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável e aumento anormal e persistente da atividade. B. Durante esse período três (ou mais) dos seguintes sintomas (quatro se o humor é apenas irritável) estão presentes em grau significativo e representam uma mudança notável do comportamento habitual: 1. Autoestima inflada. 2. Redução da necessidade de sono (p. ex., sente-se descansado com apenas três horas de sono). 3. Mais falante que o habitual ou pressão de fala. 4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados. 5. Distratibilidade (i.e., a atenção é desviada muito facilmente por estímulos externos insignificantes ou irrelevantes). 6. Aumento da atividade dirigida a objetivos (seja socialmente, no trabalho ou escola, seja sexualmente) ou agitação psicomotora. 7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas (p. ex., envolvimento em surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros insensatos). C. O episódio não é atribuível aos efeitos de uma substância (p. ex., abuso de droga, medicamento antidepressivo, outro tratamento) ou a outra condição médica (p.ex. hipertireoidismo), com exceção de persistência dos sintomas após a retirada de agentes somáticos. D. Os sintomas estão presentes na maior parte do dia, quase todos os dias. Para o episódio maníaco: Os sintomas estão presentes 1 semana (ou menos se houve necessidade de hospitalização). Os sintomas causam prejuízo social, ou ocupacional importante, requerem hospitalização ou incluem características psicóticas. Para o episódio hipomaníaco Os sintomas estão presentes por 4 dias contínuos. A mudança de funcionamento é inequívoca, mas não causa prejuízo importante ou necessidade de hospitalização. Os sintomas psicóticos não estão presentes. Fonte: adaptada da APA (2013).

Os critérios do TAB 2 requerem a presença de pelo menos um episódio de depressão maior. A Tabela 2 apresenta os critérios diagnósticos para um episódio depressivo maior, segundo o DSM-5. Embora o diagnóstico de TAB 1 não precise da presença de episódios depressivos maiores, a maioria das pessoas que experimentam epi-


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sódios maníacos ao longo da vida irá experimentar pelo menos um ou mais episódios de depressão ao longo da sua vida. Teoricamente, episódios depressivos e maníacos podem ocorrer ao mesmo tempo e de fato isso acontece. Neste caso, o especificador de características mistas é usado quando pelo menos três sintomas do outro polo estão presentes (ver Tabela 3). Ao longo do tempo, o DSM deu mais atenção para os transtornos do espectro bipolar. O transtorno ciclotímico foi introduzido no DSM-III e o TAB 2 foi introduzido no DSM-IV. Como o TAB 1, ambos são considerados transtornos crônicos. A detecção exata de transtornos do espectro bipolar necessita da observação de flutuações no decorrer do tempo. O TAB 2 não é somente uma versão light ou sublimiar do TAB 1. Essa condição é estável ao longo do tempo e inclui episódios depressivos importantes com prejuízo funcional e probabilidade de suicídio comparável ao TAB 1 (Merikangas et al., 2011). Como será discutido à frente, há consideravelmente menos evidência relativa ao tratamento do TAB 2. Como ocorre em outras formas de TAB, o transtorno ciclotímico é associado a um prognóstico ruim. Jovens com transtorno ciclotímico têm menos qualidade de vida que jovens com outras doenças médicas graves (Freeman et al., 2009). Dois estudos sugerem que a terapia comportamental-cognitiva pode ser promissora para melhorar o prognóstico e a qualidade de vida (Van Meter & Youngstrom, 2012). Tabela 2. Critérios de episódio depressivo maior, conforme DSM-5 A. Humor deprimido ou perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades. B. Pelo menos quatro dos seguintes sintomas estão presentes durante o período de humor deprimido ou perda de interesse: 1. Perda ou ganho significativo de peso. 2. Insônia ou hipersonia. 3. Agitação ou lentificação psicomotora observável por outras pessoas. 4. Fadiga ou perda de energia. 5. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada. 6. Capacidade diminuída de pensar, tomar decisões ou se concentrar. 7. Pensamentos recorrentes de morte ou suícidio, ou planejamento suicida ou tentativa de suicídio. C. Os sintomas causam sofrimento ou prejuízo significativo. D. O episódio não é atribuível aos efeitos de uma substância ou a outra condição médica. E. Os sintomas estão presentes quase todos os dias, na maior parte do dia, por, pelo menos, duas semanas. Fonte: adaptada da APA (2013).

O TAB 2 não é uma forma mais amena do TAB 1


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Tabela 3. Critérios do especificador de características mistas, conforme DSM-5 Episódio maníaco ou hipomaníaco com características mistas: Pelo menos três dos sintomas a seguir estão presentes na maioria dos dias durante o episódio: 1. Disforia ou humor deprimido. 2. Interesse ou prazer diminuído. 3. Lentificação psicomotora. 4. Fadiga ou perda de energia. 5. Sentimentos de inutilidade ou de culpa excessiva. 6. Pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida recorrente, planejamento suicida ou tentativa de suicídio. Episódio depressivo com características mistas: Pelo menos três dos sintomas a seguir estão presentes na maioria dos dias durante o episódio: 1. Humor elevado ou expansivo. 2. Autoestima inflada ou grandiosidade. 3. Mais falante que o habitual ou pressão de fala 4. Fuga de ideias ou pensamentos acelerados. 5. Aumento na energia ou na atividade dirigida a objetivos ou agitação psicomotora. 6. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas. 7. Redução da necessidade de sono. Fonte: adaptada de APA (2013).

1.2.1

Considerações adicionais para a classificação e o diagnóstico dos transtornos bipolares

A abordagem utilizada pelo DSM-5 foi criticada porque o limiar diagnóstico quanto ao número e a duração dos sintomas foi definido de modo arbitrário. Estudos recentes apresentam evidências para alguns dos limiares definidos, como a duração de quatro dias para o diagnóstico de episódios hipomaníacos (Miller et al., 2016). Indivíduos que não atingem os limiares diagnósticos para hipomania, mas cujos sintomas ainda assim causam estresse ou prejuízo importante, podem ser diagnosticados com “outro transtorno bipolar especificado ou transtorno associado”. Variantes sublimiares como essa talvez sejam frequentes em pacientes com depressão. Até 40% dos pacientes que apresentam um episódio depressivo maior experimentam pelo menos um sintoma hipomaníaco e até 20% experimentam pelo menos dois sintomas (Zimmerman et al., 2009). A detecção de tais sintomas pode ser aperfeiçoada por avaliações dimensionais da gravidade relativa dos sintomas maníacos (como também dos sintomas depressivos), que discutiremos em seguida. Embora exista a preocupação de que os clínicos possam desconsiderar esses sintomas subsindrômicos importantes, a taxa de diagnóstico de TAB tem aumentado de forma maciça. Esse aumento no diagnóstico é particularmente observado em jovens nos Estados Unidos, onde a taxa de diagnóstico de TAB entre 1994 e 2003 aumentou 40 vezes em pa-


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cientes com menos de 18 anos (Moreno et al., 2007). Dois estudos têm demonstrado que de um terço até metade dos indivíduos diagnosticados com TAB não preenche os critérios quando se aplica uma entrevista diagnóstica estruturada criteriosa (Zimmerman et al., 2010). Uma vez que identificado com TAB, o paciente geralmente mantém esse diagnóstico por muito tempo no prontuário. Um diagnóstico incorreto pode levar ao uso inadequado de medicação, estigma e pode levar ao tratamento inadequado, como diminuição de acesso à medicação antidepressiva. Portanto, uma das metas deste livro é proporcionar orientações cuidadosas para o diagnóstico preciso. Os clínicos devem considerar sintomas hipomaníacos que trazem sofrimento ou prejuízo, mesmo quando não ultrapassam o limiar para hipomania, da mesma forma que é importante evitar diagnosticar o TAB de modo exagerado. No DSM-5 foi feito um esforço para aumentar a especificidade diagnóstica sem perda de sensibilidade, por exemplo, pela adição do aumento da atividade ao critério A da mania e hipomania. Esperava-se que a inclusão de uma gama maior de sintomas pelo especificador de características mistas fosse aumentar a confiabilidade diagnóstica.

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Especificidade e validade diagnóstica é uma preocupação

1.3 Epidemiologia Como mencionado anteriormente, os transtornos do espectro bipolar são mais comuns do que o TAB 1. A Organização Mundial da Saúde oferece a mais ampla pesquisa disponível sobre a prevalência de TAB no estudo World Mental Health Survey Initiative. Nessa amostra representativa de 61.392 adultos em 11 países foi avaliada a prevalência vitalícia de 0,6% para TAB 1, 0,4% para TAB 2, e 1,4% para TAB sublimiar. Há um debate sobre o quão comum essas variantes sublimiares são, e alguns argumentam que as variantes de TAB, que não sejam TAB 1 e TAB 2, atinjam 2%–4% ou mais pessoas dependendo da definição e da amostra (Regeer et al., 2004). Nos Estados Unidos, as estimativas de prevalência são maiores: 1,0% para TAB 1, 1,1% para TAB 2 e 2,4% para TAB sublimiar (Merikangas et al., 2007). Sabemos relativamente pouco sobre a autenticidade das diferenças internacionais. É importante considerar que a cultura influencia o estigma, a aceitação de problemas de saúde mental e a facilidade na discussão de sintomas. As diferenças internacionais na prevalência dos transtornos bipolares têm sido associadas com o consumo de óleo de peixe (Noaghiul & Hibbeln, 2003) e com a ênfase cultural no individualismo (Johnson & Johnson, 2014a). Ao contrário da depressão unipolar, que afeta quase duas vezes mais mulheres que homens, ambos têm a mesma chance de serem portadores de TAB 1, embora as taxas sugiram que mulheres têm maior chance de serem diagnosticadas com TAB 2. De maneira geral, entre os pacientes diagnosticados com TAB, as mulheres experimentam mais episódios depressivos que os homens e por isso têm maior probabilidade de procurar tratamento.

Estigma cultural é um fator que contribui para o diagnóstico insuficiente


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Existem diferenças culturais importantes no tratamento

Diferenças culturais influenciam no diagnóstico e no tratamento

Transtorno bipolar

O início do TAB tende a ocorrer por volta dos 18-20 anos, e cerca de 50% experimentam seu primeiro episódio antes dessa idade. O início em indivíduos acima de 50 anos de idade é raro, mas quando é observado torna-se obrigatória uma avaliação minuciosa de causas somáticas, como problemas metabólicos ou neurológicos. O início pré-púbere e na primeira adolescência é observado, sendo mais comum entre pacientes com história familiar de alterações do humor (Rihmer & Angst, 2005). O surgimento precoce é associado com maior dificuldade em completar o ensino, o que prejudica a realização profissional ao longo da vida. O surgimento precoce também é associado com maior taxa de recorrência, de comorbidade psiquiátrica e de suicídio (Perlis et al., 2004). Diferenças culturais não foram avaliadas completamente no TAB. Embora a prevalência não pareça variar na raça ou etnia, existem considerações quanto ao diagnóstico errôneo e ao tratamento insuficiente em minorias. Muitos estudos sugerem que negros com TAB nos Estados Unidos têm alta chance de serem diagnosticados com esquizofrenia (Snowden, 2001). Nos Estados Unidos, em uma amostra representativa, constatou-se que nenhuma pessoa negra diagnosticada com TAB 1 recebeu tratamento adequado (Johnson & Johnson, 2014b) e que pacientes hispânicos não brancos tiveram chance baixa de receber tratamento adequado (Salcedo, McMaster, & Johnson, 2017). O tratamento precário das minorias não parece apenas refletir características dos pacientes, como a situação do seguro de saúde ou a vontade de procurar tratamento, sugerindo que possa existir um viés sistemático por parte do provedor no diagnóstico e na escolha do tratamento. A tendência para diagnósticos equivocados em minorias pode ser diminuída aplicando-se ferramentas de avaliação sistemática rigorosa. Dada a influência cultural na expressão e regulação emocional, em padrões de sono, na realização individualista, na vontade de procurar ajuda e nas expectativas do tratamento, essa parece uma área importante para a pesquisa atual. O TAB é uma causa importante de incapacidade (Thomas, 2004). Como esperado, é enorme a sobrecarga econômica às famílias, aos programas de saúde mental e à indústria. Alguns autores argumentam que o TAB seria o transtorno psiquiátrico mais oneroso nos Estados Unidos (Peele, Xu, & Kupfer, 2003). Embora os familiares dos pacientes com TAB frequentemente sejam bem-sucedidos (Johnson, Edge, Holmes, & Carver, 2012; Kyaga, Lichtenstein, Boman, & Landen, 2015), os efeitos dos episódios recorrentes prejudicam a carreira e o emprego. Mais de dois terços dos indivíduos com mania não conseguem retornar ao trabalho no ano da hospitalização (Harrow, Goldberg, Grossman, & Meltzer, 1990) e, em média, os com TAB (1 ou 2) são incapazes de trabalhar por mais de dois meses por ano (Kessler et al., 2006). Da mesma forma, o TAB está relacionado com um risco maior de desemprego, pobreza e moradia em situação de rua. Esses riscos podem ser particularmente altos


1. Descrição

em pacientes com TAB 1 (Rihmer & Angst, 2005). Mesmo assim, tanto para TAB 1 quanto para TAB 2, a gravidade da depressão é um preditor importante para o prejuízo no funcionamento (Judd et al., 2005; Kessler et al., 2006). O ônus psicológico para as famílias e amigos dos pacientes bipolares é de suma importância. Muitas vezes o estresse econômico e emocional de lidar com esses sintomas torna se tão grande que familiares e pessoas queridas são sobrecarregados em algum momento. Abordar esse custo social e ocupacional do TAB é uma das principais metas da psicoterapia para o TAB.

1.4

19 O TAB é uma causa importante de incapacidade

Curso e prognóstico

O curso do TAB varia entre indivíduos e ao longo do tempo, mas também pelo subtipo do transtorno. Episódios podem variar na duração entre dias até meses, e na frequência, de um episódio único durante a vida até uma ciclagem rápida de mania e depressão em um período 24 horas. O grau de gravidade dos sintomas depressivos e maníacos pode abranger perturbações menores no funcionamento até prejuízo importante com características psicóticas. Os transtornos do espectro bipolar podem diferir majoritariamente em depressivos ou maníacos. O TAB 1 e o TAB 2 apresentam não só similaridades, como também diferenças. Por exemplo, em um estudo prospectivo multicêntrico e longitudinal ao longo de dez anos (Judd et al., 2003), o TAB 1 e o TAB 2 foram definidos por características demográficas emelhantes, altas taxas de abuso de substância e de transtornos ansiosos e sintomas depressivos subsindrômicos persistentes, que foram uma preocupação dominante. No entanto, muitas diferenças foram observadas entre os dois subtipos. O transtorno por abuso de substância foi mais frequente no TAB 1 que no TAB 2. Ao contrário do que se possa imaginar, o TAB 2 foi associado a episódios de humor um pouco mais frequentes e mais longos, inclusive mais depressão subsindrômica que o TAB 1, resultando em menos semanas boas (46% versus 53%). Essas observações demonstram a necessidade de tratar de forma agressiva tanto o TAB 2 quanto o TAB 1. Pacientes diagnosticados com TAB geralmente experimentam episódios de humor recorrentes durante a vida, mesmo com tratamento farmacológico otimizado. A recorrência de recaídas e os sintomas subsindrômicos persistentes atrapalham o funcionamento diário de muitos pacientes. Os transtornos comórbidos pioram esse prognóstico ainda mais. Sem tratamento, esse transtorno pode ser especialmente devastador, resultando em graves distúrbios do funcionamento que vêm acompanhados da perda de amigos, de família e de dinheiro. A importância desses problemas é ilustrada nos achados da Stanley Foundation Bipolar Network (Post et al., 2003). Esse programa multicêntrico implementou estratégias farmacoterápicas agressivas e altamente flexíveis para tratar transtornos do humor e outros transtornos comórbidos. Os pesquisado-

O TAB 2 é associado com depressão subsindrômica importante


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Mesmo com tratamento medicamentoso otimizado ainda podem sobrar sintomas

O tratamento psicossocial pode melhorar a qualidade de vida e reduzir as recaídas

Transtorno bipolar

res acompanharam mais de 600 pacientes durante 30 meses, utilizando a metodologia NIMH-Life Chart (Planilha da Vida do Instituto Nacional da Saúde Mental) (Denticoff et al., 2000). Dois terços dos pacientes ambulatoriais com TAB continuaram apresentando sintomas. Mesmo quando os pesquisadores, de forma cuidadosa, documentaram níveis séricos adequados de lítio, a taxa de recaída continuou alta (Keller et al., 1992). Até com tratamento medicamentoso otimizado, muitos pacientes relatam inquietação com a possibilidade de ressurgimento de sintomas, e a taxa de hospitalização é alta demais. Embora a medicação seja a pedra fundamental do tratamento do TAB, modalidades adicionais de tratamento são necessárias. A principal preocupação com o TAB é o suicídio. Pessoas com TAB têm chance de 20-30 vezes maior de morrer por suicídio do que a população geral (Pompili et al., 2013; Schaffer et al., 2015), e tem sido sugerido que o TAB seria a condição psiquiátrica com a maior taxa de suicídio (Ilgen et al., 2010; Nordentoft, Mortensen, & Petersen, 2011). Em um estudo norte-americano que acompanhou pessoas por 36 anos após seu primeiro tratamento psiquiátrico 8% dos homens e 5% das mulheres com diagnóstico de TAB suicidaram-se (Nordentoft et al., 2011). Mais da metade dos pacientes com TAB relatam ideação suicida nos primeiros 12 meses e uma entre quatro pessoas diagnosticadas com TAB 1 relatam que experimentaram uma tentativa de suicídio antes (Merikangas e col., 2011). Achados como esses enfatizam o fato de que, embora a farmacoterapia básica frequentemente não seja suficiente para eliminar os sintomas e restabelecer completamente a função, muitos pacientes procuram ajuda para aceitar sua doença e aprender habilidades de prevenção. Em pesquisas recentes, pacientes com TAB relataram que a recuperação de qualidade de vida é prioridade sobre a prevenção de sintomas. A psicoterapia é projetada para promover o entendimento da doença e da necessidade da medicação, para reduzir recaídas e sintomas subsindrômicos, e para recuperar domínios da vida que foram atingidos por essa doença.

1.5

Diagnóstico diferencial

Nesta seção, pretendemos dar conselhos para diferenciar os subtipos do TAB do transtorno depressivo maior, do transtorno disruptivo da desregulação do humor, dos transtornos psicóticos, do transtorno de déficit de atenção, de transtornos de personalidade e de doenças médicas que possam causar sintomas do tipo maníaco. Para cada um deles, vamos destacar os sintomas e outras formas de sobreposição, e a partir disso considerar características que diferem entre os transtornos, como os critérios diagnósticos, sinais-chave e sintomas, história familiar e pessoal, e outros fatores qualitativos.


1.5.1

1. Descrição

Transtorno depressivo maior

Apesar de o transtorno depressivo maior (TDM) parecer fácil de distinguir do TAB, o diagnóstico diferencial do TDM é a causa mais comum de diagnóstico incorreto e tratamento inadequado de TAB. O TAB 2, por definição, envolve episódios depressivos. Embora nem todas as pessoas com TAB 1 experimentem depressão, elas têm uma chance maior de procurar tratamento para depressão do que para mania. Aproximadamente 60% das pessoas com TAB 1 ou 2 apresentam, inicialmente, um episódio depressivo (Judd et al., 2003). Muitas delas não conseguem descrever seus sintomas maníacos de forma espontânea, portanto é crítico que o terapeuta questione as experiências de sintomas maníacos cuidadosamente quando os pacientes relatam sintomas depressivos, porque antidepressivos administrados sem um estabilizador de humor podem induzir a mania em pessoas com TAB 1. Mesmo em pacientes que inicialmente neguem históricos de sintomas maníacos, é importante monitorar o possível início de sintomas maníacos. Em uma amostra de pacientes que foram acompanhados durante 15 anos após hospitalização por um episódio depressivo, cerca de 27% desenvolveram hipomania e 17%, episódio maníaco (Goldberg, Harrow, & Whiteside, 2001). A causa mais comum de falha na diferenciação de TAB 1 é a falta de questionamento sobre o histórico de mania quando uma pessoa apresenta depressão (Brickman, LoPiccolo, & Johnson, 2002). Obter um histórico criterioso de sintomas maníacos prévios, além de relatos de familiares e parceiros é a chave para um diagnóstico exato, e vamos discutir as ferramentas para facilitar isso a seguir. Lembre-se de que episódios hipomaníacos não necessariamente implicam disfunção significativa, por isso os pacientes e cuidadores podem não estar preocupados com esses episódios e, dessa forma, não levantam essas questões. Além disso, os pacientes podem não identificar sintomas de hipomania de maneira correta, a não ser que recebam psicoeducação, especialmente se o indivíduo tem uma tendência a experimentar sintomas mistos ou “depressões energizadas”.

1.5.2

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A maioria dos pacientes procura ajuda na fase depressiva

Sempre questione cuidadosamente o histórico de mania e hipomania

Transtorno bipolar induzido por substâncias/ medicação e transtorno relacionado

Como apresentado na Tabela 4, muitas substâncias podem induzir sintomas do tipo maníaco, inclusive medicação antidepressiva. Quando um paciente relata mudanças no uso de substâncias, principalmente anterior ao surgimento de sintomas de humor, considere a temporalidade do início, e se os sintomas remeteram à descontinuação de tais substâncias. De modo geral, episódios induzidos por substâncias ou antidepressivos são diagnosticados como transtorno do humor induzido por medicação e não seriam considerados diagnóstico de TAB 1 ou 2. De

Muitas substâncias podem desencadear sintomas do tipo maníaco


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Transtorno bipolar

qualquer maneira, se os sintomas persistirem mesmo na ausência das substâncias, isso pode ser considerado evidência para TAB (cf. DSM-5). Tabela 4. Transtorno do humor induzido por substância ou medicação ■■ Os sintomas de humor se desenvolveram enquanto o paciente foi exposto a substâncias. Os sintomas remetem quando o efeito fisiológico da substância está ausente. ■■ As substâncias são capazes de produzir sintomas de humor. Substâncias que frequentemente desencadeiam mudanças de humor incluem álcool, anfetaminas, cocaína, alucinógenos, outras drogas psicodélicas, substâncias inalatórias, fenciclidina, sedativos, hipnóticos, ansiolíticos e antidepressivos. ■■ As substâncias e medicações podem provocar sintomas maníacos, como humor elevado, irritado ou expansivo, atividade alterada, decisões impulsivas, diminuição de sono ou sintomas depressivos, inclusive humor deprimido, diminuição de interesse ou prazer nas atividades, culpa ou ideação suicida. ■■ Os sintomas de humor podem ocorrer durante intoxicação, introdução ou descontinuação de uma substância ou no prazo de um mês da descontinuação de uma substância.

1.5.3

O TDDH foi adicionado ao sistema diagnóstico por abordar os sintomas de raiva e irritabilidade

Transtorno disruptivo da desregulação do humor

Um dos principais sintomas da mania é a irritabilidade e a raiva. Há algumas evidências de que o TAB em crianças também é caracterizado por raiva e irritabilidade. Raiva e irritabilidade são características centrais do transtorno disruptivo da desregulação do humor (TDDH), um diagnóstico novo introduzido pelo DSM-5. Os critérios diagnósticos especificam surtos de raiva que acontecem, em média, três ou mais vezes por semana e que são presentes por 12 meses ou mais sem remissão de mais de três meses. Entre os surtos de raiva, a criança apresenta irritabilidade persistente. Esse diagnóstico pode ser considerado quando os sintomas se desenvolvem antes dos 10 anos de idade. O TDDH foi adicionado ao sistema diagnóstico em parte por abordar preocupações quanto ao aumento de diagnósticos errôneos de TAB em jovens, discutidos anteriormente. Quando os clínicos focam estritamente os momentos de fúria como razão do diagnóstico de TAB, isso pode resultar em diagnósticos altamente inadequados. Em um estudo, um terço dos jovens que foram hospitalizados por histórico clínico de surtos de raiva foi diagnosticado com TAB. No entanto, em uma entrevista cuidadosa, apenas 9% preencheram critérios para TAB (Carlson, Potegal, Margulies, Gutkovich, & Basile, 2009). Irritabilidade crônica, discussões e surtos de raiva são preditores para transtornos ansiosos e depressivos ao longo da vida, mas não predizem o TAB (Stringaris, Cohen, Pine, & Leibenluft, 2009). Por isso, quando os jovens apresentam irritabilidade e surtos de raiva, considere se essas dificuldades estão ou não associadas a outros sintomas maníacos, como autoestima elevada, diminuição da necessidade de sono, pressão de fala, atividade dirigida ou comportamentos impulsivos.


1.5.4

1. Descrição

23

Transtornos psicóticos

Os pacientes com TAB 1 podem experimentar sintomas psicóticos. Embora a taxa de alucinações e delírios pareça ser menor que 30%, segundo algumas amostras da comunidade diagnosticadas com TAB (Kessler et al., 2005), sintomas psicóticos aumentam a chance de tratamento e hospitalização no TAB. A psicose pode estar presente durante episódios depressivos de TAB 1 ou TAB 2, mas são muito infrequentes em TAB 2 (< 1%) (Judd et al., 2003). Mais frequentemente, os sintomas psicóticos durante episódios bipolares são congruentes com o humor, mas eles também podem ser incongruentes com o humor. Quando os sintomas psicóticos persistirem por duas semanas após todos os sintomas de humor terem sido refreados, o diagnóstico de transtorno esquizoafetivo é adequado. Em geral, pacientes com TAB raramente apresentam sintomas psicóticos, a não ser quando os sintomas de humor são graves. Pacientes com TAB 1 e com transtorno psicótico (TP) podem ter delírios grandiosos ou persecutórios, além de pensamento desorganizado com associações frouxas, que sugerem distúrbio do pensamento. Ambos frequentemente são agitados, irritados e apresentam sintomas catatônicos. De qualquer maneira, há algumas características distintas entre o TAB e o TP. A mais importante delas é que os pacientes com TAB 1, por definição, apresentam sintomas relacionados com o humor, enquanto apenas alguns pacientes com TP, como aqueles com transtorno esquizoafetivo, apresentam sintomas de humor (APA, 2013). Geralmente, os pacientes com TAB 1 têm um funcionamento pré-mórbido melhor do que os com TP, e apresentam episódios de forma mais súbita do que os pacientes com TP, além de terem mais chance de voltar ao nível pré-mórbido entre episódios. Os pacientes com TAB 1 também têm mais chance de ter familiares que sofrem de TAB 1 ou TAB 2.

1.5.5

Diagnóstico diferencial: TAB 1 versus transtorno psicótico

Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

Os sintomas do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e do TAB se sobrepõem de forma significativa, já que ambos podem incluir hiperatividade, distratibilidade e impulsividade (Kent & Craddock, 2003). Os sintomas relacionados ao humor, como humor eufórico, autoestima inflada e ideias grandiosas, porém, não fazem parte dos critérios diagnósticos do TDAH, e desse modo são úteis para o diagnóstico diferencial. Desatenção comórbida com esses sintomas de humor não seria considerada evidência para o TDAH. Quando a desatenção persiste na ausência de sintomas de humor isso é consistente com o perfil de TDAH.

Desatenção na presença de sintomas de humor não deveria ser diagnosticada como TDAH


24

Transtorno bipolar

1.5.6

Tenha cuidado ao diagnosticar transtornos de personalidade, porque os sintomas de TAB podem imitar outros transtornos

Transtornos de personalidade

Sintomas de humor podem mimetizar os sintomas de transtornos de personalidade e intensificar a impulsividade, a raiva, a reatividade e outros problemas comportamentais frequentemente observados em transtornos de personalidade. Da mesma forma, durante a depressão as pessoas frequentemente superestimam a dificuldade real no funcionamento. Esse potencial para o diagnóstico exagerado é consistente com estudos que identificam uma redução de 50% nas taxas de diagnóstico de transtorno de personalidade entre os pacientes em remissão em comparação à avaliação durante o episódio de humor (George, Miklowitz, Richards, Simoneau, & Taylor, 2003). Desse modo, evite fazer diagnósticos definitivos de transtorno de personalidade durante um episódio de humor agudo. Considerando os diagnósticos diferenciais, a questão central do TAB é o caráter flutuante dos sintomas, enquanto os transtornos de personalidade apresentam padrões mais duradouros de comportamento, geralmente com início na adolescência ou na juventude. A coleta de dados sobre o funcionamento ao longo do tempo, inclusive corroborado por familiares e parceiros, é altamente recomendada para diferenciar transtornos de personalidade de TAB. Ambos, o transtorno de personalidade borderline e TAB 1 e 2, são caracterizados principalmente por problemas com a instabilidade afetiva, a dificuldade de regulação emocional, impulsividade e períodos significativos de sintomas depressivos. Especialmente, os pacientes de TAB com ciclagem rápida (mais de quatro episódios de humor em um período de 12 meses) são diagnosticados erroneamente com transtorno de personalidade borderline. Os sintomas maníacos, mas não os da personalidade borderline, são descritos como elevação de humor positivo e intensificação da atividade direcionada (Fulford, Eisner, & Johnson, 2015). Os sintomas residuais de humor associados ao TAB podem mimetizar um transtorno de personalidade borderline. Se esse for o caso, o tratamento medicamentoso agressivo pode tratar esses sintomas residuais. A resposta significativa à medicação é de valor diagnóstico para o TAB. Os sintomas maníacos também podem apresentar alguma sobreposição com os sintomas da personalidade antissocial. Durante um episódio maníaco, os indivíduos podem se envolver de forma excessiva com comportamentos impulsivos ou orientados para o prazer (jogo patológico, promiscuidade sexual etc.). O comportamento antissocial, que ocorre exclusivamente durante um episódio maníaco, não deve ser diagnosticado como personalidade antissocial. A ausência de arrependimento ou indiferença que caracteriza o transtorno de personalidade antissocial pode ser contrastada com o remorso extremo, a culpa e o arrependimento que os individuos com TAB 1 ou 2 geralmente experimentam após um episódio maníaco ou hipomaníaco. De forma ideal, os transtornos de personalidade devem ser diagnosticados após a remissão dos sintomas ou como um diagnóstico diferencial associado a transtornos de humor.


1.5.7

1. Descrição

25

Doença médica

Doenças médicas, incluindo doença neurológica, trauma cranioencefálico, concussão cerebral, alterações endócrinas e substâncias psicoativas, podem causar sintomas do tipo bipolar. Na maioria dos pacientes, os sintomas de TAB iniciam aos 20 e poucos anos. Embora as doenças neurológicas sejam raras nessa faixa etária, é importante conhecer a causa de base da doença, pois isso influenciaria no curso da doença e poderia levar a outros tratamentos. Há uma controvérsia em relação a todos os pacientes de TAB deverem ser submetidos à neuroimagem para excluir uma causa neurológica, como um tumor, porque essas explicações dos sintomas são raras. Para o TAB com início após os 50 anos de idade, porém, as causas secundárias são prováveis e a investigação médica e neurológica é necessária.

1.6

Doença médica ou psiquiátrica comórbida

A presença de doenças comórbidas é mais frequente que sua ausência no TAB. A maioria das pessoas com TAB vai preencher critérios para uma doença adicional (Merikangas et al., 2011). Cerca de 75% dos pacientes bipolares preenchem os critérios diagnósticos para transtornos de ansiedade durante a sua vida, e 42% os critérios diagnósticos para dependência ou abuso de álcool ou drogas (Merikangas et al., 2007). Taxas altas de comportamentos problemáticos na infância e TDAH também foram registrados entre 29%-48%, e as taxas observadas diminuíram quando os pacientes foram avaliados após meses de remissão sustentada (George et al., 2003). Os transtornos mais frequentemente comórbidos com o TAB parecem ser o transtorno obsessivo-compulsivo, o transtorno de personalidade borderline ou narcisista, ou então o transtorno de personalidade esquiva (McIntyre, Konarski, & Yatham, 2004). Distúrbios médicos, como transtornos metabólicos (com a obesidade visceral como sintoma chave), obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, são especialmente prováveis em pacientes bipolares quando comparados com a população geral. A mortalidade por doença cardiovascular é duas vezes maior em pacientes bipolares do que na população geral. Cerca de 10% dos indivíduos com TAB são diabéticos e 25%-34% são obesos (McIntyre et al., 2007). Esses transtornos médicos comórbidos são particularmente frequentes em amostras dos Estados Unidos (Post et al., 2014). Tabagismo é mais comum do que na população geral, fato que exacerba a taxa elevada de doença cardiovascular (Waxmonsky et al., 2005). Os transtornos comórbidos complicam o curso da doença e devem ser um dos alvos do tratamento (Post et al., 2015). A natureza multidimensional do transtorno enfatiza a necessidade de colaboração entre profissionais da medicina, da psiquiatria e de outros das áreas de saúde na hora de instituir um tratamento.

Altas taxas de comorbidade com transtornos ansiosos e abuso de substâncias

Colabore com médicos clínicos por causa dos transtornos comórbidos


26

Transtorno bipolar

1.7

Procedimentos diagnósticos e ferramentas de avaliação

Há vários procedimentos diagnósticos que podem ser usados para avaliar o diagnóstico e a gravidade do TAB, permitindo assim o sucesso do tratamento. No entanto, não há um teste laboratorial definitivo para confirmar o diagnóstico de TAB. Em vez disso, o diagnóstico pelo DSM-5 é baseado na presença de sintomas hipomaníacos ou maníacos. A história familiar, assim como a resposta ao tratamento prévio, pode influenciar no diagnóstico (Goodwin & Jamison, 2007). Dada a complexidade das flutuações de humor, apenas uma entrevista com os pacientes frequentemente não é confiável para estabelecer o diagnóstico e, de forma ideal, você vai desenvolver uma perspectiva ao longo de várias entrevistas com o paciente e outros informantes. No decorrer da terapia, os pacientes podem preencher uma planilha diária de humor. Veja o Apêndice 5: Planilha do humor adaptada de Basco e Rush (2007) que monitora o humor e os sintomas associados para melhorar a compreensão de flutuações do humor. Vamos revisar as metas de uma avaliação bem-feita na Tabela 5. Tabela 5. Elementos de uma boa avaliação do TAB ■■ Examine os sintomas maníacos e hipomaníacos prévios ou atuais no paciente deprimido. ■■ Pesquise mudanças de energia ou de humor. ■■ Avalie o histórico de episódios ao longo da vida de forma criteriosa. ■■ Utilize, quando possível, múltiplas entrevistas e inclua familiares e parceiros. ■■ Revise a história familiar de mania, hipomania ou instabilidade de humor em familiares de primeiro grau. ■■ Revise o histórico de hospitalizações. ■■ Avalie sempre o risco de suicídio, dado o risco alto. ■■ Use uma linha do tempo para revisar o momento dos episódios, das hospitalizações, dos eventos importantes da vida e das mudanças de medicação. ■■ Solicite prontuários médicos de hospitalizações e de tratamento ambulatorial prolongado.

1.7.1

Avaliação da mania

A maioria das entrevistas estruturadas, como a entrevista estruturada clínica para adultos (Structured Clinical Interview – SCID) (First, 2015) ou a entrevista da tabela da avaliação de doenças afetivas e esquizofrenia para jovens da Universidade de Washington (Washington University Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia for youth – K-SADS) (Gellert et al., 2001), são longas demais para o uso rotineiro no ambulatório. Mesmo assim, pelo fato de muitos pacientes


1. Descrição

27

e cuidadores considerarem os termos utilizados pelo DSM confusos (p. ex. “pressão de fala”) ou negativos (p. ex. “grandiosidade”), o rastreio da SCID para mania pode ajudar a proporcionar uma linguagem mais clara (p. ex. falar demais, “se achando muito”) na hora de avaliar os sintomas. Alguns pesquisadores utilizam a entrevista MINI – Mini-International Neuropsychiatric Interview (Sheehan et al., 1998) – que emprega questões simples no formato “sim” ou “não”. Estudos de validação para essa escala têm demonstrado um viés leve para falsos negativos, como frequentemente observado no formato sim/não. A versão 7.0.1 incorporou as mudanças consistentes com o DSM-5 e abrange características do desenvolvimento e da gravidade de forma razoável. Há um módulo de autoavaliação da MINI disponível para análise de características mistas (Hergueta & Weiller, 2013). A MINI tem demonstrado uma sensibilidade de 0,91 e uma especificidade de 0,70 com um coeficiente kappa de 0,60, quando comparada com entrevistas psiquiátricas. Para os pacientes jovens, o relato dos pais geralmente é mais confiável do que o relato da criança (Youngstrom, Findling, & Calabrese, 2004). Focamos nos instrumentos de rastreio e nas listas de verificação tanto para depressão quanto para mania, e na Vinheta Clínica 1 ilustramos a identificação de períodos de sintomas maníacos no diálogo entre terapeuta e paciente. Caso clínico 1 Identificando períodos de sintomas maníacos Terapeuta: Você já teve períodos nos quais você precisou dormir muito menos durante alguns dias? Paciente: Precisou ou queria? Terapeuta: Não, é mais se você não ficou cansado e não tinha necessidade de dormir. Paciente: Não recentemente, mas ao longo dos últimos meses, sim. Terapeuta: Durante mais de uma semana seguida? Paciente: Mais ou menos uma semana. Simplesmente não estava dormindo muito. Terapeuta: Mas você se sentiu descansado? Paciente: Não, eu tinha muitos problemas para dormir naquela época (não consistente com mania). Terapeuta: OK. Você passou por períodos nos quais você estava cheio de energia, muito ativo ou cheio de novos projetos? Paciente: Não. Terapeuta: Você passou por um período no qual seu humor estava elevado ou mais irritável do que o normal durante quatro dias seguidos? Paciente: Não. Isso parece excluir o sintoma chave de episódios hipomaníacos.

Uso da MINI para avaliar mania


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Transtorno bipolar Planilha da vida

Utilize a planilha da vida para ilustrar o curso da doença e aumentar a participação ativa do paciente

A planilha da vida do Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health – NIMH) (Denticoff et al., 2000; Leverich & Post, 1997) é uma ferramenta que ajuda os pacientes e os terapeutas a desenvolverem um gráfico do curso da doença, incluindo episódios, hospitalizações, eventos significativos de vida e resposta a tratamentos prévios. A planilha de vida registra o histórico em um gráfico simplificado de maneira acessível para o paciente e o terapeuta, e, desse modo, oferece informações sobre o papel da medicação, da resposta e da adesão ao tratamento em episódios anteriores. Geralmente, a planilha de vida inclui todos os eventos de mania e depressão, classificando-os em três gravidades: leve (sem prejuízo funcional), moderado (prejuízo funcional nítido) e grave (incapacidade funcional, hospitalização), embora seja válido tratar apenas os episódios mais recentes em um paciente com um histórico longo. Versões simplificadas e on-line (disponível em www.bipolarnews. org) dessa ferramenta podem ser entregues aos pacientes como parte do processo de avaliação, e o clínico pode ajudar o paciente a revisar o histórico relevante. Muitos clínicos utilizam essa planilha rotineiramente para facilitar a avaliação e o tratamento, já que seu uso promove a participação ativa do paciente e permite uma abordagem baseada na resolução de problemas para o paciente e o terapeuta (Post, Roy-Byrne, & Uhde, 1988). Young Mania Rating Scale (YMRS)

Para analisar a gravidade da mania, existe a escala Young Mania Rating Scale –YMRS (Young, Biggs & Ziegler, 1978), uma ferramenta para a avaliação que tem boa confiabilidade e validade e que serve de medida sensível para medir mudanças nos sintomas de mania em tratamento. A YMRS nem sempre parece praticável, já que necessita de um treinamento significativo para garantir confiabilidade suficiente entre entrevistadores e pode demorar até 30 minutos para ser aplicada. Clinical Global Impressions Scale - Bipolar Version (CGI-TAB)

A escala CGI-TAB (escore da impressão clínica global) (Spearing, Post, & Leverich, 1997) é uma versão da escala CGI desenvolvida para o TAB. É muito rápida e tem sido utilizada em pesquisas clínicas para avaliar a gravidade global dos sintomas bipolares. Instrumentos de autoavaliação de gravidade de sintomas maníacos

As ferramentas de autoavaliação ainda não conseguem rastrear o TAB de forma adequada. Após um diagnóstico, porém, ferramentas de


1. Descrição

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autoavaliação podem ajudar a detectar mudanças na mania no decorrer do tempo. Tanto a Hypomanic Checklist – HCL-32 (Angst et al., 2005) quanto a Altman Self-Rating Mania Scale (Altman et al., 1997) são úteis e têm um grau de confiabilidade com relatos de entrevistadores. Ambas as ferramentas podem ajudar os pacientes a registrar e monitorar os sintomas de mania.

1.7.2

Avaliação da depressão bipolar

A depressão representa uma meta principal no tratamento de TAB, por isso vamos revisar as ferramentas para avaliar a gravidade da depressão. Existem muitas escalas, sejam de autoavaliações ou administradas por clínicos, que podem ajudar a rastrear a depressão e medir sua gravidade no início e após o tratamento. Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9)

A escala PHQ-9 (Kroenke & Spitzer, 2002; Kroenke, Spitzer, & Williams, 2001) é usada de forma ampla, é facilmente aplicada e muito bem validada para o rastreamento de depressão, bem como é sensível para avaliar mudanças clínicas, e pode detectar mudanças no tratamento. A aplicação demora apenas 3-5 minutos. A pontuação é simples de entender, de forma que facilite a avaliação e a discussão com o paciente. PROMIS Escala breve para avaliação de depressão (Emotional Distress-Depression-Short-Form)

É uma escala curta de oito itens, que é adequada para a avaliação de depressão em adultos (Cella et al., 2010). Os itens abordam humor negativo, afeto negativo, visão negativa de si próprio e de outros. Inventário de sintomas depressivos em autoavaliação (Inventory of Depressive Symptomatology Self Report Version, IDS-SR)

Esse inventário de sintomatologia depressiva (IDS) de 30 itens (Rush, Giles, & Schlesser, 1986; Rush, Gullion, & Basco, 1996) e a versão curta de 16 itens (Quick Inventory of Depressive Symptomatology – QIDS) (Rush et al., 2003) são ferramentas de autoavaliação no formato de teste, que são bem validadas, curtas e de domínio público; foram desenhadas para medir sintomas depressivos em pacientes internados e ambulatoriais. Ambas as versões apresentam alta confiabilidade, consistência interna e uma correlação forte com outras medidas de depressão

Muitos instrumentos podem ajudar a rastrear a depressão no início e acompanhar mudanças permanentes ao longo do tratamento


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Transtorno bipolar

(Reilly, MacGillivray, Reid, & Cameron, 2015; Rush et al. 1996; Trivedi et al., 2004) Segunda versão do inventário de depressão de Beck (BDI-II, Beck Depression Inventory, Second Edition)

Para avaliar a gravidade de depressão no TAB, o BDI-II (Beck, Steer, & Garbin, 1988) é uma escala de autoavaliação simples e amplamente utilizada, que pode ser preenchida em 5-7 minutos na sala de espera. O BDI-II é um indicador confiável de gravidade de depressão, que tem sensibilidade clínica para analisar mudança. O BDI-II também inclui itens específicos para avaliar a desesperança e ideação ou planejamento suicida. Pessimismo e ideação suicida são itens úteis para indicar risco de suicídio: uma nota de “3” ou “4” em qualquer uma das duas deve incitar uma avaliação imediata de risco de suicídio atual e a documentação de um plano de tratamento. Escala Hamilton para depressão (HAM-D, Hamilton Rating Scale for Depression)

A escala HAM-D (Williams, 1988) é uma escala aplicada pelo clínico e é considerada uma escala padrão para medir a gravidade de depressão. A HAM-D inclui itens para avaliar sintomas-chave de depressão, como humor, sintomas somáticos, insônia, perda de interesse e de prazer, culpa, lentificação psicomotora, agitação e ansiedade. A HAM-D oferece alta validade e sensibilidade para mudanças clínicas quanto à resposta ao tratamento. A principal desvantagem da HAM-D para o uso clínico é a necessidade de treinamento. Uma versão modificada da HAM-D foi desenvolvida para proporcionar uma entrevista mais estruturada e uma descrição mais clara dos pontos da escala, de modo que a confiabilidade possa ser estabelecida mais facilmente (Miller, Bishop, Norman, & Maddever, 1985). Ambas as versões da HAM-D, porém, demoram cerca de 30 minutos para serem aplicadas quando a depressão está presente.

1.8

A análise mais sensível pode salvar vidas

Consequências para a prática clínica

Neste capítulo, destacamos as altas taxas de prevalência, as dificuldades no funcionamento, a carga familiar, a baixa qualidade de vida, o alto risco de suicídio, o abuso comórbido de substâncias e as altas taxas de outros transtornos psiquiátricos comórbidos no TAB, como a ansiedade e os transtornos alimentares. A análise mais sensível e os procedimentos diagnósticos podem ocasionar o seguinte:


1. Descrição

1. Melhor qualidade de vida para os pacientes e as famílias. 2. Diminuição do risco de suicídio. 3. Diminuição do risco de abuso comórbido de substâncias. 4. Identificação de outras doenças comórbidas frequentes que podem requerer tratamento direcionado. 5. Melhor reconhecimento de sintomas mistos, prevenindo desfechos negativos.

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