Vivências Fluviais

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VIVÊNCIAS FLUVIAIS Mariana Mendonça Meyer


VIVÊNCIAS FLUVIAIS Mariana Mendonça Meyer

Orientação: Alexandre Delijaicov Coorientação: Klara Kaiser Banca: Karina Leitão e Mariana Corrêa Soares

Trabalho Final de Graduação FAU-USP / 2015

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Gostaria de agradecer aos espaços para a vida que me fizeram querer estudar arquitetura: ao Sesc Pompéia e ao Centro Cultural São Paulo à USP e seu universo a todos com quem compartilhei esses anos de FAU: professores, funcionários, alunos, visitantes, etc especialmente, aos professores que me inspiraram, à minha banca e às minhas amigas Aline e Carol Massari, Rosa Laura, Danielly Omm, Gabis Toth e Deleu a todos meus colegas de estágio: escritório particular de Arquitetura e Paisagismo e escritório público de projetos – Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (Prefeitura - SP) ao Células de Transformação – Agricultura Urbana, com que vivenciei a transformação da Praça Homero Silva, em Praça das Nascentes, onde nasce água limpa e muito mais à coleção familiar de revistas​ National Geographic​ (desde 1950), onde pude ver muitos mundos – coloridos, ricos, diversos –, embora com o passar das edições, texturas tradicionais tenham dado espaço a roupas esfarrapadas tão parecidas ao Yuri Martins e nossa nova vida aos que me propiciaram desde cedo um contato muito intenso com as águas:​ meu avô, pela imaginação (pescador e contador de causos) meu pai (surfista), pelos mares, minha mãe, pelos rios e meus irmãos, por me acompanharem longe, aonde os mais velhos, esquecidos de ser criança, não ousariam mais ir aos que vivem a natureza, aos que lutam

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APROXIMAÇÕES

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ir longe...

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RELAÇÃO HOMEM-ÁGUA – USOS MÚLTIPLOS POSSÍVEIS E SIMBÓLICOS EDUCAÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL E APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO

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…com os pés no chão

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SÃO PAULO E OS RIOS – HISTÓRICO PARADIGMAS DE INTERVENÇÃO E CONTRADIÇÕES PARQUE FLUVIAL A BACIA E O CÓRREGO DO JAGUARÉ ÁGUA PODRE

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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BIBLIOGRAFIA

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APROXIMAÇÕES Busquei neste Trabalho Final de Graduação falar dos rios: um pouco do imaginário, da história, do que se tem dito ou feito, e do que eles poderiam ser. Ainda que tenha escolhido uma abordagem mais teórica, sem envolver-me demais em projetos que me afastariam do meu próprio tempo necessário à escrita e reflexão, foram as vivências anteriores que puderam propiciar um entendimento mais profundo daquilo que li e é a tudo que vai além do que pode ser escrito que dedico este trabalho. Como diria Fernando Sabino: “só quem passou a infância junto a um rio pode saber o que o RIO significa”, e de certa forma eu pude passar, ainda que só quando viajava, muitos momentos que só Manoel de Barros poderia discorrer; momentos de subir e descer, ser pedra, água ou folha, pular de pedra em pedra, de pedra em rio, mergulhar até ficar sem ar, deixar-me levar numa obediência magnética ao eixo do rio e, às vezes, ultrapassando a hora de voltar, no escuro despertar ainda os demais sentidos. Também aprendi muito, dependendo diretamente do rio, na ausência de intermediários, para alimentar e lavar, imersa na abundância, em Minas Gerais. Na escassez de água do Sertão da Bahia a riqueza foi outra e me lembro com muito carinho do jeito doce e sábio das pessoas, dos banhos de caneca ao ar livre, onde cada gota era especial. Com aqueles que cotidianamente convivem com a consciência de que nosso sustento vem da água, pescadores ou agricultores, pude também sentir a dimensão dessa conexão que muitas vezes quem é da cidade não conhece. Numa fazenda, participei de muitos mutirões de plantio, cuidado e colheita, cujos frutos coletivos traziam toda generosidade da natureza. 5


Foi aos poucos que fui descobrindo que a cidade em que morava (São Paulo) também tinha natureza e que aqueles Rios (até então só conhecia o Tietê e o Pinheiros, ambos em seu trecho confinado pelas avenidas marginais) também poderiam ser (ou eram) muito mais do que se via da janela de um carro ou na televisão. Aos poucos também fui deixando de ser passageira e comecei a conhecer a cidade com meus próprios pés – a pé, de bicicleta e às vezes de transporte público – e foi assim, através do meu corpo, que pude ir redescobrindo a cidade. Mais tarde, ao entrar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, esse hábito de percorrer a cidade valorizando o PERCURSO, que começou como acaso, excentricidade e brincadeira, ganhou novos significados. Dentre estes, a possibilidade do espaço urbano favorecer essa prática, tornando-a mais desejável e coletiva, e assim mais prazenteira, acessível e segura. De certa forma, a implantação de ciclovias, embora ainda incipiente, tem permitido aos paulistanos vivenciar um pouco mais das potencialidades urbanas. A partir das discussões da FAU e contato com movimentos sociais, pude mais uma vez redescobrir o mundo, dessa vez a partir de uma palavra que ganhou um significado muito especial: LUTA, ou seja, “quando estamos ao rés do chão, com essas pessoas apaixonadas em fazer algo transformador” (LABOISSIERE, 2014), ainda que a paixão nasça da necessidade. Durante a Disciplina Arte e Projeto da Paisagem, sob a orientação do professor Euler Sandeville, conhecemos a Brasilândia e lá, através das pessoas de lá, pela primeira vez a luta pela moradia, para mim, deixou de ser algo apenas teórico, ganhou vida. Marcou-me muito uma brincadeira com o “Programa 100 parques”, chamando-o de “Programa 100 favelas a menos”. Os parques, que para mim, sempre tinham sido algo maravilhoso, desejável, foram vistos com maus olhos pois uma ameaça ao lar, que por aqui, para as classes não privilegiadas, é mais uma conquista do que um direito. Foi lá também, no Jardim Damasceno, que por acaso almoçamos com a Luiza Erundina. Ao nos ver, alunos da USP, ficou um tanto descontente e disse: “Vocês não sabem o que é extensão, vão vir aqui, fazer seu trabalhinho, tirar nota e nunca mais voltar.” De certa forma ela estava certa, no entanto, ficou uma 6


semente, um convite, quase uma intimação a todos nós, arquitetos ou não, da USP ou não: Que busquemos uma sociedade mais solidária. Assim, nessa sociedade almejada não haverá mais esse falso conflito entre ambiente e moradia. Foi a partir desses três caminhos, os quais não se percorrem sem “brilho nos olhos” (DELIJAICOV, reflexão verbal recorrente), que busquei tecer esta pesquisa. Se por um lado o recorte foi um tanto amplo, por outro construiu-se a partir do que para mim era o mais essencial. Ao longo de todo o período dessa pesquisa estagiei na Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da PMSP e se dei-me a liberdade de construir um recorte bem próprio, gostaria de esclarecer que esta escolha partiu mais da necessidade de meditações pessoais do que uma desconsideração pelo que se faz no âmbito da Secretária, e tampouco pelos trabalhos acadêmicos que dialogam com as políticas públicas. Nesse escritório público pude estar em contato com pessoas realmente dedicadas, conhecer um pouco das inúmeras questões da gestão pública e principalmente reconhecer a importância de trabalhar-se numa escala mais ampla do que alcançamos com nossas mãos e sede de transformação. A pesquisa divide-se em duas partes: Ir longe… e …com os pés no chão. Na primeira parte eu busco construir um imaginário de como os homens poderiam se relacionar com as águas, os espaços, e entre si – através da arte, da poesia, da subjetividade e da educação. Na segunda parte, reflito sobre algumas questões pertinentes ao tema dos rios, no caso da cidade de São Paulo (que numa interpretação fluida não se restringe ao município, sendo uma “cidade metropolitana”), indo de uma escala mais ampla, até chegar à narrativa que pude traçar com meus próprios pés, no córrego Água Podre, trazendo vida aos meus estudos teóricos.

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ir longe... “Contudo, é com o olhar voltado para as coisas desimportantes que queremos aguçar a percepção sobre a magia e o mistério, que surge da poética ambiental e que incita o ser humano a sentir e a ver a dinâmica luminosa, expressa nas coisas corriqueiras e banais” A educação Ambiental e Manuel de Barros, Elizabete Oliveira

“Surpreenderá a todos não por ser exótico Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto Quando terá sido o óbvio” Um índio [música], Doces Bárbaros

“O próprio olho, a visão pura, fatiga-se dos sólidos. Ele quer sonhar a deformação. Se a vista aceita realmente a liberdade do sonho, tudo se escoa numa intuição viva” A água e os sonhos, Gaston Bachelard

“Jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo, existe uma ligação entre eles” As cidades invisíveis, Ítalo Calvino 8


Ir longe tem a ver com o caminhar, com o olhar, com não deixar-se perder nas questões tecnoburocráticas (ainda que se reconheça a importância delas), muito menos resignar-se às condições atuais do mundo (ainda que para transformá-las, preciso seja compreendê-las). “É aí que o cotidiano é reconhecido e abre a oportunidade de remeter a consciência a maiores vôos. A definição de projetos transformadores da experiência do dia-a-dia ocupa um lugar fundamental na construção da utopia” (MARICATO, 2000, p.169). Para ir longe, o caminho não é dado, e sim vivo, “conflituoso”, “insurgente” (termos adotados por VAINER et al., 2013). As práticas devem ser “contra-hegemônicas”, pois desestabilizam a ordem normalizada, “transgressoras”, pois transgridem tempo e lugar ao colocarem a memória histórica e a consciência transnacional no cerne de suas práticas, e “imaginativas”, pois promovem o conceito de um mundo diferente como “possível e necessário” (MIRAFTAB, 2009, apud VAINER et al., 2013). Assim, abre-se uma pluralidade de significados: o livro não se restringe às interpretações de uma certa elite intelectual, nem o espaço às concepções de quem o projetou (CERTEAU, 1984). O pedestre, pratica o espaço, reinventa-o, revela valores de uso. “O ato de andar é para o sistema urbano o que o ato da fala é para a linguagem” (CERTEAU, 1984, p97). Do mesmo modo, as águas podem ser muito mais que recurso a ser usado racionalmente. Podemos mergulhar, reconstruir laços afetivos, descobrir. Com este intuito, nesta pesquisa, fiz alguns experimentos gráficos em busca daquilo que a contemplação pode nos proporcionar. Ao longo deste caderno há algumas das imagens produzidas: frotagens de casca de árvores, matogravuras, chuva sobre papel, escâner de plantas. Também observei topografias em mapas, filmei rios, fios d’água, lagos, chuvas e tentei desenhá-los, nunca esquecendo da dimensão dos sons, da paisagem sonora.

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Experimentando frotagens de cascas de água, encontrei as texturas que sempre quis nas tentativas de desenhar a água. Gostei muito da surpresa, porém, quanto mais mergulho nas águas, percebo que não deveria ser nada tão inesperado, pois sabe-se da estreita relação entre água, vegetação e solo. Das imagens bonitas que tenho imaginado da vegetação sendo água, da água sendo vegetação, me encanta especialmente olhar para as nascentes como se elas fossem as raízes de uma árvore, o leito maior como caule e o delta, ou mar, como copa. Aquilo que nasce delicado, capilar, ramificado, em seu destino, que é confluir, encontra imponência e então, dessa força, que nasceu de um quase nada, abre-se novamente. Há algo de instigante nessa simetria, talvez uma lembrança de um todo. É claro, que não se pretende aqui fazer uma analogia, apenas brincar com o olhar. A chuva sobre papel criou relevos de cidades imaginárias, algo que também lembra a espuma do mar. Ao escanear plantas, encontra-se detalhes próprios da linguagem, diferentes do que se obtém através de fotografias. A capa do caderno foi feita assim e seus contornos remetem à hidrografia (algo muito presente nas plantas), sendo a representação das nascentes, afloramentos, flores. As matogravuras – utilização de mato como matriz – me trazem um sentimento de rio. Os experimentos acima citados foram apenas algumas das formas que encontrei para estabelecer uma ligação mais profunda com as águas. Poderia ter sido através dos esportes náuticos, natação, dança, poesia, agroecologia, etc. Sylvia Dobry encontra no ato de desenhar “um eficaz recurso que transforma aquilo que vê e o que é visto, simultaneamente” (PALLAMIN, 2006). Já Bachelard fala da palavra poética: “ela nos dá a impressão de juventude ou de rejuvenescimento ao restituir ininterruptamente a faculdade de nos maravilharmos. A verdadeira poesia é uma função de despertar” (BACHELARD, 2002, p.18). Reconhece-se ainda o contexto em que a ligação com as águas foi se esmaecendo.

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A atual perda de referenciais históricos e geográficos dos citadinos, lembra a autora [Sylvia Dobry], é apenas uma das pontas do alheamento mais amplo e sistêmico elucidado por Marx, em que os humanos não se reconhecem como autores das instituições sociopolíticas vigentes – aceitando de modo indiferente ou fatalista tudo que existe – ou, pelo contrário, julgam – à medida mesma do seu desconhecimento das condições históricas – desfrutar de plena liberdade para mudar suas vidas. (PALLAMIN, 2006).

Enfim, a construção de melhores condições de contato com as águas é um enorme desafio e para ser possível ir longe, é preciso caminhar, pois “não é conscientizando que se organiza a luta, mas na luta que surge a conscientização” (OLIVEIRA, 2012, p.79).

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RELAÇÃO HOMEM-ÁGUA – USOS MÚLTIPLOS, POSSÍVEIS E SIMBÓLICOS

“Estando

os

cursos

d’água

intimamente

associados

ao

nascimento

e

desenvolvimento das cidades, supõe-se que eles ocupem um lugar importante na imaginação coletiva, ainda que este lugar seja o inconsciente. Defende-se que, por meio do fazer poético, os vestígios enjeitados dos córregos ocultos ganhem a força de imagens e encontrem um lugar na paisagem, de modo a vivificar a memória coletiva e a resignificar os laços que unem, inevitavelmente, o fazer humano à base primordial com a qual ele opera” Córregos ocultos em São Paulo, Vladimir Bartalini

“Função histórica do rio São Francisco: Vedado nos caminhos diretos e normais à costa, mais curtos porém interrompidos pelos paredões das serras ou trancados pelas matas, o acesso se fazia pelo São Francisco. Abrindo aos exploradores duas entradas únicas, à nascente e à foz, levando os homens do sul ao encontro dos homens do norte, o grande rio erigia-se desde o principio com a feição de um unificador étnico, longo traço de união entre as duas sociedades que não se conheciam.” Os Sertões, Euclides da Cunha [1902] 12


Dentre as possíveis relações do homem com a água, há algumas que são vitais, inquestionáveis e indispensáveis. Já outras são mais culturais, ou mesmo possíveis ou não, de acordo com as situações ambientais. Busca-se aqui a ampliação dessas relações, seja a partir do subjetivo (imaginário, contemplação, percepção), seja a partir das condições objetivas de contato com a água, qualificando-as para tal. Acredito na importância dessa reciprocidade. A resolução CONAMA 357/2005 propõe uma classificação dos rios a partir da qualidade das águas e dos usos pretendidos; assim as águas menos poluídas (e próprias para consumo) podem ser destinadas a usos mais “nobres”, e se buscaria esta meta para aquelas que se pretende tais usos, embora ainda não estejam em condições adequadas. Consta também que as águas poderiam receber uma certa quantidade de efluentes, desde que elas sejam capazes de absorvê-los – a partir do processo de autodepuração –, sem rebaixamento de classe, o que, entretanto, sem o estabelecimento de metas seria muito perverso para com os rios das piores classes, pois abre a prerrogativa de sujá-los indefinidamente, perpetuando-os nesse estado. Os usos propostos na resolução são: abastecimento para consumo humano (com tratamentos diferenciados a partir das classes), proteção das comunidades aquáticas, recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho, irrigação (para contato humano mais direto ou não, dependendo também do tipo de classe), proteção das comunidades aquáticas em Terras Indígenas, aquicultura e atividade de pesca, dessedentação de animais, navegação e harmonia paisagística. Dentre os usos não citados há também o industrial, a produção de energia e alguns tipos de mineração, de grande importância geopolítica e alto potencial de impactos negativos. 13


Outro uso que requer especial atenção é a irrigação, pois há sistemas agrícolas que poluem e secam os rios, enquanto outros contribuem para a qualidade e abundância de água. No Brasil, a criação da Floresta da Tijuca, no Segundo Reinado, foi um marco dessa consciência de que a vegetação pode, ao invés de “gastar”, “produzir”, ou como se tem dito atualmente, pode-se “plantar água”. Ana Primavesi – agrônoma e pesquisadora de agroecologia em regiões tropicais – enfatiza a interligação do solo, vegetação e água. O manejo inadequado do solo, torna-o compactado e impermeável, assim o reabastecimento de água fica prejudicado. O solo compactado absorve pouca água e seca rápido. Em áreas desmatadas, o vento leva a reduzida umidade. Assim, por um lado diminui-se a disponibilidade de água, por outro aumenta-se sua demanda para irrigação, e assim os rios tornam-se menos abundantes, intermitentes ou, até mesmo, secam. Muitas áreas poderiam ser reflorestadas, sem prejuízo da segurança alimentar, pois com menos ventos, as culturas produziriam mais e o alimento, em solos sadios, também seria mais nutritivo. “Onde há florestas, o clima é mais equilibrado e mais ameno, sem temperaturas extremas, e a umidade do ar sobe. A água fluvial penetra novamente no solo, abastecendo fontes e rios. Não necessita mais de irrigação e voltam as correntezas marinhas que trazem chuvas regulares” (PRIMAVESI, sem data). Tal compreensão, um tanto mais holística, faz-se premente, dada a dimensão dos estragos ambientais que têm sido praticados por aqueles que ainda adotam uma visão mais estreita, meramente mercantil de curto prazo. Compreender as inter-relações possíveis entre os diversos elementos da natureza integrados às sociedades humanas – essencial a tantas cosmovisões – é essencial para se sair dessa ótica monofuncional empobrecedora. De certa forma, as águas perderam um pouco de seus tantos significados inerentes aos povos. Pode-se atribuir este processo à poluição, porém a própria tolerância para com esta (dado a displicência em minimizá-la, quando já há tantas condições técnicas para tal), sugere um problema mais profundo, relacionado com o modo de exploração que aqui no Brasil inaugurou-se com o 14


colonialismo, ou seja: “a construção da natureza como algo exterior à sociedade – uma construção estranha aos povos com que os europeus entravam em contato”, e que obedeceu às “exigências do novo sistema econômico mundial, centrado na exploração intensiva dos recursos”. Neste contexto, a matemática, a mais apropriada para medir-se lucros, destaca-se enquanto ferramenta de compreensão desse novo mundo (BOAVENTURA SANTOS, 2005). Como insinua o título do capítulo recém-citado – Ciência, Colonialismo e Colonialidade: a produção de (des)conhecimento(s) –, há muitos outros saberes que sob uma ótica estrita, vinculada a meios de dominação, não podem ser vistos. Os rios e as várzeas de São Paulo também sucumbiram a esse processo. “O processo da transformação tecnológica – canalizações e drenagem – foi subtraindo da vida desses habitantes qualquer significação histórica do rio e das várzeas. Produziu-se um espaço tecnológico, estranho aos habitantes da cidade. É um espaço produzido segundo uma lógica produtivista que visa incessantemente maiores rentabilidades. Assim, o processo de intervenção na “natureza natural” dos rios, tanto do Tietê, como também do Pinheiros, evoluiu no tempo para tornar relações antes imediatas e até afetivas em relações abstratas. As relações com os rios e com as várzeas foram deixando de passar pela prática sensível [...]. A separação e a perda foi também a subtração dos rios e das várzeas como lugar do lúdico, como espaço de representação da vida. Foi a sua subtração do universo simbólico da cultura. O interesse teórico mais geral dessa constatação, ao que parece, está em mostrar que no tempo foi se esvaindo o sentido prático da sua existência” (SEABRA, 1987).

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É importante lembrar que o “processo da transformação tecnológica” não é um problema em si, mas sim o é a “lógica” que o conduziu. A “metrópole fluvial” também contaria com um “processo da transformação tecnológica”, dessa vez para propiciar um contato digno com os rios e com a cidade (DELIJAICOV, 2005). Para tanto, este deve ser construído a partir de “premissas humanistas, sociais, públicas e coletivas” (DELIJAICOV, 2012). A distância dos paulistanos dos rios e das várzeas, a não ser em situações não tão desejáveis, é tão grande que até a imaginação fica um tanto prejudicada, reduzidas a “um espaço tecnológico”. Nestas condições a representação possível será pensada, teórica, programada” (SEABRA, 1987). Quando o processo de um projeto arquitetônico se distancia das vivências, até mesmo daquelas de um escritório – com objetos táteis como maquetes ou desenhos –, aprofunda-se o perigo da perda da dimensão dos rios. A criação de imagens através de computadores tende a reduzir a nossa “magnífica capacidade de imaginação multissensorial, simultânea”, ao transformar o processo de projeto em uma manipulação visual passiva, em um “passeio na retina” (PALLASMAA, 2011, p.12). Assim, ainda que utilizemos todos os recursos de cálculos pertinentes a drenagem, abastecimento e tratamento das águas, é imprescindível que outros fatores, menos quantificáveis, mais ligados à qualidade da vida urbana, descobertos em práticas e vivências coletivas, sejam considerados em conjunto. O Plano de Macrodrenagem, por exemplo, poderia ter indicado a necessidade de um “reservatório de detenção” em certo trecho, abrindo ao “plano urbanístico” possibilidades de se estudar e apresentar soluções para este “novo elemento da paisagem”, incorporando-o, por exemplo, a um “parque linear, com equipamentos urbanos”, ou dando-lhe tratamentos adequados às “demandas da área” (MONTEIRO, 2011). Abrir-se-ia assim também as possibilidades de usos múltiplos e simbólicos. Na história da humanidade não faltam exemplos maravilhosos de convívio harmonioso com os rios, aprimorados aos poucos através de observações, construção coletiva do conhecimento e 16


aplicação de diversas técnicas. Destacam-se os modos de obtenção de água – shaduf, poços, noras, aquedutos, e os encanamentos citados por Vitruvius no século I a.C (2007); os conhecimentos ligados à agronomia – as cheias cíclicas, a relação com a astronomia, os arrozais em curva de nível, os diques e canais de irrigação; as cidades fluviais ou marítimas – Tenochtitlán, Mexcaltitán, os ribeirinhos e suas palafitas, as islas flotantes, Holanda, Veneza; as máquinas hidráulicas; as embarcações; e os jardins. Ainda há as pontes vivas de Meghalaya (Índia), obtidas através da condução das raízes da Figueira, técnica passada de geração a geração, que são capazes de suportar as chuvas torrenciais da região, ficando mais fortes e robustas a cada ano. Ou a Tribo Massai, que vive num ambiente de tal modo árido que encontrou o alimento no sangue – talvez a única forma possível em tanta secura. Ou inúmeras outras sabedorias, que não seria possível mencionar aqui. Cito esses exemplos, mais para inspirar – para construir um imaginário de que nossas relações com os rios podem ser outras –, de que para querer replicá-los, ou importar “ideias fora do lugar”. Das relações profundas que o homem pode tecer com seu meio, muitas vêm de especificidades locais, e por isso, mais do que receitas prontas, precisamos estimular nossa conexão, afetividade, vivências. Nesta pesquisa, gostaria de destacar as relações mais profundas que o homem já pôde desenvolver com as águas, pois acredito que essa imersão possa contribuir muito para um olhar mais integrado. Dentre os usos possíveis, também gostaria de lembrar aqueles com sentido menos utilitário, aqueles mais ligados ao subjetivo, à imaginação – o que, para Leonardo Boff, nos ajudaria, sob outra ótica, a ter outra ética (RIBEIRO, 2014). Ou então, abrir os olhos que têm “novos tipos de visão” (BACHELARD, 2002, p.18) Os rios, como descreve Euclides da Cunha (1902), ao unir os caminhos, unem também os homens. “A água é o lugar do encontro e da despedida, do chegar e do partir” (CAVALCANTI, 2012), da esperança e da saudade, do desconhecido. Mayumi de Souza Lima conta do aspecto lúdico e afetivo, ao relatar que as crianças preferiam o caminho mais longo, porém percebido como mais curto, do rio: “a gente vai brincando 17


no córrego, jogando água e pedra e chega lá na escola num instantinho” (LIMA, 1989, p.29-30), mas também que pode ser o espaço-medo, segundo as crianças o “caminho do açude é longe e não tem graça, porque é perigoso; a gente não pode brincar na água porque já morreu criança afogada”. O espaço-medo não é exclusividade das crianças. O mar, a partir da leitura do Gênese, representava o incognoscível, o “'Grande Abismo', lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível, sobre a qual, na aurora da Criação, flutuava o espírito de Deus” (CORBIN, 1989, p.11). No México, acreditava-se em alguns seres ou entidades aquáticas que eram guardiões das águas, assim poderiam atacar quem fosse desrespeitoso (BENEZ; KAUFFER; GORDILLO, 2010). Em meados do século XIX, em Londres, as descobertas do médico Snow e do padre Whitehead em relação à propagação do surto de cólera, iriam mais uma vez revolucionar a percepção das águas e modos de construir as cidades. A doença sendo transmitida por veiculação hídrica e não miasma, como até então se acreditava, exigiria políticas de saúde pública para maior controle do abastecimento de água e tratamento dos efluentes (JOHNSON, 2008). Surge o urbanismo sanitarista, que por um lado foi realmente muito importante para a prevenção e erradicação de diversas doenças, mas por outro, reafirmou o medo das águas, agora vinculadas a doenças e micróbios. Aqui no Brasil, muitas das reformas urbanas feitas com o objetivo de sanear (que teria a ver com drenar), também tinham como objetivo “embelezar”, tornando assim os antes malvistos espaços das várzeas, em lugares apropriáveis pela elite e mais tarde pela especulação imobiliária. Odette Seabra (1987), cita que até os famosos campos de futebol das várzeas, também tinham um pouco desse sentido de aumentar o valor de mercado das terras, ao estimular a criação de vínculos afetivos com o local, ainda que nestes campos, quando houve espaço para tal, também tenham ocorrido expressões espontâneas de apropriação para os mais diversos tipos de lazer, ou mesmo para os demais carinhos que se tecem com os rios e que não cabem na palavra lazer. Como resquício desse passado, nos rios Tietê e Pinheiros, não sobrou muito – talvez somente os clubes privados, que hoje também são fechados para os rios. 18


Tal qual Fernando Pessoa (Alberto Caieiro) ao comparar o Tejo com o rio de sua aldeia, Manoel de Barros lembra essa dimensão afetiva alterando a percepção espacial: Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. (BARROS, 1990)

Há ainda um sentido que pode permear, todos os outros modos de se estar com a água: a sacralidade. Tal ligação “sensível e espiritual” diluiu-se um pouco a partir de uma ótica estritamente racionalista, que separava o sujeito do objeto, ainda que se reconheça que muitos avanços foram conquistados sob essa mesma ótica (RIBEIRO, 2014). Para evocar tal sacralidade, finalizo com a lembrança de que a água é que permite o brotar da vida; é onde o embrião humano se desenvolve, ou o que propicia a Festa de Gonzaguinha: Mas o lindo pra mim é céu cinzento, Com clarão entoando o seu refrão, Prenúncio que vem trazendo a lenda, A chegada da chuva no sertão, Ver a terra rachada amolecendo, A terra dos pobres enriquecendo, O milho pro céu apontando, Feijão pelo chão enramando [...]

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EDUCAÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL E APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO

“De todas as obras de arte da humanidade, a cidade é a principal obra de arte. E, felizmente, é uma obra de arte aberta e inconclusa. Então a difícil arte de construção do espaço público, que é coletivo, passa por esse reconhecimento, por essa crítica, e nós nos reinventamos cotidianamente” Alexandre Delijaicov, no filme Entre Rios de Caio Ferraz

“Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração do conhecimento. Deve

ensinar

a

contextualizar,

concretizar

e

globalizar.

A

educação

transdisciplinar reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos” Carta da Transdisciplinaridade – Lima, Morin e Nicolescu -UNESCO, Art.11 (1994) –

“Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público, para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes?” Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire 20


A educação socioambiental, ou ecopedagogia, tornou-se uma das principais pautas da atualidade, sendo reivindicada, no entanto, por grupos com interesses opostos (GADOTTI, 2002). O esclarecimento desse conceito tão ambíguo faz-se necessário, sendo porém um tanto dificultado por processos contínuos e de apropriações, deslocamentos e cooptação, em que o termo socioambiental perde algo de seu teor substantivo, para se tornar ferramenta adjetiva de projetos, de forças mercadológicas e tecnoburocráticas que buscam ressignificá-lo como uma nova roupagem para um antigo “ambiental” (praticamente inalterado em seus pressupostos, entre as correntes dominantes), aproveitando-se dos benefícios de uma nova oportunidade de legitimação e justificação social. (MALAGOLI, 2015, p.216-217)

Assim, ainda que os termos mudem, uma série de neologismos são utilizados como “novos conceitos” – quando na verdade somente procuram encobrir o sentido de conceitos preexistentes e já bem definidos, substituindo-os (DEAK, 2006). É possível identificar três ou quatro correntes principais e distintas do que seria o ecologismo, ambientalismo, ou sociedades sustentáveis. A classificação que identifica quatro correntes tem viés mais cronológico, a partir do surgimento de cada percepção. A primeira delas, a ecologia natural, foi constituída a partir da segunda metade do século XIX e é mais ligada à biologia e aos estudos dos ecossistemas, ou seja, à interligação dos elementos da natureza. A ecologia social seria a identificação de como os processos de antropização, especialmente aqueles decorrentes da Revolução Industrial, estavam afetando a vida dos homens. Já o conservadorismo viria dessa percepção e consequente impulso de se proteger 21


a natureza de certos destes processos que causariam degradação. O ecologismo reconheceria nas formas de organização social alternativas – ou formas de produção mais eficientes (menos agressivas) –, a possibilidade da almejada harmonia com a natureza, ou ao menos um destino menos catastrófico (LAGO; PÁDUA, 1988). A classificação em três correntes tem mais pertinência para a distinção que aqui se pretende, pois além da ecologia natural – aquela que não envolve necessariamente o homem, mais ligada ao culto da natureza e sua preservação –, as outras duas, oriundas do ecologismo, são contrárias entre si. Enquanto uma busca manter o status quo, tentando reduzir os impactos através da ecoeficiência, justamente para tornar isso possível, a outra enxerga nas relações de desigualdade, assimetria e exploração, parte importante da degradação ambiental (e humana) que estamos vivendo – questionando a promessa “ambiental” desvinculada de mudanças sociais mais radicais. Interessante observar neste sentido a reflexão de há quase um século do pensador andino J. C. Mariátegui, de que a “modernização” que o colonizador trouxe aos povos autóctones na América, foi um falso “progresso”. Sua conclusão é a de que o progresso irrefletido capitalista, que desconsidera a questão social, piorou a vida das populações indígenas (MARIÁTEGUI, 2008 [1928]). Mariátegui entende que tal visão predadora ocidental, além de desorganizar as formas de produção tradicionais, em nome de um progresso “eurocêntrico”, agride também o meio-ambiente, chocando-se com a concepção de vida das sociedades indígenas, que vêem o planeta como parte de sua cosmologia – ventre donde nascem tanto os frutos alimentícios, como o próprio ser humano (MARTINS FONTES, 2015). Para se definir esta última corrente – a que aqui interessa –, os termos mais apropriados, por serem menos apropriáveis pelas linhas opositoras, seriam justiça ambiental, ecossocialismo ou ecologismo dos pobres (ALIER, 2007). Se desenvolvimento sustentável, ambiental e socioambiental, ainda hoje são utilizados com este mesmo intuito, porém, em sua ambiguidade, também 22


representam um discurso sofístico verde de viés “mercantil” – que consiste em um grande negócio, muitas vezes opressor e inconciliável com o outro sentido. Vale ressaltar, entretanto, a maneira como esse discurso mercadológico acerca de um suposto desenvolvimento que garantiria a sustentabilidade logrou penetrar significativamente a opinião pública menos informada. Sem adentrar o mérito, apenas para ilustrar a percepção que se percebe no senso comum, sobre o tema, recordo aqui de uma proposta de redação (concurso da Prefeitura de São Paulo) que pedia para que se discorresse sobre “a importância de se consumir produtos que não agridam o meio-ambiente”. Enquanto eu refletia sobre como a questão estava invertida – e que o importante seria não consumir produtos que agridam o meio-ambiente –, um tanto indignada, observei a colega ao lado, que louvava os sacos biodegradáveis, feitos de milho (provavelmente transgênico). Vê-se que tais questionamentos, escamoteados por vultuosos interesses comerciais – que são publicizados pelo monopólio informativo de uma grande imprensa corporativa atrelada a estes interesses –, não puderam chegar a esta colega, bem como a grande parcela da população. Eis um reflexo da visão sobre a questão ambiental que insidiosamente se tornou dominante: Se até o início dos anos 80 prevalecia a imagem do sujeito ecológico como um agente político transgressor, crítico do modo de vida industrial, da atomização, do consumismo, etc, os anos 90 consagraram a imagem do ambientalista como especialista técnico, conhecedor e gestor dos “recursos naturais”. Em substituição ao movimento da ecologia política, consagra-se a visão tecnicista do ambiente como realidade objetiva, passível de intervenção técnica e, portanto, de correções. Não se almeja como antes a transformação da sociedade; isso sai do horizonte e, portanto, do vocabulário dos atores sociais do campo ambiental (bem como de demais campos). Institucionaliza-se a crença

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de que o conhecimento racional dos problemas ambientais proporciona soluções técnicas. (ZHOURI, 2007)

Nesse contexto, entende-se que a educação ambiental deve ter por base a pedagogia crítica, a educação popular – conforme as proposições de Paulo Freire. O mero despejo de informações sobre meio-ambiente implica na falta de uma compreensão mais ampla, na redução do problema a uma visão tecnicista, no não reconhecimento do ato educativo como um ato de criatividade e transformação, nem do homem enquanto sujeito capaz de construir sua própria problematização. É preciso o desenvolvimento de um olhar crítico, a partir de diálogos, construindo um melhor entendimento da realidade social, política e econômica. Paulo Freire propõe a construção do diálogo a partir de “temas geradores”, escolhidos pelos educandos a partir de situações reais. Assim, estes homens “particulares e concretos” poderiam expressar-se, reconhecer a si próprios “como criadores de cultura” (FREIRE, 1967, p.7). A consciência ambiental não seria imposta externamente, mas nasceria desse diálogo entre os homens e o próprio meio, de forma a valorizar também os saberes locais – em geral, frutos de uma profunda harmonia com natureza. contra a ideia generalizada de uma consciência ambiental universal alcançada nas últimas décadas (...) a abordagem dos conflitos aponta para a hierarquização dos significados que elege a biodiversidade como problema ambiental prioritário (ou o efeito estufa, a camada de ozônio, etc) e não o saneamento básico das cidades do chamado terceiro mundo, por exemplo. Questiona quem tem o poder de definir as prioridades e, por conseguinte, a pauta das políticas ambientais. Denuncia a natureza dos processos sociais que atribuem aos pobres a degradação ambiental, elegendo-os como “público-alvo” da educação ambiental. Como se “o problema ambiental” fosse algo solucionável por uma pedagogia iluminada, neutra e imparcial, enfim, científica. (ZHOURI, 2007)

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A educação ambiental não pode advir de coerção (LAGO; PÁDUA, 1988, p.43), nem deve ser adestramento, o que seria uma forma de adequação dos indivíduos à sociedade – no caso estruturalmente injusta (BRÜGGER, 1999, p.35). Tentar impô-la, além de empobrecedor, opressor, arrogante, pode também ser ineficaz. Cristianne F. descreve “os pretensos parques que separavam os prédios [como] uma verdadeira floresta de placas” do tipo “não pise na grama”, etc, e atribui a isto sua necessidade precoce de querer sempre transgredir as regras (LIMA, 1989, p.53). As regras não devem ser impostas, mas sim construídas a partir do aguçar da sensibilidade, transformando as atitudes. Para tanto, é preciso confiar. “O verdadeiro humanista reconhece-se mais pela confiança nos homens que o conduzem a comprometer-se numa luta que nas milhares de ações que pode empreender por eles, sem essa confiança” (FREIRE, 1980) A educação ambiental ainda que considere a “planetaridade” (GADOTTI, 2002), não pode perder-se em discursos pretensamente universais, ao consolidar uma visão de meio-ambiente como algo “objetivo e externo às relações sociais”, passível de “trato técnico”, escamoteando os conflitos (ZHOURI, 2007). Num sistema baseado “na privatização dos benefícios e na distribuição dos custos sociais da produção”, são os mais pobres que vivem de forma mais direta as consequências da degradação ambiental (LAGO; PÁDUA, 1988, p.56). Seja para os que vivem nas cidades, para os quais só restam as áreas mais poluídas – ambientalmente mais frágeis, sem saneamento, sem arborização –, seja para aqueles que vivem imersos na natureza mais preservada, sujeitos a terem suas atividades restringidas em nome de uma preservação universal, ou então a assistir a mercantilização de seu ambiente para o turismo, tornando-os subalternos e ainda alvo de “educação ambiental”.

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A apropriação social do espaço, sendo a antítese da “alienação”, seria o aprofundamento das relações do homem com seu ambiente, criando-se “laços afetivos e identitários” (LIMA, 2012). Talvez aí esteja toda a essência do que deveria ser a educação ambiental. Interagir com o ambiente de maneira mais harmônica, sem a transformação das relações sociais desiguais, não seria possível. Dentre as transformações necessárias, a abertura dos processos decisórios em relação aos espaços é fundamental. É claro que as “práticas de espaço” (CERTEAU, 1984), inventivas, nascidas do valor de uso, desviantes daquilo que o projetista “ministro do saber” concebeu, sempre irão subsistir. Mas o que queremos aqui é que elas ganhem o espaço digno que merecem, por um urbanismo que se construa coletivamente, aberto à “dimensão do universo cotidiano”, a partir do qual se cria laços de pertencimento. “[O projeto] transforma-se num tecido com as bordas esgarçadas, abertas para o mundo a sua volta, no lugar de uma trama de bordas alinhavadas e bainhas precisamente definidas” (PEREIRA, 2006, p.2). Para tal, a tão discutida “participação” não seria meramente consultiva ou informativa, ou ainda pior, “instrumentalizada para neutralizar conflitos” (DOBRY, 2002), mas a própria substância do processo de projeto. Na medida em que, a visão de paisagem, pressupõe a existência e a interação ativa de quem a vê e a vivencia e o meio circundante, e não subsiste apenas como sistema de objetos, a discussão da cotidianidade coloca de “ponta-cabeça” os critérios acadêmicos de se conceber um projeto. (PEREIRA, 2006, p.2)

Assim, o aprendizado e as metodologias de concepção de projetos precisariam reinventar-se para que os moradores, enquanto sujeitos, não se reduzam a meros objetos. O projeto participativo teria uma “perspectiva pedagógica” na construção de um novo conhecimento “empírico-teórico” – e não apenas como atendimento de “demandas e desejos” (LIMA; BOUCINHAS; ALBUQUERQUE, 26


2012). Nesse processo de empoderamento, a alfabetização deveria incluir também a linguagem cartográfica, por ora um tanto confinada aos técnicos, como expressão gráfica das percepções do mundo, dos sonhos e também conflitos. Assim, o ensino de geografia, mais do que um manancial de informações, buscaria também a compreensão do próprio lugar, a partir da construção de uma visão crítica de forma que a participação possa ganhar profundidade. O processo de formulação participativa de um plano pode ser mais importante que o plano em si, dependendo da verificação de certas condições. Isto porque ele pode criar uma esfera ampla de debate e legitimar os participantes com seus pontos de vista diferentes e conflitantes. (MARICATO, 2000, p.180-181)

Neste texto, Ermínia Maricato ainda destaca que essa almejada esfera de participação política não poderia ser garantida pela “formulação técnica ou legislativa”, por mais “correta” que ela fosse. Neste sentido, Carlos Vainer (VAINER, 2011), lembra Thompsom: “a classe operária não luta porque existe, existe porque luta”. Assim, a cidadania não pode estar apenas no papel; ainda que este seja um passo para a mudança das “infraestruturas das mentalidades” (termo utilizado por Delijaicov), para que ela exista de fato, deve ser exercida. Para falar do que até agora chamamos de “participação”, outra pauta tão presente e ambígua, Carlos Vainer apropriou-se de um termo mais próprio para designar seus anseios: “planejamento insurgente”. Para o autor, o conceito de insurgente seria o “exercício permanente do conflito” – que é a “manifestação da vitalidade do corpo social” –, pois uma cidade sem conflitos: “ou é uma cidade brutalizada por uma violência que impede a manifestação, ou é uma cidade onde o autoritarismo foi internalizado por cada citadino”. Segundo Sylvia Dobry (2002, p.110-112), Maria Glória Gohn também faz uma distinção de termos, pois para ela, a participação, ainda que guarde o potencial transformador inerente ao 27


homem, não é uma prática transformadora a priori, tendo se tornado bandeira também de classes dominantes – como forma de neutralizar conflitos. A co-gestão também viria nesse sentido, numa suposta “colaboração de classes” para o “bem-estar geral”. Assim diferencia-se a participação formal, legalista, reformista, da participação real que visa a “superação da estrutura social”. Há ainda a autogestão, que é quase uma utopia no sistema capitalista. E a gestão popular, que consiste em revelar os conflitos, para então buscar os caminhos desejados, proposta que converge com o conceito de “planejamento insurgente” e com a visão que aqui se esboçou do que seria a “educação ambiental” e a “participação” – práticas que poderiam ser transformadoras no sentido de uma construção e apropriação coletiva do espaço que almeje fazer dos espaços do cotidiano um laboratório para o desenvolvimento de um “senso de liberdade, experimentação e comprovação” (LIMA, 1989, p.11). De fato, sobre a imbricada questão acerca da “liberdade”, vale lembrar a reflexão de Caio Prado Jr., quem vê neste conceito uma construção social – uma construção paulatina a partir de que o homem vai obtendo condições de se aprofundar em suas reivindicações (PRADO Jr., 1984). E neste caminho emancipatório, cabe ao homem, ser-social, não se ausentar de decisões e ações: “liberdade é poder e é libertação coletiva, em comunhão” (MARTINS FONTES, 2015).

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… com os pés no chão

A CIDADE DE SÃO PAULO E OS RIOS – HISTÓRICO O livro A cidade de São Paulo, de Caio Prado Jr., inicia-se com uma questão: como esta região de terras relativamente pobres para a agricultura tornou-se a então (mal sabia o autor o que ainda estava por vir) segunda maior cidade do Brasil e terceira da América Latina? As reflexões acerca da escolha do sítio são, em sua maioria, de ordem físico-geográfica: menor dificuldade de acesso através da Barreira da Serra do Mar, clareira natural (campos), a preexistência de ocupação humana, e os rios – extremamente importantes tanto para o deslocamento (nesse caso, aliado ao relevo) quanto para a permanência (alimento). Cita-se Santo André da Borda do Campo, num pedido para se “deslocar o sítio da vila em direção a algum rio”, pois a ausência “impedia que os moradores se socorressem do peixe para sua alimentação e dificultava a criação do gado”(PRADO Jr., 1989). A transferência foi ordenada por 29


Mem de Sá para os Campos de Piratininga, o que seria o “centro natural” do sistema hidrográfico da região. Sem o saberem, “seus fundadores” o estabeleceram num ponto donde irradiam, em todas as principais direções, essas “vias naturais de comunicação que são os cursos d'água” – tais como o Paraíba, Paraná, Pinheiros, Cotia, Piracicaba, e tributários. Apesar de estes rios não serem muito favoráveis à navegação, ainda assim eles representam a “melhor e mais utilizada via de comunicação”. Observando-se o relevo da região, encontra-se três grandes passagens – e São Paulo é o nó desse sistema topográfico. Além dessa abordagem mais estratégica de Caio Prado, busquei entender qual era a relação dos paulistanos com a água, nessa transição tão marcante “das bicas e chafarizes à Companhia Cantareira de Águas e Esgotos” (CUSTÓDIO, 2013); ou então, da água com visibilidade, para aquela da invisibilidade, marcada tanto pelo recente encanamento, quanto pelas descobertas microbiológicas (SANT'ANNA, 2004). Pretendo assim abordar o imaginário paisagístico – mesmo ainda sequer pensado como tal, e em plena metamorfose – que entendo como processo de percepção e transformação do mundo. Para tanto, foi essencial a leitura dos textos da geógrafa Vanderli Custódio e da historiadora Denise Bernuzzi Sant'Ana, nos quais pude perceber como principais fontes da época: Atas da Câmara, códigos de postura, notícias de jornal (Correio Paulistano, O Cabrião e Diabo Coxo, estes últimos de tom mais humorístico), relatórios de engenheiros, relatos biográficos, anúncios, textos de poetas, fotos e pinturas. E então, a partir destes documentos (citados ou consultados em arquivos públicos digitalizados), entrar em contato mais direto com o imaginário e poética da época. Em meio a um manancial de informações, relatos, acontecimentos, disputas e inventos que mudariam para sempre a relação com a água, a casa de banhos “Ilha dos Amores” chamou-me a atenção. A Ilha foi constituída a partir da terra da primeira retificação do Tamanduateí, na região da Várzea do Carmo, então reduto de lavadeiras, “sapos” (apelido para os que nadavam), “homens 30


suspeitos” que frequentavam os matos próximos, namoros e águas – que agora poderiam ser “domesticadas” pelos engenheiros, criando terras de valor econômico. Dentre as discussões no Correio Paulistano e as Atas da Câmara, nota-se uma certa desconfiança sobre os engenheiros (que de fato, às vezes utilizam argumentos técnicos para edificar em benefício próprio), os calceteiros e fiscais. A casa de banhos oferecia: banhos de chuva e de banheiro, lúdicos ou curativos, e também comidas que elevavam a ida a um acontecimento social. Antes, como Sant'Anna descreve muito bem em “Asseio a seco”, em parte pela dificuldade de obtenção das águas, em parte pelas crendices, tinha-se medo de se banhar por inteiro, sendo mais comum o lava-pés e banhos de cheiro e incensos, para a limpeza. Também os meninos gostavam de ir brincar no rio, o que passou a ser reprimido primeiro por questões morais, e depois de salubridade, quando o higiene passou a ser tratada como uma questão de saúde pública, especialmente pela descoberta dos micróbios. Mais tarde, quando a “Ilha dos Amores” já havia se degradado um tanto, volta-se a discutir um plano de “embelezamento” para a várzea que culminaria na implantação do “Parque Dom Pedro II”. A partir da fala de Washington Luís (quando prefeito), é possível notar a desconfiança com que se olhava para as várzeas, misturando-se o medo das doenças, a partir de expressões “médicosanitárias”, ao pavor daqueles que ali frequentavam, por entre as formas da também assustadora natureza indomesticada. Em sua visão, a implantação do parque seria fundamental para “sanear” aquela “vasta superfície chagosa, mal cicatrizada em alguns pontos”, e ainda “escalavrada, feia e suja, repugnante e perigosa, em quase toda sua extensão”, e isso não só a partir da “reforma urbana”, mas também protegendo-a da “vasa da cidade” – ou seja, uma explicitação, naquela época sem pudor, desse casamento tão comum entre a “qualificação do espaço” e a expulsão da população ali existente.

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É aí que, protegida pelas depressões do terreno, pelas voltas e banquetes do Tamanduateí, pelas arcadas das pontes, pela vegetação das moitas, pela ausência de iluminação se reúne e dorme e se encachoa, à noite, a vasa da cidade, em uma promiscuidade nojosa, composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as idades, todos perigosos. É aí que se cometem atentados que a decência manda calar; é para aí que se atraem jovens estouvados e velhos concupiscentes para matar e roubar, como nos dão notícia os canais judiciários, com grave dano à moral e para a segurança individual, não obstante a solicitude e a vigilância de nossa polícia. Era aí que, quando a polícia fazia o expurgo da cidade, encontrava a mais farta colheita (Washington Luís, apud SANTOS, 2000).

A relação com a água, tão vivenciada nos ambientes externos-públicos e próximos, passou a ser controlada por encanações disponíveis no espaço interno-privado e vindas de longe; escolha determinante para a sucessiva desconsideração para com as águas da cidade. Se é possível dizer-se que algo sobrou da tal “Ilha dos Amores” ou do “Parque Dom Pedro II” (além do nome), esses retalhos agora são cercados não por água, mas por viadutos, de certa forma substituindo o que um dia foi um símbolo do imaginário das elites, por outro símbolo, mais atualizado.

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Nesse registro de Vicenzo Pastore (entre 1900/1910), às margens do Tamanduateí, o que mais me encanta não são as tão faladas lavadeiras, mas a série de escadinhas, expressando um forte vínculo com o rio, ainda mais com essa canoa ao lado. 33


PARADIGMAS DE INTERVENÇÃO E CONTRADIÇÕES

“Que tempos são esses, quando Falar sobre árvores é quase um crime Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?” Bertold Brecht

Na história da relação da cidade de São Paulo com os rios é possível perceber as mudanças do ideário das escolhas técnicas já adotadas – e mesmo daquelas apenas em debate. De modo bem sucinto, as primeiras intervenções tiveram objetivos higienistas ligados também à ideia de embelezamento, inspirado em cidades europeias. Nesse contexto, as retificações poderiam aumentar a velocidade das águas, uma vez que as águas paradas estavam associadas às doenças. Num segundo momento, com a cidade em plena expansão, vê-se a oportunidade de transformar as várzeas em busca de uma valorização do preço das terras. Assim, muitas das obras de engenharia empreendidas tinham esse objetivo: retificar o rio, aterrar as várzeas e abrir os caminhos, que no caso seriam para sistemas sobre pneus, modos que, diferentemente dos sistemas sobre trilhos, permitiriam a “expansão horizontal ilimitada”, sem infraestrutura, nem planejamento (ROLNIK, 2010). Nessa época, a ideia de parques lineares já havia chegado ao Brasil – e mesmo o plano de avenidas de Prestes Maia os previa (para as “parkways” ou Marginais) mais generosos do que foram executados (CUSTÓDIO, 2012). Ainda previa o encontro das linhas 34


ferroviárias em uma única estação, perto da Ponte Grande (atual Ponte das Bandeiras), que seria remodelada com a construção de um monumento e de um parque esportivo, nas margens do Tietê. Assim, acreditava Maia, que dali a 30 anos não se poderia criticar seu projeto dizendo-se que outras possibilidades teriam sido melhores para São Paulo (CUSTÓDIO, 2004). No entanto, sendo o objetivo do plano, a circulação, e o traçado, justamente os talvegues – que para o autor do plano era uma indicação do próprio relevo para uma “solução moderna” (TRAVASSOS; GROSTEIN, 2013) –, não só os parques lineares foram suprimidos, como os próprios rios foram “enterrados vivos” (como diria Luiz Campos Jr., do coletivo Rios e Ruas). As consequências dramáticas disto já conhecemos. Dentre elas, foram as enchentes que receberam mais atenção: um tanto pela dimensão do impacto que geram, outro tanto pelos interesses políticos (e de empreiteiras) envolvidos. Entretanto, em cidades criadas em sintonia com os processos naturais de enchentes, elas podem ser muito bem recebidas, compondo a paisagem – através de projetos flutuantes, sobre pilotis, ou com a calçada elevada, como a simpática cidade de Mexcaltitán, sendo porém fundamental o cuidado de evitar que os esgotos não tratados se misturem a estas águas. As enchentes fazem parte da dinâmica das águas, porém com a urbanização, principalmente com a canalização dos rios, as águas que em ambiente natural fluem lentamente (e em parte, para fins de cálculos do escoamento superficial, perdem-se), tornam-se vertiginosamente velozes (e as perdas tornam-se menos expressivas), agudizando o pico de vazão – como é possível notar nos hidrogramas que comparam o meio rural com o meio urbano –, e assim os transbordamentos se intensificam. Portanto, em meio urbano, o escoamento deixa de ser uma característica apenas natural e passa a refletir as escolhas históricas daqueles que, exercendo este poder, imprimem-nas no espaço. No caso de São Paulo, uma série de escolhas equivocadas tornaram as enchentes uma tragédia recorrente. Como suposta solução executaram mais canalizações (ou tamponamentos), o que só transferiria o problema para jusante, tentando-se resolver um problema a partir da repetição 35


das ações que o geraram. Também criaram-se os piscinões, onde parte da vazão ficaria retida no momento de pico. Ainda que amenizem um pouco as enchentes (e por certo tempo, pois o processo de urbanização se dá de forma que o aumento da demanda é contínuo), criam-se outros problemas. Dentre estes, o custo de manutenção e a falta de cuidado ao inseri-lo na paisagem, o que não é algo intrínseco aos reservatórios de detenção e retenção, porém característica do modo corriqueiro de se projetar infraestruturas no Brasil – a partir exclusivamente da ótica da infraestrutura, infelizmente deixando de lado a estruturação do espaço urbano. Mais recentemente, esses paradigmas de intervenção têm sido questionados, propondo-se uma série de medidas estruturais e não estruturais para que as chuvas encontrem seus caminhos mais harmoniosamente. Essas ideias, que nem sempre são novas, compõem o “paradigma de intervenção ambiental” (FRIEDERICH, 2011). Dentre as medidas estruturais, as de “controle na fonte” – reservar as águas onde precipitam, diminuindo os escoamentos superficiais –, apresentam certo potencial paisagístico. Cita-se: trincheiras de infiltração e detenção, poços de infiltração, valas vegetadas, pavimentos porosos ou permeáveis, telhados armazenadores, jardins de chuva e micro-reservatórios ou cisternas. Desta maneira, os parques fluviais poderiam contemplar tais medidas, e além do mais, constituir um reservatório linear que escoaria por gravidade. Para que as pessoas possam estar mais perto das águas também nas épocas de estiagem, haveria um cais baixo, tal como o Parque do Rio Cheonggyecheon. Os canais abertos apresentam inúmeras vantagens: permitem vazões superiores (sem o perigo da propagação de jusante a montante), mais fácil manutenção e limpeza, integração paisagística, economia de investimentos, facilitação da execução de futuras ampliações. As diretrizes para projetos de drenagem urbana no município de São Paulo sugerem seção trapezoidal simplesmente escavada com taludes gramados – tratamento paisagístico, abatimento de vazões excedentes –, armazenamento, percolação e infiltração (MONTEIRO, 2011, p.272-273). 36


Ainda que muitos dos autores lidos apontem com esperança essas mudanças de “paradigmas de intervenção”, dado que atualmente se busca o ambiental ou sustentável, é importante lembrar as contradições inerentes até agora à sociedade brasileira, e os limites desse discurso verde que por ora pretende ser a “tônica do momento”(FAGGIN, 2011). Como ser ambiental em um país em que a desigualdade social ligada à propriedade privada da terra tornou-se o principal elemento definidor dos espaços urbanos? São justamente as áreas de proteção ambiental, “desvalorizadas para o mercado imobiliário”, que acabam sendo priorizadas para a ocupação pela população pobre, uma vez que aí a fiscalização foi historicamente mais condescendente (MARICATO, 1995). A tolerância pelo Estado, em relação à ocupação ilegal, pobre e predatória de áreas de proteção ambiental ou demais áreas públicas, por parte das camadas populares, está longe de significar, o que poderia ser argumentado, uma política de respeito aos carentes de moradia ou aos direitos humanos, já que a população aí se instala, sem contar com qualquer serviço público ou obras de infraestrutura urbana. Em muitos casos os problemas de drenagem, risco de vida por desmoronamentos, obstáculos à instalação de rede de água e esgotos, torna inviável ou extremamente cara, a urbanização futura. (MARICATO, idem)

Dentro dessa lógica perversa de produção espacial, buscando-se sempre favorecer a elite, o Estado, que tem força de polícia, não raramente, protege as áreas de patrimônio fundiário privado, enquanto são coniventes com a indevida ocupação do patrimônio público, incluindo o ambiental. Assim, é possível compreender como obras de grande impacto sobre os recursos naturais são vistas como “benefício coletivo”, enquanto a habitação precária é entendida como “onerosa ao equilíbrio ambiental” (LEITE, 2011). O Estado, aliado à iniciativa privada, em busca de promover a valorização imobiliária (investimento público para apropriação privada), promove ações que impelem a população a ocupar áreas ambientalmente frágeis. Por exemplo: a remoção do Jardim Edith às margens do córrego 37


Águas Espraiadas (ambientalmente frágil, mas também ocupada de modo ambientalmente questionável pelos “donos” da formalidade) – que em parte foi transferida para a Área de Proteção aos Mananciais; ou o caso de um prefeito no Estado do Espírito Santo que “incentivava” a população pobre a ocupar as áreas de mangue (MARICATO, idem). A remoção de habitações para implantação de parques lineares sem a devida provisão habitacional, por vezes resultou na ocupação dos mesmos córregos em outras áreas (LUZ, 2013). Além de ambientalmente frágeis, essas áreas em geral são cada vez mais periféricas, o que por si só é desastroso. O “ambiental” torna-se assim o lema de um jogo ambíguo no qual quem manda nas regras sempre ganha: a população, dita “sem consciência”, nem “educação ambiental”, é culpabilizada, enquanto as empresas e o Estado, sempre que possível, isentam-se de suas responsabilidades, relegando-as a um discurso vazio, ou quando lhes convém, utilizam-se do pretexto da “consciência ambiental” para lograr seus interesses. Joga-se mais uma vez com um “propósito pouco questionável”, tal qual foi um dia o “controle sanitário”, de forma a ajudar na “diferenciação” de localizações urbanas privilegiadas (FERREIRA, 2005). “É frequente esse conflito tomar a seguinte forma: os moradores já instalados nessas áreas, morando em pequenas casas onde investiram suas parcas economias enquanto eram ignorados pelos poderes públicos, lutam contra um processo judicial para retirá-los do local. Nesse caso eles são vistos como inimigos da qualidade de vida e do meio ambiente. Mas esta não é a situação mais corrente. Na maior parte das vezes a ocupação se consolida sem a devida regularização.” (MARICATO, 1999, grifo meu)

Ora, se na maioria das vezes, a ocupação se consolida de modo inadequado (e isto até por clientelismo), qual seria a eficiência de alguns projetos pontuais exemplares? Seria apenas o investimento na imagem para governos que se apoiam em “tão 'extravagante' distância entre o 38


discurso e a prática” (MARICATO, 1995), ou a semente de transformações de fato? Ao menos sabese que para cuidar do ambiental são precisos olhares e ações sistêmicas. Outro aspecto da “competição pelo espaço arbitrada pelo preço da terra” (BARTALINI, 2004) dificultando a construção de uma cidade ambientalmente desejável, é a precariedade com a qual tenta-se constituir um “Sistema de Áreas Verdes”, através das sobras dos parcelamentos – ou seja, a partir de uma lógica privada, alheia às prioridades do que deveria formar um todo organizado, um “conjunto dotado de intencionalidade” advindo de um objetivo previamente traçado (BARTALINI, 2004). Neste contexto, apesar do esforço de alguns, o estabelecimento de fato de um “Sistema de Áreas Verdes” ou SAPAVEL – Sistema de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (SÃO PAULO, 2014) – torna-se inviável, e o uso desta nomenclatura, um tanto excessivo para a nossa realidade, por ora se justifica apenas enquanto “sonhos resignados” (BARTALINI, 2004) ou “planodiscurso” (MARICATO, 2000). O que resta são os restos, tanto para as áreas verdes quanto para o lazer, assim como a história nos conta e às vezes ainda permite. Quanto às formas de lazer daquelas camadas assalariadas ou sub-assalariadas pelas quais o mercado não tinha interesse, elas se deram, necessariamente, à margem do mercado. Do ponto de vista territorial isso significava, literalmente, a apropriação das sobras e dos interstícios inaproveitados da malha urbana, já deixando antever sua própria fragilidade como sistema de lazer. Com a expansão contínua da mancha de urbanização, não só essas brechas do lazer informal, mas mesmo aquelas áreas dotadas de um potencial natural para constituírem a base de estruturas mais significativas e abrangentes de recreação, foram sendo paulatinamente comprometidas. Entre elas, as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros, com o leito de ambos transformado em esgoto de uma cidade sem redes de coleta. Seguiu-se-lhes, ao longo do tempo, a destruição de toda a rica rede de rios e riachos tributários daqueles dois cursos maiores. (KAISER, 2004)

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As áreas verdes públicas ainda sofrem enorme pressão do próprio poder público para a implantação de equipamentos ou moradia – e não, salvo rara exceção, por serem as áreas mais adequadas para tal, mas por estarem mais “disponíveis”, segundo a tal lógica de que estas áreas não precisariam ser adquiridas. Até mesmo o Plano de Macrodrenagem – que em sua racionalidade considera a bacia hidrográfica como um todo e, em suas diretrizes, considerou a importância de projetos que além de atender a demandas específicas, seriam formuladores de espacialidades –, tratou de indicar “terrenos livres”, como se esse fosse o maior determinante para o projeto. Nesse contexto, pôde-se notar como o planejamento urbano segue um “percurso inverso”: ao invés de partir do olhar amplo que requereria, parte-se de projetos pontuais, muitas vezes pautados pela reduzida “disponibilidade” de terrenos, para depois buscar as “articulações e costuras possíveis na colcha de retalhos que se torna o planejamento urbano” (MONTEIRO, 2011, p.168). Como destaca Klara Kaiser (2004), para se entender a degradação ambiental – mais do que se ater ao viés quantitativo, numa lógica um tanto neomalthusiana que possa induzir a equívocos absurdos –, a compreensão qualitativa faz-se premente, e mais do que isso, é urgente necessidade de clareza dos processos de produção e reprodução social que engendram tal situação. Assim, enquanto persistir o quadro estrutural de exclusão social e segregação espacial urbana, dificilmente se obterá algum êxito nas questões ambientais – que não seja mera aparência ou “plano-discurso”. Para que a cidade possa ser tão ambiental quanto seus novos paradigmas, impõe-se a necessidade de uma Reforma Urbana, ou então de transformações mais profundas ainda, sem as quais a própria Reforma Urbana seria improvável.

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PARQUE FLUVIAL URBANO

O Parque Fluvial Urbano, ainda que muitas vezes se apresente linearmente e tenha muitas premissas semelhantes aos Parques Lineares, traz em seu nome uma ênfase à dimensão dos rios – que podem, especialmente em suas confluências, ganhar espaços mais amplos que uma mera linha –, e da esfera pública das cidades, que promoveria “o encontro, a convivência e a confiança” (DELIJAICOV, 2013). Está intrinsecamente ligado ao conceito de Metrópole Fluvial (Grupo Metrópole Fluvial – FAU-USP, coordenado por Delijaicov). Luis Antônio Jorge (2002) afirma que houve um tempo em que as “noções de urbanidade e humanidade decorriam uma da outra”; mas, se é que um dia esse ideário pôde ser vivido de fato, hoje ele está sendo brutalmente contestado pela realidade. A cidade incapaz de promover o encontro, a sociabilidade, a cultura, não faria sentido. Cabe aqui relembrar a reflexão de Rousseau, ao reprovar os “espetáculos exclusivos”, voltados a “um pequeno número de pessoas” (Carta a D’Alembert, 1758): uma república deveria promover festas “iluminadas pelo sol”, espetáculos ao “ar livre” em que cada cidadão pudesse ser espectador e espetáculo – de maneira que, em se olhando nos olhos, cada qual “se veja e se ame nos outros”. A festa popular que ele propõe, nada tem de pompa, mas prima pela espontaneidade, pela participação coletiva – de maneira que os diversos estamentos sociais presentes na sociedade possam interagir, criar vínculos afetivos e, especialmente, desenvolver o espírito de coletividade. Em Novos Espaços Urbanos (2002), Jan Gehl – autor também de Cidades para Pessoas (título que expressa muito bem o que buscamos aqui) – cita diversos centros urbanos que, a partir de certa restrição dos “espetáculos exclusivos” mais dramáticos que as cidades já tiveram, os carros, agora proporcionam aos cidadãos os belos sonhos de Rousseau. Até a quantidade de horas ao “ar livre”, 41


“iluminadas pelo sol” ou não, numa cidade de temperaturas tão baixas, aumentou em Copenhague. Dentre as transformações citadas estão a restrição de automóveis particulares, aliada ao provimento de transporte público qualificado, e ao incentivo aos modos de transporte nãomotorizados, além da implantação de mobiliário urbano que proponha o estar, a abertura de um diálogo entre os restaurantes e as ruas, através de mesas ao ar livre ou sob toldos, e o ressurgimento das águas na paisagem. Herman Hertzberger (2001, p.48-63), discorre sobre a riqueza social que as ruas podem ter. Reconhece entre as causas de um presumível esmaecimento da vida nesse espaço: o medo, o individualismo, a redução das densidades urbanas (periferização), o crescimento do tráfego motorizado individual e o acesso um tanto labiríntico às moradias (garagens, elevadores), o que dificultaria o encontro “olhos nos olhos” dos vizinhos. Em seus exemplos de arquiteturas que favoreceriam que o espaço da rua seja vivido como “uma sala de estar comunitária”, destaca-se a sutileza da graduação entre o exterior e o interior, como um espaço intermediário que dialoga com ambos, a partir de escadas externas e alpendres. Outra primordialidade para que rua seja um espaço de estar é a oferta de lugares para se sentar, ainda que esta não se dê a partir de um mobiliário próprio, mas do aconchego que se pode sentir até num degrau qualquer, numa mureta, num gramado, etc. Nas fotos escolhidas por Hertzberger, é recorrente o uso de cadeiras domésticas nos espaços públicos, de um modo muito simpático. Sun Alex, em Convívio e exclusão no espaço público: questões de projeto da praça (2004), reenfatiza a importância de lugares para sentar como determinante para o sucesso de um espaço público. Além deste, realça também a relevância da acessibilidade – física, simbólica, visual – e da articulação com o espaço urbano. Mostra ainda como essas premissas se perderam um pouco a partir pensamentos paisagísticos que colocavam a vegetação em primeiro plano, relembrando como a civilidade já teve mais ênfase nos projetos. Isto fica explícito nas palavras que Benedito de Lima Toledo utilizou para descrever o Largo da Memória: “antigo incômodo barranco” que se tornou uma 42


“comodidade” para os pedestres, com “intensa circulação”, “hábil articulação do espaço urbano”, integrando-se com o entorno. Assim, esses espaços públicos, num eterno diálogo com as “formas assumidas pelas práticas sócias”, seriam, a partir de usos coletivos e multifuncionais, o lugar da sociabilidade e do exercício da convivência. Nesse sentido, o Sistema de Áreas Verdes, Azuis e Espaços Livres Públicos, através de calçadas largas e ciclovias, sombreadas e enfeitadas por árvores, articula o tecido urbano, retomando o rio como eixo estruturador ou espinha-dorsal da cidade. Nos pontos que chamam ao encontro – confluências, esquinas, pontes – deve haver a Rede de Equipamentos Públicos. Deste modo, mais do que buscar corresponder a um imaginário de “sabor bucólico” que anima os moradores da cidade de São Paulo (LEITE, 2011), se constituiria a civilidade digna de uma metrópole – mas, é claro que a qualificação do espaço envolveria uma qualificação ambiental, a partir da despoluição dos córregos e rios (de montante a jusante), da criação de espaços para as águas em época de cheias e para pessoas durante a estiagem (nucleares, deltas e canais paralelos, ou lineares – cais alto e cais baixo), e de plantios, desde que estes componham com os objetivos estabelecidos. Esses elementos ambientais não estariam isolados da sociabilidade, seriam sugestão para o seu acontecimento, incentivando o contato com as águas através de elementos lúdicos e com a vegetação a partir da possibilidade de plantar e criar hortas. Considerando a paisagem como um conjunto interativo de “manchas, corredores e matizes” (PELLEGRINO et al, 2006), a cidade seria a matiz e o Sistema de Áreas Verdes teria núcleos e alargamentos de seus eixos lineares. Alguns desses núcleos poderiam ser mais bucólicos, ao sabor de alguns, ou mesmo deixar que a vegetação cresça sem tantas interferências, o que comumente é chamado pejorativamente de mato, mas os olhos mais atentos reconhecem seu papel ecológico e educativo e até encontram alimentos (LORENZI; KNUPP, 2014). Além disso, ao longo dos corredores, em trechos menos movimentados, seria possível sentar-se e satisfazer esse desejo de contemplação.

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A cidade que foi construída para o automóvel, agora terá como prioridade o transporte público coletivo, os modos não-motorizados e a navegação. As consideráveis extensões de terra, “sobras do traçado viário” de propriedade pública ou particular, sem destinação, serão reconfiguradas sob uma nova lógica (LEITE, 2011). A “cidade para pessoas” não terá sua espacialidade decorrente das sobras da “cidade para carros” – sua orientação principal será a construção coletiva das potencialidades urbanas que aqui se esboçam. As pontes da cidade, predominantemente rodoviaristas, também serão reformuladas, podendo então expressar também seu sentido figurado, ou seja, a ligação, o encontro. Considerando os modos não-motorizados, as distâncias entre as pontes seriam menores, estabelecendo-se um sistema de pontes com portes adequados a cada escala. As pontes seriam então urbanas, para que as pessoas possam desfrutar de sua travessia – não mais servindo somente para serem atravessadas, mas também como um lugar de estar, um mirante para o movimento dos rios, das pessoas e dos barcos, da Lua e do Sol, e seus reflexos. As pontes urbanas teriam de suprimir as “alças” ou “tesouras” – sobras do traçado viário de difícil transposição para os não-motorizados – pois o pedestre seria priorizado, frente ao fluxo dos carros (com as velocidades máximas reduzidas). Nas cabeceiras das pontes, que teriam suas inclinações também adequadas aos pedestres, prédios mistos poderiam tecer a ligação entre o nível térreo e o nível da ponte. Assim, os Parques Fluviais Urbanos, destacariam na paisagem as “linhas definidoras do sítio urbano” (BARTALINI, 2004), e agora também a abundância das tramas da vida social.

Na página seguinte, pinturas de Martha Barros me trazem a alegria de um Parque Fluvial. 44


Limites de uma tarde aberta

A voz azul


A BACIA E O CÓRREGO DO JAGUARÉ A Bacia do Jaguaré encontra-se na margem esquerda do rio Pinheiros, já próximo de sua desembocadura no Tietê, na zona Oeste do município de São Paulo. Está em sua totalidade dentro dos limites da Subprefeitura do Butantã, mais especificamente nos distritos de Raposo Tavares, Rio Pequeno, Butantã e Jaguaré. A ocupação urbana é bem heterogênea, há bairros de classe média com ocupação predominantemente horizontal, favelas, conjuntos habitacionais, o centro industrial do Jaguaré, a Universidade de São Paulo, com áreas bem vegetadas. Ao redor das nascentes do Jaguaré, um tanto mais periférico, há também outras áreas bastante vegetadas. O córrego do Jaguaré, em seu leito principal, está confinado pela Avenida Politécnica, uma avenida de importância regional, que liga a Rodovia Raposo Tavares à Marginal Pinheiros. Perto de sua foz, há a faculdade que nomeia a avenida, com seu departamento de hidráulica, que se até agora foi em certa medida responsável por sua lamentável condição, poderia contribuir para revertê-la. Dentre as “tipologias” dos tratamentos dos cursos d’água urbanos (SOARES, 2014) – in natura, retificados, canalizados e tamponados –, na bacia do Jaguaré existem todas. Além disso, previu muitos parques lineares para a região no Plano Regional Estratégico de 2006, sendo que o do Sapé e o do Água Podre – em parte implantados – fizeram parte do programa Córrego Limpo, da SABESP. O futuro Parque Nascentes do Jaguaré, passou por um processo de participação popular chamado “Ambiências Urbanas”, porém atualmente não está sendo levado adiante.

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ÁGUA PODRE O córrego Água Podre é afluente da margem direita do córrego Jaguaré, o seguinte depois do Sapé. O nome, Água Podre, diz respeito às características naturais do córrego, que tem um taboal em suas nascentes, criando uma espécie de nata ferruginosa em sua superfície. Se naquela época os tropeiros da estrada velha de Cotia (atual Eiras Garcia) assim o nomearam, atualmente o mais adequado seria água putrefata ou esgoto. Segundo o monitoramento feito pela Comissão de Moradores da Região do Riacho Água Podre, realizado a partir da metodologia do “observando os rios”, da S.O.S. Mata Atlântica, a qualidade da água, no período de 2003 a 2015, variou entre ruim e péssimo, com uma única exceção. Já o vizinho Sapé, monitorado apenas após receber o “Programa Córrego Limpo”, variou entre regular e ruim. Espera-se que em breve o Água Podre também não receba mais esgotos. A SABESP informou que a maioria da obra do coletor tronco está concluída (PEGORARO, 2015); porém devido à crise hídrica, obras para o abastecimento emergencial estão sendo priorizadas. A diferença entre a poluição dos córregos Água Podre e Sapé me foi bem perceptível, quando num domingo de Sol, fui de bicicleta visitar a ambos. Para mim, que estava pesquisando tudo somente através de textos ou mapas, foram muitas as surpresas – e a primeira delas foi algo como o despertar de meus próprios sentidos. Ao chegar ao Água Podre, encontrei o CEU-Butantã – que eu havia contornado por imaginálo fechado –, não só de portas, mas de portões abertos e generosos, de forma a criar um eixo convidativo entre o córrego a céu aberto e sua homenagem em lago. Vale ressaltar que me impressionei muito com o contraste entre estes portões e aqueles ditos “de pedestre” da USP, os quais também deveriam ter um papel de condensador social, mas no entanto, são obstáculos segregadores: fechados, estreitos e opacos. Ao voltar o olhar para o meu objeto de estudo, vejo 46


canos grossos que ganham exposição nos taludes do córrego – os quais, agora sei, são da adutora de Cotia, que mais tarde orientaria meu rumo em outra expedição. O Água Podre, que inicia seu trecho a céu aberto nesse ponto, tem seu leito até a sua foz, no Rio Pequeno, entre a sequência simétrica de taludes bem vegetados e arborizados (atualmente com lixo também), leito carroçável de pouco e lento tráfego de veículos inversamente proporcional ao intenso e animado uso de pedestres, por vezes com calçamento, e com uma sequência de casas bem consolidadas de padrão médio-baixo. Ao longo dessa simpática rua que margeia o córrego favorecendo o contato com as águas (contrário ao emblemático caso das avenidas marginais, dentre muitos outros nesta cidade), encontra-se vários sinais de afetividade, cuidado, uso comum e confiança no espaço coletivo: bancos improvisados (num caso, em conjunto com uma mesa, configurando uma pequena praça), varais (no escadão também) e plantações. Também há quem se aproprie de um modo menos positivo: utilizando de estacionamento, ou então, para acomodar o lixo da coleta (suspenso por estrutura feita com caixa sobre cabo de vassoura), o que demonstra de certo modo um cuidado com a destinação, embora talvez fosse mais adequado deixá-lo ao lado das casas. Quando o linhão atravessa o córrego, cortando a rua e o acesso para os que não querem se aventurar, forma um horizonte-paisagem bem bonito. Segurei minha curiosidade, contentado-me em dar a volta por ruas estabelecidas, e fui da foz ao encontro do linhão onde as margens se alargam configurando uma praça. Outrora, essas ruas foram o espaço das brincadeiras das crianças que quando entrevistadas nunca citavam a própria casa como lugar de brincar (LIMA, 1989, P94). Talvez sejam os adultos que hoje se sentam ali para conversar. Um tempo depois, tive contato com o desenho de um projeto da Secretaria do Verde para a área. Estava num papel bem comprido que ao desenrolar dava uma sensação de rio. O projeto era sutil e consistia basicamente em: acessibilidade (calçadas ao longo das margens, sendo em balanço nos trechos mais estreitos), iluminação, qualificação do caminho no trecho do linhão, pérgola 47


multiuso, playground, aparelhos de ginástica, e onde é mais íngreme, parapeito e muro de arrimo. Parte de suas nascentes ficam em um terreno arborizado, desapropriado em 2011 pela Prefeitura para a implantação do parque. O projeto tem sido elaborado desde 2006, com recursos provenientes do TCA da Ponte Estaiada. Tem envolvimento da SEHAB, SVMA, SIURB, Subprefeitura do Butantã e SABESP. A comunidade Maria Lúcia, em uma APP nas margens do córrego, tinha 122 famílias cadastradas. As 45 famílias removidas que estão recebendo bolsa-aluguel, estão com dificuldades para encontrar moradia pela quantia recebida, que é menor do que a recebida por quem é do Sapé, onde foram removidas cerca de 1200 famílias (pois na região, devido à grande procura, os preços aumentaram). Muito já se investiu para o Parque, mas ainda falta outro tanto. Sem o prosseguimento das obras, parte do que se fez poderá ter sido em vão, pois há uma grande pressão sobre os terrenos desapropriados e o esgoto continua sendo despejado no córrego (PEGORARO; SANTOS, 2014). Enfim, através de diversos relatos de participantes do “Movimento Pró-Parque Linear Água Podre”, foi possível entender um pouco melhor as questões relativas à implantação do Parque e também que ainda há muito por ser realizado. A partir de minha visita aos córregos mencionados, pude então experimentar a dimensão do cotidiano local, tudo aquilo que os mapas não poderiam contar – nem mesmo os mapas menos técnicos. Lá, pude ver pessoas nas ruas, brincando, conversando à beira do córrego, o futebol animado e a praça do Sapé quase que em festa. Poder-se-ia se dizer que tanta alegria era fruto de um domingo de Sol, mas acho que não se trata só disto, pois há bairros em São Paulo em que essa experiência de comunidade não acontece nem em dias tão bonitos – em que a vida só se dá no âmbito individual, dentro dos muros, enclausurada, restrita. Talvez possa-se relacionar, como Herman Hertzberger (2001) ou Mayumi Lima (1989), a ida à rua com a pequenez da casa, o que socialmente pode ter seu lado perverso. O que eu pude ver, neste dia, foi a grandeza da rua. 48



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sempre me encantei com o andar, o fluir, e como diria o “rio” em anagrama, com “o ir”. Assim, meu intuito neste trabalho foi – através de memórias (minhas e dos outros), experimentos peripatéticos e asas da imaginação – reinventar a relação com os rios e com a cidade, que sob essa nova perspectiva seria a cidade das pessoas. Lembrando Vladimir Bartalini (2010), queria tudo aquilo que escapa ao olhar comum, às fotografias aéreas e à cartografia convencional – o que só com o “palmilhar acurado” pode-se revelar. O anseio por soluções técnicas para retomar a dignidade dos rios também esteve presente. Um pouco antes do início da pesquisa, havia participado de um mutirão de construção de um biofiltro – e na casa de quem nos orientou nessa empreitada, Lucas Ciola, pude mergulhar minhas mãos (e meus sonhos mais profundos) num lago, em pleno Butantã, de águas limpas e emocionantes que vinham “usadas” da pia de lavar louça. Estas águas, depois de passar pelo processo de biofiltro, iam para um lago, com carpas e plantas flutuantes. Dessa experiência, pude relembrar como as soluções técnicas não eram mais apenas um receituário pronto com uma série de cálculos, medições e procedimentos – como tantas vezes nos é passado através de aulas engessadas –, mas sim uma experimentação contínua, um diálogo donde as novas soluções técnicas brotam. Nesse sentido, o receituário não é menosprezado, mas sim animado através de uma eterna relação apaixonada entre o sujeito e o objeto. É assim também que a agroecologia se constrói. Em meus cuidados com meu jardim de casa – que não são tantos quanto seriam se eu tivesse uma ideia a priori de como ele deveria ser – posso viver um pouco do que seria a educação ambiental como uma prática, crítica, aberta e transformadora, a partir da qual criamos vínculos afetivos e nos apropriamos dos espaços de vida. 49


Lembrando Paulo Freire (2001, p.97), trata-se de uma “curiosidade espontânea” que, ao se intensificar, se rigoriza, tornando-se epistemológica – e para mim, o motor dessas ações seria o amor. Por um lado, as práticas enunciam o sujeito em seu âmago; por outro, ele se abre para que a vida possa brotar alheia às suas preconcepções. Uma relação musical, entre o ouvir e o cantar, permeada sempre pela presença atenta e pela imaginação, sendo esta, para Bachelard, a “faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade”. E assim, quem sabe, possamos ultrapassar nossa própria realidade que, como exposto, está tão aquém das potencialidades humanas e de vida. Pude entender melhor as tantas vezes que tive dificuldade para projetar espaços a partir somente das metodologias mais convencionais do ensino de arquitetura, uma vez que sentia necessidade de ir além dos pressupostos dados. Assim, a partir de tudo que escrevi, de tantas reflexões, despertou-me uma vontade imensa de voltar para as ferramentas que aprendi – desenhos, maquetes, técnicas construtivas – e criar, como Lina Bo Bardi, a partir de lindas aquarelas, quais seriam os espaços que poderiam acolher os sonhos humanos, potencializá-los. Desta forma, o “programa da arquitetura” se constituiria, não a partir de uma série de cômodos, mas a partir de uma série de sonhos. E, para que eles possam emergir, é preciso, lembrando Manuel de Barros, deixar-se “voar fora da asa”, fazer poesia. A inspiração para os espaços não nasceria de revistas de arquitetura, com seu devido lugar estático e correto, em que as pessoas tornam-se “esculturas”, como relata Marie Jaoul (que cresceu na Maison Jaoul, de Le Corbusier). Para ela, a casa era “muito bela, bela e triste como um museu” (Jaoul apud LIMA,1989). Em escala mais ampla, também não podemos nos conformar com o senso comum do que seria uma cidade que funciona, pois de acordo com os noticiários diários, seria um lugar onde os carros pudessem andar “livremente” e não tivesse enchentes – enchentes estas que no caso da cidade de São Paulo e de tantas outras são realmente trágicas, mas não precisariam ser (algo que aliás é ainda pouco questionado). Manuel de Barros (1990, p.231-237) fala de um rio que “não se 50


pode pôr régua”, pois régua é “existidura de limites, e o pantanal não tem limites” –, e por lá, este extravasar do rio é lindo: é disso que nasce toda vida, a força das raízes, e também faz brotar a flora e alegra a fauna. A narrativa, no sentido de sair dessa superficialidade, torna-se a ferramenta primeira de quem quer criar um espaço. A narrativa do passado, do presente e do futuro. É preciso lembrar de quando fomos criança, de tudo aquilo que nos encantou, despertar também nos outros essas lembranças e olhar ainda para tudo que tem esse nome feio de patrimônio, mas são as maravilhas naturais e humanas, que manifestam como o mundo pode e deve ser lindo. É preciso caminhar com os pés no chão e redescobrindo, com os sentidos despertos, o mundo, a cada dia, e então descrever as descobertas – aprofundando-as. É preciso que os relatos de cidades imaginárias – próximos tanto da literatura, quanto da arquitetura – guiem nossos projetos. A partir de experimentações teatrais, todos seriam capazes de construir essas narrativas das cidades, não mais restritas aos técnicos – ou ainda pior, aos interesses comerciais. Certa vez, em um curso de permacultura, todos do grupo (arquitetos ou não) experimentaram a partir de ações espacializadas como seria a casa de seus sonhos, desde o acordar até o dormir. O resultado foi muito encantador. Assim, o que pude apreender e descobrir com esta pesquisa, conformou-se afinal em uma interessante metodologia de reflexão sobre as cidades – a qual incluiu tanto a subjetividade (para sairmos da superficialidade), quanto a contínua busca de entendimento objetivo dos processos e forças sociais (para não pecarmos por ingênuos). Desse modo é possível construir-se uma análise ampla e totalizante a partir de uma dialética entre: experimentação e raciocínio; arte e técnica; imaginação e realidade; sonhos e ações. Das sementes da pesquisa, que não couberam por aqui, a principal seria a aplicação dessa metodologia, tanto em pesquisa de campo (os parques lineares de São Paulo seriam um ótimo objeto), quanto num aprofundamento da construção do imaginário da metrópole fluvial (como já 51


foi feito a partir de narrativas, desenhos, exemplos ou fotomontagens, mas que, como a vida, deve ser um processo contínuo e criativo). No processo de conclusão da pesquisa, reli o hexagrama “O Poço”, do I Ching (texto milenar chinês na tradução de WILHELM, 1987), e eis que lá encontrei toda a essência do que ficou para mim desta pesquisa, e descrita de modo tão poético: “É preciso ir aos fundamentos da vida”, pois o poço é o símbolo do que a humanidade desenvolveu para satisfazer suas necessidades mais primordiais. A ordenação da vida quando incapaz de preencher as necessidades mais profundas e vitais, é inútil. A educação não deve se ater meramente às convenções, mas deve ser o caminho de conexão do homem às suas raízes mais profundas. A madeira, que assim como o poço traz as águas das profundezas para se alimentar, o faz em benefício de toda a planta. Do mesmo modo, a sociedade humana deve ser tal que todas “as partes cooperem em benefício do todo”.

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IMAGENS BARROS, Martha - Limites de uma tarde aberta - 65 cm x 146 cm - 2012 BARROS, Martha - A voz azul - 146 cm x 70 cm – 2012 PASTORE, Vicenzo (entre 1900/1910). Às margens do Tamanduateí. Acervo Instituto Moreira Salles * As demais imagens são da autora, conforme descrito em Ir longe...

SEMINÁRIOS “Hidronegócio, para onde vai a água numa crise construída?”. Geografia USP, São Paulo, 2015. “Terra, Alimento e Liberdade – O que você alimenta, quando se alimenta?”. Organizado por Comer Ativa Mente – Geografia-USP, São Paulo, 2013. 63


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PORTAIS DE INTERESSE Portal Grupo Metrópole Fluvial - http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/ Portal Rios e Ruas - http://rioseruas.com/ Portal Rios (in)visíveis – Mapeamento Colaborativo dos Rios de São Paulo http://www.riosdesaopaulo.org/#!/loc=-23.59026149098304,-46.63078308105469,12 Comunidade Movimento Pró Parque Linear Água Podre https://pt-br.facebook.com/ParqueLinearAguaPodre Blogue Parque Água Podre - http://parqueaguapodre.blogspot.com.br/2011_11_01_archive.html Rede Butantã - http://redebutanta.blogspot.com.br

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