O Despertar da Vila: Urbanismo Colaborativo no Bairro Vila Neuma em Iguatu-CE

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O DESPERTAR DA VILA URBANISMO COLABORATIVO NO BAIRRO VILA NEUMA EM IGUATU-CE

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS TÉCNOLÓGICAS ARQUITETURA E URBANISMO FORTALEZA, 2018

MARIANA ARAÚJO DE OLIVEIRA ORIENTADORA: CARLA CAMILA GIRÃO ALBUQUERQUE



Universidade de Fortaleza Centro de Ciências Tecnológicas Arquitetura e Urbanismo

O DESPERTAR DA VILA URBANISMO COLABORATIVO NO BAIRRO VILA NEUMA EM IGUATU - CE

Mariana Araújo de Oliveira Professora Orientadora: Carla Camila Girão Albuquerque

Fortaleza, 2018



Mariana Araújo de Oliveira

O DESPERTAR DA VILA: URBANISMO COLABORATIVO NO BAIRRO VILA NEUMA EM IGUATU - CE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

Fortaleza, 2018



Mariana Araújo de Oliveira

O DESPERTAR DA VILA URBANISMO COLABORATIVO NO BAIRRO VILA NEUMA EM IGUATU - CE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista.

Fortaleza, 15 de Junho de 2018

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Arq. Carla Camila Girão Albuquerque Orientadora

__________________________________________________ Arq. Laura Silveira Rios Orientadora

__________________________________________________ Arq. Joisa Maria Barroso Loureiro Membra da banca examinadora



Dedico este trabalho à minha mãe, Alda Maria Araújo de Oliveira, um exemplo de amor e do ato de dar tudo de si no que faz, e ao meu pai, José Auriço Oliveira, nascido e criado em Iguatu, professor universitário, amante da música, da natureza e de perceber as coisas da vida que vão além das telas. Fonte: Arquivo Pessoal


Fonte: Arquivo Pessoal

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AGRADECIMENTOS Os agradecimentos em um trabalho pautado no fazer colaborativo são muitos, e imensos. Primeiramente, a Deus, que permitiu que esse trabalho se concretizasse em um bairro no interior do Ceará e que providenciou que cada condicionante necessária para sua realização fosse suprida com a ajuda de todos os envolvidos. Ao meu pai, José Auriço Oliveira, pelo amor, apoio e exemplo diário de perseverança no estudo e pesquisa; mesmo tendo três turnos de trabalho e faculdade na semana, conseguia tempo para estudar no final de semana e ser sempre meu grande professor em todas as esferas. À minha mãe, Alda Maria Araújo de Oliveira pelo carinho, amor e apoio incondicionais em todas as fases desse trabalho e da graduação, se envolvendo verdadeiramente e buscando compreender cada detalhe do que faço. É um exemplo em tudo que se dispõe a fazer e uma inspiração. Obrigada por ser, acima de tudo, minha melhor amiga. Ao meu irmão, José Guilherme Pimenta Araújo Neto, por ser meu grande companheiro em qualquer situação, sempre me fazer rir e me ensinar tanto com seu modo leve de ver a vida. Obrigada por dividirem todos os dias comigo. À minha avó Emilse, que mesmo eu estando longe, compartilhou das emoções, rezou por mim e torceu junto comigo por cada etapa. Aos professores da Universidade de Fortaleza, que me forneceram um ensino de qualidade e dinamismo ímpares, em especial à professora orientadora Carla Camila Girão Albuquerque, que acreditou na ideia deste trabalho

e mergulhou junto comigo em novas descobertas, sempre com paciência, aconselhamento e sabedoria a compartilhar. Gratidão imensa a cada pessoa que compõe o Coletivo A-braço, que é essa ideia linda da qual quem faz parte nunca se desassocia, só agrega e colabora. Vocês me fazem aprender e crescer com muito carinho, fazendo jus ao nome do nosso grupo. Obrigada! Aos companheiros e amigos de faculdade: nosso curso é trabalhoso, mas é cheio de amor pelo que fazemos e se torna muito melhor com o apoio mútuo que dividimos e o compartilhamento empolgado de cada descoberta ao longo do caminho! Vocês tornaram esses semestres mais maravilhosos ainda. A todos os amigos e familiares que acompanharam esse processo, me ofereceram palavras de carinho e apoio, mostraram interesse pelo tema abordado ainda que não fossem da área e vivenciaram mais essa etapa de vida comigo, obrigada por me apoiarem em tudo. Muito obrigada vó Áurea, tia Silvana e tio Aquino, que me receberam em Iguatu e estiveram à disposição durante todo o trabalho se envolvendo com energia e afeto. Agradeço especialmente a todos os moradores e líderes comunitários dos bairros Vila Neuma e Vila Moura, que me receberam em suas casas e em sua comunidade de maneira tão acolhedora e afetuosa e aceitaram construir essa proposta em conjunto. Vocês são incríveis! Às crianças que fizeram parte desses momentos, obrigada por garantirem que tudo fosse sempre cheio de sorrisos. Agradeço também a cada patrocinador e a todas as pessoas que direta ou indiretamente ajudaram a tornar a ação colaborativa da Praça do Mutirão uma realidade. Juntos somos mais fortes!


Este trabalho aborda o bairro Vila Neuma, ladeado pelo Rio Jaguaribe e pela BR 404, na área periférica de Iguatu, cidade localizada a 380km de Fortaleza e relevante no planejamento regional cearense. Considerando o cenário de segregação socioespacial sofrido pelo bairro, objetiva-se a partir da formação de uma metodologia de Urbanismo Colaborativo, realizar o diagnóstico em conjunto com a comunidade de características, talentos e materiais locais buscando efetivar propostas que dinamizem o cotidiano, potencializem espaços apontados pela população e integrem no processo a ideia de pertencimento a uma comunidade, enquanto fortalecendo conexões com as outras áreas da cidade. Nesse formato, foi realizado um Plano Geral para o bairro em questão e executada uma intervenção física por iniciativa colaborativa em relevante espaço público localizado entre os bairros Vila Neuma e Vila Moura: a Praça do Mutirão. A iniciativa permitiu compreender ainda mais a forma de comportamento dessa população e fortalecer o consenso de união comunitária a partir da grandeza do fazer.

This work approaches Vila Neuma neighborhood, presenting Jaguaribe River on one side and BR 404 federal highway on another, at a peripheral area of Iguatu, a city located at a distance of 380 kilometers from Fortaleza and known to be relevant in Ceara's regional planning. Considering the scenario of socio-spatial segregation suffered by the neighborhood, this work aims, through the formation of a methodology of Collaborative Urbanism, to perform a diagnosis together with the community, understanding its characteristics, talents and local materials. In that format, a General Plan for the neighborhood was made, with the objective of effecting proposals which invigorate the daily routine of the area, potencialize spaces pointed out by the population and integrate in the process an idea of belonging to a community, while strengthening the conexions with other areas of the city. The fixation of the plan was performed through a physical intervention by collaborative initiative in a relevant public space chosen by the population and located between the neighborhoods of Vila Neuma and Vila Moura: Praça do Mutirão. The initiative allowed the comprehension of the behavior of this population to go even further and was an opportunity to strengthen the sense of community union by the greatness of making.

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lista de figuras Figura 1: Mapa com a localização da cidade de Iguatu, 19 Figura 2: Ponte Demócrito Rocha sobre o Rio Jaguaribe, em Iguatu-CE, 19 Figura 3: Homem caminha pela BR 404, 25. Figura 4: Demonstrativo da Rede de Cidades, 28 Figura 5: Níveis de Polarização de Iguatu, 29 Figura 6: Região de Influência de Fortaleza, 35 Figura 7: Vista aérea de Iguatu em 2005, 36 Figura 8: Vista aérea de Iguatu em 2017, 37 Figura 9: Destaque do bairro Vila Neuma na margem do Rio Jaguaribe, 38 Figura 10: Destaque para o antigo prédio do Cine-Theatro Iguatu, 40 Figura 11: Localização de Equipamentos Urbanos,42 Figura 12: Linha do Tempo: Ocupação do município de IguatuCE, 41 Figura 13: Diagrama de potencialidades (em azul) e desafios (em marrom) relacionados à cidade de Iguatu, 43 Figura 14: Mapa de Micro áreas críticas e de risco, 44 Figura 15: Mapa de Evolução Urbana, 47 Figura 16: Vista da Lagoa da Telha, 46 Figura 17: Áreas problemáticas, 49 Figura 18: Diferenças sociais parte I - Conjunto João Paulo II, 50 Figura 19: Diferenças sociais parte II - Baurro Bugi, 50 Figura 20: Segregação do Bairro Vila Neuma em relação ao resto da cidade, 51 Figura 21: Escada da participação cidadã, 56 Figura 22: Desafios e atitudes de sucesso na realização do Placemaking Criativo, 58 Figura 23: Jardim comunitário da intervenção ‘Depois dos carros...artistas’, 59 Figura 24: Rua principal da intervenção ‘Depois dos carros...artistas’. 59 Figura 25: Exemplo de ação incentivada pela Cidade Escola

Aprendiz, 62 Figura 26: Representação dos resultados obtidos na Favela Mauro (Biourban), 62 Figura 27: Projeto de Olho no Tietê, 63 Figura 28: Casa Fora da Casa, 64 Figura 29: Montagem de fotos da intervenção do Cubo Urbano, 64 Figura 30: Intervenção na Praça da Alvorada, 66 Figura 31: Delimitação do bairro Vila Neuma em Iguatu-Ce, 72 Figura 32: Vista da Ponte Demócrito Rocha a partir da Rua Beira Rio, 70 Figura 33: Destaque para o desnível como visto da rua Amália Brasil para a BR 404, 71 Figura 34: Bairros Vila Neuma e Vila Moura, 72 Figura 35: Observações a partir de um olhar externo ao Bairro Vila Neuma, 75 Figura 36: Tipologia das Casas, 74 Figura 37: Tipologia das Casas, 74 Figura 38: Tipologia das Casas, 74 Figura 39: Calendário de visitas ao bairro, 82 Figura 40: Parte do grupo presente na reunião do dia 25 de março, 83 Figura 41: Conversa com uma moradora, 84 Figura 42: Moradora posa com a família, 84 Figura 43: Experiência sensorial resultando na vivência e na troca, 85 Figura 44: Registros de momentos com os moradores do bairro Vila Neuma, 86 Figura 45: Registros de momentos com os moradores do bairro Vila Neuma, 86 Figura 46: Registros de momentos com os moradores do bairro Vila Neuma, 86 Figura 47: Criança observa espaço livre na margem do Rio Jaguaribe, 87 Figura 48: Criança mostra cofre produzido por ela a partir de material reciclado, 87 Figura 49: Morador em frente à sua casa, 89 Figura 50: Detalhe da árvore, 88 Figura 51: Árvore plantada por morador, como vista de sua casa, 89

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Figura 52: Área livre de uma casa no bairro Vila Neuma, 90 Figura 53: Homem que realizou o plantio das árvores em sua casa, 91 Figura 54: Vista do terreno da casa no bairro Vila Neuma, 91 Figura 55: Detalhe da vegetação em uma casa na Vila Neuma, 92 Figura 56: Criança ainda tímida para a foto, 93 Figura 57: Criança agindo de forma natural momentos depois, 93 Figura 58: Exemplo de convite, 94 Figura 59: Convite entregue à população, 98 Figura 60: Etapas da Metodologia Despertar, 99 Figura 61: Grupos da reunião para confecção do Plano Geral, 100 Figura 62: Grupos da reunião para confecção do Plano Geral, 100 Figura 63: Mapas dos grupos, 101 Figura 64: Mapas dos grupos, 101 Figura 65: Mapas dos grupos, 101 Figura 66: Mapas dos grupos, 101 Figura 67: Integrantes apresentam suas propostas, 102 Figura 68: Mapa síntese das propostas, 103 Figura 69: Interações, 102 Figura 70: Talentos e materiais a serem colocados a serviço da comunidade, 104 Figura 71: Criança mostra objetos feitos com material reciclado para os presentes na reunião, 104 Figura 72: Diretrizes básicas para a praça do mutirão, 105 Figura 73: Anotações do levantamento da Praça do Mutirão, 106 Figura 74: Convite para intervir na praça, 108 Figura 75: Estado da Praça do Mutirão em março, 109 Figura 76: Estado da Praça do Mutirão em março, 109 Figura 77: Estado da Praça do Mutirão em março, 109 Figura 78: Criança preparada para participar, 110 Figura 79: Coleta de lixo, 110 Figura 80: Coleta de lixo, 110 Figura 81: População participa, 111 Figura 82: População participa, 111 Figura 83: Criança oferece por iniciativa própria lanche aos que trabalham, 112 Figura 84: Corda doada para confecção de brinquedo de pneu, 112 Figura 85: Alimentos do café da manhã colaborativo, 113 Figura 86: Crianças repartem entre si. 113 Figura 87: Crianças limpam o lixo por iniciativa própria, 114 Figura 88: Colaboradora explica as motivações dos momentos vivenciados, 114

Figura 89: Criança mostra seus objetos de material reciclado, 115 Figura 90: Crianças saboreiam sorvetes obtidos por meio de doação para o evento, 115 Figura 91: Crianças saboreiam sorvetes obtidos por meio de doação para o evento, 115 Figura 92: Vista da Ponte Demócrito Rocha, importante elemento urbano considerado no Plano, 116 Figura 93: Processo de pensamento do plano a partir dos mapas base, 117 Figura 94: Mapa dos bairros Vila Neuma e Vila Moura, 118 Figura 95: Mapa elaborado a partir dos mapas comunitários, 119 Figura 96: Mapa mosca demarca o local da Rua Beira Rio, 121 Figura 97: Potencial paisagístico e desafios para a Rua Beira Rio, 121 Figura 98: Potencial paisagístico e desafios para a Rua Beira Rio, 121 Figura 99: Potencial paisagístico e desafios para a Rua Beira Rio, 121 Figura 100: Potencial paisagístico das travessas, 122 Figura 101: Casa com ampla vegetação localizada em travessa contribui com o visual da área, 122 Figura 102: Localização da travessa Tomé de Souza, 122 Figura 103: Antiga fábrica de confecção e mapa mosca demarcando sua localização, 123 Figura 104: Estudo da topografia, 124 Figura 105: Desenvolvimento do plano à mão, 125 Figura 106: Desenvolvimento do plano à mão, 125 Figura 107: Desenvolvimento do plano à mão, 125 Figura 108: Plano Geral para o bairro Vila Neuma, 127 Figura 109: Croquis demonstrativos de uma das vias de contorno e acessos ao bairro, 128 Figura 110: Croquis demonstrativos de uma das vias de contorno e acessos ao bairro, 128 Figura 111: Croqui da ponte em formato pedonal contando com elemento lúdico de escalada, 129 Figura 112: Croqui demonstrativo da Via de Destaque, mostrando em rosa área destinada para grafite em muros cegos e em roxo, percursos lúdicos que levam de um equipamento a outro do bairro, 130 Figura 113: Croqui demonstrativo da via local e as


relações de vizinhança, 131 Figura 114: Croqui demonstrativo de uma travessa em perspectiva, área com grafite demarcada em rosa, 133 Figura 115: Croqui demonstrativo de uma travessa em corte, 132 Figura 116: Croqui da Rua Beira Rio, 133 Figura 117: Croqui do entorno do Rio Jaguaribe, 135 Figura 118: Croqui exemplifica áreas livres transformadas em praças no Bairro de Terra, bem como a proposta de delimitação feita por moradores, 137 Figura 119: Marcas de mão em banco na Praça do Mutirão simbolizam o ato de colocar a‘Mão na Massa’, 141 Figura 120: Mapas feitos em conjunto com a população para projeto da Praça do Mutirão, 142 Figura 121: Mapas feitos em conjunto com a população para projeto da Praça do Mutirão, 142 Figura 122: Mapas feitos em conjunto com a população para projeto da Praça do Mutirão, 142 Figura 123: Mapas feitos em conjunto com a população para projeto da Praça do Mutirão, 142 Figura 124: Devolutiva do Plano Geral e estabelecimento conjunto de propostas para a Praça do Mutirão em reunião planejada pela associação, 143 Figura 125: Devolutiva do Plano Geral e estabelecimento conjunto de propostas para a Praça do Mutirão em reunião planejada pela associação, 143 Figura 126: A praça antes de receber a intervenção, 145 Figura 127: Materiais arrecadados, 146 Figura 128: Calçada da praça é varrida, 146 Figuras 129 a 132: População envolvida com as atividades, 147 Figura 133: Pneus pintados separados para secar, 149 Figura 134: Crianças são orientadas sobre como realizar a pintura, 149 Figura 135: Participantes, 148 Figura 136 a 139: Momentos de construção comunitária, 150 Figura 140: Pintura de Pneus, 151 Figura 141 e 142: Crianças mostram as mãos com tinta, 151 143 e 144: Crianças utilizam os espaços da praça, 152 Figura 145: Cartaz utilizado para divulgar o momento do lanche, 153 Figura 146: Crianças utilizam espaço da praça, 153

Figura 147: Planta baixa da Praça do Mutirão com medidas a partir do levantamento realizado e demonstração das intervenções. Delimitada em rosa, área que recebeu intervenção, 154 Figura 148: Aproximação da área de intervenção, especificando quais foram as atividades em cada local, 155 Figura 149 e 150: Plantas utilizadas, 156 Figura 151: Bagaço de Coco, 156 Figura 152: Jarro de Pneu, 157 Figura 153: Amarelinha de Pneu, 157 Figura 154: Delimitação de espaços realizada através do pneu. Divisão entre campinho e área infantil, 158 Figura 155: Pintura da mureta da quadra, 158 Figura 156: Pintura dos bancos, 159 Figura 157: Pula-Pula de Pneu, 159 Figura 158: Representação do Mobiliário Amarelinha de Pneu, 160 Figura 159: Representação do Mobiliário Pula-Pula de Pneu, 160 Figura 160: Representação do Mobiliário Jarro de Pneu, 161 Figura 161: Representação do Mobiliário Balançador de Pneu, 161 Figura 162: Antes da ação, 162 Figura 163: Depois da ação, 163

lista de TABELAS Tabela 1: Características do caso Aprendiz, 61 Tabela 2: Características do caso Biourban, 62 Tabela 3: Características do caso De Olho No Tietê, 63 Tabela 4: Características do caso Casa Fora da Casa, 65 Tabela 5: Características do caso Aqui Tem Sombra, 65 Tabela 6: Características do caso Placemaking na Alvorada, 66 Tabela 7: Planejamento inicial da Metodologia Despertar, 80 Tabela 8: Elementos a serem considerados no plano, 120 Tabela 9: Formatos de execução das iniciativas propostas no Plano Geral, 137

lista de ABREVIATURAS e siglas Abreviatura 1: Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) Abreviatura 2: Income Housing Tax Credits (LIHTC)

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sumário CAP.

01

p.25 PROCESSOS DE EXPANSÃO E SEGREGAÇÃO URBANA

1.1 Histórico de formação das cidades

26

1.2 Rede de Cidades

27

1.3 Expansão das Cidades 1.3.1 O caso das cidades médias 1.4 Formação da cidade de Iguatu

31 32 40

1.4.1 O Plano de Desenvolvimento Regional Vale do Salgado (PDR)

43

1.4.2 Expansão da cidade

44

CAP.

02

p.52 UMA INTRODUÇÃO AOS PROCESSOS PARTICIPATIVOS

2.1 Histórico da ação do planejador urbano durante o período pós-industrial

52

p.71

CAP.

03

NOVOS CAMINHOS PARA A COLABORAÇÃO

3.1 Delimitação da área de estudo: o bairro Vila Neuma

71

3.2 Metodologia Despertar

79

2.2 Os processos participativos

54

2.2.1 Análises de caso

57

3.2.1 Aproximação I (Planejamento) 3.2.2 Aproximação I (Execução)

60

3.2.3 Aproximação II (Planejamento)

94

3.2.4 Aproximação II (Execução)

95

3.2.5 (Re)conhecer, (Re)novar e (Re)agir (Planejamento)

95

2.2.2 Práticas Urbanas Criativas 2.2.3 Instituto COURB: A importância do intervir 2.2.4 Cearah Periferia: visões de longo prazo

16

64

67

3.2.6 (Re)conhecer, (Re)novar e (Re)agir (Execução) 3.2.7 Iniciando as atividades na Praça do Mutirão

80 81

98

106


p.117

CAP.

04

PLANO GERAL PARA O BAIRRO

CAP.

05

p.141 AÇÃO COLABORATIVA PRAÇA DO MUTIRÃO

4.1 Etapas do Desenvolvimento

117

5.1 A preparação

141

4.2 O Plano

127

5.2 O projeto colaborativo

144

4.2 Áreas Verdes

134

5.3 Mão na massa

146

4.3 Habitação

136

5.4 O Resultado

154

4.4 Equipamentos

136

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Quanto silêncio! Tanto que perturba aquele que medita, de tão estranho e extremo. Mar, bosque e esta aldeia tão populosa. Mar, e morro, e bosque, Mais os mil afazeres desta vida Silentes como sonhos COLERIDGE


INTRODUÇÃO Iguatu é uma cidade chave no contexto do planejamento regional nordestino. Desde sua época de formação, tendo recebido a linha férrea e proporcionando conexão entre cidades próximas do centro-sul, consolidou sua importância nas dinâmicas econômicas da área. Se configurava então como uma cidade em expansão, o que é um elemento decisivo no que se refere à escolha de quais obras servem aos objetivos da cidade que quer se tornar (ver figura 1).

Nesse cenário de estruturação, à medida que se separava do rural e se aproximava do urbano, suas próprias dinâmicas foram sendo diversificadas e novos processos internos, sendo criados. Se configuraram novos pontos de interesse na cidade, bem como áreas periféricas e de segregação socioespacial. Logo, quando se fala o urbano, é impossível dizer a cidade como homogeneidade ou singularidade. Melhor pensar os diversos tipos de cidade (industriais, turísticas, pequenas, médias, grandes etc.), as várias cidades dentro de uma cidade (o centro, a periferia, os bairros de classe alta, etc.) e a geografia dos bairros, os bairros dentro dos bairros, seus espaços de opulência, lado a lado com misérias, favelas. (BENEVIDES,., 2009, p.80)

Uma das consequências desse processo de expansão segregador é a migração com falta de preparação por parte da cidade que recebe novos moradores, a partir de promessas ilusórias. Campos Filho (1989) menciona situações em que os migrantes, sem condições de suprir carências que trazem, reproduzem na cidade que passaram a habitar traços da economia rural de subsistência. Fala, ainda, do caso das habitações informais: Na maioria das cidades latino-americanas, a oferta de empregos urbanos não se faz ao mesmo ritmo que a chegada dos migrantes, gerando os bairros de extrema miséria conhecidos por barriadas, favelas, mocambos, cortiços, palafitas. (CAMPOS FILHO, Cândido Malta. 1989, p. 30)

Fig. 1: Mapa com a localização da cidade de Iguatu. Fonte: Elaborado pela autora. Fig. 2: Ponte Demócrito Rocha sobre o Rio Jaguaribe, em Iguatu-CE. Fonte: Site Norteando Você.

É uma realidade da qual cidades de interior não estão isentas, e sendo Iguatu um pólo agregador do Cento-Sul do Nordeste, esse processo migratório pode atingi-la de forma particular, em especial nas áreas periféricas.

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Este trabalho visa, portanto, atuar na área de expansão oeste da cidade de Iguatu, no entorno do Rio Jaguaribe. A problemática do local envolve o bairro Vila Neuma, cuja população encontra-se parcialmente em área de risco em ocasião das cheias que ocorrem a cada duas décadas, entre os períodos de seca. Tendo como orientação um processo de pensamento voltado a uma maior unificação com a cidade de Iguatu, o respeito aos processos internos do bairro Vila Neuma e uma melhor coexistência da população com o Rio Jaguaribe, procura-se estudar as dinâmicas observadas a partir de uma metodologia de Urbanismo Colaborativo, fundamentada na vertente de urbanismo tático como uma estratégia de centralizar a população local na concepção do diagnóstico e projeto para a área.Nordeste, esse processo migratório pode atingila de forma particular, em especial nas áreas periféricas.

Justificativa A ausência de arquitetos e urbanistas no interior é uma realidade que acarreta consequências sérias no crescimento regional. Enquanto as universidades se concentram, cada vez mais, nas capitais e nas denominadas cidades universitárias, esses territórios apresentam um desenvolvimento, muitas vezes, incoerente com as teorias e práticas mais atuais na docência e no mercado profissional. Sem oportunidade de acompanhar novas soluções para problemáticas que também fazem parte de sua realidade, esses locais passam a se desenvolver de uma maneira mais orgânica, que posteriormente pode representar um crescimento gerador de um município com os mesmos problemas que as grandes

capitais, já formadas e densas. Passa-se, então, a um processo de remediar situações inadequadas, uma vez que não é possível recomeçar. O ideal seria que as cidades, ainda novas, pudessem ter seu crescimento acompanhado de perto, e sua tomada de decisões realizada de forma coerente e centrada com uma linha de pensamento que refletisse valores bons para a sociedade. Como reforçado por GEHL (2015, p.9): Primeiro nós moldamos as cidades – então, elas nos moldam. [...] Se olharmos a história das cidades, pode-se ver claramente que as estruturas urbanas e o planejamento influenciam o comportamento humano e as formas de funcionamento das cidades. (GEHL, 2015, p.9)

Nesse sentido, observou-se, em Iguatu, a comunidade do bairro Vila Neuma, que se configura num cenário de segregação em relação ao centro e às demais dinâmicas em ocasião da passagem do Rio Jaguaribe e das vias de acesso à cidade. O cenário em que essas pessoas se encontram é de risco, mas isso ocorre de forma peculiar, sendo essa uma região prioritariamente de secas e as inundações pontuais a cada duas décadas. Viu-se, então, a necessidade de solucionar as problemáticas desse local, compreendendo suas dinâmicas próprias e desenvolvendo maneiras de ter as necessidades da área supridas, proporcionando também uma unificação da cidade com respeito ao rio, uma vez que essa segregação socioespacial gera um aumento nos índices de violência. A compreensão dessa comunidade vem no sentido de confirmar certas hipóteses, como a de que ela se adequa aos dois sentidos apontados por Brum (2012, p.35) sobre áreas de risco,

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pela vulnerabilidade relacionada ao rio e pela crescente violência relatada: O termo áreas de risco é bem representativo da mutabilidade que o termo favela possui. Se, num passado não remoto, as favelas (ou parte destas) eram consideradas como áreas de risco, geralmente devido a acidentes naturais somados a falta de uma infraestrutura urbana [...], atualmente, o termo risco passou a designar áreas mais expostas à violência urbana [...] (BRUM, 2012, p. 35)

Tendo isso em vista, a escolha do tema se deu a partir da experiência pessoal da autora, cujo pai é oriundo da cidade de Iguatu. As visitas familiares realizadas todos os anos geraram ligação emocional com a cidade e, à medida que o olhar amadureceu com a experiência no curso de arquitetura e urbanismo e os estudos nos bairros da cidade de Fortaleza, em que reside, surgiram percepções das diferenças existentes entre as duas localidades. A partir disso, surgiu o desafio de realizar um estudo e um projeto que abordasse temas relacionados à vivência universitária, pessoal e às preferências de estudo e viu-se nessa área uma junção de todos esses condicionantes. Durante o período de vivência acadêmica, a experiência no Coletivo A-braço¹, atuante no sentido de apropriação da cidade, trouxe o contato com o termo de Urbanismo Tático, um tipo de iniciativa que coloca a população local como realizadora e pensadora de uma ação que gera um produto no espaço. Acreditando que esse seja um meio eficaz de instalação de uma ideia maior, o aprofundamento nesse tipo de metodologia também faz parte das condicionantes de trabalho e resultado final, com intuito de efetivar uma participação real das pessoas e um produto físico do qual possam usufruir, no formato de intervenção que auxilie no diagnóstico.

¹O Coletivo A-braço surgiu no fim de 2015 como fruto da participação dos 5 membros fundadores no I Congresso Internacional de Espaços Públicos da PUC/RS, no qual conheceram o conceito de Placemaking e decidiram aplica-lo em fortaleza em formato de oficina na ocasião da Semana de Arquitetura da UNIFOR. Desde então, o Coletivo atua no fomento da apropriação da cidade em diferentes vertentes, como rodas de conversa, dinâmicas e ações colaborativas em espaços públicos.

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Objetivos

Metodologia

Este trabalho objetiva aplicar uma metodologia colaborativa no diagnóstico de um bairro periférico da cidade de Iguatu, denominado Vila Neuma, buscando compreender ao longo do processo as reações comunitárias às atividades realizadas na tentativa de constante aperfeiçoamento do método para maior apropriação comunitária. Seguindo essa linha, tem-se em vista a criação de um Plano Geral para o bairro e a execução de uma ação colaborativa em espaço público elegido pela população. De forma específica, objetiva-se: Ÿ Compreender os processos de desenvolvimento e expansão da cidade de Iguatu e a consolidação da área no entorno do rio Jaguaribe Ÿ Compreender o bairro Vila Neuma, suas problemáticas internas e sua relação com a cidade Ÿ Compreender os processos participativos e cunhar uma metodologia de urbanismo colaborativo que possa ser aplicada na área, como fortalecimento do diagnóstico e início de apropriação de projeto. Com isso, o objetivo final é efetivar propostas de maior conexão entre o bairro Vila Neuma e as outras áreas de Iguatu a partir das potencialidades estudadas de forma comunitária e do poder de união atrelado à população a partir do envolvimento com uma ação física de melhoria do espaço público.

Os procedimentos metodológicos se deram em três etapas. A primeira consistiu em realizar a pesquisa em busca do referencial teórico relacionado aos temas abordados do trabalho, buscando embasar conhecimentos que proporcionassem uma nova visão do ambiente urbano. Foram, também, realizadas visitas de campo à cidade de Iguatu logo no início da pesquisa, com o intuito de realizar maior reconhecimento do local e ter maior suporte no levantamento de dados em conjunto a relevantes órgãos da cidade, como a Prefeitura Municipal. Esse momento foi importante no auxílio da delimitação do tema e decisão de estudar o bairro Vila Neuma. Em uma segunda etapa, foi realizado o processo de escrita do referencial, de acordo com sumário definido, iniciando com a contextualização dos temas abordados, sua aplicação na realidade da cidade de Iguatu e, mais especificamente, nas dinâmicas do bairro em estudo. Por fim, na terceira etapa, foi realizado um levantamento do histórico do planejamento participativo relevante à escala trabalhada aqui, bem como estudo de casos que acrescentassem ao debate. Delineou-se, então, uma Metodologia de Urbanismo Colaborativo a ser aplicada no bairro Vila Neuma, durante toda a execução do diagnóstico e Plano Geral para a área, tendo sua finalização em uma intervenção colaborativa em um espaço público elencado pela comunidade: a Praça do Mutirão, localizada entre os bairros Vila Neuma e Vila Moura.

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Este trabalho se organiza de acordo com as etapas de pesquisa. No Capítulo 1, são tratados os temas do referencial teórico referentes à formação das cidades e a rede de cidades, a partir da premissa de que observando as dinâmicas de desenvolvimento das áreas urbanas, tem-se um olhar de como surgem suas problemáticas. É abordada também a expansão das cidades, iniciando o debate relacionado a processos de segregação atrelados a esse crescimento urbano e perpassando pelo caso das cidades médias, não isentas desse cenário. Por fim, traz um olhar mais direcionado à cidade de Iguatu, a partir da sua formação e expansão e da análise do Plano de Desenvolvimento Regional Vale do Salgado, que demonstra seu protagonismo no Centro-Sul. O capítulo 2 aborda a temática dos Processos Participativos, a partir dos níveis em que as ações podem ou não ser consideradas participação e trazendo análises de caso com enfoque no protagonismo comunitário. Já o Capítulo 3 propõe os “novos caminhos para a colaboração” da comunidade do bairro Vila Neuma, trazendo o cenário desse bairro, cuja observação é feita a partir de um olhar sensorial, e Metodologia de Urbanismo Colaborativo cunhada para o bairro, denominada “Despertar”. O Capítulo 4 trata do primeiro resultado dessa metodologia, fruto do diagnóstico comunitário realizado: um Plano Geral para o bairro Vila Neuma, perpassando por alguns pontos de interesse do bairro vizinho, Vila Moura. O Capítulo 5 trata da Ação Colaborativa realizada do local elencado pela comunidade no diagnóstico comunitário: a Praça do Mutirão, abordando as fases desse processo e a troca de conhecimentos ocorrida.

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Se queremos entender como a cidade se tornou o que é, não devemos estudar apenas uma exceção de cidadãos que ocuparam cargos públicos. Essas figuras excepcionais não vivenciam a mesma experiência que nós. Para interpretar a história de nossa gente, devemos olhar para a vida das pessoas comuns em suas contradições e diversidades. ANDRE AZEVEDO DA FONSECA


Capítulo 1

Processos de Expansão e Segregação Urbana

O referencial téorico deste trabalho é composto pelo estudo dos processos de formação e expansão das cidades, que por sua vez, geram situações de segregação socioespacial no meio urbano. Essa segregação pode ser observada nas grandes cidades a partir das problemáticas das áreas informais nas periferias, isoladas das dinâmicas centrais. Muitas vezes essas comunidades são realocadas a outras áreas que não contemplam suas reais necessidades, fazendo com que retornem ao processo de ocupação inicial, cujas motivações e histórico serão estudados nesse capítulo. É motivo de ir além nesse estudo o caso das cidades pequenas e médias: tendo em vista a formação de Redes de Cidades, também abordada nesse capítulo, as cidades médias ganham importância em sistemas de troca econômica. Busca-se compreender, então, se estariam isentas das consequências citadas, oriundas desse destaque recebido e do aumento da população urbana em relação à rural. Chega-se no nível da cidade de Iguatu, no Ceará, observando de que forma está inserida nessas dinâmicas e qual a relação dessas temáticas com o bairro em estudo neste trabalho: Vila Neuma.

Fig. 3: Homem caminha pela BR 404. Fonte: Arquivo Pessoal

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1.1 Histórico de formação das cidades Quando se fala da formação das cidades e da migração da maioridade populacional do campo para o meio urbano, o primeiro assunto a ser abordado pelos teóricos é a formação e desconcentração das indústrias. Williams (1989, p.11), apesar de possuir natureza inglesa e, portanto, basear seus relatos prioritariamente em cidades europeias, narra situações que em muito se relacionam com os processos vividos também no Brasil. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. (WILLIAMS, 1989, p.11)

Ao mencionar generalizações das formas 'cidade' e 'campo', o autor reforça a existência das versatilidades que essas formas podem assumir. A “vida campestre”, englobando desde o caçador ao empresário agroindustrial, e a cidade, podendo ser capital estatal, centro administrativo, comercial, religioso, ou ter outros usos (WILLIAMS, 1989, p.11), mostram especificidades que tornam cada local possuidor de características próprias e necessitado de políticas internas aplicadas às suas situações. Para entender o cenário atual em que se encontram em toda sua complexidade, sabe-se que é necessário perpassar pelo processo de formação desses diferentes tipos de aglomerações urbanas e rurais. Muito se menciona, nesse sentido, sobre a desconcentração das industrias. Nas cidades inglesas esse processo se deu a partir do período

pós revolução industrial e as brasileiras, em um ritmo menos acelerado, não ficaram isentas dos efeitos do novo status quo. Nestas, esse processo teve consequências fortes na forma física de expansão das cidades, uma vez que definiu a localização de equipamentos e habitações de forma estratégica. Campos Filho (1989, p.33) fala da situação da classe trabalhadora, que passa a habitar as proximidades das indústrias, enquanto estas se localizam obrigatoriamente em áreas mais afastadas dos centros cívicos consolidados. Esse regime era acompanhado por uma estatização dos serviços públicos, que se deu à medida que a iniciativa privada ia perdendo o interesse em investimentos no setor industrial e migrando seu capital para áreas mais rentáveis. O Estado se via na obrigação de encampar certos serviços para garantir que fossem oferecidos à população e que seus preços fossem acessíveis ao trabalhador comum, cujo salário não dava condições de um consumo de serviços oriundos da iniciativa privada, para depois realizar concessões desses serviços. (CAMPOS FILHO, 1989, p. 33) No desenvolvimento desses acontecimentos, à medida que as cidades se expandiam e áreas periféricas e novos usos se formavam nesses locais, elas também se concentravam de acordo com certos nós. A partir disso, cabe introduzir o conceito de cidade média, entendidas como cidades intermediárias por Sanfeliu e Torné (2004 apud SPOSITO; SPOSITO; SOBARZO, 2006). a) centros que oferecem bens e serviços mais

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ou menos especializados para a sua área de influência b) centros que constituem nós articuladores de fluxos para outros níveis da rede urbana; c) centros onde se localizam sedes de governo local e regional, exercendo importante papel na descentralização administrativa e governamental nestes níveis. (SANFELIU E TORNÉ, 2004. apud SPOSITO; SPOSITO; SOBARZO, 2006, p. 247)

Os autores também mencionam “sistemas mais equilibrados e estáveis em seu território, maior facilidade de gestão e exercício da cidadania; maior identidade da população com a cidade (...)” (SANFELIU E TORNÉ, 2004 apud SPOSITO; SPOSITO; SOBARZO, 2006) aspectos que diferenciam as cidades médias de forma marcante de cidades de maior porte. Dentro desse contexto, ainda percebem-se similaridades em processos que se apresentam de formas predatórias e acabam por gerar as mesmas consequências danosas, ainda que de formas diferentes de acordo com a escala da cidade. Essas escalas são melhor compreendidas a partir do conceito de redes de cidades, ao qual muitas dessas cidades médias estão atreladas.

1.2 Rede de Cidades Um dos processos que ocorreu como consequência da industrialização e do capitalismo foi a estruturação de um sistema urbano por meio das redes de cidades. Os investimentos iam acontecendo prioritariamente em cidades núcleo – as que haviam recebido industrias, tidas como polos de criação, desenvolvimento e prioridade para o recebimento de insumos e pessoas – enquanto outras áreas se desenvolviam de forma mais lenta. À medida que as cidades núcleo se saturavam e entravam em um processo de

expansão também esses investimentos passavam a ser realocados para cidades apoio, próximas à uma cidade central, que a partir daí poderia assumir o título de uma megacidade, sendo a chave de uma rede de cidades. Essa rede, então, conecta-se a outras redes, na medida em que duas grandes cidades núcleo passam a ter relações de dependência entre si, criando uma rede mundial de cidades, como confirmado por Pereira Junior (2003): No plano espacial, o que se vê é uma nova definição de distância, na qual as antigas barreiras físicas não são mais restrições importantes ao sistema produtivo. Temos um avanço tecnológico preparando o ambiente para o conjunto de trocas globais. Podemos falar até mesmo de uma rede mundial de competitividade ou de um mercado financeiro globalizado, um sistema de interação que elege o momento atual como o mais avançado no processo das relações econômicas internacionais. (PEREIRA JUNIOR, 2003)

Nessa dinâmica inter-urbana, muitos comportamentos intraurbanos podem ser observados. Da mesma maneira em que, numa cidade, podem ocorrer investimentos centralizados em certos bairros, enquanto outros deixam de ter suas necessidades satisfeitas. Uma rede de cidade pode ter investimentos direcionados mais a uma cidade central do que as outras cidades da rede que também precisam de insumos para desenvolvimento, gerando uma série de danos e consequências. Em uma rede urbana, não só o núcleo central tem papel, mas todas as partes atuam em uma troca. Se um desses pontos não é atendido, toda a rede é danificada e passa a funcionar de maneira irregular. É impossível falar da urbanização realizada no Brasil sem antes abordar um processo de mudança territorial. A urbanização

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no país nas últimas décadas ocorreu de forma acelerada, oriunda de uma série de diversidades territoriais que se desdobraram a partir do novo processo migratório. (MOTTA, AJARA, 2001). Esse processo tem outro forte ponto a ser considerado: o fato de existirem novas fronteiras econômicas. Elementos importantes nesse cenário são os commodities: materiais primários de interesse internacional, que trazem atenção a certas cidades que antigamente não eram consideradas centrais. É assim que surge o conceito de rede urbana (Fig.4): contando com uma área de influência, centros decisórios e diversificação do setor terciário, entre outros aspectos, a rede traz um sistema em que não existe apenas a supremacia de uma cidade principal, em conjunto com

Fig. 4: Demonstrativo da Rede de Cidades Fonte: Elaborado pela autora, 2017.

outras rurais que dependem dela. Existe um centro organizacional, com cidades satélites que possuíam produtos a oferecer e passaram a ser privilegiadas na equação de localização. Foi gerada a interiorização da rede urbana, desenvolvendo e aprimorando as médias cidades, mas gerando perda de população nas pequenas (os chamados saldos migratórios negativos). Esses conceitos se relacionam com as teorias da aglomeração urbana. A rede urbana, no estudo de Motta e Ajara (2001), é formada por três grandes estruturas urbanas no território nacional: O Centro-Sul, o Nordeste e o Centro-Norte. Cada uma dessas divisões

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apresenta uma forma de urbanização diferenciada de acordo com indicadores como ritmo de urbanização, nível de adensamento da rede de cidades e grau de complementaridade entre os centros urbanos que compõem. Esses centros podem ser Metrópoles Globais ou Nacionais, bem como Centros Regionais ou Sub-Regionais. (MOTTA, AJARA, 2011) Esse processo de aglomeração urbana está ligado ao dinamismo econômico. As pessoas são chamadas aos locais que supostamente oferecem mais oportunidades de crescimento de renda. Sendo assim, é natural que as duas únicas metrópoles globais do país sejam São Paulo e o Rio de Janeiro. Entretanto, ambas possuem dinâmicas diferentes, uma vez que a projeção do Rio de Janeiro reflete mais o dinamismo do passado do que uma tendência expansiva atual, como demonstrado por Motta e Ajara (2001). O Nordeste é mostrado no estudo como ainda em uma transição para urbanização de seu sistema. Características do padrão de urbanização que amplia disparidades sociais e eleva o desemprego podem ser observadas nessa área, cuja estrutura produtiva é menos dinâmica e depende mais dos ciclos econômicos conjunturais, ainda não tendo desenvolvido uma independência dentro do sistema. Nessa realidade, os processos migratórios acabam por fomentar ainda mais as desigualdades enquanto as cidades núcleo recebem os migrantes, ainda despreparadas para as dinâmicas que as supostas oportunidades oferecidas em seu meio geram. Dessa maneira, os nós nas cidades nordestinas passam a se expandir cada vez mais, mas sem refletir um planejamento urbano prévio nesse sentido que erradique as problemáticas dessas expansões. No caso da rede cearense, a cidade de Iguatu mostra seu protagonismo a partir das atividades econômicas no Centro-Sul. Substituindo a cidade de Icó como ponto focal da área, a cidade é um nó de influência aos municípios vizinhos, como demonstrado ao lado. Fig. 5: Níveis de Polarização de Iguatu Fonte: Consórcio GAUSISMETGAIA, 2001.

41°

40°

CAMOCIM

CRUZ

JIJOCA DE JERICOACOARA

BARROQUINHA

39°

38°

ACARAÚ ITAREMA

BELA CRUZ

CHAVAL GRANJA

MARCO MARTINÓPOLE MORRINHOS

TRAIRI

SENADOR SÁ

URUOCA

AMONTADA

SANTANA DO ACARAÚ

PARACURU

PARAIPABA ITAPIPOCA

MORAÚJO MERUOCA

VIÇOSA DO CEARÁ

MASSAPÊ

COREAÚ

MIRAÍMA

ALCÂNTARAS

URUBURETAMA

SÃO GONÇALO DO AMARANTE

TURURU

ITAPAJÉ SOBRAL

FRECHEIRINHA

SÃO LUÍS DO CURU

UMIRIM

TIANGUÁ

FORTALEZA CUACAIA

IRAUÇUBA

PENTECOSTE

FORQUILHA

MARACANAÚ

UBAJARA IBIAPINA MUCAMBO CARIRÉ GROAÍRAS PACUJA SÃO BENEDITO GRAÇA RERIUTABA CARNAUBAL VARJOTA GUARACIABA DO NORTE PIRES FERREIRA SANTA QUITÉRIA IPU

TEJUÇUOCA

GENERAL SAMPAIO

AQUIRAZ

PINDORETAMA GUAIÚBA

PARAMOTÍ

CARIDADE MULUNGU

HIDROLÂNDIA

CROATÁ

EUSÉBIO

MARANGUAPE PACATUBA ITAITINGA

APUIARÉS

HORIZONTE PALMÁCIA PACAJUS REDENÇÃO PACOTI ACARAPE GUARAMIRANGA CHOROZINHO BATURITÉ BARREIRA

CANINDÉ

CASCAVEL BEBERIBE

ARACOIABA ARATUBA

FORTIM CAPISTRANO

IPUEIRAS

ITATIRA

NOVA RUSSAS

OCARA

ITAPIÚNA

ARACATI

CATUNDA PALHANO

PORANGA

ARARENDÁ IPAPORANGA

TAMBORIL

ITAIÇABA ICAPUÍ

IBARETAMA

MONS. TABOSA

CHORÓ

JAGUARUANA

MADALENA QUIXADÁ

RUSSAS

IBICUITINGA

QUIXERÊ BOA VIAGEM

MORADA NOVA

QUIXERAMOBIM

LIMOEIRO DO NORTE

CRATEÚS TABULEIRO DO NORTE

BANABUIU

SÃO JOÃO JAGUARIBE INDEPENDÊNCIA PEDRA BRANCA NOVO ORIENTE

ALTO SANTO JAGUARETAMA

SENADOR POMPEU MILHÃ

JAGUARIBARA MOMBAÇA

POTIRETAMA

SOLONÓPOLE

IRACEMA

PIQUET CARNEIRO DEP. IRAPUAN PINHEIRO

QUITERIANÓPOLIS

JAGUARIBE

TAUÁ

PEREIRO ERERÊ ACOPIARA CATARINA

QUIXELÔ

PARAMBU

ORÓS ARNEIROZ

IGUATU ICÓ JUCÁS

SABOEIRO

CARIÚS AIUABA

CEDRO TARRAFAS

UMARI L. DA MANGABEIRA

BAIXIO

ANTONINA DO NORTE VÁRZEA ALEGRE ASSARÉ

CAMPO SALES

GRANJEIRO FARIAS BRITO

IPAUMIRIM AURORA

ALTANEIRA POTENGI

ARARIPE

CARIRIAÇU

NOVA OLINDA SANTANA DO CARIRI

BARRO

JUAZEIRO DO NORTE CRATO

SALITRE

BARBALHA

MILAGRES

MISSÃO VELHA

ABAIARA

PORTEIRAS

MAURITI

BREJO SANTO

JARDIM JATÍ

PENAFORTE

41°

Capital Cidade de (50.001 até 200.000 hab.) Cidade de (20.001 até 50.000 hab.) Cidade de (5.001 até 20.000 hab.) Cidade de ( 5.000 hab.) Divisa Interestadual Divisa Intermunicipal

40°

39°

Sede Nível 1 Nível 2 Nível 3

38°



1.3 Expansão das Cidades Observando a demonstração de algumas das formas de atuação e tentativas de tratamento das cidades que se teceram a partir das consequências dos processos industriais, entende-se que as populações buscavam, cada vez mais, meios de reorganização urbana. REIS (2006 apud DIÓGENES, 2012) menciona 2 correntes de tratamento para o tema: a reorganização de acordo com as mudanças tecnológicas, com ênfase no setor de transporte e comunicações, e a organização como reorganização produtiva, nova etapa do capitalismo e traduzida no “capitalismo financeiro”. Isso se materializa num processo de troca, muitas vezes, de uma matéria urbana, na forma do controle de uso do solo urbano, cuja posse se mantêm na mão de uma parcela pequena da população, gerando uma série de consequências danosas para a totalidade da urbe (CAMPOS FILHO,1989, p.19). A renda da terra, isto é, o valor que assumem os imóveis no mercado imobiliário capitalista, depende de como o mercado está organizado. [...] cada lote localizado no espaço intraurbano apresenta características próprias quanto às vantagens locacionais, sejam elas paisagísticas (como a proximidade de uma praia, a encosta de um morro, a beira de um rio) sejam decorrentes das características da distribuição das redes de infraestrutura urbana, especialmente a viária e a de transporte (CAMPOS FILHO, 1989, p.19).

Os lotes mencionados, com características únicas, passam a ser monopolizados e a ter seu potencial de uso pautado, muitas vezes, não pelo interesse coletivo, mas pelo interesse de uma certa parcela minoritária, mas dominante. Esses proprietários de terra passam a

observar o valor de terra de acordo com as vantagens do seu entorno, tendo vital papel no processo a passagem ou não de infraestrutura numa certa área. Nesse sentido, Campos Filho (1989, p.20) traz a definição de especulação imobiliária a partir do momento que os proprietários de imóveis passam a deixar de vender terras para aumentar um ganho privado à custa de investimentos da comunidade (CAMPOS FILHO, 1989, p.20). A partir dessa monopolização da cidade na posse de poucos, acompanhada de um processo de concentração de renda (CAMPOS FILHO, 1989, p.36), surgem importantes conceitos que auxiliam no entendimento do cenário de segregação socioespacial brasileiro. Um deles é o de dispersão urbana, conceito de uma cidade que apresenta descontinuidade física e fragmentação territorial. (FONT,1999, p.5 apud DIÓGENES, 2012) Monclus (1998 apud DIÓGENES, 2012) trata do tema de Barcelona descrevendo a migração da cidade compacta para a cidade dispersa e fragmentada, citando um novo ciclo de urbanização em formação como consequência do processo de ampliação das periferias, sendo caracterizado como um processo mundial. Tendo isso em vista, apesar das similaridades, observase que o processo de urbanização das cidades se dá de formas diferentes de acordo com o nível de desenvolvimento do país em que se encontram. Enquanto nos países desenvolvidos as obras de infraestrutura acompanham as inovações tecnológicas e suas atividades, nós não desenvolvidos são implantadas de forma abrupta (SINGER apud CAMPOS FILHO,

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1989) e, muitas vezes, sem uma visão holística de impactos. De fato, Benetti (2003, p.245) fala que as cidades brasileiras se formaram “à revelia” dos governos, que são antecipados ou ultrapassados pelos problemas enquanto a população se constrói com os escassos recursos disponíveis, da maneira que for possível. A afirmativa de Benetti (2003) é relevante ao pautar os extremos que foram se tecendo no solo brasileiro, ora com bairros de intensa qualidade de urbanização, ora com ausência de saneamento e outras necessidades básicas. Esses contrastes se evidenciam a partir das formas de exclusão urbana, sejam estas das classes mais altas que se isolam em condomínios fechados ou das mais baixas, que, separadas do meio urbano, vivem de forma marginalizada nas periferias. Esses aspectos confluem para uma falta de interações que é danosa para o meio urbano, causando polos de vivência homogêneos e a ausência de trocas sociais. Um exemplo dessa falta de planejamento é o modelo de início de muitas obras de grande porte: a verba surge por meio de patrocínio ou contrapartida, a licitação é feita de forma apressada e a obra é iniciada mesmo com inexistência de metas de longo prazo, para aproveitar uma oportunidade. Isso gera falta de comprometimento por parte dos agentes envolvidos nos processos, muitas vezes ocasionado com que a obra cesse a partir de um corte de recursos inesperado, assim como foi seu surgimento. Esse tipo de desorganização nas obras de infraestrutura urbana se repete em outros aspectos da gestão das cidades, como a inexistência de empregos para toda a população residente e migrante, a falta de acesso à terra e a necessidade de grandes deslocamentos para realização de atividades diárias, gerando reflexos na forma como as pessoas se relacionam com a cidade e se estabelecem nela.

À medida que os recursos existentes vão sendo alocados de forma referente apenas a parcerias e visibilidade e a infraestrutura urbana se torna uma moeda de troca no mercado imobiliário, áreas com necessidades reais vão sendo cada vez mais marginalizadas pelas próprias entidades governamentais. Esses processos são reforçados por CAMPOS FILHO (1989 p.38-44) na forma dos tipos de clientelismo. No clientelismo urbano, fala da formação de um clube de decisores, agentes que atuam a partir do processo industrial que sobremecaniza a produção agrícola ao mesmo tempo que sobrecapitaliza a produção industrial e de serviços, gerando alta migração ao mesmo tempo que reduz a oferta de empregos formais. (CAMPOS FILHO, 1989, p.39) [...] a urbanização das cidades não é considerada prioritária. [...] Cria-se assim um clube de decisores, que distribui entre si os favores creditícios, fiscais, na fixação de preços de venda dos produtos, na reserva de segmentos de mercado consumidor e os representados pela construção da infra-estrutura necessária de apoio. (CAMPOS FILHO, 1989, p.39

Como se convidadas a agirem por conta própria diante da ausência de insumos recebidos, a população dos bairros que encontram-se à margem passa a se distribuir de acordo com uma configuração própria: definir qual é a sua terra, ocupa-la e realizar atividades que julgar mais coerentes nela, muitas vezes desenvolvendo até uma própria moeda de troca. São maneiras de organização própria, mas geradas pelas barreiras levantadas entre os segmentos sociais divergentes, bem como entre a população e o poder público, dificultando o trabalho conjunto entre todos os agentes da cidade por uma convivência harmônica entre todos os setores e interesses.

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Nesses casos, conceitos como o de cidades compactas (ROGERS; GUMUCHDJIAN, 2015) tornam-se dificultados uma vez que não são reforçados pelos governantes à população, nem implementados por eles. A separação entre os agentes urbanos – poder público e privado, população de diferentes classes sociais - torna-se cada vez maior e a expansão da cidade passa a acontecer de forma orgânica, definida pela população não por meio de um processo efetivamente participativo incentivado pela prefeitura, mas por um sentimento de incompatibilidade e não-pertencimento a certas áreas da cidade. São pessoas que não se sentem convidadas a estar naqueles locais e são levadas a habitar áreas periféricas. Cada vez mais, o desejável choque de diferentes classes sociais, as trocas e convivências são impossibilitadas, substituídas por uma segregação, formando meios urbanos com bairros que parecem, cada um, uma cidade própria, com suas dinâmicas. No caso de cidades receptoras de processos migratórios, esse sistema é agravado tendo em vista que os migrantes podem acabar por ser alocados nesses bairros marginalizados, e muitas vezes “reproduzem nas cidades certos traços da economia rural de subsistência” (CAMPOS FILHO, 1989, p.30) Na maioria das cidades latino-americanas, a oferta de empregos urbanos não se faz ao mesmo ritmo que a chegada dos migrantes, gerando bairros de extrema miséria conhecidos por barriadas, favelas, mocambos, cortiços e palafitas. (CAMPOS FILHO, 1989, p.30)

Essas pessoas, advindas na busca de uma mudança de status que não se concretizou, passam a buscar novas oportunidades a partir do que puder suprir suas necessidades básicas de subsistência. Isso se torna um agravante quando se fala da formação de aglomerados em áreas de risco, limítrofes a recursos hídricos, áreas de deslizamento ou trilhos. Vê-se que o processo de expansão é gerado muitas vezes não por um viés de planejamento urbano lógico, mas por populações locais

e migrantes que estão na cidade, mas não encontram lugar no meio urbano.

1.3.1 O caso das cidades médias Os processos mencionados podem ser observados na quase totalidade das capitais brasileiras, mas não são exclusivos a elas. Eles têm, também, acometido as cidades médias que, a partir do declínio industrial, passaram por um processo de crescimento acelerado, maior até do que o das metrópoles. Essas cidades, com população entre 100 e 500 mil habitantes, são consideradas cidades emergentes, uma vez que se configuram como novas centralidades dos investimentos tendo em vista um desafogamento das grandes cidades que sofreram com as consequências desse processo industrial. Apesar do termo “emergente” ser mais relacionado a cidades médias do Sul e Sudeste, o Nordeste também conta com cidades de médio porte que se configuram com importância nas dinâmicas das capitais, influenciando nos processos de troca, nos sistemas de rede e no histórico de formação de áreas metropolitanas. Para definir essas áreas, não se utiliza apenas a quantidade populacional, mas também outros fatores como a quantidade de cidades influenciada pelo nó central, bem como a condição de que a localidade não seja uma cidade-satélite ou parte de uma área metropolitana de outra cidade maior. De fato, existem diversas formas de definir as cidades

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absorvendo o campo se perde nele; [...] Nesse sentido, urbano e rural permanecem como conteúdos sociais diferenciados (“urbanidade” e “ruralidade”), mas a oposição cidade/campo atenua-se. (SOBARZO, 2006, p.55)

com suas diferentes características. Milton Santos (2008) fala da urbanização brasileira chamando a atenção para as diferenças na organização interna das cidades: Quanto menor a aglomeração, menor a diversidade de sua ecologia social; quanto mais populosa e mais vasta, mais diferenciadas a atividade e a estrutura de classes, e mais o quadro urbano é compósito, deixando ver melhor suas diferenciações.

Nesse sentido, o autor ressalta que as cidades enquanto diferentes, apenas o são em tamanho – uma cidade grande possui em uma maior extensão os problemas de uma cidade menor. Para o autor, “o crescimento urbano é o crescimento sistêmico” de características como de uma urbanização corporativa, “empreendida sob o comando do interesse das grandes firmas”. (Milton Santos, 2008, p.105-106). Sabendo, portanto, as cidades menores como ostensórias dos mesmos problemas que as grandes, entende-se que estas também possuem necessidades e características que não podem ser ignoradas em detrimento de cidades de maior porte, ainda que em diferentes escalas. Em outra vertente, ao abordar cidades médias, é muito importante abordar a tentativa atual de uma quebra de dualidade entre os termos campo/cidade ou ainda rural/urbano. Não em megacidades densamente ocupadas, mas em cidades medianas, que abrangem ora áreas urbanizadas, ora áreas que ainda contem atividades intrinsecamente rurais, esses conceitos efetivamente se misturam. Essa superação [da divisão entre cidade e campo] está ligada às relações de produção. Assim, ela não consiste num processo em que o campo se perde no seio da cidade, nem a cidade

No contexto nordestino, tem-se como exemplo a cidade de Iguatu, que no ano de 2017 conta com pouco mais de 100 mil habitantes e substituiu a cidade de Icó em importância no contexto de planejamento regional do Centro-Sul cearense durante o século XX. De fato, a formação da cidade de Iguatu é interessante no contexto de rede de cidades (Fig. 6) uma vez que ela é oriunda da própria cidade de Icó, tendo posteriormente se desmembrado desta e se contraposto a ela nos processos de trocas urbanas. O principal balizador para o momento de troca das supremacias urbanas cearenses foi a passagem da linha ferroviária, desenvolvida em parte para uma facilitação na distribuição da produção de algodão, que acabou por dar maior importância à cidade de Fortaleza no processo dando a ela o posto de centro econômico e político, que antes pertencia a Icó. A partir do posterior desmembramento da cidade e formação da cidade de Iguatu, esta deu continuidade às trocas com conexão à Fortaleza. Nas figuras 7 e 8, observam-se as tendências de crescimento de um recorte da cidade de Iguatu nos últimos 12 anos, bem como a presença de um dos bairros periféricos que se formou durante a expansão da cidade – o bairro Vila Neuma, delimitado pelo preenchimento laranja, a ser melhor tratado a seguir. As tendências de expansão são reforçadas pelas setas laranjas, a partir das construções que seguem rumo ao leste da cidade acompanhando a BR 404, com destaque para a vizinhança imediata da Vila Neuma: o bairro Vila Moura.

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Fig. 6: Região de Influência de Fortaleza Fonte: IBGE, 2007, editado pela autora.


Destaque para a cidade de Iguatu


Delimitação do bairro Vila Neuma Delimitação do bairro Vila Moura Tendências de expansão

Fig. 7: Vista aérea de Iguatu em 2005. Editado pela autora. Fonte: Google Earth.

400m

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400m

37

Fig. 8: Vista aĂŠrea de Iguatu em 2017. Editado pela autora. Fonte: Google Earth.


Brum (2011, p.19-21) discorre acerca da dificuldade de definir a favela. Muitos dos estigmas acerca da palavra, sejam eles relativos à irregularidade dos loteamentos, precariedade dos espaços públicos, moradia, vias e saneamento de baixa qualidade, ou falta de leis, têm se mostrado inadequados em vista das novas conformações que essas áreas têm adquirido e reforça que esse tipo de ocupação não se apresenta sempre no mesmo formato. As favelas conseguiram, seja por seu próprio esforço, seja por investimento do Estado (ou os dois juntos) contar hoje com uma oferta variada de serviços públicos, em que o grau e qualidade variam não apenas de uma para outra, mas mesmo dentro de cada favela as diferenças são marcantes. Sendo assim, o que a define não pode continuar a ser uma suposta ausência de serviços públicos. Ou seja, é relativamente difícil definir o que é uma favela, visto que é um termo que abrange localidades muito distintas entre si. (BRUM, 2011, p.21)

De fato, a formação de áreas marginalizadas em ocasião da expansão urbana se mostra muitas vezes como consequência de um sistema onde as necessidades urbanas não são priorizadas em detrimento do poder agroexportador e do capital comercial. Convergindo em áreas de vulnerabilidade social, esse sistema desenvolveu maneiras diversas de ocupação nas cidades. Na tentativa de definir esses processos periféricos, chega-se ao termo assentamentos subnormais e, ainda, favelas. Diante dessas diferenças e especificidades de cada local, Jacques (2001) fala de um urbanismo que não realize uma simples remoção, mas requalifique urbanisticamente essas áreas de acordo com suas particularidades. Afirma, então, que as favelas têm uma estética própria (Jacques, 2011, p.11) A autora fala, então, dessa

mudança do status do urbanista, que antes estudava essa sistematização de expulsão da população das favelas e hoje, com o “direito adquirido e incontestável” à urbanização, se vê diante de soluções que ainda não está preparado para solucionar. Ainda com um pensamento racionalista, o arquiteto busca adequar favela a uma dinâmica de bairro que não é sua, e da qual a população não se apropria. Sendo assim, a autora propõe uma reformulação no modo de fazer arquitetura, inspirada na organicidade das favelas, mas não se restringindo apenas a elas, e se estendendo a todo o meio urbano. Uma outra forma de ação, inspirada na estética das favelas, poderia ser interessante, e não só para as favelas, mas para a cidade como um todo, principalmente para os limites e fronteiras, onde os arquitetos e urbanistas tendem a achar sérias dificuldades de intervenção, sobretudo em função da falta de procedimentos da arquitetura e do urbanismo eruditos adequados a essas situações urbanas contemporâneas extremas, que podemos chamar de casos-limite. A favela é apenas um deles. (JACQUES, 2011, p.14)

Os problemas apontados por Jacques na obtenção de soluções para as favelas, que se estendem à cidade como um todo, estão muito relacionados à falta de inserção da população de qualquer localidade no processo decisório de diagnóstico e execução de projetos urbanos. A aplicação de processos que envolvam todos os agentes, de conhecimento técnico e empírico,

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Fig. 9: Destaque do bairro Vila Neuma na margem do Rio Jaguaribe. Fonte: RW Arquitetura Blogspot, 2017, editado pela autora.


BAIRRO alto do jucรก

br 404 PONTE DEMร CRITO ROCHA

rio jaguaribe

BAIRRO VILA NEUMA

BAIRRO prado


1.4 Formação da cidade de Iguatu A formação do município de Iguatu se mostra relevante a partir do entendimento do seu desmembramento com a cidade de Icó, que cumpria um papel fundamental nas trocas econômicas do centro-sul agindo como capital econômica do estado do Ceará. A partir da passagem da linha férrea e do cultivo de algodão, Iguatu, que havia sido desmembrada de Icó a partir da lei 553 em novembro de 1851, atingiu categoria de maior importância, servindo como base a mais de 10 municípios de seu entorno e fazendo aproveitamento de uma localização privilegiada no Centro-Sul do Ceará. Nesse processo, a locação da estação ferroviária na cidade, que ocorreu em 1910, serviu como veículo catalizador da urbanização, atuando como balizadora à infraestrutura subsequente a ser recebida no local, impulsionando a economia local com a instalação de hotéis, usinas de beneficiamento de algodão e casas comerciais, e uma expansão do centro comercial na área. Nesse sentido, o setor da indústria se mostrou como de grande importância no contexto local, consolidando o comércio algodoeiro e, posteriormente, de arroz. A orizicultura continua como forte fonte de renda local. (IGUATU, 2000) Um novo impulso relacionado à consolidação das trocas da cidade aconteceu em 1926, com a expansão da ferrovia permitindo conexão com o Cariri, uma das Regiões Metropolitanas cearenses, bem como Sobral e Fortaleza. Os novos vínculos estabelecidos facilitavam a circulação de mercadorias e de matéria-prima, auxiliando no crescimento local e maior reconhecimento do município. Esse sistema, entretanto, ocasionou uma expansão urbana direcionada à estação ferroviária, aterrando lagoas e contribuindo para um cenário de cheias. Sem observar e incluir seus recursos hídricos naturais nas políticas Fig. 10:Destaque para o antigo prédio do Cine-Theatro Iguatu

públicas, muitos deles encontram-se, atualmente, poluídos e intensamente subutilizados. Ainda sobre o crescimento local, a criação do primeiro cinema foi outro forte impulsionador do desenvolvimento do centro da cidade, nos anos 1920, como demonstrado por Araújo (2013). A consolidação de quais ruas teriam maior destaque na cidade se iniciou a partir de sua localização. O endereço em que se encontrava o prédio do Cine-Theatro Iguatu à época era a Rua do Fogo, hoje denominada de Floriano Peixoto, no centro da cidade. Na década de 1970 a estrutura foi totalmente destruída para dar lugar à construção de um prédio que se tornaria sede da Telemar – empresa de telecomunicações. Tal localidade estava bem próxima da rua Epitácio Pessoa, uma conhecida rua de casas de comércio da época e ainda de hoje. (ARAUJO, 2013)


De fato, é o centro da cidade que conta com boa parte dos equipamentos de lazer (ver figura 11) seguindo essa linha inicial. Isso gera conflitos tendo em vista que existem barreiras na cidade dificultando o acesso de alguns bairros a essa área agravado pelo fato de não existir sistema de transporte público. A cidade abriga, além dos recursos hídricos, forte potencial agrícola, apresentando em alguns setores solos muito propícios à prática. Aponta-se, entretanto, necessidade de maior capacitação do agricultor local e uma resistência a novas tecnologias, que se configuram como obstáculos na obtenção de melhores resultados. Uma linha do tempo (Figura 12) auxilia o entendimento do processo de formação da cidade. A partir desses tipos de ocupação e dos tipos de atividade que se enraizaram nas dinâmicas locais, torna-se possível cunhar um perfil do que representa a cidade de Iguatu (Figura 10). É perceptível como cada setor influencia no subsequente, a iniciar pelo setor industrial, forte impulsionador do desenvolvimento e consolidação da cidade como centralidade, que é dependente da agricultura, setor relevante ambiental em conjunto com os recursos hídricos locais, que têm sido negligenciados. Estes recursos poderiam alavancar o turismo da região, se inclusos em suas

políticas públicas, mas têm sido poluídos com despejo irregular de dejetos e ocupações no seu entorno, configurando área de risco para a população. Essa população, entretanto, deve ser escutada pelo forte senso de pertencimento que tem a essa área, ainda que seja uma área de vulnerabilidade. A comunicação se torna facilitada pelo suporte das associações comunitárias e organizações sociais (PDDU, 2000). Nota-se que a cidade possui características e dinâmicas próprias, e existem pontos positivos a serem trabalhados. Entretanto, o crescimento planejado e realizado em conjunto com todos os setores sociais é fundamental para o aproveitamento dessas potencialidades. Essa linguagem de processos participativos já pode ser observada no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu 2000, realizado por meio de consultoria, bem como na maioria dos discursos governamentais no Brasil. Mais a frente, o trabalho centra a discussão em torno de como é realizado esse processo participativo, buscando investigar se a linguagem é apenas de um processo de levantamento de dados, sem participação efetiva em fases projetuais, ou é efetivamente colaborativo. Fig. 12: Linha do Tempo: Ocupação do município de Iguatu-CE. Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do PDDU Iguatu (2000), 2017.

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Fig. 11:Localização de Equipamentos Urbanos Fonte: PDDU Iguatu (2000), 2017.


Com base em um painel elaborado por participantes de oficina de planejamento participativo em Iguatu na ocasião do diagnóstico do PDDU da cidade, em dezembro de 1999, foi elaborado um diagrama (fig. 13) que demonstra potencialidades levantadas e, relacionadas por setas, os desafios atribuídos às suas respectivas áreas, na tentativa de compreender o cenário local. Em formato de círculo, traz a percepção de que a cidade é composta de um todo coeso, cujas áreas devem funcionar harmônicamente. Quando um setor apresenta falhas, se tece um ciclo na dinâmica urbana que influencia outras áreas sistematicamente até que a organização deixa de fluir da maneira adequada.

1.4.1 O Plano de Desenvolvimento Regional Vale do Salgado

Fig. 13:Diagrama de potencialidades (em azul) e desafios (em marrom) relacionados à cidade de Iguatu Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do PDDU Iguatu (2000), 2017.

A partir da necessidade de descentralização das forças estratégicas na Região Metropolitana de Fortaleza, foi criado o PDR, no intuito de aumentar o protagonismo dos agentes a partir de nós centrais. O sistema de redes de cidades no Ceará, como mencionado, parte de 3 redes: A do Cariri, a de Sobral, e a de Fortaleza. Nesse sentido, o PDR busca aproveitar o potencial de ligação existente pela linha ferroviária entre a cidade de Iguatu e o Cariri, proporcionando ligações entre as redes do Cariri e Fortaleza. Foi dessa forma que a cidade passou a ganhar maior importância no cenário de planejamento regional, passando também ela a ter pequenos eixos de dependência

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no seu entorno. Iguatu se configurava nessa dinâmica, portanto, como uma cidade-polo. A diretriz básica do Programa voltava-se à capacitação destas cidades pólo para absorver o crescimento urbano e, simultaneaneamente, viabilizar o desenvolvimento econômico-social, respeitados os aspectos de sustentabilidade ambiental requerida, consolidando uma nova cultura de gestão municipal no Estado do Ceará. (IGUATU, 2000)

Com esse objetivo, o plano previa nas cidades pólo a realização de algumas iniciativas para atingir os objetivos almejados, dentre as quais cabe destacar: a realização de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano; Capacitação e Modernização da Gestão municipal; Doação de infra-estrutura urbana adequadas através do Programa de Qualificação Urbana de Micro-áreas de Risco Social e Ambiental; entre outros. Os Planos de Desenvolvimento Regionais foram um marco no planejamento regional da época, se configurando como um início de pensamento que coloca cidades médias em maior patamar de importância no contexto econômico e das políticas públicas. Ainda que o Vale do Salgado não tenha sido implementado, a existência desse material demonstra uma preocupação do governo cearense nesse sentido, e a consolidação da atenção à cidade de Iguatu.

1.4.2 Expansão da Cidade

Vila Neuma como de maior vulnerabilidade. Na maioria dos casos, excetuando-se Areias II, a motivação parece ser relacionada ao contato com o recurso hídrico, que tem sido realizado de forma inapropriada. Além disso, tem-se o afastamento da cidade formal ocasionado por obstáculos como a estrutura viária segregadora. Na Figura 15, observa-se o processo de espraiamento que aconteceu na cidade, tendo início na área central e a partir dela se desenvolvendo no entorno dos recursos hídricos que permeiam essa área. O Plando Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu (2000) aponta que os recursos hídricos foram vistos, a princípio, como obstáculos, o que ocasionou o aterramento de lagoas importantes, como a Lagoa da Telha (Fig. 16), que se localiza no centro da cidade e atualmente se resume a um espaço muito menor que seu tamanho original. Pelo fato de não haver cobertura de sistema de esgoto satisfatório na cidade, sendo sua predominância apenas no centro, os dejetos despejados nesses recursos hídricos tornaram-nos muito poluídos. Outra questão de relevância a ser observada na Figura 15 é o Perímetro Urbano da Cidade de Iguatu e como a consolidação de sua malha urbana se dá ainda fortemente a partir de sua centralidade, mas conta com alguns espraiamentos até essa delimitação. A Zona Urbana da cidade é maior que sua ocupação, contando com áreas de extensão e, dentro da área oeste da cidade, em uma dessas áreas onde a malha urbana ainda não se consolidou completamente, encontra-se o bairro Vila Neuma. Percebe-se, a partir da observação da figura 15, que a consolidação do bairro Vila Neuma se deu a partir da quarta etapa de expansão da cidade, entre os anos 1978 e 1990. A partir daí, a

Ao analisar as “Micro-áreas críticas e de risco” (Figura 14) afastadas do centro, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu (2000) indica os bairros Areias II, Bairro da Lagoa, Prado e

Fig.14: Mapa de Micro áreas críticas e de risco Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu, 2000, adaptado pela autora.

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extensão prossegue sentido leste no desenvolvimento do bairro vizinho, Vila Moura, que segue a conformação da BR 404. É notável que a maior parcela da cidade concentra-se na margem oeste do Rio Jaguaribe, enquanto a expansão ao leste, devido ao desnível oriundo do Rio e da BR, tem dificuldade de acesso às suas dinâmicas. Um setor relevante nesse processo é o de recursos hídricos. Esses elementos possuem grande potencial turístico para a cidade, que já é visada como um centro comercial na região, mas cujo potencial paisagístico tem sido mal aproveitado no geral. Avanços podem ser vistos nesse sentido a partir da melhoria do entorno da Lagoa da Bastiana, que atualmente configura-se como uma das maiores lagoas da cidade. Dessa forma, percebe-se que essas áreas anteriormente vistas como barreiras (Figura 17) aos poucos têm

sido contornadas e integradas na malha urbana. Isso, se feito concomitantemente a políticas públicas de preservação ambiental, gera um maior entendimento da população em relação a esses recursos e seu cuidado necessário.

Fig.15: Mapa de Evolução Urbana Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu, 2000, adaptado pela autora.

Fig.16: Vista da Lagoa da Telha Fonte: Revista No Natal Blog. Acesso em 23/11/2017.

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BR 404


A figura ao lado mostra não só as áreas consideradas obstáculos no crescimento, como a linha férrea ou o aeroporto, como outros aspectos importantes de vulnerabilidade urbana. O próprio centro encontra-se destacado em ocasião da concentração de tráfego, uma vez que nessa área estão a maioria do comércio e serviços buscados pela população. Aspecto importante a ser observado, ainda na Figura 17, é a marcação em todo o perímetro dos recursos hídricos limítrofes à cidade: são apontados lançamentos de dejetos e ocupação dessas áreas. Observa-se, também, que muitas das áreas de risco apontadas na Figura 11 estão efetivamente relacionadas com esse aspecto. No que se refere ao bairro Vila Neuma, delineado em vermelho (Figura 17), a linha férrea, o recurso hídrico e as terras livres que o delimitam acabam por isolar o bairro do resto da cidade formal. A ocupação da cidade de Iguatu se deu na margem esquerda do Rio Jaguaribe, enquanto o bairro se estabeleceu na margem direita, tendo um acesso dificultado. A integração dessa população e unificação da cidade, em observância às necessidades locais, é indispensável para um crescimento urbano saudável. Os obstáculos desse aspecto podem ser percebidos de maneira ora similar, ora divergente à que é realizada em cidades de maior porte. As diferenças entre classes sociais também existem nessas cidades menores, mas dada sua conformação horizontal, é percebida de outras formas: ao observar a cobertura de infraestrutura de cada bairro, o melhor material das casas de bairros mais abastados, a diferença no tamanho dos lotes – esses aspectos também aparecem nas grandes capitais, mas nestas, existe ainda o fato da verticalização: bairros densamente verticalizados com muros altíssimos em contraste com áreas informais prioritariamente horizontais. Em Iguatu, percebe-se ainda a presença do muro alto como apontador de choques entre as classes

sociais (Figuras 18 e 19). Nesse sentido de integração e atenção às necessidades da população mais vulnerável, o município apresenta importantes aliados na ponte entre as diferentes classes sociais. Setores organizados realizam eventos culturais de fomento à música e ao esporte no intuito de valorizar a criatividade de crianças e jovens, trazendo mais possibilidade ao seu futuro. Destas, duas das mais relevantes são a AABB, que conta com grande infraestrutura, e o Conselho Comunitário de Desenvolvimento Municipal, que conta com 107 associações cadastradas (IGUATU, 2000). Dentre essas, está a Associação de Moradores e Amigos da Rua Beira Rio e Vila Neuma, cuja participação é muito relevante uma vez que o bairro, pelo afastamento da cidade formal – que pode ser observado na Figura 20 -, ter maior necessidade de visibilidade de suas reivindicações. A consolidação desses movimentos e unificação dos setores sociais é indispensável para um crescimento urbano saudável. Na Figura 20, o bairro está destacado em laranja, visivelmente desintegrado do resto da cidade e o Rio Jaguaribe, demarcado em azul, como linha divisória. Essa segregação, como comentado anteriormente, se deu em parte pela falta de conexão entre a cidade e o Rio Jaguaribe. Sendo apenas contornado e não integrado como parte importante do meio urbano, recebendo investimentos e sendo um polo atrativo, a área de suas margens antes vista como obstáculo não se tornou parte pertencente na memória do resto da cidade, se tornando vulnerável a ocupações. De fato, a população habitante do seu entorno apresenta grande conexão com a área e desejo de permanecer no local. A partir do entendimento de suas visões e vivências podem ser pensadas soluções para a área, bem como para a cidade como um todo.

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Fig.17: Ă reas problemĂĄticas Fonte: Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Iguatu, 2000, adaptado pela autora.


Fig.18: Diferenรงas sociais parte I - Conjunto Joรฃo Paulo II. Fonte: PDDU Iguatu, 2000

Fig.19: Diferenรงas sociais parte II - Baurro Bugi. Fonte: PDDU Iguatu, ano 2000

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Fig.20: Segregação do Bairro Vila Neuma em relação ao resto da cidade. Fonte: Blog Iguatu CE, 2008, adaptado pela autora. Acesso em: dez. 2017.

Percebe-se que o estudo dos processos de formação, espraiamento e de suas consequências nas cidades grandes deu suporte para a compreensão das dinâmicas de expansão em cidades médias como Iguatu, permitindo uma aproximação da escala do bairro Vila Neuma e um entendimento do cenário em que se posiciona nas relações urbanas. A cidade possui forte potencial paisagístico, em cuja dinâmica se insere o bairro em questão, margeado pelo Rio Jaguaribe, que entretanto não tem sido completamente aproveitada. Da mesma maneira que nas grandes cidades, os processos de formação de áreas informais mostram-se muito ligados nessa cidade média à falta de acesso à terra, fazendo com que a população se estabeleça em áreas de risco e, nesse caso em específico, mesmo sujeitas a enchentes periódicas, uma vez que estabelecem suas dinâmicas internas próprias a nível bairro, não deixam de ocupar a área. Esse tipo de crescimento e ocupação, consolidando áreas habitacionais, demonstra intenções da população para áreas urbanas, que devem ser levadas em consideração nos momentos de planejamento urbano para um todo funcional e coeso da cidade.

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Capítulo 2

Uma introdução aos processos participativos

Os processos de segregação socioespacial, quer se tratando de metrópoles ou de cidades recém-formadas, estão relacionados diretamente ao foco das decisões do Planejamento Urbano. Nesse sentido, nota-se que os projetos conectados para uma cidade e o seu desenho urbano podem seguir interesses relacionados a diversos agentes urbanos, a exemplo de construtoras, comerciantes, moradores, visitantes e turistas. Cabe ao profissional responsável por concretizá-las garantir que as propostas sigam os interesses da população que mais será beneficiada com a intervenção urbana: quem efetivamente irá utilizar. Nessa busca, os métodos de processo participativo vêm alcançando cada vez mais o reconhecimento de quem conduz a ação, numa tentativa de escutar primeiro as demandas, nivelar conhecimentos e, depois, elaborar uma proposta que corresponda às necessidades encontradas.

2.1 Histórico da ação do planejador urbano durante o período pós industrial A partir das consequências oriundas da descentralização do sistema industrial e do fortalecimento do sistema capitalista como principal balizador das mudanças sociais, viu-se a necessidade de ações diretas sobre as áreas residuais desses processos, como bairros operários insalubres e áreas periféricas afastadas da infraestrutura urbana, além de novas dinâmicas urbanas e necessidades complexas

que passavam a surgir. O fim do século XIX foi um marco nesse sentido com o surgimento do urbanismo técnico-setorial, um urbanismo sanitarista citado por Campos Filho (1989, p.6) como responsável por uma reurbanização de bairros inteiros e produtor de um início de legislação urbanística. O foco era a obtenção de instrumentos para melhoria da racionalidade de organização de cidades industrializadas em deterioração. (CAMPOS FILHO, 1989, p. 6-8) O autor cita, a partir desse primeiro tipo, outras formas de urbanização que iam surgindo e decaindo à medida que seu funcionamento era aceito ou contestado. Cabe destacar o urbanismo culturalista, fruto de uma posição que se opõe à industrialização, mas que é também tida como antiurbana, advinda do socialismo utópico. As propostas culturalistas não mostram apenas uma sociedade nova, mas também o espaço físico na qual esta atuará, propondo uma reformulação de cidades inteiras. É um urbanismo que não é capaz de lidar com cidades já existentes e, seus problemas. Nesse ponto, vale atentar para a lógica de desordem urbana delineada por Campos Filho (1989, p.12): [...] escondida por detrás do caos urbano, visível na deterioração ambiental, nas habitações miseráveis dos bairros pobres; na demolição e reconstrução contínuas das partes mais antigas, perdendo-se, com isso, a memória

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histórica; na falta crônica de uma infraestrutura adequada, especialmente de transportes, sempre congestionada em inúmeros pontos, etc.; como resultado básico de busca de propostas pelos proprietários imobiliários de valorização produzida pelo esforço coletivo. (CAMPOS FILHO, 1989, p.12) Os aspectos citados mostram cidades que pulsam com características próprias, tanto comuns entre si, mas também individuais a cada uma delas. São formas complexas oriundas de um histórico igualmente denso, que pedem por estratégias de tratamento que analisem problemas a partir de suas raízes, em contraponto a um urbanismo que, ignorando essa realidade e pressupondo uma desconstrução do meio urbano atual a partir de uma simples reconstrução do espaço físico sem alteração das dinâmicas sociais intrínsecas a ele e que o formaram, proponha uma cidade tida como ideal. Numa tentativa de tratar mais diretamente essas características próprias das cidades, o autor menciona em contraponto às linhas anteriores uma linha de análise sistêmica, que iniciou o caminho de visão do todo em detrimento das partes, mas ainda não se configurou como uma solução para a dinâmica apresentada, uma vez que acabava por priorizar o debate sobre a forma de chegar a um objetivo em detrimento do resultado final. (CAMPOS FILHO, 1989, p.12) Esse tipo de análise, pautada na otimização, “não questiona os fins a serem atingidos e analisa apenas os meios de atingi-los”, inviabilizando, dessa forma, que seja colocado em debate o resultado final e que seja feita uma visão mais crítica do cenário. Essa ainda era, portanto, uma alternativa inconclusiva,

tendo em vista a necessidade das cidades do período pósindustrial de uma organização que viabilizasse a solução de problemas cada vez mais conflitantes a partir dos interesses dos muitos agentes urbanos envolvidos nos processos. De fato, o autor menciona, a partir da década de 50, a formação de um novo tipo de urbanização, mais voltada para as questões sociais. Ao tratar do tema, dá destaque ao forte papel da questão rural em países como o Brasil. Nos países de capitalismo periférico, ele se caracteriza pela percepção de que a questão urbana continua estreitamente entrelaçada com a questão rural. Nestes, o processo de migração campo-cidade continua em curso e, em alguns países, como no Brasil, tal processo de urbanização já atingiu tais níveis que a questão urbana torna-se, dia a dia, mais importante que a agrária. (CAMPOS FILHO, 1989, p.23) Dessa forma, analisando os níveis de rede de cidade e de funcionamento interno das cidades, cunhou-se uma forma de atuação a partir dos fatores chaves da dinâmica inter e intraurbana. Cada um desses fatores é denominado pelo autor como fator estruturante, o qual “permite atuar sobre uma parcela da realidade que possui o poder de modificar, através dele, um conjunto de grande amplitude da realidade urbana e social”. (Campos Filho, 1989, p.23) A análise por fatores estruturantes, ainda que interessante, continua a se configurar de forma a não considerar como ponto centralizador do processo o usuário local, aspecto que pode inviabilizar o sucesso pleno do resultado final desejado. Diante desse percurso de maneiras de lidar com o espaço urbano, a

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percepção é de que, sendo a cidade um ambiente complexo e peculiar, o principal balizador que pode tornar possível uma intervenção é o possuidor de conhecimentos que são ausentes ao técnico externo: o morador e usuário da área. Sendo assim, não como simples executor, mas como agente unificado no processo, conhecimento técnico e empírico podem viabilizar uma proposta que efetivamente converse com a realidade local e proponha qualidade de vida. Chega-se, então, à necessidade da participação popular no processo de decisão urbana.

na requalificação urbana, tendo em vista esse processo de distanciamento das cidades dos seus centros. As complexidades a serem abordadas se tornam maiores à medida que as divergências entre os bairros de uma mesma cidade aumentam, enquanto vínculos relacionais entre eles continuam existindo e devem ser exaltados para uma melhor unificação da totalidade urbana. O processo participativo se dá no momento em que almeja-se fazer um levantamento participativo, uma análise conjunta dos dados, ter transparência na comunicação e na transmissão de informações. Quando ocorre a participação de várias pessoas no planejamento, abre-se um leque maior de opções, mais experiências a serem passadas, diferentes olhares sobre os temas tratados, além de permitir a ampliação da capacidade de ação com qualidades que se complementam. (BIGI, 2016)

2.2 Os Processos Participativos De fato, as estratégias de planejamento urbano utilizadas durante o período industrial e seu momento de posterior descentralização foram pautadas em processos descolados da realidade, direcionados no sentido de uma cidade ideal. A cidade era trabalhada numa camada superficial, sem atenção às bases formadoras do meio urbano – e, mais tarde, a partir de um reconhecimento de padrões da cidade, mas ainda de forma generalizada. Nesse sentido, a participação popular aparecia de forma pontual em cada uma das fases de concepção, tendo papel no levantamento de dados e coleta de opiniões, mas sem peso na decisão final definitiva. Contestando os moldes tradicionais e aperfeiçoando essas tentativas de participação do usuário local – tornando-o o ponto centralizador do processo, surge um sistema participativo mais ativo desde a fase de diagnóstico e com característica de atuação em microescala com expectativa de melhor absorção das necessidades a partir da vivência de imersão proporcionada pelas experiências com a população local. Para compreensão dessa nova visão de planejamento urbano e concepção projetual, busca-se compreender esses procedimentos a partir de suas origens. Os processos participativos têm se mostrado como ponto-chave

Nesse sentido, cabe levantar alguns dos conceitos que Souza (2010) aborda relacionados à teoria de Habermas. Ainda que aponte pontos negativos da teoria, traz notáveis aspectos que podem ser levados em consideração trazendo uma reflexão positiva. Primeiramente, tem-se a referência ao agir comunicativo, apontado como um caminho para “chegar-se a acordos voluntários em nome da cooperação” (Souza, 2010, p. 149). Em seguida, o autor traz ao debate que a racionalidade instrumental – que lida com a otimização dos meios – é apenas uma das formas de racionalidade, tendo também grande relevância a racionalidade comunicativa. Uma não menos importante forma de comunicação é a racionalidade

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comunicativa, a qual floresce por meio do agir comunicativo, e pode ser o fundamento de uma discussão racional a propósito dos próprios fins. (Souza, 2010, p.149)

O autor reforça, ainda, que enquanto a racionalidade instrumental está mais focada na estratégia e eficiência, podendo conter aspectos danosos a um processo colaborativo, como a dominação e manipulação, a racionalidade comunicativa “é orientada pela busca do entendimento comunicacional” (Souza, 2010, p.149). Enquanto sabe-se da importância desse agir coletivo, deve-se ter em mente que igualmente importante se faz o autoconhecimento comunitário. O autor coloca que “um certo grau de autonomia individual e coletiva é um pré-requisito para a ação comunicativa” (Souza, 2010, p.150). Dessa forma, a comunidade ser capacitada ou já ter previamente uma organização própria, para que seja efetivada a comunicação. De fato, um processo participativo é uma forma de interação entre o executor de uma obra e seu receptor e a importância dessas dinâmicas vem se consolidando nas últimas técnicas de forma veemente. Está presente no discurso dos governantes, seja na implementação de grandes obras ou na requalificação de pequenas áreas de lazer públicas, a exaltação da participação comunitária na concepção de ideias. Observa-se, entretanto, que esse discurso ainda se qualifica como uma visão tecnocrática da realidade, ainda que seja uma tentativa de mudança de status em relação à forma anterior de fazer a cidade. Atualmente, a urbe encontra-se numa fase de transição, onde o planejador urbano não deve mais ser visto como o técnico que possui conhecimento superior ao do local, mas sim como um colaborador a apresentar ferramentas que efetivam ideias dos próprios moradores. Um discurso que viabilize

processos participativos, mas que não dê poder ao cidadão de forma real, tornando sua visão o ponto central da construção, podem inviabilizar todo o resultado, gerando espaços que futuramente não terão senso de apropriação e se tornarão obsoletos. Bigi (2010) alerta, ainda, para situações danosas em que a ação participativa termina no levantamento, assumindo uma característica de comprovação de hipóteses. Nesses casos, o processo torna-se um meio ilusório, no qual a população acredita ter seu posicionamento levado em consideração num resultado final, sem efetivamente atuar nas decisões finais do projeto. Nesse sentido, a autora fala de certas dificuldades a serem contornadas na aplicação desse tipo de metodologia, como “[...] a expectativa da comunidade por serviços prontos e falta de consciência da existência de autonomia, baixo recurso, mobilizar e articular grupos [...]”. (BIGI, 2010) Entretanto, essa participação deve ser vista além de seu valor imediato, mas a partir dos resultados que traz a longo prazo, no formato de uma melhor apropriação das intervenções realizadas. Cabe trazer, para melhor compreensão desses aspectos a escada de participação do cidadão (Fig. 21) cunhada por Arnstein (1969). É relevante reforçar o fato de que esse assunto tem sido tratado desde a década de 60 nos Estados Unidos, mostrando que o tema dos diferentes tipos de participação popular e formas de realizar essa interação não é novo. À medida que a dimensão de sua importância e sua consolidação chega a novos setores profissionais, acadêmicos e sociais, os resultados passam a ser cada vez mais palpáveis. É por meio da unificação desses setores que as ações tornam-se possíveis, colocando sempre a população local como centralizadora dos processos.

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8

Controle Cidadão

7

Poder Delegado

6

Parceria

5

Aplacar

4

Consultar

3

Informar

2

Terapia

1

Manipulação

} }

Poder cidadão

Simbólico (Tokenism)

}

Não-participão

Os níveis da escada mostram que, muitas vezes, a participação é utilizada como meio de “Manipulação” (1) ou “Terapia” (2), caracterizando uma não-participação e sim uma maneira de incutir na população ideias predeterminadas pelos agentes veiculadores. Nos itens intermediários, “Informar” (3), “Consultar” (4) e “Aplacar” (5), tem-se a participação como coleta de informações e maneira de repasse de decisões governamentais. Ainda que unifique mais e quebre barreiras locais, esse nível ainda não garante que as necessidades expressadas pelos participantes sejam efetivamente atendidas. É apenas no nível mais alto, “Parceria” (6), “Poder delegado” (7) e “Controle cidadão” (8), é que existe uma situação efetiva de poder dos agentes locais, na qual sua voz se torna igual ao dos executores das ações de forma conjunta. É a partir desse nível que a população não só influencia em decisões, mas acompanha seu processo de realização e mudanças em tempo real. O termo Urbanismo Colaborativo surge como nova abordagem no intuito de compreender os diferentes tipos de saber – empírico e técnico – e de que formas estes podem se unir para viabilizar um resultado final que tanto reflita as necessidades reais de uma comunidade ou população residente de uma área, mas que também componha métodos e técnicas adequadas para uma boa qualidade de vida dos usuários. A abordagem popular, de trazer voz aos usuários locais e empoderá-los para que se sintam pertencentes ao ponto de intervir em sua cidade, a fim de torná-la adequada às suas necessidades, é tão ou mais importante que o resultado da intervenção em si, no

Fig.21: Escada da participação cidadã. Fonte: Sherry R Arnstein, 1969, adaptado pela autora.

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momento que a construção é finalizada (LANER, 2017, p.441)

Laner (2017) reforça, ainda, os dois meios com os quais o Urbanismo Colaborativo pode se dar: durante a elaboração e execução de uma intervenção urbana pelos cidadãos locais e de que forma essa intervenção será usada posteriormente. Não basta, portanto, ter a participação popular numa fase diagnóstica, como uma coleta de dados e tornar a fase projetual um processo fechado para a equipe técnica. Tendo um ciclo inteiramente aberto ao público e conjunto, o processo se torna muito mais rico e o resultado, possuidor de conhecimentos que o planejador seria incapaz de adquirir como observador externo, sem vivência no local. Esses aspectos estão muito atrelados à percepção de espaço e lugar. Nesse sentido, duas análises relevantes podem ser feitas: o fato de que, para o observador externo, muitas áreas do bairro podem ser tidas como um espaço quando já são, para os moradores, um lugar efetivo, com usos e dinâmicas próprias, que o primeiro desconhece. Outra análise é a do não-lugar, reforçada por Augé (2004). O autor fala de lugares de passagem ou residuais, com os quais não se cria vínculos por parte da própria população. Isso só vem a partir de uma ressignificação que deve ser feita por eles mesmos. A cidade só se torna viva quando é experienciada e memórias são construídas. Para um maior entendimento de como esses conceitos podem ser aplicados neste trabalho, tanto no desenvolvimento de um diagnóstico como na formação de um produto final que perpasse por um processo colaborativo em sua totalidade, faz-se necessário um estudo de práticas que sirvam como base. Para tanto, foram escolhidas não experiências isoladas, mas organizadores que compreendem essa forma de ação como uma rede complementar e que veem nesse aspecto a sua

força de catalisar mudanças:o livro Microplanejamento – Práticas Urbanas Criativas; as experiências do Instituto de Urbanismo Colaborativo – COURB e o caso da Escola de Planejamento doCearah Periferia, Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre assentamentos humanos.

2.2.1 Análises de Casos A princípio, buscou-se realizar a seleção de ações específicas para realização de um inventário que servisse como base na formação de uma metodologia a ser utilizada no diagnóstico e prática projetual deste trabalho. À medida que o estudo desenvolveu-se, entretanto, observou-se uma maior eficiência no estudo das instituições que realizam as ações do que na análise de ações isoladas, dando destaque à forma com a qual o fazem. A motivação por trás disso é que o tema de Urbanismo Colaborativo, além de ser relativamente novo na área de Arquitetura e Urbanismo, é intrinsecamente multidisciplinar, envolvendo diferentes profissionais no auxílio do entendimento das comunidades trabalhadas. Tendo em vista, ainda, que cada comunidade é única, as metodologias aplicadas não seguem uma fórmula padronizada e reforçam o caráter local, mutável e específico de cada situação. A partir do entendimento de como se dá essa decisão e da formação de um olhar que requalifica a maneira que a participação popular é vista atualmente, é possível planejar uma metodologia de aplicação de urbanismo colaborativo. Nesse sentido, foram analisadas compilações que compreendem esse caráter de versatilidade. Para iniciar esse momento, utiliza-se como base as colocações da publicação oficial Creative Placemaking, realizado por Gadwa e Markusen (2010), cujo enfoque é de iniciativas americanas de transformação local por meio da arte e da

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cultura e foi realizada para o Instituto dos Prefeitos em Design de Cidades (em inglês, The Mayors' Institute on City Design). De fato, o Placemaking, que pode ser traduzido de forma livre como 'fazer o lugar', é uma iniciativa amplamente divulgada pela organização sem fins lucrativos Project for Public Spaces, baseada em Nova York. Enquanto estes atuam ao redor do mundo na divulgação de metodologias e ações positivas no conceito, o Brasil, conta com um grupo vinculado: Placemaking Brasil. Placemaking é um processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos totalmente voltados para as pessoas, visando transformar 'espaços' e pontos de encontro em uma comunidade – ruas, calçadas, parques, edifícios e outros espaços públicos – em 'lugares', que eles estimulem maiores interações entre as pessoas e promovam comunidades mais saudáveis e felizes (PLACEMAKING BRASIL, Blog, acesso em 2018).

Creative Placemaking não aponta ligação com esses institutos e tem sua atuação voltada de forma mais específica para a arte e cultura do que para o espaço público. Ainda assim, sua maneira de organizar os desafios e aspectos que trazem sucesso para iniciativas transformadoras de bairros são significativos e podem ser correlacionados com as diversas formas de fazer esse tipo de ação, sejam quais forem os agentes envolvidos e tendo ou não presença governamental. A imagem ao lado aponta, com base na análise realizada pelo grupo, essas características. A partir desse suporte, são demonstrados estudos de caso cuja principal lição se pode extrair para este trabalho é a de que nem sempre o espaço público é o causador de uma transformação local, mas a mobilização dos agentes e a percepção e utilização do real potencial dos talentos existentes no bairro. Um dos relatos mais importantes é

PLACEMAKING CRIATIVO: OS DESAFIOS Ÿ Forjar parcerias Ÿ Ir de encontro ao Ÿ Ÿ

Ÿ Ÿ Ÿ

ceticismo comunitário Reunir o financiamento adequado Adequar os possíveis obstáculos da legislação Garantir manutenção e sustentabilidade Evitar deslocamento e gentrificação Desenvolver medidores de performance

PLACEMAKING CRIATIVO BEM SUCEDIDO Ÿ Conduzido por um

Ÿ

Ÿ Ÿ Ÿ

Ÿ

iniciador com visão inovadora e determinação Tece estratégias para diferentes aspectos do local Mobiliza a vontade pública Atrai o setor privado Valoriza o suporte de artistas locais e líderes culturais Constrói parcerias atravérs de setores, missões e níveis de governo.

Fig.22: Desafios e atitudes de sucesso na realização do Placemaking Criativo. Fonte: Markusen Economic Research Services and Metris Arts Consulting, 2010, editado pela autora.

intitulado “After autos...Artists'' - Em tradução livre, “Depois de carros... artistas”, (GADWA, MARKUSEN, 2010, pag.31) cuja atuação teve como base a eliminação de uma barreira psicológica existente na cidade: o bairro era marginalizado e os artistas locais tiveram direito a expor e habitar prédios que ficavam no limite entre bairros (ver figuras 23 e 24). Dessa

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maneira, gerou-se maior visibilidade ao local, ao mesmo tempo que se dava uso às edificações. A ação contou com apoio governamental e teve como principal financiador um instrumento denominado “Crédito Fiscal de Habitação de Baixa Renda” (em inglês, Income Housing Tax Credits – LIHTC). A atuação é fundamentada na potencialização de talentos locais. Esse tipo de iniciativa mostra como é importante a compreensão de um sistema flexível, que identifica as capacidades de espaços, população e agentes dispostos a auxílio, em conjunto com o governo municipal. Este último, quando participante do processo, se torna um aliado definidor. Ainda que os processos de urbanismo colaborativo possam surgir de entes comunitários não governamentais, a partir de motivações pessoais que trazem uma vontade de mudança do local e realização de ações no sentido de conseguir a atenção do governo, quando essas ações têm como parceiro a própria entidade municipal, estadual ou federal, suas possibilidades se tornam muito mais amplas. Tanto pela lei regional na implementação de novos usos locais, como na parte financeira, essas entidades quando unidas aos outros agentes do

Fig.23: Jardim comunitário da intervenção ‘Depois dos carros...artistas’. Fonte: Site Artspace. Disponível em: <http://www.artspace.org/our-places/artspace-buffalolofts > Acesso em: 06/06/2018.

processo mostram resultados muito positivos e efetivas mudanças. De fato, as experiências da coletânea Creative Placemaking possuem uma característica maior de longo prazo e atrelada ao governo; não obstante, outras formas de ação também são válidas na tentativa de agrupamento de ideias e forças locais, gerando mudanças na forma de pensamento comunitária e atingindo assim os dirigentes urbanos. Nesse sentido, tem-se que existem diferentes formas de atuar em conjunto com uma população na tentativa de compreender suas necessidades locais, gerar unificação à medida que é realizado um diagnóstico e projeto para potencializar futura apropriação dos utilizadores e correlacionar diferentes formas de saber. Com nomes diversos e mudanças de metodologias de ação e objetivos – urbanismo tático, urbanismo insurgente -, aqui se adota o termo Urbanismo Colaborativo, levando em consideração uma linguagem mais universal e que tem como centralizador principal da temática a cooperação entre diferentes agentes sociais, de forma horizontal e contínua no pré, no pós, e durante o projeto.

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Fig.24: Rua principal da intervenção ‘Depois dos carros...artistas’. Fonte: Site Artspace. Disponível em: <http://www.artspace.org/our-places/artspace-buffalolofts > Acesso em: 06/06/2018.


Nicolas, Postproduction 2002, p.80 apud Rosa 2011).

2.2.2 Práticas Urbanas Criativas A análise do livro Microplanejamento - Práticas Urbanas Criativas se mostra como positiva para este trabalho a partir de suas primeiras páginas. A linguagem utilizada pelo Rosa (2011), organizador da obra, abordando a vontade de unir ações existentes em São Paulo e outras localidades que muitas vezes passam despercebidas à sociedade, mas possuem imenso potencial de catalisar mudanças, é alinhada com o caminho a ser seguido nesta pesquisa, tornando o livro um adequado estudo de caso. Para tanto, observa-se a divisão em que é apresentado: após demonstração fotográfica dos ambientes estudados, o livro organiza a partir de um denominador comum os projetos selecionados do trabalho de campo: os que ocupam espaços abertos e determinam campos de ação na cidade. Nesse sentido, Rosa (2011) traz o conceito de 'ação coletiva': Esse critério aponta para uma busca por espaços que mostrem formas de reorganização na escala local e reflitam uma nova atitude com relação à vida coletiva no meio urbano - a apropriação do espaço por seus moradores através de uma resposta (pró)ativa, a ação e a proposição e escala 1:1 (ROSA, 2011, p.16)

É introduzido, a partir desse conceito, o autor Nicolas Bourriaud, que o traz em oposição à crítica passiva. O autor provoca que as pessoas não esperem pelo governo, mas sejam elas mesmas autoras de uma mudança. Mas existe algo verdadeiramente considerado espaço público hoje em dia? Esses atos frágeis e isolados engajam a noção de responsabilidade: se existe um buraco na calçada, por que um funcionário da prefeitura o preenche, e não você ou eu? (Bourriaud,

Essa maneira de agir ocorre em oposição à análise mencionada anteriormente, da publicação Creative Placemaking, que fala da participação governamental. São ações que acontecem quando o município ou estado não dá atenção as áreas observadas e elas passam a realizar algo por conta própria. Ao refletir sobre o motivo para esse tipo de ação acontecer com tanta frequência na cidade de São Paulo, temse que “a auto-organização verificada nos projetos - o envolvimento da população que caracteriza práticas urbanas criativas - parece ser impulsionada pela falta de espaços de coexistência com qualidade na escala humana, do usuário resultado de escolhas tomadas no processo de urbanização da cidade de São Paulo.” - ou seja, o cenário vigente poderia ter sido evitado a partir de um melhor planejamento do crescimento da cidade. Daí vem a curiosidade com o crescimento de cidades pequenas ou médias - por que, à medida que crescem, a mesma falta de planejamento é apresentada? Seria uma falta de planejamento ou um planejamento feito de forma inadequada? Desse tipo de questionamento vem a tentativa de descobrir novas maneiras de pensar o urbanismo, tendo como objetivo englobar todos os setores sociais de forma a evitar os resultados danosos do cenário atual, também apontados pelo organizador do livro: espaços urbanos desperdiçados, vazios, subutilizados e residuais. Outro conceito importante é o de Rede Coletiva. As redes são parte chave do Século 21, assim como o fazer Colaborativo. É valorizado o trabalho em equipe e o

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pensamento em conjunto em tanto no ensino acadêmico como na área profissional e em setores do empreendedorismo. No meio urbano, como mencionado no início da pesquisa, aparece na formação das cidades, a partir das redes de cidades. De forma similar ao Instituto COURB, que busca a formação de uma Rede de Urbanismo Colaborativo, a ser mencionado mais a frente neste trabalho os organizadores do livro buscam a formação de uma Rede Coletiva a partir dos campos levantados, com o intuito de “questionar o potencial e a importância do microplanejamento na construção do ambiente urbano”. Esse conceito é muito significativo para fortalecer esse tipo de ação, muitas vezes vista como isolada, ou improdutiva a longo prazo. Percebendo a conexão entre esses pontos de ação, diferentes nós criativos que apresentam um propósito em comum, e que possuem grande potencial de transformação da mentalidade das pessoas atingidas, entende-se de uma nova forma as ações realizadas. A partir dessas bases iniciais, tem-se a metodologia cunhada pela organização do livro, que se mostra clara na identificação de ações positivas na transformação urbana. O destaque se inicia com a definição de Tático oferecida pelo conjunto:

como locais com vocação para incentivar rearticulações, novas relações e novas formas de uso e produção do espaço. Isso reverbera em toda a comunidade e funciona como uma demonstração do potencial local. A variedade de campos apresentados nesse projeto demonstra a versatilidade que uma ação desse tipo pode assumir, e que qualquer lugar subutilizado pode ser ocupado de forma mais produtiva pela população local, gerando mais segurança e qualidade de vida. Como exemplo, foram selecionados três casos: Aprendiz (p.73) Biourban (p.78), e Navega São Paulo (p.99), representados nas tabelas de 1 a 3, bem como nas figuras de 25 a 27. Tabela 1: Características do caso Aprendiz Fonte: Elaborado pela autora com dados do livro Microplanejamento, 2017.

APRENDIZ

Táticas são definidas como ações isoladas ou eventos que tiram vantagem de oportunidades oferecidas por aberturas em sistemas estratégicos. Tais ações exploram o potencial dessas aberturas procurando por resultados inventivos – desvios do contexto existente que organizam espaços autônomos. (ROSA, 2011, p. 69)

Outro conceito que se destaca é o de 'campo', apresentado como o espaço onde a ação coletiva ocorre, disponível à experimentação. (Rosa, 2011) apresenta esses espaços nas comunidades analisadas

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Espaço:

Corrego canalizado que delimita área residual

AGENTES ARTICULADORES:

Associação Cidade Escola Aprendiz no bairro Vila Madalena, em São Paulo

AÇÕES UTILIZADAS PARA INCENTIVAR A COLABORAÇÃO:

Grafite, práticas coletivas e atividades esportivas, de encontro e cultura, foram responsáveis pela ativação do local. Os diferentes tipos de ação no processo de rearticulação do espaço mostram a necessidade da colaboração de diferentes atores


Fig. 25: Exemplo de ação incentivada pela Cidade Escola Aprendiz Fonte: Blog Matraca Cultural, Acesso em dezembro de 2017. Disponível em: https://matracacultural.wordpress.com/cat egory/acoes-sociais/page/6/

Fig. 26: Representação dos resultados obtidos na Favela Mauro (Biourban) Fonte: Handsmade Urbanism. Econtrado em: <http://www.pivo.org.br/eventos/handmadeurbanism/>;Acesso em dezembro de 2017.

BIOURBAN Espaço:

Passagens estreinas na Favela Mauro

AGENTES ARTICULADORES:

Um pesquisador que estabeleceu moradia no local

AÇÕES UTILIZADAS PARA INCENTIVAR A COLABORAÇÃO:

Multirão de limpeza identificando vazios e locais de passagem com potencial de mudança – áreas que foram ressignificadas e obteviram usos diferentes. O caso demonstra que, muitas vezes, é a ativação de objetos já existentes em nova configuração, em oposição da criação de novos, que pode trazer uma solução.

Tabela 2: Características do caso Biourban Fonte: Elaborado pela autora com dados do livro Microplanejamento, 2017.

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Tabela. 3: Características do caso De Olho No Tietê Fonte: Elaborado pela autora com dados do livro Microplanejamento, 2017.

DE OLHO NO TIETÊ Espaço:

Margem de um trecho do Rio Tietê, em São

AGENTES ARTICULADORES:

Instituto Navega São Paulo em parceria com a Secretaria de Educação do Estado

Com o objetivo de atrair o olhar das pessoas que AÇÕES UTILIZADAS passavam de carro pela via marginal e articular novas PARA INCENTIVAR A atividades dentro do rio e em suas margens, houve a COLABORAÇÃO: iniciativa de proporcionar aos educadores e alunos da rede pública de ensino a oportunidade de navegar no Rio Tietê. A proposta demonstra não só a importância da visão ambiental no meio urbano, mas também que as possibilidades de colaboração entre entidades governamentais e não governamentais podem ser muito proveitosas.

Fig.27: Projeto de Olho no Tietê Fonte: Apresentação Navega São Paulo. Encontrado em: <https://www.slideshare.net/douglasmsiqueira/apresentacaonaega-so-paulo/smtNoRedir-1> Acesso em dezembro de 2017.

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2.2.3 Instituto COURB: A importância do intervir O Instituto de Urbanismo Colaborativo (COURB) inicia suas atividades em rede desde sua formação: com integrantes de estados diferentes do Brasil, a atuação acontece de forma integrada, dinâmica e multidisciplinar. Um dos principais eventos realizados pelo Instituto é o Encontro de Urbanismo Colaborativo, que teve sua segunda edição em 2017 e cujo intuito é compartilhar iniciativas positivas relacionadas ao assunto. Um dos principais meios de atuação é a Mostra de Projetos, a qual são submetidas iniciativas brasileiras de intervenção tendo como centro a comunidade e o fazer colaborativo. Nessa perspectiva, a troca se torna significativa uma vez que permite a percepção de similaridades e diferenças entre os projetos, bem como pontos em que uma ação poderia ter sido feita de forma diferente e funcionado melhor, sendo inspirada a partir da ação de um outro projeto. O Instituto tem contribuído muito para maior difusão do termo “Urbanismo Colaborativo” e demonstrado por meio de seus eventos que esse tipo de ação não é um ato isolado em cada cidade que acontece, mas algo coletivo, de pensamento conjunto e que vem acontecendo em várias partes do país. Incentivam a união dessas ideias similares, defendendo que a força reside na articulação dessa rede de ação e junção dos diferentes coletivos e viabilizadores brasileiros. A fim de difundir metodologias e confrontar a forma com que o planejamento urbano vem sendo realizado atualmente e objetivando um resultado mais centrado no usuário do espaço, o debate é realizado. Nesse sentido a Mostra de Projetos tem sua relevância a partir da demonstração a importância da intervenção física no processo de apropriação comunitária.

O evento conta com uma votação para premiar uma das propostas. Para exemplificar casos apresentados, serão demonstradas (figuras de 28 a 30 e tabelas 4 a 6) as propostas vencedoras no ano de 2016 (Sobreurbana, Goiânia – GO) e 2017 (Cubo Urbano, Juazeiro do Norte - CE), bem como a ação de Placemaking do Coletivo A-braço (Fortaleza-CE) apresentada no ano de 2016.

Figura 28: Casa Fora da Casa Fonte:Fonte: Polli de Castro. Imagem encontrada no site do COURB, 2016. Disponível em: <http://www.courb.org/pt/projetos-selecionadospara-mostra-de-urbanismo-colaborativo/> Tabela 4: Características do caso Casa Fora da Casa Fonte:Elaborado pela autora com dados do site COURB, 2017. Figura 29: Montagem de fotos da intervenção do Cubo Urbano. Fonte: Cubo Urbano, encontrado no site do COURB, 2017. Disponível em: <http://www.courb.org/pt/confira-como-foi-2amostra-de-urbanismo-colaborativo/para-mostrade-urbanismo-colaborativo/> Tabela 5: Características do caso Aqui Tem Sombra Fonte:Elaborado pela autora com dados do site COURB, 2017.

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TABELA 4

CASA FORA DA CASA

Espaço:

Goiânia-GO

AGENTES ARTICULADORES:

Sobreurbana

AÇÕES UTILIZADAS PARA INCENTIVAR A COLABORAÇÃO:

Utilizando metodologias de urbanismo tático, placemaking e design thinking, foram estimuladas novas formas de olhar e vivenciar o espaço público, mapeando potencialidades e fragilidades dos pontos de atuação e gerando resultados em todos eles – a exemplo de balanços nas árvores, redários, agrofloresta e repitangem de pista de skate.

FIG. 28

TABELA 5

aqui tem sombra Espaço:

Pontos de ônibus em Juazeiro do Norte - CE

AGENTES ARTICULADORES:

Cubo Urbano

AÇÕES UTILIZADAS PARA INCENTIVAR A COLABORAÇÃO:

FIG. 29

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Equipamentos com sombrinhas utilizados de forma colaborativa nas paradas de ônibus - após utilizar, a pessoa poderia repassar a sombrinha para outro usuário e pegar o ônibus. A iniciativa foi realizada no intuito de ressaltar ao governo e à sociedade a ineficácia dos abrigos dos pontos de ônibus da cidade.


PLACEMAKING NA ALVORADA Espaço:

Praça da Alvorada no bairro Sapiranga (Fortaleza-CE

AGENTES ARTICULADORES:

Coletivo A-braço com colaboração da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)Urbano

AÇÕES UTILIZADAS PARA INCENTIVAR A COLABORAÇÃO:

Comunicação prévia por parte do Coletivo com a população local, para entendimento da sua visão dos moradores do lugar proporcionaram uma requalificação de uma praça que já possuía bons equipamentos, mas falhava em consolidar seus espaços de convivência de forma plena. Estudantes da UNIFOR e a população local foram incentivados a trabalhar juntos para construir uma nova forma física para o espaço, acrescentando cores e mobiliário que fortaleciam a identidade local.

Tabela 6: Características do caso Placemaking na Alvorada Fonte:Elaborado pela autora com dados do site COURB, 2017.

Figura 30: Intervenção na Praça da Alvorada Fonte: Luciana Otoch. Disponível em: <http://www.courb.org/pt/projetos-selecionadospara-mostra-de-urbanismo-colaborativo>

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2.2.4 Cearah Periferia: visões de longo prazo O Centro de estudos, articulação e referência sobre assentamentos humanos (CEARAH Periferia), com base em Fortaleza e Região Metropolitana, é uma Organização Não Governamental que tem como principal objetivo a exaltação do fazer comunitário.

agentes na discussão produtiva. O órgão conta com programas que se tornaram Políticas Públicas, como o de autogestão comunitária, que garantiu a organização de famílias para construção de casas nos municípios Eusébio e Maracanaú, bem como capitais Fortaleza e Goiania, em Goias. Sua contribuição majoritária atualmente é o Projeto Luiz Gonzaga (2016-2018).

Seu principal objetivo é o apoio ao Movimento Popular Urbano em suas lutas, visando a melhoria das condições de vida nos assentamentos humanos por meio do desenvolvimento e fortalecimento de ações coletivas no âmbito da habitação, geração de renda e capacitação de lideranças comunitárias. Considera como temas orientadores de sua ação o meio ambiente, as relações de gênero e raça e a economia popular. Para a realização de seus projetos, o CEARAH Periferia conta com uma equipe multidisciplinar formada por sociólogos, assistentes sociais, pedagogos, arquitetos e pesquisadores populares. (site CEARAH PERIFERIA, 2017)

O Residencial Comunitário Luiz Gonzaga é um projeto habitacional que envolve famílias de 20 entidades de vários bairros de Fortaleza. O projeto prevê a construção de 1760 unidades habitacionais, divididas entre o CEARAH Periferia (640), Habitat (624) e a Federação de Bairros e Favelas (496). Outro importante papel desse projeto é o estímulo ao cooperativismo e à participação popular no protagonista de ações dentro das temáticas habitacionais. (site CEARAH PERIFERIA, 2017)

Nessa ação, a Organização atua em conjunto com outras entidades de cunho social, bem como de construtoras de grande e pequeno porte, reforçando que o enfoque do projeto é a população. Tendo em vista a dimensão do trabalho em questão, tem-se uma referência de trabalho participativo de longo prazo, cujo resultado é palpável e toma forma física em novas habitações para essa população. A metodologia de trabalho contou com reuniões constantes com os líderes comunitários, durante a préconcepção e execução da construção. O Cearah Periferia ficou responsável pela construção de 640 unidades habitacionais das 1760 que serão construídas, destinadas a famílias cadastradas na

Sua relevância se dá a partir da sua atuação no meio social, elevando ações coletivas de forma multidisciplinar. Nessa lógica, tem se consolidado no meio como organização de grande importância no movimento, tendo atuação direta no Conselho das Cidades (concidades) e gerando debates relacionados à política urbana cujos temas abrangem organizações sociais, ONGS, Entidades Sindicais, Entidades Profissionais, Setor Produtivo e Órgãos Governamentais, buscando efetivamente incluir todos os

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organização. O grupo já conta com 11 projetos ao longo de sua atuação, perpassando pelos temas “Cidade Sustentável” e “Economia Solidária e Gênero”. Devido ao grande porte de suas ações, uma professora do curso de Arquitetura e Urbanismo que já atuou no grupo reforçou, em entrevista à autora, o caráter versátil que deve assumir uma metodologia participativa. Segundo ela, é impossível definir um passoa-passo para as ações, tendo em vista que cada bairro e comunidade é único, e é apenas tendo conhecimento do local em que se vai trabalhar, sua dinâmica e forma relacional que se pode definir então a metodologia de ação colaborativa e todos os seus passos, desde o pré até o pós desenvolvimento. Em relação ao projeto Luiz Gonzaga, este é uma ramificação do Minha Casa Minha Vida Entidades, no qual as entidades têm a possibilidade de fazer a contratação projetual. Dessa maneira, famílias cadastradas em inventário do Cearah Periferia, bem como de outras entidades de histórico comprovado na atuação social, podem usufruir de habitações com preços facilitados e acompanhamento das entidades, que contratam assistência técnica e construtoras a partir de sua organização. Foi entrevistado um engenheiro civil envolvido com a obra como fiscal da Habitat, que mencionou a existência da CAO - Comissão de Acompanhamento de Obras, incorporada por representantes das comunidades para acompanhamento das obras, registros fotográficos e repasse de informações para os futuros usuários a partir do próprio conselho. Ele afirmou, ainda, que as reuniões comunitárias são frequentes e que são realizadas visitas à obra ainda em construção para que os usuários comuns também possam usufruir desse acompanhamento. Os compromissos são firmados por contrato, onde está incluso também um acompanhamento de assistência social às comunidades, que continua ocorrendo após a obra concluída para percepção dos resultados e satisfação dos receptores.

Tendo em vista essas colocações, o projeto se mostra como um exemplo positivo de colaboração entre poder público e entidades com experiência na assistência social, em uma característica de longo prazo.

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Capítulo 3

Novos caminhos para a colaboração

Os processos de participação e colaboração vêm sendo utilizados no Brasil e no mundo como alternativa para uma compreensão aprofundada das necessidades de uma localidade. Seguindo essa linha, o caminho das descobertas do bairro Vila Neuma se apresenta como mais uma possibilidade para iniciativas colaborativas. Chamando a atenção ao observador externo pela proximidade do Rio Jaguaribe e vulnerabilidade relacionada às enchentes que ocorrem a cada duas décadas, o bairro mostra uma comunidade coesa e firmada, que permanece ocupando a área diante das problemáticas que se apresentam. Essa determinação comunitária é um dos grandes facilitadores em iniciativas colaborativas. Na tentativa de compreender o espaço e sua população, o estudo da área se iniciou a partir de observações com um olhar externo, buscando transformar o espaço em um lugar e ter o suporte necessário para cunhar uma metodologia colaborativa específica para a área e que se adequasse ao modo de funcionamento daquelas pessoas.

A figura 32, uma vista a partir da Rua Beira Rio, demonstra pontos notáveis dessa área que é uma das principais chegadas do Bairro: a presença dos desníveis intensos (ver figura 33), tanto do Rio Jaguaribe quanto da ferrovia e da BR 404, a ponte Demócrito Rocha, característica da cidade de Iguatu e da qual o bairro tem privilegiada visual; um foco de lixo e o potencial paisagístico observado no porte da árvore. Problemáticas e potenciais coexistem nessa área.

Figura 33: Destaque para o desnível como visto da rua Amália Brasil para a BR 404. Fonte: Arquivo pessoal, dezembro de 2017.

3.1 Delimitação da área de estudo: o bairro Vila Neuma Vila Neuma é um bairro periférico localizado na parte oeste da cidade de Iguatu (Fig. 31), em zona de expansão. Tendo em vista o seu posicionamento à margem do Rio Jaguaribe, bem como uma segregação ocasionada pelas vias de acesso à cidade, o local encontra-se isolado das dinâmicas centrais. Figura 32: Vista da Ponte Demócrito Rocha a partir da Rua Beira Rio. Fonte: Arquivo pessoal, dezembro de 2017.

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N

A Vila Neuma é ladeada, também, por um outro bairro denominado Vila Moura, cujas escolas e serviços servem como suporte. Alguns desses elementos foram destacados na figura 34, ainda como caráter de percepção distanciada, a citar: em educação, a Escola Estadual de Educação Profissional Lucas Emmanuel Lima Pinheiro, a Escola de Ensino Fundamental Professora Alba Araujo e o Centro de Eduação Infantil Maria Eunice Rocha Lima; em saúde, o denominado PSF; em assistência social, o Centro de Referência de Assistência Social Aguimar Mendonça; e em lazer, a Praça do Mutirão.

Figura 31: Delimitação do bairro Vila Neuma em Iguatu-Ce Fonte: Google Maps, editado pela autora, 2018.

Figura 34: Bairros Vila Neuma e Vila Moura. Fonte: Google Maps, editado pela autora, 2018.

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N

Legenda Delimitação Vila Neuma Delimitação Vila Moura

Educação Saúde

Assistência Social Lazer

0

100

200m


A figura 35 permite uma compreensão distanciada do bairro Vila Neuma, a ní́vel de uma olhar externo, tendo em vista a implementação de uma metodologia colaborativa em etapa subsequente para efetuar um diagnóstico comunitário que gerasse um plano para o bairro. Essa compreensão distanciada é importante, entretanto, para garantir que essa metodologia será planejada de acordo com uma ideia aproximada da realidade local. Tendo em vista que cada população é única, esse tipo de metodologia, como no referencial teórico, necessita de um caráter único para cada área em que é aplicada. Com essa noção, essa visão preliminar apresenta um bairro prioritariamente residencial e horizontal, com alto potencial paisagístico, limitados espaços de lazer consolidados e pontos de enfoque de lixo em proximidades do Rio Jaguaribe. A denominada Praça do Mutirão, localizada na rua que divide os bairros Vila Neuma e Vila Moura, se mostra como relevante espaço público de lazer para a área. Outro ponto relevante é o da tipologia das casas (Figs. 36 a 37),

que se apresenta relativamente diversificada em termos de vulnerabilidade das casas e materiais de construção utilizados. Assim, tem-se uma base para início de conhecimento real do lugar, que envolve o conviver. Figura 37

Figura 36 Figura 38

Figuras 36 a 38: Tipologia das Casas. Fonte: Google Earth, 2017.

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Figura 35: Observações a partir de um olhar externo ao Bairro Vila Neuma. Fonte: Elaborado pela autora com imagem base do Google Earth, 2017.


ÁREA INEXPLORADA Rua Palácio

s

Vende-se salada de frutas Praça relação com a comunidade

Rua Beira Rio

BAIRRO VILA MOURA

Rua Amália Brasil BR 404

LE GEN

Rio Jaguaribe

Espaço aberto com potencial de transformação

Área verde

Comércio

Faixa crítica de

Massa árborea

Área Inexplorada

Ponte metálica

Muro - obstáculo na interação das pessoas Acúmulo de lixo

Presença de comércio simples Religioso

Acesso à cidade

Uso Residencial Lazer

Espaço Aberto utilizado para estacionamento

Saúde GABARITO 2 pavimentos Todos os locais sem demarcação apresentam


Fonte: Arquivo Pessoal


Fonte: Arquivo Pessoal


Início da jornada a partir do PÓSCONCEITO: o pós implica um conceito que é formado após uma série de inserções e vivências comunitárias. Ao contemplar a Vila Neuma, o pesquisador está numa posição externa. Não existe um vínculo nem partindo do técnico, nem da população. Todos estão um pouco desconfiados – ausentes de de confiança-. E quando essa confiança é firmada, as histórias são divididas e os locais passam a ter significado, o agente externo se tranforma em um potencial ator de interação com o bairro. A noção de um (pós)conceito se faz relevante em oposição a uma posição de (pré)conceito, onde o pesquisador se coloca como mero observador distanciado, que vê e infere noções a partir de vivências próprias e nãorelacionadas ao lugar. As consequências disso são exageros, erros de julgamento, concepções distorcidas e uma base frágil, ou inexistente, para mudanças, visto que as definições criadas são ausentes da verdade que vem a partir da memória de cada morador ou visitante frequente. Se colocando com uma percepção livre, a ser moldada, enquanto utilizando os sentidos para não só ver, mas enxergar a si e enxergar o outro, se faz uma troca real.

O despertar proposto não é de quem nunca esteve acordado, mas de quem adormeceu. De quem sonhou, recuperou as forças, descansou, e agora levanta com um sentimento diferente e com preparação para conquistas. É um despertar que acontece de dentro pra fora, e a partir de uma troca: quem vem de fora desperta para tantas realidades que a sociedade precisa enfrentar e a comunidade desperta para as possibilidades que podem transformar seu cotidiano. Desperta-se em conjunto para a verdade de que 'juntos somos mais fortes'. 'Eu', que não fazia parte de suas vivências. 'Eles', que sonhavam, imaginavam, compreendiam, e são apresentados com uma resposta para o como. Agora o agente externo se faz como integrante de uma nova articulação, onde o 'eu' e o 'eles' se torna o 'nós'. Nesse despertar, tudo está igual, mas se faz diferente pelo olhar ativo e atento: e é assim que percebemos que o que muda o externo somos nós mesmos, nossas convicções, ideias, e força de atuação.


3.2 Metodologia Despertar A partir do referencial teórico estudado e das percepções externas relacionadas ao bairro, foi traçada uma metodologia de ação preliminar, culminando em uma intervenção colaborativa em um espaço público a ser elencado pela comunidade. Essa metodologia foi construída em sete etapas, além de duas etapas a serem realizadas após a ação. Na primeira etapa, denominada ‘Aproximação I’, foi considerado o conhecimento efetivo do local a partir da presença pessoal com os espaços e a população, ressignificando as opiniões oriundas de um olhar externo a partir de vivências e formação de relações com a população. A Segunda Etapa, ‘Aproximação II’, foi planejada como um momento para explicação do trabalho, de suas etapas e intenções a um grupo focal. A terceira etapa, ‘(Re)conhecer’, orienta a realização de atividades para percepções conjuntas de diagnóstico da área, tendo como base uma troca de conhecimentos entre o técnico/acadêmico e o saber empírico comunitário. A quarta, ‘(Re)novar’, aborda a escolha do local para ação colaborativa, enquanto a quinta (Re)agir e Sexta Comemoração etapas eram relacionadas à realização e conclusão desse ciclo na forma de uma festividade. Por fim, a sétima etapa é reservada para o acompanhamento após a realização da ação colaborativa. A metodologia preliminar foi pensada como uma maneira de organizar o processo imersivo que se realizaria no bairro, mas produzida com a consciência de que deveria ser mutável de acordo com o que fosse sendo conhecido do local. Dessa maneira, praticamente todas as etapas passaram por alterações ao longo do

processo, mas o planejamento prévio se mostrou como um grande balizador das atividades realizadas. Com isso, chegou-se à uma metodologia aperfeiçoada, cunhada após um certo período de convívio com o bairro, denominada Metodologia Despertar. Sua relevância vem das possibilidades de replicar esse tipo de processo, com atenção às especificidades de cada área. Esse tipo de metodologia não é definitivo, mas atua como uma base de planejamento para efetuar as atividades necessárias, tendo como objetivo: Ÿ Realizar uma ação colaborativa em espaço f´í́sico elencado pela comunidade Ÿ Definir um Plano Geral para o bairro a partir de diagnóstico realizado em conjunto Ÿ Debater termos relevantes oriundos do contexto acadêmico, como uma forma de capacitação e concomitantemente efetivando que o conhecimento comunitário seja utilizado na tomada de decisões do bairro e da intervenção, funcionando como uma troca Ÿ Consolidar o senso de união comunitária Ÿ Identificar em conjunto com a população os principais espaços, talentos, atividades e trocas relacionais, buscando dinamizar a área ao colocar suas potencialidades a conhecimento de todos Ÿ Firmar relações e parcerias entre instituições, líderes comunitários, moradores e visitantes frequentes do bairro Sendo assim, a Metodologia será explicitada a partir do paralelo entre: (i) o que foi planejado preliminarmente (ii) o que foi executado.

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O PLANEJAMENTO Primeira etapa: Aproximação I Segunda etapa: Aproximação II Terceira etapa: (Re)conhecer Quarta etapa: (Re)novar Quinta etapa: (Re)Agir Sexta etapa: Comemoração Sétima etapa: Pós Ação + Longo Prazo Etapa de acompanhamento Etapa conclusiva

1 2 3 4 5 6

APROXIMAÇÃO

(Re)conhecer (Re)novar (Re)agir Comemoração PÓS AÇÃO + 7 LONGO PRAZO ACOMPANHAMENTO CONCLUSIVA

3.2.1 APROXIMAÇÃO I (PLANEJAMENTO) A primeira etapa consiste na imersão do pesquisador na área, e consistente com o cenário vivido pela população no momento do estudo. Esse reconhecimento não pode ser realizado de forma externa, por observações no Google Earth ou conversas com moradores da cidade que ouviram falar do espaço, mas não convivem com ele, tendo em vista que a visão de um observador externo e de alguém que mora ou convive amplamente com o espaço e com as pessoas que nele habitam são diferentes. A partir das memórias e experiências construídas que trazem significado e transformam o espaço em lugar, o intuito dessa primeira fase é transformar a área – no caso, o bairro Vila Neuma - em um lugar para o pesquisador. De acordo com a

Dezembro Janeiro

Fevereiro

Maio Julho

Tabela 7: Planejamento inicial da Metodologia Despertar. Fonte: Elaborado pela autora,2018.

receptividade, devem ser realizados registros fotográficos e de vídeo do local durante essas visitas. Nesse sentido, esse momento consiste de visitas ao local para observação e conversa informal com os que lá estão. O objetivo dessa fase é formar uma ideia do lugar a partir da observação do seu espaço físico e da forma como as pessoas reagem à presença de um integrante externo. Isso fornece o suporte para concluir se a comunidade é receptiva ou fechada, unida em sua totalidade ou se existem grupos, as atividades realizadas e possíveis talentos locais que possam ser incentivados no processo de diagnóstico a ser realizado nas fases subsquentes. Outro aspecto a ser observado e questionado de maneira informal, para sondagem, é a relação do lugar com seu entorno imediato, a exemplo dos bairros vizinhos e recursos naturais.

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Além disso, é importante detectar quem são os principais atores locais, se existe algum tipo de liderança comunitária e firmar contato para apresentação do projeto na segunda etapa, bem como descobrir os pontos de encontro dos moradores - ambientes de atividade religiosa, lazer, esporte, festa. Cabe, também, buscar possíveis auxiliadores no processo de aplicação da metodologia, como professores das universidades locais, educadores sociais ou outros interessados, na intenção de formar um grupo que siga do início ao fim da aplicação. Nessa fase inicial, é interessante perceber oportunidades de introduzir à população a motivação da visita e a pretensão de atuar naquele espaço, com a ajuda de todos, bem como coletar sugestões preliminares. A receptividade da população a isso, bem como as demais atividades mencionadas, têm a função de demonstrar se a metodologia deve prosseguir como delineada nas fases subsequentes ou necessitaria de ajustes, uma vez que o Urbanismo Colaborativo, por ser fundamentado na colaboração e contar com diversos atores, deve ser fundamentado também na versatilidade e capacidade de se moldar à medida que novos desafios e requerimentos surgem.

FICHA DE RESUMO DA ETAPA I Objetivo da etapa: Reconhecimento do espaço e da população, suas relações, principais atores e dinâmicas e possível receptividade ao processo. Local: Bairro Vila Neuma Datas: Visitas presenciais no mês de dezembro Pessoas envolvidas: Moradora do bairro com quem já existia um contato prévio por parte da pesquisadora

3.2.2 APROXIMAÇÃO I (EXECUÇÃO) Uma das principais percepções oriundas desse trabalho foi a importância da linguagem. O bairro em estudo se apresentava a partir de personalidades de formações diversificadas: a presença desde alunos universitários a adultos analfabetos. Dessa maneira, a forma de se comunicar com cada parcela do bairro era diferenciada: enquanto com alguns, o debate já se iniciava a partir de conceitos com aporte de uma base pré-estabelecida, outros não tinham familiaridade com o ato de se reunir formalmente e não se sentiriam confortáveis nesse tipo de situação. Esse cenário exige do pesquisador uma posição que vai muito além da observação, mas da humanização a partir de todos os sentidos: compreendendo as necessidades não só do bairro de uma forma geral, mas de cada pessoa em específico, partindo do princípio que cada indivíduo merece ser ouvido. Uma vez que as barreiras de linguagem são transpostas, a troca de conhecimentos é rica tanto para quem se permite acolher, como para quem vem de fora e é uma via de mão dupla: um deve ter o interesse de conhecer, enquanto o outro, de se fazer conhecido e demonstrar suas ideias, planos e sonhos. Foi dessa forma, sempre com o acompanhamento de um morador local e com aproximações cuidadosas de respeito ao espaço de cada um, que se iniciou essa jornada. O bairro Vila Neuma se mostrou um local de descobertas, sorrisos, conhecimento amplo e vida abundante. O acolhimento veio desde as conversas de porta em porta, entrando e conhecendo as casas, aos estabelecimentos de ensino e as relações com o bairro vizinho, Vila Moura.

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Para estabelecer confiança mútua, foram realizadas visitas incluindo conversas com a população desde o início do ano de 2018, registradas na figura 39. Ainda em dezembro, foi realizada uma visita preliminar, para levantamento fotográfico e reconhecimento primário do local, entretando ainda sem estabelecer relações com a população. Ao longo dessas visitas, alguns aspectos que merecem destaque Figura 39: Calendário de visitas ao bairro. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Janeiro

2018

01

D s T Q Q S S 7

1

2

8

9 10 11 12 13

3

4

5

foram incorporados a partir dos estudos de caso, conversas com pessoas que já haviam passado por esse tipo de experiência e vivências anteriores. A presença de um morador no acompanhamento das visitas iniciais é um ponto chave, uma vez que este atua como uma ponte entre o pesquisador externo e a comunidade, auxiliando no estabelecimento de

Fevereiro 02

Março

D s T Q Q S S

D s T Q Q S S

6 4

5

6

7

1

2

8

9 10

3 4

5

6

7

03 1

2

8

9 10

3

14 15 16 17 18 19 20

11 12 13 14 15 16 17

11 12 13 14 15 16 17

21 22 23 24 25 26 27

18 19 20 21 22 23 24

18 19 20 21 22 23 24

28 29 30 31

25 26 27 28

25 26 27 28

Visitas realizadas ao bairro

Abril

04

Maio

D s T Q Q S S 3

1

2

8

9 10 11 12 13 14

4

5

6

05

Total de visitas: 19

D s T Q Q S S

7 6

7

1

2

8

9 10 11 12

3 4

5

15 16 17 18 19 20 21

13 14 15 16 17 18 19

22 23 24 25 26 27 28

20 21 22 23 24 25 26

29 30

27 28 29 30 31

Aproximação (Re)conhecer e (Re)novar (Re)agir Ação Colaborativa da Praça do Mutirão


novos vínculos. Além disso, o aspecto versátil da metodologia se mostra crucial no efetivo desenvolvimento do processo. A dinâmica dos acontecimentos, muitas vezes informal, envolvendo compromissos a partir da fala e que se restringem à memória de dia, hora e local, bem como os altos e baixos no interesse apresentados pelos participantes, devem ser considerados e observados a partir de uma visão de longo prazo, sempre resultando em adequações que tornem os métodos mais apropriados às personalidades participantes. Com essa mentalidade, o mergulho na experiência foi intenso. A primeira etapa, de aproximação, se mostrou como uma etapa que permeia todo o trabalho. Mesmo após algumas visitas, novas percepções continuavam a surgir e novos v´ínculos se estabeleciam relacionados ao bairro e às pessoas que lá residem. Sendo assim, percebe-se que a etapa de aproximação e de conhecer um ao outro, é uma etapa contínua. O destaque é dado novamente à importância da presença de um morador ou conhecedor prévio da área para que a experiência realmente contemple as especificidades locais e as redes relacionais comecem a se formar a partir das pessoas que se conhecem e apresentam a outras. Dessa forma, no dia 22 de Janeiro foi estabelecido contato com uma das lideranças da área: o vereador do bairro. Na ocasião, o trabalho foi explicado e uma reunião foi organizada para o dia 25 de Janeiro, tendo o vereador a iniciativa de convidar outras lideranças para tomarem conhecimento do trabalho e planejar a abordagem a ser realizada com os demais moradores. Esse tipo de reunião prévia com as lideranças para uma tomada conjunta de decisões se mostrou eficiente, uma vez que permite a essas pessoas realizar uma ponte entre o pesquisador e os demais moradores, tecendo um cenário prévio do local a partir de um olhar

de quem convive. Assim, a reunião (fig. 40), contou com 12 participantes, dentre líderes comunitários e moradores em geral e com um momento de debate relacionado às visões que cada um tem da Vila Neuma, suas características, as relações com a Vila Moura e as possibilidades para uma ação colaborativa. O cenário apresentado trouxe qualidades do bairro que não são conhecidas aos que nunca visitaram e levantou-se a questão do preconceito a ser combatido com o objetivo de quebrar barreiras entre essa parcela da população e as outras áreas da cidade de Iguatu. A partir desse momento, foi se formando uma rede de relações, trazendo possibilidades de conhecimento das visões do bairro para que um grupo de interesse fosse formado e a etapa de confecção do Plano Geral para o bairro fosse realizada. Figura 40: Parte do grupo presente na reunião do dia 25 de Janeiro. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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As visitas realizadas no mês de fevereiro tiveram bem o caráter de aproximação que dá título à etapa: de porta em porta (Figs. 41 e 42), se estabelecia um contato, se explicava brevemente a motivação da visita e eram realizadas perguntas básicas sobre qual a percepção que aquela pessoa tinha do bairro, com o intuito de iniciar um diálogo, tendo enfoque na fala livre do morador. A partir dessas conversas, dos cenários observados, das histórias contadas e compartilhadas, o bairro Vila Neuma, antes um espaço na observação externa, ia tomando forma e se transformando em lugar. Tornar aquele local percebido por suas características reais significava estender os sentidos (fig. 43) a uma experiência de vivência do espaço que envolve quem pesquisa e quem habita, onde ambos realizam a troca e todos fazem a mudança em conjunto. Entender, então, que a fala e a forma de linguagem, como mencionado anteriormente, atuam como essa conexão entre duas pessoas e que a

comunicação existe quando um se faz entender ao outro era importante. Esse falar vem embasado de toda essa vivência com o espaço e a população, percebendo seu cotidiano, seus trejeitos, sua forma de se portar e de compreender as experiências – a partir dessas percepções, a comunicação pode ser efetivada.

Figura 41: Conversa com uma moradora. Fonte: Arquivo pessoal, 2018. Figura 42: Moradora posa com a família. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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Figura 43: Experiência sensorial resultando na vivência e na troca. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


falar

TRANSFORMAR PENSAMENTOS E AÇÕES COM IDEIAS

TROC A

TR OC A

OUVIR

escutar MEMÓRIAS SONS RISOS

TOCAR ver

ENXERGAR

SENTIMENTO DE ESTAR NO LOCAL VENTOS TEMPERATURA ABRAÇOS

VIVENCIAR PERCEBER A VIDA E FAZER PARTE DELA

OLHO NO OLHO DETALHES CORES

SENTIR OS CHEIROS SABOREAR

PERCEBER AS MUDANÇAS

PROVAR NOVAS COISAS E POSSIBILIDADES

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44

46

47

45

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Figuras 44 a 46: Registros de momentos com os moradores do bairro Vila Neuma. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.


Figura 47: Criança observa espaço livre na margem do Rio Jaguaribe. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018 Figura 48: Criança mostra cofre produzido por ela a partir de material reciclado. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018

A recepção da comunidade às visitas foi positiva, a população se mostrou afetuosa e ávida por compartilhar histórias, lugares e momentos vividos nos ambientes do bairro. A dinâmica das conversas nas calçadas é forte articulador de interações sociais e a presença das crianças foi marcante nas conversas. Quando o trabalho era explicado, o caminho da fala ia para os sonhos e planos para melhorar os ambientes que frequentam, bem como os possíveis obstáculos para atingi-los, a partir do olhar de cada um.

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Figura 49: Morador em frente à sua casa. Fonte: Acervo pessoal, 2018.

Esses desejos de melhoria de alguns espaços já puderam ser observados no fazer efetivo no momento de aproximação da comunidade. A Praça do Mutirão, por exemplo, localizada entre os bairros Vila Neuma e Vila Moura, teve uma árvore plantada por um morador, que ao atingir grande porte, fornece visuais agradáveis aos passantes, bem como sombra.

Figura 50: Detalhe da árvore. Fonte: Acervo pessoal, 2018. Figura 51: Árvore plantada por morador, como vista de sua casa. Fonte: Acervo pessoal, 2018.



Uma das visitas realizadas foi a uma casa que, segundo relatos dos moradores, não possuía nenhuma árvore e, com sementes que ia encontrando, um dos irmãos da família plantou diversas espécies no local. Ao entrar na área, é notável que o sombreamento proporcionado pela vegetação proporciona um clima mais agradável e maior proteção à intensa exposição solar característica do Nordeste. É um local que consolida a ideia de potencial paisagístico no bairro Vila Neuma, tanto em áreas externas como internas e de que uma parcela da população tem consciência desse potencial. Figura 52: Área livre de uma casa no bairro Vila Neuma. Fonte: Acervo pessoal, 2018.

Figura 53: Homem que realizou o plantio das árvores em sua casa. Fonte: Acervo pessoal, 2018.

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Figura 54: Vista do terreno da casa no bairro Vila Neuma. Fonte: Acervo pessoal, 2018.



Figura 55: Detalhe da vegetação em uma casa na Vila Neuma. Arquivo pessoal, 2018.

Cada conversa e interação com os moradores do bairro foram únicas em suas especificidades, mas a sequência de fotos abaixo é interessante para demonstrar uma reação que, muitas vezes, faz parte dos início desses processos: na figura 56, a pessoa com quem se fala ainda não confia completamente no visitante externo, e hesita em estabelecer contato. A figura 57, realizada alguns momentos depois, já mostra a criança mais tranquila e saboreando uma fruta, interagindo de forma mais natural. Como uma metáfora, isso pode ser trazido para a comunidade como um todo, bem como para o pesquisador: nos processos de interação, ao ter uma relação de confiança firmada, passa-se a enxergar verdadeiramente a essência.

Figura 56: Criança ainda tímida para a foto. Fonte: arquivo pessoal, 2018.

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Figura 57: Criança agindo de forma natural momentos depois. Fonte: arquivo pessoal, 2018.


3.2.3 APROXIMAÇÃO II (PLANEJAMENTO) Consiste em realizar uma reunião de cunho organizado através de um grupo focal, ainda contando com certa informalidade, marcada com os líderes da associação e demais interessados em participar, inclusive crianças, contatados durante a primeira fase de aproximação, podendo ser num espaço aberto ou fechado, de acordo com a preferência das pessoas e da dinâmica observada, com o intuito de explicar as ideias a serem realizadas. Nesse momento, é oportuno relembrar os participantes das visitas, perguntando se recordam desses momentos. São realizadas as apresentações, tanto do pesquisador como da metodologia e das fases que fazem parte do processo. Esse é um início de capacitação, para tanto, é importante o suporte de materiais a serem apresentados aos moradores, de fácil entendimento, para que passem a compreender o que é Urbanismo Colaborativo e que, em uma escala, possam entender as motivações do trabalho. O interessante é que, além de participar, eles construam em conjunto esse conhecimento, para que o saldo da intervenção colaborativa não seja apenas o espaço físico, mas uma visão da realidade embasada por conceitos aos quais uma parcela daquela população ainda não teve acesso e que dá o suporte para que lutem de forma embasada por seus direitos. Se o ambiente for oportuno, é realizada, previamente, uma atividade de interação entre os participantes, para dinamização desse momento e aumento da propensão das pessoas em debater suas opiniões em relação ao que foi dito. Em seguida, são realizadas as apresentações e a troca se inicia: o debate de temáticas relacionadas ao

urbanismo colaborativo e, subsequentemente, às problematicas e potencialidades do bairro. Após a realização desse momento, é marcado o próximo encontro, para início da terceira etapa. Para não haver dependência de dispositivos eletrônicos ou de internet, ainda que esses possam ser utilizados na criação de páginas que remetam aos encontros que serão realizados, são entregues convites em formato de papel, de acordo com a figura 58, com espaço para preencher a data do encontro, buscando fixar na memória dos participantes a lembrança desse dia.

Figura 58: Exemplo de convite. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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FICHA DE RESUMO DA ETAPA II Objetivo da etapa: Apresentação do projeto e definição de locais na comunidade que merecem maior atenção para serem trabalhados no próximo encontro. Local: Associação de Moradores do Bairro Vila Neuma (ou um espaço aberto, caso prefiram) Datas: : 1 visita presencial na segunda semana do mês de Janeiro Pessoas envolvidas: Moradores do bairro, com presença dos líderes da associação

3.2.4 APROXIMAÇÃO II (EXECUÇÃO) A etapa foi executada no dia 26 de fevereiro, no auditório da Escola de Ensino Fundamental Professora Alba Araújo. A etapa foi planejada como um divulgador do trabalho e delineador de um grupo para a realização de uma outra reunião, na qual seriam definidas as potenciais e problemáticas do bairro a partir do olhar comunitário. Esse momento permitiu perceber que o reforço em relação aos horários e o convite impresso era importante na reunião, uma vez que nem todos os que haviam se comunicado apenas por fala compareceram. Dessa forma, foram chamados alguns alunos das salas da escola para participar de uma roda de conversa, totalizando 17 pessoas nesse momento, contando com a presença dos líderes comunitários que também estiveram presentes. O trabalho pôde ser explicado para esse público que ainda não tinha tido contato e

os interessados em participar das etapas subsequentes puderam colocar seus nomes para futuro contato.

3.2.5 (Re)conhecer, (Re)novar e (Re)agir (Planejamento) O método de abordagem descrito nessas etapas foi alinhado com um dos lideres comunitários e um dos moradores que vinha acompanhando o processo, para garantir que fosse a melhor maneira de tratar as questões com a maior parte dos moradores. A partir desse momento, se iniciam efetivamente as atividades conjuntas para a definição de um Plano Geral para o bairro. Dividido em 3 etapas, os nomes remetem às três fases do despertar comunitário, que se complementam entre si: apresentadas em uma ordem no papel, mas na prática, se intercalam ao longo do processo. Enquanto todas as etapas são relevantes, essas se fazem cruciais na definição do diagnóstico conjunto e escolha de local para intervenção. Dessa maneira, Foi planejado em conjunto com os líderes uma abordagem inicial de dois dias de reunião de diagnóstico, um dia contando com um piloto de intervenção no local elencado pela comunidade, e um dia no formato de um evento celebrativo, para que a comunidade iniciasse o entendimento do processo que seria nos meses seguintes. Assim, o método descrito nessas etapas, em especial da fase diagnóstica, é também replicável para diversos grupos

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comunitários, para que sejam aferidas diferentes visões do bairro. Será demonstrado, então, o planejamento pensado para o diagnóstico. O primeiro momento, (Re)conhecer, fala sobre ‘conhecer mais uma vez’, conhecer de novo. Reconhecer, então, coisas que foram esquecidas, que pensava-se ter perdido. Coisas que eram sabidas no inconsciente, e agora tem-se a chance de resgatar. Na verdade, sempre se teve – e sempre terá. Basta estar em movimento reflexivo e ativo. O segundo, (Re)novar, convida os moradores à reflexão a partir do constante reconhecimento do espaço onde vivem e si mesmos, uma vez que o ato de perceber traz uma informação que se faz nova e gera essa nova energia para uma ação, o que leva ao terceiro momento: o (Re)agir. O (Re)agir fala sobre agir a partir dos desejos internos. Encontrar o que existe dentro de cada um, que faz ir além do incômodo. O que se quer mudar foi percebido, e agora é o momento de sair de uma posição de espera, de desesperança, para uma posição de ação. Retomar a energia e tomar posse do que é direito, mostrando a consciência a partir de uma mudança que vem pelas próprias mãos, e que não vai parar por ali – é a demonstração de novas percepções e novas buscas. Dessa forma, no primeiro momento, (Re)agir, é realizada uma análise em conjunto do bairro. É apresentado um mapa préconfeccionado, de maneira básica, com marcações de locais relevantes para a população, percebidos a partir das vivências das etapas de aproximação. A partir dessa base, divididos em grupos de 4 ou 5 pessoas, são anotados no mapa percepções sobre o bairro a partir do que os moradores considerarem como potencial ou obstáculo. A partir das capacitações realizadas ao longo da reunião, caso haja novas percepções, estas podem ser acrescentadas. A ideia é perceber os lugares e suas características: Ÿ lugares de brincadeira

Ÿ lugares de conversa Ÿ lugares que se sentem bem ou mal, ainda que não saibam

por que Ÿ lugares que apresenta perigo Ÿ lugares que apresentam segurança Ÿ lugares de troca Ÿ os percursos cotidianos de cada um Ÿ lixo, falta de saneamento Ÿ beleza natural, lugares ‘bonitos’ Ÿ Á́rvores A partir da percepção desses lugares, os grupos são convidados, agora como parte de atividade classificada como (Re)novar, a inferir de que forma os potenciais podem ser aproveitados e os obstáculos, transpostos. Depois desse momento, são debatidas quais dessas iniciativas têm caráter de iniciativa governamental e quais poderiam ser executadas por iniciativa comunitária, no formato de colaboração. Desses locais, o que é percebido com mais possibilidade de melhoria a partir de iniciativa comunitária é elencado como o escolhido para receber a ação colaborativa. Esse é um momento para capacitação em forma de debate. Conceitos a serem debatidos são: lugar; espaço construído e não construído; espaço próprio e comunitário; diferença entre ação comunitária e governamental; mapas e sua confecção. Por fim, os participantes são convidados a compartilhar seus talentos. Nesse debate, entende-se que a arte, a confecção, o plantio de árvores e os interesses de cada um podem ser considerados talentos quando colocados ao conhecimento de todos da comunidade, uma vez que passam a contribuir com o cotidiano das relações de bairro e podem

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ser articuladores de uma série de dinâmicas. A próxima reunião é marcada com o mesmo grupo, podendo ser divulgada para mais pessoas que queiram participar, no intuito de efetuar o planejamento da ação colaborativa.

FICHA DE RESUMO (RE)CONHECER/(RE)NOVAR Objetivo da etapa: Compreensão em conjunto da comunidade. Entendimento de pontos positivos e negativos e diferentes atuações dos agentes da mudança (poder público e população). Capacitação. Local: Auditório da Escola Professora Alba Araújo Datas: : 1 visita presencial na segunda semana do mês de Janeiro Pessoas envolvidas: Moradores do bairro Vila Neuma, e demais interessados Materiais necessários: Quatro mapas base com elementos do bairro para compreensão da população em tamanho médio; Um mapa em tamanho grande para resumo das propostas pensadas por cada grupo; canetas coloridas

Como parte da etapa (Re)agir, em um segundo dia de reunião, com o lugar escolhido, é traçado um projeto do que será realizado na área, de forma simples. Nesse momento, as atividades são: Ÿ Desenhos de mobiliário, de atividades que acontecerão em cada lugar Ÿ Definição de zonas Ÿ Separação de grupos pra atuar em cada zona Ÿ Materiais a serem utilizados

Possibilidades de captação de recursos. Essas atividades são realizadas com o pensamento do chamado ‘piloto de ação colaborativa’, ou seja, um momento de intervenção realizado como base para que o pesquisador compreendesse a maneira da população se portar diante do fazer colaborativo, e também das pessoas iniciarem o entendimento real do que significa uma intervenção colaborativa. Dessa maneira, é marcado o dia de uma ação de limpeza no local escolhido pela população na fase anterior. Pessoas externas podem ser convidadas para esse momento e são dividias responsabilidades quanto à captação de recursos. Ÿ

FICHA DE RESUMO (RE)AGIR Objetivo da etapa: Delinear assuntos relacionados à ação de urbanismo colaborativo, firmar parcerias e definir a data do piloto de ação. Local: Auditório da Escola Professora Alba Araújo Datas: : 1 visita presencial na segunda semana do mês de Fevereiro Pessoas envolvidas: Moradores do bairro Vila Neuma, e demais interessados Materiais necessários: Mapas base para delineação das zonas e grupos de ação no local escolhido. Como será mostrado no item da execução, as datas do planejamento não foram seguidas também nessa etapa tal qual se havia planejado inicialmente, anteriormente à inserção no bairro. Mais uma vez, o destaque vai para o caráter versátil da metodologia, que se adequa à forma que as coisas vão acontecendo no local, sendo essa uma característica relevante para uma boa aplicação.

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3.2.6 (Re)conhecer, (Re)novar e (Re)agir (Execução) A partir das aproximações e relações que foram sendo firmadas com a população, as etapas citadas foram executadas a partir do mês de março. Para tanto, foi confeccionado um convite (fig. 59), distribuído para a população de casa em casa e tendo cópias entregues a líderes comunitários e moradores que vinham acompanhando o processo, para que também distribuíssem. Nesse ponto, o caráter versátil da metodologia (fig.60) mais uma vez se mostrou de suma importância, uma vez que ocorreu um apagão no dia 21 de março, elencado e já divulgado como primeiro dia para realização da reunião geral para confecção do Plano, necessitando que o conteúdo desse dia fosse abordado também no que seria o segundo dia de reunião, 22 de março, bem como os convites fossem reforçados para que houvesse confirmação de que o evento continuaria acontecendo mesmo com o imprevisto. Esse momento foi realizado a partir da disponibilidade da Escola Alba Araújo, que forneceu o espaço do auditório para o encontro a partir de uma conversa onde se explicou o objetivo do trabalho e a possibilidade de uma ação colaborativa. A instituição se colocou como parceira da iniciativa a partir desse momento e durante todo o processo. Figura 59: Convite entregue à população. Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Figura 60: Etapas da Metodologia Despertar. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

fig.59


Relação com o espaço Marcar lugares e atividades relevantes do bairro num mapa lúdico, utilizando canetas de diferentes cores: Ÿ Lugares de brincadeira Ÿ Lugares de conversa Ÿ Lugares que se sente bem ou

mal, mesmo sem saber muito bem por que Ÿ lugares que apresentam perigo Ÿ lugares que apresentam segurança Ÿ lugares de troca Ÿ os percursos de todo dia de cada um Ÿ lixo, falta de saneamento Ÿ beleza natural / lugares 'bonitos’ Ÿ arvores

(Re)conhecer fig. 60

Dia 1

Dia 2

22 de MARÇO

23 de MARÇO

24 e 25 de março

Levantamento do local escolhido: Praça do Mutirão

Realização de um piloto de intervenção e café da manhã colaborativo com as crianças do entorno

Papéis de cada ator urbano

Talentos locais

Entender a diferença entre ação governo e ação comunitária, embasado no Direito à Cidade.

Articular talentos locais que possam ser utilizados no momento da intervenção e no cotidiano comunitário

Marcar com post-its coloridos, num grande mapa com os lugares mais marcantes do bairro, o que cada ator urbano pode fazer para efetivar melhorias Ÿ O lugar mais marcado

com possibilidade de ações comunitárias é escolhido como local para intervenção

Exemplos: Arte, Confecção, Jardinagem Projeto para intervenção na área escolhida

Dias 3 e 4

Mobiliário, zonas, grupos denidos para atuação no dia, materiais e recursos necessários

(Re)novar

99

(Re)agir


Na ocasião, foram confeccionados mapas colaborativos do bairro Vila Neuma e percebidas de forma mais aprofundada suas relações com o bairro Vila Moura, fornecendo aporte para a formação de um Plano que objetiva enaltecer as qualidades locais. A reunião, que ocorreu em uma quinta-feira às 18h, contou com a presença de 20 pessoas (fig. 61) em um grupo heterogêneo: crianças, adolescentes e adultos, moradores do bairro e moradores de outros bairros que trabalham ou já trabalharam na Vila Neuma ou Vila Moura. Com alunos do curso técnico de edificações da escola EEEP Lucas Emmanuel, que já possuíam uma base na confecção de mapas, enquanto outros grupos estavam aprendendo pela primeira vez, foi possível obter um resultado rico de diferentes visões e formas de

representação. De acordo com o planejado, foram formados 4 grupos, que elencaram seus sentimentos, percursos e vivências relacionadas aos bairros Vila Neuma e Vila Moura (ver figuras 63 a 66).

Figuras 63 a 66: Mapas dos grupos. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figuras 61 e 62: Grupos da reunião para confecção do Plano Geral. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

100


101


Cada grupo selecionou uma pessoa para apresentar de forma breve (fig.67) suas percepções e, ao final, em um mapa grande (fig. 68) um debate em conjunto com todos os participantes elencou os principais desejos comunitários para o bairro, que mais tarde seriam refletidos no Plano Geral, a ser tratado no Capítulo 7. Destes, vale destacar a reciclagem e tratamento do lixo, espaços infantis de lazer, plantio de árvores e cuidados com a vegetação local e possibilidades de articulação entre as escolas e estudantes de bairro e os demais moradores, no formato de atividades que fortaleçam os laços e dinamizem o local. Esse momento também foi utilizado para a escolha do local a receber uma intervenção colaborativa, e por uma unanimidade, foi elencada a Praça do Mutirão, sendo levantados os motivos de sua centralidade, podendo servir tanto à Vila Neuma quanto à Vila Moura, o fato de a praça já ser utilizada e possuir uma boa estrutura de bancos e quadra, estando esses degradados e necessitando apenas de uma reforma e dinamização de usos. Na ocasião, também foi efetuada de acordo com o planejamento a etapa de debate e captação de talentos locais (fig. 70). Como exemplo, foram mostrados brinquedos e materiais feitos a partir de recicláveis confeccionados por uma das crianças do bairro (fig.71), e realizada uma lista de exemplos do que cada um sabia fazer. O momento prosseguiu posteriormente em formato de debate, e foram abordados a importância dos talentos serem colocados a conhecimento do bairro e utilizados em seu desenvolvimento. Esse momento também contou com uma conversa sobre materiais necessários para uma Ação Colaborativa, auxiliando na fixação do tema para a intervenção que aconteceria posteriormente. Figura 69: Interações. pessoal, 2018.

Fonte:

Arquivo

Figura 67: Integrantes apresentam suas propostas. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.


Figura 68: Mapa sĂ­ntese das Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

propostas

103


Figura 71: Criança mostra objetos feitos com material reciclado para os presentes na reunião. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 70: Talentos e materiais a serem colocados a serviço da comunidade. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Nesse dia, foram ainda elencadas algumas diretrizes básicas (fig. 72) para o local selecionado para intervenção, a Praça do Mutirão, entendendo o que seria necessário para esse dia acontecer e a percepção que as pessoas têm desse local. Foi estabelecida a necessidade de um levantamento para melhor compreensão da área e realização de um projeto colaborativo que efetivasse o evento. sendo marcado o

104


levantamento para o dia seguinte, sexta-feira (23 de março) e o piloto de ação colaborativa, em formato de limpeza em favor da praça para o Sábado (24 de março), que funcionaria como um suporte no entendimento de todos os envolvidos de como se dá o comportamento dessa comunidade diante de uma ação como essa. A Reunião se mostrou amplamente produtiva, tendo os

Figura 72: Diretrizes básicas para mutirão. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

a

praça

do

objetivos do planejamento alcançados e abrindo caminhos para possibilidades ao bairro. Os presentes demonstraram compreensão dos seus direitos e deveres como comunidade. Percebe-se que existe muito desejo de mudança e de enaltecer as potencialidades locais em cada indivíduo, sendo necessária essa união para fortalecer essa vontade e esperança de concretizar realidades.

105


3.2.7 INICIANDO AS ATIVIDADES NA PRAÇA DO MUTIRÃO O levantamento da praça (fig. 73), ocorrido no dia 23 de março, contou com a presença do líder comunitário e de um professor do curso técnico da EEEP Lucas Emmanuel. O momento foi importante tanto para aferir medições do espaço, como para realizar um diagnóstico fotográfico do estado dos bancos e espaços em geral da praça, entendendo também os funcionamentos do seu entorno. Essas percepções serão melhor detalhadas no Capítulo 8. Na ocasião, foi estabelecido contato com o CRAS Aguimar Mendonça, importante instituição de assistência social localizada em frente a uma das áreas mais utilizadas da praça: o campinho de futebol. A intenção de realizar uma ação colaborativa com o envolvimento de todos foi explicitada, e uma parceria com a instituição foi firmada. Houve a oportunidade, também, de conversar com a população do entorno, em especial com crianças que observavam o movimento e questionavam a motivação daquela medição. Ao compreender que ocorreria uma melhoria naquele espaço, tornavam-se ávidas para dar sugestões ao espaço e se colocavam à disposição para auxiliar no dia da ação. Os textos escritos em várias direções na figura 73 mostram como são dinâmicos os momentos vividos na comunidade. Pessoas aparecem com sugestões e ideias e fornecem informações importantes e, muitas vezes, essas pessoas estão de passagem, então aquela informação

precisa ser retida de forma rápida, até que outra conversa ou relação começa a acontecer. São momentos ricos de troca e vivências. Coroando essa experiência inicial para abordagem de uma Ação Colaborativa com a comunidade, foi realizada a Ação de Limpeza da Praça do Mutirão. O evento foi divulgado por fala à comunidade na sexta-feira, bem como por meio de um segundo convite (fig. 74) com comunicação visual similar à do primeiro. Realizado no sábado, dia 24 de março de 2018, sua relevância se deu na percepção do comportamento da população em firmar compromissos, as melhores formas de captar o interesse da população em relação à melhoria do espaço público e o tipo de público que compareceu. Em geral, a maior parte envolvida foram crianças, interessadas em melhorar a área da quadra para viabilizar novos espaços de uso, uma vez que os adolescentes e adultos utilizavam o outro campinho que estava em melhor estado. Uma parcela dos adultos das casas do entorno se mostravam com pouca esperança em relação a uma melhoria naquele espaço. Ainda assim, alguns se disponibilizaram para auxiliar na limpeza da área.

Figura 73: Anotações do levantamento da Praça do Mutirão. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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Figuras 75 a 77: Estado da Praรงa do Mutirรฃo em marรงo. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 74: Convite para intervir na praรงa. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.


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Figuras 79 e 80: Coleta de lixo. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 78: Crianรงa preparada para participar. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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Figuras 81 e 82: População participa. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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Percebeu-se algumas maneiras de melhorar o evento para a ocasião da Ação Colaborativa que aconteceria depois de alguns meses: a divisão prévia em grupos facilita o trabalho, para que atividades que estão sendo realizadas não sejam abandonadas por novas demandas surgidas em uma outra área da praça, o que pode resultar em áreas de trabalho inacabadas. A articulação prévia de participantes, em especial adultos, que se comprometam a comparecer ao evento é importante na medida em que garante que a população do entorno dê credibilidade ao acontecido e se sinta convidada a envolver-se também, criando em cada um, ainda que não coloquem a mão na massa, uma semente de esperança. Agentes externos que auxiliem na organização se mostram tão relevantes como quem coloca a mão na massa. Pessoas que se disponibilizam a conseguir materiais que faltaram, lanches ou organizar o evento a partir de uma visão de fora são cruciais (Figs. 83 e 84). Por fim, no dia seguinte, foi realizado um 'Café da Manhã

Colaborativo' (figs. 85 e 86), com as seguintes características: cada criança era convidada a trazer seu lanche e tudo seria compartilhado entre os demais. Esse momento foi utilizado para fazer uma ligação entre todos os acontecimentos que vinham acontecendo até aquele dia, a reunião geral, a limpeza da praça, e a motivação de cada um, reforçando conceitos como união comunitária, confiança e comprometimento com a ação. Foi uma oportunidade para reforçar a necessidade de manter a praça limpa, uma vez que, mesmo tendo efetuado a limpeza que contou com lixo recolhido do chão, muitas crianças prosseguiam jogando o lixo na praça, sem a compreensão de que aquilo resultaria na necessidade de mais limpeza posterior. O conceito ia sendo enraizado na mente de alguns, que pegavam copos jogados no chão e colocavam nos sacos de lixo por iniciativa própria. (fig. 87)

Figura 83: Criança oferece por iniciativa própria lanche aos que trabalham. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 84: Corda doada para confecção de brinquedo de pneu. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

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Figura 85: Alimentos do café da manhã colaborativo. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 86: Crianças repartem entre si. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

O Café da Manhã contou com a presença (fig. 88) de uma colaboradora que já conhecia as crianças e em quem elas já confiavam e possuiam relações firmadas. Essa presença foi muito importante, uma vez que atuou como uma ponte, reforçando às crianças o porquê de aqueles eventos estarem acontecendo e a sua relevância para cada um. Durante sua fala, todas as crianças

estiveram atentas, situação onde podemos recordar a reflexão sobre a importância da linguagem utilizada para a fala com cada público. A comunicação, com eles, foi efetivada a partir dessa colaboradora por meio da linguagem que ela utilizou, de forma que fixou efetivamente os conceitos a serem trabalhados em termos de manter a praça limpa e compreender o sentido da colaboração.

113


Figura 87: Crianças limpam o lixo por própria. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

iniciativa

Essa diversidade de formas de veicular mensagens a partir da linguagem esteve nesse momento também na percepção dos talentos locais, que foram debatidos novamente, dessa vez com as crianças, e demonstrados a partir de uma mesa (fig. 89) que continha os brinquedos de materiais recicláveis. As crianças presentes passaram a falar que tipo de confecção costumam produzir.

Figura 88: Colaboradora explica as motivações dos momentos vivenciados. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Assim, as atividades na Praça do Mutirão concluíram a etapa metodológica do trabalho relacionada ao diagnóstico comunitário, dando suporte à realização do Plano Geral para o bairro a partir de resultados que demonstram boa recepção da população aos processos colaborativos.

114


Figura 89: Criança mostra seus objetos de material reciclado. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figuras 90 e 91: Crianças saboreiam sorvetes obtidos por meio de doação para o evento. Fonte: Arquivo pessoal,

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CAPÍTULO 4

Plano geral para o bairro

A partir da Reunião Geral, das experiências de imersão no bairro e da vivência na Praça do Mutirão, foi traçado um Plano Geral para o bairro Vila Neuma, com os seguintes objetivos: Ÿ Fortalecer a conexão entre o bairro Vila Neuma e os outros bairros da cidade de Iguatu Ÿ Organização de iniciativas comunitárias que reforcem a apropriação da população Ÿ Efetivar a convivência adequada com o Rio Jaguaribe Ÿ Consolidar os existentes e criar novos espaços livres e de lazer para o bairro Ÿ Conferir novo significado à imagem que a maior parte da população tem do bairro a partir de suas qualidades e potenciais, tornando-os perceptíveis aos visitantes

Cabe, também, destacar pontos considerados relevantes na confecção do Plano Geral, demonstrados a partir da tabela 8 e das figuras de 97 a 107, cuja localização no bairro pode ser observada nos mapas mosca que as acompanham.

4.1 Etapas do desenvolvimento Antes de chegar ao desenho definitivo, algumas etapas de processo de pensamento (fig. 93) ocorreram a partir de um mapa confeccionado com base nos mapas realizados pela população, buscando sintetizar todas as informações. Esse processo permitiu entender como é notável a existência de detalhes que apenas quem convive no cotidiano dos espaços pode apontar, a partir do desenvolvimento das memórias vinculadas ao lugar. Isso pode ser percebido em um comparativo entre um mapa geral dos bairros Vila Neuma e Vila Moura e o mapa confeccionado a partir dos desenhos da comunidade (ver figuras 94 e 95 na página ao lado). Figura 92: Vista da Ponte Demócrito Rocha, importante elemento urbano considerado no Plano. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 93: Processo de pensamento do plano a partir dos mapas base. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Figura 94: Mapa dos bairros Vila Neuma e Vila Moura. Fonte: Google Maps, 2018.

118

Figura 95: Mapa elaborado a partir dos mapas comunitรกrios. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


RE D AN LEX A ZA SOU RUA

SA

RUA BEIRA RIO

U RUA TOMÉ DE SO

RUAS A RECEBER INTERVENÇÃO

LIMPEZA

PRIORIDADE DE PROJETO

FARMÁCIA

RIO JAGUARIBE REQUALIFICADO

SANEAMENTO REFORMA PAVIMENTAÇÃO

ARBORIZAÇÃO PODE SER FEITO PELA COMUNIDADE

MELHORIA CANTEIROS

MOBILIÁRIO TROCA DE CONHECIMENTOS DEVE SER FEITO PELA PREFEITURA


120


Figura 96: Mapa mosca demarca o local da Rua Beira Rio. Fonte: Google Maps, editado pela autora, 2018.

Figuras 97, 98 e 99: Potencial paisagĂ­stico e desaďŹ os para a Rua Beira Rio. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Tabela 8: Elementos a serem considerados no plano. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Figura 102: Localização da travessa Tomé de Souza. Fonte: Google maps, editado pela autora, 2018.

Figura 103: Antiga fábrica de confecção e mapa mosca demarcando sua localização. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 100: Potencial paisagístico das travessas. Na foto, travessa Tomé de Souza. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

Figura 101: Casa com ampla vegetação localizada em travessa contribui com o visual da área. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.



Figura 104: Estudo da topografia. Fonte: Elaborado pela autora, com dados do PDDU (2000), 2018.

Figura 105: Desenvolvimento do plano à mão. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


Figura 106: Desenvolvimento do plano à mão. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Figura 107: Desenvolvimento do plano à mão. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


3 5

N

7

2

6

1

8

4 214

100m

213

212

0 21 9

20

20 7

21

1

PLANO GERAL Reflorestamento da mata ciliar

Centro de Artesanato e Confecção

Rua Beira Rio

Vias de Destaque

Vias Locais

Vias de Contorno Novo espaço físico para a associação

Travessas

Espaços Livres


4.2 O Plano O Plano Geral foi pensado de forma a enaltecer o bairro em enfoque neste trabalho, Vila Neuma. Para tanto, conta com intervenções também no bairro vizinho, Vila Moura, sempre coerentes com o objetivo principal de fortalecer a relação dos bairros entre si e com as áreas mais centrais de Iguatu e amenizar a segregação socioespacial. Nas descrições realizadas sobre o plano, os números que aparecem únicos em parêntese se referem à localização do que é citado de acordo com a numeração no mapa da figura 108. As ligações do bairro com outras localidades começaram a ser pensadas a partir dos seus acessos. A BR 404 configurava, tendo em vista o desnível de 4 metros em relação ao bairro, um obstáculo a ser vencido na transferência para as outras áreas da cidade. Dessa forma, são reforçados os 3 acessos já existentes, contando com pavimentação, escadaria e rampa apropriados para a passagem dos pedestres, tornando essa travessia adequada e segura, representado no mapa em setas azuis e que podem ser percebidos nas figuras 109 e 110. Além disso, a ponte Demócrito Rocha (1) teve, no Plano, sua função transformada como 'pedonal', contando com restauração dos elementos de passagem da ferrovia, ao qual foram propostas placas para passagem dos pedestres. Contando com uma plataforma de maiores dimensões e sacada, um elemento lúdico de escalada (ver figura 111) foi acrescentado no sentido de efetivar uma ligação com a área do entorno do Rio Jaguaribe, a ser mencionada adiante (ver figura 118). O elemento visa incorporar essa característica que o desnível do bairro trouxe às crianças e

adolescentes, tanto como uma maneira de acesso ao rio em épocas com mais água, ao subir na ponte e pular, como numa forma de acesso às centralidades de Iguatu As conexões continuam a ser enaltecidas a partir do entorno do Rio Jaguaribe, tendo o tratamento da sua mata ciliar completo na margem direita na área de intervenção, enquanto que na margem esquerda, a mata ciliar foi reflorestada nas áreas onde não existia ocupação, seguindo uma premissa de remoções e intervenção mínima no espaço, priorizando o enaltecer das qualidades já existentes. Isso resulta em maior amplidão e número de usos na margem direita, onde localiza-se o bairro Vila Neuma, tornando essa área mais visada pela população que busca conviver com o recurso hídrico. A proposta para essa margem é de áreas de convivência e mobiliário que proporcionem acesso ao Rio (figura 118). O acesso para veículos no formato de ponte já existente na área superior da intervenção foi destacado também por uma área de convivência na sua proximidade, e por uma ponte para pedestres nessa área que serve de apoio à Demócrito Rocha, chegando até as Vias de Contorno a serem detalhadas adiante. Essa área do entorno do Rio Jaguaribe é elencada como passível de receber uma ação colaborativa, tendo possibilidades de consolidação de uma praça na área que sirva como ponto de partida para uma ação maior oriunda da prefeitura.

Figura 108: Plano Geral para o bairro Vila Neuma. Fonte: Arquivo pessoal, 2018.

127


BR 404

BR 404, CANTEIRO E VIA DE CONTORNO EM CORTE

AMÁLIA BRASIL ELEMENTO LÚDICO DA PONTE

VIA DE CONTORNO EM PERSPECTIVA

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Figura 109 e 110: Croquis demonstrativos de uma das vias de contorno e acessos ao bairro. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


Outra maneira de reforçar conexões é a partir da mobilidade. As ruas foram classificadas em 5 categorias, além da BR 404, que recebe destaque como acesso principal: Vias de contorno – em roxo, Vias de destaque – em rosa, vias locais – em amarelo, travessas – em amarelo tracejado e a Rua Beira rio – em laranja As vias de contorno [cor roxa] (Rua Amália Brasil; Rua Palácios e “Estrada Velha”) atuam como delimitadoras dos bairros Vila Neuma e Vila Moura, recebendo linguagem característica na forma de arborização de grande porte e comunicação visual em pontos estratégicos, a exemplo dos 3 encontros com a BR 404. Tendo característica de abrigar tanto veículos automotores como pedestres de forma confortável, possui calçadas largas, mas também faixas de rolamento generosas (figs. 109 e 110). Sua conformação se transforma de acordo com a área do bairro em que se passa, uma vez que em áreas informais, não se pode intervir com a mesma lógica da cidade formal: cada área de uma mesma via é única e, ainda que busque seguir a mesma linguagem, apresenta conformação própria de acordo com as possibilidades do entorno.

Figura 111: Croqui da ponte em formato pedonal contando com elemento lúdico de escalada. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

129


VIA DE DESTAQUE Figura 112: Croqui demonstrativo da Via de Destaque, mostrando em rosa área destinada para grafite em muros cegos e em roxo, percursos lúdicos que levam de um equipamento a outro do bairro. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


imediato. As intervenções buscam deixar claro a quem entra que está visitando os bairros Vila Neuma e Vila Moura, tornando a chegada agradável e trabalhando a primeira impressão dos visitantes de uma forma positiva. As Vias de destaque [cor rosa] (Rua Souza Alexandre, s/ nome, Amália Brasil II, José Moura, e s/ nome) funcionam como uma continuação dessa chegada agradável, agora sinalizando os equipamentos existentes no bairro (fig. 112). Direcionando veículos e pedestres às áreas de interesse locais, irrigam os percursos internos principais com características que já passam a dar maior protagonismo ao pedestre e à convivência nas calçadas, como característico desses bairros, mas tornando a passagem do carro confortável. As Vias Locais [cor amarela] (Rua Paulo Sarazarte, Rua Tomé de Souza, Rua Manoel Camilo; R. Dr José Frota, R. Da Capela; R/ s nome e as ruas do bairro de terra, a serem consolidadas) têm como mobiliário principal os bancos colocados pelos próprios moradores nas calçadas e contam com alternativas para diminuição da velocidade do trânsito, em especial de motos, para que as crianças e demais pedestres da rua tenham seus percursos realizados de maneira segura (fig. 113).

VIA LOCAL

131

Figura 113: Croqui demonstrativo da via local e as relações de vizinhança. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


Figura 116: Croqui da Rua Beira Rio. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

As Travessas [cor amarela em tracejado] têm prioridade total do pedestre, sendo consideradas ruas compartilhadas. Com exploração do potencial vegetativo e artístico da área, seus muros são feitos com grafite (figs. 114 e 115). A Rua Beira Rio [cor laranja] possui linguagem especial por ser a continuação do entorno do Rio Jaguaribe, e é a visão do Bairro para os que estão convivendo como o Rio e seus equipamentos (fig.116). Nesse sentido, é pensada de forma a se mesclar com a paisagem, tendo nivelamento da calçada e piso de terra batida para alto impacto, e tendo a separação de proteção de um guarda corpo com linguagem característica do Projeto, remetendo à ponte Demócrito Rocha.

TRAVESSA EM PERSPECTIVA

Figura 114: Croqui demonstrativo de uma travessa em perspectiva, área com grafite demarcada em rosa. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

TRAVESSA EM CORTE

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Figura 115: Croqui demonstrativo de uma travessa em corte. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.


RUA BEIRA RIO

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4.3 As áreas verdes Tem-se, também, as áreas verdes, que permeiam pontos estratégicos dos bairros Vila Neuma e Vila Moura, visando uma maior qualidade de lazer a partir de um sistema de espaços livres públicos e semi-públicos. Seja requalificando áreas com potencial, ou incorporando áreas verdes a equipamentos criados, o objetivo de conexão também foi buscado nesse aspecto do projeto, a partir do posicionamento dessas áreas ao longo de todo o limite de intervenção. Dessa maneira, primeiro, tem-se o entorno do Rio Jaguaribe (2), que conta com áreas de convivência com bancos e disposição de árvores frutíferas nativas em conjunto com a mata ciliar, dinamizando o espaço com o potencial vegetativo característico do bairro. São incorporados, também, elementos de comunicação visual com o objetivo de conscientizar em relação à limpeza do local e à importância da apropriação da população daquele espaço, demonstrando maneiras adequadas de cuidado. Essas áreas de convivência, tendo seus usos alternados ao longo do entorno do rio (pontos de descanso/contemplação, área infantil, área funcional para estender roupas e coleta de água, área de para oficinas de material reciclado), formam uma narrativa que une a personalidade do bairro Vila Neuma à população das centralidades de Iguatu a partir da convivência com o Recurso Hídrico (figura 117). A segunda área é o canteiro (figuras 109 e 110) entre a BR404 e a Rua Amália Brasil (4). Com dimensões generosas, a área é nivelada trazendo a possibilidade de áreas de convivência em posições estratégicas: em frente aos colégios e demais equipamentos da via e seguindo linguagem coerente com o equipamento próximo (área infantil para colégio infantil, área voltada para jovens na escola técnica);

as árvores e canteiros fazem parte do projeto paisagístico que busca ressignificar o bairro a partir da beleza do olhar. Um ponto de destaque dessa área é que, devido à sua extensão, ela percorre toda a área de início dos bairros e contribui no realce à chegada dos visitantes. A terceira área é a Praça do Mutirão (5), equipamento de lazer já existente no bairro, escolhido a partir de reuniões comunitárias como área para intervenção colaborativa no período deste Trabalho de Conclusão de Curso. A área passou por requalificação nos quesitos pintura, mobiliário (a partir de pneus), plantio de arbustos, árvores e plantas medicinais, e delimitação dos espaços, resultados demonstrados mais a frente no trabalho.

Figura 117: Croqui do entorno do Rio Jaguaribe. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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ENTORNO DO RIO JAGUARIBE

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A quarta área é representada a partir do conjunto de áreas sobressalentes do Bairro de Terra (6), delimitada em verde, sendo dividida em 3 partes que se complementam com áreas de convivência e brinquedos infantis. Seguindo a mesma lógica da ação colaborativa da praça do mutirão, ambientes de convivência dessa área também podem ser criados por iniciativa comunitária (fig. 118). A quinta área (7) é o entorno do terreno da antiga fábrica de cerâmica, onde é proposto um viveiro de plantas para a população onde pode ser realizada mostra e cuidado de espécies locais, bem como fonte de renda para a comunidade São propostos dois outros pontos de viveiro no mapa, com a mesma conformação. A sexta área (8) é o terreno da quadra da Escola Alba Araújo, que terá seu uso como uma área semi-pública de lazer e convivência.

4.4 Habitação A atuação no setor habitacional tem seu impacto principal em duas áreas: A primeira área é a das casas localizadas ao norte da Rua Palácios (3), que apresentam conformação inadequada em relação a iluminação, ventilação e tamanho das casas. A proposta é que esses locais recebessem uma assistência técnica por parte de arquitetos vinculados ao governo municipal, bem como materiais de assistência para reconstrução de suas casas em medidas apropriadas, de acordo com suas necessidades e pensadas em conjunto: morador e profissional. A segunda área é conhecida como Bairro de Terra (6), delimitada em vermelho, e consiste em enaltecer um potencial já existente de bioconstrução. A proposta pode ser realizada no formato de Urbanismo Colaborativo a partir da colaboração entre os moradores que têm o conhecimento empírico de construção com taipa, adobe e outros

materiais em parceria com profissionais da bioconstrução, sendo realizada uma troca de conhecimentos na medida em que as casas vão sendo construídas, envolvendo estudantes de arquitetura, engenharia e outras áreas interessados nos processos. O coroamento dessa ação se dá a partir da construção da associação em um dos terrenos desse local, demarcado no mapa, contando com demonstrações, em cada uma de suas paredes, dos diferentes tipos de bioconstrução. Além disso, a população realizará o loteamento da área, já preparando-a para uma consolidação como bairro com tamanho adequado de casas, pensado a partir da assistência técnica de um arquiteto (fig. 118). O terreno deve ser doado pela prefeitura e incorporado ao bairro como uma área habitacional. Áreas sobressalentes são incorporadas como áreas livres de lazer, como mencionado anteriormente.

4.5 Equipamentos Por fim, cabe destacar os equipamentos que ficam a serviço da população. Os viveiros, demarcados no mapa da figura 108 em círculos preenchidos em laranja, como mencionado, vêm para fazer uso do potencial vegetativo apresentado pelas personalidades do bairro, se caracterizando como uma fonte de renda e personalidade ao local. A associação comunitária, construída no bairro de terra e demarcada pelo círculo laranja sem preenchimento, funciona Figura 118: Croqui exemplifica áreas livres transformadas em praças no Bairro de Terra, bem como a proposta de delimitação feita por moradores. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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BAIRRO DE TERRA

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como centro de atividades e ideias, agregando a energia motivadora do bairro e transformando em ação por meio da colaboração, com o objetivo de manter a dinamicidade. O Centro de Artesanato e Confecção, incorporado a partir de uma reestruturação da antiga fábrica de cerâmica, funciona também como uma fonte de renda e concentração de atividades para a população, sendo essa uma área privada e sujeita a parceria público privada a partir de um interesse que venha da prefeitura. Além disso, a quadra da Escola Alba Araújo e a Praça do Mutirão requalificadas se configuram como equipamentos de lazer centrais para o bairro. A tabela 8 demonstra uma síntese das propostas citadas, dividas de acordo com o formato de sua execução: ações colaborativas autônomas; ações colaborativas em parceria (iniciativa privada/poder público); ações de reinvidicação frente ao governo. Essas iniciativas, elencadas a partir dos desejos e sonhos comunitários, são colocadas em formato de Plano Geral como uma maneira de organização de intenções reais que a comunidade possui. A metodologia de trabalho prossegue com uma devolutiva do Plano Geral para a população e a confecção do projeto para efetivar a Ação Colaborativa da Praça do Mutirão.

Tabela 9: Formatos de execução das iniciativas propostas no Plano Geral. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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AÇÕES COLABORATIVAS AUTÔNOMAS

AÇÕES COLABORATIVAS EM PARCERIA

Implantação/manutenção

iniciativa privada/poder público

Consolidação de espaços livres sobressalentes no Bairro de Terra como espaços de lazer a partir de iniciativa colaborativa com brinquedos feitos de material reciclado

Delimitação das áreas para casas e construção da associação a partir de materiais de bioconstrução parceria com professionais da arquitetura

Consolidação da praça da Rua Beira Rio, com pintura dos bancos existentes e delimitação de espaços de uso.

Fazer espaços de viveiro em terrenos públicos ou privados que não tem sido utilizados, dinamizando o bairro

AÇÕES DE REINVIDICAÇÃO

Cobertura completa de saneamento ao bairro Tratamento do Rio Jaguaribe permitindo acesso da população à água

Reforço dos acessos para pedestre da BR 404 à ` Rua Amália Brasil.

Manutenção da limpeza do bairro, não jogar lixo na rua

Limpeza dos pontos de lixo na Rua Beira Rio

Plantio de espécies nativas ao longo do bairro

Transformar a Ponte Demócrito Rocha em Pedonal

Iniciativas de Mobilidade que destaquem o bairro

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Capítulo 5

Ação Colaborativa na Praça do Mutirão

Para realização da ação Colaborativa da Praça do Mutirão, as concepções das metáforas '(Re)conhecer, (Re)novar e (Re)agir' se fazem presente mais uma vez. Durante o mês de abril, o retorno ao bairro para planejamento da ação colaborativa efetiva foram planejados a distância, por meio de aplicativos de mensagem em comunicação com os líderes comunitários, que iam mobilizando a população e estabelecendo relações. As experiências de preparação para a ação realizadas de forma mais aproximada com a comunidade no mês de maio demonstram que o estar presente fisicamente no local faz a diferença nos resultados obtidos, e a articulação é facilitada quando realizada dentro do cotidiano comunitário.

5.1 A Preparação Os dias 16 a 19 de Maio foram reservados para o projeto em conjunto, definição de equipe, divulgação e captação de recursos para a Ação Colaborativa, a ocorrer na semana seguinte. O primeiro dia consistiu em uma reunião com o líder comunitário e um dos moradores que vinha acompanhando o processo, para delimitação da forma de abordagem com a comunidade em geral, assim como havia sido feito da primeira vez. Essa reunião já permitiu um debate sobre o Plano Geral, que foi consolidado como apresentado acima e uma conversa sobre a captação de recursos. Um dos alunos do grêmio estudantil da Escola Alba Araújo realizou uma campanha contra a dengue que envolvia a captação de pneus usados, e optou por Fig. 119: Marcas de mão em banco na Praça do Mutirão simbolizam o ato de colocar a‘Mão na Massa’. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

doá-los para a intervenção colaborativa. O dia 17 consistiu em uma visita ao CRAS Aguimar Mendonça, com confirmação da parceria para ação colaborativa e aproximação em conjunto de um dos grupos que mais utiliza a praça: adolescentes e adultos que jogam futebol, por volta das 17h. Ficou combinada uma reunião para confecção de um projeto colaborativo no dia seguinte. Já a noite, houve a divulgação para adolescentes que faziam parte de um grupo no CRAS. Nessa oportunidade, mapas impressos com base do Google Earth auxiliaram uma conversa com cada um sobre as percepções que tinham da praça e divulgação da Ação Colaborativa que iria acontecer (figs. 120 a 123). No seguinte, pela manhã, deu-se seguimento à captação de recursos a partir de uma visita a lojas de material de construção na tentativa de obter patrocínio de tintas. O procedimento era explicar a motivação do projeto, com o auxílio de imagens impressas de iniciativas parecidas que ocorreram em outras cidades do Brasil. A primeira manhã foi produtiva, rendendo a doação de 12 latas de tinta. Outras latas foram fornecidas ao longo da semana. Nesse mesmo dia, às 17h, os adolescentes e adultos que jogam futebol na Praça do Mutirão deram sugestões de maneira informal para a melhoria da área dentro de uma partida e após esse momento, com o acompanhamento de um morador, foram realizadas visitas às pessoas que estavam nas calçadas do entorno. Com o auxílio de um mapa que era explicado aos moradores que não tivessem familiaridade com aquele tipo de representação, foram sendo traçados os desejos mais específicos para a praça, tendo como resultado o enaltecimento do seu caráter esportivo, a delimitação de uma área infantil a partir de brinquedos e plantio de vegetação na praça.

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Figuras 120 a 123: Mapas feitos em conjunto com a população para projeto da Praça do Mutirão. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.


No dia 19, por fim foi realizada uma reunião planejada pela associação do bairro, que contou com divulgação em uma das Igrejas locais. A reunião (figuras 124 e 125) contou com a presença de 10 pessoas, e foram apresentadas uma retrospectiva de todas as etapas de reuniões que vinham acontecendo até aquele momento, bem como uma devolutiva do Plano Geral e diretrizes relacionadas às necessidades para a Ação Colaborativa da Praça do Mutirão. Cabe destacar que as reuniões que foram acontecendo continham alguns participantes em comum, mas sempre contavam com participantes novos. É importante contar com um grupo fixo e comprometido que siga com os debates em conjunto, agregando às pessoas novas uma linha de pensamento que veio desde o momento inicial. Se faz relevante, também, a presença dos novos participantes, uma vez que, apesar da necessidade de nivelamento, o alcance das ações vai sendo ampliado e os conceitos abordados vão sendo difundidos a maiores parcelas da população. Nesse momento foi realizado o fechamento do projeto e definição das responsabilidades e recursos para o momento da Ação Colaborativa, a ser realizada nos dias 26 e 27 de maio, sábado e domingo.

Figuras 124 e 125: Devolutiva do Plano Geral e estabelecimento conjunto de propostas para a Praça do Mutirão em reunião planejada pela associação. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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5.2 O Projeto Colaborativo A Praça do Mutirão surgiu, segundo relato de antigos moradores, da construção de um conjunto habitacional em formato de Mutirão, realocando famílias que moravam na beira do Rio Jaguaribe para essa área e fornecendo em conjunto com a construção das casas esse espaço de lazer. O que é contado pelos moradores do entorno é que, no momento de sua inauguração, a praça foi entregue em bom estado, mas com o tempo, foi se degradando e não retornou ao seu estado original. Seu entorno consiste em casas na área Norte, estabelecimentos institucionais (Posto de Saúde e CRAS) na área Sul, bem como a rua que dá acesso à BR, e estabelecimentos comerciais na área oeste. Era necessário levar em conta o conforto dessas pessoas num projeto que gerasse a requalificação da quadra existente e que se encontra degradada, uma vez que o seu alambrado consiste apenas na área lateral e é considerado baixo pela população, havendo relatos de que, na época da inauguração, quando ainda haviam jogos de futebol nessa área, a bola passava por cima e atingia as casas. Tendo em vista a necessidade, portanto, de uma rede que cobrisse a área superior para que o problema fosse solucionado, esse aspecto da área não foi incluído na ação colaborativa, tendo em vista seu caráter de baixo custo e curto prazo. Era necessário agir de forma prática e com materiais de fácil acesso à população. Optou-se, então, por uma concentração de ação na lateral direita da praça, atuando no campinho e delimitando uma área para parque infantil.

A parceria com o CRAS permitiu uma limpeza realizada por parte da prefeitura, que facilitou o trabalho e permitiu que a ação já iniciasse na pintura de bancos e da mureta da quadra, confecção de brinquedos de pneu e plantio de mudas.

Figura 126: A praça antes de receber a intervenção. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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5.3 Mão na Massa O dia 26 de maio de 2018 foi o primeiro dia da Ação Colaborativa. Os materiais captados foram: Ÿ Mais de 30 pneus, por doação do vereador comunitário e campanha do grêmio estudantil da Escola Alba Araújo Ÿ 16 latas de tinta, por doação das lojas Construlima, Dycaza, Macol, Atacadão Kg e Piso & Cia Ÿ Apoio geral (cimento, lanche, luvas plásticas, cartazes e outras necessidades) do Bar O Aquino Ÿ Corda para balançador de pneu doada pela loja do seu Gonzaga, em frente à praça Ÿ Limpeza realizada pela Prefeitura Municipal de Iguatu em parceria com o CRAS Aguimar Mendonça Ÿ Materiais de trabalho fornecidos por moradores da comunidade, a exemplo de vassouras e enxadas. Ÿ Mudas disponibilizadas pelo líder comunitário

Figura 127: Materiais arrecadados. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 128: Calçada da praça é varrida. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 129 a 132: População envolvida com as atividades. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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A ação, que durou dois dias, contou com a presença de adultos, adolescentes e crianças interessados em ver a mudança que sonharam efetivar-se naquele local. Muitos haviam participado de algumas das etapas do processo, mas passantes que ainda não sabiam do movimento também pararam para entender mais sobre o que estava acontecendo. Foi uma oportunidade de atingir mais pessoas com a ideia do fazer colaborativo e espalhar esse pensamento pela população. O momento foi uma oportunidade de troca intensa entre os participantes, uma vez uma vez que o conhecimento da população é enorme. Pedreiros e construtores sabiam quais caminhos seguir na tomada de decisão da construção de um brinquedo a partir de material reciclado, enquanto a plantação de mudas foi facilitada pelo líder comunitário, que também foi o fornecedor dessas mudas. As crianças puderam não só se divertir com um dia diferente, mas aprender com uma orientação de outros moradores mais experientes, como realizar plantio, escavar, pintar e construir de forma apropriada. Figura 133 : Pneus pintados separados para secar. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 134: Crianças são orientadas sobre como realizar a pintura. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 135: Participantes. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Figuras 136 comunitária.

a

139:

Momentos

de

construção

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Figura 140 : Pintura de Pneus Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figuras 141 e 142: Crianรงas mostram as mรฃos com tinta. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Ao final do segundo dia de intervenção, foi realizado um momento de lanche colaborativo, onde foi possível debater sobre a importância do que foi construído em conjunto, o fechamento daquele ciclo e reforçar que o manter é tão importante quanto o fazer. A população do entorno demonstrou esperança a partir da realização comunitária que viram se realizar ao longo do final de semana, acreditando que se cada um fizesse sua parte e orientasse uns aos outros, havia um caminho a ser seguido para aquele espaço que estava requalificado.

Figuras 143 e 144: Crianças utilizam os espaços da praça. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Figura 145: Cartaz utilizado para divulgar momento do lanche. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 146: Crianรงas utilizam espaรงo da praรงa. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

o


5.4 O Resultado

0

10

20

30 m

Figura 147: Planta baixa da Praça do Mutirão com medidas a partir do levantamento realizado e demonstração das intervenções. Delimitada em rosa, área que recebeu intervenção. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Balançadores de Pneu Pula-Pula de Pneu

Delimitação de espaços Pintura da mureta da quadra

Jarros de Pneu

Amarelinha Plantação de mudas Pintura de bancos

0

10

20

Figura 148: Aproximação da área de intervenção, especificando quais foram as atividades em cada local. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

30 m

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Vale destacar os espaços consolidados, bem como os mobiliários, cuja formação foi possível a partir do saber comunitário. Durante a construção, decisões precisavam ser tomadas e a experiência de pedreiros era útil ao lidar com os pneus, bem como a formação em andamento em biologia de um dos líderes comunitários, assim como seu conhecimento relacionado a plantas, permitiu aprendizados a todos os envolvidos no plantio das espécies fornecidas por ele para a praça, a saber: plantas ornamentais, pinha, sabonete, manga, caju, margaridão, pingo de ouro e plantas medicinais. No momento de cada plantio, foi feita uma cobertura morta com bagaço de coco a partir de cocos de uma pessoa da comunidade que faz cocada.

Figuras 149 e 150: Plantas utilizadas. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 151: Bagaço de coco. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Importantes elementos confeccionados foram os jarros de pneu, pensados pelo lí́der comunitário com o seguinte formato: recebendo um pneu cortado recebe a muda plantada e, abaixo dele, fica posicionado um outro pneu para concentrar água por mais tempo, bem como aproveitando a cobertura morta do bagaço de coco.

Figura 152: Jarro de pneu. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 153: Amarelinha de pneu. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Figura 154: Delimitação de espaços realizada através do pneu. Divisão entre campinho e área infantil. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 155: Pintura da mureta da quadra. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Figura 156: Pintura dos bancos. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

Figura 157: Pula-Pula de Pneu. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

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Mobiliário

Figura 158: Representação do Mobiliário Amarelinha de Pneu. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Figura 159: Representação do Mobiliário Pula-Pula de Pneu. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Figura 160: Representação Mobiliário Jarro de Pneu

do

Figura 161: Representação do Mobiliário Balançador de Pneu. Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

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Figura 162: Antes da ação. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.


Figura 163: Depois da ação. Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.


CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização do trabalho forneceu suporte no entendimento das questões da cidade que levaram ao contexto de expansão urbana do início do século XXI: cidades grandes, médias e pequenas que reproduzem, à medida que crescem e desenvolvem sistemas em rede, situações de segregação socioespacial e formação de áreas excluídas das relações estabelecidas nos pontos de centralidade. Participando dessas dinâmicas o bairro Vila Neuma, na cidade de Iguatu – CE, configurou-se como um importante caso a ser estudado, tendo em vista sua relação dividida do restante da cidade pelo Rio Jaguaribe e pelas vias de acesso da malha viária a partir do intenso declive. Dessa maneira, percebe-se que novas metodologias de participação colaborativa surgem como alternativas a um diagnóstico padrão para o entendimento dessa área, bem como para o andamento de um projeto a ser proposto para o local. Seguindo esses aspectos, a metodologia cunhada para a área com base nos conceitos observados tem em vista a unificação entre técnico e população local, bem como uma melhor articulação de ideias e um planejamento humanizado e conjunto. Esse planejamento permitiu perceber que esse bairro possui dinâmicas próprias, fortes potenciais e muita vida. Foi um processo de imersão profundo que permitiu um olhar além da simples coleta de dados: trouxe a vivência de experiências e a formação de uma memória afetiva atrelada ao que agora tornou-se um lugar efetivo para quem antes era um observador externo. O acolhimento da população e das entidades a essa iniciativa confirma que a maior carência do bairro é de atenção:

essas pessoas precisam ser vistas pelo que são e pelo que têm a oferecer. Alguns elementos a partir dessa experiência podem ser reforçados como facilitadores desse tipo de metodologia colaborativa: a existência de uma equipe multidisciplinar que organize e aplique a metodologia é importante, uma vez que auxilia no desenvolvimento em especial das etapas iniciais. São muitas atividades a serem desenvolvidas, que requerem diferentes tipos de saber e linguagens comunicacionais. Além disso, é importante elencar um grupo que siga em conjunto do início à conclusão da intervenção: isso facilita a troca de informações e auxilia que as reuniões se iniciem a partir de uma base da reunião anterior, bem como cria um sentimento de pertencimento e interesse desse grupo fixo ao projeto. A fase de captação de recursos é das mais relevantes, e quanto antes a população compreender sua importância, tão antes compreenderão que aquela intervenção realmente tem potencial para acontecer e passarão a se mobilizar para conseguir o que julguem necessário em conjunto. É um item que deve ser reforçado no máximo de reuniões e conversas possível, para minimizar as faltas de elementos importantes para a construção. A realização do evento de Ação Colaborativa da Praça do Mutirão demonstra o potencial de transformação e o poder que essa população concentra, ao se unirem com poucos materiais e um prazo curto. Mostra, também, que existem entidades parceiras e pessoas de fora que, ainda que não possam colocar a mão na massa, têm um papel relevante para que esse tipo de iniciativa seja concretizada. Cada agente envolvido, cumprindo sua função, é parte integrante de um resultado que vai muito além de algo físico: é refletido nos sorrisos, nas memórias e no fortalecimento da união comunitária. Indo além, é refletido no depois: nas consequências que vêm de se sentir ouvido e ver um sonho tomar forma – continuar a sonhar, agora com vontade de agir e esperança.

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Fonte: Arquivo pessoal, 2018.


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