Pequeno Grande Livramento

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pequeno grande livramento Mariana Barbosa de Oliveira Orientador: Rafael Silva Brand達o



TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Universidade Federal de São João del Rei Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas

pequeno grande livramento Mariana Barbosa de Oliveira Orientador: Rafael Silva Brandão

São João del Rei, Dezembro de 2014



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Somos movidos por sonhos. O que queremos ser ou fazer é o que nos mantém em constante movimento. Independente do que já somos ou conquistamos somos motivados a melhorar, aperfeiçoar ou adaptar. Assim como todo sonhador, as primeiras ideias deste trabalho vieram das lembranças mais remotas da praça onde passei minha infância e de como foi um lugar importante para mim e para meus amigos. E para quantas outras pessoas mais? Inúmeras! O conhecimento adquirido na arquitetura e urbanismo só fez aumentar esse desejo, de um dia criar um lugar ideal, propício a diversos usos e apropriações. Todas essas ideias foram motivadas pela vontade de encontrar uma maneira de potencializar os espaços públicos subutilizados ou abandonados. Esse desejo foi movido por uma questão: que espaço é esse que estamos (re) produzindo? 2


A princípio vamos entender arquitetura como todo espaço modificado pelo homem, incluindo paisagens artificiais e todos os tipos de construções, concebidas por profissionais especializados ou não. Esse espaço então, modificado pelo homem, é concebido por processos sociais e é também o meio em que as relações sociais são criadas (KAPP, 2005), o que induz à conclusão de que arquitetura e sociedade se condicionam mutuamente. Lefebvre (2001) já dizia que a cidade antes do processo industrial possuía valor de uso e após o processo adquiriu valor de troca. A arquitetura, por agir diretamente sobre os espaços, da modernidade à contemporaneidade, tem sido produzida, distribuída e consumida como uma mercadoria. Ou seja, o espaço de atuação da arquitetura adquiriu valor de troca, e não mais de uso, e consequentemente a arquitetura também. O valor de uso não necessariamente possui valor de troca. Inúmeros espaços (ruas, praças, parque) recebem altos investimentos e não conseguem satisfazer as reais necessidades da sociedade. Os ideais modernistas imaginaram uma arquitetura com melhor aproveitamento dos espaços e praticidade nas execuções, no entanto estamos presenciando o oposto. A produção formal do espaço restringe cada vez mais as possibilidades de usos e o valor de troca cada vez são maiores. 3


No âmbito da profissão, o arquiteto urbanista busca através de diversos meios garantir qualidade de vida para os cidadãos, proporcionando sempre que possível um lugar adequado às necessidades de determinado contexto. Variando sua atuação em micro espaços, como a residência, onde a pessoa constituirá sua família ou macro espaços, que normalmente são atribuídos aos bairros e às cidades. Todas as modificações que realizamos no espaço agem sobre o indivíduo, o que torna cada vez mais necessário o entendimento dessas relações (indivíduo – ambiente) como arcabouço para intervir no espaço de uma forma que nos pareça adequada. As infraestruturas nunca desenharam (embora possam ter direcionado) a ocupação de edifícios específicos ou de lugares urbanos; quase que invariavelmente eram, e continuam sendo, ocultadas no momento em que os espaços são definidos, não pela forma, mas sim pelas apropriações (GUATELLI, 2012). Acredito que existe atualmente, uma necessidade, ainda que sutil, mas definitivamente crescente de não enxergar mais as infraestruturas como apenas objetos, mas como agentes capazes de potencializar ou dar suporte para eventos futuros, sem determiná-los. Não podemos reduzir a arquitetura a sua dimensão material (GUATELLI, 2012). Por trabalhar com variáveis culturais e sociais tanto quanto com técnicas ou com materiais físicos, a arquitetura não pode deixar as questões 4


relacionadas ao significado completamente para trás. Ao realizar o estudo nas praças muitas questões me inquietavam e algumas respostas foram sendo construídas, assim como outros inúmeros questionamentos. Ao ver o modo como elas (as praças) sofreram intervenções ao longo do tempo, ainda que mínimas, surgiu um desejo de uma arquitetura que não definisse usos, mas uma arquitetura que fosse capaz de pensar situações que proporcionem uma apropriação mais livre e diversificada dos espaços, principalmente nos espaços públicos, colocando essa “situação” como uma condição mínima e básica para pensar a (re) ativação de determinado lugar. Afinal, ativar o lugar, torná-lo propício ao uso e passível de permanência constante sempre foi o grande desafio do arquiteto. Entre tantos desafios, existe o maior: o espaço é subjetivo e até mesmo imprevisível e cada pessoa possui sua individualidade. As pessoas se apropriam dos espaços mais inesperados e os transformam em pontos de encontros. Seja a rua, a calçada, a praça ou parque. A criatividade dos usuários é potencialmente infinitamente maior do que a criatividade do arquiteto. Tal afirmação, confirmada diariamente se tivermos um olhar mais atento aos detalhes das ocupações nas cidades, reafirma mais ainda a ideia de que no fim de tudo a arquitetura não é o objeto, mas sim o suporte para essas atividades. Os

espaços

produzidos

hoje 5

são

formatados

com


funções um

previsíveis,

roteiro

a

como

seguir

se

tivéssemos

(GUATELLI,

diariamente

2012).

Estamos

produzindo espaços para usuários passivos e podando diariamente a habilidade que ele possui de ser ativo. Os espaços públicos não tem mais espaço para a imaginação e para o inesperado. Arrisco-me a dizer que os espaços tem contribuído para a formação de pessoas cada vez mais alienadas. Para isso é só olharmos o tipo de espaço que é constantemente (re) produzido e desejado: os shoppings. Centros de consumo, erroneamente definidos como espaço público, pois são claramente espaços excludentes e manipuladores, capazes de criar uma falsa realidade sobre o que é público, dia ou noite. Não existe contato com a cidade ou com qualquer atividade ativa, que não seja determinada ou induzida. O próprio consumo permite apenas a ilusão da escolha, com hábitos e desejos produzidos em massa pela publicidade e pela mídia. O alarmante nessa questão é o fato de que um grande contingente de pessoas associam esses espaços ao bem estar e à modernidade. Em São João Del Rei, por exemplo, durante as entrevistas, ao perguntar às pessoas sobre o que elas sentiam falta na cidade a resposta, principalmente vinda dos mais jovens era sempre a mesma: falta um shopping! Essa resposta imediata do usuário é consequência de uma interpretação óbvia e equivocada de padrões já existentes e que muitas vezes não desejamos que se perpetuem.

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Figura 1: Shopping Hills em São João del Rei, domingo à tarde. Segundo os entrevistados o motivo de estarem no shopping é o sorvete vendido. Fonte: arquivo pessoal

Figura 2: Largo do Carmo, São João del Rei, domingo à tarde. Local vazio. E se vendesse sorvete também? Fonte: arquivo pessoal

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Gehl (2013) diz que a maior atração de qualquer espaço são as pessoas. Apoiando nesta afirmação tento compreender o motivo de tanto desejo por um shopping na cidade. São João Del Rei não possui espaços públicos atrativos, dinâmicos ou interativos. Os espaços públicos da cidade se resumem em praças que, ou são pacatas demais, localizadas em entornos residenciais, ou possuem um tipo de uso pré-determinado, que obviamente agradará somente um determinado grupo de pessoas. Sendo assim, por mais que elas (as praças) mantenham um uso diário, elas não são muito atrativas, resultando em pouca movimentação e consequentemente em poucas pessoas, o que pode validar a teoria de Gehl. Pensar os espaços de forma mais sensível, não esquecendo que o foco são as pessoas e a representatividade dos espaços na vida de cada uma delas é o grande desafio do arquiteto na contemporaneidade. Nossos métodos de investigar o espaço não são suficientes ou satisfatórios. Neste trabalho houve uma tentativa de investigar os espaços usando estes métodos e não adquiri uma proposta que permitisse uma alteração significativa de apropriação, e sim para apenas em reforçar padrões já estabelecidos. Estes métodos se traduzem em uma análise muito objetiva. A arquitetura tem pecado também no que diz respeito à participação da população. Aprendemos a ir a campo, fazer entrevistas, detectar o que as pessoas querem e 8


tentar atender às necessidades. Porém nossos processos participativos precisam ir além, precisam emponderar as pessoas e não dar a elas o que elas querem em benefício próprio. A participação, portanto, não serve necessariamente para fazer no espaço o que as pessoas, individualmente desejam, mas para fazê-las refletir criticamente sobre o que de fato é importante, urgente e adequado ao espaço. Em São João Del Rei, em uma das praças estudadas, a Praça da Estação, uma pequena adaptação espacial dos usuários foi ignorada em um projeto de intervenção. Os canteiros da praça são relativamente grandes e obstruem os acessos ás principais vias, então habitualmente as pessoas usam os canteiros como atalho para atravessar a praça, o que causou a morte da grama nesses percursos. No projeto de intervençã, a solução dos arquitetos responsáveis foi proteger a grama com pequenos arbustos! Em nenhum momento se atentaram para o que já é consolidado no espaço. Uma pequena e completamente simples mudança agradaria a todos que frequentam a praça: abrir os canteiros para passagem.

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Situação atual da Praça

Atalhos criados pelos usuários

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Projeto de intervenção Área revestida com grama Área revestida com pequenos arbustos

Deslocamento do monumento central

Remoção da vegetação existente

Substituição do quiosque de sorvete por um monumento

Abertua de um canteiro Obstrução da passagem criada pelo usuário

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A intenção dessa crítica, que prefiro definir como um livramento de ideias que constantemente vem e vão, é um convite a pensar sobre as questões que são fundamentais para o enriquecimento e potencialização dos espaços públicos que serão construídos ou sofrerão intervenções. Não defendo uma arquitetura imparcial, mas sim uma arquitetura mais reflexiva sobre o impacto de suas ações e que essas ações dê ao usuário liberdade para se expressar, transformando o espaço em um ambiente favorável à subjetividade de cada pessoa. Não é possível compreender arquitetura isolando as relações sociais que ela abarca. Não existe um manual que garanta a eficácia dessas ações, mas acredito que a posição do arquiteto no que diz respeito aos projetos de espaços públicos não deve se restringir somente ao espaço como objeto, capaz de solucionar problemas, mas sim ao espaço como suporte, capaz de sustentar a diversidade e, novamente, a subjetividade de cada ser.

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Referências Bibliográficas GUATELLI, Igor. Arquitetura dos entre-lugares. Sobre aimportância do trabalho conceitual. São Paulo, Senac São Paulo, 2012. KAPP, Silke. Por que Teoria Crítica da Arquitetura? Uma explicação e uma aporia. In: Maria Lúcia Malard. (Org.). Cinco Textos Sobre Arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, v. , p. 115-167. LEFEBVRE, Henri, 1901-1991. O direito à cidade/Henri Lefebvre; tradução Rubens Eduardo Frias, São Paulo: Centauro, 2001

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