Caderno Especial - Veganismo

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Jornalismo Especializado - Junho / 2016

VEGANISMO O

veganismo, segundo a “The Vegan Society”, que cunhou o termo em 1944, busca excluir, na medida do praticável, todas as formas de exploração animal, seja na alimentação, no vestuário, nos produtos de maquiagem e higiene ou em qualquer outra finalidade. Pouco popular no Brasil, sexto país que mais consome carne segundo o o relatório “Perspectivas Agrícolas 2015/2024”. A relação do veganismo com o vegetarianismo existe apenas no nome, já que foram consideradas as 3 primeiras letras e as 2 últimas da palavra “vegetarian” para que se originasse “vegan”.

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‘Queremos combater a hipocrisia moral’ Foto: Reprodução YouTube

MARIANA DANDARA

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egana há 18 anos, a filosofa Sônia Teresinha Felipe, 61, afirma que ignorar o sofrimento dos animais trata-se de uma hipocrisia moral, que está sendo combatida pelos veganos, já que eles tem criado condições para que mais pessoas promovam uma mudança e adotem o veganismo. “Essa percepção da hipocrisia moral agora pode ser expressa e levada adiante, porque o trabalho dos veganos também levou à criação de condições objetivas para que mais pessoas possam tornar-se veganas”, lembra. Sônia é doutora em filosofia moral e teoria política pela Universidade de Konstanz, da Alemanha, com pós-doutorado em Bioética - Ética Animal pela Universidade de Lisboa. Foi professora da graduação e da pós-graduação em filosofia e do doutorado interdisciplinar em ciências humanas da Universidade Federal de Santa Catarina. A filosofa é pesquisadora permanente do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e membro do Bioethics Institute da Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento. Atualmente dedica-se exclusivamente à pesquisa em neurociência e consciência animal, escrita de livros e oferta de palestras, cursos e textos publicados na rede sobre ética e direitos animais, abolicionismo animal e veganismo. Na entrevista a seguir, Sônia conta a história do movimento vegano, que logo se caracterizou como uma filosofia devido à concepção abrangente da discriminação para com os animais. Quando e onde surgiu o movimento vegano? Sônia T. Felipe – A primeira sociedade vegana foi criada na Inglaterra em 1944, tendo Donald Wat-

Sônia Teresinha Felipe ministrando palestra em Florianópolis (SC) son como Presidente, Elsie Shrigley e outros cinco vegetarianos estritos como cofundadores. No Brasil, na última década, diferentes grupos veganos foram criados, especialmente nas redes sociais. Hoje, o veganismo brasileiro existe por meio de grupos ativistas, que ensinam os conceitos e a prática vegana nas ruas e redes sociais, além da educação abolicionista vegana, que é levada às salas de aula por professores do ensino secundário e docentes nas universidades. Por que o veganismo se caracteriza como uma filosofia? Sônia - O veganismo tem uma concepção abrangente da discriminação sofrida pelos animais, tidos como seres inferiores e indignos do respeito por sua integridade física, emocional e ambiental. Nesse sentido, por defender a redefinição do estatuto dos animais, não apenas dos humanos, na comunidade moral, o veganismo pode ser considerado uma concepção filosófica, por sua abrangência e radicalidade. Qual a diferença entre veganismo e vegetarianismo? Sônia – O vegetarianismo leva em consideração a questão da dieta alimentar, enquanto o veganismo não

é apenas uma questão de escolha alimentar, é uma escolha ética de respeito por todos os animais, sem discriminação especista, seja lá qual o argumento usado para justificar o uso, a exploração e a matança de animais para atender a propósitos humanos. Ser vegano não é só parar de consumir derivados de animais; é defender os direitos dos animais em todas as áreas, pois não há uma sequer na qual eles não sejam vilipendiados. O bem estarismo e o abolicionismo são considerados vertentes veganas? Sônia – Se falamos em “abolição”, estamos falando de veganismo. Se falamos de “bem-estar”, estamos falando de redução no uso e nas práticas de manejo dos animais, sem defender que todas as práticas sejam abolidas. Por isso, as teses bem-estaristas não têm ligação com o veganismo, elas reforçam a manutenção do sistema de criação, uso, exploração e matança dos animais, envernizando essas práticas, exatamente o que os abolicionistas propõem que seja extinto. Então, bem-estarismo não é uma vertente do veganismo, aliás, o bem-estarismo como movimento existe desde o século XIX e nada foi abolido por conta desse

tipo de movimento. Nunca se manejou e torturou tanto os animais como o fizemos no século XX, com todos os discursos bem-estaristas escamoteando a questão. O que o bem-estarista faz é deixar a própria consciência descansando nos costumes tradicionais. O abolicionismo propõe o fim de tudo isso, para sempre, sem defender exceções. O veganismo pode ser visto como um posicionamento político? Por quê? Sônia – Sim. A filosofia vegana é uma posição politica, porque ao defender o respeito à igualdade, a igual consideração de interesses semelhantes, aos direitos fundamentais de todos os animais, sem discriminar gênero, raça ou espécie animal, o veganismo alcança o cerne do conceito de justiça igualitária, algo que a Ética animalista também procura concretizar. É uma concepção politica que veio para ficar. Sem ela não é possível defender os direitos animais. O veganismo tem conquistado cada vez mais adeptos.Considerando que a filosofia vegana se baseia em uma mudança da moral humana, como se explica essa ascensão? Sônia – Talvez possamos interpretar esse aumen-

to pelo fato de que muitas pessoas, nos últimos séculos, sempre sentiram imenso desconforto ao ver que estavam ignorando o sofrimento e a morte dos outros animais. Essa percepção da hipocrisia moral, que existia antes em muitas pessoas, sem que existissem as condições objetivas para uma virada, agora pode ser expressa e levada adiante, porque o trabalho dos veganos também levou à criação de condições objetivas para que mais pessoas possam tornar-se veganas sem medo de perder a saúde, o lazer, as amizades. Antes, até à década de 1990, no nosso país, havia condições subjetivas para ser vegano, em muitas pessoas. As primeiras pessoas veganas no Brasil são a prova disso. Mas quando nos tornamos veganas, não tínhamos condições objetivas para isso, porque não havia, por exemplo, um restaurante que servisse comida vegana, e não havia produtos de higiene, cosmética e moda veganos. Tudo o que hoje já está aí, embora ainda em quantidade e diversidade insuficientes para o público. Então, se queremos mudanças morais, precisamos levar em conta que somos seres morais. Quando queremos que alguma mudança seja feita, também é preciso pensar de que modo a pessoa que toma a decisão pela pode manter-se firme no mundo. Os veganos estão batalhando pela existência plena, para si e para os animais. Para isso, precisamos viver com saúde e liberdade de expressão, algo que os veganos lutam para que seja garantido. Não ficamos esperando que o governo, o papai, o chefe, o colega, o marido, o filho nos dessem as condições objetivas para nos tornarmos veganas. Nós as criamos e seguiremos mantendo-as e aperfeiçoando-as sempre mais.Isso estimula outras pessoas.

Esta edição da série Cadernos Especiais foi produzida como trabalho de conclusão de semestre na disciplina Jornalismo Especializado, do 7º período da Faculdade de Jornalismo. Responsável: Prof. Dr. Carlos A. Zanotti (MTb - 12.463). Dir. da Faculdade: Prof. Ms. Lindolfo Alexandre de Souza. Integrantes da equipe de produção: Ana Beatriz Martini, Caroline França, Débora Lopes, Maria Clara Lourençon, Mariana Dandara e Vitor Domingues.

Pontifícia Universidade Católica de Campinas, junho de 2016


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Indústria tem até hambúrguer e feijoada vegana Fotos: Mariana Dandara

CAROLINE FRANÇA

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queles que ainda acham que pessoas veganas tem uma uma alimentação reduzida apenas com soja ou saladas, estão enganados. A indústria vegana atualmente produz alimentos que antes eram feitos todos a base de carne, derivados ou produtos de origem animal. Por exemplo, hambúrguer vegano e até feijoada. Além disso, é possível encontrar queijo, salsicha ou patês pelo mercado. Para a produção desses produtos, a carne é substituída por legumes em geral, grãos como soja, amendoim, castanhas e feijões. A administradora de empresas, Nayara Assunção de 27 anos, é vegana há mais de um ano e diz que no começo sentia falta de comer o que gostava, mas hoje a indústria oferece a ela o que ela procura ou ela mesma produz em casa. “Sentia falta de tudo, gostava de chantilly e agora sei fazer com aquafaba” (água que sobra do cozimento do grão de bico, que pode ser utilizada para formar uma espuma) “Gosto também da linguiça da Goshen, já que não arrisco fazer em casa porque nunca presta” afirma Nayara. A administradora conta que teve que aprender a cozinhar por falta de opções “No começo, procurava para comprar quase tudo e como não achava, eu tive que começar a fazer”, e completa “Hoje eu compro algumas coisas que são melhores do que as feitas em casa”. Nayara diz que os amigos são bem receptivos quando ela oferece algum dos alimentos para que eles experimentem “Eu não insisto, eles até experimentam por conta própria, sem pressão”, ela ainda conta que “muitas vezes os amigos aceitam melhor do que os familiares”. Assim como Nayara, o bancário Israel Barros, de 31 anos, teve que se virar na cozinha “Eu faço tudo em casa. Hambúrgueres, queijos e patês veganos”. Israel mora em Bebedouro, cidade com 80 mil ha-

Bolo de chocolate com cobertura de chocolate e paçoca: cacau substitui o chocolate ao leite bitantes, relativamente pequena em comparação à Campinas. Ele diz que ainda assim, consegue encontrar variedade nas marcas e produtos que procura “Acho tudo, as únicas coisas que preciso sair daqui para comprar são requeisoy, queijo superbom e glutadela” conta Israel. Em Campinas, a Rotisseria VegVida existe há quatro anos e tem a produção artesanal de produtos veganos com receitas próprias. Renata Octaviani e a sócia Mariah Burnier produzem opções até de sorvetes veganos, já que em Campinas, apenas um estabelecimento vendia até o momento. São utilizados grãos como base da receita e segundo Renata, seria um destaque entre outros tipos de sorvete “Nosso sorvete é a base de castanha, de amendoim. Um sorvete mesmo, cremoso e pesado” conta. Por questão de preço e para oferecer mais opções, Renata conta que alguns itens são melhores para a revenda, como embutidos (salsicha, mortadela, linguiça).

Quibe de forno vegano atua como opção com legumes no lugar da carne


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Veganismo não é disciplina em cursos de nutrição Escamoteado pelas faculdades, nutricionistas recorrem a livros e artigos para conhecer o assunto

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Eu como nutricionista e vegana, precisava saber mais do assunto- Ana Ceregatti

Quando estudei nutrição foi abordado o tema penas uma vez - Priscila Menezello

Foto: Divulgação

O aluno pode sugerir que o tema seja reforçado -

Mara Ligia

Foto: Arquivo pessoal

trabalhados de forma que o aluno possa perceber que existe maior probabilidade de ter anemia megaloblástica, necessitando de uma orientação cuidadosa no planejamento alimentar, visando à adequação nutricional da dieta vegana, incluindo suplementação específica e por fim, a Nutrição e dietética, disciplina que os alunos promovem seminários sobre as dietas não convencionais, como é a dieta vegana. O assunto é escamoteado dentro das universidades, a diretora do curso de nutrição da Puc-Campinas professora Mara Ligia Biazotto Bachelli, conta que o assunto é tratado em semanas especiais e que o aprofundamento nesse tema precisa vir do aluno. “Nós temos o assunto tratado em quatro disciplinas nos diferentes semestres, se o aluno questiona qualquer assunto, inclusive o veganismo, ele pode sugerir que o tema seja reforçado em nossa semana de estudos ou nas palestras mensais. Uma vez que nossa formação é generalista o aluno vê durante os quatro anos da faculdade diversos assuntos, mas ele é orientado a manter uma formação continuada, buscando se aprofundar em temas de interesse na sua área de trabalho em cursos de extensão e especialização. ” Alguns alunos sentem falta de uma disciplina voltado ao veganismo, como é o caso do Fábio Andrietta, estudante do 7º semestre de nutrição na Puc- Campinas. Ele conta que virou vegano por amor aos animais e não concorda com a abordagem do curso sobre o veganismo. “Meu pai sempre teve uma clínica veterinária, cresci em volta dos animais, sou vegano por causa deles. Mas reconheço da importância do veganismo para a alimentação do ser humano, como estudante de nutrição, sinto que a faculdade menospreza o tema, não trata o assunto com a importância necessária.” Finaliza.

Foto: Divulgação

s faculdades de nutrição pelo país rejeitam o veganismo como matéria nas grades curriculares. No Brasil, nenhuma universidade tem ao menos um semestre de alguma disciplina dedicado ao veganismo, obrigando os profissionais da área a adquirir o conhecimento através de livros e artigos. Como é o caso da Nutricionista Priscila Menezello, que atende na cidade de Campinas. Devido a essa falta de capacitação das universidades sobre o veganismo, ela precisou estudar em um curso fora do país, conciliando estudos por conta própria sobre o assunto, visto que não existe nenhuma pósgraduação ou especialização sobre o tema no Brasil. “Quando estudei nutrição foi abordado o tema de veganismo apenas uma vez e de maneira muito superficial. Meus conhecimentos na área se devem ao fato de que minha família tem restaurante vegetariano há mais de 30 anos, portanto cresci neste ambiente. Também estudei em uma clínica nos Estados Unidos, chamada Wildwood Lifestyle Center, que trata seus pacientes por meio de medicina natural, dentre eles a dieta vegana. Fiz o curso de 6 meses- “Health Missionary Trainning” onde aprendi mais sobre o veganismo. Fora isso sempre procuro artigos, livros e outros meios de informação sobre o assunto. “ Seguindo uma linha parecida através dos estudos, a nutricionista Ana Ceregatti, que tem consultórios em São Paulo e Campinas, e mais de 90% dos seus pacientes vão ao seu consultório em busca da nutrição vegana e vegetariana. Formada em 1990 pela Universidade São Camilo, a partir de 2004 se tornou vegetariana e por compaixão aos animais, em 2006 adotou o veganismo como estilo de vida. Em 2008, começou a atender focada

no veganismo, mas para isso, ela precisou estudar o assunto de forma autônoma. “Eu como nutricionista e vegana, precisava saber mais do assunto que o superficial. Foi ai que comecei a ler muito sobre o assunto, principalmente livros e artigos de fora, onde o veganismo é mais disseminado. A partir disso, fui pesquisando e estudando mais a fundo. Hoje, fora a clinica, também dou aulas pontuais em faculdades sobre o veganismo.” relata a nutricionista Ana. Essa dificuldade está presente em todos os cursos de nutrição do país. Em sua última atualização, feita em novembro de 2001, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) não é específico em nenhum momento quanto ao veganismo em sua diretriz curricular. Pelo contrário, as informações são vagas e limitadas, faltando aprofundamento no tema. Nenhuma dieta está especificada, o que dá margem para interpretações subjetivas. “avaliar, diagnosticar e acompanhar o estado nutricional; planejar, prescrever, analisar, supervisionar e avaliar dietas e suplementos dietéticos para indivíduos sadios e enfermos.” Os cursos de nutrição não têm aulas somente sobre o tema, o que existe é o veganismo estar inserido em uma ou outra matéria, como é o caso da graduação da Puc-Campinas, que em quatro aulas o conteúdo é citado. São as disciplinas de: Técnica Dietética, os alunos precisam desenvolver e/ou adaptar uma receita direcionada para o vegano, justificar com embasamento científico os ingredientes utilizados e a técnica dietética aplicada, além de desenvolver na prática a receita com avaliação sensorial, sendo considerado como prova prática; Patologia da Nutrição e Avaliação Nutricional, o tema é abordado quando o assunto é anemias nutricionais, os casos de pacientes veganos são

Foto: Divulgação

VITOR DOMINGUES

Como estudante, sinto que a faculdade menospreza o tema Fábio Andrietta


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Cresce certificação de alimentos veganos no país Apesar da não obrigatoriedade, cerca de 115 alimentos já circulam com certificação no mercado Foto: Débora Lopes

DÉBORA LOPES

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nica responsável pela certificação de alimentos que não contêm ingredientes de origem animal no país, a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) concedeu seu selo de aprovação para cerca de 15 empresas do ramo nos últimos dois anos. Apesar de pequeno, o número é positivo: até 2014 nenhuma companhia apresentara interesse pelo selo. “É um bom resultado. Tentamos implementa-lo antes, mas o mercado brasileiro não absorveu a ideia, que já era aplicada em países estrangeiros”, conta Carol Morua, gerente de Certificação da SVB. No exterior, a ideia nasceu para identificar alimentos industrializados que não possuíam ingredientes de origem animal, como ovos e leite – alimentos não consumidos por veganos. Quando começou a ser implementado no Brasil, o Selo Vegano, como é conhecida a certificação concedida pela SVB, passou a acompanhar uma mudança de comportamento da população brasileira. Prova disso, de acordo com Carol, é que o termo “veganismo” tem sido pesquisado com mais frequência nas ferramentas de buscas da internet, como o Google. “A procura por essa palavra cresceu cerca de 700% de 2012 até agora. É a prova que a população tem se interessado, o que estimula a indústria”. Um exemplo é a fabricante de enlatados veganos Superbom. A empresa, sediada na capital paulista integra o time das 15 companhias que investiram na certificação da SVB. No total, todas elas disponibilizam 115 produtos certificados no mercado. Desse número, 16 alimentos são da Superbom - a que mais certificou entre a cartela de clientes da SVB. Esse conjunto, formado por alimentos que variam de patê e cevada até queijo, hambúrgueres, sal-

Produto vegano já certificado pela Sociedade Vegetariana Brasileira sichas e almondegas veganas, é distribuído em todo o território nacional, atingindo muitos consumidores. Segundo a coordenadora de Redes Sociais e Mídia da companhia, Hélida Pires, a principal motivação para aderir ao Selo Vegano partiu do conceito de facilidade. “O selo permite que os clientes identifiquem facilmente quais alimentos correspondem ao seu estilo de vida”, comenta. Com o resultado positivo, Hélida reafirma a vontade da Superbom de certificar outros produtos embutidos, mas que nada é tão simples assim. O trabalho realizado pela SVB é pago, apesar de a Sociedade ser uma organização sem fins lucrativos. O PROCESSO Carol Morua, da SVB, lembra que todo o processo de certificação demanda tempo e gastos. “Temos uma equipe de voluntários para a realização do trabalho, que exige equipamentos e gastos com deslocamentos e telefonemas”, afirma a coordenadora. Dividido em etapas, o trabalho começa com a manifestação de interesse da empresa alimentícia. Ela precisa, obrigatoriamente, preencher um formulário com seus dados e informa-

ções do produto que receberá o selo vegano. Feito isso, passa-se para a etapa de análise dos ingredientes do produto indicado. É nessa etapa, por exemplo, que os engenheiros químicos da SVB identificam insumo por insumo para destacar os que podem ser de origem animal. A partir daí, a equipe entra em contato com os fornecedores dos ingredientes para entender de onde vieram e como foram fabricados, garantindo, assim, que os de origem animal sejam retirados da receita. Um exemplo típico, segundo a SVB, é o soro de leite, subproduto da fabricação de queijo e iogurte. “A maioria dos alimentos possuem o soro apenas para o aumento de gordura, mas a verdade é que o soro pode ser substituído”, explica Carol. Ao final, a SVB faz sugestões de ingredientes veganos que possam substituir os de origem animal e, após a realização dos testes, o produto é colocado à venda com o Selo Vegano. Nesse período, que pode chegar a oito meses, algumas fabricantes são obrigadas a trocar de fornecedor ou mesmo desenvolver uma nova receita. De acordo com Carol, esses são os principais fa-

tores para a demora do processo, que exige um investimento mínimo de R$ 100,00. “Existe um custo inicial para a análise de 10 produtos. Daí em diante, o custo adicional varia de acordo com diversos fatores, como o número de ingredientes dos alimentos que precisaremos substituir, por exemplo”, conta. Mesmo com a possibilidade de ter que esperar um bom tempo para conseguir a certificação, recorrer ao Selo Vegano pode ser uma saída para as fabricantes que querem garantir a procedência de seus alimentos veganos. No Brasil, somente a instituição realiza esse tipo de trabalho. OBRIGATORIEDADE Uma das razões para a falta de certificação é a falta de leis que obriguem a indústria de alimentos a avisar o consumidor da procedência dos ingredientes, segundo Carol. “Existe a certificação para cosméticos veganos, garantindo que o produto não foi testado em animais, mas somos os únicos a certificar no que tange à alimentação”. Ela lembra que existem projetos de lei em andamento que sugerem ações desse tipo, mas que acabam ficando estagnados no legislativo brasileiro na me-

dida em que outras demandas surgem pelo caminho. Esse é o caso de um projeto de lei criado por Ricardo Izar, deputado Federal eleito pelo Estado de São Paulo. Parado na Comissão e Constituição de Justiça (CCJ) desde 2013, o projeto propõe que a indústria alimentícia informe ao consumidor, por meio do rótulo, se há ou não ingredientes de origem animal. “O fabricante não seria obrigado a informar quais ingredientes de origem animal o produto contém, mas avisar o consumidor de que eles estão ali por meio da seguinte frase: ‘possui ingredientes de origem animal’”, explica Paula Bastos, assessora de comunicação do deputado. “A sentença ficaria juntamente com as informações nutricionais do produto”, complementa. Se implantada, a lei não exigiria investimentos por parte do fabricante, já que se trata apenas da incorporação de uma frase no rótulo que já seria produzido de qualquer maneira, de acordo com Paula. Caso aprovada, a proposta de Izar pode beneficiar pessoas como o estudante do terceiro ano de jornalismo Felipe Bratfisch. Hoje com 23 anos, ele escolheu ser vegetariano aos 12 e há cerca de sete aderiu à filosofia vegana. Desde aquela época, Bratfisch dedica mais tempo às suas compras no supermercado. “É complicado porque precisamos ler ingrediente por ingrediente das embalagens dos alimentos. Para mim, virou um hábito”, diz. Para ele, o fato de 115 produtos possuírem o Selo Vegano facilita não só a sua vida, como a vida daqueles que estão iniciando no veganismo. “A vantagem está na praticidade e na confiabilidade, já que é difícil saber a procedência dos materiais utilizamos na produção do que consumimos”, diz. “Também ajuda as pessoas que estão aderindo, facilitando o acesso à informação”.


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Alimentação vegana desde a infância

Como é a adaptação das crianças que desde pequenos já são inseridos no estilo de vida vegana Foto: Virginia Moras

BEATRIZ MATHEUS

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or que algumas pessoas não comem carne? Foi o que perguntou a pequena Naomi com apenas três anos de idade, aos pais. Cynthia Himiko Funada Nakamura, médica intensiva, 39 anos e Gildo Rioji Nakamura, designer de produtos, 42 anos explicaram que se tratava de uma escolha pessoal, e que a prática era chamada de vegetarianismo. Foi o primeiro contato que a família teve com o regime alimentar, baseado na exclusão de todos os tipos de carne, mas não o último. O questionamento despertou nos pais a vontade de conhecer mais sobre o estilo de vida vegana. Após pesquisas, todos na casa estavam adeptos da prática. Em seguida, veio a alimentação ovolactovegetariana. Pelo Facebook, Cynthia entrou em contato com grupos de pessoas veganas, e gradualmente, a família passou a selecionar ainda mais seus alimentos. Hoje, todos são veganos, até mesmo a filha mais nova, Ayumi, de dois anos de idade. “Animais são seres vivos como nós, sentem dor, medo, tristeza. Não queremos que os matem para virarem comida, nem roupas, nem acessórios. Não queremos que passem por sofrimento para testarem produtos, para retirarem leite ou ovos”, diz Cynthia. A convivência com os avós, tios, primos e demais membros da família é tranquila. Eles respeitam a opção de Cynthia e seus filhos, e cada vez mais tem feito opções de pratos veganos nos eventos familiares. Mas nem sempre o veganismo é bem recebido pelos familiares. É o caso da família da empresária Virgínia Moraes, 28 anos, que já teve vários desentendimentos com seu pai e familiares pelo fato de Felipe, seu filho de dois anos, também ter uma alimentação vegana. “Meu pai se incomoda muito ¬com o Felipe ser vegano. Ele sempre dá a desculpa de que nós estamos colocando a saúde dele em

Felipe, filho de Virginia, comendo couve, feijão, batata, cenoura e brocoles já estavam com uma deficiência severa desses nutrientes”, conta. Quanto ao filho mais novo, João, de 28 dias, usará o complemento AD-Til, comumente receitaVITAMINAS Uma das grandes preo- do para crianças, indepencupações quando se trata dente da dieta. de veganismo é com os nuA ESCOLA trientes. A vitamina B12, Em países europeus, e por exemplo, é encontrada apenas em produtos de ori- até nos Estados Unidos, já gem animal, como peixes, é possível encontrar escocarnes, ovos, queijo e leite, las que ofereçam alimentaa baixa ingestão dessa vi- ção 100% vegana. A Muse tamina traz a dúvida sobre School, em Calabasas, na a necessidade ou não do Califórnia, por exemplo, além de só oferecer refeicomplemento nutricional. “Os pediatras recomen- ções veganas, possui uma dam que qualquer bebê, área onde frutas e vegetais seja vegano ou não, suple- são plantados e colhidos mente vitamina D e ferro. pelos próprios estudantes. O Brasil está na sexta Além delas, damos vitamina B12 desde os seis me- posição dos países que mais ses de vida para o Felipe”, consomem carne no mundo. De acordo com o relatóexplica Virgínia. Os filhos adotivos da en- rio “Perspectivas Agrícolas fermeira Denise Cheavegat- 2015/2024”, desenvolvido ti e do pintor automotivo pela Organização para a Francisco de Assis Rodri- Cooperação e o Desenvolvigues, Kevin e Ian de sete e mento Econômico (OCDE), três anos de idade, também em parceria com a Orgatomam suplemento, mas nização das Nações Uninão por conta da dieta ve- das para a Alimentação e gana. “Eles tomam vitami- a Agricultura (FAO), a cada na B12 e, em breve, iremos ano, o brasileiro consome iniciar vitamina D, por que 78 quilos de carne. Diante desde que saíram do abrigo da dominante cultura de risco”, conta. Virgínia conta também que a única doença o Felipe teve foi um pequeno resfriado.

consumo de carne, ainda é difícil encontrar instituições de ensino que adotem a prática. Os filhos de Cynthia e Denise frequentam escolas com cardápios vegetarianos e ovolactovegetarianos. Já o filho da publicitária Graciana Rizzo, Rafael, de quatro anos de idade, não. “A escola do meu filho não é adepta do veganismo, mas estimula hábitos saudáveis”, afirma. OS AMIGOS Além da escola, é comum que crianças frequentem outros ambientes onde se deparem com bolos, doces, salgadinhos, alimentos que não estão de acordo com a dieta vegana. Nessas situações, e principalmente quando esses alimentos são oferecidos às crianças, o mais comum é que os pais perguntem quais são os ingredientes e, em seguida, neguem o consumo. “É perfeitamente possível comer de tudo sem ingerir crueldade, e o Rafael é muito consciente disso. Quando vê algum amigo comendo presunto, por exemplo, vai logo dizendo

que não come porque aquilo é ‘um bichinho que sofreu muito para estar ali’”, conta Graciana. Já Denise afirma que, mesmo procurando alimentar Kevin e Ian antes de ir às festas e levando lanches e doces para que possam se alimentar durante as comemorações, o filho mais novo, Ian, ainda não resiste a algumas guloseimas. “O mais velho entende perfeitamente. O mais novo, não. Pede bolo e acabamos explicando que faz mal, para que ele não coma”, diz. Cynthia já passou pela mesma situação com as filhas, Naomi e Ayumi. Ela conta que, durante festas, as duas já sentiram vontade de comer docinhos e bolo. “Nunca as proibimos de comer algo. Sempre foi mais uma questão de conscientização. Então, no começo, quando isso acontecia, cedemos algumas vezes, com elas conscientes das escolhas. Hoje, elas já pararam de pedir”. O PEDIATRA Graciana e Cynthia afirma Graciana e Cynthia afirmaram não ter tido dificuldade para encontrar um pediatra que entendesse a dieta vegana e fosse alinhado com suas visões. Denise, por outro lado, conta que já levou os filhos a uma pediatra que não conhecia direito o veganismo. “Ela disse que eu estava errada, que eles tinham que comer carne”, diz. A pediatra atual dos filhos, que também é nutróloga, e aceita bem o veganismo. Virgínia também passou por uma situação parecida com Felipe, mas como consideravam a pediatra uma boa profissional, preferiram evitar conflitos e, após algum tempo de consultas, passaram mentir e a afirmar que o filho estava ingerindo carne. “Ela elogiava ele em todas as nossas idas ao consultório. Falava que ele estava crescendo e ganhando peso normal, e que era super saudável”, conta. Os pais decidiram não contar a atual pediatra do filho sobre o veganismo para evitar desentendimentos.


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Dieta vegana precisa de acompanhamento Deficiência nutricional é comum em quem não faz acompanhamento de acordo com nutricionista

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transição da alimentação vegetariana a vegana deve ser supervisionada por um especialista da área, no caso um profissional da nutrição. Segundo a nutricionista vegana, Cristiana Nogueira, 28, são poucas as pessoas que procuram orientação. “Na transição da dieta, muitos não procuram algum profissional da área e sofrem de algumas deficiências nutricionais que acarretam no ganho ou perda de peso”, afirma. Essa alimentação deve ser supervisionada porque quando a pessoa se torna vegana, na dieta deve conter opções em que a vitamina B12 seja absorvida, já que ela só é encontrada em quantidades suficientes em alimentos de origem animal. A sua deficiência causa sérios prejuízos como desordens mentais e cognitivas, diz nutricionista especializada em veganismo. Em muitos casos a suplementação é receitada aos pacientes para que a vitamina B12 seja ingerida e permaneça no organismo. Além dos suplementos, alguns alimentos devem ser evitados ou preparados de outra maneira para que ajudem na ingestão de outras proteínas. Segundo Cristiane, algumas leguminosas, como feijão e ervilha devem ser sempre deixadas de molho na geladeira por 12 horas antes de cozinhar para que os fitatos que atrapalham a absorção sejam anulados. Não existe uma substituição da carne. A especialista afirma que muitas pessoas recorrem à carne de soja para substituir a carne animal, o que é um equívoco. “A soja tem muitos compostos antinutricionais e proteínas texturizadas. É muito inflamatória para o organismo e como consequência, ocorre ganho de peso, acne e distensão abdominal. Outro fator é que mais de 90% da nossa soja é transgênica”. Não há necessidade de uma substituição, mas de uma alimentação vegana

completa de micronutrientes (proteínas, carboidratos e lipídeos) e macro nutrientes em quantidades e proporções adequadas para cada pessoa, por isso a supervisão nutricional é extremamente importante, afirma nutricionista. Na transição das dietas o acompanhamento deve ser mensal e depois de acordo com cada cardápio, a visita pode ser com intervalos maiores. Cristina afirma que as faculdades não trazem instrução sobre dietas veganas o que acarreta no erro de muitos profissionais. “Existem poucos profissionais habilitados, uma vez que as maiorias dos nutricionistas são contra o veganismo e não estudam sobre o tema. Atendo muitos Amanda Rezek, chefe de cozinha vegano em Campinas pacientes que já passaram por vários nutricionistas e eles falaram que não era possível a pessoa ser vegetariana ou vegana e deveria voltar a comer carne, um grande erro” comenta. O Conselho de Nutrição (CRN 3) que reúne profissionais dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, um dos principais do país, admitiu, por meio de comunicado digital a seus afiliados (newsletter), que todos os tipos de dietas vegetarianas, incluindo a dieta vegetariana estrita, utilizada por veganos e que exclui todos os produtos e ingredientes de origem animal, são viáveis sob o ponto de vista nutricional. Segundo o comunicado a dieta vegetariana estrita (vegana) não apresenta fontes nutricionais de vitamina Joyce Fogassi, faz acompanhamento nutricional B12, que deve ser fornecida por meio de alimentos fortificados ou suplementos. Os elementos que exigem maior atenção na alimentação do ovolactovegetariano são: ferro, zinco e ômega-3. Na dieta vegana deve haver atenção, além de vitamina B12, para cálcio e proteína. A esteticista Joyce Fogassi, 34, vegana há oito meses faz acompanhamento nutricional de dois em dois meses. “Queria manter meu desempenho no esporte, já que pratico boxe e muay thai e preciso manter meu corpo bem nutrido Nutricionista, Cristiane Nogueira no consultorio Fotos: Maria Clara

CLARA LOURENÇON

e com pouco percentual de gordura”, afirma. Quando era vegetariana passou por vários nutricionistas que disseram que a dieta sem carne não era possível. Ao encontrar uma nutricionista vegana, a dieta começou a funcionar. “Com uma dieta bem rica em proteínas e flexível pude manter todas as minhas atividades diárias, como o esporte. Faço exames de sangue duas vezes por ano, que mostram os níveis normais do meu organismo” conta a esteticista. Antes do acompanhamento, quando era ainda vegetariana, Joyce ganhou alguns quilos. “Como não tinha uma supervisão profissional passei a comer muito queijo e muitos alimentos com farinha o que acarretou no acumulo de gordura corporal” afirma. Ler rótulos e embalagens é cotidiano na vida de um vegano. Amanda Rezek, 23, já faz parte desta dieta há seis anos e não faz acompanhamento nutricional. “Eu acordei e disse que seria vegana, foi muito natural para mim então não procurei acompanhamento nutricional. Por ter experiência na cozinha não tive dificuldades com a alimentação, sempre surgia coisa nova no meu prato” conta. “Assim que entrei na dieta vegana fiz exame de sangue para conferir as taxas de B12, ferro e proteínas. Mas creio que todas as pessoas que são adeptas a todo tipo de dieta devam fazer esse tipo de exame uma vez ao ano” diz a chefe de cozinha de um restaurante vegano em Campinas. A nutricionista Cristiane tem pós-graduação em nutrição clínica, funcional e oncológica. “Trabalhei dois anos em hospital de oncologia e o consumo excessivo de carne vermelho e embutido está totalmente ligada à prevalência de câncer de intestino” afirma. Por isso todo tipo de dieta deve ser acompanhado por um especialista em nutrição, principalmente a vegana em que as opções de cardápios devem ser bem amplas e variadas, afirma.


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