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Belo Horizonte, Outubro de 2014
Música
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Eles estão
Grandes astros da música nacional e internacional fotos : mariana gualberto
Mariana Gualberto Eu vi Elvis. Sim, no ano passado, eu vi o rei do rock no palco. Mais ainda: vi o espetáculo Elvis Presley in Concert, a maior turnê já realizada com um artista que – ao menos, “aparentemente” – não permanece entre nós. Era outubro de 2013, uma noite movimentada no entorno do Mineirinho, em Belo Horizonte. Filas e mais filas de carros estacionados me fizeram andar muito, depois de encontrar uma vaga bem distante do portão de entrada. Uma legião de fãs, composta, em sua maioria, por pessoas mais velhas, ia aos poucos preenchendo as cadeiras do ginásio. Havia uma parcela de jovens, acompanhados daqueles que pareciam ser seus pais e avós. Havia, também, os jovens acompanhados de jovens. Em meio a camisas estampadas com o rosto de Elvis e pessoas perfeitamente fantasiadas como o próprio, o público foi ganhando identidade. Com parte do local já ocupado, as luzes se apagaram. Era a hora de o espetáculo começar. Em meio a telões de LED gigantescos, a imagem do mito surgia, projetada como mágica, numa apresentação em perfeita sincronia com os inúmeros músicos no
palco. Não se trata, contudo, de quaisquer músicos; muitos deles acompanharam Elvis em vida, o que aumentou a sensação de deslumbramento da plateia, que sabia de tal detalhe. Aquilo me encantou. Emanava história daquele palco. História, por sua vez, que refletia diretamente no brilho dos meus olhos e de toda a plateia, que permanecia atenta a cada movimento. Naquela noite, ouvi clássicos como Love me tender e Always on my mind e vi o que nunca havia imaginado ser possível: Elvis, ainda que num telão, numa projeção, em plena ação. Era a tecnologia me presenteando com o deleite de assistir a um show do rei do rock 36 anos após sua morte. Holografia e música Michael Jackson e Tupac não morreram? Cazuza e Renato Russo foram vistos em 2013, em solo tupiniquim! Seria a volta dos que nunca foram? Muito vivos no imaginário popular, grandes nomes da música conseguiram a façanha de se “reapresentar” para os fãs anos após suas mortes. Tudo graças a outro nome que também já não está mais entre nós, o húngaro Dennis Gabor, prêmio Nobel de Física em 1971, responsável
pela invenção e pelo aprimoramento da holografia. O recurso é uma espécie de projeção aperfeiçoada, que propicia, ao espectador, imagens mais reais, devido à sensação de profundidade oferecida pela técnica. Desde 2012, quando Tupac, já mor-
Elvis ressurge no palco do Mineirinho
to, apareceu ao lado de Snoop Dog, por meio da holografia, em um show do rapper no Festival Coachella, a técnica tem ganhado espaço no cenário musical. Em 2014, foi a vez de outro astro internacional “dar as caras”: Michael Jackson apareceu no Billboard Music
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BELo HorIzontE, outuBro dE 2014
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entre nós!
retornam aos palcos graças à técnica da holografia Awards e surpreendeu a todos. A técnica da holografia, que não encanta apenas os gringos, ganha força também em solo brasileiro. Em 2013, dois grandes nomes da nossa música ressurgiram no palco. Cazuza esteve no show em homenagem aos 50 anos que completaria caso estivesse vivo; já Renato Russo apareceu, em forma de holograma, na música “Há tempos”, durante o especial “Renato Russo Sinfônico”, do canal Multishow. Omar Marzagão, produtor e diretor da Se7e Ar7es Produções, que idealizou a homenagem a Cazuza, comenta a preocupação e o respeito que envolveu a produção do espetáculo. “Fizemos algo que representasse o Cazuza, queríamos mostrar suas etapas criativas. Procuramos montar a banda com parceiros dele, representando sua carreira”, comenta. O produtor, que decidiu trazer a técnica da holografia para o Brasil – após, numa viagem a Londres, ter conhecido a empresa responsável pelo holograma de Tupac – aponta as vantagens da tecnologia: “É uma experiência sensorial, um passo muito bacana para relembrar o artista. Ninguém o está ressuscitando. Estamos apenas mostrando como era um show dele”.
UniBH, enxerga pontos positivos na prática. “Trata-se de tecnologia com recursos muito interessantes, mas todos sabem que a holografia apresentada é uma imagem e nada mais. Cabe aos atuais detentores dos direitos autorais, como é o caso do filho de Renato Russo, resolver dar esta destinação ao acervo sob sua guarda”, pontuou. Para Soraia Carellos, professora de Psicologia da PUC Minas, a prática da holografia relacionada a músicos já fale-
cidos reflete, em certa medida, a relação do homem com a morte. “Vivemos num mundo, principalmente no Ocidente, em que esquecemos o tempo todo sobre a questão da morte. A gente fala que querer é poder, mas isso é mentira. Não sei se seria dificuldade em lidar com a morte, mas tem algo que remete a essa relação. Temos tido dificuldade de lidar com o fim, em face da longevidade, das questões sociais e econômicas alcançadas”, comenta.
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Questão de ética Um ponto que merece destaque com relação ao tema é a questão ética. Há quem se pergunte se é moralmente correto trazer ao palco artistas que já morreram. Luiz Magalhães, mestre em Filosofia pela UFMG e professor do Toquinho prevê um encontro consigo mesmo, por meio da holografia
Os vivos também podem A tecnologia holográfica também caiu nas graças de artistas vivos. O músico Toquinho completa 50 anos de carreira em 2014 e pretende comemorar de forma bem moderna. Realizará um encontro com sua imagem mais jovem no palco, numa interação cheia de história. O projeto foi idealizado pela Se7e Ar7es Produções, a empresa responsável pela holografia de Cazuza em 2013. Toquinho acredita que “o encontro consigo mesmo” será uma experiência divertida. “Talvez eu me sinta um Dorian Gray ao avesso, como se o retrato fosse eu, e o holograma, o Toquinho de hoje. Será, no mínimo, estimulador! Achei também muito sugestiva a expressão “Arte do encontro” para título do
espetáculo. Gosto dessa ideia lúdica de brincar com o tempo e comparar os retratos de cada época”, brinca. Quanto à origem da ideia de usar holografias, o músico defendeu o uso da técnica, que alinha a tecnologia à arte, enquanto ponte entre o passado e o presente. “Temos de usar toda forma nova de tecnologia. Se a holografia nos permite isso, por que não usá-la? Transformar a ilusão numa realidade viva, ativar um passado e conviver com ele numa espécie de agradecimento a tudo que se construiu com garra e talento é uma forma de mostrar às novas gerações que o tempo pode ser recuperado sem angústias ou ressentimentos”, pontua. Sobre o uso do recurso para revi-
ver artistas já mortos, o músico também se mostra a favor e ressalta que o mecanismo é interessante para maior compreensão dos fatos. “Enquanto se puder conservar a arte, a cultura de um povo será cada vez mais viva. Reviver astros ou personagens de outra época é um recurso inteligente e ainda uma novidade que facilita a interpretação da história”, pondera. Em 2012, ao comemorar seus 70 anos, Gilberto Gil usou a técnica para interagir consigo mesmo no palco. A holografia durou pouco mais de cinco minutos e o dueto aconteceu durante a música “Lamento Sertanejo”, na apresentação para o “Festival Natura Musical”, em Belo Horizonte.