"A informação superficial é uma fraude!" - Entrevista com Nilson Lage

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Belo Horizonte, ABRIL DE 2015

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“A informação superficial é uma fraude!” Repórteres do IMPRESSÃO conversam com professor e pesquisador Nilson Lage fotos: wilson albino

Muito se fala sobre os rumos do jornalismo e seus profissionais. Dentre as questões mais abordadas estão a saturação do mercado de trabalho, o tempo necessário para formação de um bom profissional, a violência, os baixos salários e a necessidade de se manter incorruptível. Por fim, a hierarquia existente nas redações. Estes e outros assuntos são discutidos pelo professor Nilson Lage em entrevista exclusiva ao IMPRESSÃO. Professor titular das universidades federais de Santa Catarina e do Rio de Janeiro, Doutor em Linguística, Mestre em Comunicação e Bacharel em Letras, Lage possui meio século de experiência no jornalismo. É conhecido nacionalmente no meio acadêmico por seus estudos, apresentados, por exemplo, no livro A Estrutura da Notícia, considerado indispensável aos iniciantes do curso de jornalismo. Na conversa, Nilson Lage falou das novas exigências do mercado e da necessidade de uma formação contínua por meio da leitura. O professor discutiu também a superexposição do corrupto e a proteção exagerada ao corruptor, na sociedade brasileira.

Alex Moura Mariana Gualberto Wilson Albino

experiências. É com base nessas experiências que o acadêmico seleciona as informações que recebe.

Impressão: O senhor acha que o jornalismo ensinado na academia hoje está atualizado?

O que impede que os jovens adquiram experiência?

É uma resposta difícil, pois há uma grande incerteza sobre a profissão do jornalista. Vivemos num momento de transições tecnológicas e políticas. É complicado imaginar uma formação tão abrangente. O profissional formado atende às necessidades da profissão?

Formar para que tipo de mercado? Comercial? Definido? Ou a formação será para atender as necessidades de uma empresa? Olha o jornalismo de nicho, por exemplo, imagina um jornalista que aborde skate. Conseguir fazer a vida em cima disso. Será que o jornalista “imaginário” é possível existir nesse contexto? A formação não é homogênea?

Tenho uma visão sobre o assunto que não é da maioria, por isso, muito combatida. Acredito que a função básica da universidade é transmitir ao sujeito as técnicas e os princípios éticos da profissão. Acredito também que a formação politica e cultural tem de ser vivida. O sujeito que sai da faculdade depois de quatro anos não se torna uma pessoa sábia. Ele dominará palavras, não conceitos.

A superproteção da infância e juventude; o sujeito cresce sem vivência nenhuma. É terrível pegar alguém que está certinho e “jogar” um bando de informação na cabeça dele. O estudante não tem como dimensionar. Talvez tente resolver tudo de imediato, ou torna-se radical, ou será conformista. Que atitude seria mais certa em relação ao jovem que ingressa no curso de jornalismo?

Deixar claro que o sujeito terá de aprender com a vida, ensinar os caminhos, mas, sem tentar limitar. Há um esforço para fazer a “cabeça dos meninos”, e isso é muito ruim. O jornalista, ao lidar com a internet, precisa produzir tudo muito rápido. O senhor considera que isso prejudica a formação crítica do profissional pelo fato de a informação ser superficial?

Penso que a informação superficial seja uma fraude. Pois, por mais rápida que ela seja, existem níveis de informação. Por exemplo, na informação primária é preciso cuidado, já que informação é o estabelecimento de relação entre dados.

Qual seria então a forma ideal de aprendizagem?

Por que certas informações são aceitas e outras não?

Não basta saber as coisas, é preciso vivenciá-las. Aprender por meio de

São muito variadas. O que as pessoas buscam é a articulação da infor-


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mação. Ocorre que existe uma articulação oficial que se constrói segundo os dados. Por isso, muitas vezes, umas são aceitas e outras rejeitadas. É uma deformação. É necessário consultar a lógica, e não o mercado modelo. Quando um jornal aceita uma determinada versão, acabou. Quando na verdade não é bem assim. Ano passado entrevistamos o Mino Carta, que disse: “cada vez mais o caminho do jornalismo vai ser apresentação do fato, porém com uma análise como sendo parte maior da notícia”, o senhor concorda?

Bom, primeiro que o fato é indiscutível. Por exemplo, o avião do Campos caiu. Esse é um fato. As razões ninguém sabe. Nesse caso, não temos o fato, temos os vazios. Em suma o fato em si não diz nada, pois se esgota rapidamente. O que geralmente se prolonga é a relação dos fatos entre si. Antes da Copa do Mundo a imprensa noticiou que o Brasil iria enfrentar o caos aéreo, problemas na infraestrutura, e que nada iria funcionar. Porém, o que se viu foi uma situação contrária: tudo funcionou, o que surpreendeu a todos. O senhor acha que a imprensa errou?

Não. Ela não errou. Ela queria é derrubar o governo mesmo. E vai querer sempre derrubar. A imprensa é um departamento publicitário que

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representa determinados interesses, e que está mobilizada para alcançar determinados resultados. Isso também vale para o texto de opinião?

Não. Quem o faz ou são pessoas que possuem um histórico constituído, ou pessoas que apresentam determinados grupos, por exemplo, um Veríssimo... Se a pessoa for brilhante, talvez até arrume um espaço, vai até publicar umas matérias, mas o texto de opinião é diferente. O senhor acredita que quando os manifestantes partiram para cima dos órgãos de Imprensa foi um choque de realidade? Será que houve uma visão da mídia como um partido opositor?

Olha aqui, primeiro falar em “os manifestantes” é muito diversificado. Tem muita gente com ideologias diferentes, que em um determinado momento se manifestaram simultaneamente. Há um grupo carreirista que ficou rico. Há grupos contra metrô, contra ciclovias, contra o barulho. Existem movimentos de todos os tipos. O que houve em junho foi uma articulação de vários movimentos. Eles tentaram e não se deram bem, não foi por causa do governo, não. É porque se trata de uma questão ideológica mesmo. As entrevistas dos presidenciáveis para o Jornal Nacional

têm uma postura mais firme e até agressiva por parte dos apresentadores. O senhor vê alguma relação com as manifestações?

Sim. Mas na medida em que a mídia é altamente conformista, ela precisa mostrar que não é. Precisa se exibir. É um tipo de jornalismo que considero abominável, por causa da agressão. Agredir, quando se está numa posição de força, é fácil. O Senhor considera que a corrupção seja o maior problema atualmente?

O problema mesmo é o corruptor. Os lobistas pegam o sujeito pelo ponto fraco. Se a pessoa que assumir cargos gostar de dinheiro, ou bebida ou for mulherengo, os corruptores têm muito e de tudo. Interessante ninguém ouvir falar de nenhum corruptor, só do corrupto. Eles estão sempre acima de qualquer suspeita. O senhor acredita que a mídia colaborou para que a Marina tivesse ascensão nas pesquisas eleitorais?

Sim. A Marina é uma fábula muito próxima da Gata Borralheira. Ela é um estereótipo cultural. Até aos 16 anos ela era analfabeta. Concluiu um curso de história, que eu duvido, tenha sido grande coisa... Ela saiu do borralho para o palácio. É uma pessoa fanatizada. Quanto ao ex-presidente Lula,

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o senhor considera o mesmo caso?

Não. Ele teve uma vivência diferente. Possui uma consistência muito grande, além de saber negociar. O Lula se construiu. O que o senhor tem a dizer a respeito da relação do jornalista com a fonte?

Até o momento que o jornalista e a fonte apenas trocam informação por informação, tudo bem. A partir do momento que se troca informação por outras coisas, tudo se complica. Não existe fonte isenta. As pessoas dizem aquilo que interessa a elas dizerem, e o que importa realmente é se é verdade ou não. O senhor acredita que as mídias como Twitter e Facebook contribuíram para maior politização das pessoas?

Claro que sim. Tenho uma contribuição diária em rede social. Posto comentários todos os dias, estou há 50 anos na profissão, e tenho na rede uns três mil seguidores. É possível ser um jornalista honesto?

Sim. Eu sempre digo aos alunos que não pretendam ficar ricos. Pretenda viver descentemente. Tenho 78 anos, duas aposentadorias, pois lecionei por mais de 50 anos. Tenho uma vida confortabilíssima, porque vivi a vida inteira decentemente. Não tento ser o bacana.


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