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Dossiê Empreendedorismo
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Pé no chão e s
Inovar com consciência: a importância das institui
Alex Moura Emelyn Dias Mariana Gualberto Criar um novo projeto, uma atividade autônoma, uma nova empresa ou a expansão de um negócio já existente. Isto é o “empreendedorismo”, segundo o último relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2013, que teve como objetivo analisar esta atividade no Brasil. O estudo mostra que pessoas entre 25 e 34 anos, com 21,9%, são as que mais criam empreendimentos. Outros fatores a serem observados são: a maior parte (50,9%) das pessoas que decidem iniciar algo não concluíram o ensino médio e a faixa de renda predominante, com 61,6%, é de menos de três salários mínimos. Para Valeria Ayres, consultora do Sebrae, o empreendedor não é apenas aquele que decide abrir uma empresa. Existem pessoas com características inovadoras em qualquer local de trabalho, mesmo que não sejam os proprietários da empresa. “Pense em uma pessoa que pode levar um novo negócio ou perspectiva para um projeto já existente. Nesse sentido, a escola pode atuar fomentando não só o empreendedorismo, mas o perfil também, porque, assim, vai formar pessoas diferenciadas”, explica. Ayres diz ainda que ser empreendedor, hoje, já não é tão complicado, afinal,
existem órgãos que apoiam o processo, o que faz a burocracia diminuir. “Uma consultoria pode ajudar muito, pois existem alguns detalhes importantes sobre o tipo de empresa, formas jurídicas, classificação dos serviços e da atividade da empresa. Também para conhecer a dinâmica contábil e financeira, iniciando, assim, com os controles e documentações corretos”, afirma.
O papel da universidade Muitos acreditam que empreender é um dom, mas as instituições de ensino também são muito importantes no processo de formação. Entender o mercado de trabalho, analisar todas as possibilidades, conhecer as próprias deficiências e procurar métodos para saná-las. Enfim, tudo isso pode ser facilitado pela troca de ideias e de conhe-
cimentos, que podem ser gerados tanto por escolas focadas nesse tema ou por disciplinas ofertadas em alguns cursos universitários. Sobre isso, Ayres diz que o papel das instituições é de apresentar ao aluno não só conteúdo em sua área, mas, também, como é o mercado e as possibilidades de ingresso e sucesso. “A instituição deve investir em aproximar o aluno
rodrigo oliveira
Para Tânia Alves, experiência de vida e ensinamentos de sala de aula são essenciais para empreender
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sonho na mão
ições de ensino na formação de um empreendedor do mercado e das empresas, provocar uma visão crítica e gerar condições de análise de quais caminhos podem ser buscados pelo aluno após o curso. É importante apostar em laboratórios práticos, empresas júniores, incubadoras e disciplinas que estimulem o aluno a não simplesmente se encaixar em formatos empresariais já existentes”, explica. A importância das escolas, conforme
explica Ayres, é grande. Porém, algumas características pessoais são fundamentais no processo: dedicação, persistência e, até mesmo, um pouco de sorte, porque, às vezes, situações inesperadas podem encurtar alguns caminhos. Em relação a isso, a consultora conta uma passagem que reforça os preceitos citados acima: “Lembro-me de uma vez em que encontrei com o Alexandre Costa,
criador da Cacau Show, há muitos anos, em um aeroporto. Ele estava iniciando sua expansão. Ele comentou como começou vendendo chocolate de porta em porta e como o negócio foi crescendo. Ele criou a empresa e, naquela época, tinha uma meta de conseguir 500 lojas. Hoje, são mais de 1.000 lojas no Brasil”, relata. Breno Lagares Borges, professor
da disciplina de empreendedorismo e coordenador do curso de Eventos do UniBH, explica que é fundamental que as instituições de ensino, principalmente as universidades, ofereçam cursos e disciplinas sobre o tema, pois muitas pessoas começam projetos sem uma capacitação adequada, e isso pode ser trabalhado. “O intuito dessa disciplina é mostrar para o estudante a capacidade que ele pode vir a desenvolver, para ele, assim, empreender com organização, cautela e planejamento. Hoje em dia, nessa disciplina, desenvolvemos temas como criatividade e inovação, que são aspectos importantes pra que esse novo empreendimento tenha sucesso no futuro. Isso tudo não é somente para montar uma empresa, essas características podem ser utilizadas dentro de uma organização, explica Borges. A oferta da disciplina Empreendedorismo é uma indicação Ministério da Educação. O professor do UniBH afirma que isso é importante, porque o aprendizado com a disciplina é perene, o que faz uma grande diferença no currículo e pode ajudar muito no mercado de trabalho. Muitos descobrem no curso a capacidade para empreender, outros, que não têm expertise para tal. Porém, destaca Borges, há, hoje, várias escolas e cursos desenvolvidos exclusivamente pensando no tema, o que também é muito importante.
Sempre é tempo de empreender Ainda na faculdade, Tânia Alves decidiu empreender. É enfática ao dizer que sem a formação no curso de eventos, realizado no UniBH – onde também trabalha há 10 anos – não teria condições para criar a Eventos da Gerais. “A graduação influenciou muito, fiz parte da primeira turma do curso. Tivemos muitas palestras, workshops e outros ensinamentos. Com essa orientação, quando faltavam seis meses para me formar, por eu e minha parceira termos uma maturidade, montamos a empresa”, explica. Tânia, ao comentar sua formação, o início da trajetória e o empreendimento, cita, constantemente, a palavra maturidade. Para ela, é um fator fundamental em toda sua jornada. A experiência de vida, somada aos ensinamentos de sala de aula, foi fundamental para saber a hora certa de
empreender ou de mudar de foco. Ainda incipiente, a empresa focava em batizados, aniversários e festas. Com o tempo, Tânia e sua parceira enveredaram-se por outros caminhos. Segundo ela, o perfil dos eventos, que sempre terminavam tarde, lá pelas 06h , não condizia muito com o seu e de sua sócia. “Chegamos à conclusão que o ideal seria fazer lançamentos de livros, congressos e seminários na área médica”, afirma, explicando a importância de se ter um foco: “fomos muito especificas, não ficamos com cinco temas, pois há um leque grande de eventos: batizados, velórios, aniversários, enfim. E é um seguimento que, pra gente, deu muito certo, talvez por termos maturidade”. A função do curso em sua empreitada também é outro ponto que a gestora de eventos destaca sempre. Ela
diz que muitos entram para essa área sem a parte técnica. Graças à graduação, afirma, pôde ter acesso a noções de ética e de postura, aprendidas nas disciplinas de ética e etiqueta, respectivamente. “Se não tivesse um curso, estaria, até hoje, fazendo festinhas de aniversário, não desmerecendo quem faz, claro, porque tem gente que faz e se dá superbem, mas é uma coisa que não requer tanto conhecimento quanto um seminário, congresso ou lançamento de livro”, destaca. Para abrir a Eventos das Gerais, Tânia não encontrou nenhum empecilho. Por já ter contato com um contador, o processo foi tranquilo: “Pagamos todos os impostos e temos nota fiscal, tudo direitinho. As pessoas, quando contratam a gente, nem sonham que temos formação, pensam que existe apenas a prática. Se tudo
já está bom, de vento em popa, ainda pode melhorar. Tânia concilia o empreendimento com seu trabalho regular, no UniBH. Contudo, relata, os horários não se chocam, pois trabalha seis horas por dia, na parte da manhã, tendo, assim, tempo suficiente para gerenciar a Evento das Gerais. “Trabalho de 07h às 13h. Por isso, se for um congresso, que dura três ou quatro dias, vou pra lá depois do meu expediente. Sem contar que temos uma pessoa também que nos ajuda com esses eventos”, explica. A empreendedora, juntamente com sua sócia, planeja, ainda este ano, expandir o negócio. “Temos parceria com empresas terceirizadas, mas estamos pensando em contratar mais uma pessoa. Minha parceira montou, em casa, um escritório. Agora temos uma sede!”, exalta.
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Vocação que constrói arquivo pessoal
Thiago Apolônio, 32, é empresário do ramo da construção civil e garante que empreender é um dom. “O empreendedor tem isso no sangue, é uma vocação. A gente simplesmente, num determinando momento da vida, percebe isso. A partir daí, é só correr atrás das ferramentas necessárias para ver em qual esfera está sua afinidade para empreender. No meu caso, é na área de engenharia”, pontua. A vida profissional do empreendedor começou a ser traçada cedo. Thiago conta que sua formação vem de jovem. Em uma época em que era comum cursar o segundo grau juntamente com estudos técnicos, o empresário realizou os cursos de engenharia eletrônica, eletroeletrônica e engenharia de telecomunicações. Segundo Thiago, conhecer a área de atuação da sua empresa é de extrema importância. “Sem o ensinamento técnico eu não teria condições de empreender”, relata. Aos 20 anos, o empresário ingressou no curso superior de engenharia elétrica. Em 2004, quando ainda era aluno da graduação, abriu sua primeira empresa, a Ello Engenharia Elétrica. Ainda no mesmo ano, Apolônio se viu diante de uma escolha: a empresa ou a faculdade. “Eu tive que abdicar do curso por, naquela época, não existir educação a distância; a carga horária do curso era muito pesada e
integralmente presencial. A minha permanência em sala de aula se tornou impossível, pelas atividades que eu prestava. Dos sete dias da semana, cinco eu trabalhava fora da região, já que minha empresa fornecia serviços do Rio Grande do Sul até o Pará”, esclarece. Apesar do medo de o negócio não dar certo e ainda se ver sem um diploma, Thiago decidiu arriscar. “Eu determinei que eu tinha bagagem técnica o suficiente para não ter que estar mais na sala de aula para o meu negócio dar certo. Foi uma escolha, como todas que fazemos na vida”, comenta. Já no ano de 2008, com sua bagagem de estrada, o empreendedor fundou uma empresa na área da construção civil, a Conquest Construtora. E, em 2010, decidiu vender sua parte da Ello Engenharia Elétrica. Thiago acredita que o empreendedor por vocação deve, em determinado momento, permitir que a empresa caminhe com suas próprias pernas. Hoje ele ainda está no comando da Conquest Construtora, e considera que existem algumas características essenciais àqueles que desejam empreender. O desprendimento é a primeira delas. “Um líder nato, que realmente é um empreendedor por vocação, é naturalmente desprendido das coisas de um modo geral, inclusive do próprio dinheiro. Se sua meta é abrir uma
Thiago Apolônio acredita que empreender é um dom
empresa para ganhar dinheiro, você vai se frustrar”, explica. Apolônio pontua, ainda, a vontade de vencer, seguida do conhecimento técnico da área de atuação da empresa. Como quarto tópico, mas não menos importante, o empreendedor fala da espiritualidade.
“A direção da empresa deve estar sempre atenta a essa questão da espiritualidade. Ser um empreendedor é uma vocação e, a partir do momento em que o empresário tem o dom vindo de Deus, ele deve manter a espiritualidade em sua esfera profissional”, finaliza.
wilson albino
Ideia limpa
Vencedor do Prêmio Santander Empreendedorismo, em 2014
“Entendo como empreendedorismo a transformação de uma ideia em um negócio (produto, serviço, processo) com viabilidade técnica, econômica e mercadológica.” Essas são as palavras de Magno André Oliveira, ganhador do Prêmio Santander Empreendedorismo, em 2014. O aluno do UNIBH desenvolveu, juntamente com seu orientador, Alan Rodrigues Teixeira Machado, o projeto de Preparo de Catalisadores a Base de Óxidos de Ferro e Titânio Impregnados em Matrizes Carbonáceas para Tratamento de Efluentes Têxteis. Magno, ao desenvolver seu projeto, levou em consideração a atual crise hídrica do país. Para ele, o Brasil é rico em água doce, porém o recurso natural vem perdendo suas características de potabilidade. Após a definição do tema, foram criados métodos e materiais que visavam a diminuir os impactos causados pelas indústrias têxteis. O projeto tem suas raízes nos três pilares da sustentabilidade: ser ambientalmente correto, economicamente viável e socialmente justo.
Magno explica: “desenvolvemos um catalisador contendo óxidos de ferro e titânio impregnados em matrizes carbonáceas para a remoção da cor dos efluentes têxteis. Esse produto possibilita a associação das propriedades de absorção das matrizes carbonáceas com as atividades fotocatalíticas dos óxidos de ferro e titânio. O produto em questão apresenta vantagens significativas quando comparados aos concorrentes, destacando-se a fácil remoção, pois apresenta óxidos de ferro que são substâncias magnéticas, podendo, assim, serem separadas do efluente por magnetismo. Essa propriedade permite que o produto seja reutilizado no processo. Esse material possui, ainda, atividade fotocatalítica”. O vencedor do prêmio contou qual o embasamento fundamental para o fomento de um projeto. “Aprendi, recentemente, que inventar não é inovar. A inovação é a invenção transformada em um sucesso comercial.” Para Magno, essas informações lhe proporcionaram expertise e maturidade para ganhar o prêmio Santander.
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Sem medo de errar divulgação
Bel adora desafios, principalmente aqueles capazes de tirar o ser humano da zona de conforto Após sete anos dedicados a estudo, trabalhos e vários projetos nos Estados Unidos, Bel Pesce viu que voltar para o Brasil era o que devia ser feito. Era a hora de colocar em prática e dividir tudo que aprendeu no período em que esteve fora do país, era o momento certo para compartilhar os ensinamentos adquiridos nos cursos de Engenharia Elétrica, Ciências da Computação, Administração, Economia e Matemática, todos feitos no Massachusetts Institute of Technology (MIT), sem contar, claro, as experiências que teve estagiando em empresas como Microsoft, Google e do período em que morou do Vale do Silício, na Califórnia. Persistência e coragem pra inovar sempre foram características de Bel. Contudo, todos os seus passos sempre foram bem calculados, o que fica evidente quando se olha para os seus projetos, sempre exitosos. Abaixo, ela fala sobre o medo e suas experiências.
Antes de ir pra os EUA pra estudar no MIT, em algum momento, você sentiu medo? E quando chegou lá?
Eu tento fugir da palavra medo, porque acho que ela trava as pessoas, faz a gente ver as coisas um pouco piores do que são. Claro que a total ausência – ser totalmente audacioso – às vezes, faz enxergar as coisas melhores do que, de fato, são e pode gerar outros problemas. Nunca tive esse temor, nem na hora de partir e nem depois. Tive um friozinho na barriga, pois sabia que iria ser desafiador, que passaria por coisas pelas quais não teria resposta, e que eu teria que lutar muito e ser responsável, porque era o primeiro passo de muitos, não poderia dar passos falsos, então. Mas, por outro lado, eu amava isso. Eu adoro quan-
do tem uma coisa que te faz querer mais. Quando fui pra lá, não tinha dinheiro pra pagar o curso no MIT, por isso, trabalhei bastante antes, tinha o dinheiro contado para o primeiro semestre. Se não trabalhasse quando chegasse lá, não conseguiria pagar o semestre seguinte. Era um mundo completamente novo, eu ia ter que me bancar 100%, num lugar muito mais caro, diferente, com um idioma novo, e lá também eu ia ter, cada vez mais, novos desafios, como: fazer um estágio, visitar o Vale (do Silício), fazer mestrado. Em um momento estava tudo certo comigo lá nos EUA, mas eu quis voltar pra criar a FAZINOVA. Como você lidou com medo? Pensou em desistir? Pediu ajuda para alguém?
Eu sempre tive pessoas – algumas mais próximas e outras que nunca encontrei pessoalmente – que sempre me motivaram a tentar ser muito boa naquilo que eu faço. E tem pessoas que eu nunca conheci e nem vou conhecer, como o Ayrton Senna e o Walt Disney, até pessoas muito próximas, que se tornaram mentoras para mim. Então, não era bem ajuda que eu pedia, apenas abria o coração, compartilhava as dificuldades. Por outro lado, eu nunca pensei em desistir, pois gosto muito desafios, principalmente aqueles que me tiram da zona de conforto. O ser humano tem uma mania de fugir daquilo que não é certo, do que é mudança. Mas sempre amei isso. Você acha importante levar em consideração a possibilidade de um projeto não dar certo e se preparar para isso?
Sem dúvida. Às vezes, mesmo você dando o seu melhor, isso não é suficiente. E nem sempre depende só de você. Eu tenho uma filosofia: se eu tentei o meu melhor e não deu certo, eu não fico chateada. Claro que gostaria que tivesse dado tudo certo, mas não sinto culpa. Então, você tem que sempre ter em consideração os riscos, não pode simplesmente jogar tudo para o alto. Eu estava fazendo mestrado no
Google, mas vi que aquele não era o momento certo da minha vida pra fazer aquilo, que queria trabalhar em uma empresa menor. Eu tranquei o curso, mas não abandonei, pois podia, em seis meses, voltar pra concluí-lo. Você precisa tomar riscos calculados. Por muito tempo eu empreendi enquanto trabalhava em algo que me dava o salário pra sobreviver, porque, no começo, eu não tinha como apenas viver daquilo. Nem todos os negócios geram lucro que dá pra você sobreviver. No início, é mais intensivo no investimento do que no retorno. Você tem que ter uma visão real da situação e se preparar, e sempre ter um plano B, também. E qual a melhor forma, a seu ver, de lidar com o erro?
Erro é um assunto mistificado no Brasil. Aqui, a gente tem a mística de que se a pessoa erra ela é uma perdedora pra vida toda. Ninguém gosta de errar. Mas, de qualquer maneira, se o erro for com o risco calculado e pra se ter uma informação nova de algo, é pra se tirar o chapéu. Pois se você sempre esperar ter 100% da informação pra fazer algo, você nunca vai inovar na vida. Pra criar, você tem que arriscar, porque só assim você vai alcançar aquilo que ninguém conseguiu ainda.