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Crônicas
Belo Horizonte, ABRIL de 2015
Impressão
Muito não obrigada Mariana Gualberto Sempre fui do tipo que agradece demais. Deve ter sido criação. Minha mãe frisava muito a importância das palavras mágicas, principalmente do obrigado. Cresci com isso. Hoje, já grande, ainda me pego pecando pelo excesso de obrigados. Sabe, às vezes estou distraída, alguém fala alguma coisa aleatória, e lá vou eu, desembestada soltando um: obrigada! Às vezes a pessoa só está me pedindo um favor e eu me mantenho inerte, após soltar minha palavrinha mágica. Não é maldade, é distração e força do hábito. Acho que parte da culpa também pode ser atribuída à Rosana, minha professora de português da terceira série. Um dos flashes que me lembro com mais precisão das aulas de ensino fundamental era a Rosana ensinando que obrigado variava de acordo com o gênero. Achei aquilo um máximo. Comecei a distribuir “obrigada”, com um sonoro A no final, para todos. Sempre fui meio bocó pomposa, queria que as pessoas soubessem que eu sabia falar certo. O episódio foi o mesmo quando a Rosana ensinou que deveríamos pedir trezentos gramas de presunto na padaria, e não trezentas. Aí foi uma festa, todo dia eu queria sair para comprar trezentos gramas de fatiados, pegar o embrulho, e soltar um magnífico obrigada. E olha que eu nem gosto de presunto. Ah, Rosana... Você poderia ter sido minha professora favorita por toda uma vida. Mas não, na quarta série, quando eu venci o seu concurso de leitura e produção de textos, que perdurou por todo o ano, e nunca recebi meu prêmio, você perdeu o seu posto. Aquele momento doeu. Porra, Rosana, eu me empenhei o ano inteiro. E aposto que agora, aqueles que estudaram comigo nem se lembram disso, nem se lembram que fui a vencedora; quiçá se lembram que o concurso existiu. Mas se eu tivesse ganhado meu prêmio, e não um parabéns sem graça – que qualquer pessoa fala certo, que não varia com o gênero-, eles lembrariam, porque criança é competitiva, guarda as coisas. E eu guardo isso desde 1999. Muito não obrigada.
Profissão quase repórter Lilia Santos Para nós, alunos de jornalismo, fazer uma reportagem sobre solidariedade nas ruas da Lagoinha, foi um desafio e uma oportunidade. Primeiro o desafio. Fizemos tudo como manda o figurino: falamos com os coordenadores do Projeto Pão Nosso, reservamos os materiais de filmagem, um representante do projeto iria nos atender no local onde faziam a primeira entrega de alimentos para a população de rua. Mas não contei com um imprevisto: nossa equipe não conseguiu fazer as imagens, porque nos sentimos inseguros no local e, pra piorar, o pessoal projeto ainda não tinha chegado. Vamos combinar que para quem chega a uma rua escura, na entrada de uma das maiores favelas de Belo Horizonte, Pedreira Prado Lopes, cheia de moradores de rua e viciados em drogas, com um equipamento de aproximadamente oito mil reais em mãos, é difícil se sentir tão confiante assim. O resultado? O chefe cancelou as filmagens da noite. Ficamos decepcionados. Parecia que a reportagem não iria rolar. Mas como falei antes, foi também uma oportunidade. Na semana seguinte, ao invés de começar pelo fim, segui-
mos a ordem dos fatores. Primeiro fomos acompanhar a preparação do cardápio da noite, e foi aí que começou a aventura. Ao olhar pelas grades da igreja Santa Catarina Labouré, no bairro Santa Clara, vi nas janelas um grupo de senhoras de toucas brancas na cabeça, descascando cenouras em volta de uma mesa. Elas nos receberam muito bem e prometeram um cafezinho, se ficássemos até mais tarde. O sr. Jurandir, o coordenador, nos apresentou todos e logo já estávamos bem à vontade. Junto com Jurandir e seu fiel escudeiro, fizemos um tour pelas ruas do bairro, em uma Kombi comprada com doações, e conhecemos as duas padarias que há dois anos doam os pães para o projeto. Quando voltamos, o cafezinho já estava servido, acompanhado de bolo e biscoitos. Humm!!! Nas conversas, alguns nos confidenciaram que se sentem horados e têm muito prazer em ajudar pessoas que talvez nunca vão conhecer. Eu daria tudo pra ter essa sensação, pensei, enquanto ouvia suas histórias. Depois dessa tarde incrível, fomos para o primeiro ponto de entrega dos alimentos, na Rua Araribá, onde a reportagem tinha dado errado, na semana anterior. O
cenário continuava o mesmo, a rua escura, usuários de drogas, pessoas mal vestidas por todo lado, misturados com os moradores do prédio em frente e da comunidade ao redor, mas o clima agora (ou sempre) era de solidariedade e respeito. No chão, as pessoas saboreavam a sopa com muito prazer. Alguns pareciam até intimidados com nossa presença, mas estavam ali para garantir a refeição do dia, tão à vontade como se estivessem na mesa de jantar no aconchego de sua casa, com sua família. E a verdade era que estavam em família. Vi no rosto dos voluntários o amor e o cuidado para que cada andarilho que passasse por eles garantisse o jantar, um cobertor, ou só mesmo uma garrafinha de água e que só iriam embora quando não sobrasse mais nada para doar. Essa era a principal preocupação da equipe. A noite foi bem mais fácil e agradável que imaginei. Uma lição que aprendi nessa reportagem? Eles são moradores de rua, sim. Muitos por falta de opção, presos pelas correntes do vício e ignorados pela sociedade, porém a dignidade e a coragem de sobreviver todos os dias sem estrutura financeiras, familiar e social os torna vitoriosos e essa vitória fica mais fácil se lutarmos juntos.