DIANA PALMER M agn贸lia
Sinopse A Atlanta do inicio do século XX era uma cidade de contrastes, um ramo de atividades onde o comércio e a alta sociedade floresciam entre os fracos ritmos sulinos. Claire Lang adorava viver ali, mas a presença de um homem a perturbava no fundo da alma. Ela não estava disposta a admitir o quanto a cativava os olhos escuros e o belo rosto de John Hawthorn, mas o desespero causado por uma súbita tragédia a levou a casar-se com ele apesar de saber que o amor que lhe tinha não era recíproco. Enquanto a brisa deixava em seu rastro o perfume das magnólias, Claire começava a despertar desejos inesperados e indescritíveis em seu marido... Depois de saborear seus beijos e suas carícias, teve a valentia de lutar por ele quando se abateu sobre eles um escândalo, um escândalo tão grande que poderia acabar com seu grande amor.
Para Russ e Carole McIntire com amor
CAPÍTULO 1 1900
A
s ruas de Atlanta estavam cheias de lama depois das chuvas recentes, e os pobres cavalos pareciam apáticos puxando com esforço as carruagens por Peachtree Street. Claire Lang desejou ter dinheiro suficiente para retornar em um veículo de aluguel para casa que estava a uns oito quilômetros dali. Sua carruagem tinha quebrado um eixo ao se chocar contra uma rocha, de modo que as preocupações financeiras que tinham sido traumáticas por meses tinham aumentado ainda mais. Seu tio, Will Lang, estava tão ansioso para ter em suas mãos a pequena peça de seu automóvel que tinha encomendado em Detroit que ela tinha ido pegar na estação ferroviária de Atlanta na carruagem. O veículo estava velho e em mal estado, mas em vez de se concentrar no caminho resolveu olhar a chegada prematura do outono na preciosa imagem que criavam os pinheiros e as árvores. Teria que inventar alguma coisa para chegar à loja de roupas de seu amigo Kenny e ver se ele teria como levá-la a casa de seu tio, que ficava em Colbyville. Baixou o olhar, e soltou um suspiro ao ver suas botas de cano longo, enlameadas e a barra de sua saia toda suja. Acabava de estrear aquele vestido azul marinho com corpo e pescoço de renda, e embora a capa e o guarda-chuva a tivesse protegido da chuva e o chapéu tivesse resguardado seu cabelo castanho, não conseguiu salvar a saia por mais que a levantasse. Era muito fácil imaginar o que Gertie diria sobre isso, na verdade ela sempre estava toda bagunçada ao fim do dia, passava grande parte do tempo no galpão de seu tio, ajudando ele a manter em bom estado seu novo automóvel. Nenhum outro habitante de Colbyville tinha um daqueles exóticos inventos novos; de fato, só umas poucas pessoas em todo o país possuíam um automóvel, e a maioria eram elétricos ou com motores a vapor. O do tio Will estava propulsado com gasolina, e por sorte a gasolina era vendida nas lojas da região. Os automóveis eram tão escassos, que quando passava um pela rua, às pessoas saiam para vê-lo. Eram objetos de fascínio e de medo, porque o forte ruído que geravam assustava aos cavalos. A grande maioria pensava que era uma moda passageira que não demoraria a desaparecer, mas ela estava convencida de que era o meio de transporte do futuro e adorava ser a mecânica de seu tio. Ela sorriu ao pensar o quão sortuda tinha sido desde que foi viver com ele. Era filha única, e depois do falecimento de seus pais causado pela cólera há dez anos, a única família que tinha restado em todo mundo era seu tio Will. Estava solteiro, e para cuidar da enorme casa onde vivia contava com a única ajuda de empregados formada
por Gertie, sua governanta, e Harry, um trabalhador que se encarregava da manutenção geral. Ela também tinha começado a cozinhar e a encarregar-se das tarefas domésticas à medida que ia crescendo, mas o que mais gostava era de ajudar seu tio com o automóvel. Era um Oldsmobile Curved Dash, e só de olhar para ele sua pele arrepiava. Tio Will o tinha encomendado em Michigan no final do ano passado, e o tinham enviado a Colbyville pela ferrovia assim que ficou pronto. Como a maioria dos carros, às vezes balançava, soltava fumaça e estralava, e como os caminhos de terra dos arredores de Colbyville eram bastante irregulares e estavam cheios de enormes buracos, seus pneus de borracha fina estouravam em uma ou outra ocasião. Os moradores rezavam para livrar-se do que para eles era um invento do diabo, e os cavalos punham-se a correr campo afora como se os fantasmas o perseguissem. O conselho local tinha ido ver seu tio no dia seguinte à chegada do automóvel, ele tinha sorrido com paciência e tinha prometido que o pequeno e elegante veículo não atrapalharia a circulação dos carros e as carruagens. Tio Will adorava aquele novo brinquedo que lhe tinha deixado um pouco menos que em ruínas, e lhe dedicava todo seu tempo livre. Ela compartilhava sua fascinação, e quando ele tinha deixado-a trabalhar na garagem, foi aprendendo pouco a pouco sobre carburadores, alavancas de direção, rolamentos, velas, e pinhões de engrenagem. A essas alturas já sabia quase tanto quanto ele, tinha mãos finas e ágeis e não tinha medo das «chicotadas» que recebia de vez em quando ao tocar a parte errada do pequeno motor de combustão. A única coisa ruim era a graxa. Tinha que manter engordurados os rolamentos para que funcionassem bem, e tudo acabava manchado… inclusive ela. Uma carruagem apareceu nesse momento no caminho e foi aproximando-se, mas justo quando estava chegando perto passou por cima de um atoleiro e lhe salpicou a saia de lama. Ela soltou um gemido, e o desânimo que apareceu em seu rosto bastou para que o ocupante do veículo decidisse parar. A porta se abriu, e uns olhos escuros e penetrantes a olharam cheios de impaciência. –Pelo amor de Deus! Entre antes que te suje ainda mais. O homem ao qual pertencia aquela voz profunda e familiar, era o banqueiro de seu tio Will, não tinha nem ideia de que só de ouvir sua voz seu coração acelerava, porque ela escondia seus sentimentos. – Obrigado! - Respondeu ela com um sorriso tenso. Fechou o guarda-chuva e levantou a saia até a parte superior das botas de cano longo para tentar entrar na limpa carruagem como toda dama, mas tropeçou com a barra úmida da saia e caiu como um fardo no assento. Ficou vermelha como um tomate, John Hawthorn a deixava muito nervosa.
Ele sentou-se em um lado para deixar espaço de sobra, e golpeou o teto da carruagem com a bengala para indicar ao chofer que retomasse a marcha. Vestia um traje formal com colete escuro, e tinha uma aparência muito digna. –Que me crucifiquem, Claire, atrai a lama como a aveia aos cavalos! –Olhou com certa exasperação as manchas, e seus olhos escuros se entreabriram um pouco–. Tenho que estar no banco na hora de abrir, mas direi ao chofer que te leve a Colbyville. Tinha um rosto fino e bonito, e mostrava um escrúpulo nato que beirava a frieza para a maioria das mulheres… tinha consciência de quão atraente era para elas, e queria mantê-las á distância. Isso era o que tinha atraído a atenção de Claire a princípio, já que era um desafio para o ego de qualquer mulher, mas a questão era que ela não era tratada com frieza. Umas vezes brincava com ela e outras a tratava com indulgência, como se fosse uma garotinha, e embora ela não tenha se sentido chateada com isso há dois anos, nesse momento não tinha nenhuma graça. Tinham se conhecido quando foi contratado no banco de Eli Calverson. John tinha alcançado o posto de agente de empréstimos um ano antes do inicio da guerra de Cuba, mas tinha se dado conta do rumo que estavam tomando as relações entre Cuba e Estados Unidos e em 1897 tinha deixado o banco para alistar-se no Exército. Anteriormente tinha estudado em La Cidadela, uma universidade militar da Carolina do Sul, assim pôde entrar como oficial. Em 1898 foi dispensado do Exército por ter se ferido em Cuba, foi com sua volta ao banco que ela chegou a lhe conhecer melhor, já tinham um trato superficial fazia anos graças ao tio Will. Este último tinha feito vários investimentos com a mediação de John, e a força desses investimentos tinha contribuído para que lhe concedessem uns empréstimos com o qual tinha sido capaz de comprar terras. A atração que sentia por John tinha aumentado conforme ia conhecendo-o melhor, mas era consciente de que precisaria algo mais que um rosto possivelmente bonito, uns olhos cor cinza clara e um corpo esbelto e jovem para despertar o interesse de um homem como ele, que era inteligente além de elegante. John obteve um mestrado em Administração de Empresas em Harvard depois de licenciar-se na prestigiada universidade de La Cidadela. Nesse momento era vicepresidente do Peachtree City Bank, e já tinha rumores que Eli Calverson, o presidente do banco, que não tinha filhos, tinha decidido que ele seria seu sucessor. Era inegável que o evasivo John Hawthorn fazia uma carreira meteórica no banco, mas nos últimos tempos havia rumores que se relacionava com a bela Diane, a jovem esposa do presidente do banco. John tinha trinta e um anos, estava na flor da vida, e tinha um físico que outros homens invejavam; Eli Calverson, por sua vez, estava nos cinquenta e não era especialmente atraente. A senhora Diane Calverson, uma loira delicada de olhos azuis e pele clara, era culta, bem educada, e se dizia que tinha parentes em grande parte das casas reais europeias… era, em resumo, o sonho de qualquer homem. John e ela tinham em
comum muito mais que o banco e o vínculo com Calverson, já que dois anos atrás tinham estado comprometidos. –Você é um grande cavalheiro – Olhou-o com olhos brilhantes apesar de seu tom de voz distante e cortês, o viu erguer um pouco o canto dos lábios em um claro gesto de diversão. Ele era um homem atlético e em boa forma física, jogava tênis, e a bengala que levava não era mais que um complemento estético. Ela tinha acompanhado seu tio Will a várias festas, e se podia dizer que John era um excelente dançarino. Nesse momento sentiu o aroma de sua exótica colônia, e seu coração acelerado. Deus se fixasse nela, Deus… Observou bem a saia úmida, e franziu a testa ao ver quão manchada estava de barro. As botas de cano longo também pareciam um desastre, ia demorar horas para limpá-las com uma escova… Deus. E Gertie tinha acabado de brigar por ela ter manchado a camisa branca de graxa. – Você parece um desastre – comentou John com voz suave. Não pôde evitar corar-se, mas ergueu o queixo e respondeu com firmeza: –Se você tivesse caminhado três quarteirões sob a chuva e com saia longa, estaria igual. Ele soltou uma gargalhada ao ouvir aquilo, e disse sorrindo: –Deus me livre. A última vez era graxa, verdade? –Eh… meu tio e eu estivemos trocando o óleo de seu Oldsmobile. –Eu já disse antes e repito Claire: isso não é uma tarefa adequada para uma mulher. –Por que não? –Seu tio terá que conversar com você. Tem vinte anos, deveria ter aulas de protocolo e conduta social para aprender a se comportar como uma dama. –Uma dama como á senhora Calverson? –Suas maneiras são impecáveis. –Respondeu ele, com o rosto impassível. –Isso é inegável, tenho certeza que o senhor Calverson se sente muito orgulhoso de sua esposa –fixou o olhar nas mãos antes de acrescentar–: E certamente também sente muitos ciúmes dela. Ele se virou para olhá-la, e disse com um tom perigosamente suave: –Eu não gosto das insinuações, está tentando me irritar? –Nada está mais longe de minha intenção, meu senhor. Se você quer tornar-se alvo de fofocas mesquinhas e arriscar seu posto no banco, quem sou eu para interferir? Sua expressão carrancuda pareceu querer lhe intimidar. Se ele tinha cuidado assim de suas tropas quando estava no Exército, não seria de estranhar que mais de um soldado tivesse desertado apavorado. –Que fofocas? O fato de que ele seguisse falando com voz suave e controlada a inquietou ainda mais, e esboçou um sorriso cheio de nervosismo antes de responder: –Deveria ter ficado calada. Pode me deixar aqui se quiser, não quero que me estrangule a caminho de casa.
Não parecia irritado, jamais perdia a paciência, em especial com ela. –Não dei a ninguém motivos para falar. –Você não acha escandaloso jantar à luz de velas com uma mulher casada? Olhou-a surpreso, e respondeu com calma: –Não estávamos sozinhos. O jantar foi na casa de sua irmã, que estava presente. –A irmã estava dormindo no andar de cima, seus criados contaram aos empregados de outras casas tudo o que viram. O povo inteiro sabe disso, John. Não sei se seu marido já ouviu falar, mas se não, é questão de tempo. Ele resmungou uma maldição em voz baixa. Ele havia se tornado tão obcecado em estar a sós com Diane, embora fosse só uma vez, que tinha sido um imprudente. Ela tinha se casado com Calverson por vingança, porque ele se recusou a pedir a sua família um grande adiantamento da herança para pagar um casamento elegante e uma cara lua de mel. Até então ele havia se alistado no Exército, e estava convencido de que teria que entrar em ação. Ela tinha prometido pra ele que esperaria, mas depois de dois meses de sua viagem a Cuba, tinha decidido que Calverson, era tão rico e velho que não podia desperdiçar a oportunidade de leva-lo ao altar. John pertencia a uma família de ascendência nobre de Savannah, mas não queria pedir adiantado de nem um centavo da herança que acabaria por receber e preferia ganhar a vida por si mesmo. Era o que estava fazendo nesse momento, graças a seu salário e a vários pequenos investimentos. O apoio de Calverson lhe tinha dado um empurrão, embora estivesse claro que esse apoio se devia em parte tanto a situação de sua família como a seu mestrado em Harvard. Sabia que tinha mudado com Diane, que tinha se tornado um homem frio, mas de repente ela parecia ter problemas em seu casamento de menos de dois anos e tinha implorado para aceitar jantar na casa de sua irmã para lhe pedir ajuda. Tinha sido incapaz de negar, apesar de saber que estava se arriscando a criar um escândalo, mas ao chegar à casa a situação parecia não ser tão urgente; fosse qual fosse o motivo que a tinha impulsionado a convida-lo para jantar, Diane não tinha lhe contado nada, e nem sequer tinha lhe pedido ajuda. A única coisa que lhe havia dito era que se arrependia de haver se casado com Calverson, e que ainda sentia algo por ele. Mas aquele inocente jantar tinha dado pé a aquelas horríveis fofocas que colocava em perigo o bom nome dos dois. –Está me escutando? Sua reputação não é a única está arriscando, John. Também esta em jogo a do senhor Calverson, a de sua esposa… e inclusive a do banco. As palavras de Claire lhe arrancaram de seus pensamentos e lhe devolveram ao presente. Lançou-lhe um olhar de aço antes de lhe responder com frieza: –Não estou arriscando a reputação de ninguém. E mesmo que houvesse algum problema, não acredito que seria de sua conta. –Nisso tem razão, mas é amigo de meu tio além de seu banqueiro, e de certo modo também é meu amigo. Eu não gostaria que sua reputação ficasse manchada. –Por que não?
Quando ela corou e desviou o olhar, reclinou-se no assento e a contemplou com um pouco de carinho. Comovia-lhe que mostrasse aquela preocupação por ele. –Que sentimentos você tem por mim, Claire? Está apaixonada? Que emocionante! –disse-lhe, com voz suave e um pouco zombadora. Ela corou ainda mais febril e olhou para silhueta neogótica familiar do banco, que se aproximava cada vez mais. Ele ia descer da carruagem em breve e ela ficaria a sós com a mortificação que se apoderou dela. Porque tinha tido que abrir a boca? Por quê? John a olhava em silêncio enquanto a observava segurar a bolsa com força. Embora não gostasse que se intrometesse em seus assuntos pessoais, ela não era mais que uma doce menina e seus comentários não deveriam lhe incomodar. Jamais tinha mimado tanto a uma mulher, teria chutado da carruagem a qualquer homem por muito menos do que ela acabava de dizer. Mas era uma jovem de bom coração e se preocupava com ele, ficar zangado com ela por isso não era nada fácil; além disso, sentia-se muito protetor com ela. Se não fosse por Diane, poderia sentir algo muito intenso por aquela moça. Inclinou-se para ela enquanto a carruagem ia diminuindo a marcha, e continuou falando com voz suave. –Seja sincera, Claire. Sente algo por mim? –A única coisa que sinto agora é uma vontade imensa de te golpear a cabeça com uma barra de ferro. – resmungou ela em voz baixa. –Senhorita Lang! –exclamou com fingida indignação, antes de começar a rir. Ela o olhou com olhos cinzentos que fuzilavam de raiva, e respondeu sem emoção nenhuma na voz: –Pode rir de mim se quiser, tenho vergonha de me preocupar com você. Estrague sua vida, não me importo com o que acontece com você – Ela golpeou o teto do veículo com o cabo do guarda-chuva, e baixou antes que ele pudesse fazer pouco mais que pronunciar seu nome. Lutou para abrir o guarda-chuva enquanto subia à calçada (que por sorte era de madeira, com o que se livrou por fim de ter que pisar no barro do caminho). O banco estava na hora de abrir e justo a frente estava esperando Kenny Blake, um velho amigo de colégio. Ela foi correndo para ele, e exclamou aliviada: –Graças a Deus que te encontro Kenny! Pode me levar para casa? Quebrou o eixo de minha carruagem. –E se machucou? –Não, só foi um pequeno susto –Ela sorriu antes de acrescentar –Por sorte, estava muito perto do ferreiro e da cavalariça, assim eu tive uma mão, mas estavam tão ocupados que ninguém pôde me levar pra casa. –Poderia ter alugado uma carruagem.
–Não tenho dinheiro –admitiu com um tímido sorriso–. Meu tio gastou até a última moeda que tínhamos em uma vela nova para o automóvel, e temos que ser cuidadosos até que receba a pensão. –Posso te fazer um empréstimo – a oferta era sincera, já que tinha um bom trabalho de gerente em uma loja de roupas masculina. –Não, não se preocupe. Só preciso que me leve para casa. Era um homem pouco bonito, mas seu sorriso iluminava o rosto inteiro. Tinha uma altura mediana, o cabelo loiro e os olhos azuis, e com ela se dava muito bem, deixava pra trás sua timidez. Claire era capaz de tirar o melhor dele. –Te levo assim que acabar a gestão que tenho que fazer no banco. Claire soltou o braço dele ao notar o peso de um gélido olhar nas costas. Deu uma olhada por cima do ombro e viu John Hawthorn, vestido com seu caro terno e seu chapéu de feltro, com uma mão apoiada com elegância no cabo de prata da bengala enquanto esperava que o senhor Calverson abrisse a porta de dentro. O presidente do banco não confiava a ninguém aquela chave, era muito possessivo com seus pertences… e isso era algo que John teria que levar em conta. O senhor Calverson abriu as pesadas portas de carvalho quando atingiu as nove em ponto, e se afastou para deixar entrar os outros. Tinha os olhos fixos em seu relógio de bolso de ouro, que pendurava em uma grossa corrente do mesmo material, o que para Claire pareceu uma imagem bastante graciosa… Não poderia acreditar que alguma mulher achasse atraente aquele homem baixo, corpulento e calvo de loiro bigode riscado de cinza, e muito menos a uma bela como Diane. John era o único que pensava que se casou com o velho Calverson por amor, Atlanta inteira sabia que era uma mulher de gostos caros… e que devido à ruína econômica de sua família, o único atributo tangível com que contava aos vinte e dois anos era sua beleza. Tinha que se casar com uma bom partido para que suas irmãs e sua mãe continuassem vestindo roupa da última moda, e para pagar a manutenção da elegante mansão situada em Ponce de Leão. O senhor Calverson tinha mais dinheiro do que ela poderia chegar a gastar, assim não conseguia entender por que estava disposta a arriscar tudo para ter uma aventura com seu ex-noivo. –O banco não tem problemas, verdade? –perguntou a Kenny enquanto este a levava para casa em sua carruagem. –O que? Não, é obvio que não. Por que você pergunta? –Por nada em concreto, é que estava me perguntando. –O senhor Calverson o dirigi muito bem desde que resolveu viver aqui faz um par de anos, é obvio que é um homem próspero. Isso era verdade, mas era um pouco estranho que um homem que viveu em uma fazenda tivesse acumulado uma fortuna tão grande em tão pouco tempo. Embora a verdade era que tinha acesso no prazo de investimentos, e executava os empréstimos de terras, casas, e outros bens. –O senhor Hawthorn estava nos olhando zangado - comentou Kenny.
– Me ofendeu enquanto estávamos em sua carruagem. Seu amigo freou automaticamente ao ouvir aquilo, e o cavalo protestou com um sonoro relincho. –Eu vou falar com ele! –Kenny querido, não me refiro a essa classe de ofensa. O senhor Hawthorn jamais sujaria as mãos comigo. Refiro-me a que tivemos um desentendimento, nada mais. –Sobre o que? –Não posso falar do assunto. –É fácil de adivinhar, todo mundo sabe que baba pela esposa do presidente do banco. Difícil é acreditar que não mostre um pouco mais de dignidade. –As pessoas apaixonadas estão acostumadas a perder a dignidade com facilidade, e ela esteve comprometida com ele antes de se casar com o senhor Calverson. –Se ela está arriscando seu ninho de ouro para estar com o John nas costas de seu marido, talvez seja certo que há problemas de dinheiro. Essa mulher é muito inteligente. –Se John a ama… –Um escândalo lhe afundaria em Atlanta, sem falar do bom nome da dama. A família de Diane sempre foi poderosa, jamais causaram um só escândalo. Claire recordou o que tinha acontecido quando John tinha retornado ferido e tinha descoberto que Diane se casou. Tinha sido uma época terrível para ele, mostrou-se passivo e inacessível durante toda sua convalescença. Ela tinha ido visita-lo no hospital com tio Will, consciente de todos os rumores sobre seu noivado rompido, e não era de se admirar que uma jovem de dezoito anos começasse a se apaixonar por aquele soldado ferido que suportava a dor com tanta valentia e que tinha recebido uma medalha por sua bravura. –Deve ser terrível perder a alguém a quem se ama tanto – Ela comentou pensando tanto nele como em si mesma, que já estava a quase dois anos amando… –Vai vir um circo para a cidade, gostaria de ir comigo neste sábado? –Eu adoraria – Ela respondeu, sorrindo. –Pedirei permissão a seu tio – seu rosto inteiro se iluminou. Claire não lhe disse que seu tio era muito moderno para esse tipo de coisa, nem que ela não precisava da permissão de ninguém para fazer o que quisesse. Kenny era amável e simples, e a ajudava a deixar de pensar em John. Qualquer coisa que conseguisse distraí-la valeria a pena. Kenny comentou sobre o sábado com tio Will, que acabava de arrumar um radiador que estava vazando e saiu enquanto Claire foi trocar de roupa; depois de colocar saia, blusa e sapatos limpos deu o vestido manchado de graxa para Gertie, que suspirou e comentou com olhos faiscantes: –Tem um dom para manchar as roupas, senhorita Claire. –Tento me manter limpa, mas o destino me persegue com uma vassoura.
–Eu que o diga. Farei o que possa com o vestido… a propósito, no domingo não estarei aqui. Irei com meu pai na estação, vamos a uma reunião familiar. –Como está seu pai? –Gordon Mills Jackson era um advogado africano muito conhecido e respeitado em Chicago. –Tão incorrigível e astuto como sempre – admitiu Gertie, com uma gargalhada–. E meu irmão e eu nos sentimos muito, mas muito orgulhosos dele. Salvou a um fazendeiro da forca faz uns meses, enfrentou à multidão que queria lincha-lo. O homem era inocente, e papai lhe defendeu com êxito. –Algum dia chegará a ser juiz da Corte Suprema. –Assim esperamos. Se arrumará sozinha no domingo, ou quer que procure alguém que possa vir cozinhar? –Me arrumarei sozinha. Você me ensinou a fazer frango guisado, e não terei medo de matar eu mesma o frango. Gertie não parecia muito convencida, e comentou: –Acho que será melhor deixar que seu tio se encarregue disso, é muito mais rápido que você. –Tenho que ir aprendendo a fazê-lo melhor. –Ele já sabe fazer melhor; além disso, você vai demorar bastante em depená-lo e prepará-lo para o guisado. –Sim, acho que tem razão. –Em poucas horas servirei o jantar, não há nenhum convidado? –Não, Kenny teve que ir trabalhar. Só seremos meu tio e eu. Foi à garagem, e perguntou a seu tio: –Já estou preparada, necessita que te dê uma mão? Ele saiu de debaixo da frente do carro antes de responder: –Aleluia, chegou bem a tempo! Tive que arrumar um vazamento no radiador. Passe-me primeiro uma chave inglesa e essas mangueiras, e depois preciso que me traga as velas novas. Demorou umas duas horas para colocar a nova peça no lugar, as velas instaladas e definindo o ajuste adequado. Tio Will teve que tirar uma das velas e mexer um pouco até que conseguiu encaixar bem, mas quando chegou à hora do jantar o motor já funcionava perfeitamente. –Funciona, já consigo passar a marcha! –exclamou, entusiasmada. Ele ficou de pé, e seus lábios se curvaram em um enorme sorriso sob o grosso bigode prateado. Era um homem de mãos grandes, e ao passa-la pela cabeça tinha manchado de graxa em seu cabelo branco. –Sim senhor, claro que conseguiu! E graças a ti, moça! - Que sorte tive no dia que veio viver aqui, não tinha nem ideia de que conseguiria fazer de você uma mecânica tão fantástica. Ela fez uma reverência sem prestar à mínima atenção as manchas de graxa que tinha na blusa e na cara, e respondeu sorrindo:
–Obrigado. –Que não suba à sua cabeça, não colocou o último parafuso ao colocar o carburador. –É que Gertie me interrompeu! –Isso, jogue a culpa em mim! – exclamou a mulher da varanda. –Não escute às escondidas – respondeu Claire. –Não farei se deixarem de falar de mim. O jantar está pronto. Claire sacudiu a cabeça ao vê-la retornar a casa, e comentou: –É incrível, sempre sabe quando estou culpando-a por algum… –Vamos dar uma volta – disse seu tio, antes que pudesse terminar a frase. –Está chovendo muito, e Gertie já está com a comida na mesa. Ele suspirou carrancudo, e exclamou: –Que falta de sorte, justo quando consigo ter tudo no ponto! Por que não fazem tetos para automóveis? Após o jantar, Claire e seu tio foram sentar-se no salão enquanto a chuva continuava caindo com força lá fora, e ele perguntou de repente: –Por que Kenny te trouxe? Onde está a carruagem? Ela respirou fundo, antes de responder. –O cavalo passou por cima de uma pedra que não vi, e o eixo se rompeu. Não se preocupe repará-lo não custará muito… Seu tio encurvou os ombros, e murmurou com a cabeça baixa: –Céus, e eu gastei tudo o que tinha na peça nova para o automóvel, verdade? – ergueu o olhar, e exclamou–: Espere, tenho uma ideia! Podemos vender o cavalo e a carruagem, já temos um veículo sem tração animal que funciona bem! –Sim, é verdade. –Na loja vendem gasolina barata, assim a manutenção não será muito cara; além disso, o dinheiro extra da venda servirá para pagar o que ficou da hipoteca da casa – seu rosto se iluminou, e acrescentou – Nossos problemas se acabaram, minha querida. Está tudo solucionado… – deteve-se de repente, e seu rosto adquiriu um estranho tom abatido. Apertou o braço esquerdo com a mão, e soltou uma pequena gargalhada antes de comentar – Que estranho, meu braço dormiu e dói muito o… o c… –a olhou com o olhar perdido, e de repente caiu para frente e ficou estendido no tapete. Claire se aproximou dele as pressas com mãos trêmulas e olhos que refletiam o medo que sentia, se deu conta imediatamente de que não se tratava de um simples desmaio. Seu tio estava imóvel e pálido, não respirava, mas o pior de tudo era que tinha os olhos abertos e as pupilas fixas e dilatadas. Ela tinha visto cães morrer, gatos e frangos ao longo de sua vida, assim sabia de primeira mão o que estava acontecendo…
CAPÍTULO 2
A
vida de Claire mudou drasticamente em questão de duas horas. Seu tio não voltou a recuperar a consciência, embora o médico tenha chegado em questão de minutos depois de sua desesperada chamada telefônica da casa de um vizinho. O doutor Houston passou o braço pelos seus ombros em um paternal gesto de consolo, e lhe disse com voz suave: –Sinto muito, Claire. Pelo menos foi rápido, ele não notou nada – ao ver que ela se limitava a olhá-lo com olhos frágeis, voltou-se para a governanta, que permanecia em silencio ao lado, e pediu com calma–. Gertie, por favor, vá pegar um lençol para cobri-lo. A mulher assentiu, e retornou em um abrir e fechar de olhos com um antigo lençol branco. Aproximou-se de Will, e lhe tampou com grande cuidado e carinho enquanto lutava por conter as lágrimas. Aquele pequeno ato foi o que fixou na mente de Claire a realidade do que tinha acontecido. Secou com as mãos as lágrimas que molhavam os olhos, e sussurrou chorando: –Mas ele estava muito bem, nunca tinha sentido nada. Nem sequer se resfriava. –Às vezes essas coisas acontecem – disse o médico–. Tem algum parente, moça? Há alguém que possa vir te ajudar com a papelada do testamento? Ela o olhou com a mente em branco durante uns segundos, e ao final conseguiu responder: –Só tínhamos um ao outro. Tio Will nunca se casou, e era o único parente com vida de meu pai. De parte de minha mãe não restou ninguém. –Gertie… você e Harry irão ficar com ela, certos? –É obvio – a governanta se aproximou de Claire, e a rodeou com os braços antes de acrescentar–: Nós cuidaremos dela. –Sim, eu sei. O médico começou a escrever a certificado de óbito, e quando acabou já tinham chegado o médico legista e um carro ambulância que levou o falecido ao necrotério. Foi então quando Claire tomou plena consciência de sua situação. Ia ter que pagar tanto ao médico como à funerária, e poderia pagá-los com muita dificuldade com o que lucrasse na venda da carruagem e do cavalo. Seguro que o banco executaria a hipoteca da casa. Sentou-se em uma cadeira ao sentir que suas pernas ficavam fracas, e agarrou com força o lenço. Acabava de perder o único
membro da família que retava, seu tio que tanto amava, e não demoraria em ficar arruinada e sem um teto sob a cabeça para viver. Como ia conseguir seguir em frente? Tentou acalmar-se, e se recordou que havia duas coisas que sabia fazer: costurar roupas e reparar automóveis. Desenhava e confeccionava vestidos para ricas damas da alta sociedade de Atlanta, podia seguir fazendo-o… mas reparar veículos não ia servir muito, porque ninguém possuía um naquela região. Os olhos voltaram a encher-se de lágrimas enquanto a percorria uma onda de pânico, mas Gertie a acalmou ao lembra-la que logo chegaria a hora de usar fios, agulhas, e a máquina de costurar Singer que tinha em seu quarto. Idealizava e confeccionava sua própria roupa e as pessoas pensavam que tinha comprado em lojas, aquelas suntuosas peças decoradas com elaborados bordados e rendas. –Você pode trabalhar de costureira quando quiser senhorita Claire –assegurou a governanta – Há tanta demanda que a senhora Banning, a costureira de Peachtree Street, logo precisará de alguém. Aposto que a contratará sem pensar duas vezes para que a ajude, pensava que aquele precioso vestido azul o tinha encomendado em alguma loja de moda de Paris; além disso, está ciente que você costura para a senhora Evelyn Paine. Claire se sentiu um pouco melhor por ouvir aquilo, mas mesmo assim, a possibilidade de conseguir um trabalho e um salário não era mais que isso: uma mera possibilidade. Ela estava com medo do futuro, mas tentou esconder seus medos. A casa começou a encher em menos de uma hora com pessoas que conhecia e gostava de tio Will, e a ronda de condolências pôs a prova tanto o orgulho como o autocontrole de Claire. As mulheres chegaram com pratos de comida e sobremesas, jarras de chá frio e café, e Gertie se encarregou de organizar tudo na cozinha. Kenny Blake chegou logo e estava disposto a ficar, mas Claire sabia que sua loja dependia do serviço pessoal que oferecia a seus clientes e que a tinha aberta durante muitas horas, assim lhe assegurou que estava bem e lhe pediu que retornasse ao trabalho. As visitas foram acontecendo durante todo o dia, e a última hora da tarde apareceu na porta um rosto familiar mais não desejado. Claire tinha os olhos avermelhados quando deu ás boas vindas ao senhor Eli Calverson, o presidente do banco, e a sua esposa, uma bonita e elegante loira. –Lamentamos muito sua perda, querida –Diane Calverson falava com uma dicção culta e refinada. Estendeu para ela sua mão vestida em uma antiga luva branca, e acrescentou–. Que tragédia tão terrível e inesperada, viemos assim que ficamos sabendo! –Não se preocupe com nada, moça – falou o senhor Calverson, enquanto pegava suas mãos–. Vamos garantir que a casa seja vendida ao preço mais alto possível, para que fique um pouco para você. Claire ficou olhando-o com a mente em branco, e tudo que lhe passou pela cabeça foi que aquele homem tinha os olhos mais frios que tinha visto em sua vida.
–E também podemos contar com esse infernal automóvel de seu tio, possivelmente consigamos encontrar um comprador… –Não vou vender ele. A carruagem e o cavalo estão no estábulo e sim estão à venda, mas não vou deixar vender o automóvel de meu tio. –Ainda é cedo para tomar decisões, querida. Estou convencido de que mudará de opinião – assegurou o banqueiro com petulância–. Ah, aí está Sanders… Diane fique conversando com a senhorita Lang enquanto vou falar com ele. Faz tempo que ele tem os olhos nesta casa. –Espere um momento… Calverson partiu antes que Claire pudesse formular seu protesto, e Diane comentou melosamente: –Não se preocupe querida. Deixe os negócios para os homens, as mulheres não são feitas para lutar com esse assunto tão complexos – Olhando ao redor antes de acrescentar–: Pobrezinha, que lugar tão pobre… e nem sequer tem um vestido decente, verdade? Claire tinha estado tão afligida, que nem sequer tinha pensado em se trocar e estava com a roupa simples que colocou para trabalhar na oficina com seu tio, mas em seu quarto tinha vestidos que deixaria em frangalhos o traje de Paris daquela mulher. –Meu tio acabou de falecer, senhora Calverson. Não parei pra pensar em roupas. –Para mim não há nada tão importante como estar bem vestida em qualquer circunstância. Deveria ir trocar de roupas antes que venha mais gente, Claire. Ela ficou olhando sem saber como reagir, e não pôde evitar elevar um pouco a voz ao responder: –Meu tio morreu faz uma hora, não acredito que a roupa importe neste momento. Diane se ruborizou ao ver que várias pessoas se voltavam para olhar. Fez um pequeno gesto de nervosismo com a mão, e soltou uma risada antes de dizer em tom conciliador: –Não me interprete mal, Claire. Não pretendia menosprezar sua roupa, e menos ainda em circunstâncias tão tristes. –Claro que não – Respondeu John com voz suave, ao se aproximar delas. Claire nem sequer tinha o visto chegar, e o coração deu um salto em meio à dor que tomou conta. Ele a olhou com preocupação, e pegou o braço de Diane antes de acrescentar: –Lamento muito sobre seu tio, e estou convencido de que Diane também. Claro que só estava tentando lhe dar conselhos porque se preocupa com você. Claire contemplou aquele rosto magro e duro, e desejou com todas suas forças que ela também a defendesse com tanto zelo. Desejava apoiar a cabeça em seu ombro e desabar em choro, mas o fato de que ele parecesse reservar seu apoio para Diane contribuiu a afundá-la ainda mais. –Não interpretei mal nenhuma só palavra… nem um gesto – acrescentou depois de um olhar eloquente para a mão que ele tinha apoiada no braço de Diane.
O casal pareceu se incomodar depois da clara indireta, e John se apressou a afastarse um pouco da dama; mesmo assim, o senhor Calverson percebeu o detalhe e se aproximou imediatamente. –Vem querida, quero te apresentar a um cliente do banco – a puxou pelo braço com um olhar que falava por si só, e disse a John com voz gélida– Se nos der licença… Claire esperou que se afastassem um pouco antes de sussurrar: –Eu acho que você deveria ter mais cuidado, o senhor Calverson não é cego. Ele a fulminou com o olhar antes de dizer com rigidez: –Tome cuidado, não sou um perito mulherengo como seu amiguinho da loja de roupas. Ela ficou indignada ao ouvir falar assim de Kenny, que era um amor mais estava longe de ser um homem de ação, e levantou o queixo com atitude desafiante. –Você também quer me atacar? Vamos lá, faça-o. Diane já implicou com minha roupa, e seu marido está muito ocupado tentando vender minha casa para que seu banco não perca nem um centavo dos empréstimos que concedeu ao tio Will. Você não tem nenhum comentário doloroso para mim? Seria uma lástima que perdesse essa oportunidade, terá que aproveitar para amassar aos que já estão nos fundos! – suas palavras contrastavam com o tremor de sua voz e as lágrimas molhavam seus olhos cinzas–. Desculpe-me, não me sinto bem –acrescentou, com voz rouca, antes de afastar-se com pressa. Saiu do salão, e apoiou o rosto contra a fresca parede do vestíbulo enquanto lutava para conter as náuseas. Tinha sido um dia comprido e terrível. De repente ouviu que a porta do salão se abria a suas costas, mas as vozes das pessoas ficaram sufocadas de novo quando voltou a fechar-se. Alguém se aproximou uma mão firme lhe agarrou o braço e a forçou que se voltasse, e uns braços fortes e quentes a apertaram contra um peito coberto de áspero tecido. Sentiu sob o ouvido o tranquilizador e rítmico batimento de um coração, e respirou fundo o aroma daquela familiar colônia masculina enquanto se rendia ante a necessidade de sentir-se reconfortada. Tinha passado muito tempo desde que seu tio a tinha abraçado assim depois da morte de seus pais, ao longo de sua vida a tinha consolado em raras ocasiões. –Minha pobrezinha – sussurrou John contra sua têmpora, enquanto lhe acariciava a nuca para tranquilizá-la –. Assim, chore até que deixe de doer tanto – a abraçou com mais força contra seu corpo antes de acrescentar– segure em mim. Jamais o tinha ouvido falar com tanta ternura, e isso era tão reconfortante como excitante. Apertou-se mais contra ele e deixou as lágrimas caírem, chorou de dor, medo e solidão nos braços do homem que amava. Apesar de saber que estava tratando-a assim por pena, era maravilhoso estar entre seus braços. Quando lhe ofereceu um lenço, secou os olhos e soou o nariz. Com John se sentia pequena e frágil, e gostava de sentir o contato de seu corpo alto e musculoso. Separou-se dele com suavidade por um momento, e disse de cabeça baixa e chorosa: –Obrigado, posso perguntar o que levou você a consolar o inimigo?
Ele esboçou um pequeno sorriso ao admitir: –Sentia-me culpado… e não sou seu inimigo, Claire. Não queria ouvir você falando assim, já teve suficiente por hoje. Ela levantou o olhar, e olhou com frieza: –Sim, mais que suficiente. –Está cansada, deixa que o médico te dê um pouco de calmante para que possa dormir. –Não preciso de seus conselhos, duvido que tenha sofrido a perda de algum ser querido. Ele ficou rígido ao recordar seus irmãos menores, a frenética busca dos corpos nas águas gelada e a angústia de ter que dizer a seu pai que tinham morrido, mas se obrigou a deixar de lado aquelas dolorosas lembranças e respondeu com brutalidade: –Está muito enganada, mas a perda faz parte da vida e terá que aprender a aguentála. –Meu tio era tudo o que tinha – espremeu com força o lenço e o olhou nos olhos antes de acrescentar– Se não fosse por ele teria acabado em um orfanato ou em um lar adotivo… foi tão repentino, que nem sequer tive tempo de me despedir dele – os olhos ardiam de novo ante uma nova de onda de lágrimas. Ele levantou o queixo dela com suavidade antes de dizer: –A morte não é um final, mais o começo. Não se torture, tem um futuro pela frente você vai ter que lidar com ele. –Terei que passar um tempo de luto. –É claro – separou uma mecha de seu cabelo da testa, e ao ver que tinha uma mancha de graxa tirou o lenço da mão dela e a limpou–. Manchas de graxa e saias sujas… precisa que alguém cuide de você, Claire. –Não comece a me encher – resmungou, antes de pegar o lenço. Ele sacudiu a cabeça, e seus lábios se curvaram em algo parecido a um sorriso. –Não cresceu nada. Will tinha que ter dedicado a te apresentar a jovens e a te levar a festas em vez de te ensinar a reparar motores, acabará sendo uma solteirona coberta de graxa. –Prefiro isso a me tornar escrava de um homem, não pretendo me casar! – respondeu ela com indignação. –Nem sequer comigo? –sorriu de orelha a orelha ao ver que ficava vermelha como um tomate. –Não, não quero me casar com você – ela disse com rigidez, mas seu caráter brincalhão ressurgiu por um instante e acrescentou–: É muito vaidoso, e sou muito boa para você. Ele soltou uma pequena gargalhada antes de comentar: –Essa sua língua é afiada como uma faca, certo? –respirou fundo, e lhe deu um suave toque em sua bochecha–. Sobreviverá, Claire, nunca foi uma fraca. Mas espero que vá me procurar se precisar ajuda, Will era meu amigo e você também é. Eu não
gosto que esteja sozinha e sem amigos, em especial quando a casa está à venda–viu a expressão de temor que apareceu em seu rosto, e soube imediatamente do que se tratava. –Não sou proprietária de nada, certo? O tio Will mencionou que tinha pedido outro empréstimo… –Sim, o banco vai ter que executar a hipoteca e vender a casa. Você receberá o que sobrar depois de pagar as dívidas de seu tio, mas duvido que seja grande coisa. Também vai ter que vender o automóvel. –Nem pensar. –Terá que fazê-lo, Claire. –Não tem o direito de me dizer o que tenho que fazer, não é nem meu banqueiro nem meu amigo! –Claro que sou seu amigo, queira ou não. O senhor Calverson não vai pensar em seus interesses. –E você sim? Pensa em ir contra os interesses de seu chefe? –É obvio que sim, se for necessário. Aquelas palavras a pegaram de surpresa, fixou o olhar em sua cara gravata; por alguma razão que não conseguia entender, sempre tinha mostrado muito protetor com ela. –Não estou disposta a vender o automóvel em nenhum caso. –O que pensa fazer com ele? –Dirigi-lo, é obvio – seus olhos se iluminaram, e levantou o olhar de novo–. Não há necessidade de vendê-lo, posso alugar para empresários e trabalhar de chofer! Vou abrir um negócio! –É uma mulher – conseguiu dizer, boquiaberto. –Sim. –Não espera que aprove uma ideia tão louca, certo? –espetou-lhe com exasperação. Ela se endireitou a sua altura, mas não lhe serviu de grande coisa, porque ele era muito mais alto. –Farei o que eu quiser. Tenho que ganhar a vida como posso, não tenho nenhuma fonte de ganhos. John a contemplou com uma expressão estranha. Havia várias coisas que tinha cada vez mais claras, e uma das principais era que estava a ponto de se tornar objeto de escândalo por culpa de Diane. Seu marido era muito desconfiado, e se o que havia lhe dito Claire fosse certo, as pessoas já tinham começado a murmurar. Não podia permitir que o bom nome de Diane ficasse em duvidas. Por outra parte, Claire não era ruim… tinha garra e um diabólico senso de humor, um bom coração e maneiras aceitáveis, e geralmente gostava de estar com ela. Tinha uma fraqueza por ela que jamais tinha sentido por nenhuma outra mulher, e como se não bastasse, lhe idolatrava.
–Poderia se casar comigo, assim teria tanto um marido que se encarregaria de defender seus interesses como um teto para abriga-la. Claire sentiu que a terra se abria a seus pés. Era uma sensação muito estranha, como se os pés não estivessem tocando o chão. –Por que quer casar comigo? –Assim resolveriam os problemas dos dois, certo? Você consegue um marido de seus sonhos, e eu me livrarei das fofocas que poderiam manchar o bom nome de Diane – ele disse com um tom de voz ligeiramente zombador, e sorriu ao ver que se ruborizava. Claire se deu conta de que só tinha feito referência ao bom nome de Diane, estava claro que seguia colocando a reputação daquela mulher à sua própria; além disso, sentiu-se doída por aquele comentário tão doloroso sobre o «do marido de seus sonhos». Era irritante que soubesse o que sentia por ele. –Quer que me case com você? Eu preferia comer um guisado de arsênico enfeitado com beladona! Ele apenas sorriu antes de dizer com calma: –A oferta continuará de pé, mas deixarei que você vá me procurar quando se der conta de que é a melhor solução a seu problema. –Sairei por ai dirigindo o carro! Apesar de seu tom beligerante, Claire sabia que não estava sendo realista. Esteve a ponto de acrescentar que poderia viver tão bem ou até melhor trabalhando de costureira, mas como ele não tinha nem ideia desse talento em particular, preferiu calar-se no momento. –Dirija-o se quiser, mas não esqueça que nenhum homem que se preze vai permitir que uma mulher o leve pelas ruas de Atlanta – virou-se para sair, mas a olhou por cima do ombro com um pequeno sorriso e acrescentou–: Estarei esperando notícias suas, Claire. Venha-me ver quando sua situação estiver desesperadora. –Jamais o farei! – ela respondeu, ao ver que partia. Sua recusa era falsa, porque na realidade não sabia em que situação ia ficar nem qual medidas iria ter que tomar, mas estava indignada diante de semelhante oferta de casamento. Tinha sido tão frio e calculista, que só de pensar nele lhe dava calafrios. Era inconcebível que ele acreditasse que estaria disposta a aceitar uma proposta assim, nem sequer tinha tentado fingir um pouco de calor e afeto, embora fossem falsos! A atitude de John tinha uma única explicação: o muito que queria Diane. Não fazia diferença no que ele fizesse, deixou claro que amava aquela mulher mais que tudo e que estaria disposto a sacrificar-se e casar-se com outra para salvá-la das fofocas. Parecia um gesto nobre e heroico de sua parte, mas o problema era que ela também teria que sacrificar-se e casar-se com um homem que não a amava. Estava consciente do que ele sentia por Diane, isso era algo que não ia mudar. Seria uma tola se aceitasse se casar com ele.
Embora talvez pudesse conseguir com que se apaixonasse por ela… possivelmente poderia aprender a amá-la pelo fato de viver com ela, de compartilhar coisas e de tê-la perto todos os dias. E também era possível que ficasse grávida (ficou vermelha como um tomate só de pensar) segura que ele sentiria algo pela mãe de seu filho, certo? Apressou-se a deixar aquela ideia absurda de lado. Sabia que os homens eram capazes de deitar-se com qualquer mulher, mesmo que John fizesse amor com ela, na realidade estaria pensando em Diane. Como poderia suportar seus beijos e suas carícias sabendo que ele desejava a outra, e essa outra não compartilhava o mesmo desejo? A resposta era óbvia: não poderia suportá-lo. O que tinha que fazer era recolher os pedaços de sua destroçada vida e tornar-se uma mulher independente, com certeza haveria algum caminho a percorrer. Se o adorado automóvel de seu tio não fosse a resposta, já lhe ocorreria outra coisa, e o altivo senhor Hawthorn teria que engolir sua infame proposta. Duas semanas depois do funeral, Claire se limitava a ver a vida passar. Kenny foi visita-la e se ofereceu para ajudá-la em tudo o que precisasse, inclusive em podar os arbustos, mas ela não aceitou porque não queria dar esperanças. Estava claro que ele estava apaixonado, mas o que ela sentia por ele não era amor, a não ser simples amizade. Sentia muita falta de seu tio e já começava a ter problemas de dinheiro, por isso não tinha mais escolha a não ser despedir Gertie e Harry. Tinha sido um duro golpe para os três, e a despedida foi marcada pelas lágrimas e as promessas de permanecer em contato; por sorte, na área sabiam que eram muito bons trabalhadores, assim tinham encontrado outro emprego imediatamente e ela tirou esse peso da consciência. Vendeu a casa, senhor Calverson lhe mandou um aviso informando que tinha um comprador que queria se mudar em um mês. Ela ia receber duzentos dólares da venda, mas era um dinheiro que não iria demorar em acabar, porque tinha que pagar os gastos do funeral. Tinha tentado começar a trabalhar de chofer com o automóvel, mas tal como John Hawthorn havia avisado, os homens ricos da área não foram em massa a sua porta para contratar seus serviços; de fato, ignoraram-na abertamente. Em uma ocasião saiu para dar uma volta pelo bairro no veículo, embelezada com o comprido guarda-pó branco, os óculos protetores e a boina que estava acostumada a usar de seu tio, mas uns pirralhos lhe atiraram pedras e um cavalo se assustou tanto ao vê-la chegar que saltou um arbusto, assim tinha guardado o automóvel na garagem e não havia tornado a tirá-lo. Tentou trabalhar como costureira, mas a mulher que Gertie tinha falado acabava de contratar uma nova costureira e não precisava de mais ajudante. A única alternativa era vender seus desenhos porta a porta, ou que alguma loja de roupas a contratasse para fazer os acertos. Tinha pensado em Kenny, mas não queria desenhar roupa de homem, e muito menos encarregar-se dos acertos.
Costurar em casa era uma boa opção, mas em breve ia ficar sem um teto. Os frangos e as galinhas eram dela, mas não sabia onde ia coloca-los para vender os ovos a seus clientes habituais. John havia dito que acabaria indo pedir ajuda. Estava a ponto de chegar a isso, o orgulho era o único que a detinha… mas o orgulho era muito caro, e estava ficando sem dinheiro a grande velocidade. Ouviu que batiam na porta justo quando acabava de tirar a capa e o chapéu, ao ir abrir viu que se tratava de John. Seu coração acelerou ao vê-lo, mas a raiva que sentiu deixou pra trás todo o resto. –As mulheres dirigem bordéis e casas de hóspedes! Se podem estar à frente desse tipo de negócios, podem encarregar-se de muitos outros! Suas palavras de raiva deveriam ser divertidas, porque ele sorriu e respondeu em tom de brincadeira: –Tem pensado em abrir um bordel? Não lhe aconselho isso, ao menos em Colbyville – se inclinou para ela antes de acrescentar em voz baixa– Mas prometo ser seu primeiro cliente se o fizer. Claire se ruborizou dos pés a cabeça por ouvir aquilo e as pernas ficaram bambas ao imaginar-se na cama com ele, mas com firmeza lembrou que ele só estava brincando. –Sabe perfeitamente bem que não penso fazer algo assim! O que você quer? –Vim ver como está – seu sorriso foi tingido com preocupação, e a olhou atentamente por uns segundos–. Tenho me mantido informado por seus vizinhos, parece que as coisas não estão muito bem no momento. –Encontrarei trabalho quando estiver preparada – assegurou, enquanto abraçava a cintura com os braços em um gesto defensivo. –Avisaram-lhe que tem que sair da casa no fim do mês, certo? –Sim. John tinha dito que iria desmoronar depois da morte de seu tio e lhe pediria ajuda, mas não tinha sido assim; de fato, Claire não tinha pedido ajuda a ninguém. Naquelas alturas de sua vida não se surpreendia com facilidade, mas que era tão orgulhosa a tinha tomado de surpresa. Devido às experiências do passado, era muito cínico julgar a natureza humana, e recordava com clareza o momento preciso em que suas ilusões se foram para sempre. Tinha sido em Cuba, ao ver os prisioneiros arrebanhados como gado. Mas pior do que ver aqueles pobres homens tinha sido o horror do naufrágio no Maine no porto de Havana, dois meses antes de sua unidade partir para Cuba. Seus dois irmãos pequenos iam a bordo daquele couraçado… tinha sido ele, com seu cargo de oficial e suas medalhas, quem tinha influenciado para que se alistassem e Rob e Andrew tinham morrido. Seu pai o tinha insultado no funeral com uma serie de maldições até ficar literalmente sem fôlego. Naquele tempo estava destinado de forma temporária em
Tampa, e seu oficial tinha lhe concedido uma permissão para que retornasse a Savannah e assistisse ao funeral; pouco depois, sua unidade tinha partido para Cuba com a eclosão da guerra. Ainda podia ouvir o choro de sua mãe, ver os olhares de piedade do irmão e irmã que ficaram com vida, sentir o olhar gélido e cheio de ressentimento de seu pai e lhe ouvir dizer que jamais voltaria a ser bem recebido naquela casa; mais tarde, quando foi ferido e enviado para Nova York ao dar baixa no Exército, ele mesmo tinha solicitado que lhe internassem em um hospital da região de Atlanta. Ainda odiava seu pai por ter impedido que sua mãe fosse vê-lo, por não ter permitido sequer que falasse com ela durante sua convalescença. Pousou o olhar no rosto de Claire ao lembrar que ela sim que tinha ido visitá-lo com frequência. Tinha perdido tudo o que amava inclusive Diane, e a presença de Claire tinha significado muitíssimo para ele, mas nunca havia lhe dito. –Porque está com essa cara? –disse ela de repente. –Que cara? –A que está agora, é como se não tivesse mais a mínima esperança. –Acredita que era um iludido? –perguntou-lhe, com uma gargalhada carente de humor. –Eu pensei que… enfim, dá no mesmo. Suponho que qualquer homem amadureça ao perder tudo que ama na vida. Lamento o que disse de Diane, já sei que não pode evitar o que sente por ela. Ele se inclinou para trás como se suas palavras lhe tivessem atingido de verdade, e conseguiu dizer: –É muito perceptiva. –Sempre fui. Não tenho amigos íntimos porque as pessoas gostam de guardar seus segredos – Admitiu com um sorriso carregado de tristeza. –Sim, imagino que te custa conservá-los. –Às vezes – soltou um suspiro pesaroso, e percorreu com o olhar o salão deserto. – Creio que uma governanta fará falta para os novos donos? –Não, já têm seu próprio serviço. No que quer trabalhar? –Só sei cozinhar e limpar… e reparar automóveis, claro. Também costuro um pouco. –Todas as mulheres costuram, e saber reparar automóveis não é útil porque há muito poucos; de fato, quero lembrar que seu tio tinha o único da área que funciona com gasolina. –Algum dia haverá muitos mais. –Não duvido, mas você precisa de trabalho agora mesmo. –O mundo em que vivemos é muito injusto, as mulheres têm que lutar para que permitam trabalhar em algo que não seja lavar, datilografar, costurar, ou ser vendedoras.
John suspirou interiormente ao lembrar que Diane havia lhe dito que só desejava ser uma boa esposa. Por que tinha casado com Calverson? Ela mesma já se deu conta do engano que tinha cometido, mas era muito… muito tarde! O que mais lhe doía era que tinha sido ele quem lhe tinha apresentado a Calverson quando foi trabalhar pela primeira vez no banco recém-saído de Harvard. –Tem para onde ir, Claire? –a casa já estava quase vazia, porque a maioria dos móveis haviam sido vendidos para pagar as faturas. –Encontrarei algum lugar antes de sair daqui. Disse-o com rigidez, mas ele sentiu o medo sob a couraça de orgulho. Seu espírito lutador e independente lhe pareceu admirável, estava claro que não ia dar-se por vencida por mais mal que estivesse. Colocou as mãos nos bolsos, e soltou um sonoro suspiro antes de lhe dizer com total seriedade: –Case-se comigo, Claire. Assim solucionarão todos os seus problemas e a maioria dos meus. Ela se negou a ceder ante a dolorosa emoção que a embargou, e lhe respondeu carrancuda: –Disse que não da outra vez, e repito isso agora. Só quer que seja uma cobertura, uma camuflagem para poder se encontrar com sua mulher casada. –Não me conhece absolutamente, certo? Vamos virar o assunto. Você me trairia com outro homem se casasse comigo? –Jamais me ocorreria fazer algo tão desonesto. –E a mim tampouco – ao ver o olhar duro que se refletia naqueles pálidos olhos cinza, deu-se conta de que só ia poder convencê-la com a pura verdade – vamos deixar as coisas claras: sim, amo Diane – ele tirou as mãos dos bolsos, e deu um passo em direção a ela – Uma parte de mim a amará para sempre, mas está casada e não posso tê-la com honra, e qualquer outra solução destruiria tanto sua reputação como a minha. A única opção sensata que fica é forjar-me uma nova vida. Você e eu não somos um casal de desconhecidos, fomos meros conhecidos durante anos e nos dois últimos entramos em uma relação mais próxima. Tem qualidades que admiro, e embora o nosso não seja o casamento mais apaixonado do mundo, acredito que encaixaremos bem. Nós dois estamos demais no mundo neste momento, Claire. Aquelas palavras a pegaram de surpresa. Esperava que recorresse a palavras persuasivas e inclusive a uma amostra de paixão para tentar convencê-la, mas aquela honestidade total tinha acabado com suas defesas. Ele a contemplou de forma deliberada com um olhar penetrante, e levantou uma sobrancelha ao vê-la ruborizar-se. –Talvez você goste de estar casada. –Se eu me casar com você, só será… será como amigos. Não penso… né… não posso…
–Não pode compartilhar meu leito – seu sorriso se alargou ainda mais - De acordo, deixaremos assim no momento. –Para sempre! –Está vermelha como um tomate. –Deixa de zombar de mim! Quero que me prometa isso, John. Ele levou uma mão ao peito, e disse sorridente: –Prometo com toda sinceridade que não te pedirei que faça nada que te incomode. É o suficiente? Ela cedeu um pouco; a final ele estava lhe fazendo um enorme favor ao lhe oferecer o amparo de seu sobrenome e a segurança de um lar. –É que não quero ser a substituta de Diane – admitiu em voz baixa. –Entendo, e espero que sempre seja sincera comigo; por minha parte, prometo que jamais mentirei pra você. Acredito que nos daremos bem. Ao ver a seriedade e a intensidade que se refletia em seus olhos escuros, Claire soltou um suspiro e admitiu: –Tudo isto me parece um pouco exagerado. –Por que com o tempo pode resultar em uma bênção para os dois. Que tipo de anel prefere? O que te parece se deixarmos boquiaberta a toda as pessoas de Atlanta e nos casarmos no fim do mês? –No fim do mês? Iria armar um escândalo! –Sim, talvez sim, mas um escândalo positivo. –Quem vai me entregar na cerimônia? –mordeu os lábios e olhou com expressão interrogativa sem dar-se conta de que estava capitulando–. Certamente você tem família, que virão assistir? –Meus parentes vivem longe daqui, não vão poder vir - Ele respondeu com rigidez. Não queria lhe contar por que não podia convida-los para o casamento. –Ah. Bom, terei que ir sozinha ao altar. –Será uma noiva maravilhosa, Claire. Prometo que vai ser um casamento muito simples, só assistirão as pessoas necessárias. Ela não falou mais no assunto naquele momento; por alguma estranha razão, não lhe ocorreu pensar em quais seriam essas «pessoas necessárias»… e quando se deu conta, já era muito tarde.
CAPÍTULO 3
C
omo Claire tinha estado tão ligada a seu tio e se focado tanto em ajudar, nunca tinha tentado fazer amizade com as poucas mulheres solteiras da região. Sentiu profundamente esse vazio quando uma emocionadíssima Gertie a ajudou a preparar-se para o casamento, mas pelo menos tinha alguém a quem considerava como de sua família no acontecimento mais importante de sua jovem vida. –Gostaria que seu tio pudesse vê-la agora, senhorita Claire. Está maravilhosa. –Claro, porque o véu me cobre o rosto – respondeu ela, sorridente, em tom de brincadeira. Não vestia um vestido de noiva tradicional, a não ser um muito elaborado de seda branca e rendas. Ela mesma o tinha confeccionado para uma debutante que tinha decidido na última hora que não o queria, e como era de seu tamanho, teve o bom senso de ficar com ele também um volumoso chapéu branco com véu, e um pequeno buquê de flores do outono que Gertie tinha amarado com um laço prateado e renda branca, assim era a imagem de uma noiva moderna. –Você sabe perfeitamente bem o que eu quis dizer – a repreendeu Gertie com voz suave, enquanto arrumava bem uma das pregas da longa saia – Bom, está perfeita. O senhor John vai se sentir muito orgulhoso ao vê-la. «O senhor John» a tinha visto na porta principal, e não tinha dado a impressão de que sentisse nenhum orgulhoso. Mostrou-se muito atento e cortês ao longo das três últimas semanas, a tinha levado a recitais de poesia e concertos cada noite e tinha sido um acompanhante encantador, mas apesar de que o afeto que sentia por ela fosse tão evidente como sempre, a coisa não tinha ido mais à frente. A pura verdade era que não havia nada mais. Não houve beijos nem o mínimo esforço de que a relação avançasse além da amizade, e nesse dia, pouco antes de celebrar a cerimônia, parecia ansioso… perguntou com medo se ele seria capaz de voltar atrás no meio do casamento, e imaginou a si mesma ficando plantada no altar. –Suas mãos estão trêmulas! – Gertie as cobriu com as suas para esquentar-lhe e acrescentou– Não fique nervosa, moça, asseguro-lhe que estar casada tem muitas coisas boas. Harry e eu levamos trinta anos juntos e somos muito felizes, Vai ver como você também o será. Claire ergueu o olhar para aqueles olhos transbordantes de carinho e bom humor, e respondeu sem inflexão alguma na voz:
–Sim, mas Harry te ama. Gertie mordeu o lábio antes de lhe assegurar com voz suave: –Há vezes em que o amor chega depois. –E outras vezes não chega nunca - falou ela, ao recordar que John tinha convidado os Calverson para o casamento. Pior, ele se preocupava que alguns dos assistentes estivessem no casamento por curiosidade, pelas fofocas que lhe relacionavam com Diane… claro, seguro que estava tão quieto por isso, e não porque estivesse arrependido de lhe haver proposto casamento… se não convencesse a si mesma de que ele estava contente com o casamento, ia enlouquecer. A verdade era que John estava tentando não olhar para Diane, não ver como estava maravilhosa e elegante com um espetacular vestido branco e negro. Parecia abatido apesar do sorriso que não abandonava seu rosto, e seu marido estava muito sério. Estava preocupado por ela desde dia do funeral do tio de Claire, porque Eli se mostrou cortante com ela e hostil com ele; mesmo assim, apesar do muito que desejava falar com ela para perguntar se seu marido a maltratava por causa dos boatos, não tinha se atrevido a aproximar-se dele por medo e piorar ainda mais a situação. E justo nesse dia, em um instante em que ficaram sozinhos no fundo da igreja, tinha os olhos chorosos e tinha lhe agarrado à manga para obriga-lo a segui-la até uma sala lateral. –Jamais pensei que seria capaz de fazê-lo, John! Não o faça…! Por favor, não o faça! –tinha lhe suplicado, enquanto se agarrava desesperadamente em seus braços–. Não pode se casar, não pode! Precipitei-me, admito que cometi um terrível erro. Casei-me para te causar dor, nada mais, mas o que aconteceria se meu casamento se acabasse de repente e você estivesse preso a Claire? Tem que parar o casamento! –Do que está falando? – a tinha agarrado com força nos braços, e tinha acrescentado com rigidez– Continua sendo minha amiga… Ela tinha encorajado ainda mais ao ver o fogo que se refletia em seus olhos. Apertou-se contra seu corpo até apoiar todo seu peso nele, e tinha erguido a cabeça antes de admitir: –O que quero não é amizade, te amo! Ouvir aquelas palavras o tinha deixado sem fôlego. –Mas se me disse que… –Menti! A situação era tão terrível que tentei facilitar um pouco as coisas, mas agora não posso permanecer calada. Devo dizer toda a verdade. Não pode seguir adiante com o casamento, John. Estou disposta a te prometer qualquer coisa, se você jogar tudo para o alto e sair dessa igreja – sussurrou com um tom sedutor– Te darei o que você quiser, querido… Ele tinha vontade de gritar. Os olhos de Diane lhe prometiam o paraíso, e seus lábios… estava se inclinando para eles como puxado por cordas invisíveis, mas de
repente tinha tomado consciência de novo de quem ele era de quem era ela e de onde estavam. Afastou-se lentamente, com relutância e o lábio superior repleto de suor, e disse com aspereza: –Já é muito tarde. –Não, podemos voltar atrás! –Como? –a angústia que se refletia naquele rosto tão bonito tinha esmigalhado ele por dentro. Diane lhe amava, seguia amando-o… e ele estava a ponto de casar-se!–. Meia Atlanta está aí fora, Diane. Não posso fazê-lo! Ela olhou-o através de uma cortina de lágrimas antes de exclamar: –Fui uma idiota, não me dei conta do muito que te amo até recentemente! Não há razão alguma para que você também estrague sua vida. Não a ama, Você me ama! –Eu sei – Ele tinha admitido com um gemido cheio de dor, e lhe tinha agarrado as mãos com força enquanto seus olhos negros a olhavam com adoração–. Te amo mais que a minha vida! Ela apertou-se ainda mais contra seu corpo, e sussurrou com urgência: –Talvez o meu casamento não dure muito mais tempo. Não posso dizer nada mais a respeito, mas é muito possível que fique livre antes do que pense. Tem que parar o casamento, não pode haver dois cônjuges entre nós. Devo te dizer algo sobre o Eli… – se afastou de repente dele ao ver que seu marido se aproximava pelo corredor, e quando Calverson chegou perto deles, ela já estava rindo como se nada tivesse acontecido. A John tinha parecido surpreendente que fosse capaz de recuperar-se com tanta rapidez, porque para ele custaria muito mais esforço. –Que história tão maravilhosa John! Tem que contar-lhe a Eli! –tinha exclamado ela, enquanto secava os olhos. Calverson tinha relaxado ao vê-la chorar de rir, e tinha respondido com naturalidade: –Depois, querida. Este moço tem que se casar– sem mais, pegou seu braço e tinha saído com ela pelo corredor. Enquanto se afastava com seu marido, Diane lhe lançou um olhar por cima do ombro com olhos suplicantes e cheios de desespero, e John ainda estava lutando por limpar as ideias. Ela levava semanas sem lhe dirigir a palavra, mas justo no dia de seu casamento lhe declarava seu amor e lhe suplicava que não se casasse, prometia-lhe que podiam ter um futuro juntos e insinuava que… o que? E ele, que a amava e acabava de saber que ela sentia o mesmo, estava a ponto de casar-se com outra. Já havia uma barreira que os separava, seu casamento com Calverson, e ele estava criando outra. Ia se casar com Claire apesar de não a amar? Procurou com o olhar os olhos de Diane, que estava ao outro lado da sala, e ela esboçou um sorriso triste, mas tranquilizador ao lhe ver tão triste. Obrigou-se a deixar de olhá-la, a tortura era muito
grande. Diane era seu amor, sua vida, e estava a ponto de perdê-la para sempre porque estava empenhado em evitar que a pessoas fofocassem sobre ela e porque Claire lhe dava pena. Por que não notou a tempo o quanto estaria preso se fosse casado? Não tinha nem ideia de que existia a possibilidade de que o casamento de Diane se rompesse, e se inteirava justo quando já era muito tarde. Ele não poderia divorciar-se rapidamente de Claire nem pedir a anulação do casamento nem no caso de que Diane ficasse livre de repente, porque isso daria pé ao dobro de fofocas… embora teriam a opção de ir embora… Disse para si mesmo que ainda haveria tempo, que podia parar aquilo nesse mesmo momento. Podia ir ver Claire, lhe dizer que se precipitou, que por muito que lamentasse a situação em que se encontrava depois da morte de seu tio, não a amava e não podia casar-se com ela… sim, claro que podia fazê-lo! A verdade era que chegou a tentá-lo. Foi ao seu encontro quando ela entrou na igreja, oprimido pelo emaranhado de sentimentos que formavam redemoinhos em seu interior, e ela olhou com um olhar limpo e direto, com olhos que brilhava um pouco parecido à adoração e o rosto corado. Abriu os lábios para pronunciar as palavras que acabariam com aquela farsa, mas foi incapaz de fazê-lo ao ver aqueles doces olhos cinzas através do véu. Ficou ali plantado, emudecido. Parecia tão pura tão doce e inocente… tão apaixonada, disse-se com amargura. De repente, o pensamento de machuca-la era insuportável. – Acontece algo a meu vestido? –perguntou ela com preocupação. – Não – Foi uma resposta cortante, e ao olhar por cima do ombro para as pessoas que enchiam a igreja soprou com impotência–. Espera até que comece a música – Ele disse com rigidez e retornou pelo corredor para o altar, para o sacerdote que esperava já para lhes casar. Estava envergonhado de si mesmo, lamentava não ter uma desculpa para não casarse. Seu coração sempre pertenceria a Diane, e nesse momento mais que nunca. Perguntou-se angustiado se chegaria a esquecer alguma vez a confissão que ela acabava de lhe fazer, a tortura que tinha visto naqueles lindos olhos. Como lhe tinha ocorrido casar-se com Claire se um simples empréstimo teria sido suficiente? A prudência não tinha chegado a tempo de lhe salvar, não podia sair da igreja diante do olhar de metade dos habitantes mais proeminentes de Atlanta. O escândalo afundaria tanto sua vida como a de Claire, não tinha mais remedeio que seguir adiante com o casamento. Claire começou a avançar sozinha pelo corredor da igreja quando começou a soar a música. Não tinha a ninguém que a entregasse, nem damas de honra nem convidados pessoais; apesar de ser um casamento, o ambiente se assemelhava mais a de um funeral. John parecia zangado, infeliz, e através do véu podia ver que Diane estava olhandoo com expressão tensa e contida. Estava claro que continuava sentindo algo por ele…
e um instante depois viu o olhar cheio de impotência que John lançou para aquela mulher, viu a tortura que se refletia em seus olhos negros. Parou junto a seu futuro marido com o coração martelando no peito, e logo ficou consciente de que o sacerdote iniciava a cerimônia. John estava apaixonado por Diane, e a julgar como ela o olhava, estava claro que o sentimento era recíproco. Diane também o amava! Sentiu-se encurralada, vítima de seus próprios sentimentos… como John dos seus. Estava apaixonada por ele, mas isso jamais bastaria. Embora John vivesse com ela, inclusive no caso improvável de que chegassem a fazer amor e a ter filhos, ele seguiria sonhando com Diane, amando-a e desejando-a cada minuto de sua vida… e vice versa. Ia ser uma vitoria vazia e um casamento vazio e carente de sentimentos, mas tinha estado tão carente pela perda de seu tio e pelo amor impossível que sentia por John, que tinha se dado conta muito tarde. O sacerdote perguntou a John se a tomava por esposa, e ele respondeu que sim com voz seca e forçada. Claire hesitou quando chegou sua vez de responder, mas ao ver que John lhe segurava com força a mão se ruborizou e respondeu que sim de forma instintiva. Ele colocou o anel em seu dedo, e o sacerdote deu por finalizada a cerimônia e deu permissão para que o noivo beijasse a noiva. Sentiu-se aliviada ao ver que John não a deixava em evidência e cumpria com a tradição, mas ao levantar o véu olhou para ela com uma expressão que refletia como ele estava tenso. Inclinou-se para ela, e seus lábios firmes mal roçaram os seus… foi um beijo muito diferente ao que ela tinha desejado, o beijo com que tinha sonhado e que tinha desejado com todo seu ser. Ele a pegou pelo braço e avançaram pelo corredor da igreja enquanto ouviam as felicitações e as amostras de alegria dos convidados, que tinham ficado em pé. John olhou à mulher a que acabava de tomar por esposa, e o coração gelou ao ver como estava abatida. Saiu com ela da igreja sem olhar para trás nenhuma só vez. Chegaram ao apartamento de John bastante tarde depois da animada festa de casamento. Claire teria adorado em outras circunstâncias, mas Diane se comportou como se estivesse de luto e os sorrisos forçados de John lhe tinham dado nos nervos, assim tinha acabado desfeita. Era um apartamento bonito situado em Peachtree Street, no piso superior de uma enorme casa vitoriana. O bairro era muito agradável, havia árvores tanto ao longo da rua como no jardim diante da casa, e ela desejou que não fosse tão de noite para poder ver tudo com mais calma. John tinha comentado que tinha uma garagem onde poderia guardar o automóvel de seu tio, e decidiu que iria verificar no dia seguinte. Ela hesitou por um instante ao entrar no apartamento e percorreu com o olhar o sofá e as cadeiras de desenho, as cortinas que cobriam as janelas, o cinzeiro que
continha um charuto e a lareira, que estava acesa; apesar de está tão ao sul do país, algumas noites de setembro eram bastante frias. Ele se dirigiu para uma das portas que havia no salão, e girou a maçaneta de cristal antes de dizer com voz apagada: –Este será seu quarto. Ela entrou sem dizer uma palavra no quarto, que era pequeno mais estava bem decorado. A cama branca estava coberta com uma colcha cor damasco, havia um banco com sua jarra de água e sua bacia, uma penteadeira com espelho, e um armário. Teria de tudo… menos um marido, claro. –Obrigado por não me pedir que compartilhássemos o mesmo quarto – Ela disse com voz baixa sem se atrever a olhar para ele. –Eu não me importo o mínimo, o nosso não é um casamento normal – Ele deu um soco contra o armário em um acesso de fúria e culpa, e a dor lhe proporcionou uma pequena satisfação – isso foi uma loucura! Voltou-se para olhá-la, e Claire se sentiu ferida no fundo ao ver a amargura e a angústia que se refletiam naqueles olhos negros. Ela agarrou-se com força à cortina de renda, e lembrou-lhe com voz aguda: –Eu não te obriguei a nada, foi você que me convenceu de que seria pelo bem dos dois. Ele conseguiu controlar suas emoções com muita dificuldade antes de admitir: –É verdade, mas vamos nos arrepender por toda a vida de ter dado este passo – fechou os olhos, e demorou uns segundos para voltar a abri-los. Sentia como se tivesse envelhecido vinte anos de repente. Ela não sabia o que dizer a ele, e finalmente foi ele quem rompeu o silêncio ao acrescentar: –Enfim, já está feito e teremos que nos arrumar da melhor maneira que pudermos. Não nos veremos muito, você pode se encarregar de manter o apartamento limpo e eu seguirei indo ao banco diariamente. Estou acostumado a ficar trabalhando até tarde muitas vezes, inclusive aos sábados. Teremos que ir juntos a missa no domingo, e às vezes vou jogar tênis no meu clube. Estava claro que não queria que o acompanhasse que queria vê-la o menos possível, assim fez provisão de seu maltratado orgulho e respondeu com a cabeça erguida: –Eu gostaria de trazer o automóvel de meu tio. Ele soltou um sonoro suspiro e se limitou a dizer: –Bom, se insisti… - não queria discutir, ainda não podia tirar da mente a imagem dos belos olhos de Diane cheios de lágrimas. –Sim, insisto. E também quero minha bicicleta. –Não sabia que tinha uma. –A maioria das moças tem uma hoje em dia. Andar de bicicleta é um exercício muito benéfico, na região há um clube de ciclista.
–É perigoso –ele se preocupava que tivesse atividades tão loucas– Uma ciclista se feriu ao cair em uma corrida, e eu creio que há na cidade uma lei onde é ilegal sair de bicicleta à noite a menos que se leve uma iluminação apropriada para não assustar os cavalos. –Eu já sei de tudo isso, John. Vou cumprir com todas as normas, e em qualquer caso, não ando a noite. Ele meteu as mãos nos bolsos e a contemplou em silencio ao dar-se conta de que a verdade era que não a conhecia muito bem. Sim, era sua amiga, mas também era uma desconhecida com a qual ia compartilhar sua vida de agora em diante, e apesar de que não tivessem um casamento no pleno sentido da palavra, não estava seguro de até que ponto ia gostar daquela situação. A própria Claire estava pensando mais ou menos o mesmo, apesar do muito que lhe amava. –Há água corrente? –É obvio, o banheiro fica no final do corredor. A cozinha está a sua disposição, mas a senhora Dobbs se encarrega de cozinhar. Pode lhe consultar o menu e lhe pedir que faça o que goste, é muito acolhedora. –Certo –Tirou o chapéu, e voltou a cravar no tecido o alfinete de pérolas que tinha prendido os cabelos. Sem o objeto parecia frágil e muito jovem, e a John doeu vê-la assim. Ela não tinha culpa de nada… se sentiu mal ao dar-se conta de quão decepcionada devia sentir-se de como havia transcorrido aquele dia. Ele não tinha tentado sequer facilitar as coisas; de fato, mostrou-se hostil grande parte do tempo pelo que Diane havia lhe dito, pela expressão de angústia que tinha visto em seu lindo rosto. A dor era quase insuportável. –Sinto muito, John. No casamento percebi que você queria desistir quando já era tarde demais. Você não tinha pensado as coisas com calma, certo? Estava claro que não tinha sentido tentar mentir, assim soltou um suspiro triste e se limitou a dizer: –O que pensei ou deixei de pensar não tem importância a estas alturas, Claire. Devemos nos moldar às circunstâncias e seguir adiante o melhor possível. Ela teve vontade de rir como uma histérica, mas sabia que seria uma reação inútil. Contemplou tristemente aquele rosto tão bonito e tão amado. Tinha pela frente uma vida estéril e sem amor, uma vida em que tudo que esperava dele era ressentimento e tolerância. Tinha sido uma loucura por parte dos dois chegar a um acordo tão desatinado. –Por que você se casou comigo se ainda a ama? –As palavras saíram de sua boca antes que percebesse que iria pronuncia-las. –Como você mesma disse, porque não pensei nas coisas com calma. Senti pena de você, e senti pena de mim também. Que mais será dos nossos sentimentos? Ela está casada e eu também, e nenhum dos dois é tão mesquinho para quebrar os votos que
fizemos diante de Deus – ele se sentiu deprimido, resignado, derrotado. Deu-lhe as costas antes de acrescentar– Acho que vou dormir cedo, sugiro que faça o mesmo. –Sim, acredito que será o melhor. Boa noite. Ele se sentia tão culpado, que foi incapaz de voltar-se para olhá-la antes de sair do quarto. Mais tarde, só na escuridão, Claire deu rédea solta às lágrimas. Tinha depositado grandes expectativas naquele casamento, mas tudo desmoronou ao dar-se conta de que seu marido estava cheio de arrependimento e amargura. Talvez as coisas tivessem sido distintas se Diane não tivesse assistido ao casamento, mas no final tinha acabado unida a John em um casamento que ele não desejava, e já era muito tarde para remediá-lo. O divórcio era uma possibilidade que não queria nem pensar, porque nenhuma mulher queria viver com semelhante estigma, mas um casamento sem amor ia ser muito pior. Não haveria beijos nem prazer mútuo, nem sequer o consolo de ter um filho. Levou a mão à boca para sufocar outra onda de soluços, e disse que tinha que parar de chorar. Todo mundo tinha sonhos destruídos, mais dava a impressão de que em sua vida estava acontecendo um após o outro nos últimos tempos. Claire já estava de melhor ânimo quando chegou sexta-feira, porque tinha acabado de limpar a garagem que havia atrás do edifício e já podia guardar ali o automóvel. Havia sido bastante difícil conseguir a permissão da senhora Dobbs, a proprietária da casa; como muitos outros, sentia medo das novas invenções, sobre tudo as que andavam automaticamente. Ela pediu ao chofer de John que a levasse a casa que tinha pertencido a seu tio, e limpou um pouco o veículo antes de subir e colocar os óculos protetores. Um vizinho tinha gentilmente a ajudado a amarrar a bicicleta na parte traseira do veiculo, e sem mais demora disse adeus e começou a subir. Era como se acabassem de liberta-la. Sorriu de orelha a orelha enquanto percorria a rua poeirenta para Atlanta a toda velocidade, sentada no assento elevado do veículo e vestida com o guarda-pó comprido, os óculos e o boné que completavam o traje que seu tio estava acostumado a usar ao dirigir. As roupas ficavam um pouco grandes, mas conduzia o veículo com facilidade. Cada vez que via uma carruagem reduzia a velocidade um pouco, porque os cavalos ficavam nervosos quando ouviam que se aproximava o carro e não queria causar um acidente. Os acidentes com carruagens descontroladas causavam muitas mortes, mas não se devia só aos automóveis, mas ao fato de que as pessoas compravam sem saber cavalos que não eram de redias. Teriam que saber selecionar um animal adequado. A carícia do vento no rosto fez com que risse pela primeira vez na semana que estava casada. John a ignorava por completo, só se viam obrigado a compartilhar um pouco de atenção à hora do café da manhã e do jantar porque dividiam a mesa com a senhora Dobbs. A senhora não tinha conhecimento da verdade, assim estava
acostumada a brincar e soltar claras indiretas sobre o tema de ampliar a família com filhos. Dava a impressão de que John não se incomodava com aqueles comentários bemintencionados (de fato, ele sempre era tão prudente que dava a impressão de que nem sequer os ouvia), mas a incomodavam muito. Foi cansativo ter que fingir a toda hora. Mas nesse momento, enquanto andava como uma bala pelos caminhos a uns trinta quilômetros por hora, não tinha que fingir nem preocupar-se com as aparências. Estava tão coberta com o traje que usava, que nem sequer seus conhecidos a teriam reconhecido, e se sentia livre, poderosa e invencível; ao ver que não havia veículos no caminho e tinha a via livre, soltou uma exclamação de entusiasmo e acelerou ainda mais. O carro tinha um elegante painel curvo e rodas de rádios, e o condutor controlava a direção com uma larga alavanca de marcha que surgia da caixa que havia entre as rodas dianteiras. O motor estava entre as rodas posteriores, e a caixa de mudanças sob o pequeno assento. Nesse momento ia como uma seda pelos caminhos de terra, mas Claire tinha tido que lutar junto a seu tio com os muitos problemas que tinham surgido quase diariamente: o carburador tinha tendência a esquentar muito, assim teria que parar a cada quilômetro e meio mais ou menos para deixar que esfriasse; a banda de transmissão se rompia com uma regularidade extravagante, tinha que lubrificar com azeite as almofadinhas para evitar que o superaquecimento se estendesse aos aros do pistão e danificassem as velas, e como não bastassem os freios estavam acostumados a ter problemas. Mas o motor funcionava às mil maravilhas durante curtos períodos de tempo apesar de todas essas pequenas dores de cabeça, e ela se sentia no topo do mundo enquanto conduzia. Adorava dirigir por Atlanta, deixar para trás as charretes e as pesadas carruagens. Era uma cidade carregada de história, e ela mesma tinha vivido as recentes celebrações de 1898: a primeira tinha sido a reunião da União de Veteranos Confederados em julho, em que os antigos combatentes tinham desfilado por Peachtree Street vestidos de uniforme para receber cinco mil assistentes. Tinha ficado gravada na memória a imagem do general Gordon, imóvel sob a chuva montado em seu cavalo preto enquanto o desfile passava frente a ele, no trigésimo quarto aniversário da batalha de Atlanta. Tinha sido um momento tão emocionante, que ela tinha caído em lágrimas. Os jornais do norte tinham tratado o desfile com desprezo, como se os sulistas não tivessem direito a mostrar respeito aos homens normais e regulares que tinham morrido defendendo seus lares em uma guerra que, na opinião de muitos, tinha sido desencadeada pelos ricos proprietários que não queriam renunciar a seus escravos por pura ganância.
Mas a controvérsia tinha morrido em dezembro do mesmo ano, quando foi celebrado em Atlanta o Jubileu da Paz em comemoração à vitória norte-americana na guerra de Cuba. Ela tinha visto o presidente William McKinley, que tinha assistido às celebrações, e quando foi ver John no hospital tinha lhe contado como tinha sido emocionante ver juntos os veteranos da Confederação e da União. De fato, aquele mesmo mês de julho seu tio e ela tinham ido com John a um hotel onde se celebrava uma reunião de veteranos de ambos os lados, e tinha sido muito emocionante ver como aqueles velhos inimigos rememoravam o acontecido e tentavam enterrar o passado. O trajeto de volta para casa no automóvel foi muito curto, em um abrir e fechar de olhos já estava rodeando a enorme casa vitoriana da senhora Dobbs a caminho da garagem e estacionando com cuidado. Franziu o nariz ao notar o aroma de gasolina e azeite, e agitou a mão para limpar um pouco o ambiente. Estava consciente de que manchou tanto o guarda-pó de seu tio como o rosto, mas baixou como se não fosse nada e deu uns tapinhas carinhosos no assento daquela criatura mecânica a que amava com todo seu coração. –Bem feito, Chester. Por fim está em casa, depois virei limpar as velas – fez uma careta ao ver as cordas que seguravam a bicicleta, e acrescentou em voz baixa–: Suponho que terei que trazer uma faca para soltá-la. Era muito improvável que John a ajudasse a desfazer os apertados nós de marinheiros que o vizinho do tio Will tinha feito, porque nunca passava tempo com ela; estava acostumado a mostrar-se especialmente esquivo de noite, depois de voltar do trabalho. Depois de fechar a porta da garagem, dirigiu-se para a parte posterior da casa enquanto ia tirando o guarda-pó e os óculos protetores. Acelerou o passo enquanto ia a caminho do apartamento de John, que estava no andar de cima, porque não queria que a vissem com aquelas roupas. Tinha a saia e a blusa manchadas de pó e graxa, o rosto sujo, e estava despenteada por culpa dos óculos e o boné. Suas esperanças de passar despercebida foram frustradas quando de repente chegou ao vestíbulo e se encontrou com seu marido, que estava acompanhado de dois cavalheiros de terno. Por um momento, deu a impressão de que ele não a reconhecia… não, ainda pior: de que não queria reconhecê-la. Seus olhos negros se obscureceram ainda mais, e respirou fundo de forma visível antes de dizer: –Olá, Claire. Vêm conhecer Edgar Hall e Michael Corbin, dois colegas de trabalho. Cavalheiros, apresento-lhes a minha esposa Claire. –Encantada – Ela disse sorridente, e estendeu a mão. Nenhum dos dois se mostrou relutante a apertar sua mão apesar da sujeira que tinha– Desculpem minha aparência, acabo de trazer o automóvel de meu tio desde Colbyville. Passei quase toda a manhã fora.
–Você o dirigiu senhora Hawthorn? –perguntou-lhe um dos dois, claramente surpreso. –Sim, meu tio me ensinou – não escondeu o orgulho que sentia por isso. O homem lançou a John um olhar mais que eloquente antes de comentar: –O que… é… interessante e incomum. –Verdade? Se me derem licença, devo subir para me arrumar. –Sim, será melhor – Respondeu John, que parecia estar contendo a vontade de acrescentar algo mais. Ela se apressou a subir, mortificada ao ver que a olhavam como se fosse um inseto estranho, e ao chegar ao andar de acima ouviu que um dos homens dizia a suas costas: –Não é recomendável permitir que sua esposa conduza essa coisa, John. O que as pessoas vão dizer? Aquelas palavras a irritaram, e não esperou para ouvir o que respondeu seu marido. Os homens eram uns idiotas, se escandalizavam se uma mulher tirasse o avental e fizesse algo inteligente… pois ela ia fazer o que desse vontade, então seu marido já podia estar preparado para mais de uma surpresa! Sua valentia durou até que John entrou no apartamento e fechou a porta com uma firmeza e uma rigidez que a puseram nervosa. –Não quero que dirija esse carro pela cidade – Falou ele com voz cortante. –Porque não é próprio de uma dama e seus amigos não acham bom? –respondeulhe, desafiadora e com olhos faíscando. –Porque esse diabólico traste é perigoso, não volte a conduzi-lo sozinha. –Não seja galo de briga, farei o que me der vontade. Não sou sua escrava nem sua propriedade. –É minha esposa, por muito que me pese, e tenho a responsabilidade de cuidar de você. Esse artefato é uma armadilha mortal! –É tão perigoso quanto um cavalo, e a opinião de seus amigos não me importam à mínima! –A mim tampouco. O que me preocupa não é a opinião dos outros, e sim a sua segurança. –Fala sério? –Sim; além disso, não quero que as pessoas fale de você – Ele falou com voz mais serena, e a olhou nos olhos antes de acrescentar–: Terá que manter certo recato, Claire. Agora tem uma posição social mais elevada que quando vivia com seu tio, assim vai ter que ceder um pouco. Ela sentiu que a alma caía aos pés ao dar-se conta de que os dias de liberdade de sua juventude pareciam ter morrido junto com seu tio. Como ia suportar uma vida tão tediosa depois dos maravilhosos anos que tinha passado junto a seu amalucado tio? Ela agarrou a parte de trás de uma elegante poltrona ao sentir que suas pernas fraquejavam, e só conseguiu dizer: –Eu vejo.
Nesse momento viu com claridade o giro tão radical que tinha dado sua vida, e o impacto foi tremendo; e por último e não menos importante, também se deu conta da diferença de atitude de seu marido… com certeza não teria sido assim autoritário com Diane, que não teria protestado sequer se aquela mulher lhe tivesse desejado andar nua em um carro pelas ruas de Atlanta. Mas a grande diferença era que Diane ele amava, e com ela, ele só se preocupava em não querer comprometer seu bom nome. Ele não queria que sua esposa desse razão a fofocas que pudessem avivar ainda mais as que já havia. John se sentiu culpado ao vê-la empalidecer de repente, e soltou um sonoro suspiro antes de dizer: –Em um casamento como o nosso terá que fazer certos sacrifícios. –Claro, mas sou eu a que tem que fazê-los enquanto você segue como sempre, trabalhando quinze horas ao dia e de luto por Diane. Aquele ataque pegou-o de surpresa. –Maldita seja, Claire! Ela teve a impressão de que estava o vendo implodir, mas não se deixou intimidar por seu olhar fulminante nem por sua atitude ameaçadora. Ergueu o queixo em um gesto de rebeldia, e deu um passo para ele sem medo algum. –Quer me bater? Vá em frente. Não tenho medo de você, faz o que te der vontade. Perdi meu tio, meu lar e minha independência, mas ainda ficou meu orgulho e meu amor próprio, e jamais poderá tirar isso por mais que tente. –Eu não bato em mulheres, mas não devo permitir que ande sozinha nesse automóvel. Se voltar a fazer, racharei as rodas desse condenado traste. –John! Ele esboçou um sorriso gélido antes de dizer: –Acredita que por trabalhar em um banco não reajo como qualquer homem se ficar com raiva? Usei uniforme durante vários anos depois de me licenciar em La Cidadela, antes de entrar em Harvard. Quando voltei a me alistar e lutei em Cuba já estava trabalhando no banco, mas houve uma época em que jamais expus minha vida fora do Exército. Aprendi a ser um civil porque não tive mais remédio, igual a você acabará aprendendo à vida da alta sociedade. Não quero que haja mais falatórios sobre nós. Ela teve a sensação de que estava ante um desconhecido, era a primeira vez que lhe falava assim. Teve que pigarrear um pouco para limpar a garganta antes de dizer com voz carente de inflexão: – Eu tinha que trazer Chester, não? –Quem é Chester? –Meu automóvel. John conteve um sorriso, porque era uma mulher peculiar… tinha coragem e podia mostrar-se exigente, mas deu um nome a uma máquina.
–De acordo, não voltarei a dirigi-lo – foi como se estivesse renunciando a uma parte de si mesmo; aparentemente, ia ter que reprimir sua própria personalidade como pagamento por ter um lar–. Suponho que posso conformar-me com a bicicleta. –Não precisa levar tão a serio. A única coisa que te peço é que deixe de se comportar como uma garotinha que gosta de se entreter com brinquedos perigosos, e comece a ter o comportamento que se espera da esposa do vice-presidente de um dos bancos mais prestigiados do Sul. –Um automóvel não é nenhum brinquedo – Respondeu ela com indignação. –Para você sim ele é. Dá a impressão de que tem muito tempo livre, por que não o gasta em cultivar amizades, fazer visitas, ou comprar roupa nova? Agora vive na cidade, já não tem que dar de comer às galinhas nem lavar a roupa como uma empregada. Em outras palavras: tinha que comportar-se como se estivesse à altura do vicepresidente de um banco, de um homem que tinha estudado em Harvard. Nesse momento sentiu que o odiava com todas suas forças, e respondeu com atitude arrogante: –Tentarei estar à altura de meu ilustre marido – acrescentou uma reverencia teatral para terminar. Teve a impressão que ele estava a ponto de soltar uma serie de maldições, mas como não estava disposta a ouvir mais absurdos, correu para seu quarto e fechou a porta… embora em um minuto voltou a abrir, ruborizada, e disse furiosa: –Quero que fique claro que trouxe Chester desde Colbyville com a bicicleta amarrada para economizar os gastos de transporte, e que não tenho intenção alguma de aterrorizar Atlanta nem de escandalizar seus amigos com ele. A partir de agora irei de carruagem! –sem mais, voltou a fechar a porta. John ficou olhando a porta fechada sem saber como reagir. A atitude de Claire tinha sido divertida, estava claro que era uma mulher com gênio… se encaixava muito bem com ele em muitos aspectos, lamentável que já estivesse apaixonado por Diane. Na realidade não se incomodava que se distraísse com o automóvel, mas queria que o fizesse quando ele estivesse presente para protegê-la de sua tendência a ser imprudente; além disso, tinha que aprender a adaptar-se ao estilo de vida que ele levava, seria bom que há amansasse um pouco… Apesar de tudo, teve que conter o forte impulso de entrar em seu quarto para continuar a discussão. Claire se mostrava muito estimulante quando estava zangada, seria tão apaixonante na cama como quando discutia?Talvez algum dia se sentisse impelido a descobrir.
CAPÍTULO 4
D
epois de passar a noite toda acordada, Claire chegou à conclusão de que possivelmente se beneficiaria cedendo aos desejos de seu marido e tornar-se uma dama modelo da alta sociedade. Jamais tinha se interessado em subir no escalão social, mas o certo era que conhecia vários membros da elite de Atlanta… e a mais importante de todas era a senhora Evelyn Paine, a esposa do magnata ferroviário Bruce Paine. Ia vê-la logo pela manhã, com os dois cartões de visita de rigor na mão (um para Evelyn e outro para seu marido, tal e como ditava o costume), mas como Evelyn estava em casa, não teve que entregar os cartões à governanta. Só entregavam os cartões se o senhor ou a senhora da casa não estivessem disponíveis, e na maioria delas se detalhava os horários que o portador estaria livre para receber visitas; em seu caso, sabia de antemão que Evelyn sempre recebia visitas aquele dia da semana. Fizeram-na entrar na sala, e lhe serviram chá e biscoitos. Sua anfitriã estava reclinada em um divã estofado de cetim, embelezada com um caro e precioso vestido de seda e renda. Conheceram-se por intermédio de tio Will e em outras circunstâncias teriam chegado a serem amigas íntimas, porque tinham muitas coisas em comum, mas ela não tinha tentado aprofundar-se naquela amizade porque as duas tinham posições sociais diferentes; mesmo assim, Evelyn tinha lhe encarregado que desenhasse e confeccionasse um bom número de vestidos ao descobrir quão habilidosa era com a linha e a agulha. Ela nunca tinha utilizado sua relação com Evelyn para abrir portas, mas nesse momento se sentia obrigada a ir a alguém que pudesse ajudá-la, que a guiasse para poder ocupar o posto que lhe correspondia na qualidade de esposa de um banqueiro; por mais que John não a quisesse como uma esposa de verdade, estava decidida a demonstrar a ele que não era uma covarde e que valia tanto como qualquer um de seus metidos amigos, incluindo a sua adorada Diane. –Que prazer tão inesperado ver-te querida – comentou Evelyn, com um sorriso indolente – Ia visitá-la para pedir que me desenhasse algo especial para o baile natalino na mansão do governador. Faltam três meses, assim estou te dando tempo de sobra. –Claro que poderei criar algo muito especial com um prazo tão amplo. –No que posso te ajudar? Claire segurou com força sua bolsa ao admitir:
–Desejo entrar em algumas associações. Trabalharei duro e não me importo em ter que pedir doações a desconhecidos, prepararei bolos e comidas, estarei nos postos dos mercados benéficos… estou disposta a fazer o que for dentro de uns limites razoáveis. Evelyn apoiou-se em seu cotovelo antes de responder: –Parece muito desesperada, querida. Posso perguntar por que esse súbito arranque de ambição? –Quero que meu marido se sinta orgulhoso de mim. –Que objetivo tão louvável! –Evelyn se sentou no divã, e se esticou com frouxidão antes de acrescentar com um sorriso maroto– Conheço membros de vários comitês e sempre necessitam de pessoas, assim conte comigo. Encarregarei-me de te apresentar às pessoas certas. –Obrigado. –Não precisa me agradecer por isso, as mulheres devem apoiar umas às outras. Claire logo se tornou uma mulher muito solicitada. Estava atarefada da manhã até a tarde cozinhando para as vendas de caridades, selecionando roupa e objetos de segunda mão para doações, e enrolando ataduras junto a seu grupo da igreja para mandar no Natal às tropas que estavam destinadas tanto as Filipinas como a China. Também mantinha o apartamento limpo como um cristal, e procurava ajudar na cozinha à senhora Dobbs sempre que podia… esses últimos se sentia obrigada a fazêlo, já que frequentemente tinha que pedir à dona da casa que lhe deixasse usar o forno para preparar o que doava às associações com as quais colaborava. As damas que foram tomar o chá com Claire eram a elite da alta sociedade de Atlanta, e a senhora Dobbs estava tão impressionada, que tinha começado a se vestir com roupa mais formal e inclusive a ajudava a servir o chá com sua melhor baixela de prata. –Devo admitir que estou muito impressionada ao ver as pessoas com quem se encontra ultimamente, Claire. Quem diria que a esposa de Bruce Paine viria a minha casa! Os dois pertencem à família fundadora da cidade, e se relacionam com gente como os Astor e os Vanderbilt. –Faz anos que conheço Evelyn. É uma pessoa encantadora, mas jamais tentei fazer uma estreita amizade com ela por razões óbvias. –Mas as coisas mudaram com resultado de seu casamento, porque o senhor Hawthorn é muito rico e ocupa o posto que ocupa no banco. Claire não estava a par da situação econômica de John, porque apesar de que nunca parecia lhe faltar dinheiro, jamais falava com ela de finanças. O que estava claro era que tinha um posto importante no banco. –Sim, já sei. Por isso coloquei tanto empenho em entrar nos círculos adequados, porque não quero que se envergonhe de mim. –Ninguém poderia envergonhar-se de uma jovem tão trabalhadora e encantadora como você, querida – respondeu a mulher.
Claire corou ao ouvir aquelas palavras de apoio, a verdade era que a senhora Dobbs sempre conseguia animá-la. Menos mal que a mulher não estava em casa o dia em que tinha chegado com o automóvel, e John e seus dois colegas de trabalho a tinham visto suja e desarrumada. –Você sim que é encantadora, senhora Dobbs. Obrigado por me dar tanta liberdade em sua casa. –Foi um prazer. A verdade é que eu adoro provar a comida que prepara para suas doações, onde aprendeu a cozinhar tão bem? –A governanta de meu tio me ensinou, é uma cozinheira fantástica… das de «um pingo disto, e um toque daquilo». –Eu sou justamente o contrário, não posso cozinhar sem saber as quantidades exatas – a Senhora se interrompeu ao ouvir que batiam na porta, e acrescentou sorridente– Já chegaram às visitas, vou abrir. Evelyn chegou acompanhada de duas de suas amigas, Jane Corley e Emma Hawks. Claire lhes deu as boas-vindas e lhes apresentou à senhora Dobbs, que as saudou encantada e foi sorridente pegar o chá. Mais tarde, depois de tomar chá com bolo, Evelyn tirou da pasta de couro que levava um papel onde havia um vestido desenhado e o deu a Claire. –Não sou desenhista, mas essa é a ideia aproximada do que quero para o baile. O que te parece? –É muito bonito – Claire o observou em silêncio enquanto começava a pensar nos tecidos e os adornos que poderia empregar, e em um segundo acrescentou– Isto daqui terá que eliminá-lo, Evelyn. Com uma túnica parecerá que tem os quadris muito largos, e não é assim. –Tem razão, não me tinha dado conta. Claire tirou um lápis de uma pequena tigela de cerâmica que havia sobre a mesinha auxiliar, apagou algumas coisas, e riscou várias modificações rápidas no desenho diante do olhar fascinado de sua amiga. –Se acrescentarmos um volume à saia, justo aqui… assim. O que parece? Deve ser preto, e obvio debruado em prata e com o corpo adornado com conchas negras. Evelyn ficou sem palavras, e ao final conseguiu dizer: –É uma maravilha, uma verdadeira maravilha. –Nunca tinha visto algo tão maravilhoso – respondeu Emma Hawkes, maravilhada– . Compro toda minha roupa em Paris, mas este vestido é… é extraordinário. Tem um talento assombroso, Claire! –Obrigado. –Sim, é justo o que quero. Não me importa o quanto custe –se apressou em assegurar Evelyn. –Eu acho que você se importará, vai custar muito caro – disse Claire, em tom de brincadeira. –Nenhum vestido digno do baile do embaixador sairia barato.
Emma mordeu os lábios, e a olhou com indecisão antes de perguntar: –Suponho que confeccionar o vestido de Evelyn vai monopolizar todo seu tempo, verdade? –Absolutamente. –Poderia me fazer um? –seu rosto inteiro se iluminou de entusiasmo. –Eu também quero um! –falou Jane. –Mas não com o mesmo desenho que o meu! – exclamou Evelyn. Claire sorriu ao ver a expressão de consternação de sua amiga, e a tranquilizou imediatamente. –É obvio que não, cada vestido será individualizado e desenhado para seu dono. Vou começar a trabalhar nos desenhos, e poderiam vir na sexta-feira para lhes dar o assentimento. O que vocês acham? –Fantástica – Disseram as três ao uníssono, sorridentes e cheias de excitação. Claire não ficou com tempo livre depois que se comprometeu a desenhar os três vestidos. Quando não estava cozinhando ou colaborando com alguma causa beneficente, estava atarefada em seu quarto com a máquina de costura e quilômetros e quilômetros de tecido, costurando como uma louca para poder cumprir com o prazo. Com John não se encontrava quase nunca, e tendo em conta a última conversa que tinham tido, preferia não vê-lo, porque ainda estava doída por suas críticas. Ele tinha estado evitando-a depois da discussão, mas uma sexta-feira chegou cedo em casa e ao ver que tinha a porta do quarto aberta entrou para cumprimenta-la… e levou um susto enorme. –Que demônios está fazendo? –perguntou ele, com voz cortante. Ela estava costurando uma anágua para o vestido de Evelyn, e se alegrou em ter o resto da roupa oculta no armário. Não queria que John soubesse que tinha sua própria fonte de renda além do dinheiro que ele lhe dava para os gastos da casa, porque sua independência era sagrada e não estava disposta a compartilhar aquela informação com o inimigo. –Estou fazendo um vestido para mim – respondeu com calma. –Já não vive com seu tio, não tem que se contentar com roupa feita em casa. Vá comprar o que quiser na loja do Rich, tenho uma conta aberta lá. –Eu gosto de costurar minhas próprias coisas. Ele a percorreu com o olhar e disse em tom zombador: –Sim, já estou vendo, mas não deve andar pela cidade vestida assim. Claire se indignou ainda mais ao ver sua atitude. O singelo vestido azul que tinha posto já estava bastante velho e descolorido, mas era muito cômodo para trabalhar. Decidiu irritada que faria um para o baile do governador… um tão espetacular, que seu marido ia ficar com a boca aberta! –Para que parte da cidade sugere que vá? Nos casamos há um mês, e não me levou para passear nenhuma só vez. –Já se passaram um mês?
–Sim, mas parece fazer muito mais – Disse ela afastando uma mecha de cabelo do rosto, e acrescentou com voz baixa– Se não se importa, estou bastante ocupada. Acho que você tem que ir a algum evento da alta sociedade, ou ir a algum jantar de negócios. Ele se apoiou no batente da porta e a contemplou em silêncio, custava-lhe acreditar que já tinha se passado um mês. Ela tinha se mantido isolada de sua vida, ultimamente nunca a encontrava no apartamento quando a procurava. Tinha acreditado que estaria fazendo compras, mas não parecia ter roupa nova… o tecido que estava costurando não parecia para um vestido, a não ser para uma combinação ou algo assim. Percorreu o quarto com o olhar. Estava limpo e arrumado, mas a única coisa que revelava que estava ocupado era o pente e o espelho de mão que havia sobre a penteadeira, além de uma caixa de pó de porcelana e vários joalheiros. –Mal te vejo Claire. Ela continuou costurando com a máquina, e nem sequer levantou o olhar do tecido ao responder com voz baixa: –Pois é uma sorte, tendo em conta a opinião que tem tanto de minha roupa como de mim. Ele meteu as mãos nos bolsos, e o tecido das calças se esticou contra os poderosos músculos de suas coxas. –Estão fazendo vários comentários sobre o fato de que não saímos juntos a nenhum evento social, suponho que deveríamos aparecer mais em público. –Por quê? Acha que alguém suspeita que me assassinou e tem meu cadáver enterrado no jardim? –Não sei, talvez tenha que perguntar – não pôde evitar um pequeno sorriso. –Estou feliz com minha vida como está – tirou o tecido de debaixo da agulha, cortou o fio com uma tesoura de costura, e observou o resultado com olhos crítico. Não se atrevia a levantar o olhar para ele, porque seu coração acelerava ao ver aquele corpo alto e poderoso em uma postura que denotava uma elegância inata. Ele era tão bonito que a deixava sem fôlego, mas não queria que ele percebesse sua reação. Já estava farta dele se afastar dela por culpa daquela atração que não podia evitar. –Você não gostaria de ter roupa bonita e ir a festas, Claire? –Nunca tive nenhuma das duas coisas, por que teria que as querer agora? John não tinha escolha a não ser concordar com isso, ela jamais tinha tido muitos bens materiais; mesmo assim, as coisas tinham mudado e podia comprar o que gostasse graças a ele, assim era incompreensível que não estivesse aproveitando a situação. Diane o teria feito. Depois de casar-se com Eli Calverson tinha saído às compras e na cidade ainda se falava de tudo o que se gastou. –Compre um vestido novo, os Calverson nos convidaram a uma festa que organizam no próximo sábado; aparentemente, Eli pensa que já tiveste tempo
suficiente para chorar a seu tio e te acostumar a estar casada comigo, e quer nos apresentar a um investidor novo e muito importante. –Por que quer que nós o conheçamos? –Porque sou o vice-presidente do banco e mantemos a solvência graças aos investidores, Claire. Este cavalheiro é o diretor de uma assinatura de investimentos, e é muito amigo de Eli. Tenho entendido que é tão rico como Creso. –Me alegro por ele, mas não gostaria de ir à casa dos Calverson. –Já te disse que não mantenho nenhuma relação com Diane! –Mas tenho que te acompanhar e passar toda a noite vendo como a olha deslumbrado, verdade? Obrigado, mas não. –Seria muito melhor que passar toda a noite aqui, vendo como você me olha deslumbrada – respondeu ele com voz gélida. Claire lançou a anágua ao chão, ficou de pé, e seus olhos cinzas o fulminaram enquanto ia para ele com passo duro. –Não olho pra você deslumbrada! Apenas te vejo. Não tenho nenhum interesse oculto por um tipo tão presunçoso, dominante, e… John a calou e com um golpe a agarrou e a trouxe contra seu corpo; como estava reclinado contra o batente da porta, ficou apoiada entre suas pernas em uma posição das mais íntima enquanto a rodeava com força com os braços. A cara que ela fez estava tão engraçada, que sua raiva desapareceu e lhe disse sorridente: –Não pare de falar, continue falando. Ela queria, mas o coração estava batendo tão forte no peito que a impedia de falar. O espartilho lhe comprimia o peito, e com a pressão acrescentada daquele abraço mal podia respirar. –Me solte, não posso… não posso respirar – protestou, com voz baixa, enquanto tentava se liberar. –Relaxe. –É por causa espartilho. Empurrou-o com todas as suas forças e se sentiu aliviada ao ver que ele afrouxava um pouco o abraço, mas se esticou ao sentir um prazer inesperado quando ele deslizou as mãos para cima e lhe roçou com os dedos a parte baixa dos seios, por cima da regata de musselina que cobria a borda superior do espartilho. John estava observando-a com atenção, atento a como ela reagia as suas carícias, e ergueu um pouco mais os dedos por seu corpo antes de dizer com voz rouca: – Está melhor assim? Claire percebeu que estava trêmula. Agarrou-se a seus braços musculosos, e continuou sem poder respirar. Suas pernas ficaram fracas por estar tão perto, ao sentir como a acariciava. O amava tanto, que o mínimo contato era uma bênção. Sentia-se mortificada por captura-la com tanta rapidez, mas não tinha força de vontade suficiente para afastar-se dele. Desejava muito suas carícias para protestar.
Ele roçou sua testa com os lábios, e se deu conta de que estava lutando contra si mesmo. –Sou seu marido, está bem que desfrute de minhas carícias. Deus sabe que te dei muito pouco desde que nos casamos, e não me custa nada te dar um pouco de prazer. Relaxe, não vou fazer nada que possa te assustar ou te machucar. Ela continuou lhe agarrando os braços com mãos trêmulas. Ela teria gostado de afirmar que não sentia prazer e lhe pedir que a soltasse, mas foi incapaz. Nesse momento lhe faltava o orgulho. Gemeu angustiada e se deixou levar pelo desejo de sentir suas carícias, de sentir que a abraçava e a desejava. John a entendeu com perfeição, porque lhe acontecia o mesmo com Diane… não podia evitar a paixão que sentia por ela. Sua esposa e ele se pareciam muito nesse sentido, e lhe doeu vê-la sofrer pelo desejo que sentia por ele. Sentiu uma sensação estranha, uma ânsia dolorosa de agradá-la e satisfazer o desejo quase evidente que sentiu nela. Enquanto deslizava os lábios sobre suas pálpebras para lhe fechar os olhos com ternura, deslizou as mãos por seus seios e começou a acariciar aqueles mamilos quentes e endurecidos; ao ver que ela se jogava para trás de forma instintiva, respirou fundo e negou com a cabeça para lhe indicar que não se afastasse. Seus olhos se encontraram por um instante; nos olhares dos dois ardia um fogo cada vez mais intenso. O tic-tac do relógio parecia inusitadamente alto no silêncio do quarto, ouviram-se os cascos de um cavalo e as rodas de uma carruagem que circulava pela rua, mas para John o único som que contava era os da batida do coração acelerados de Claire. Vê-la reagir com tanta franqueza estava lhe enlouquecendo de desejo. Diane era tão experiente, que quando estavam prometidos se limitava a ronronar como uma gatinha quando a acariciava, mas Claire era completamente diferente. Estava claro que jamais tinha permitido que outro homem a tocasse assim, e o mais provável era que nem sequer a tivessem beijado. O pensamento o atingiu profundamente. Continuou acariciando os mamilos enquanto contemplava seu rosto cabisbaixo, e a sentiu tremer contra seu corpo. Era óbvio que estava desfrutando com aquelas carícias, mas era muito tímida tanto para admiti-lo como para demonstrá-lo abertamente. Levou as mãos até os botões do pescoço do vestido, foi desabotoando-os um a um enquanto ela permanecia imóvel e calada. A excitação de experimentar pela primeira vez as carícias de um homem a tinha conquistado, era incapaz de mover-se e de falar. Depois de desabotoar o vestido até a cintura, colocou as mãos sob o tecido e abriu os lados antes de deslizar sob o suave tecido da regata. Sorriu com indulgência ao notar que ela continha o fôlego antes de começar a respirar ofegante, que segurava com mais força os braços, e foi baixando as mãos até que cobriu com as palmas aqueles peitos quentes e firmes. Ficou rígido de repente só de ouvi-la soltar um
gemido, e estava surpreso ao ver a facilidade com que tinha conseguido excitar a pequena Claire. –Não, não deve…! –murmurou ela, frenética, enquanto ele segurou-lhe os pulsos para tentar apartar as mãos. –Você é minha mulher – ele ignorou seus protestos, e seguiu acariciando os peitos com intensidade crescente enquanto percorria com os lábios o rosto, a têmpora e o nariz. - Isso faz parte do casamento – baixou a boca até deixá-la a um suspiro da sua, e sussurrou– Assim é como um homem expressa ternura – esfregou a boca com os lábios, e seguiu brincando assim até que conseguisse abri-la. – Ou seja, céu, abre a boca – se apertou mais contra ela e a beijou totalmente, como um amante de verdade. Todas aquelas sensações eram novas para Claire. Começou a tremer ao sentir que aquela boca se fundia com a sua, saboreou o prazer de sentir suas mãos lhe acariciando os seios nus, deixou-se levar pela doce agonia daquele beijo intenso e profundo. Não queria que aquilo acabasse nunca, e gemeu ante a força do prazer que a embargava. Sentiu que ele segurava-lhe os braços e insistia para que ela lhe rodeasse o pescoço com eles, notou como trocava um pouco de postura até tê-la bem colocada entre suas pernas. Fraquejaram-lhe os joelhos quando ele baixou a mão livre até a base de suas costas e a apertou contra seu corpo excitado. Não tinha nem ideia do corpo masculino, mas sabia imediatamente da diferença que havia, e suas pernas começaram a tremer. Um súbito calor lhe percorreu o abdômen, e um inesperado aumento de prazer lhe arrancou um suspiro. Ele levantou a cabeça, viu a expressão de assombro que refletia em seus olhos, e sustentou o olhar enquanto a pressionava contra seu corpo e fazia-a mover os quadris contra os seus. Sentiu-se na glória ao vê-la estremecer de desejo, e fixou o olhar em seu espartilho enquanto ela lutava pra recuperar a fala. Baixou-lhe a regata pouco a pouco, e conteve o fôlego ao despir seus seios. –Oh, Deus, Claire…! –sussurrou, com voz rouca, dominado pelo desejo. Ela não tinha nem ideia de por que ele de repente se tornou tão tenso. Parecia que tinha sido atingido por algo, e estava segurando a cintura ela com uma força quase dolorosa. –Qual é o problema? –perguntou-lhe, com voz trêmula. Parecia dolorido, duro. –Não sabe? –disse ele, antes de olhar para cima. Ela ficou paralisada, sentiu uma mistura de medo e de fascinação ao ver a paixão e a dor que se refletia em seus olhos negros; justo quando estava a ponto de lhe perguntar se tinha feito algo que tivesse incomodando, alguém bateu na porta do apartamento. John se sobressaltou e deu um pulo como se acabassem de lhe golpear, soltou-a e se afastou dela. Foi para a porta com firmeza, como se lhe doesse caminhar, e se limitou a entreabri-la um pouco. –O que é?
A senhora Dobbs se ruborizou com uma recepção tão cortante, e disse com certo desconforto: –Senhor Hawthorn, não lhe ouvi chegar… queria lhes avisar que preparei a mesa no salão principal, porque vão vir umas amigas para jogar cartas e jantaremos na cozinha. Ele demorou uns segundos para responder: –Podemos jantar aqui acima para não lhe causar tanto incomodo. –Não é nenhum incomodo, eu lhe asseguro – disse sorridente–. Desçam quando estiverem preparados. Preparei para Claire um bolo de cereja, sei que adora –se despediu com a mão, e retornou ao andar de baixo. John fechou a porta e apoiou a cabeça contra ela enquanto lutava contra o desejo mais poderoso que tinha sentido desde sua juventude. Claire não entendia o que acabava de fazer e era preferível não explicar agora, porque ainda estava chocada. Voltou-se para ela, e viu que já se colocava o vestido e estava recolhendo a anágua do chão. Ficou olhando-a como se a visse pela primeira vez, não conseguia entender como era possível que o tivesse afetado tanto. Talvez tenha sido a devoção e o desejo que refletiam naqueles olhos cinzas o que tinham avivado seu desejo até enlouquecêlo, estava claro que se sentir amado afetava muito; mesmo assim, o que mais lhe afetava era o fato de haver sentido um desejo tão intenso por alguém que não era Diane. Conseguiu recuperar o controle e disse a si mesmo que não tinha sido mais que um momento de debilidade pontual, mas se sentia irritado tanto pelo fato de que ela se rendeu as suas carícias como por sua própria reação. –Não me olhe como se eu tivesse culpa do que aconteceu, não apontei uma arma em sua cabeça para te obrigar a me tocar – ela comentou, ao ver o aborrecimento que se refletia em seu rosto– E já que estamos no assunto, quero te dizer que não necessito sua piedade. Não morro por seus beijos, e não vou te suplicar que me dê isso – Ela o fulminou com o olhar enquanto lutava para esconder a humilhação que sentia. John se deu conta de quão doído estava. Era a mulher mais vulnerável que tinha conhecido em toda sua vida, mas tinha um grande orgulho e não gostava que outros vissem sua vulnerabilidade. Isso era algo que tinham em comum. Sentiu um forte desejo de protegê-la, de ampará-la, e disse com voz suave: –Foi um instante de loucura, não se preocupe pelo que aconteceu – ao ver que ela se limitava a dobrar e desdobrar a anágua que tinha nas mãos com nervosismo, acrescentou–. Está com fome? Eu mal tive tempo de comer ao meio dia, a senhora Dobbs disse que preparou um bolo de cereja pra você. –É que eu gosto muito. –Sim, eu sei. –Eu acho que vai ser bom comer algo – deixou a anágua de lado, e se olhou no espelho viu que estava despenteada e que tinha os lábios inchados por seus beijos.
Sentiu-se um pouco envergonhada, mas não pôde conter um pequeno gemido ao recordar suas carícias. –Estamos casados, Claire – ele recordou, enquanto ela arrumava o cabelo–. As pessoas esperam que nos comportemos como um casal de vez em quando. –Você mesmo admitiu que não queria estar casado comigo –ela falou, com a cabeça baixa. –Mas também disse que seria melhor que amoldássemos às circunstâncias; em qualquer caso, não vais ficar grávida por uns beijos. –John! Ele abriu um largo sorriso ao vê-la ruborizada, havia um milhão de coisas que adorava em sua esposa. Ficou contemplando-a com olhos brilhantes enquanto ela se arrumava, e percebeu que até esse momento não sabia o lugar que ela ocupava em sua vida. O certo era que esteve muito centrado em punir Diane, mas nesse momento, enquanto contemplava Claire, sentiu-se possessivo e orgulhoso de saber que ela era sua. Era inocente, terna e travessa, e estava apaixonada por ele. Jamais tinha havido outro homem em sua vida, porque queria a ele e só a ele. Sentiu que tudo aquilo lhe subia à cabeça como o vinho. Diane tinha flertado e tinha usado a tática de afastar-se dele, mas Claire não tinha nem ideia desse tipo de jogos. Ela era honesta e sincera com ele cem por cento, sem namorar, era muito diferente das mulheres sofisticadas e experientes que tinham passado por sua vida. Perguntou-se por um instante como teriam sido as coisas se jamais tivesse conhecido Diane, se tivesse conhecido Claire com o coração livre… talvez tivesse chegado a apaixonar-se por ela; em todo caso, nesse momento sentia uma atração repentina e poderosa por ela, sentia-se possessivo e protetor. Enquanto contemplava o rosto ruborizado daquela mulher a que apreciava tanto, perguntou-se por que não tinha notado nunca a covinha que tinha no queixo, ou a doçura que transmitia sua boca. Tinha um corpo que qualquer homem estaria satisfeito, curvilíneo e bem proporcionado embora um pouco magro. Não era uma mulher exuberante, mas tinha umas qualidades maravilhosas. Sentiu uma súbita onda de desejo correndo pelas veias, e ficou atordoado. Não esperava sentir aquilo por sua esposa, o que aconteceria se, se deixasse levar? Mas por outro lado, também tinha Diane… Sentiu-se mais confuso que nunca, e deu as costas para Claire quando ela se virou para a porta.
CAPÍTULO 5
C
laire descobria coisas novas sobre seu marido todos os dias. Era um homem estudioso e calado em grande parte, gostava de jogar xadrez e adorava as ferrovias e estradas de ferro. Quando estava em casa lhe encontrava frequentemente na varanda vendo como avançavam pouco a pouco pelas vias das zonas de carga e descarga. Talvez quando menino tivesse sonhado em ser engenheiro. Nunca falava de seu passado, mas de vez em quando escapava algum comentário sobre coisas que tinha aprendido durante sua estadia no Exército. Sabia, por exemplo, quais eram os diferentes tipos de medalhas, e como distinguir um uniforme de outro. Também tinha amplo conhecimento sobre história militar, lia bastante sobre estratégias e táticas, e parecia amar revisar sua coleção de biografias sobre grandes líderes militares. Era muito exigente com sua aparência, sempre estava com o cabelo limpo e penteado, as unhas imaculadas e bem cortadas, os sapatos brilhando, e o vinco da calça perfeita. Nunca estava desarrumado ou com a roupa enrugada por influência do passado no Exército que nunca queria lhe falar. Ela estava consciente de que havia muitas coisas que desconhecia de seu marido. Sentia curiosidade por saber se tinha havido outras mulheres além de Diane em seu passado, mas tinha deduzido por lógica que sim… às vezes a olhava com uma expressão sensual que a derretia, e estava claro que não tinha aprendido a olhar assim no banco. Sempre abria as portas e a ajudava a subir nas carruagens, e nas poucas vezes em que tinham saído para passear juntos, colocava-se no lado da calçada que dava para a rua. Estava claro que sua família lhe tinha ensinado boas maneiras. Também tinha um conceito muito firme do bem e do mal, e era muito honesto. Mas, apesar de tudo, mantinha a distância dela e não havia tornado a beijá-la nem a acariciá-la. Não pareciam marido e mulher, afastou-se dela justo quando começavam a ter uma aproximação. Entendia em parte sua atitude, porque estava apaixonado por Diane e talvez houvesse sentido que estava sendo infiel ao beijá-la, mesmo sendo sua esposa. Era muito triste que tenha se casado com ela estando tão apaixonado por outra, mas a verdade trágica era que o amava de todo seu coração. Ele sabia que jamais teve outro homem nem em sua vida nem em seus pensamentos, possivelmente se sentisse lisonjeado por isso… embora, por outro lado, devia ser muito desagradável ser
responsável pela felicidade de uma mulher que não sentia nada, alguém a quem não podia amar. Apesar da cortesia com que a tratava, os detalhes do dia a dia que tanto valor tinha para uma mulher estavam ausente. Nunca lhe dava de presente flores nem pequenas lembranças, nunca a buscava para conversar e passar um momento a seu lado. Não a tinha levado nem à ópera nem ao teatro, só a levava a algum restaurante quando se tratava de um encontro de negócios. Jamais fazia comentários positivos sobre sua roupa, nem a elogiava. Só em uma ocasião chegou a olhar para o John de verdade, o homem que se ocultava sob uma máscara intangível: quando um homem alto, magro, moreno e de olhos verdes vestido de uniforme chegou a casa perguntando por ele. –Meu marido está trabalhando, em Peachtree City Bank – conseguiu dizer, desconcertada. O desconhecido, que tinha adotado uma pose muito formal com a boina sob o braço, esboçou um sorriso e comentou com olhos faiscantes: –É sua esposa? Devo admitir que me alivia ver que não é loira e pequena, senhora. A última vez que vi John estava sofrendo pela perda de sua ex-noiva e ameaçando atirar em seu marido. Claire não tinha nem ideia daquilo, e sentiu que sua alma caía aos pés; o homem deve ter percebido que tinha errado, porque se apressou a dizer: –Desculpe-me, por favor. Permita que me apresente: sou o tenente coronel Chayce Marshal, do Exército dos Estados Unidos – entregou seu cartão de visita, e a saudou com uma reverência formal–. Estive destinado as Filipinas, mas fui ferido e estive convalescente até recentemente. Incorporarei em breve a meu próximo destino, mas queria ver John antes de partir da cidade. Temo que tenha muito pouco tempo. –Gostaria de tomar um chá ou um café comigo? –nem ela mesma se deu conta de quão esperançosa parecia. Levava uma vida muito monótona, só se relacionava com o pequeno círculo de mulheres que colaborava para causas beneficentes. –Será um prazer. Tem alguma forma de avisar a John de que estou aqui? –Sim, a senhora Dobbs tem um telefone. Pedirei que chame o banco. –Perfeito – Ele respondeu, com um enorme sorriso. A senhora Dobbs se ofereceu a servir-lhe a refeição do meio dia, porque já era bastante tarde, mas o recém-chegado dispensou a oferta lhe assegurando que um café parecia suficiente. A senhora voltou minutos depois a sala com uma bandeja que continha o café e umas porções de bolacha, e comentou: –O senhor Hawthorn se alegrou muito ao saber que está aqui, já está há caminho. –Obrigado… e obrigado também por esta festa. –Não é mais que bolacha e um pouco de pão recém-assado, mas espero que dê para comer. Claire se pôs a rir, e comentou sorridente: –Não diga tolices, senhora Dobbs. Tudo o que prepara é delicioso.
–Obrigado, Claire, - ela agradeceu. Se necessitarem de algo, estarei na cozinha. –Quanto tempo faz que John e você se casaram? –perguntou o coronel a Claire, enquanto esta servia de café. –Bem… já estamos na segunda semana de novembro, assim logo farão dois meses. –Ah. Esta casa pertence a você? –Não, John alugou os quartos do segundo andar – tinha o olhar fixo nas delicadas xícaras de porcelana que estava enchendo de café, assim não viu a expressão de surpresa de seu convidado–. Pergunto-me se não haverá necessidade de comprar uma. –Obrigado – aceitou a xícara que ela ofereceu, e não colocou leite nem açúcar. Contemplou-a com expressão pensativa durante uns segundos, e notou como estava pálida– Faz muito tempo que o conhece? –Vários anos. Meu tio faleceu recentemente, mais tinham uma boa amizade além da relação que tinham como banqueiro e cliente. Fiquei desamparada depois de sua morte, e aceitei a proposta de casamento de John –Levantou o olhar, e acrescentou com um pequeno sorriso cheia de melancolia–. Como já entendeu, o nosso não é um casamento por amor, a não ser um mero acordo de conveniência. Ele optou por engolir o comentário que tinha na ponta da língua, e permaneceu calado. –Desculpe-me, mas é que me deu a impressão que se surpreendeu por John ter casado com uma mulher tão sem graça como eu. Sua franqueza lhe surpreendeu, e respondeu corajosamente. –Não me parece nada sem graça, a asseguro – ele a observou com um olhar penetrante antes de acrescentar– Não posso acreditar que John se casasse com alguém por pura pena. –Esse não foi seu único motivo. Circulavam rumores escandalosos sobre sua relação com sua ex-noiva, que está casada. –Entendo. Agrada-me que confie em mim o suficiente para ser tão sincera comigo, apesar de que acabamos de nos conhecer. –A sinceridade é um de meus defeitos, não considero necessário fugir dos assuntos desagradáveis. Talvez eu possa ser um pouco ofensiva, mas as pessoas sempre sabem aonde chegar comigo. Ele se pôs a rir antes de admitir: –John e eu nos tornamos amigos quando nos conhecemos no Exército justo por isso, porque nós dois deixávamos claro o que pensávamos. Nisso somos idênticos. Nunca o ouvi dizer uma mentira, duvido que seja capaz de fazê-lo. Claire teve que admitir para si mesma que com ela tinha sido sincero quanto ao que sentia por Diane. Tomou um pouco de café antes de perguntar: –John era um bom soldado? –Um bom oficial, e sim, sim o era. A vida militar foi feita para ele. Acredito que ele sair do Exército lhe doeu muito, mas não podia suportar as lembranças. –A que lembranças se refere?
–Não posso lhe revelar os segredos de seu marido, isso é com ele. –Nesse caso, tenha certeza que jamais chegarei, a saber. Nunca me conta nada sobre si mesmo. –Casaram-se muito recentemente, espere uns anos. –Acredita que o passar do tempo fará que se abra mais? Não se iluda. Tudo o que sei eu aprendi o observando. Gosta de história militar, e também de biografias e de trens. –Isso é certo – admitiu ele, sorridente– John conhece quase todas as linhas férreas desta parte do país e suas rotas, e também sabe os nomes de alguns dos maquinistas. É um perito na história da Georgia colonial, e tem conhecimentos básicos sobre os confrontos entre a tropa georgiana e os riachos, os cherokees e os seminolas. –Que interessante! –Sugiro-lhe que algum dia, quando precisar de algum assunto para matar o tempo, pergunte-lhe sobre os «bastões vermelhos». Claire se inclinou para frente, e lhe perguntou com interesse: –Quem são? –Renegados que abandonaram suas tribos e formaram uma confederação para tentar derrotar os brancos que estavam se apropriando das terras de seus antepassados, sabia que Baton Rouge significa «bastão vermelho»? –Que interessante! John também gosta dos navios, tem uma maquete muito detalhada de Cutty Sark dentro de uma garrafa. –Sim, ele mesmo a construiu. –Mas é muito pequeno! –exclamou atônita. –Adora navegar. O oceano lhe fascina, mas não quis entrar na Marinha porque teria que passar muito tempo em alto mar. Sempre foi um grande cavaleiro e já montava a cavalo antes de alistar-se, foi oficial de cavalaria. –Parece-me que agora não monta nunca. –Teve uma má experiência em Cuba com um cavalo, o animal empinou em plena batalha e lhe derrubou. John ficou preso pela perna, e o exército inimigo se aproximou muito. Vários companheiros foram resgata-lo, mas jamais esqueceu o incidente e acredito que agora detesta os cavalos. –Não sabia que havia cavalos em Cuba. –Enviaram montaria para os oficiais, mas infelizmente muitos acabaram servindo de alimento depois da guerra, quando a comida estava escassa e as pessoas estavam famintas. –No jornal local publicaram muitos artigos sobre histórias muito tristes durante a guerra, e tenho a impressão de que a coisa foi inclusive pior nas Filipinas. –Continue - os horrores que tinham presenciado naquele conflito, que ainda não tinha acabado, refletiram-se por um instante em seus olhos. O que tinha visto não era apto para contar a uma mulher. O de Cuba tinha sido horrível, mas o das Filipinas era
um verdadeiro inferno – Lamento não ter podido retornar ali para apoiar a meus homens, o destino decidiu me pregar uma peça ao decidir que me ferissem. –Não vai voltar? –Não, tenho um temperamento explosivo e a coragem que me dão minhas convicções – sorriu de orelha a orelha ao admitir– Me ganhei a inimizade de pessoas erradas, e me atribuíram o posto de instrutor de um grupo de cadetes inexperientes. Peço a Deus que consiga lhes treinar bem para que não morram ao entrar em batalha, tal como aconteceu com muitos dos jovens cadetes que tinham sob meu comando. –Deve ter sido uma época horrível. –Foi. A guerra não tem nada de gloriosa senhora Hawthorn. Não é mais que uma máscara reluzente que esconde uma terrível ferida ensanguentada – soltou uma gargalhada, e acrescentou sorrindo – Desculpe me colocar tão poético. –Poderia lhe escutar todo o dia, o quanto sabe! –exclamou, com o rosto iluminado por um sorriso. Ele deixou de bombardeá-la com informação, e a contemplou em silêncio enquanto pensava sobre suas covinhas que ficava muito bonita quando estava animada; além disso, jamais tinha encontrado uma mulher que o escutasse com tanto interesse. –John tem sorte de ter alguém tão disposto a lhe escutar – comentou. –Suponho que nunca lhe faltaram mulheres dispostas a fazê-lo - respondeu ela com amargura. Ele pigarreou um pouco e tomou um pouco mais de café, porque não estava disposto a colocar o pescoço nessa armadilha. –Eu o incomodei, certo? Desculpe-me, falei demais – se apressou a dizer ela, sem jeito. –Passei a maior parte de minha vida no Exército, eu duvido que haja alguma coisa que possa me incomodar a estas alturas… mas pode tentar se quiser – acrescentou com olhos brilhantes. –Está flertando comigo, coronel? –perguntou ela ruborizada. Infelizmente, John apareceu na porta nesse exato momento, e seu ânimo não melhorou em nada ao ver as bochechas rosadas de Claire e a expressão travessa do coronel. Tinha tido uma manhã complicada, e o dia parecia pior, mesmo assim, escondeu a irritação que sentia e se aproximou para cumprimentar seu antigo companheiro com fingida alegria. –Olá, Chayce – lhe apertou a mão, e lhe deu uns tapinhas nas costas com afeto sincero–. Deus fazia muito tempo que não nos víamos. –Dois anos. Alegro-me em ver você, meu amigo. Estou indo para Charleston, mas me ocorreu passar para te cumprimentar enquanto estou em Atlanta. –Mandaram você para Charleston? –Sim, vou ser instrutor de cadetes – Chayce esboçou um sorriso sem humor ao acrescentar– Que ironia, não é? Depois de anos nas linhas de combate! É que ganhei alguns inimigos em Washington por expressar minha opinião.
–Não é de se admirar, você nunca se calou. –Mostrei meu apoio a William Jennings Bryan muito abertamente, e me uni ao movimento anti-imperialista. Os oficiais de maior idade pensaram que deveria me calar, e agora que McKinley acaba de ganhar as eleições estou desacreditado. –Suas opiniões políticas deve ser sua preocupação e de mais ninguém, e afirmo o que digo apesar de que eu apoiei McKinley. –Sim, porque Roosevelt ganhou a vice-presidência. Serviu a seu lado, não é? –ao ver que John assentia, acrescentou sorridente– Enfim, cada qual pode ter as convicções que quiser. –Exato! –John se sentou e aceitou a xícara de café que Claire lhe ofereceu, mas estava muito indignado para olhar para ela. Nunca tinha flertado com ele, mas parecia encantada em fazê-lo com Chayce, que sim que era um mulherengo–. O que você vai ensinar? –perguntou a seu antigo companheiro. –Estratégia e táticas. Aprendi muito com alguns dos soldados de carreira que conheci enquanto servia no Arizona e nas Filipinas, muitos dos quais foram veteranos das guerras indígenas do oeste. Nem imagina a astúcia que mostravam nas batalhas esses índios das planícies, e Gerónimo foi uma dor de cabeça para o Exército até que se rendeu ao fim de oitenta e seis. Eu estive servindo no Arizona, mas nunca lutei contra os índios… embora servi com homens que o fizeram. –Lembro-me de um deles… Jared Dunn vive em Nova York. O ano passado me enviou um cartão de natal. –A mim também. Ele era uma figura, espero que tenha guardado a arma para sempre. –Sua arma regulamentar? –Não, o revólver que usou tanto em sua época de pistoleiro como depois, quando foi ranger do Texas. Poderia dizer-se que levou uma vida pitoresca antes de se estabelecer e dedicar-se à advocacia em Nova York. –Não sei até que ponto o tem feito, tem fama de atirar com uma pontaria endemoninhada quando necessário; além disso, aceita muitos casos fora da cidade. –Eu não gostaria de ter um trabalho como o seu, a lei é árida e seca. Prefiro a vida militar, você não sente falta dela? –Não há nem um só dia em que não sinta falta, mas você sabe bem por que não posso retomar - respondeu John secamente. –O tempo cura todas as feridas, e tinha uma folha de serviços exemplar. Um velho coronel comentou que lamentava sua decisão de não voltar a se alistar depois que feriram você, quando decidiu ingressar em Harvard. –Refere-se ao coronel Wayne? –Exato. Era um comandante excepcional, jamais conseguirei aprender tudo o que sabe sobre escaramuças em linha de batalha. Agora vive em seu rancho em Montana, e não tem intenção algum de mudar-se para cá. –Como vai sentar-se e viver em Charleston depois de estar no Arizona?
–Acho que se sente como Gerónimo e seus índios apaches chiricahua que ficaram no forte Marion. Às pessoas não gostam da umidade como nós. –Charleston tem coisas boas, eu vivi vários anos lá e gostei – assegurou John. –O que você gostou foi o mar, lembro-me de quando me contava que estava acostumado a sair e navegar com seu pai e seus irmãos menores. Mas eu detesto. –Vai ter muitos anos para se acostumar. –Espero que não. –De tempo ao tempo, você acabará por ganhar de novo um bom posto. –É o que me dizem. Depois de um momento, Chayce comentou que tinha que partir para não perder o trem, e lhe acompanharam até a rua. Estendeu a mão para John antes de subir na carruagem que ia leva-lo a estação, e disse sorridente: –Cuide de sua esposa, é um verdadeiro tesouro. –Obrigado, coronel. Foi um prazer lhe conhecer, venha nos visitar de novo quando voltar a passar pela área. –Talvez até lá tenham uma casa própria e um montão de filhos brincando no jardim –ele disse sem olhar para Claire, com os olhos fixos em seu antigo companheiro, mas se voltou para ela ao acrescentar– Agradeça à senhora Dobbs pelo delicioso bolo, Claire. Cuide-se, adeus. John olhou o seu relógio de bolso antes de dizer: –Vou contigo até o banco, tenho que retornar ao trabalho. Chegarei tarde, Claire. Não me espere para jantar – subiu no veículo atrás de Chayce, e fechou a porta sem mais. Ela ficou ali parada, seguindo-o com o olhar. Tinha aprendido algo mais sobre seu marido, mas não ia servir para nada. John teria explicado tudo por si só se sentisse algo por ela, mas tinha tido que saber por meio de um velho amigo dele. John a surpreendeu no dia seguinte ao oferecer-se para leva-la para passear. Chegou do banco justo ao meio dia, e alugou uma carruagem com chofer. –Pensei que você gostaria de sair um pouco de casa. –ele explicou, ao ver a surpresa dela. –M… mas se nunca fomos juntos a nenhum lugar. –Fomos à noite social no sábado que o banco organizou. –Sim, é verdade. Depois de ajudá-la a subir na carruagem, seguiu-a e contemplou com aprovação o traje alfaiate negro debruado em branco e o chapéu cobinando. Claire sabia se vestir incrivelmente bem… quando não estava brincando com aquele carro absurdo ou montada naquela bicicleta. Apesar de que só circulava com ela pelo jardim da casa, caía frequentemente e aquela coisa era muito alta, mas se sentia um pouco culpado porque tinha furado o pneu de propósito e se negou a repará-lo com a desculpa de que estava muito ocupado. Ela não entenderia que estava preocupado com seu bem-estar,
mas o certo era que a pequena ideia de que pudesse se ferir fisicamente ou mentalmente o aterrorizava. Enquanto passeavam na carruagem conversavam sobre Atlanta e seu tempestuoso passado, sobre acontecimentos recentes como a incomum casa de Peachtree Street, «a casa que Jack construiu », e sobre o famoso carro de quatro cavalos do Clube de automóveis de um militar aposentado passeando com uma jovem debutante e dignitários estrangeiros. Era um veículo igual ao dos reis com um tiro de quatro cavalos brancos, e tinha um pistão de prata. –É uma cidade maravilhosa – comentou Claire. –Sim, e com um futuro muito prometedor. No banco concedemos empréstimos tanto a longo como a curto prazo a multidão de empresários, e as cifras mostram grandes benefícios – certamente, ao menos sobre o papel, mas tinha começado a ter algumas duvida sobre as finanças do banco que não ia comentar com ela. –John! –Ela agarrou o braço dele de forma instintiva ao ver que uma carruagem tinha atropelado um cão e continuava como se nada tivesse acontecido – Pobrezinho deixaram ele jogado na rua! Corra, diga ao chofer que pare! –Claro – ele estava tão indignado quanto ela pelo que acabava de presenciar. Golpeou o teto da carruagem com a bengala antes de tirar o paletó, deixou o objeto no lado do assento, e foi atrás de sua mulher enquanto arregaçava a camisa. Ao chegar junto ao animal, que estava uivando de dor, ajoelhou-se junto a ele e apalpou com cuidado para ver se tinha quebrado uma costela ou uma pata. O pobre cão grunhiu um pouco e tentou lhe morder, mas sem muitas forças. –É a pata, preciso de uma tabuleta e algo para enfaixar. Ele se machucou muito. –Dói muito. –Sim, eu já sei, mas isso não posso evitar. –Beauregard! –o grito vinha de uma senhora miúda de cabelo branco e soluçando, vindo pela calçada de uma mansão imponente– Meu Deus! Meu Deus! –secou as lágrimas antes de perguntar a John com resignação –Vai morrer? –Não, só tem uma pata quebrada que deve doer muito. Tem ataduras ou algo com o qual possa enfaixar a pata? –É doutor? –Não, mas atendi a muitos feridos ao longo de minha vida e sei o que tem que fazer. Não se preocupe, eu o levarei a sua casa. –Vai se sujar, jovem. Ele soltou uma gargalhada antes de responder sorrindo: –Sim, é o mais provável – levantou com muito cuidado o pobre animal, que seguia choramingando mais não tentou morder. Claire olhou com adoração a seu marido. Sempre o tinha considerado um homem digno, mas mexeu com seu coração vê-lo comportar-se com tanta ternura. Enquanto iam para a casa, ela se encarregou de acalmar a senhora lhe falando dos cachorros
delas que tinham sobrevivido a perigos piores, e quando chegou à mulher já tinha deixado de chorar. –Não sabem o quanto lhe agradeço por pararam e ajudar – disse ela, enquanto subiam os degraus da entrada–. Beauregard foi um presente de meu falecido marido, é tudo o que tenho. Vi quando passou a carruagem que lhe atropelou e seguiu como se nada tivesse acontecido, pertence a um banqueiro, um tal Wolford. –Conheço-o, é um dos sócios de meu banco – respondeu John. –Esse homem não emprestaria nem um centavo a um mendigo faminto. Em que banco você trabalha, jovem? –Sou o vice-presidente do Peachtree City Bank. –Ah. John esboçou um sorriso para a mulher, mas estava muito ocupado com o cão para tentar entende-la. Deitou o animal na varanda, e enfaixou a pata quando a senhora se encarregou de que levasse todo o necessário. –Beauregard vive dentro de casa. Cuidarei para que fique quieto e não lhe falte nem comida nem água, e não permitirei que caminhe mais do que o necessário. Jamais poderei lhes agradecer o que fez por ele. –Não leve a mal minhas palavras, mas pode ser que alivie um pouco a dor se lhe der um pouquinho de uísque. A mulher sorriu ao ouvir a recomendação de John, e comentou: –Seguirei seu conselho, ainda conservo várias das melhores garrafas de meu marido – acariciou com ternura o cão, que tremia um pouco mais tinha deixado de choramingar. –Onde quer que o ponha? –perguntou John, antes de voltar a levanta-lo nos braços. A mulher o levou ao interior da casa. Claire se ruborizou ao reconhecer à pessoa que aparecia em um enorme retrato pendurado sobre a lareira acesa, mas permaneceu calada enquanto seu marido colocava o cão sobre o tapete com muito cuidado. –Os ossos velhos se esfriam com facilidade, estará muito melhor perto da lareira – a senhora ofereceu a mão a John, e se ruborizou quando este a beijou com sofisticação. Ele sorriu ao ver sua reação, e se limitou a dizer: –Espero que se recupere logo. –Obrigado de novo por sua ajuda, jovem. Não esquecerei o que fez. –É o mínimo que poderia ter feito por ele. –Sim, mas ninguém mais o fez – os acompanhou até a porta, e permaneceu sorrindo enquanto os via afastar-se. Claire olhou de relance seu marido pouco antes de chegarem à carruagem, e lhe perguntou curiosa: –Sabe quem é?
–É obvio que sim, mas não tinha nem ideia quando nós paramos. É todo um personagem e ainda contam histórias sobre seu marido, que foi general na Guerra de Secessão. –Sim, eu sei, tenho lido sobre ele – também sabia que a senhora era a viúva mais rica de toda a cidade. Ele começou a rir antes de comentar: –Não sabia de quem eram a casa e o cão. Pobre Wolford, se ele soubesse quem é o dono do cão não o teria deixado na rua… –Você notou como ela sorriu pra você? –Sim. Está claro que é uma mulher cordial, mas vingativa, temo que o banco de Wolford sofra uma grande perda. –É bem feito, não teria que seguir em frente depois de atingir ao pobre animal! Ao chegar à carruagem, John agradeceu ao chofer que tivesse esperado com tanta paciência, e o homem respondeu de forma pragmática: –Não se preocupe senhor. Vi o que aconteceu, terá que ser muito desalmado para abandonar um animal que está sofrendo. –É verdade – ajudou Claire a subir, e subiu atrás dela. Tinha a camisa manchada e úmida, e desabotoou vários botões para poder empurrar de lado o tecido molhado. Claire não pôde evitar olhar naquele peito largo e cheio de pelos era a primeira vez que via um homem com a camisa desabotoada. Ele arqueou uma sobrancelha ao notar como lhe olhava, e comentou sorrindo: –A vida está cheia de lições, não é? –pegou a mão dela, e insistiu que colocasse contra seu peito musculoso. Ela não soube como reagir ao afundar a mão naquele espesso pelo escuro, mas ele a cobriu com a sua e foi guiando-a com sensualidade. Enquanto deslizava a palma da mão por aquela pele cálida notou que a respiração dele acelerava, e ao levantar o olhar ficou atônita ao ver o desejo que se refletia naqueles olhos escuros. –Você gosta? –perguntou vacilante. –Sim. John agarrou a outra mão para que lhe acariciasse com as duas, mas as luvas que ela usava lhe impediu assim as tirou rapidamente e as deixou sobre o colo. Inspirou com força ao sentir o contato de suas mãos nuas contra a pele, e disse com voz rouca: –Sim, é assim que eu queria sentir as carícias de suas mãos –se inclinou para ela e a beijou com a boca entreaberta, brincalhão e apaixonado. –John! –exclamou ela, com um fio de voz. –Claire! Ele colocou-a sobre o colo, e a beijou profundo e intensamente enquanto guiava suas mãos. Seu coração batia com tanta força que sacudiu as mãos quando ela entendeu o que estava pedindo, e em poucos segundos se afastou um pouco e pediu que lhe acariciasse o peito com os lábios. Ela arqueou para trás, febril, e estremeceu ao senti-los contra sua pele nua.
A carruagem deu uma súbita sacudida que lhes devolveu à realidade. Olharam-se em silêncio, e ao notar que o veículo diminuía a marcha se deram conta de que já estavam chegando em casa; ao ver que ela se separava de repente, acalorada e confusa, lhe disse com mais compostura do que tinha em realidade: –Nós chegamos. Ela recolheu seu chapéu do chão e John baixou as mangas, abotoou a camisa úmida e colocou o palito e o chapéu. Parecia um desastre, mais foi forçado admitir para si mesmo que ele a adorava. Seu corpo doía pelo desejo insatisfeito, mas sentiu uma mistura de afeto e diversão ao vê-la tão mortificada. –Ninguém vai nos censurar pela nossa aparência, Claire. Somos casados –lhe assegurou, em tom de brincadeira. –Eu sei – Ela disse com a cabeça baixa, enquanto lutava por colocar as luvas. Acariciou-lhe a bochecha com ternura, e disse com voz suave: –É uma delícia beijá-la, senhora Hawthorn. Você é adorável – ao ver que ela corava sorriu, mas parecia mais confuso do que nunca, soltou uma gargalhada e acrescentou sorridente–. Será melhor entrarmos agora. Pagou o chofer, e a ajudou a descer olhando-a com uma ternura incomum. Inclusive deu o braço enquanto entravam na casa, e só pararam para trocar umas palavras com a senhora Dobbs antes de subir ao andar de cima. Mas quando chegaram ao apartamento ficou tímido e calado de repente ao dar-se conta de que não tinha pensado em Diane toda á tarde, parecia-lhe incompreensível estar se comportado assim; depois de despedir-se de Claire com um sorriso distante, foi a seu próprio quarto com a desculpa de que tinha que tomar banho, e quando saiu voltou a ser o mesmo de sempre… cortês e amável, mas distante, e Claire se perguntou se tinha sonhado com o que tinha acontecido na carruagem. Foi um triste final para um dia tão maravilhoso.
CAPÍTULO 6
C
laire notou que sua relação com seu calado marido teve uma recaída ao longo dos dias seguintes. Depois da visita de seu velho amigo e da aventura que tinham vivido durante o passeio de carruagem, John parecia muito mais próximo e dependente dela, e comiam juntos quase todos os dias; mesmo assim, a amizade crescente desapareceu quando ela perguntou se eles iriam ao baile de natal do governador, porque ele se fechava como se tivesse tentado esconder segredos de estado. O que ela não sabia era que para seu marido era doloroso pensar nesse evento anual, porque seus pais sempre eram convidados. Não os tinha visto desde que partiu de casa há dois anos, mas apesar de que estava relutante em ressuscitar velhas feridas em público, sua presença era esperada com a qualidade de vice-presidente do maior banco da cidade… um banco com o qual muitos governadores tinham relações. Como Claire desconhecia grande parte da vida de seu marido, não tinha nem ideia do porque sua própria família lhe tinham dado as costas; de fato, nem sequer sabia que existia um problema familiar, e por isso acreditava que ele não queria ir ao baile porque se envergonhava dela. Era óbvio que pertenciam a classes sociais diferentes e, além disso, jamais a tinha visto vestida com roupa elegante. Talvez estivesse habituado a vê-la manchada de graxa ou com a roupa confortável de ficar em casa, estava achando que não se vestia bem. Estava convencida de que podia demonstrar que sabia vestir-se e arrumar-se maravilhosamente bem, porque já tinha o desenho preparado do vestido e tinha comprado o tecido. Ia confeccionar um vestido que ia deixar as pessoas boquiabertas, algo mais espetacular inclusive que o vestido que estava fazendo para Evelyn e às demais. Estava decidida a mostrar a seu marido que podia competir com sua queridíssima Diane! Havia tempo que ele não mencionava à loira. Não havia dúvida de que se encontravam de vez em quando, porque Diane estava acostumada a ir ao banco com seu marido, mas John jamais a mencionava nem comentava se tinha falado com ela. No dia do casamento tinha dado sua palavra de que jamais seria um marido infiel e estava claro que pensava cumpri-lo, o problema era que não estava apaixonado por ela. Casou-se com ele pensando que poderia haver um milagre, mas seu casamento só tinha contribuído para causar mais sofrimento; além disso, a situação ficou muito mais difícil depois que tinha saboreado os beijos de seu indescritível marido. Ele só
podia lhe oferecer consideração e carinho, mas ela o queria e o amava ainda mais que antes. Estava claro que a vida podia chegar a ser muito complicada. Ao chegar o sábado, Claire reuniu coragem para passar a noite com os Calverson e com um possível investidor para o banco. Tinha estado tão atarefada costurando os vestidos de Evelyn, Jane e Emma para o baile do governador, que não tinha tido tempo de fazer um vestido para aquela ocasião, assim tinha ido comprar um na loja de Whitehall Street que John lhe tinha recomendado. O elegante interior em branco e negro do estabelecimento lhe tinha encantado, e as estantes estavam cheias de artigos preciosos. Explorou a loja com prazer e encontrou justo o que procurava um vestido em um intenso tom verde esmeralda com contas negras. O decote baixo estava recoberto com uma capa de renda, as faixas eram de cetim, e a parte inferior do vestido estava debruado com as mesmas conchas negras que adornavam o corpo. Tinha custado muito caro, mas acentuava seus olhos cinzas e realçava sua pele. Contemplou fascinada no espelho oval, a verdade era que não ficava nada mal quando se arrumava. As joias que usava, um colar de marcasita e ônix que tinha pertencido a sua mãe e uns brincos combinando, caindo perfeitamente com o vestido. Estava convencida de que John ia ter uma grande surpresa… e acertou em cheio. Olhou-a dos pés a cabeça com um olhar penetrante, e lhe perguntou secamente: –De onde tirou isso? –Da loja do Rich, você gosta? Se ele gostou? O vestido moldava as suas perfeitas curvas, e o decote era tão baixo, que deixava descoberto as suaves curvas de seus pálidos seios. Usava luvas brancas e tinha os braços nus… era a primeira vez que os via, eram arredondados, pálidos e suaves… seus preciosos lábios tinham cor por si só e não precisava pinta-los tinha as bochechas rosadas, e usava nos cabelos um pente decorado com uma pluma de garça. Estava maravilhosa, e muito elegante para ser uma mulher que se criou no campo e nos bastidores da alta sociedade. –Está muito bonita – ele disse com formalidade. Claire pensou que ele também estava muito bem, que a roupa escura ficava maravilhosa nele e que estava imponente vestindo smoking, mas não o disse por vergonha. Agarrou com força sua bolsinha e apenas respondeu educadamente: –Obrigado. –Vamos? –abriu a porta, e a acompanhou até a carruagem que estava lhes esperando. Ela estava muito nervosa, e não deixava de mover a bolsinha de um lado a outro para manter as mãos ocupadas. Eli Calverson não lhe caía muito bem, estava preocupada em pensar na reação que poderia ter John ao ver Diane; mesmo estando com um vestido que a favorecia, sabia que não podia comparar-se com aquela mulher
tão elegante e bonita. Só teria conseguido se acalmar se contasse com o amor de seu marido, e isso era um sonho impossível. –Quem vai ao jantar? –perguntou ela, depois de um longo silencio em que apenas os sons dos cascos dos cavalos eram ouvidos sobre o calçamento da rua. –Só os Calverson, o senhor Whitfield junto com sua esposa e seu filho, e nós. –Ah. –Não é uma festa, é uma pequena reunião íntima – ele tirou uma penugem da manga, e se inclinou um pouco para ela antes de dizer com um sorriso travesso– Por certo, será melhor que não mencione o automóvel. –Por quê? –perguntou-lhe, carrancuda. –Porque Calverson os considera uma invenção do demônio, por isso. Os banqueiros têm que respeitar os convencionalismos para obter bons negócios; por certo, lembrase do cão ao qual enfaixei a pata? –Sim. –Pois a proprietária tirou todo o dinheiro que tinha no banco de Wolford e o colocou no nosso – soltou uma gargalhada ao ver que seu rosto se iluminava, e acrescentou—Tenho certeza que Wolford circulará com mais cuidado em sua carruagem de agora em diante. –É bem feito, me alegro muito por seu banco! –Calverson está muito contente, embora eu teria parado de qualquer forma se tivesse sido o cão de uma mulher pobre. –Sim, eu sei – disse com voz suave, enquanto o contemplava sorrindo. John teve que afastar os olhos daquele rosto que o olhava com tanta adoração. Cada vez se lembrava menos de Diane apesar de que ainda lhe doía um pouco tê-la perdido, mas Claire era um encanto e às vezes se perguntava como seria ter um casamento pleno com ela. Era algo que aumentava com frequência crescente quando não via Diane. Esperava ansioso por aquele jantar, porque só vendo-a seu coração recuperava a vida, mas a verdade era que se sentia orgulhoso de Claire ao vê-la tão elegante. Não havia dúvida de que sua jovem esposa ia chamar a atenção naquela noite. Não demoraram em chegar a enorme mansão dos Calverson, que parecia um castelo com torres e elaboradas marchetaria de estilo vitoriano. Claire subiu os degraus da entrada de braço com seu marido, consciente de que jamais se encaixaria em um lugar tão ostentoso… ao contrario de Diane, que necessitava uma vitrine como aquela. A luz de enormes lustres de cristal saía por largas janelas com delicadas cortinas brancas, e a escada interior era de mogno esculpida à mão. Diane a recebeu com uma saudação cortante antes de se concentrar em John por completo. Colocou uma mão em seu braço, e lhe olhou com o coração nos olhos ao dizer com voz rouca e suave: –Me alegro muito em ver você… de que tenham vindo. É muito importante causar boa impressão ao senhor Whitfield, espero que façam o melhor para que se sinta como em casa em Atlanta e que leve uma boa impressão do banco.
–É obvio, querida –John a olhou com olhos cheios de ardor e de dor, e assim ficou tenso com a força súbita e inesperada do sentimento que o embargou. Os olhos de Diane se iluminaram ao ver sua reação, ao notar o tom de voz tão diferente que empregava com ela, e esboçou um sorriso cheio de amor antes de sussurrar: –Não me olhe assim, John – lançou um olhar furtivo para a porta do salão, mas não parecia se preocupar o mínimo com a presença de Claire–. Devemos ser cuidadosos, Eli começou a suspeitar… – Não pôde acabar a frase, porque seu marido apareceu nesse momento para saudar os recém-chegados. Eli Calverson fez um gesto cheio de impaciência a uma das mulheres para que se encarregasse dos casacos dos convidados, mas se ruborizou e pareceu recuperar o bom humor ao ver que sua esposa lhe segurava o braço e lhe sorria com doçura. Deu uns tapinhas na mão, e devolveu o sorriso antes de dizer a John: –Alegra-me que tenha vindo ao jantar, moço… e o mesmo digo a você, Claire. Sejam bem vindos – Apertou a mão de John antes de voltar-se para beijar a de Claire, mas sua expressão se voltou carrancuda e lhe falou em tom de advertência– Espero que não tenha planejado sair para passear com esse maldito automóvel em um futuro próximo, o senhor Whitfield se sentiria ofendido. Não devemos fazer nada que possa lhe incomodar, verdade? Não favoreceria em nada a John. Claire desejou poder lhe dizer o que achava repulsivo o que pensava dela para fazer aquela ameaça, mas não se atreveu. Já estava bastante alterada depois de ver o teatral numero de Diane, que parecia empenhada em representar o papel de rainha da tragédia. –Ultimamente eu tenho pouco tempo para automóveis - ela disse com dignidade, e inclusive conseguiu esboçar um sorriso forçado. O sorriso do banqueiro se alargou por ouvir aquilo, e disse com óbvia satisfação: –Alegra-me sabê-lo. Venham, quero lhes apresentar a nossos convidados. Conduziu-os para o salão, onde estavam esperando os Whitfield e seu filho. O senhor Whitfield era um homem alto e de cabelo grisalho que parecia cansado e um pouco mal-humorado, sua esposa era uma pequena e tímida loira vestida de rosa que estava sentada em uma poltrona estofada em cetim e parecia bastante incômoda, e o filho era um jovem muito arrumado que tinha a mão apoiada no suporte e parecia aborrecido. Devia ter a idade de Claire mais ou menos, e seu rosto se iluminou de repente quando levantou o olhar ao lhes ouvir entrar e a viu. Apressou-se a se aproximar enquanto o senhor Calverson se encarregava das apresentações, e a deixou atônita ao tomar sua mão e dizer sorridente: –Não sabia que o senhor Hawthorn tinha uma filha tão encantadora – não pareceu dar-se conta de que todo mundo ficou parado ao ouvir aquelas palavras, e lhe beijou a mão antes de acrescentar como se nada tivesse acontecido – Sou Ted Whitfield, e espero vê-la com frequência durante minha estadia em Atlanta.
John sentiu um ciúmes viscerais que o pegou de surpresa. Agarrou o braço de Claire com uma mão forte, e a trouxe para si com firmeza enquanto fulminava com o olhar aquele jovenzinho atrevido. –Sou John Hawthorn, Claire é minha esposa. Ted não pareceu se importar em nada, porque se limitou a dizer com zombaria: –Ah, sim? Que interessante – seu amplo sorriso, somado ao cabelo loiro, os olhos azuis e o belo rosto, enfatizou ainda mais sua imagem de sedutor. –Comporte-se como é devido Ted – lhe repreendeu imediatamente seu pai. –Claro papai – respondeu o jovem, com voz zombadora. –John é nosso vice-presidente – Falou Eli, que tinha ficado um pouco deslocado pelo inesperado comportamento de Ted– Foi uma incorporação muito valiosa para o banco, estudou em Harvard. –Eu sou de Princeton – comentou Ted. –A que curso pertence? –perguntou John, com um sorriso zombador. –A verdade é que ainda não terminei os estudos. –Vá. O que chamou a atenção de Claire foi à facilidade com que seu marido podia refletir com tanto desdém e altivez com uma simples palavra. Estava claro que não o conhecia em muitos aspectos, estava surpresa em como tinha intimidado Ted sem sequer tenta-lo. A senhora Whitfield fulminou John com o olhar, e se apressou a dizer: –Mas Ted é o primeiro da classe… verdade que sim, carinho? É muito inteligente – acrescentou, para enfatiza-lo ainda mais. –Isso é obvio – John comentou com sarcasmo. Eli Calverson optou por intervir antes que a situação piorasse, e perguntou com voz atropelada: –Alguém quer tomar algo antes de jantar? Lançou um olhar de advertência a John, mas este o ignorou e olhou com a sobrancelha levantada o copo de brandy que Ted tinha na mão antes de dizer com secura: –Eu não acho que seja aconselhável. Tanto o olhar como a clara indireta bastou para que aumentasse ainda mais o desconforto de todos, em especial de Diane. Claire não entendia o comportamento de seu marido com Ted. O moço era jovem e inofensivo, mas dava a impressão de que John estava ofendido; Diane, pelo contrário, tratou o jovem com uma amabilidade deliciosa e se esforçou ao máximo por lhe fazer sentir-se em casa… talvez fosse uma atitude deliberada, e o que queria era que John se sentisse mal por ter sido tão grosseiro com ele. O jantar foi um pesadelo para Claire. Noah Whitfield parecia um homem muito rígido, e só falava de assuntos financeiros que ela não entendia. Achou graça em ver que Diane escutava-o com muita atenção, porque estava convencida de que a única
coisa que ela sabia de dinheiro era como gastá-lo… o que a fascinava tanto em seu convidado não era o que dizia, mais sim o seu dinheiro. As damas se retiraram para conversar na sala de estar depois do jantar, e os homens foram ao salão e fecharam as portas trilhos para desfrutar a sós de uma taça de brandy e um bom charuto. –O jantar estava delicioso Diane – comentou a senhora Whitfield– Precisa pedir a sua cozinheira que me dê à receita da sopa de brócolis. –Pedirei hoje mesmo. O vestido que está é uma preciosidade, é de alguma casa parisiense? –Naturalmente. É um desenho de Etienne Dupree, suponho que você conhece. –É obvio. –Não há dúvida de que o seu também tem o selo de Paris. –Que bons olhos têm! É um Charmonne. Estavam deixando Claire de lado de forma magistral. Estavam fazendo com que se sentisse como uma qualquer a qual tinham permitido que jantasse com gente de alta classe. Ao final não pode mais aguentar aquele desprezo, e ficou de pé. –Perdoa-me Claire, não era minha intenção te excluir da conversa – disse Diane, com um sorriso malicioso. Claire se limitou a olhá-la em silencio com uma expressão firme e cheia de dignidade, e ao ver que corava e afastava o olhar disse com voz serena: –Minha mãe me falou uma ocasião de um primo dela, um ministro Batista que às vezes tinha os sapatos muito enlameados por sempre ir pregar a pé. Um domingo, ao perceber que um jovem que estava escutando seu sermão não deixava de olha-lo com expressão de desprezo, interrompeu-se no meio do sermão para lhe recordar que Deus estava mais interessado em como estava a sua alma que a sujeira dos seus sapatos – sorriu com frieza ao ver que as duas captavam a mensagem, e acrescentou: – Às vezes deveríamos recordar que no Céu não há eventos sociais, e que tanto os mendigos como as rainhas caminharão pelos mesmos caminhos do outro lado da vida. –É obvio que sim, lhe garanto que não pretendia ofendê-la! –exclamou a senhora Whitfield, que havia ficado vermelha como um tomate. –Nem eu – assegurou Diane, que não podia ocultar o desconforto que sentia. Claire se manteve firme, e lhes disse com o rosto erguido: –Não invejo nem sua posição social nem suas riquezas – lançou a Diane um olhar que falava por si só antes de acrescentar– Não cobiço nada do que têm – sorriu apesar de estar muito zangada. Diane se levantou da cadeira com pressa, e comentou ruborizada: –Sabe que está bastante quente? Direi à empregada que abaixe um pouco o fogo da lareira. Claire conteve por educação a vontade de mandá-la passear, aquela mulher era uma cobra venenosa que tinha a audácia de comportar-se como se John lhe pertencesse.
No princípio acreditava que a pobre realmente o amava e estava destroçada por tê-lo perdido, mas cada vez ficava mais claro que era uma farsante que estava brincando com ele como um gato com um camundongo. Diane flertou e brincou, mas nada mais, por muito bonito e rico que fosse John, ela não lhe considerou seu igual quanto a status social, assim jamais expôs a sério a possibilidade de casar-se com ele. Seguro que o compromisso não tinha sido mais que um divertimento para ela. John merecia alguém muito melhor. Ela não tinha nem a beleza nem a classe de Diane, mas lhe amava de coração. Talvez algum dia isso fosse o suficiente. Enquanto isso iria pisar com cuidado, procuraria não sobrecarregar seu marido nem fazer coisas que pudessem sentir vergonha dela… mas não por isso ia permitir que gente como Diane e a senhora Whitfield a menosprezassem pelo simples fato de não ter nascido em família rica. A conversa se manteve tensa e cheia de longos silêncios até que chegou a hora de retornar junto aos cavalheiros, e John a olhou carrancudo ao notar o ambiente ruim. O fato de que ele achasse que ela era a culpada de qualquer possível problema não a tomou por surpresa, e suspirou resignada. Justo quando ele estava a ponto de lhe perguntar furtivamente o que tinha acontecido, Ted a pegou pelo braço e a conduziu para o sofá. Sentou-se junto a ela e começou a falar sobre o automóvel, que parecia está fascinado. –Fiquei sabendo que você sabe de mecânica e se encarrega de reparar veículos – comentou, com olhos cheios de interesse – meu amigo está estudando a nova teoria quântica de Max Planck… é uma questão complexa que só está ao alcance dos entendidos em Física… mas o ponto é que ele e muito interessado nos veículos a motor e construiu um elétrico como o que circula pela cidade. É semelhante ao dispositivo de um quadriciclo que Henry Ford estava tentando comercializar em Detroit. –Henry Ford é um louco – disse com irritação a senhora Whitfield, que ainda estava chateada com os comentários anteriores de Claire– Esses trastes absurdos são apenas uma moda que desaparecerá em um ou dois anos. –Eu acredito justamente o contrário, estou convencida de que cobrarão uma grande importância no futuro –respondeu ela com cortesia– Duram mais que os cavalos, e não os afeta o mau tempo nem adoecem. –Estou de acordo com você – falou Ted, que estava cada vez mais animado– Ford tem uma fábrica em Detroit, e o senhor Olds… –Meu automóvel é um Oldsmobile de painel curvo, e é uma delícia dirigi-lo. –Tem que me levar para dar uma volta, eu adoraria entrar nele! Tanto a mãe do jovem como John estavam lançando faíscas e o senhor Calverson parecia ter vontade de jogar Claire para fora de sua casa, mas o senhor Whitfield surpreendeu a todos ao dizer:
–Eu também. Estou de acordo com Claire, os automóveis são o futuro, de fato, estou convencido de que as máquinas acabarão por substituir os cavalos de cargas nos campos. A mecanização é inevitável, e os mais espertos farão investimentos nesse campo e obterão fortunas. O senhor Calverson mudou radicalmente de postura ao ouvir aquilo, e afirmou sorridente: –Exatamente o que eu sempre disse. Claire estará encantada em leva-los a um passeio aos dois… não é verdade, Claire? O senhor Whitfield a olhou com um sorriso sincero ao comentar: –Deixarei para a próxima vez que viermos à cidade, creio que devemos retornar a Charleston amanhã pela manhã. É uma viagem muito longa até mesmo em um trem. Foi muito interessante conhecê-la, jovem. Uma experiência realmente única – se voltou para Calverson, e lhe disse com firmeza– Se isto for uma amostra do tipo de executivos que trabalham para você, será um orgulho para mim ingressar recursos em seu banco quando transladarmos nosso escritório para Atlanta. Seu pessoal tem uma visão de futuro elogiável, e está claro que também sabem escolher sua esposa. Claire conteve a vontade de olhar para John com petulância, e se limitou a sorrir sem fazer caso aos olhares gélidos que estavam lhe lançando tanto a senhora Whitfield como Diane. –É uma caixa de surpresas, certo? –comentou John, sorridente, no trajeto de volta para casa. –Eu gosto dos automóveis, e há muitos que compartilham minha afeição. –Como esse maluco do Ted, certo? Claire olhou para ele por cima do pescoço alto do casaco e respondeu com voz firme: –Ted é como meu tio Will, tem visão de futuro. Ele se reclinou de braços cruzados contra a porta da carruagem, e lhe perguntou carrancudo: –Por que estavam tão zangadas a senhora Whitfield e Diane? O que disse a ela quando estavam a sós? –Eu lembrei-as que quando a gente chega ao Céu não importa o dinheiro que se tem em vida. –Não foi politicamente correto fazer esse comentário na casa de sua anfitriã. –E é correto ela te pegar como um marisco? Parece bom que flertasse com você no hall enquanto seu marido estava no salão? –conseguiu controlar seu gênio com muita dificuldade, mas seu rosto ficou vermelho de raiva. –Você estava fazendo o mesmo com Ted Whitfield. –Isso não é verdade, foi ele que flertou comigo. Ao contrario de outras, eu tenho o bom gosto de não estar disposta a ser infiel a meu marido. A referência velada a Diane estava clara. Ele ficou muito sério e disse com voz gélida:
–Não continue Claire. –Se ela quisesse casar com você, teria feito antes de Eli Calverson aparecer em sua vida, mas ela não considerava que estivesse a sua altura. Agora que já conseguiu jogar o laço em um bom partido, assim pode permitir ficar com olhos de apaixonada as costas de seu marido; ao fim do dia, você é muito honorável para aceitar seu claro oferecimento. –Diane não é assunto seu. –Isso eu já sei, e não irei interferir… contando que não se esqueça de que é um homem casado, claro. –Não precisa me recordar disso – respondeu secamente antes de reclinar-se de novo no assento– Dentro de uma semana se celebra a festa de Ação de Graças do banco, e tenho certeza que os Whitfield virão de novo à cidade para o evento. –Que bom! –Claire colocou o lenço na bolsa antes de acrescentar com calma–: Eu acho que não seria considerado de minha parte te lembrar que o senhor Calverson e você não estavam progredindo nada até que Ted mencionou meu automóvel. –Não, ele não iria. Ela sorriu ao vê-lo tão carrancudo. Estava claro que ela o tinha ofendido falando mal de sua amada Diane, mas quanto mais cedo ele se desse conta de que ela não estava disposta a recuar, melhor. John passou a semana ignorando sua esposa. Ela pensou que ele estava ressentido pelo que havia dito sobre Diane, mas na realidade se mostrava tão esquivo, pois sua cabeça estava uma confusão. Não entendia por que ficou tão ciumento com Ted Whitfield, sua própria reação lhe desconcertava. Não estava disposto a entender por que sentiu tanto ciúme de Claire, quando sabia que estava apaixonado por Diane. Quando chegou a noite da festa de Ação de Graças organizada pelo banco, Claire teve que andar sozinha até o vestíbulo, porque ele sequer a esperou na sala de estar do apartamento. A capa de veludo negro com o pescoço bordado cobria um vestido de sua própria criação que tinha confeccionado ao longo daquela semana… seu marido ia ficar boquiaberto ao vê-lo, e estaria bem empregado. Ela estava consciente de que não era tão bela como Diane, mas tinha melhor figura, e aquele vestido era perfeito para realçá-la. Era um vestido de cetim branco e organza negra, e tinha um provocador decote drapeado em cetim branco e negro cujas camadas subiam até se tornarem largas alças que enfatizavam a palidez de seus ombros. Como complemento colocou um colar de pérolas que tinha pertencido a sua avó. Estava elegante e sexy ao mesmo tempo e o vestido ajustado realçava sua esbelta figura, mas John ainda não o tinha visto… e não ia vê-lo até que chegassem à festa. –Não é um baile – resmungou ele com irritação, ao ajudá-la a subir à carruagem. –Fico feliz, porque não é um vestido de baile. Eu sei como devo me vestir nos eventos sociais apesar de minha origem humilde. –Maldita seja…! Não disse uma palavra sobre sua origem!
Ela optou por calar-se. Estava tão irritado ultimamente que tinha que ter cautela até para falar. Eli Calverson os recebeu na porta do banco junto com Diane, que arqueou uma sobrancelha ao ver a capa de veludo e deixou de lado Claire como se a considerasse insignificante. –Está maravilhosa – disse John a sua anfitriã, que usava um vestido vermelho. Claire queria comentar que aquele vestido ficava muito apertado à loira, que dava a sua voluptuosa figura um aspecto que beirava a vulgaridade. A cor tampouco era o adequado para Diane, embora estivesse muito na moda para os vestidos femininos da temporada de outono e inverno; por incompreensível que fosse, havia mulheres tão dependentes das últimas tendências, que só se fixavam no estilista de um vestido e se estivesse na moda. Tinha reconhecido imediatamente o desenho daquele vestido, porque Evelyn tinha pedido que lhe confeccionasse um similar mais com algumas modificações. Perguntou-se se Diane tinha ideia de que era uma especialista em moda, seguro que ficaria petrificada se visse algumas das criações que tinha confeccionado para damas de Atlanta de mais categoria social que ela. A verdadeira moda era a arte de saber o que ficava bem em uma mulher, e usá-los à margem das tendências do momento. Deixou que uma das empregadas a ajudasse a tirar capa, e sorriu ao ver que soltava uma exclamação de surpresa e exclamava maravilhada: –É o vestido mais bonito que vi em minha vida! –Obrigado – se voltou para seus anfitriões, e sentiu uma enorme satisfação ao ver que Diane a olhava boquiaberta. O contraste entre a pureza de um vestido e a grosseria do outro era brutal. John contemplou desconcertado a sua esposa. Era impossível que tivesse comprado aquele vestido em alguma das lojas da região, como tinha encontrado um vestido que parecia digno dos melhores desenhistas parisienses? Claire foi para ele com a cabeça erguida, mas no meio do caminho a interceptaram três jovens solteiros que trabalhavam no banco e Ted Whitfield, que lhe disse admirado: –Está deslumbrante, Claire – fez uma cortês reverencia que a fez corar, e acrescentou galantemente – Não há dúvidas de que é a dama mais bela de todas as presente. Diane se enfureceu ao ouvir o comentário, e John permanecia como petrificado enquanto tentava assimilar a situação. Sua esposa se converteu de repente na sensação da festa, e não tinha nem ideia de como lutar com a voragem de sentimentos que se amontoavam em seu interior. Tinham-lhe tomado totalmente despreparado tanto o ciúmes que lhe queimavam o estomago como o desejo ardente que se acendeu em seu interior ao ver Claire vestida assim.
CAPÍTULO 7
C
laire nunca havia se sentido tão atraente nem tinha sido tão popular. Levavam-na de um grupo de pessoas a outro, e as mulheres elogiavam sem parar seu vestido. Todo mundo queria saber onde o tinha comprado, mas não podia admitir que o tinha confeccionado ela mesma porque não queria que John se inteirasse de seu trabalho secreto. Mencionou o nome de uma boutique onde estavam acostumados a expor suas criações, mas uma dama lhe perguntou com insistência: –Sim, querida, mas quem é o desenhista? –E… Magnólia – o nome lhe saiu de forma improvisada. –Magnólia… que nome tão apropriado para uma desenhista de Atlanta! –Verdade não? A única mulher presente que não mostrava o mínimo interesse pelo vestido era Diane, que aproveitou para aproximar-se de John ao ver que Eli saía do salão junto com senhor Whitfield e comentou com irritação: –Esse vestido está muito atrevido para um evento como este, certo? Além disso, esse branco virginal não é nada apropriado para uma mulher casada! Ele decidiu não opinar porque a cor era a mais adequada para sua imaculada esposa. Tomou um gole de ponche enquanto contemplava os tapetes persas, as elegantes cortinas e os lustres, e pensou que o elegante vestido de Claire combinava com aquele lugar. –Nem sequer está na moda – resmungou Diane. John se surpreendeu com o veneno que destilavam suas palavras. Tinha-a visto ficar irritada algumas vezes, é obvio, mas era a primeira vez que a ouvia falar assim de Claire, e ficou surpreso com o quão irritante era a sensação de ver a sua atitude. –Duvido que Claire se importe muito com o que está na moda. –É obvio – respondeu ela, com voz cortante. Seus olhos cheios de ressentimento não se separavam de Claire, que estava conversando com Ted Whitfield e dois jovens. De repente encolheu os ombros, e se voltou a olhá-lo com um sorriso cheio de doçura–. Enfim, não vale a pena falar de bobagens. Está impressionante, John, realmente impressionante. Poderíamos estar a sós? Ele sentiu que o coração acelerava, e desejou com todas suas forças poder beijar uma boca suave e doce. A abstinência estava sendo uma dura carga ultimamente, e desejava ter uma mulher entre seus braços… era estranho o tão vívida que estava em sua mente à lembrança do que era a quente e suave boca de Claire, lembrando o que tinha sido o que tinha sentido ao beijá-la.
–Verdade que você adoraria, querido? –insistiu Diane, com voz insinuante, antes de aproximar-se um pouco mais. Ele retornou ao presente de repente, e disse com rigidez: –Diane… Ela fez pouco caso da advertência e lhe roçou com o corpo se insinuando antes de sussurrar: – Se lembra da noite em que nos comprometemos? Permiti que me despisse, e se o inoportuno de seu pai não tivesse chegado de forma inesperada, teria deixado que fizesse amor comigo. Ele a olhou carrancudo. Aquela lembrança tinha lhe afetado no passado, mas nesse momento só ficou chateado ao recordar. –Não é nem o momento nem o lugar para esses comentários, Diane. Quero lembrar que estamos casados com outras pessoas. Ela se separou antes de resmungar: –Você sempre com seu sentido de honra, suponho que é por seu treinamento militar. Teria que ter ido a Harvard desde o começo. –Consegui um posto melhor em Harvard graças a ter estudado em La Cidadela – respondeu ele com voz cortante. –Suponho que o Exército é necessário, mas isto é muito melhor –percorreu o salão com o olhar antes de acrescentar– Olhe todo este luxo, o dinheiro e o poder são o que conta de verdade. Qualquer um pode ser soldado. Ele conteve a vontade de lhe dizer que aquilo não era certo, porque Diane jamais tinha escondido o desprezo que sentia dos soldados. Franziu a testa ao pensar no pouco que tinham em comum, além do ardente desejo que sentia por seu corpo… e o certo era que o desejo estava desaparecendo. Era maliciosa e matreira, e gostava que os homens se enfrentassem por ela. Tinha falado que lhe amava, mas a julgar por seu comportamento, qualquer um acreditaria que estava apaixonada por seu marido. Era uma mulher que sempre ficava do lado do ganhador. Quando ele se negou a rebaixar-se ante seu pai para recuperar a herança, ela não tinha demorado nem um mês em jogar o laço em Eli Calverson e casar-se com ele. Recordou nesse momento o dia em que parou para ajudar ao cão que Wolford tinha atropelado a reação de Claire. Ela tinha mostrada compaixão pelo animal, encarregouse de consolar à senhora enquanto enfaixava a pata. Era uma mulher carinhosa e com um coração de ouro, mas tinha tanto gênio e força de vontade como ele. –No que está pensando? –perguntou Diane. –Que os homens são uns tolos. Deu-lhe um tapinha no braço, e respondeu em tom de brincadeira: –Não diga tolices, você é muito inteligente. –Eu não estou tão seguro disso.
Olhou para Claire, que estava sorrindo encantada diante da atenção daqueles jovenzinhos. A situação era um despropósito, porque quem teria que estar elogiando-a e perto dela era seu marido… sim, teria que ser ele e não aquele tolo do Ted Whitfield, que estava devorando-a com o olhar! –Me desculpe – disse secamente, e foi andando para sua esposa com uma expressão ameaçadora que deixou Diane boquiaberta. Claire notou a raiva que ele estava ao vê-lo se aproximar-se. Estava se sentindo muito ferida ao ver que ele a ignorava e optava por conversar com Diane, e a surpreendeu que de repente queria ir falar com ela. –Ficou sem assunto para conversar com Diane? Ela te disse algo que tenha… te afetado? Ele fez pouco caso daquelas perguntas carregadas de sarcasmo. Olhou carrancudo para Ted, e lhe disse com rigidez: –O salão está cheio de jovens solteiras – Pegou a mão de Claire em um gesto muito possessivo antes de acrescentar– Desejo desfrutar a companhia de minha esposa. –Que estranho, tive a impressão de que o que desejava era desfrutar da senhora Calverson… apesar de eu ser um estranho nesta cidade, suponho que me equivoquei – ao ver o olhar assassino que aparecia nos olhos de John, despediu-se de Claire com uma reverência e disse com galanteio –Voltaremos a nos ver antes que eu parta com meus pais, Claire. John lhe seguiu com o olhar, enfurecido e muito tenso. Seguia agarrando a mão dela, e não se deu conta de que estava apertando-lhe com muita força. –Algum dia passará do limite e perderei a paciência – resmungou. Ela puxou a sua mão e apesar do prazer que sentia ao lhe tocar, lhe respondeu com voz gélida: –Teve piedade de mim ao ver que não tinha acompanhante. Todo mundo se deu conta de que desde que chegamos não se separou de Diane e me deixou a mercê de completos desconhecidos. Em suas palavras se refletia uma fúria contida e inesperada que lhe impactou totalmente, mas ela continuou falando antes que pudesse responder. –Não desejo sua companhia, e você deixou bem claro que o sentimento é mútuo. Volta para junto de seu pavão real, e que tenha sorte se o senhor Calverson deixar sua atenção ao senhor Whitfield por um momento e se dá conta do espetáculo que estão oferecendo. Sempre estou sozinha, porque não estar também nos eventos sociais? – deu meia volta, e retornou-se junto aos jovens que estava falando quando a tinha interrompido. Dizer que ficou atônito seria muito pouco, e ficou ali plantado olhando-a boquiaberto. Não tinha se dado conta de que sua atitude com Diane tinha chamado a atenção; de fato, era a primeira vez que se sentia tão pouco atraído para ela. Olhou ao seu redor, e ao ver que várias mulheres estavam olhando-o com desaprovação se sentiu envergonhado por ter deixado Claire publicamente em evidencia. Ela não
merecia que a tratasse assim… o certo era que naquela ocasião não tinha sido ele quem tinha flertado, e sim Diane, mas sua esposa não sabia. Diane também se deu conta de que todos olhavam tanto para John como para ela, assim foi procurar a seu marido e permaneceu junto a ele. Claire acalmou sua sede com um par de copos de ponche, que tinha um gosto especial porque Ted Whitfield tinha esvaziado uma dose de uísque na poncheira para «melhorar o sabor»; melhorava tanto, que o jovem ficou bebendo uma segunda dose que tinha no bolso, e começou a mostrar-se muito atento com ela. A pequena orquestra tinha começado a tocar para que os casais que desejassem pudessem dançar, e Ted se empenhou em tirá-la para dançar uma valsa. Devia ser muito bom bailarino estando sóbrio, mas ao ver que cambaleava tanto que estava inclusive perigoso, Claire optou por parar no meio da abarrotada pista de dança e conduzi-lo para uma cadeira. –Desculpe Claire. Bebi muito – admitiu, envergonhado. –Não deveria fazê-lo, não é bom. –Não entende, é a única forma que posso suportar o que meu pai está fazendo. Parece muito honesto, certo? Honesto e inteligente… em realidade é um homem desumano que criou a sua imagem e semelhança, mas desde que conheci você não quero ser assim – segurou sua mão com força, e lhe perguntou implorante– Acredita que poderia chegar a sentir algo por mim? –É… sou casada, Ted – começou a dizer, confusa. –Ele não a ama, até um cego se daria conta de que a esposa de Calverson lhe tem encantado. Essa mulher é perigosa, eu asseguro. Não é o que aparenta, estaria disposta a fazer o que for por dinheiro. Acredite, sei do que estou falando… –Já basta, por favor – Ela pediu, antes de soltar sua mão com suavidade – Me Solte. Estava tão centrada nele, que se assustou quando ouviu uma ameaçadora voz masculina dizer a suas costas: –Sim, solte-a. Ted levantou o olhar, e franziu a testa em atitude desafiante ao encontrar-se com uns olhos negros que pareciam querer fulminá-lo. –Vá, por fim conseguiu separar-se da formosa Diane. Não quer Claire, mas não suporta que outro homem lhe dê a atenção que merece, verdade? –nem sequer se incomodou em baixar a voz. –Por favor, Ted… –Deixe que fale, o jogarei de cabeça pela porta assim que acabe – a interrompeu John, com voz gélida. Ela se voltou para ele, pousou uma mão firme sobre seu peito, e lhe disse em voz baixa: –Isso nem pensar. Não pode arriscar por ele a fusão que deseja o senhor Calverson, bebeu muito. –Isso não é desculpa.
–Acredita que é muito importante porque tem um mestrado em Harvard, verdade? – perguntou Ted. –O mestrado é de Harvard, mas estudei a carreira em La Cidadela. Ted entendeu o que implicavam aquelas palavras apesar da bebedeira, porque alguém que estudasse em La Cidadela saía feito um bandido. Nesse momento notou a postura erguida de John, quão acerada era seu olhar e a força pétrea que refletia seu rosto, e chegou à conclusão de que não queria enfrentar um homem assim, um homem que sem dúvidas tinha vivido anos de disciplina e treinamento. –Não estou em condições de brigar – se apressou em dizer afastando-se um passo, e olhou para Claire com expressão suplicante– Não vai permitir que me bata, não é? –Não vai fazê-lo… não é, John? Ele inspirou com força enquanto tentava manter a calma, e olhou carrancudo primeiro para Ted (o panaca estava sorrindo com petulância ao ver que tinha o apoio de Claire), e depois a sua mulher (a julgar pela teimosia que se refletia em seu rosto, era óbvio que não estava disposta a permitir que desse um castigo aquele imbecil). Claire se inclinou um pouco para um lado para ver além do seu marido, que não se moveu nem um centímetro, e comentou aliviada: –Ali está seu pai – fez um gesto ao senhor Whitfield para lhe indicar que se aproximasse, e quando chegou junto a eles sussurrou – Ted se excedeu um pouco com a bebida, acredito que será melhor que o leve para casa. O senhor Whitfield assentiu e lhe disse com um cálido sorriso: –Está claro que é uma jovem de muita valia. Pena que esteja casada teria sido uma boa esposa para o Ted. Vamos, filho, terei que te levar para casa – passou o braço pela cintura para lhe servir de apoio, a julgar pelo cansaço que se refletia em seu rosto estava claro que não era a primeira vez que passava por algo parecido. –Diabo, papai, estava realmente aproveitando a noite. Claire lhes seguiu com o olhar durante uns segundos antes de voltar a afastar-se também, mas John a agarrou pelo braço com força. –Como parece se incomodar tanto com Diane, será melhor que fique ao meu lado durante o resto da noite. –Por quê? Acaso quer me castigar? Ele a soltou de repente antes de responder com tom depreciativo: –Como quiser. Claire olhou para a porta a tempo de ver que o senhor Whitfield entrava de novo, mas sem Ted. Ele a saudou com a cabeça antes de retornar junto ao senhor Calverson. –Lamento ter sido uma desmancha-prazeres. Suponho que teria gostado de golpear Ted, mas não acredito que a imagem do banco tivesse ficado muito favorecida. Deu meia volta e esteve a ponto de topar com um jovem que não estava bêbado, mas que não sabia que John era seu marido. –Este homem a está incomodando, Claire? Porque se está, estarei aqui para defendê-la!
Foi John quem respondeu. Estava furioso com Claire e com raiva de não poder dar um par de murros em Ted, mais aquela oportunidade era muito tentadora para deixála escapar. Aquele homem tinha um peso parecido com o dele, e não estava bêbado. –Parece-me perfeito, vamos lá fora? –John! O protesto horrorizado de Claire foi em vão, porque os dois foram a caminho da porta. Apressou-se a ir atrás deles, e viu quando seu marido acertava com facilidade um murro em seu competidor que contra-atacava imediatamente. O murro foi tão forte, que o jovem deu uma cambalhota para trás ao cair e acabou sentado. –Venha, levante-se! Queria brigar, não? Aqui estou! Não era de se admirar que o jovem se intimidasse e vacilasse. John estava esperando o seguinte ataque com as pernas entreabertas, as mãos levantadas, e um rosto duro e ameaçador. –É meu marido! –exclamou Claire, ao ver que o jovem se levantava. –Seu marido? –Sim, sou seu marido, e terá sorte se puder andar quando acabar com você. Ao ver que ia para ele, o jovem levantou as mãos em um gesto de rendição e começou a afastar-se com pressa. –Não, não precisa chegar a tais extremos! Lamento muito ter interferido, desculpeme agora mesmo… desculpe-me, cavalheiro! –levou a mão em sua dolorida mandíbula, e se foi rapidamente para a fileira de carruagens de aluguel. Claire estava muito confusa, tanto pelo álcool que tinha consumido com o ponche como pela atitude de John, e ficou olhando-o boquiaberta. Custava a acreditar que seu resistente marido estivesse disposto a lutar por ela. –Vai criar mais problemas, ou acabou por hoje? –perguntou ele, com um tom de voz cortante que gotejava sarcasmo– Eu já tive o bastante. Vá pegar sua capa, vou leva-la para casa. Ela protestou, mas foi em vão. Conduziu-a com firmeza para a porta principal sem parar para se despedir dos Calverson, e não voltou a lhe dirigir a palavra até que chagasse ao apartamento. –Deite-se, Claire. Já causou muitos problemas por uma noite. –Agora eu sou a culpada? Teria evitado a briga se houvesse dito que é meu marido! –Assim teria perdido a diversão. –Aonde vai? –perguntou perplexa, ao ver que voltava a abrir a porta. –Voltar à festa, é obvio. Estava bem até que você começou a flertar com Ted. –Não estava flertando! –Pois ele parecia estar convencido de ter motivos para me desafiar, igual a esse outro cão de guarda. Ninguém flerta com minha mulher diante de mim! Ela levou as mãos aos quadris e lhe perguntou com indignação: –Mas você sim pode flertar com a esposa do senhor Calverson diante de mim, certo?
Nem sequer viu quando se aproximou, mas em um abrir e fechar de olhos ele rodeou a cintura com um braço e deu um puxão tanto no vestido como na regata interior. Ficou olhando-o calada, com um peito exposto diante daquele gélido e relampejante olhar. –Prefere isso, minha virginal esposa? –apertou-a mais contra seu corpo antes de resmungar– Se tanto deseja minhas carícias, vai tê-las! – inclinou-se para ela enquanto falava, e lhe cobriu o peito com a boca aberta. Nada, nem sequer os beijos que tinham compartilhado semanas atrás, podia se comparar à sensação que a embargou. Arqueou seu corpo contra ele, tremendo, e sentiu que faltavam as forças quando ele começou a chupá-la calorosamente. Notou que baixava com a outra mão a parte de cima do vestido, que o outro peito também ficava nu. Sentiu que o quarto rodava ao seu redor enquanto ele devorava com avidez sua pele pálida e suave, enquanto a fazia arder com uma febre que a desconcertava, e nem sequer lhe ouviu sussurrar: –Deus… Meu Deus – ele disse com voz rouca quando conseguiu afastar a boca daqueles seios enlouquecedores e a viu reclinada contra seus braços em uma atitude de entrega absoluta, com os olhos fechados e a boca entreaberta. Vacilou por um instante, mas de repente a levantou em braços com brutalidade e a levou a seu próprio quarto. Permaneceu parado na escuridão durante uns segundos, apoiou-se contra a porta fechada enquanto lutava em vão por controlar aquele desejo explosivo que lhe estremecia dos pés a cabeça. –John… John, não deve a… se deitar comigo – sussurrou ela, com voz trêmula–. Não sou Diane, não o sou! Não se aproveite de sentimentos que não posso evitar… Suas palavras se contradiziam com o perceptível bater de seu coração, com o desejo e a curiosidade que se refletia em seus olhos cinza. –Quer que eu pare? –ele perguntou com voz rouca antes de coloca-la de pé com suavidade, mas antes que ela pudesse responder, voltou a se apropriar de seus seios com a boca e tirou com brutalidade as luvas enquanto a saboreava com prazer. A pouca força de vontade que Claire ainda tinha desapareceu por completo. O desejava tanto, o amor que sentia por ele era tão grande, que nesse momento se sentia no sétimo céu. Rendeu-se por completo e jogou a cabeça para trás para que a explorasse com a boca e as mãos. Não protestou quando voltou a levanta-la em seus braços e a levou para cama. Estava completamente entregue, o calor de seu marido a tinha embriagado que nem sequer notou quão maravilhoso parecia ser na hora de despi-la. Permaneceu deitada sobre o cobertor de cor damasco como uma tentadora oferenda, exposta por completo sob a luz fraca que penetrava pelas finas cortinas, ele se despiu com pressa. Quando se deitou junto a ela, quente e forte, e experimentou pela primeira vez a sensação de ter pele contra pele, tinha recuperado um certo pudor e voltava a sentir-se um pouco apreensiva. Permaneceu rígida entre seus braços, e se afastou um pouco com nervosismo quando a acariciou intimamente pela primeira vez.
–Shhh… Fique tranquila – sussurrou ele, enquanto voltava a deslizar os dedos por aquela área tão íntima que ela resistia a lhe entregar; ao ver que soltava um gemido ofegante e se arqueava contra sua mão, acariciou-a com mais firmeza e lhe perguntou com voz rouca– Aqui? Ela soluçou excitada ao sentir aquele prazer indescritível, agarrou-se a seus ombros e lhe cravou as unhas, enquanto se deixava levar por aquelas sensações tão pecaminosamente maravilhosas. Ele colocou um joelho entre as pernas para que ela as abrisse mais, para poder acariciá-la mais plenamente, e ela obedeceu sem pensar duas vezes enquanto ofegava e erguia os quadris em um ritmo cada vez mais rápido. –Sim, por favor…! –gritou extasiada, justo antes de subir em uma explosão de prazer parecendo chegar ao Céu. Junto ao prazer notou um estranho desconforto, uma pontada de dor, e em algum lugar longe em sua mente se deu conta de que John se pôs em cima dela e se colocou entre suas pernas. Notou que uma parte de seu corpo masculino que não era nada familiar a penetrava pouco a pouco, que ia metendo-se em seu interior, e exclamou sobressaltada: –John! Ele não se deteve. Segurou-a pelos quadris enquanto começava a mover-se com investidas cada vez mais longas e profundas, enquanto a penetrava uma e outra vez… Estava rasgando-a por dentro. A sensação de sentir-se transbordada, a preencheu, foi intensificando-se cada vez mais, e sussurrou algo incompreensível enquanto apoiava as mãos naquele peito musculoso e suado e tentava empurra-lo para trás. Ele soltou um gemido gutural, deslizou uma mão para baixo e voltou a acariciá-la no mesmo local de antes, e o prazer ressurgiu dentro dela mais forte, mais intenso que nunca. Ansiou de repente que a enchesse mais, que a penetrasse mais fundo para preencher o doloroso vazio que sentia dentro, queria mais… Arqueou-se para cima e começou a erguer os quadris enquanto ele ia acelerando o ritmo mais e mais, enlouquecido de desejo. Uma das tabuas da cama golpeou contra o chão, mas ela nem sequer ouviu o forte som enquanto se agarrava a seu marido entre ofegos e soluços, enquanto subia para aquele ardente prazer doce e cego que estava justo ao alcance de sua mão… Sentiu que se precipitava por um precipício sem fim e acabou em um mundo quente e palpitante, embargada por uma plenitude absoluta que ia além da mera calmaria. Enquanto ela permanecia ali, trêmula e exausta, ele ficou rígido de repente e soltou um gemido gutural antes de estremecer dos pés a cabeça. Baixou a cabeça para ela até afundar o rosto contra seu pescoço, e seu corpo inteiro se sacudiu uma e outra vez enquanto ele segurava seus quadris com uma força que certamente iria deixar hematomas. As janelas estavam fechadas, mas Claire ouviu que um cão latia à distância. Ouviu também o tic-tac do relógio, e tanto a respiração ofegante como os batimentos do
coração acelerados de seu marido. Notou que o suor daquelas pernas longas e musculosas umedecia as suas quando ele se moveu um pouco sem separa-se, ouviulhe soltar um pequeno gemido antes de começar a acariciá-la de novo. Ele deslizou os lábios por seu pescoço e sua bochecha até apropriar-se de sua boca entreaberta, e saboreou aquele corpo perfeito enquanto a percorria com as mãos; depois de acariciar com prazer os seios, suas mãos foram baixando até a parte interior das coxas. Ela ficou sem fôlego ao sentir que ficava ereto de novo em seu interior. Começaram a percorrer nela novas descargas de prazer, e a paixão se avivou de repente. Moveu-se com sensualidade sob seu corpo, deslizou as mãos por suas costas até chegar a seus firmes glúteos, e sussurrou avivada contra sua boca: –Sim… Oh, sim, outra vez… outra vez! Ele soltou um sonoro gemido, e a beijou com paixão enquanto iniciava de novo aquele movimento rítmico com o qual já estava familiarizada e que tinha deixado de doer. Agarrou-se a ele com força, apertou-se todo o possível a seu corpo, e seguiu o ritmo de suas investidas; ao ver que o fogo se intensificava que dava começo a longa e poderosa espiral que ia conduzi-la ao êxtase, pôs-se a rir de felicidade. Ele enlouqueceu ao ouvi-la, só estava consciente de seu corpo suave e tentador sob o seu. Quando a ouviu gritar de prazer e sentiu que lhe arranhava as costas, desejou que aquele momento não tivesse fim. Claire não lhe ouviu partir. Despertou a luz do sol que entrava pela janela e banhava o travesseiro, e ao abrir os olhos ficou olhando o teto desorientada até que se deu conta de que aquele não era seu quarto. Levantou-se de repente da cama, emocionada e envergonhada, quando os acontecimentos da noite anterior relampejaram em sua mente. Cobriu-se com o lençol rapidamente, mas não havia nem sinal de John nem o ouvia fora do quarto. Viu que ele tinha recolhido as roupas do chão, e que as tinha deixado sobre a cadeira de veludo que estava junto à cama com sua habitual organização: as roupas íntimas estavam sob o vestido, e os sapatos estavam virados para fora. O travesseiro de seu marido ainda conservava a marca de sua cabeça, mas não tinha deixado nenhum bilhete. Limitou-se a se vestir e sair sem mais com aparente indiferença, como se o que tinha acontecido fosse à coisa mais normal. Saiu da cama com cautela, como se fosse uma ladra que temia ser apanhada de um momento a outro, e ao olhar um lado o cobertor viu que o lençol de baixo não estava imaculadamente branco e tinha uma mancha escura. Ficou vermelha como um tomate, consciente de que a lavadeira faria algum comentário a respeito. Se fosse sua cama poderia ter posto a desculpa de que tinha o período, mas era a de John. Atravessou a sala de estar rapidamente, carregando sua roupa e descalça, e ao chegar a seu dormitório fechou a porta com alívio. Ao levantar o olhar se viu no espelho de corpo inteiro e não se surpreendeu ao ver como estava corada, mas o que lhe chamou a atenção foram às marcas que tinha na pele.
Ficou curiosa, assim deixou as roupas sobre a cama e se aproximou do espelho para ver-se melhor. Sim, tinha um chupão no peito e vários pequenos hematomas na parte alta das coxas… segura que John os tinha feito quando a tinha segurado com força a segunda vez. Ficou um pouco de lado, e viu que tinha mais alguns nos glúteos. Seus olhos já não eram os de uma jovem inocente, sua iniciação aos prazeres da carne lhe tinha deixado olheiras, tinha os lábios vermelhos e inchados… e os mamilos se endureceram quando os olhou como se recordassem as caricias da boca de John. –Céus! –exclamou, ruborizada diante das lembranças. Encheu a bacia de água, e pegou um pano e sabão. Depois de se lavar e de vestir roupa limpa se sentiu menos manchada, mas pensava banhar-se mais tarde para acabar de tirar aquela sensação de sujeira. John tinha admitido que amava Diane, como era possível ter se entregado a ele? Por acaso era uma qualquer? Estava tão envergonhada de si mesma, que se sentiu incapaz de descer aquela noite, assim disse à senhora Dobbs que não ia jantar porque estava com a cabeça doendo e se trancou em seu quarto. Foi um esforço desnecessário, porque seu marido não foi jantar em casa. Ouviu-lhe chegar ao apartamento bem depois da meia-noite, e dirigir-se sem vacilar a seu próprio quarto antes de fechar a porta com firmeza.
CAPÍTULO 8
J
ohn estava tão afetado como sua mulher pelo que tinha acontecido. O desejo que sentia por ela tinha acabado por impedir o seu autocontrole e se comportou como um alienado. Tinha feito amor com a sua inocente esposa com o refinamento de um animal, não tinha tido nenhum cuidado com sua virgindade. Estava tão cego de desejo por ela, que sua inocência nem sequer tinha passado pela sua cabeça, e na segunda vez, tinha se embriagado com sua sensualidade. Ainda custava a acreditar que estava tão apaixonada… soltou um gemido ao recordar seu corpo quente envolvendo-o por completo, como tinha seguido o ritmo de suas fortes e profundas investidas… A doce entrega de Claire lhe tinha cativado. A tinha seduzido levado pela fúria, a confusão, o ciúmes e a frustração, mas não havia homem sobre a face da Terra que pudesse pedir um prazer mais intenso que o que lhe tinha dado com tanta generosidade. Tinha notado certo sabor de uísque em sua boca (seguro que alguém tinha jogado um pouco no ponche), mas não tinha se entregado com tanta doçura porque estivesse bêbada, mas sim por amor. Claire o amava, ela tinha demonstrado uma e outra vez ao longo daquela longa e sensual noite ao deitar contra seu corpo com total confiança, ao lhe sussurrar palavras de incentivo e de carinho. Ainda tinha na boca o sabor de sua pele, aquela pele tão branca, suave e sensível que cheirava a rosas… Teve que fazer um esforço enorme para voltar a centrar sua atenção no assunto de negócios que tinha nas mãos e deixar de lado aqueles pensamentos tão perturbadores, mas graças a sua educação militar tinha aprendido a fazê-lo inclusive com as lembranças mais terríveis. Não tinha nem ideia do que ia fazer de agora em adiante, mas havia algo que estava muito claro: O que sentia por Diane não era tão profundo nem tão forte como pensava, porque se assim fosse, não poderia ser sido tão ardente com Claire. Claire tinha mentido para a mulher que lhe tinha perguntado pelo nome do desenhista de seu vestido, porque seria péssimo para sua reputação se soubessem que tinha mentido. Então decidiu que o melhor seria confeccionar vários vestidos de noite com a assinatura «Magnólia», e foi ver a proprietária da pequena boutique onde às vezes expunha algumas de suas criações. A mulher se mostrou encantada de poder expor desenhos originais tão deliciosos como o que ela levou de amostra, e Claire a pediu que mantivesse segredo que ela era a desenhista porque não queria que seu marido descobrisse que trabalhava; além
disso, as duas concluíram que o anonimato lhe daria um ar de mistério tanto à marca como aos desenhos em si. Iniciou aquele projeto estando muito atarefada, já que estava confeccionando os vestidos que tinham encomendado para o baile natalino do governador. Trabalhava com perfeição para tê-los prontos a tempo, além disso, tinha que fazer o seu próprio vestido. John e ela se evitaram durante uma semana, e embora ambos mostrassem diferentes graus de estupidez, o certo era que ela se deixou levar nesse sentido. Ela não foi capaz de olhar em seus olhos, e ele parecia entender sua timidez e não se zangar. A chegada do dia de Ação de Graças mudou aquela dinâmica, porque tiveram que comer juntos e esconder suas emoções para que a senhora Dobbs não pensasse que tinham problemas conjugais. Não podiam arriscar-se a dar pé a mais rumores. –Claire deveria sair mais John – comentou a mulher com naturalidade– Passa o dia inteiro no apartamento, costurando sem parar. –O que é o que costura? Claire estava a ponto de deixar o garfo cair quando lhe perguntou aquilo. Não tinha se dado conta de que a senhora Dobbs conseguia ouvir do andar de baixo o ruído da máquina de costurar. –Estive tentando fazer umas mudanças em alguns de meus vestidos. –Não sou pobre, não deve aproveitar roupa velha – Ele respondeu ofendido em seu orgulho–. Compre o que precisar na loja do Rich, já te disse que tenho uma conta aberta ali. –De acordo. Quando a senhora Dobbs foi pegar o bolo que tinha feito, John se reclinou na cadeira e a observou com um olhar tão penetrante que Claire não pôde evitar ruborizar-se. –Queria falar com você, mas não sabia o que dizer – admitiu ele ao fim, com voz suave. Ela sentiu que seu coração se acelerava ao lembrar a longa e doce noite que tinham passados juntos, e só conseguiu responder: –Ah, sim? John suspirou ao ver que não lhe ajudava em nada. Fixou o olhar em seu prato e chegou à conclusão de que ainda era muito cedo para falar do que tinha acontecido, assim optou por falar outra coisa. –Queria te pedir que organizasse um jantar beneficente no sábado que vem, para ajudar o orfanato presbiteriano da cidade; como sabe, pegou fogo, e todos os meninos estão instalados na sala comum. A reconstrução é muito urgente – fez uma pausa antes de acrescentar com toda deliberação - Pensei em pedir a Diane que o fizesse por mim… – teve que conter um sorriso ao ver que aqueles preciosos olhos cinzas jogavam faíscas. –Sou perfeitamente capaz de organizar um jantar!
Preferia aquele arranque de gênio ao acanhamento extremo com ao qual o tratava ultimamente, ficava maravilhosa quando se zangava. –É obvio que sim, mas é que necessito que esse jantar chame a atenção de gente muito rica, gente que possa ajudar com suas doações a reconstrução do orfanato. –Não falharei John. Dê-me ao menos a sua confiança. –Acredita que é capaz de solicitar a presença de tantos membros da alta sociedade de Atlanta? Sabe que se trata de gente a qual não conhece – ele disse com voz suave, tentando com todas as suas forças não ofendê-la. –Não tem um conceito muito bom de mim, certo? –ela tentou diminuir seu orgulho ferido gravemente, e levantou o queixo ao acrescentar– Houve um tempo em que me importava muitíssimo o que pensasse de mim, mais agora me resulta indiferente –foi incapaz de decifrar a estranha expressão que viu em seu rosto. Deixou de lado o guardanapo e ficou de pé, com o que ele se viu obrigado a levantar-se também–. Organizarei esse jantar se quiser, só necessito que me passe o que quer. Ele lutou pra esconder a confusão que sentia, e respondeu com calma fingida: –Darei uma lista a você, junto com uma relação de pessoas que eu gostaria que convidasse. Se tiver qualquer dificuldade… –Não a terei, mas obrigado. Não vou comer a sobremesa… apresente minhas desculpas à senhora Dobbs, por favor – saiu do salão, e subiu apressadamente as escadas para deixar para trás aquela triste celebração de Ação de graças. John a seguiu com o olhar enquanto se debatia entre o abatimento e o aborrecimento. Assim que ficava indiferente a opinião que pudesse ter dela, não? Pois não tinha dado essa impressão quando tinham feito amor, quando tinha se entregado a ele com tanta força que lhe tinha deixado os ombros marcados. Se ela queria tratar assim a situação para proteger seu orgulho, pois que fosse, ele poderia esquecer sem problemas que seu corpo a desejava e desejava tê-la perto dia e noite. Perguntou-se o que teria pensado Diane desse deslize, mas se surpreendeu ao dar-se conta de que sua opinião lhe importava muito menos que a de Claire. Sua esposa era bonita… bonita, carinhosa, generosa, e tinha caráter. Merecia um marido que a entendesse, que a adorasse e a tratasse como a uma princesa… seguro que alguém como Ted cuidaria dela encantadoramente… Ficou com raiva ao pensar naquele idiota, ao recordar a atenção que mostrou com Claire. Por mais que o seu casamento fosse um casamento de conveniência, era sua esposa e Ted não tinha nenhum direito a ter tantas liberdades com ela. Não estava disposto a permitir mais problemas nesse sentido, nenhum outro ia tocar a sua Claire… Soltou uma gargalhada, surpreso, ao dar-se conta do rumo que tinham tomado seus pensamentos. Menos mal que a senhora Dobbs chegou nesse momento, porque se não fosse assim, teria começado a falar sozinho. Claire não custou muito em organizar o jantar beneficente em uma semana, tal como queria John, embora tivesse contratado um mensageiro para que entregasse os
convites. Para a maioria dos eventos sociais teria que se avisar com três semanas de antecipação (seu marido era consciente disso, é obvio), mas tinha acrescentado uma nota nos convites explicando que se tratava de um caso urgente, que tinha havido um incêndio no orfanato e os meninos estavam sem alojamentos. Tinha contratado os serviços de um bom restaurante da região, e tinha convidado a todas as damas que tinha conhecido através das obras benéficas com as quais colaborava; de fato, tinha acrescentado a algumas que não estavam na lista de John. Quando chegou por fim a noite do jantar, usou outra de suas novas criações. Era um vestido branco e negro tão impressionante, que a senhora Dobbs soltou uma exclamação de admiração e John ficou pasmo. –Não me lembro de ter visto antes esse vestido – comentou ele. –Porque não o tinha visto. É um vestido original de uma desenhista da região. –É uma preciosidade – respondeu a senhora Dobbs– Eu gostaria de ser bastante jovem e bonita para poder usa-lo, querida. Vai ser a inveja de todas as presente. –Obrigado, senhora Dobbs – Claire a olhou com um cálido sorriso, e colocou a capa negra de veludo debruada em cetim branco antes de dizer a John– Deveríamos sair agora, não devemos chegar tarde. Ele a segurou pelo braço, conduzindo-a para a carruagem que estava lhes esperando na rua, e deu uns golpes no teto do veículo para indicar ao chofer que podia seguir. –A verdade é que está maravilhosa – comentou, enquanto a percorria com o olhar sob a tênue luz da rua. Sua esposa deixou o cabelo solto, e as únicas joias que usava eram o colar de pérolas que tinha pertencido a sua avó e a aliança de casamento, que se percebia sob as longas luvas brancas– Como se chama a desenhista? –Assina-a como Magnólia. –Bem apropriado! É muito boa, disso não se tem dúvida… embora me pareça um vestido muito formal para este tipo de evento. –Lembra-se que disse o mesmo do vestido que usei na festa que organizou o banco – ela disse sem pensar, e se ruborizou ao recordar o que tinha passado quando John a tinha levado para casa. Ele também se recordou, e a contemplou com ternura antes de dizer: –Lembro-me mais do que havia debaixo da roupa que do vestido em si, Claire – ao ver que apertava sua bolsa com força e abaixava o olhar, acrescentou– Estamos legalmente casados, é o mais certo que passe a noite entre meus braços. –Foi um erro. –Ah, sim? Passou tempo suficiente para que saiba se haverá consequências? Ela não entendeu no princípio a que se referia, mas se deu no instante seguinte e lhe respondeu com rigidez: –Ainda é muito cedo para saber se… concebemos um filho, mas duvido que… enfim, não acredito que…
–Espero que tenhamos sorte! –sorriu ao imaginar um garotinho ou a uma garotinha com os olhos cinzas de Claire, e pensou para seus botões que adoraria que estivesse grávida. Não o viu sorrir, e se sentiu doída ao interpretar mal o comentário. –Sim, espero – Mal pôde pronunciar aquelas palavras. Amava a seu marido, e ele estava lhe dizendo com toda frieza que não queria ter filhos com ela. Estava claro que não ia querer voltar a fazer amor com ela, para evitar correr esse risco de novo. Talvez tenha a esperança de poder ter filhos com Diane algum dia, se ela chegasse a ficar livre. Sentiu como se acabassem de cravar uma faca em seu peito. –Já chegamos – disse ele, ao chegar ao restaurante; depois de ajudá-la a descer da carruagem, deu instruções ao chofer e a conduziu ao interior do estabelecimento. Diane e seu marido tinham chegado e já estavam lhes esperando do lado de dentro. A loira se voltou a tempo de ver John tirando-lhe à capa, e seus olhos azuis relampejaram de fúria. O vestido de Claire era incrivelmente lindo. –Vá, Claire, quanta elegância – suas palavras destilavam malícia. Soltou uma risada antes de acrescentar– Acaso vamos assistir a um baile? Tinha entendido que era um simples jantar. Claire não estava disposta a deixar-se intimidar. Jogou um olhar eloquente ao simples vestido de seda negra que vestia a loira, e lançou sua própria estocada com um sorriso ao responder: –Suponho que o «simples» seja uma boa descrição. Diane a olhou com raiva, mas não teve tempo de responder por que nesse momento chegaram mais dois casais. John tinha dado um ligeiro apertão no braço de Claire e estava a ponto de intervir para defendê-la do mal intencionado comentário da loira, mas a chegada dos convidados o impediu. Mesmo assim, Claire interpretou mal o apertão, e enquanto Diane e o senhor Calverson estavam conversando com os recémchegados, resmungou em voz baixa: –Suponho que ela pode me insultar mais eu não posso contra-atacar, certo? –Claire… Afastou-se com raiva dele e foi saudar Evelyn, que acabava de chegar com seu marido. John a seguiu com o olhar, pesaroso ao ver que o tinha interpretado mal por completo. Surpreendeu-se ao ver a familiaridade com que uma das damas mais influentes da cidade saudava sua esposa, escondeu-o bem. Aproximou-se do grupo por um momento, e Claire apresentou aos Paine. Foi a primeira de um sem-fim de apresentações mais, e quando os convidados se sentaram à mesa começou a dar-se conta de que ela já conhecia de antes a todas aquelas damas. Diane também se surpreendeu, não só pelo fato de que Claire as conhecesse, mas sim pelo carinho que mostravam com a jovem; apesar de todos os seus esforços, ela jamais tinha conseguido que Evelyn aceitasse algum de seus convites… e o mesmo
acontecia com três ou quatro mais das damas presente, que eram inclusive mais ricas que Evelyn e pareciam ter uma relação muito cordial com Claire. –Dá a impressão de que conhece nossa pequena Claire, senhora Paine – comentou. –É obvio que a conheço – respondeu Evelyn, com certa altivez. Claire conteve o fôlego ao pensar que estava a ponto de revelar sua faceta de desenhista, mas relaxou ao ver que Evelyn lhe lançava um sorriso cheio de cumplicidade antes de acrescentar: –Claire foi uma incorporação muito valiosa a nosso círculo. É uma voluntária incansável… cozinha para os bailes beneficentes faz artesanatos e costura para doações… sua ajuda foi inestimável, nenhuma de nós obteríamos nem a metade de benefícios para nossas causas benéficas sem sua participação. Não me cabe a menor duvida de que seu marido se orgulha do tempo que dedica a nossas causas, apesar de que fique mais tempo com ele. Fez tanto por nós, que não podíamos recusar seu convite a este jantar em benefício do orfanato. John não podia acreditar no que estava ouvindo. Esteve a ponto de admitir que não tinha nem ideia de que sua mulher colaborava com causas beneficentes, mas se deu conta de que seria um erro… em especial porque Calverson estava olhando-o fixamente, e já estava com ciúmes pelos falatórios que tinha acontecido sobre sua suposta relação com Diane. –Sim, me sinto muito orgulhoso de Claire. Faz muito bem os artesanatos, certo? –Sim – respondeu Evelyn. – Vai assistir ao baile do governador, senhora Paine? – perguntou Diane. –É obvio, Magnólia está me desenhando um vestido para a ocasião. Seria ótimo contratar seus serviços, querida. Suas criações são deliciosas. Diane não se atreveu a deixá-la ver o quanto àquelas palavras a tinham ofendido, e disse com um sorriso forçado: –Tenho que entrar em contato com ela, vive em Atlanta? Claire se esticou de novo até que Evelyn respondeu calmamente: –Pela região. Senhor Hawthorn, você e Claire irão ao baile do governador? –Acho que não esse fim de semana teremos visitas. Trata-se de pessoas de fora da cidade, e desaprovam os bailes porque são muito religiosos. Claire tinha estado trabalhando muito para ter seu vestido preparado a tempo, e ficou pasma ao ouvir aquilo; seu marido parecia tão convincente, que esteve a ponto de acreditar, mas não tinha mencionado que iam ter visitas. Tentou ocultar quão decepcionada estava por não poder ir ao baile, era um evento que esperava com muita ansiedade. –Haverá outros anos – se limitou a dizer, com voz apagada. –Que lástima! –respondeu Diane, enquanto olhava decepcionada para John. Ele não prestou mais a mínima atenção aquele olhar, porque estava absorto em seus próprios pensamentos. A verdade era que não podia admitir que não iria ao baile por
medo de encontrar com sua própria família. Não queria saber nada de seu pai, sentia uma mistura de aborrecimento e desgosto diante da ideia de encontra-los no baile. Claire não tinha nem ideia daquelas desavenças familiares. Ficaria encantada por saber tudo sobre seu calado marido, mas não tinha contado nada sobre seu passado. –Seus pais estarão no baile, John? Diane parecia inocente ao lançar aquela pergunta, mas lançou a Claire um olhar cheio de petulância; sabia que a jovem não tinha nem ideia dos problemas que John tinha com seus pais, e tinha acertado totalmente. Enquanto a loira brincava com sua taça, a pobre Claire permaneceu calada e rígida e lutou por assimilar aquela nova informação. –Não sei – respondeu ele com voz cortante. Olhou para Diane com uma expressão tão brava, que esta arqueou as sobrancelhas em um gesto de surpresa. A chegada dos garçons com o primeiro prato evitou que ele tivesse que formular uma resposta mais extensa, mas Diane tinha estragado sua noite com Claire, que se sentia como uma tola. John estava consciente do mal que sentia sua esposa, e lamentou de coração. Esteve olhando-a durante todo o delicioso jantar, mas ela se centrou em falar com Evelyn e lhe ignorou de forma deliberada. Ao final da noite, a soma total das doações dos convidados era maior do que precisava para reconstruir o orfanato, assim também se poderiam comprar brinquedos novos para os meninos. –Devo dizer que sua esposa é uma grande organizadora, John – comentou o senhor Calverson. Sua esposa e ele eram os únicos que ficaram além de John e Claire, e estavam conversando à porta do restaurante– Essa noite deixou em muito bom lugar o banco, querida. Terei que te arranjar outros projetos, não tinha nem ideia de que mantinha uma relação tão cordial com as damas mais influentes da região. –Sim, a pequena Claire é toda uma caixa de surpresas, certo? – a voz de Diane destilava veneno–. Vamos, Eli? Faz muito frio aqui fora. –É obvio querida. Boa noite aos dois – levou a mão ao chapéu em um gesto de despedida, ajudou a sua esposa a subir na carruagem, e se foram rumo a sua casa. Claire subiu a sua carruagem sem esperar que John a ajudasse e se sentou o mais longe que pôde dele. Em todo o trajeto não pronunciou nenhuma só palavra apesar de que ele tentou conversar fazendo comentários sobre a noite, e o tempo que fazia. Quando seu marido entrou na casa ela já subia as escadas, mas ele ganhou terreno e entraram no apartamento com poucos segundos de diferença; ao ver que ia direto para seu quarto, chamou-a com voz imperiosa. –Claire! Ela se deteve e se voltou com elegância antes de responder: –O que é? –sua voz gélida refletia o frio que lhe alagava o coração. –Quero te perguntar várias coisas…
–Eu digo o mesmo, mas como parece que para você não tenho importância nenhuma, está claro que não vou obter nenhuma resposta. Deixou isso bem claro esta noite… suponho que Diane está a par de seus assuntos familiares. –Estive comprometido com ela. –Sim, e está casado comigo – seus olhos cinzas relampejavam de fúria. Deixou a bolsa e a capa sobre o braço de uma cadeira, e virou –se para ele – Sei mais coisas da senhora Dobbs que de você! Ele tirou um charuto do bolso e tirou a ponta com um cortador antes de perguntar: –O que é o que quer saber de mim, Claire? Aquelas palavras a pegaram de surpresa, e não soube como interpretar o que se refletia em seus olhos… o que ela não sabia era que John estava encantado ao ver que queria saber mais coisas dele, porque nos últimos dias estava quase convencido de que ela tinha deixado de ama-lo. –Vais fumar isso aqui? Porque se for, esta noite vou ter que dormir em meu automóvel! Ele arqueou uma sobrancelha ao ver tanta veemência, e soltou uma gargalhada antes de responder sorridente: –Não pensava em fumar aqui dentro, estou acostumado a fazê-lo no terraço antes de me deitar. A fumaça não incomoda a ninguém lá fora, querida. –Graças a Deus. –O que quer saber de mim? Claire esteve a ponto de aproveitar aquela ocasião, porque em teoria estava oferecendo contar o que ela quisesse; mesmo assim, notava certa tensão nele apesar de quão relaxado aparentava estar, e não queria provocar uma cena como a que tinha ocorrido em outra ocasião. - De que serviria perguntar-lhe isso? - sua voz refletia o quanto estava cansada de todo aquele assunto. Fez gesto de voltar para seu quarto, mas se deteve ao ouvi-lo falar. –Meus pais vivem em Savannah, mas não falo com meu pai há anos. Nunca vou vê-los, e vice versa. Proibiu tanto a minha mãe como a meus irmãos que me dirijam a palavra. Ela se aproximou de uma cadeira estofada de veludo, e se segurou ao encosto de violetas esculpidas porque necessitava de apoio. O coração pulsava a toda velocidade. –Por quê? Ele meteu uma mão no bolso e soltou um profundo suspiro antes de responder. –Eu estava lutando em Cuba. Alistei-me em oitenta e nove, depois de me licenciar em La Cidadela, porque estava farto de livros e educação e eu adorava a ideia de ser soldado e lutar na guerra – soltou uma risada gélida e carente de diversão–. Sabe de como pode chegar a distorcer a realidade o idealismo? Acreditava que a vida no Exército era algo glorioso, excitante, e cheio de aventuras e emoções.
Fixou o olhar no tapete persa, e seus olhos riscaram as linhas e as curvas do estampado. –Mas meu pai me convenceu de que o Exército não foi feito para mim —seguiu dizendo—, assim que dei baixa e entrei em Harvard. Já sabe que depois vim a Atlanta em noventa e seis e que comecei a trabalhar para Eli, mas em noventa e sete houve rumores de uma guerra iminente contra a Espanha, assim voltei a me alistar. Senti-me revigorado diante a ideia de entrar em batalha, e quando fui visitar minha casa durante uma permissão não deixei de falar sobre a situação da ilha… é que um jornalista que estava de passagem na cidade me tinha feito vários comentários a respeito. Dois de meus irmãos menores, os gêmeos Robert e Andrew, se revoltaram ao ouvir o que lhes contei sobre o sofrimento dos cubanos, e como, além disso, estavam muito impressionados com minhas histórias sobre a vida militar, decidiram alistar-se na Marinha imediatamente –fez uma pequena pausa antes de acrescentar– Estavam a bordo do Maine quando explodiu no porto de Havana em fevereiro de noventa e oito, dois meses antes dos Estados Unidos declarassem à guerra a Espanha e enviassem forças militares para lutar em Cuba. –Eu sinto – apenas se atrevia a respirar. Ele levantou o olhar, e seguiu com seu relato. –Meu pai me culpou de suas mortes, não quis me ouvir por muitas explicações que eu lhe desse. Quando estourou a guerra me destinaram a Cuba, e estive combatendo nos subúrbios de Havana – encolheu os ombros, e começou a girar o charuto apagado entre os dedos da mão que tinha fora do bolso– entraram em contato com meu pai quando caí ferido, e ele lhes enviou um telegrama ao qual dizia que não tinha nenhum filho no Exército –soltou uma gargalhada cheia de frieza antes de acrescentar– Como pode ver, não tinha a ninguém que esperasse minha volta. –Esteve comprometido com Diane antes de partir para a guerra. –Quando me alistei estávamos namorando e me declarei quando estava de licença para o dia de Ação de graças, antes que a minha unidade fosse destinada a Cuba… quando meus dois irmãos pequenos eram uns recrutas inexperientes desejando zarpar em busca de aventuras. Ela me pediu que… pedisse algo a meu pai – não quis mencionar quão rico era sua família nem a herança que teria direito, já que estava deserdado– A negativa de meu pai criou a primeira fissura em minha relação com ela, e se casou com Calverson quando parti para a guerra. –Quando estava em Cuba – falou ela, indignada. –Estava sozinha e tinha problemas econômicos – seguia defendendo-a de forma inconsciente inclusive depois de todo o acontecido – Estou convencido de que Calverson a convenceu de que eu poderia cair em combate e não retornar jamais. Ele estava aqui e eu não, e, além disso, a situação econômica de sua família era desesperada. Claire pensou que, se tivesse estado em uma situação parecida com a de Diane, ela teria trabalhado dia e noite, que sob nenhum conceito teria tentado salvar a sua
família traindo a seu noivo que estava na guerra, mas optou por se calar porque estava convencida de que John não estaria disposto a escutar nenhuma crítica contra Diane. –Sua volta pra casa foi muito triste – se limitou a dizer. Ele falou do frio e a sombria primavera situada no extremo leste de Long Island para onde tinham enviado o seu regimento na sua volta de Cuba, explicou-lhe que muitos dos homens tinham adoecido ao passar de um clima quente ao frio daquela região. Os soldados estavam morrendo de fome em Cuba, e o governo dos Estados Unidos nem sequer tinha criado um sistema de rotação de tropas até que Teddy Roosevelt e os oficiais dos regimentos tivessem apresentado uma petição assinada… mas em vez de enviar os soldados a Florida durante os períodos de descanso, mandaram-nos ao estado de Nova York. Ele tinha chegado a América do Norte ferido e desiludido, e o único que lhe tinha dado um pouco de ânimo tinha sido a companhia e a camaradagem de seus companheiros. A experiência lhe tinha endurecido. Suas lembranças de Cuba sempre seriam agridoces ao pensar nos companheiros que tinham morrido, ao lembrar-se da febre amarela e da resistência cubana. Recordava também ter ouvido Teddy Roosevelt elogiando com voz profunda e sonora os sacrifícios e a coragem de seus «Duros Cavaleiros», e ter desejado fazer parte daquele regimento de voluntários. Roosevelt era um homem que respeitava, e era óbvio que era um sentimento compartilhado pelos homens que lutavam a suas ordens. Eram homens curtidos e duros, muitos deles tinham sido agentes da ordem no Oeste… e também havia alguns que tinham vivido à margem da lei; de fato, a um foragido do Texas lhe tinha concedido o perdão por petição expressa de Roosevelt, pela valentia com a qual tinha servido em Cuba. Ter conhecido Roosevelt o tinha marcado profundamente. Dois anos depois de ser eleito governador do estado de Nova York, Roosevelt tinha optado pela vice-presidência da mão de William McKinley, o candidato republicano, que tinha obtido a vitória em seis de novembro de 1900. –Ao menos gozava de tranquilidade – a olhou nos olhos ao lhe perguntar com voz suave– Já te disse alguma vez o muito que me ajudaram suas visitas no hospital? –Fala a sério? –Acredito que foi você quem me manteve vivo. Sempre estava sorridente e feliz, foi um dos melhores períodos de minha vida – não conseguia entender como era possível que naquele tempo não se deu conta de quão importante era Claire para ele. Ouvir aquilo a encheu de felicidade, e admitiu com um sorriso cheio de timidez: –Esperava que não se importasse que eu acompanhasse meu tio quando ele ia te visitar. Não que eu pudesse fazer grande coisa por você, mas eu gostava de ajudar na medida do possível. Suponho que o senhor Calverson não teve preocupação em voltar a te contratar, embora para as pessoas parecesse um pouco estranho porque tinha sido noivo de sua esposa e ele expôs isso algumas vezes. John também se expôs algumas vezes.
–Sim, mas suponho que tinha a meu favor meu mestrado em Harvard e como me dou bem com as finanças; de fato, também trabalhei em um banco nortista enquanto estudava em Harvard. Ao lhe ver percorrer o charuto com um dedo enquanto permanecia pensativo, comentou: –Nunca tinha me falado de Cuba, nem sequer durante todas aquelas longa noites que passava na casa de meu tio, jogando xadrez com ele. –Tento esquecer aquela época de minha vida, a maioria das lembranças não são nada agradáveis. –Tio Will me disse uma vez que tinham lhe dado uma medalha por sua atuação em Cuba. –Recebi uma Estrela de Prata, e também um Coração Púrpura pela ferida no pulmão – não lhe disse por que lhe tinham concedido à estrela. Claire se lembrou de ter visto uma cicatriz no peito, justo debaixo de um mamilo, a noite que tinham ficados juntos… baixou o olhar com a intenção de ocultar as lembranças que estavam passando pela mente. –Sei que seus pais morreram de cólera quanto tinha dez anos – disse ele. –Tio Will te disse isso? Ele assentiu antes de perguntar: –Completou seus estudos? –Sim. Quis continuar e estudar História no Agnes Scott College, mas não pude por falta de dinheiro. –Porque Will gastava tudo o que tinha em sua paixão pelas máquinas. –Suponho que eu tampouco tinha muito interesse em continuar; além disso, eu adorava aprender mecânica com o carro de meu tio. Os olhos de John se acenderam de paixão enquanto a contemplava, seu olhar a percorreu como uma carícia tangível, riscou seu corpo de cima a baixo. O desejo se acendeu em seu interior de repente, era sua esposa e estava quase convencido de que não lhe rejeitaria. Só tinha que beijá-la… com um simples beijo conseguiria fazê-la sua, via-o naqueles olhos cinzas. Ela também recordava o êxtase que tinham compartilhado. Ela mordeu o lábio com força enquanto tentava recuperar a prudência, mas sua mente estava enlouquecida pelo desejo de fazer amor com ele. Levantou o olhar, e lhe disse com firmeza: –Vou para a cama. –Qual das duas? –disse-o com voz contida, mas o brilho de seus olhos delatava quanto a desejava. Ela ficou vermelha como um tomate, e disse com toda deliberação: –À minha, a menos que não se importe de aumentar o risco de que tenhamos um filho. –Valeria a pena correr qualquer risco, te desejo– admitiu, com voz rouca.
Sentiu vergonha em ouvir falar daqueles temas tão abertamente. Baixou a cabeça e resmungou: –Não sou Diane. Ele sentiu como se acabassem de lhe cravar uma faca no peito ao ouvir aquele nome nos lábios de sua mulher, e respirou fundo de forma audível. Como se pudesse confundir uma com a outra! Não se dava conta do insulto que acabava de lançar? Apertou um punho da mão que tinha no bolso, e com a outra esmagou o charuto antes de dizer com rigidez: –Possivelmente será melhor não arriscar-se. Boa noite, Claire. Ela foi para seu quarto lentamente, fechou a porta, e se deteve de repente enquanto tentava acalmar as batidas do seu coração. Desejou que ele houvesse dito que não se importava correr o risco de que ficasse grávida, mas com sua atitude acabava de confirmar que por ela só sentia um desejo físico, porque seu ardor se apagou assim que tinha ouvido mencionar Diane. Disse-se com firmeza que isso era algo que não devia esquecer, e se negou a imaginar o que poderia ter acontecido.
CAPÍTULO 9
C
laire recebeu no dia seguinte a inesperada visita de Evelyn Paine, que queria lhe pedir um favor. A dama estava tão elegante como sempre, usava uma saia cor Borgonha com uma blusa branca com mangas e um chapéu de aba larga combinando com a saia. –Já sei que lhe peço isso com muito pouco tempo de antecipação e que está muito atarefada com os vestidos que Jane, Emma e eu lhe encomendamos para o baile do governador, mas uma amiga minha que vive em Savannah veio me visitar junto com sua filha, e adoraria que fizesse um vestido para a festa de debutante da jovem. –Ficarei encantada, por que não me mandou um recado em vez de vir em pessoa? –A senhora Dobbs está aqui? –perguntou-lhe, enquanto lançava um olhar a seu redor. –Não, saiu a compras. –Graças a Deus. Trata-se de um assunto muito delicado que desejava tratar com discrição, assim tinha que vir te contar pessoalmente. Evelyn se inclinou para frente antes de acrescentar: —A amiga que vem me visitar é a mãe de seu marido. Seu próprio marido lhe proibiu que entrasse em contato com John e lhe prometeu que respeitaria seus desejos, mas nada lhe impedia de conhecer sua nora. –Não sei o que dizer! –Diga que sim, Claire. Ficará em minha casa… e também Emily, sua filha. São umas pessoas encantadoras e estão desejando te conhecer, venha comigo a minha casa agora mesmo. Claire vacilou por um instante, consciente de que John se enfureceria se descobrisse; além disso, como ia explicar sua ausência? Levantou o olhar e suspirou com resignação. Seu marido e ela já estavam tão distanciados, que um problema mais não faria muita diferença. –Está bem – disse a Evelyn com firmeza. Claire não saberia dizer o que esperava encontrar. John era alto, moreno e elegante, assim fez uma imagem mental de como seriam seus parentes, mas errou no julgamento. A mãe de seu marido era miúda, loira e de aspecto frágil, e sua irmã Emily era alta e elegante, mas apesar de ser loira como sua mãe, tinha os olhos escuros.
Ficaram olhando-a durante algum tempo, ela começou a sentir-se um pouco incômoda, mas no final foi sua sogra, Maude Hawthorn, quem rompeu o silêncio ao lhe perguntar vacilante: –Você é a esposa de John? –Sim. Suponho que esperava ver uma mulher bela… –Não diga tolices – Maude se aproximou sorridente, pegou suas mãos. A expressão que se refletia em seus olhos era tão suave como seus dedos– Se algo me surpreende é como meu filho tem um bom gosto. Evelyn me mostrou uma amostra de seu talento com a agulha, querida, e essa foi uma desculpa mais que suficiente para fazê-la vir. De verdade que nós adoraríamos que fizesse para Emily o vestido para sua festa de debutante. A jovem em questão se aproximou com um enorme sorriso, e comentou com entusiasmo: –Sim, nunca antes tinha visto uns bordados tão elaborados e uns desenhos com contas tão intrincados – começou a rir, e acrescentou com olhos faiscantes– Não esperava que meu irmão maior fosse tão inteligente na hora de escolher uma esposa! –Acho que não o fez por inteligência, mas sim por pena – Claire não se deu conta da amargura que se refletia em suas palavras – Depois da morte de meu tio Will fiquei sem meios para me sustentar. John e ele tinham mantido uma boa amizade, assim que se interessou por meu bem-estar. Maude conhecia seu filho perfeitamente, e sabia que jamais faria nada tão drástico só por pena; a julgar pelo que Evelyn lhe tinha contado, aquela jovem tinha caráter e integridade e não era nenhuma interesseira ou caça fortuna… a diferença daquela outra, a que tinha tido um comportamento tão escandaloso com seu filho que as fofocas tinham chegado a seus ouvidos em Savannah. –Suponho que John tenha falado de nós, mesmo que um pouco. Claire não soube o que responder ao vê-la tão esperançosa, e Evelyn interpretou mal seu silêncio e falou sorridente: –Se me desculparem, vou pedir que nos sirva chá e bolo –ao sair fechou a porta de trilho da sala de estar para lhes dar mais intimidade. Claire se voltou de novo para Maude Hawthorn, e admitiu: –Não sei quase nada de vocês, John mal me fala de sua família. –Ah – a mulher parecia muito doída. –Por favor, não fique assim. John e eu passamos muito pouco tempo juntos, nosso casamento é de conveniência –se sentou na poltrona estofada de veludo antes de admitir com tristeza– O certo é que se casou comigo para evitar que houvesse mais falatórios maldosos que pudessem afetar ao banco, ao senhor Calverson, e a ele mesmo. Tinha sido um pouco indiscreto, e as pessoas já estavam mexericando a respeito. Eu consegui um teto para ficar graças a nosso casamento, e ele, proteger-se dos falatórios.
Maude se sentou junto a ela, abatida. Tinha tido a esperança de que seu filho se casou por amor. –Continua sem poder afastar-se dessa mulher, verdade? Tinha a esperança de que tivesse superado por fim essa atração tão sombria! –Todos tínhamos – admitiu Emily, antes de sentar-se na cadeira que estava de frente ao sofá. –Suponho que já se deu conta de que a senhora Calverson não é um assunto que agrade em minha casa – acrescentou Maude – Foi ela a culpada das primeiras brigas entre meu filho e meu marido ao exigir que John recebesse imediatamente a herança que lhe pertencia. Era impossível que meu marido aceitasse, e meu filho sabia. Os anos novecentos foram uns anos péssimos para a indústria dos bancos, agora é que estamos nos recuperando. Claire custava assimilar todo aquilo, e perguntou cheia de curiosidade: –Vocês… sua família… são banqueiros? Maude sorriu com suavidade ao ver sua reação, e não demorou em lhe explicar a situação. –Sim. Meu pai era o presidente do maior banco de Savannah, e meu marido ostenta atualmente a presidência da junta de direção… também pertence às juntas de outros três bancos muito proeminentes, um deles de Atlanta. Meu filho Jason tem uma grande empresa de transporte marítimo e uma frota de navios pesqueiros. Estamos muito unidos a ele, mas nos afastamos muitíssimo de John. Emily optou a mudar de assunto daquele tema triste, e falou sorridente: –Meu baile de debutante será no baile beneficente da primavera que se celebra em Savannah, teria tempo de sobra para me desenhar um vestido. –Aceite fazê-lo. Vimos os que fez para Evelyn, e não há dúvida de que tem muito talento. –O que acontece se John ficar sabendo? Pensará que tenho feito as coisas a suas costas, e com razão. –Está apaixonada por ele, certo? –perguntou-lhe Maude com perspicácia. Claire foi incapaz de mentir, e admitiu abatida: –Com todo meu coração, embora isso não me sirva de nada. Ele passaria por cima de meu corpo moribundo só pra chegar junto à bela senhora Calverson. Não tenho ilusões em relação ao que possa sentir por mim, porque sei que não sente nada. – ao ver que sua sogra parecia impactada por aquelas palavras, apressou-se a acrescentar– Lamento se a escandalizei. –Comentou que John mal lhe falou de nossa família, está inteirada da morte de Robert e Andrew? –Quem…? Ah, sim, seus irmãos. –Sim, querida – Maude entrelaçou as mãos no colo, e em seu rosto começou a refletir o peso da idade – Robert e Andrew eram meus dois filhos menores. Alistaramse na Marinha pouco depois que John veio de licença para casa vestido de uniforme,
tão digno e entusiasmado ante a ideia de ajudar aos cubanos – percorreu o dorso de uma mão com os dedos da outra em um gesto de nervosismo antes de acrescentar– Estavam a bordo do Maine quando houve a explosão, e faleceram os dois. –John me contou o acontecido, para ele deve ser uma lembrança muito dolorosa. Custou-lhe muito falar do tema comigo. –É igualmente doloroso para nós, mas meu marido culpou a ele. Lançou-lhe um sem-fim de insultos e o deserdou, e se por acaso for pouco, prometeu que jamais voltaria a lhe dirigir a palavra; por desgraça, impôs a nós esse mesmo silêncio tanto a Jason e Emily como a mim. Sempre acatei seus desejos até agora, mas está muito doente do coração e sei que lamenta esta situação. O que passa é que o orgulho lhe impede de entrar em contato com John, e eu tinha a esperança de que você conseguisse convencer a meu filho de que venha nos ver em Savannah. –Suponho que depois de ouvir minhas explicações sabe que não tenho nenhuma influência sobre ele. John e eu somos como um par de desconhecidos em quase tudo – Ela disse com um sorriso agridoce. –Esperava encontrar uma situação muito diferente. –Sinto seriamente, seu marido está muito mau? –Tem o coração debilitado, embora eu acredite que se deve a seu distanciamento de John. Às vezes, quando estão zangados, dizem coisas das quais se arrependem depois. Meu marido sofreu muito com a perda de nossos filhos, e se negou a acreditar que sua morte foi por intervenção divina. Tinha que jogar a culpa em alguém, e John resultou em estar mais fácil. Mas a culpa não foi de meu filho, eu asseguro. Robert e Andrew tinham pensado alistar-se desde meninos, mas a má sorte quis que o fizessem pouco depois da visita de John, e que destinassem a aquele navio em concreto. Claire abriu os olhos como pratos ao entender algo de repente, e não pôde conter as palavras que brotaram de seus lábios. –É por isso que John não quer assistir ao baile natalino do governador, porque não quer se encontrar com seu pai! –Meu marido não vai assistir, não pode realizar uma viagem tão longa. E nem Emily e eu vamos vir sem ele. –Sim, mas se o digo a John, perguntará como fiquei sabendo. –É verdade. Lamento que não vá assistir Claire. Estou convencida de que teria feito muito sucesso. –Sim, mas nem sempre se consegue o que se quer; enfim, me digam o que têm em mente para o vestido de Emily. Estiveram falando animadamente do vestido para o baile de debutante, e Claire fez vários arranjos, ao final decidiram por um com decote tipo «olho de fechadura» com mangas curtas e bufantes e cintura império. –É muito pouco convencional, eu adoro! –exclamou Emily, com um sorriso de orelha a orelha.
–Se tem algo que me destaco, é por ser pouco convencional, deveria ouvir o que dizem os homens da região quando me vem passar com o automóvel de meu tio! Tive que deixar de usá-lo, porque dois colegas de trabalho de John se escandalizaram muitíssimo. –Tem um automóvel? –perguntou-lhe Maude, que já tinha começado a trata-la com familiaridade– Tenho que vê-lo, Claire! Poderíamos ir dar um passeio nele? –Eu adoraria, mas se vierem a minha casa… por outro lado, a senhora Dobbs não vai reconhecê-las e John não está lá, assim… sim, claro que podem! Tanto Maude como Emily se mostraram entusiasmadas diante da ideia de dar um passeio no carro, e a primeira admitiu que desejaria ter um próprio… e que estava decidida a convencer seu marido de que lhe comprasse um. –Então terá uma desculpa para vir nos visitar, Claire, porque terá que me ensinar a dirigi-lo e a repará-lo. –Antes disso terei que me unir às sufragistas da cidade, para que os cavalheiros deixem de criticar minha afeição pela mecânica. Claire disse em tom de brincadeira, mas sua sogra lhe respondeu com naturalidade: –É obvio. Tanto Emily como eu pertencemos às sufragistas de Savannah, não estamos dispostas a permitir que os homens sigam nos impondo suas normas. Claire achava muito interessante sua família política, mas por desgraça, não podia comentar com seu marido. Conseguiu tirar o automóvel da garagem sem que o bairro inteiro saísse à rua para ver o que acontecia. A senhora Dobbs estava em casa, mas para evitar as apresentações fez com que suas convidadas permanecessem fora, junto à carruagem de Evelyn, que estava esperando no meio da rua a distância. O carro só tinha dois lugares, assim tiveram que apertar-se um pouco quando Maude e Emily se colocaram junto a ela, mas se arrumaram como puderam. Foram de um extremo a outro da rua entre gritos de entusiasmo, e tiveram a sorte de não encontrar nenhum cavalo em seu caminho… e o senhor Fleming, que vivia na esquina, não saiu para ameaçar aos gritos avisando que chamaria à polícia. Quando parou o veículo e viu que sua sogra e sua cunhada tinham a roupa manchada de graxa, Claire se deu conta de que teria que avisá-las e ter dado algum pano para se cobrirem. –Andar de carro suja bastante – disse, em tom de desculpa. –Não faz mal, estamos vestidas em tons escuros e podemos lavar o rosto – respondeu Maude, com olhos faiscantes. – Que invenção tão maravilhosa, querida! Devo admitir que é muito estimulante. –Sim, é verdade – respondeu Emily. Maude olhou para a casa onde viviam seu filho e sua nora, e enquanto se dirigiam para a carruagem de Evelyn admitiu: –Esperava ver John.
–Também ficaria encantado, mas ao menos nos conhecemos – Claire lhe deu um abraço, e depois deu outro em Emily. –Manteremos contato através de Evelyn – lhe assegurou sua sogra com firmeza. –É obvio… e enquanto isso trabalharei com esforço no seu vestido, Emily. –Vem nos visitar algum dia se poder – acrescentou Maude, com sincera avaliação–. Sempre será bem recebida em nossa casa, inclusive sem o John. –Acredito que sim. Que tenham uma boa viagem de volta. –Se cuide, Claire. Sua sogra indicou ao chofer que as levasse de volta para casa de Evelyn, e Claire esperou que a carruagem se afastasse antes de entrar em casa. Voltava a estar manchada de graxa e pó, era uma sorte que John tivesse que ficar no trabalho até tarde. Aquelas longas noites a sós sem seu marido se converteram em algo habitual, mas não tinha querido expor a possibilidade de que ele não estivesse trabalhando, a não ser com Diane. Não estava segura de poder suportar a verdade. Naquela noite, John chegou a tempo de jantar, e foi inevitável que a senhora Dobbs mencionasse a visita das duas desconhecidas enquanto os três estavam sentados à mesa. –Esperava que as convidasse a entrar, Claire. Cortei um bolo, e tinha o chá pronto. –Lamento, mas chegariam tarde a um compromisso prévio e não houve tempo. Evelyn lhes falou de meu automóvel, e quiseram vir para vê-lo com seus próprios olhos. –Evelyn Paine? –perguntou ele. –Sim, vem com frequência junto com algumas de suas amigas visitar Claire – saltava aos olhos o quanto se orgulhava a senhora Dobbs de que pisassem em sua casa damas tão distintas. –Assim por isso tem uma relação tão cordial com as damas mais proeminentes de Atlanta, não? Convida-as para tomar chá – falou John. Claire sentiu o sarcasmo que se refletia nas palavras de seu marido, e lhe respondeu com o rosto bem alto: –E elas me convidam. –Sim, e muito frequentemente. São umas pessoas encantadoras – falou a senhora Dobbs. Ele deixou o garfo de lado antes de comentar com frieza: –É uma pena que nunca tenha lhe ocorrido mencionar essas visitas. –Quando tive oportunidade de fazê-lo? – Claire se deu conta de que à senhora Dobbs parecia se surpreender com aquelas palavras, assim se apressou a acrescentar–: Trabalha muito e até muito tarde, John, e de noite está cansado e não gosta de falar da jornada. –Suponho que esses eventos sociais aos que assiste são exaustivos, senhor Hawthorn. Minha cunhada esteve na casa dos Calverson anteontem à noite com seu
marido, e tenho entendido que você foi sozinho. Achou um pouco estranho que um recém-casado assistisse a um evento assim sem sua esposa – lançou um olhar de desculpa a Claire enquanto ficava de pé, e se foi à cozinha sem esperar resposta. Claire começou a enfurecer-se, e ao olhar seu marido com expressão gélida notou que ficou tenso. –Está claro que não considerou oportuno me levar a essa noite – ela falou. –Não foi mais que uma reunião de negócios. –A senhora Calverson estava presente? Ele lançou o guardanapo sobre a mesa antes de exclamar, irado: –Sim, sim estava! –E também estava à cunhada da senhora Dobbs. John ficou de pé. Sentia-se culpado, e por isso optou por mudar o assunto diante de um arranque de mau gênio. –Também estavam os Whitfield, e tendo em conta algumas coisas que passaram, pareceu-me prudente te manter afastada de Ted. –Está me acusando outra vez de flertar com o Ted? –Acaso não é verdade? –seu sorriso era tão zombador como seu tom de voz–. Recordo que estive a ponto de me pegar com ele por sua culpa a última vez que nos encontramos, e isso não teria acontecido se não tivesse paquerado com ele… e com aqueles jovens empregados do banco. Claire se levantou da cadeira com deliberada lentidão, e lhe disse com voz gélida: –E o que você sente pela elegante senhora Calverson não vai além do que caberia esperar-se de um banqueiro em relação à esposa de seu colega de negócios, verdade? Ele a olhou com olhos obscurecidos de ira, e apertou o punho contra sua musculosa coxa antes de lhe advertir com voz suave: –Tome cuidado Claire. –Por quê? Considera-se no direito de passar o dia babando por ela e se assegurar de que eu não faça nada que possa atrapalhar a diversão, mas eu não posso nem me aproximar de Ted. –Não babo pela senhora Calverson! –Pois isso é o que parece! Nosso casamento não conseguirá acabar com as fofocas se continuar empenhado em avivá-los ainda mais com seu comportamento. John engoliu a resposta que tinha na ponta da língua ao ver que a senhora Dobbs voltava a entrar no salão, visivelmente preocupada e nervosa, e se limitou a perguntar com voz cortante: –Continuamos esta discussão lá em cima? Estava convencido de que sua esposa lhe diria que sim, assim ficou surpreso quando lhe respondeu com secura: –Não, não tenho nenhum desejo de falar com você de um tema tão desagradável; em qualquer caso, está claro que minha opinião não te interessa mais, porque é igual o que penso de sua infidelidade.
–Nunca fui infiel a você! –exclamou, indignado. –Já! John deu meia volta, e saiu do salão, e se deteve no vestíbulo para pegar o casaco, o chapéu e a bengala antes de sair da casa batendo a porta. –Os primeiros dias de qualquer casamento podem chegar a ser difíceis – comentou a senhora Dobbs, depois de uma ligeira vacilação, para tentar animá-la um pouco. –Este casamento foi difícil desde o começo. Não deveria ter me casado com ele, à culpa é minha por pensar que poderia conseguir que seus sentimentos mudassem. A verdade é que não pode evitar que a senhora Calverson o atraia, e eu não tenho nem a beleza nem o encanto necessários para competir com ela. A senhora se aproximou dela e segurou suas mãos antes de lhe dizer com firmeza: –Você tem muitíssimas qualidades elogiáveis, Claire. Por favor, não permita que essa mulher estrague seu casamento. –Como vou lutar contra a influência que exerce sobre John? Não tinha nem ideia de que ele ia a eventos sociais sem mim. –Eu não deveria ter dito nada, mas é que me incomodou que ele ficasse calado. Você tinha direito de saber. –É obvio que sim. Agradeço-lhe que me tenha dito, teria sido horrível ouvir algum rumor a respeito. –Os rumores podem ser muito maldosos. –Sim, isso é algo que tenho descoberto por experiência própria. Boa noite, senhora Dobbs. Obrigado por me apoiar. –Não cometerá nenhuma insensatez, certo? –perguntou a mulher, muito preocupada. –Já o fiz… Casei-me com ele. Claire recebeu no dia seguinte uma mensagem de seu amigo Kenny Blake, que pedia que fosse vê-lo em sua loja. Optou em ir em uma carruagem de aluguel e se surpreendeu quando chegou e lhe encontrou acompanhado de um homem alto, magro e de cabelos brancos que estava observando com atenção uma de suas criações, um vestido em seda branco e negro com um intrincado desenho de contas negras. –Trouxe este vestido da boutique para que o senhor Stillwell o visse – explicou Kenny, sorridente. O tal Stillwell a saudou com uma cortês inclinação de cabeça antes de dizer: –Encantado de conhecê-la, senhora Hawthorn. Esta é a criação mais maravilhosa que vi em muitos anos, e eu gostaria de poder expô-la em minha loja. –Refere-se aos armazéns Macy’s de Nova York, Claire – o sorriso de Kenny se alargou ainda mais. Ela soltou uma exclamação afogada, e só conseguiu dizer: – … Se trata de uma brincadeira, certo? –Estou falando muito sério, lhe asseguro que o preço que você pede é muito baixo para semelhante originalidade.
Mencionou um preço que a deixou sem fala, e Kenny se apressou a lhe aproximar uma cadeira ao vê-la tão pálida. –Vem, sentem-se. Já lhe avisei que não ia acreditar, senhor Stillwell. O homem pôs-se a rir antes de comentar, sorridente: –Sim, o vejo. É uma mulher com muito talento, senhora Hawthorn, e acredito que podemos fazer bons negócios juntos. Uma oficina de costura poderia encarregar-se de confeccionar seus desenhos para nós, e os poríamos à venda em nossa loja. Assegurolhe que os vestidos teriam a máxima qualidade, e venderemos sob seu selo pessoal e a um nível de alta costura. Você terá que contribuir a tempo necessário para passar suas ideias para o papel e confeccionar um modelo de cada vestido. –Não posso acreditar nisso não posso! Jamais sonhei com algo assim! –caíam pelas bochechas lágrimas de pura felicidade. –Eu sim – admitiu Kenny, muito satisfeito de si mesmo. –Poderei me sustentar por mim mesma, serei uma mulher independente economicamente falando – ela disse quase para si mesmo, ainda não conseguia assimilar tudo aquilo. –Mais que isso, será uma mulher rica… e muito, se estes desenhos tiverem tanto êxito como espero. –Só tenho uma condição: meu marido não deve saber. –Não tenho razão alguma para falar para ele - assegurou Stillwell. –E eu sou um tumulo, assim ninguém vai ficar sabendo. A conhecerão como Magnólia, nada mais. –Certo –falou o senhor Stillwell. –Nesse caso estou a seu dispor para começar quando quiser, senhor Stillwell. O homem sorriu de orelha a orelha. Claire ardia em desejos de contar a alguém, a quem quer que fosse, o golpe de sorte que acabava de ter, mas sabia que não podia fazê-lo; por muito dignas de confiança que fossem tanto a senhora Dobbs como Evelyn, seriam incapazes de guardar um segredo de tamanha magnitude, assim ia ter que guardar a notícia para si mesma. –Nunca poderei lhe agradecer por isso o suficiente, Kenny! –exclamou, entusiasmada, quando o senhor Stillwell partiu depois que combinaram seus respectivos valores. –Foi um prazer. Senti falta de você desde que casou Claire. Fui vê-la várias vezes em sua casa, mas seu marido me disse que não podia me receber. –Quando foi isso? –perguntou-lhe, atônita. –A primeira vez foi uma manhã logo depois de seu casamento, e a segunda faz duas semanas. –John não me disse nada a respeito. –Bom, suponho que um recém-casado tem direito há zelar um pouco por sua mulher, mas teria gostado de poder te felicitar ao menos – fez uma pequena pausa antes de perguntar–. Tampouco sabe que te enviei um presente de casamento?
–Não, o que era? –Um jogo de dedais de porcelana, porque sei quanto você gosta de costurar a mão. –Não os recebi – Estava cada vez mais zangada. –Claro que não, seu marido me enviou de volta. É um homem muito possessivo, certo? –É o que parece – ele podia ver Diane Calverson quando lhe desse vontade, mas ela não poderia receber o presente de casamento de um velho amigo… era revoltante! –Aceita tomar um refresco antes que retorne para casa? –Sim, eu adoraria. Ele respondeu a seu sorriso com outro ainda maior. Foram a uma sorveteria que ficava em uma rua perto, e Claire se deu o gosto de pedir uma deliciosa taça de sorvete de baunilha com nata com cobertura de chocolate quente. Sentiu-se como nos velhos tempos conversando com Kenny, que tinha ido visita-la frequentemente quando vivia com tio Will. Só eram amigos, mas mesmo assim, tinha sentido falta dele desde que estava casada. Com Kenny sim podia falar… nisso ele era muito diferente de John. –Eu adoro que tenha aceitado este trabalho como desenhista, espero que não cause problemas em casa. –Não acontecerá nada enquanto John não souber, e você comprometeu-se a não dizer nenhuma palavra. –É obvio. –É como um sonho feito realidade – admitiu, sorridente – Sempre quis fazer algo assim, e de repente me dão isso de bandeja. Estou ansiosa para começar, tenho muitíssimas ideias! –Me envie os desenhos com alguém se quiser, ou traga você mesma quando vier ao centro. Eu me encarregarei de envia-los ao senhor Stillwell, assim não haverá nada que te relacione com ele. –É um bom amigo, Kenny. Tenho muita sorte de te ter em minha vida. –Eu digo o mesmo – a olhou sorridente, e lhe tocou brevemente a mão. Foi um gesto inocente, mas a má sorte quis que Diane Calverson o visse ao passar diante da janela da sorveteria nesse exato momento.
CAPÍTULO 10
C
laire teve uma desagradável surpresa naquela tarde, quando se inteirou a última hora de que seu marido tinha convidado para jantar aos Calverson. A senhora Dobbs preparou uma comida deliciosa, mas como tinha planos para ir ao teatro com uns amigos, John contratou a uma empregada para que se encarregasse de servi-la. Eli Calverson parecia preocupado e abstraído, e Diane estava mostrando-se muito atenta com John de forma quase descarada. Enquanto tomavam o café depois do jantar, Claire se deu conta de que seu marido estava olhando-a com olhos frios e cheios de fúria, e que a loira era a doçura personificada. –Que apartamento tão coquete, Claire! Não é o mesmo que ter casa própria, mas suponho que é uma alternativa aceitável. Claire se limitou a observá-la em silencio durante um longo momento, e ao ver que o afetado sorriso da outra mulher começava a fraquejar sob o peso de seu olhar, deuse por satisfeita e respondeu com um sorriso tão frio como seu tom de voz: –Em outras circunstâncias, teria gostado de ter uma casa própria. –Outras circunstâncias? Como sabia que os homens estavam distraídos em sua própria conversa sobre assuntos de negócios e não a ouviam, optou por falar com total franqueza. –Sim, se tivesse um marido que me amasse – as duas últimas palavras estavam carregadas de amargura, e antes que Diane pudesse responder, voltou-se para lhe dizer à empregada que já podia começar a tirar a mesa. –O jantar estava delicioso, Claire – comentou o senhor Calverson com cortesia. –Obrigado, mas quem preparou foi à senhora Dobbs. –Ah. Acreditava que… Claire entrelaçou as mãos antes de admitir sem reparos: –Teria sido incapaz de me apropriar da cozinha de outra mulher, sem saber que teríamos convidados para jantar. –John! Convidou-nos para jantar sem que sua esposa soubesse? –perguntou Calverson, atônito. Ele lançou um olhar acerado para Claire antes de responder com calma: –Claire é muito brincalhona. –Ah, eu vejo! –Calverson soltou uma pequena gargalhada antes de voltar-se para Diane – Devemos partir já, querida. Ela assentiu, e se apressou a dizer: –Falarei à empregada que nos traga os casacos… aonde é, John?
–Por aqui. Claire não disse nada ao ver que seu marido conduzia à loira para a cozinha, apesar de que sabia que a empregada não estava ali. Tinha a visto sair pela porta de trás para esvaziar o balde de cinzas do forno de lenha. –Se me desculpar um momento, vou levar estes pratos para a cozinha – disse para o senhor Calverson. Depois de empilhar os pratos sujos, levou-os pelo corredor para a cozinha… e chegou a tempo de ver Diane nos braços de John, apartando os lábios nos seus nesse exato momento. Parou de repente, e ficou paralisada na porta. Diane estava ruborizada e começou a rir com nervosismo, e quanto a John, tinha uma expressão intensa e indecifrável no rosto. –Suponho que não precise pedir que saia, verdade? –disse para a loira, com toda naturalidade– como sabe, basta voltar ao salão e contar a seu marido o que estava fazendo com o meu em minha própria casa. –Não se precipite, Claire… A loira não pôde acabar a frase, porque Claire não pôde se conter. –Fora daqui! Agora mesmo! –suas palavras refletiam a fúria que sentia, e seus olhos cinzas relampejavam. John se aproximou dela, e começou a dizer com tom conciliador: –Claire… Ela se afastou com tanta brutalidade, que esteve a ponto de atirar os pratos que tinha nas mãos. Tinha a respiração agitada e estava tremendo, mas a fúria lhe dava forças para superar o atordoamento. –Descarado, é um descarado! Ele parecia desconcertado, emocionado. Diane murmurou uma desculpa ao passar correndo junto a ele, e ao sair pelo corredor encontrou a empregada e lhe ordenou que lhes levasse os casacos. –Agora mesmo, senhora – a jovem se apressou a obedecer. Ouviu-se o murmúrio de vozes quando Diane chegou ao salão, mas Claire nem se deu conta. Toda sua atenção estava centrada em seu marido, ao que estava olhando furiosa como se tivesse vontade de lhe lançar os pratos na cabeça. A raiva que sentia era tão grande, o impacto tinha sido tão forte, que estava tremendo. –Agradeceria que se controlasse até que os nossos convidados saiam – pediu ele, com gélida formalidade. –Você os convidou, não eu – tremia a voz, e tinha o rosto aceso– Se voltar a trazer essa rameira a minha casa, contarei a seu marido o flagrante que dei e o que há entre vocês dois, não me importando com as fofocas! –Claire! Ela respirou fundo para tentar acalmar-se, deixou os pratos sobre a mesa, e retornou ao salão sem medir palavra.
–Obrigado por uma noite tão encantadora, Claire –disse Diane, com um sorriso forçado, antes de lançar um olhar que falava por si só para John– Boa noite, John. –Boa noite, obrigado aos dois por vir – respondeu ele, com um sorriso do mais natural, antes de lhes acompanhar à porta junto com Claire. Eli Calverson parecia alheio ao que estava passando, e esboçou um sorriso distante ao despedir-se. –Foi um prazer voltar a vê-la, Claire. Não se preocupe pela fusão com o Whitfield, John. Não terá que ficar nervoso pelo feito de que não estejam tudo nos conforme. John estava lutando por esclarecer as ideias, ainda estava tentando assimilar tanto o inesperado comportamento de Diane como a reação de Claire. –Ouvi alguns comentários a respeito, e um de nossos investidores me perguntou esta manhã se temos solvência. Chamou-lhe a atenção ver que as bochechas de seu chefe se tingiam de um ligeiro rubor, mas Calverson lhe deu um tapinha no braço e lhe disse sorridente: –Que ridículo, Acha que Whitfield ia querer a fusão se houvesse a menor duvida sobre a reputação do banco? Além disso, tenho que reconhecer que tivemos um abundante ingresso graças a você, moço. A ajuda interessada que deu à viúva do general nos trouxe grandes benefícios! John franziu a testa ao ouvir aquilo, e não duvidou em lhe corrigir. –Foi uma ajuda completamente desinteressada. –Desculpa, não soube me expressar bem. Vamos, Diane, já é hora de retornar para casa. Boa noite, queridos amigos. John se despediu com cortesia, mas sua preocupação seguia latente porque tinha ouvido mais de um comentário sobre a instabilidade do banco. Tomou nota mental de falar com o chefe da contabilidade sem que Calverson ficasse sabendo. Claire continuava com raiva, tinha a cabeça muito longe, tanto de Calverson como do banco. Permaneceu junto a John e cumpriu com seu papel de anfitriã, mas assim que a carruagem do casal se afastou sob a fria luz das ruas, voltou a entrar na casa tremendo de frio e da raiva que sentia ao ser traída. Sentia-se incapaz de olhar seu marido, ver Diane em seus braços tinha acabado com a escassa esperança que tinha de poder construir uma vida com ele. Não estava disposta a permitir que a abandonasse em benefício de sua querida, era uma questão de orgulho. –Vou fazer as malas, John. Amanhã saio daqui. –E um corno! Voltou-se para ele de repente, mas a empregada apareceu no vestíbulo nesse exato momento e olhou de um para outro com indecisão antes de dizer: –Já terminei, senhor Hawthorn, posso ir? –É obvio que sim, obrigado por sua ajuda. –Agradeço por me contratar, senhor. Todd ficou sem trabalho, e o dinheiro nos virá muito bem. Boa noite aos dois.
–Obrigado – Claire tinha a garganta tão seca, que foi a única palavra que conseguiu dizer. Embora a jovem vivesse a duas casas dali e o bairro fosse muito seguro, John saiu à varanda e esperou que entrasse no pequeno apartamento onde vivia, que estava situado detrás da casa de seu proprietário. Enquanto ele fechava com chave a porta principal, Claire começou a subir as escadas e lhe disse por cima do ombro: –Suponho que entenderá que não tenho nada que te dizer, estou deixando você. –Acabamos de nos casar, não vou permitir que me abandone. Ela voltou a olhá-lo com a mão apoiada no corrimão, e lhe falou com frieza: –Como pensa me deter? À senhora Dobbs se surpreenderá se me prender ao chão, e só assim conseguiria evitar que me vá embora. Não estou disposta a deixar que siga me utilizando para esconder sua vergonhosa aventura com essa mulher, como se atreve a beijá-la em minha própria casa? Não deveria ter me casado com você, foi uma loucura! –As aparências enganam Claire. Não aconteceu como você crê; além disso, dou-lhe minha palavra de que não tenho uma aventura com ela. Claire recordou o que havia dito sua sogra, e pensou na dor e na angústia que haviam lhe convertido em um homem tão duro. Ele continuava apaixonado por Diane, isso em certo modo, era compreensível que se deixasse levar por seus sentimentos. Ela não suportava à loira, estava claro que ela não era seu ideal de mulher nem muito menos, mas às pessoas não estava acostumadas a amar seus defeitos. Algumas virtudes deveria ter aos olhos de John… embora ela não as visse por nenhuma parte. –Sua conduta deixou de ser de minha incumbência, faça o que quiser – sua voz refletia a derrota que sentia. –Aonde pensa que vai? A casa de seu amiguinho Kenny? –Desculpa? –Acusa-me de ter uma aventura, mas te asseguro que não me viu em público com alguém segurando minha mão… em uma condenada sorveteria, e a plena luz do dia! Claire se perguntou como ele sabia, ou melhor a tinha visto com Kenny. –Foi um encontro inocente! E já que saiu o assunto, eu gostaria de saber duas coisas: onde está o presente que ele me enviou, e por que não me disse que veio me felicitar. –Eu não compartilho o que é meu. É minha esposa, e enquanto for assim, não vai aceitar presentes de outros homens… e isso inclui os sorvetes! –Como ficou sabendo? –Diane viu você e me contou. –Que conveniente! –sacudiu a saia com uma brusca palmada, e acrescentou com indignação– Eu não posso tomar um sorvete com um homem em um lugar público, mas você sim pode beijar outra mulher em minha própria cozinha, não?
–Foi ela que me beijou! –E você não pode se defender, certo? Ele se segurou de repente na porta, e antes que ela pudesse reagir, subiu as escadas com rapidez. Rodeou-lhe a cintura com os braços, e afundou a mão livre em seu coque alto antes de dizer com aspereza: –Não teria que beijar a outras se você o fizesse com mais frequência. Ela lutou como uma tigresa. Estava furiosa consigo mesma por ter ciúmes, e com ele por seu comportamento. Odiava-lhe por ter beijado aquela mulher detestável… mas sua boca era tão cálida e apaixonada, seus braços tão fortes e reconfortantes… foi incapaz de manter os lábios fechados enquanto aquele beijo lento e profundo seguia e seguia. Ele murmurou algo contra sua boca, e se inclinou um pouco para levanta-la em seus braços enquanto respirava ofegante. Acabou de subir as escadas, e ao entrar no apartamento fechou a porta a suas costas com o pé. Não a soltou, levou-a a seu próprio quarto como na vez anterior e nessa ocasião nem sequer se incomodou em apagar as luzes nem em fechar a porta. Caiu sobre a cama sobre Claire, colocou as mãos sob sua saia longa, e começou a deslizá-las pela cálida pele de suas coxas. –John… – Foi um protesto muito pouco convincente, e dito com voz estrangulada. –Shhh… – sussurrou ele contra seus lábios. Estava tremendo tanto como ela. Colocou as mãos entre suas pernas, e foi afastando as barreiras de roupa sem vacilar, mas com cuidado. Ela ficou pasmada quando a penetrou, porque nem sequer se despiram, mas o protesto que esteve a ponto de brotar de seus lábios ficou silenciado quando ele se apropriou de sua boca. Foi um beijo profundo e ardente, saboreou-a com prazer enquanto sua língua a penetrava com movimentos rítmicos… movimentos que ritmavam as investidas lentas e profundas de seu corpo, que não doíam absolutamente. Claire ouvia na distância o som de suas respirações, o roçar das roupas e de pele contra pele. As várias ondas iam passando sem cessar, percorriam seu corpo e sua mente uma atrás da outra. Sentiu que ele a agarrava com força os quadris enquanto ia acelerando cada vez mais, enquanto o ritmo ia voltando-se quase frenético. Não sabia que pudesse existir um prazer tão intenso. Sentiu que aquela paixão tão desatada não lhe doía, mas a onda de quente prazer iam percorrendo-a sem parar. Saboreou a pele de seu marido, inalou seu aroma enquanto seu corpo se sacudia com a força de suas investidas no silêncio do frio quarto. Ouviu-lhe gemer, notou que perdia por completo o controle e se rendia por completo ante aquela paixão avassaladora, e ela ergueu os quadris e se arqueou sob seu corpo. Os dois gritaram quando o prazer explodiu de repente. Aquela pecaminosa onda de êxtase foi tão intensa, que ela pensou que não ia ser capaz de suportá-la…
Deu-se conta de que seu marido estava tão estremecido como ela, que estava abraçada a ele com braços e pernas. Ficaram imóveis durante um longo tempo, unidos daquela forma tão íntima e vestidos, com os corações martelando no peito. –Fez isso porque desejava que fosse ela? –sussurrou, com voz entrecortada. Tinha a boca tão seca, que mal pode articular as palavras. Ele inalou com força quando ouviu aquela pergunta, e lhe respondeu com total sinceridade: –Não, fiz porque desejava você. Foi um pouco para trás, e contemplou em silêncio aqueles enormes olhos enquanto começava a desabotoar os botões do vestido. Seguiam unidos e cada movimento resultava estimulante e sensual. –Vou despi-la – sussurrou, com voz rouca– Quando tiver tirado toda sua roupa vou tirar as minhas e desfrutar dele durante toda a noite. Quando amanhecer, conhecerei cada centímetro de seu corpo, não ficará nem um pedaço que não tenha beijado e saboreado – baixou a cabeça de repente, e lhe mordiscou um mamilo com cuidado através do tecido. Moveu-se em seu interior e riu com satisfação ao ouvir seus gemidos, ao sentir que estremecia e ver o desejo que se refletia em seus olhos cinzas– Sim, continua preparada para mim, Claire –voltou a mover-se, e conteve o fôlego ao notar que seu membro endurecia de repente– Eu estou mais que preparado para você! Claire permanecia acordada na escuridão, era incapaz de conciliar o sono. Ruborizava-se só em recordar as carícias de John, as partes de seu corpo que ele tinha saboreado com a boca, e se sentia envergonhada por ter reagido com tanto abandono. Estava nua sob um lençol branco; por sorte, a luz estava apagada, assim não tinha que voltar a ver a fria expressão de triunfo que se refletia no rosto de seu marido. Começou a ficar cada vez mais furiosa ao pensar que a tinha utilizado, que a tinha usado como se fosse uma qualquer… e ela não só o tinha permitido, como tinha se enroscado ao redor de seu corpo como uma serpente enquanto gemia extasiada, enquanto lhe sussurrava coisas que preferia nem recordar. Afastou um lado do lençol e começou a levantar-se, mas uma mão forte a agarrou pelo braço e deu um firme puxão que a fez cair sobre um quente corpo masculino que ainda estava excitado. –Não, não vai. Ainda não acabei – disse ele com aspereza. –Por favor, John, não posso mais! –Está doendo? Está irritada? –sussurrou contra sua boca. Ela ficou vermelha como um tomate, mas admitiu: –Não, mas… Oh! Tinha começado a acariciá-la de novo naquele lugar tão sensível, lhe despertando aquela sensação enlouquecedora que a esticou dos pés a cabeça contra seu corpo musculoso. –É o pedacinho de céu mais doce que provei em minha vida, o mel mais doce do mundo – sussurrou ele, enquanto o ritmo de suas carícias ia aumentando - morreria
tentando me saciar de você sem consegui-lo, a desejo com toda minha alma – insistiu que baixasse a cabeça, e enquanto se beijavam a deslizou para baixo e a penetrou pouco a pouco– Isso é… –sussurrou, com voz cheia de ternura–, isso é… abra-se, me acaricie, me abrace, me enlouqueça de prazer. Se esqueça do que falaram as velhas reprimidas sobre isso, e se comporte comigo como uma mulher. –Não… não entendo você – soluçou, cheia de prazer. –Claro que me entende. Sente-se em mim e cavalgue Claire. Jogou o lençol de lado com brutalidade, ergueu-a um pouco até que a teve sentada sobre seu corpo. Ajeitou os quadris, ergueu os seus enquanto lhe mostrava o ritmo adequado, e ela se arqueou de repente ante o intenso prazer. –Sim, Claire… – sussurrou com ardor, cativado pelo balanço de seus seios– Agora, carinho, agora… isso, se mova … segue, segue assim… Começou a ofegar enquanto os sensuais movimentos de sua mulher lhe faziam tremer. Soltou uma gargalhada cheia de satisfação, e de repente soltou um gemido gutural. Agarrou suas coxas com mais força enquanto a fazia baixar e subir em um ritmo enlouquecedor que os levou diretamente ao êxtase. Ela cobriu as mãos com as suas enquanto seu corpo parecia mover-se com vontade própria, e pôs-se a rir também ao sentir que o prazer se estendia como uma onda quente por suas veias. O quarto estava banhado pela luz da lua, e conteve o fôlego quando baixou o olhar e o viu tão entregue e indefeso. Tinha-o a sua mercê por completo, estava rendido ao desejo que sentia por ela. Moveu-se com deliberação, provocando, olhou-o com olhos febril que refletiam seus desejos, sabendo que podia enlouquecê-lo tanto de prazer. Acelerou o ritmo, e ao vê-lo gritar extasiado afundou com mais força as mãos enquanto se iniciava a espiral de paixão. As molas da cama chiavam sem cessar, os postes tremiam, mas nenhum dos dois se deu conta. –Até o fundo, carinho! Até o fundo! –gemeu ele, com voz rouca. –Sim, me de isso tudo…! Tudo! –sentiu os estalos até na ponta dos dedos dos pés, gemeu descontrolada enquanto seu corpo ficava rígido e a percorria uma sacudida atrás da outra. Através da neblina de prazer que lhe nublava a mente notou que ele se arqueava para cima com força. Ouviu-lhe soltar um soluço gutural, viu que seu rosto ficava rígido, e se disse em êxtase que aquele homem era dela. Tinha sido tão breve e maravilhoso, tão efêmero, que se deitou contra seu peito e chorou com amargura. –Por que não pode durar? Por quê? – soluçou. Ele começou a acariciar aqueles longos e crespos cabelos castanhos. Seus corpos continuavam unidos, e juntou os quadris contra as seus para que não se separassem.
–Não sei – sussurrou, com voz trêmula, antes de apoderar-se de sua boca em um beijo longo e cheio de ternura; depois de um longo momento, admitiu contra seus lábios– É a primeira vez que permito que uma mulher me monte, encantou-me. Claire escondeu o rosto em seu pescoço, e sussurrou envergonhada: –Não diga isso! –Me sente dentro de você? –deslizou as mãos por suas costas com lentidão, agarrou-lhe os quadris, e as pressionou para baixo. Estremeceu dos pés a cabeça, e acrescentou com voz trêmula–. Eu sinto como me rodeia por completo, é como uma capa macia e quente. –Não está certo falar dessas coisas. –É minha esposa, nada do que façamos juntos é ruim. Não deveria se sentir envergonhada por nenhuma de minhas carícias, por onde possa te beijar. Formo parte de você, como você forma parte de mim. Somos uma mesma pessoa quando fazemos amor assim, Claire… uma mesma carne, um mesmo coração, e uma só alma – respirou estremecido, e a apertou com mais força contra seu corpo antes de admitir– Meu Deus, jamais tinha experimentado um prazer parecido ao que me deu esta noite! Nem sequer consigo recuperar o fôlego… e quero me afundar uma e outra vez dentro de você para voltar a alcançar esse êxtase tão incrível. –John, me… arde um pouco. – Me perdoe, fui muito exigente. –Não, eu também o desejava. –Foi uma loucura compartilhada – riscou sua acalorada bochecha com a ponta dos dedos, e suspirou com resignação– Durma, carinho. Ela abriu os olhos, e fixou o olhar em seu peito musculoso antes de perguntar: –Assim, como estamos? –Sim, assim. Tão intimamente unidos como podem chegar a estar um homem e uma mulher – a rodeou com os braços antes de acrescentar– Não suporto a ideia de sair de seu corpo… mesmo que esteja doendo muito… –Não, não está doendo – estava tão impactada pelo que tinha acontecido como ele, relaxou contra o corpo dele enquanto saboreava aquela intimidade compartilhada tão maravilhosa. Soltou uma pequena gargalhada quando seus seios ficaram apertados contra seu peito musculoso, porque aquele pequeno movimento bastou para excitá-la de novo. Ele deve ter entendido o que se passava, porque riu também e sussurrou sobre sua cabeça: –Sim, o prazer que sentimos ao estar pele contra pele é assombroso, mas já é hora de dormir. –Tem razão – se obrigou a relaxar de novo, fechou os olhos, e se surpreendeu ao ver que conseguia dormir. Claire despertou ao sentir o contato do ar frio no corpo. Estava ardida, e a luz que penetrava pelas cortinas banhava suas pálpebras inchadas. Piscou um pouco, e
despertou de repente ao ver que um par de olhos negros e intensos estavam contemplando com prazer seu corpo nu. John estava vestido junto à cama, tinha afastado o lençol, e estava olhando-a como se fosse a primeira vez que via uma mulher nua. Por estranho que parecesse, não sentiu vergonha que ele a visse assim… justamente o contrário. Seus mamilos endureceram diante daquele intenso olhar, e estremeceu de desejo. –Tem um corpo delicioso – lhe disse ele, com voz suave– Apesar da noite que acabamos de passar, excito-me só de olhar para você. Ela se ruborizou ao ver que seu olhar se obscurecia de desejo e foi então que começou a vacilar, porque se envergonhou de quão revelador tinha sido seu próprio comportamento na escuridão; como queria evitar a todo custo que ele se desse conta de quão escravizada a tinha, tanto física como emocionalmente, perguntou com voz gélida: –Espero que tenha desfrutado, fingiu bem imaginando que eu era Diane? O inesperado insulto lhe feriu mais fundo, e soltou uma gargalhada seca antes de responder: –É o que você acha, ou é o que você gostaria de acreditar? –não entendia como era possível que a apaixonada amante da noite anterior se converteu de repente naquela desconhecida zombadora. –É obvio que acredito. Beijou-a na cozinha, e assim que partiu me trouxe para seu quarto. Duvido muito que o fizesse por sentir um amor repentino por mim. Você mesmo admitiu que se casou comigo para proteger sua reputação, não é necessário que finja que o que aconteceu ontem à noite foi algo mais que um mero desejo de satisfazer comigo a luxúria que sente por ela. Ele se enfureceu ao ouvir aquilo. Olhou-a carrancudo com a mão no bolso e respondeu com deliberada crueldade, porque ela o tinha ferido com aquelas palavras tão injustas. –Faz bem em chamá-lo de luxúria, porque nos comportamos como dois animais no cio… embora deva admitir que nunca antes tinha tido uma noite assim, nem sequer com uma mulher experiente. É muito apaixonada, Claire. Apaixonada, disposta, e inclusive mais sensual que Diane. Ela se cobriu com o lençol antes de sentar-se na cama e perguntar: –Pode afirmar isso com certeza? –Claro que sim. Vi-a nua… suponho que não é tão ingênua para acreditar o contrário, certo? –Há… tem feito amor com ela? –tinha o rosto enfurecido. Ele a olhou com olhos cintilantes, e se limitou a lhe dar uma resposta que não afirmava nem negava nada. –Estivemos comprometidos.
Em seus olhos escuros se vislumbrava a dor que sentia ao machuca-la de forma deliberada, mas Claire estava muito alterada para dar-se conta. Não lhe ocorreu pensar que estava ferido pelo que havia lhe dito, não tinha nem ideia de que ele se sentia muito vulnerável porque acabava de dar-se conta de que o que sentia por ela ia muito mais além do carinho, e estava tentando segurar seu orgulho depois que lhe insultou com suas acusações. Resultava inconcebível que acreditasse ser capaz de tomá-la por Diane. –Tenho que ir trabalhar, suponho que depois de ontem à noite inventará alguma desculpa para justificar por que vai permanecer a meu lado. Pode me ter todas as vezes que queira, farei amor toda à noite se isso te faz feliz… e melhor, com o tempo, poderei deixar de imaginar na escuridão que é Diane - se sentiu mal consigo mesmo por dizer aquela barbaridade. Não havia pior insulto para Claire. Ficou olhando-o, aturdida e petrificada. O coração lhe tinha gelado no peito, sentia-se intumescida e se foram todas suas esperanças. Ele permaneceu à espera com a esperança de que admitisse que continuava apaixonada por ele, que a noite anterior lhe tinha amado, mas a espera foi em vão. –Que comentário tão baixo – disse ela por fim. –Tão baixo quanto à acusação que lançou contra mim. Jamais te usaria para sufocar o que sinto por Diane, os dois sentimentos são tão diferente como o dia e a noite. –Sim que me usou. –E você adorou. Rodeou-me com as pernas, jogou a cabeça para trás, e gritou de prazer quando te penetrei até o fundo! – ao ver que ficava vermelha como um tomate inclinou-se para frente e apoiou uma mão na cabeceira de latão da cama, justo em cima de sua cabeça – Ontem à noite não a obriguei a nada, Claire. Desejava-me, igual me deseja agora. Olhe – ele arrancou o lençol de um puxão, e lhe acariciou um tenso mamilo antes que ela voltasse a cobrir-se rapidamente – Seu amiguinho de infância veio correndo te acudir assim que eu sair… venha, vai com ele agora, talvez ele consiga que lhe arranhe as costas na escuridão como uma gata selvagem. –Eu não te…! Emudeceu ao ver que ele desabotoava a parte de acima da camisa, e soltou uma exclamação afogada quando mostrou os profundos arranhões que tinha no ombro. –Tenho mais, alguns deles estão… mais abaixo. Foi muito fogosa, sobre tudo no final – ao ver que cobria o rosto com as mãos e que parecia muito envergonhada, exclamou secamente -- Pelo amor de Deus, Claire…! É normal que as mulheres arranhem quando estão cegas de paixão, às vezes inclusive mordem. Não há nada do que se envergonhar. A paixão é violenta, fazer amor pode causar dor além de prazer, em especial quando duas pessoas se desejam tanto como nós. –Como foi capaz de…? –Do que? De fazer amor com você? De te obrigar a admitir como se comportou comigo? – levantou o queixo dela antes de acrescentar – O sexo é divertido, nós dois
desfrutamos juntos. Estamos casados, não há nada que nos impeça de gozar um do outro enquanto estejamos juntos. –Não quer estar casado comigo. Ele soltou uma gargalhada antes de admitir com dissimulação: –Às vezes eu adoro estar… ontem à noite, por exemplo – arqueou uma sobrancelha ao ver que o olhava zangada, e acrescentou com toda naturalidade– sugiro que dê uma olhada em seus quadris depois de se banhar, suponho que encontrará tanto hematomas como um par de arranhões. Não foi a única que perdeu o controle por completo. Claire se sentiu um pouco melhor. Seu marido parecia achar fácil falar daquilo com toda naturalidade… embora tenha que levar em conta que, diferente dela, já tinha experiência prévia. –Tudo sairá bem, Claire – lhe assegurou, enquanto se dirigia para a porta– Vou me manter afastado de Diane, você não voltará a se aproximar de seu amigo Kenny, e faremos amor todas as noites. Pode ser inclusive que chegue a ficar grávida. Isso deveria nos bastar. Ela sentiu que a alma caía aos pés. Luxúria, desejo carente de sentimentos, dois corpos em um mesmo leito enquanto ele pensava em Diane, desejava Diane, vivia por ela. E um filho… que classe de vida teria esse menino, com uns pais assim? –Não tem nada pra dizer? –insistiu ele, com voz zombadora. –Absolutamente nada. –Nesse caso despeço-me de você até esta noite, senhora Hawthorn – percorreu com o olhar seus ombros nus, e acrescentou com voz rouca– E embora não possa fazer amor, tirarei suas roupas e a contemplarei com prazer até que o desejo me enlouqueça. –Nem pensar! Ele arqueou uma sobrancelha diante aquela resposta tão veemente, soltou uma gargalhada ao ver quão ruborizada estava, e afirmou com um sorriso cheio de petulância: –Vai deixar que o faça, lhe asseguro – saiu do quarto e fechou a porta a suas costas. –Espera e verá – resmungou ela, antes de sair da cama com fúria. Estendeu a mão para seu vestido, mas se deteve ao ver-se refletida no espelho oval de corpo inteiro. A voraz boca de seu marido tinha deixado os peitos um pouco avermelhados, tinha marcas no ventre e nas coxas, e se ruborizou ao ver que nos quadris havia os hematomas que ele tinha mencionado. Tinha um aspecto… sensual. Levantou as mãos e as colocou sob seus seios, como se estivesse acariciando-se, e nesse exato momento a porta se abriu. Seu olhar se encontrou com o de seu marido, e não pôde evitar que seus olhos cinzas revelassem todos seus segredos. Ele a contemplou com o corpo rígido de desejo e admitiu: –Se acreditasse que está em condições, a tomaria agora mesmo, diante do espelho, e poderíamos nos ver enquanto fazemos amor – ao ver suas bochechas rosadas e o
olhar intenso e sensual daqueles olhos cinzas, gemeu atormentado e exclamou–. Deus, Claire…! Deixa-me louco! –aproximou-se dela com um suspiro, atraiu-a para si com brutalidade, e se apropriou de sua boca cheia de desejo. –Não posso… a desejo com toda minha alma, mas estou muito… Agarrou-lhe as mãos e as pousou sobre seu próprio corpo, guiou-as enquanto seguia beijando-a, mas bastaram um par de segundos para que a paixão alcançasse uma intensidade enlouquecedora. Afastou-se um pouco com um esforço titânico que lhe estremeceu, e lutou por sufocar aquele desejo ardente que lhe percorria o sangue antes de dizer com voz trêmula: –Não, não podemos – logo que pôde articular as palavras. Deu-se conta de que ela parecia desconcertada, quase temerosa, e a agarrou pelos ombros enquanto continha com muita dificuldade a vontade de gritar pelo desejo insatisfeito. Foi soltando-a pouco a pouco, obrigando a si mesmo, e saiu com pressa do quarto sem voltar a olhar para trás. Nunca antes tinha experimentado um desejo tão intenso. Não estava seguro de poder dirigi-lo no dia a dia, não sabia se poderia conter o desejo de fazer amor com sua mulher todo noite. Perguntou-se aonde Diane se encaixava em tudo aquilo, a mulher que lhe amava e da qual estava apaixonado. Sentia-se infiel, sujo, envergonhado de si mesmo… mas não pelo que tinha feito com Claire, e sim por seu comportamento com Diane. Sentia-se como um canalha, como o tipo mais desprezível do mundo, e estava furioso com Claire porque lhe tratava com uma indiferença que só deixava de lado quando estavam juntos na cama. Se não o amasse, se não ligasse para o que ele pensasse dela, poderia lhe haver ignorado, por que não o tinha feito? A resposta a essa pergunta foi o que mais lhe doeu. Estava claro que sua esposa não tinha lhe ignorado era porque lhe desejava, porque ambos eram iguais escravos do desejo que sentiam um pelo outro, mas isso não queria dizer que lhe amasse; de fato, não lhe tinha sussurrado palavras de amor nenhuma só vez durante aquela noite longa e maravilhosa. Ele não se deu conta até que ponto ansiava ouvir aquelas palavras saírem de seus lábios. Sua inocente e pura mulher tinha sofrido durante muito tempo, tinha-lhe amado de forma totalmente desinteressada, e ele tinha pagado com indiferença. Tinha-lhe devotado seu amor, e ele a tinha ignorado por culpa de Diane… mas nesse momento nem sequer recordava o que tinha sentido no passado por Diane, porque tinha ficado eclipsado por completo pelo desejo, a paixão e o profundo afeto que sentia por Claire. Pena que jamais bebesse álcool, porque nesse momento teria agradecido que um bom gole lhe nublasse um pouco a mente. Ao chegar ao banco foi direto a seu escritório e se sentou atrás de sua mesa com pesar, cansado do caos emocional que parecia haver se apropriado de sua vida nos últimos tempos, ao fim de uns minutos recordou os comentários que Calverson fez a
noite passada sobre a solvência da entidade e decidiu ir ver o chefe da contabilidade, mas se deteve de caminho a seu escritório ao ouvir que alguém elevava a voz. Viu que se tratava de um senhor que estava falando com Calverson, que parecia preocupado e nervoso e estava espremendo as mãos. –Inteirei-me que este banco não é seguro. Meu amigo tem cem mil dólares aqui, mas quando tentou retirá-los disseram que não havia recursos suficientes. –Concedemos empréstimos além de receber ganhos, cavalheiro, e às vezes terá que recorrer aos depósitos para compensar a diferença. Acabamos de receber uma soma muito grande… –Está mentindo! –o senhor levantou a bengala enquanto enfrentava o diretor do banco com atitude acusadora, e acrescentou irado– Não podem cobrir os depósitos, este banco não é solvente. Quero todo meu dinheiro, e o quero já! A cena tinha chamado à atenção dos outros clientes. Enquanto John ia para o senhor, que era um dos clientes que mais dinheiro tinha ingressado na entidade, ouviu que os murmúrios foram ganhando mais intensidade e que começavam a formar-se filas de gente nos guichês. –Eu também quero meu dinheiro – disse uma mulher com firmeza. –Eu também, não poço arriscar minhas economias! –falou um jovem. John levantou as mãos, e exclamou com voz conciliadora: –Esperem, não terá que provocar um colapso! Haverá um desequilíbrio se todos vocês retirarem seus recursos, e então o dinheiro de ninguém estará a salvo. –Ouviram? Ele mesmo admitiu, não há dinheiro suficiente para cobrir nossos depósitos! Queremos nosso dinheiro! Calverson se apressou a intervir ao ver que a situação estava transbordando. –Fora todo mundo! Guarda, tire todo mundo daqui imediatamente! O guarda, que estava contratado para proteger as instalações de qualquer que fosse com más intenções, segurou um lado da jaqueta para deixar à vista sua placa e a pistola que levava no cinto. –Retornem a suas casas, por favor. O banco está fechado – assinalou para a porta, e acrescentou com calma– Saiam, por favor. Sem amontoar-se. Obedeceram-lhe a princípio, mas justo quando saíam pela porta, o senhor propiciou um golpe na cabeça do guarda com a bengala ; ao ver que o guarda desabava, Eli se apressou a gritar: –Rápido, fechem as portas! Santo Deus! O que vamos fazer? Vão jogar as portas abaixo! John, saia e lhes assegure que o banco é solvente! –Antes quero que me dê sua palavra de que é verdade – Ele disse em voz baixa, para que ninguém mais pudesse lhe ouvir. Calverson se acovardou ante o brilho resistente daqueles olhos escuros, e baixou o olhar. John lhe intimidava, sabia que tinha estado no Exército e que estava acostumado a dar ordens.
–É obvio, claro que é solvente. Seria incapaz de mentir sobre algo assim – esboçou um sorriso conciliador, e lhe tocou o ombro vacilante – Vamos, moço, vai acalmá-los. Assegure-lhes que não há nenhum problema. John não estava convencido de tudo, mas nesse momento não tinha outra opção. Primeiro iria apaziguar os ânimos, mas assim que pudesse iria indagar um pouco. Não entendia a pressa de Calverson por fundir o banco com a assinatura de investimentos financeiros de Whitfield… embora o certo era que o banco recebesse uma forte injeção de capital se essa fusão fosse realizada. Começou a expor-se pela primeira vez se a pressa de Calverson se devia a que sim necessitavam com urgência dessa injeção, era essa, a única explicação possível, será que era certo que o banco faltasse dinheiro. Foi para a porta sentindo uma inquietação crescente, uma inquietação que não se devia a sentir medo de enfrentar à multidão que vociferava na porta do banco.
CAPÍTULO 11
A
inquietação de John aumentaria ainda mais se soubesse que Claire já estava colocando em prática seus planos para lhe abandonar. Seus duros comentários a tinham ferido em seu orgulho, tinha-a convencido de que a única coisa que lhes unia era o desejo que sentiam um pelo outro. Sua sogra e sua cunhada a haviam convidado para ir vê-las em Savannah quando quisesse, assim ia aceitar o convite. Jamais passaria pela cabeça de John procurá-la lá, porque nem sequer sabia que se conheciam. Sua decisão de ir ao centro no automóvel do tio Will foi um ato de rebeldia, já que seu marido lhe tinha proibido de conduzi-lo. Tinha pensado passar pela estação para comprar o bilhete de trem para Savannah, mas antes tinha que ir ver Kenny para lhe dar os desenhos que já tinha preparados para o Macy’s, já que iam lhe render um dinheiro vital naquelas circunstâncias. Quando tivesse tudo preparado, queria ir ao banco para ver John uma última vez, embora não sabia o que ia lhe dizer. Tinha lhe deixado tão claro o que sentia, que estava convencida de que a desprezava. A única coisa que seu marido poderia lhe oferecer era luxúria, e não era suficiente. Estacionou frente à loja de Kenny, que saiu imediatamente para recebê-la com um sorriso de orelha a orelha. –Eu adoro vê-la em seu carro, já vejo que ainda é capaz de fazer que arranque! –Claro que sim – lhe olhou sorridente enquanto tirava os óculos protetores, consciente dos olhares cheios de curiosidade dos transeuntes. –Entra, trouxe algo para o senhor Stillwell? –perguntou ele, enquanto a ajudava a sair. –Sim – agarrou a enorme pasta que tinha deixado no outro assento do veículo antes de acrescentar– pensei que poderia lhe enviar esses desenhos. Posso ter os outros em três semanas… bom, justo depois do Natal. –Encarregarei-me de lhe avisar. Entraram na loja, e Claire saudou com uma inclinação de cabeça a uma cliente; quando chegaram ao escritório de Kenny, que ficava no fundo do estabelecimento, apresentou a uma mulher de meia idade que estava ali. –Apresento-lhe à senhora Kenner, minha secretária. Senhora Kenner, apresento-lhe à senhora Hawthorn. Seu finado tio e ela foram meus amigos há anos. É Magnólia, a desenhista que lhe falei.
–Que alegria conhecê-la! Sempre fico admirada quando vejo seus vestidos expostos na boutique que há aqui perto, tem muitíssimo talento! –Obrigado. –Sente-se para que possamos repassar seus desenhos, Claire. Desculpe, senhora Kenner, mas são os que vamos enviar ao Macy’s e terá que manter a confidencialidade. Importaria …? –O que lhes parece se for preparar uma boa taça de chá? – perguntou-lhes, com um sorriso cúmplice, enquanto ficava de pé. –Perfeito, só necessitamos cinco minutos. –De acordo, senhor. Kenny foi repassando os desenhos um a um, e ficou maravilhado ao ver quão inovadores eram e o estilo que tinham. –Não há dúvida de que tem talento de verdade, Claire. –Obrigado, crê que estão bons? –São muito bons, mas que muito bons. Obrigado por deixar que os veja, embalarei com cuidado e me encarregarei de que saiam no primeiro trem rumo à Nova York. –Não sabe o quanto agradeço sua ajuda, Kenny. Acredito que muito em breve precisarei depender de mim mesma. Ele a olhou com preocupação ao ouvir aquelas palavras, ao notar a tristeza que refletia, e não duvidou em lhe perguntar: –Não pode me dizer o que é que está acontecendo? Posso te ajudar em algo? –Seria bom se pudesse, mas é um problema pessoal que tenho que resolver por mim mesma. É um bom homem, Kenny – se levantou da cadeira antes de acrescentar– Prefiro não ficar para tomar o chá, não tenho tempo a perder. Vou me ausentar da cidade durante uma temporada, Me colocarei em contato com você assim que saiba com certeza onde vou estar. Não vou dizer aonde penso ir, assim não será obrigado a mentir se lhe perguntam por meu paradeiro. –Está começando a me preocupar, Claire. –Sinto muito, mas tinha urgência de te dar os desenhos. Nem sequer sei quando retornarei. Ele se aproximou dela e segurou suas mãos. –Não pode me dizer ao menos aonde vai? Jamais direi a alguém. Claire negou com a cabeça, e lhe disse sorridente: –Isso eu sei, Kenny, querido, mas temo que não posso. –Se alguma vez precisar de mim, aqui me tem – a acompanhou até a porta da loja, mas ao sair viu algo que chamou sua atenção – Que estranho, a esta hora não está acostumada haver tanta gente às portas do banco. Claire conteve o fôlego ao seguir a direção de seu olhar e ver o que acontecia. O banco em questão era o de seu marido, e saltava à vista que as pessoas que estavam fora estavam exaltada.
John estava justo diante da porta. Ouviram-se gritos, a multidão avançou como uma súbita onda, alguém lançou algo… e o edifício abandonado que estava do outro lado da rua começou a queimar. As chamas passaram por um carro que estava estacionado junto à calçada de madeira, e dali ao armarinho que havia atrás do banco. . Os cavalos que se soltava dos carros se assustaram, romperam as correias e se afastaram espantados, e no processo o veículo em chamas tombou e bloqueou a rua. –Minha mãe… se alguém não chamar os bombeiros, isto vai ser catastrófico – disse Kenny. –Sim, mas o carro em chamas bloqueia a rua… –fez sinal para o condutor de uma carruagem que estava lutando por controlar a seu cavalo, e exclamou – vê? O animal se nega a atravessar a barreira de fogo…! Olhe, o cabo telefônico acaba de queimar também! Não pode ligar para pedir ajuda. –Alguém vai ter que ir pedir em pessoa. –Eu o farei. Posso atravessar as chamas com o carro bastante rápido para que não queime as borrachas das rodas, e seguir a toda velocidade até o parque de bombeiros de Peachtree Street. –É muito perigoso, Claire! Ela se voltou para olhar para o banco, e ao ver que a multidão avançava para seu marido exclamou: –Devo fazê-lo! Não vê que John corre perigo? Se essa gente não o matar, o fogo o fará! Enquanto Kenny seguia protestando, deu-lhe à manivela para pôr em marcha o pequeno carro, subiu de um salto, e pôs rumo à barreira de fogo. Ouviu que alguém soltava um grito de surpresa, mas manteve o pé no acelerador e seguiu adiante sem vacilar nem um segundo. Atravessou aquela ardente barreira e emergiu disparada do outro lado, suada e pensando que era melhor se não estivesse queimando as rodas, mas não notou nada mais além de um ligeiro aroma de fumaça. –Muito bem Chester! Foi tão rápido como pôde, mas achou que demorava uma eternidade para chegar ao parque de bombeiros. A saia lhe enganchou no sapato enquanto subia os degraus da entrada com pressa e esteve a ponto de cair de bruços, mas conseguiu manter o equilíbrio e entrou no recinto como um raio. –Há um incêndio e distúrbios no Peachtree City Bank! – gritou, frenética, ao primeiro homem que encontrou no seu caminho– Por favor, têm que ir o quanto antes! –Onde disse que é o incêndio, senhora? Depois de lhe explicar o que acontecia, o bombeiro lhe disse obrigado e foi correndo informa-los. –Também avisarei à polícia sobre o distúrbios, senhora! – gritou-lhe sem parar, por cima do ombro.
Claire assentiu e foi correndo pegar Chester. O coração lhe pulsava a toda velocidade enquanto dirigia de retorno ao banco, estava desesperada por chegar a tempo de salvar seu marido embora a lógica lhe advertisse que era muito pouco provável que conseguisse. Por muitas desavenças que tivessem tido, apesar de que não sentia nada por ela, amava-o com toda sua alma e não podia lhe dar as costas naquele momento tão crítico. Ao chegar à rua lateral onde estava o banco viu que as chamas seguiam arrasando o edifício abandonado, mas que o carro já tinha ficado reduzido a cinzas e se podia passar. Ao passar por cima dos restos pulverizados, lamentou fugazmente a perda de mercadoria que tinha sofrido o proprietário do veículo, mas sua atenção estava centrada em encontrar a seu marido. Deteve o automóvel a escassa distância do edifício do banco, e se deu conta de que alguém tinha chamado à polícia e vários agentes estavam fazendo à multidão recuar. Abriu caminho entre as pessoas, manchada de pó e de graxa e com os óculos na mão, e deu um salto no coração quando viu por fim seu marido. Ele tinha o rosto machucado e o paletó rasgado, e, além disso, tinha a manga aberta porque alguém lhe tinha arrancado um botão, mas mesmo assim tinha um aspecto que intimidava e ninguém estava tentando lhe agredir. A seu lado havia um homem sentado na calçada, gemendo de dor enquanto levava as mãos a seu rosto ensanguentado. –Está bem empregado covarde! –gritou uma mulher ao senhor ferido - é o que acontece quando se tenta golpear a um homem que sabe brigar! –Perderam todo meu dinheiro! –protestou o homem. Antes que a mulher pudesse responder, John gritou com voz firme: –Ninguém perdeu nada! Estamos a ponto de nos fundir com uma Empresa de investimentos financeiras com a qual os ativos do banco iram dobrar imediatamente. Os juros subirão, e os benefícios serão gerados. Ninguém vai perder nem um só centavo! Não estava sendo sincero de tudo, porque não podia assegurar que a fusão iria se realizar (e isso seria mais que improvável se Whitfield soubesse que o banco não era solvente), mas nesse momento o principal era evitar mais distúrbios; ao ver que os ânimos foram se acalmando apesar de que seguia ouvindo um zunzún de vozes, acrescentou com secura: –Voltem para suas casas, este comportamento não é próprio de gente civilizada. Seu dinheiro está a salvo, dou-lhes minha palavra. As pessoas começaram a dispersar-se. –O senhor Hawthorn jamais mentiria pra nós, eu confio em sua palavra – disse um homem que passava nesse momento junto a Claire. –Eu também – falou outro.
Ela sentiu um orgulho enorme ao ouvir aqueles comentários sobre seu marido e pôs-se a andar para ele, mas antes que pudesse abrir caminho entre a multidão, Diane Calverson chegou correndo pela calçada e foi direto para ele com um lenço na mão. –Meu Deus, querido! Está bem? Claire sentiu que sua alma caía aos pés ao ver que limpava os machucados do rosto de seu marido com uma atitude solícita, que ele a olhava com um cálido sorriso. A pequena duvida que tivesse ficado sobre o que sentiam um pelo outro se desvaneceram de um colchão. Estava claro que eram duas pessoas que se amavam, o beijo que tinha presenciado na cozinha tinha reforçado esse convencimento. Não podiam evitar o que sentiam, e era muita paixão que John mostrava para ela na escuridão, estava claro que quem ele amava era Diane. Retornou ao carro, pô-lo em marcha, e voltou para casa. O ruído do veículo não passou despercebido para John, que levantou o olhar e se assombrou ao ver como se afastava. Não tinha se dado conta de que Claire estivesse ali… além disso, por que estava conduzindo aquele traste? Vários bombeiros tinham chegado enquanto ele estava lutando com o cliente do banco que se pôs muito violento, e já estavam apagando o incêndio que havia do outro lado da rua. Um deles passou junto a ele nesse momento, e lhe disse sorridente: –Sua esposa é muito valente, senhor Hawthorn. O chefe disse que veio pedir ajuda a toda velocidade nesse traste, e atravessou as chamas como uma flecha. Deve sentirse muito orgulhoso dela, que mulher! John ficou ali plantado, emudecido e preocupado… e com Diane agarrada em seu braço. –Viu Claire ao chegar? –Querido, nunca a vejo a menos que não tenha mais remédio. A verdade, é uma mulher tão anódina e insignificante… Ele escapou de sua mão com um puxão, mas antes que pudesse lhe dizer algumas palavras, Eli se aproximou secando o suor do rosto com um lenço e comentou: –Que momento mais tenso, não é? Obrigado, John, não entendo por que agiram assim esses desenquadrados. Ele soube sem dúvidas que ali estava acontecendo algo estranho; por um lado, Eli parecia esconder algo que lhe fugia o olhar, e pelo outro lado a súbita atitude afetuosa de Diane e a forma com que lhe olhava, como se estivesse escolhendo a ele por cima de seu marido. Desejou poder dar uma explicação para tudo aquilo. –Tudo está sob controle, à polícia dispersou a multidão e parece que o incêndio está apagado – acrescentou Eli, sorridente–. Vá a sua casa para se lavar, John. Enquanto isso me encarregarei de tranquilizar a nossos empregados para que saibam que já não há perigo de linchamento. –Não brinque com essas coisas – falou Diane com aspereza– Quer que te acompanhe, John?
–O que disse, Diane? Não pode lhe acompanhar a sua casa! –Irei com ele se precisar de mim – respondeu ela, carrancuda. Eli empalideceu de repente, mas deu meia volta e entrou no banco sem medir palavras. –Não se preocupe com ele – disse Diane, com total indiferença–. É um tolo, e logo estará tão fundo que ninguém poderá lhe ajudar – o olhou sorridente, e acrescentou com voz doce– Meu querido John… ama-me , não a Claire. Sempre me amou. E eu sinto o mesmo por você – lançou um rápido olhar a seu redor para assegurar-se de que ninguém estava bastante perto para ouvi-la, e se aproximou um pouco mais –. Desejo-te, estou disposta a te dar o que quiser… o que seja. Cometi um erro ao me casar com Eli, mas vou abandoná-lo dentro de muito pouco tempo. Ele se separou imediatamente, e se limitou a responder com rigidez: –Neste momento não tenho tempo de falar sobre isso – ao ver aparecer uma carruagem de aluguel, indicou ao chofer que parasse e subiu sem mais. Diane ficou ali plantada, incapaz de articular uma palavra. Claire tomou banho e trocou de roupa que estava suja de seu encontro com o fogo, e se encontrava na sala de estar com a senhora Dobbs quando John chegou em casa. Ele ficou impactado ao ver como estava abatida, doeu-lhe na alma vê-la com aquela expressão de derrota. –Está bem, senhor Hawthorn? Claire estava me contando agora mesmo o que aconteceu – disse a senhora com preocupação. –Estou bem, vim trocar de roupa – vacilou por um instante, porque não sabia como romper o gelo com sua mulher– Eu gostaria de falar com você, Claire. Ela não soube como negar, porque não queria avivar ainda mais as suspeitas da senhora Dobbs. Ficou de pé, e o seguiu escada acima. John fechou a porta do apartamento antes de dizer: –Um bombeiro me disse que atravessou as chamas para ir pedir ajuda. Claire levantou o queixo, e respondeu com voz desafiante. –Chester é um bom veículo, assim estava convencida de que conseguiria; além disso, o fogo não estava muito intenso naquele momento. –Correu um grande risco… e demonstrou uma grande valentia. Está bem? A ternura e a preocupação que refletia em sua voz chegaram à alma, mas como não estava disposta a fraquejar, esboçou um sorriso forçado e respondeu com frieza: –Perfeitamente bem. E você? Não lhe machucaram muito, não é? –Só tenho uns machucados, nada digno de preocupação – franziu a testa enquanto lutava pra encontrar as palavras adequadas, e no final comentou– Não se aproximou para ver-me… refiro a depois que trouxe os bombeiros. –A senhora Calverson estava te atendendo, assim não quis me misturar. –É minha esposa, tinha todo o direito de fazê-lo. Aquelas palavras a deixaram com raiva, como podia ser cara de pau?
–Tem uma memória muito curta, John. Assim que chega perto dessa mulher, dá a impressão de que se esquece que tem uma esposa. –Claire… - respirou fundo, e admitiu pesaroso -- Estou consciente de que o meu comportamento nos últimos tempos não foi adequado, mas é que estava muito confuso; ultimamente, nosso casamento teve… digamos que uns momentos muito interessantes. –Refere-se a nos deitarmos, não? Lembro que disse que não era mais que uma compensação por não ter Diane. –Jamais falei isso! Seria incapaz de usar uma mulher para esquecer a outra. –Deu a entender que nossa cama era a única coisa que temos em comum. John ficou sem defesas diante aquela acusação lançada com tanta calma e frieza, porque o certo era que tinha feito muitos comentários prejudiciais para dar essa impressão. Ele tinha cometido inúmeros erros, e parecia incapaz de corrigir um só. – A verdade é que eu disse muitas coisas. Sabemos muito pouco um do outro, Claire. Casamos pelos motivos errado, e nós não… não fizemos nada para tentar melhorar nossa relação. Talvez possamos procurar novos padrões de convivência depois de lidar com este último desastre. –Como quais? –perguntou ela, com atitude agressiva. –Como sairmos juntos mais vezes… poderíamos ir à ópera ou ao teatro, se você quiser. Também poderíamos comer sempre juntos – contemplou em silêncio seu rosto tenso e cansado antes de acrescentar com suavidade – Poderíamos ser um casal em todos os sentidos. Ela lutou pra controlar sua respiração acelerada. Ansiava em aceitar sua proposta, o amava tanto… a vida era algo muito pobre, seu sangue gelou só de pensar no perigo que ele tinha corrido pouco antes. Mas apesar de seu amor e seus medos, sabia que John não lhe pertencia; mesmo que tenha salvado a vida dele com quem ele queria compartilhar essa vida era com Diane, tinha admitido incontáveis vezes. –Beijou-a. –Já expliquei que foi ela quem me beijou! –Sim, sim você me explicou, mas não acreditei e nem acredito em você agora. No dia de nosso casamento me disse que a amava, e continua assim? –sua voz refletia uma profunda amargura. John hesitou ao tentar encontrar as palavras certas para reparar todo o dano que tinha causado. Estava louco por Claire, e Diane se tornou um estorvo. O que mais ansiava no mundo era abraçar a sua esposa contra seu peito, reconfortá-la e lhe fazer entender o quanto tinha mudado seus sentimentos, mas ela recuou assim que o viu dar um passo em sua direção. Tinha que ir devagar, cortejá-la e mimá-la. Claire tinha recebido muito pouco de sua parte, e não se atrevia a pressioná-la. Olhou-a com um sorriso cheio de ternura antes de dizer:
–Mudaram muitas coisas das quais falamos, mas agora tenho que lavar-me e voltar ao banco para ajudar no que eu puder. O fogo não alcançou o edifício, mas chegou perto. Falaremos esta noite. –Falar, o que você quer falar – Ela disse com voz baixa, enquanto pensava para si mesma que a situação a que tinham chegado já não podia arrumar-se com simples palavras – Claro. De qualquer forma, deixo você para que se lave em paz. –Claire, o que fazia no centro com o automóvel? –perguntou ele, ao recordar de repente que ela estava nas imediações do banco quando se iniciaram os distúrbios e começou o incêndio. Ela já estava dando meia volta para dirigir-se para seu próprio quarto, mas se voltou para olhá-lo ao ouvir a pergunta. Tinha gravada na mente a imagem de Diane lhe tocando os machucados no rosto, assim sentiu uma satisfação enorme ao responder com malícia: –Fui para ver Kenny Blake. –Já disse a você que não quero que tenha nada a ver com ele! –Você convidou Diane a minha casa, e permitiu que me tratasse com desdém e que fizesse todo tipo de comentários maliciosos sobre mim –ela retrucou, com atitude beligerante– Você se comportou como se ela fosse sua amada e eu um estorvo durante todo nosso casamento, eu ao menos tive a decência de não ver Kenny em casa; além disso, fui a sua loja, assim não estive a sós com ele – essa última não era verdade, mas a lógica estava justificada. –Para que você foi? Não podia admitir que Kenny estava se fazendo de intermediário entre Macy’s e ela, assim levantou o queixo e falou: –Pense o que te der vontade, John. Ele poderia ter ficado uma fera; de fato, o teria feito, mas era consciente de que pisava em um terreno escorregadio. Ela tinha razão ao dizer que ele não tinha feito nada pra cortar as asas de Diane, e que ele mesmo tinha falado que estava apaixonado pela loira. De repente se sentiu culpado, mesquinho e envergonhado de si mesmo. Claire o amava, e ele só tinha lhe dado dor e humilhação. –Independentemente do que possa pensar de mim, eu lhe asseguro que estou feliz de que tenha saído ileso do que aconteceu hoje – se voltou de novo para seu quarto, cabisbaixa. Era possível que não voltasse a vê-lo por muito tempo, e estava lutando para ocultar o que sentia por ele. Parecia derrotada, perdida. Ele sabia que não tinha uma aventura com Kenny, mas mesmo assim, estava com ciúme. Queria tomá-la entre seus braços e enche-la de carinho, queria falar com ela sobre seu casamento… ele a chamou com urgência, mas ela entrou em seu quarto sem sequer dignar-se a olhar para trás e fechou com firmeza a porta.
Ele resmungou uma maldição, sabendo que nada do que pudesse dizer seria suficiente para apaziguar. Ele tinha visto Diane depois do tumulto no banco e ele recordava de ter sorrido para a loira, então Claire achou que era mais do mesmo, mais do que tinha visto quando Diane lhe tinha beijado na cozinha. Não sabia como explicar que o que sentia por ela tinha mudado de forma drástica… Talvez encontre as palavras adequadas quando chegar à noite. Só precisava de um pouco de tempo para pensar nisso, para decidir como se expressar. Que diferença seria se ele não tivesse falado de forma tão depreciativa da noite maravilhosa que tinham passado juntos, se não tivesse feito aqueles comentários irritantes levado por seus medos! Ela tinha sido incrivelmente apaixonada, muitos homens viam como desapareciam seus sonhos de alcançar o amor ao ter que passar a vida junto a uma mulher fria e distante. Claire tinha sido uma maravilha e ele tinha cometido à baixeza de dar a entender que tudo que desejava dela era sexo, que só sentia desejo. Gemeu diante de sua própria estupidez. Que típico de homem, não se dar conta do que sente até ser muito tarde! Depois de se lavar e de trocar de roupa, disse adeus a Claire através da porta e retornou ao trabalho. À senhora Dobbs achou um comportamento estranho em um casal que acabava de correr o perigo de morrer por uns exaltados ou queimados pelo fogo, mas não fez nenhum comentário a respeito. Até uma cega se daria conta de que havia problemas naquele casamento, mas ela tinha a esperança de que pudessem solucioná-los.
CAPÍTULO 12
C
laire não demorou nada para ter as malas prontas para partir. Jamais esqueceria que tinha sido Diane que estava junto de John depois do incidente no banco, que era ela que ele tinha querido ter a seu lado naquele difícil momento. Que ficasse com sua adorada Diane, ela estava farta de lutar por um homem que amava a outra. Estava decidida a cumprir com sua ameaça de partir dali. Ele se encontrava bem, e se amava tanto Diane, não tinha remédio a não ser que o deixasse livre. Ele havia dito que queria falar… falar do que? Do divórcio? Era certo que era isso que queria. Pensou por um instante em ir a Savannah dirigindo Chester, mas se deu conta de que isso seria uma loucura muito grande. Percorrer um par de ruas por Atlanta era muito diferente de cruzar o estado inteiro, e o carro já havia facilitado o caminho sem problemas de Colbyville até Atlanta. No comprido e acidentado caminho até Savannah poderia perder uma correia, cravar uma roda, romper um eixo, ou haver uma falha do motor. Sem ter peças de recâmbio nem espaço suficiente para levar a gasolina necessária para a viagem, seria uma insensatez; de fato, nem sequer sabia se encontraria gasolina nas lojas que havia ao longo do caminho. Os caminhos eram mais adequados para viajar de carruagem que em automóvel, assim ia ter que ir de trem com a esperança de que tudo saísse bem. Foi ver Chester uma última vez, consciente de que era mais que provável que John se desfizesse dele em sua ausência. Nesse momento não via nenhuma possível solução para seu casamento. Deu uns suaves tapinhas na porta do veículo, e se despediu dele com voz cheia de afeto. –Esta manhã foi muito valente, Chester. Estou muito orgulhosa de você. Algum dia voltarei para te buscar, meu velho e querido amigo. Enquanto o chofer da carruagem que ia leva–la a estação se encarregava de subir as malas no veículo, Claire se despediu da senhora Dobbs. –Céus, vai embora depois desta manhã… o que vou dizer a seu marido quando chegar e descubra que se foi? –Deixei-lhe um bilhete – mentiu, tentando aparentar naturalidade – Na realidade não aconteceu nada, senhora Dobbs. Tivemos um ligeiro mal-entendido e preciso me afastar por um tempo, mas só vou passar uns dias com minha prima e retornarei logo.
–Só vão ser uns dias? Que alívio! Fico mais tranquiliza em saber que não teve uma desavença grave com o senhor Hawthorn. –Não foi nada grave – se sentia culpada por mentir, mas não tinha outra opção–. Volte para suas tarefas, estarei de volta antes que se dê conta. Enquanto se dirigia para a carruagem pensou que era melhor sim ter deixado um bilhete para John, mas o certo era que não tinha lhe ocorrido; em todo caso, já lhe tinha deixado claro o que pensava. Estava claro por que lhe abandonava, assim não precisava dar mais explicações. Quando John Hawthorn chegou em casa naquela noite, encontrou um apartamento vazio. Ele olhou para o quarto de sua esposa, e ao ver que não havia nem sinal dela e que seu melhor casaco não estava no armário, apoiou-se no batente da porta e ficou ali com o olhar perdido. Era algo mais ou menos previsível, mas mesmo assim, o impacto foi brutal. Tinha demorado muito em comportar-se como um marido de verdade, e quando o tinha feito tinha mentido sobre seus motivos… e depois, aquela mesma manhã, não tinha encontrado a forma de explicar que teria preferido mil vezes que fossem as mãos de Claire, e não as de Diane, que limpassem os machucados no rosto. Tinha sido incapaz de pensar com clareza, sobre tudo depois da apaixonada noite que tinha compartilhado com sua esposa, e os ciúmes que havia sentido quando ela tinha admitido ter ido ver Kenny lhe tinha distraído. A senhora Dobbs apareceu com a cabeça pela porta do apartamento, e exclamou: –Boa noite, senhor Hawthorn! Imaginei que se sentiria muito só enquanto sua mulher está fora visitando sua prima, assim convidei para jantar as minhas irmãs. Pensei que gostaria de passar a noite acompanhado. Então era isso que Claire havia dito a dona da casa, que ia visitar uma prima… Perguntou se era verdade, ela nunca tinha mencionado que tivesse uma. –Acredito que partiu de trem – não tinha nem ideia se isso era verdade, mas disse para tentar obter mais um pouco de informação. –Ah, sim? Ela não mencionou nada a esse respeito, mas com certeza deve ter tomado o trem se é uma viagem longa; em todo caso, seu pequeno automóvel ainda está na garagem. Vou servir o jantar na hora de sempre. Se desejar algo especial de sobremesa, só tem que me pedir. –Obrigado, senhora Dobbs, mas estou um pouco cansado; além disso, tenho que ir à estação – não especificou que ia tentar seguir o rastro de sua mulher. Não sabia o que ia fazer se não conseguisse encontrá-la. As indagações que fez na estação foram inúteis. O vendedor do guichê tinha adoecido de repente e o tinham levado a uma enfermaria, e o substituto não tinha nem ideia de que mulher se referia aquele homem de olhos negros que parecia tão desesperado por encontrá-la. John foi trabalhar no banco no dia seguinte abatido e cabisbaixo. Tinha passado a noite inteira acordado, e continuava sem ter nem ideia de onde estava Claire. Teve a
repentina ideia de fazer com que o chofer conduzisse a carruagem na frente da loja de Kenny para comprovar que aquela pequena fuinha ainda estava na cidade, e ao vê-lo com clareza através do balcão se reclinou no assento e se sentiu um pouco envergonhado por ter pensado mal. Claire era muito honesta para partir com outro sem lhe avisar sequer, mas ao menos poderia ter esperado para falar com ele antes de partir sozinha; além disso, não tinha parentes nem amigas íntimas para recorrer. Suspirou atormentado ao imagina-la só por aí. Nem sequer tinha um pouco de dinheiro para se manter … a menos que tenha levado o dinheiro que lhe dava para os gastos da casa, nesse caso poderia pagar uma estadia em um lugar decente. A ideia de que sua mulher não tivesse com o que subsistir lhe preocupava muito, assim que retornou ao apartamento foi direto a prateleira onde ela guardava o bote que continha o dinheiro, e sentiu um alívio enorme ao ver que estava vazio… tão vazio como o apartamento. Antes de casar-se jamais tinha se importado em estar sozinho, mas as coisas tinham mudado de forma radical. Viver sem Claire era um suplício, aonde teria ido? Claire chegou a Savannah esgotada e sem esperanças. Alugou um quarto em um hotel do centro, mas assinou o registro usando seu sobrenome de solteira como precaução. –Bem-vinda senhorita Lang. Pensa ficar muito tempo? – o recepcionista a olhou com certa desconfiança. As damas jovens de certa posição social nunca viajavam sozinhas no Sul, estavam acostumados a ir acompanhadas de uma tia de mais idade ou de uma prima. –Espero que não. Tenho parentes na cidade, e venho de Atlanta para visita-los. –Entendo. Como se chamam esses parentes? Olhou nos olhos sem deixar-se intimidar antes de responder com voz firme: –Você é muito curioso para ser um recepcionista, faria tantas perguntas a um cavalheiro? Ele se ruborizou de repente, e pigarreou antes de dizer com formalidade: –Peço-lhe que me desculpe, não foi minha intenção me intrometer em seus assuntos. Claire levantou o queixo, e esboçou um sorriso cheio de orgulho. –Eu vejo que o movimento sufragista necessita de mais estímulo nessa comunidade. O homem abriu os olhos alarmado ao dar-se conta de quem era… uma daquelas seguidoras da Susan B. Anthony e Margaret Sanger, uma daquelas mulheres «modernas» que pensavam e se comportavam com a mesma liberdade que tinham os homens. Sentia aversão por elas, mas não podia correr o risco de zangá-las por medo de que invadissem o hotel em protesto de como tinha sido tratada uma das suas. –Tenho o quarto duzentos e dois – esboçou um sorriso conciliador antes de acrescentar– É muito aconchegante e tem vista para a baía, e, além disso… – vacilou
por um momento enquanto tentava encontrar as palavras adequadas, e ao final optou por dizer– além disso, há um banheiro para senhoras no final do corredor. –Têm telefone? –É obvio. Há um no escritório está a sua inteira disposição, só tem que pedir para usá-lo. –Obrigado - disse com educação, antes que os encarregados responsáveis por suas malas a conduzisse ao quarto. Quando esteve a sós, abriu as cortinas e contemplou a baía. Savannah era uma cidade maravilhosa, disse, antes de abrir a janela e de inalar o fresco aroma do mar. Em outras cidades ao longe na costa da Georgia, havia fábricas que soltavam fumaça e geravam um aroma desagradável, mas naquele lugar o ar era salgado, fresco e limpo. Pensou em John, em como teria se sentido ao retornar para casa e encontrar o apartamento vazio. Sabia que ia se preocupar com ela apesar de que não a amasse e lamentava lhe causar dor de cabeça, mas não podia retornar. Havia muitos problemas e necessitava de uma pausa, possivelmente ele aproveitaria aquele tempo para tomar as decisões necessárias. Ia ter que renunciar a ela se ainda continuasse amando Diane, seria o melhor para os dois apesar dos falatórios que gerariam. Ela tinha um trabalho, assim podia continuar sem sua ajuda. Depois de voltar a correr a cortina, ela aproximou-se da cadeira que havia junto à cama e deslizou a mão pelo encosto de nogueira esculpida. Tinha que decidir o que ia fazer. Aquele hotel estava bastante bem, mas não gostava de estar ali sozinha. Tinha a esperança de que Maude a convidasse para ficar em sua casa, mas como existia a possibilidade de que o seu sogro não gostasse de sua inesperada chegada, preferia ter um lugar alternativo onde ficar no caso disso não acontecer. Primeira coisa a fazer era Maude saber que estava na cidade, assim deixou as demais considerações de lado e baixou tomou as providencias sem mais demora. O recepcionista a conduziu até o posto telefônico onde estava sentada a operadora, que por sorte conhecia o número dos Hawthorn. A mulher passou a chamada imediatamente, e a olhou com evidente curiosidade enquanto esperavam que se estabelecesse a conexão. –Já está, pode falar – ela disse depois de um momento. Claire pegou o telefone, e disse hesitante: –Bom dia, com quem falo…? Maude?É Claire… –Claire! Onde está querida? John está com você? Está bem? –Está perfeitamente bem. Vim ver você, estou hospedada no Hotel Mariner… –Que está em um hotel? Por Deus, Claire! Como fez isso? Farei com que o nosso chofer vá buscar a carruagem e vou te buscar imediatamente… e não quero ouvir nenhuma só protesto, não posso permitir que fique em um hotel! Demorarei uma meia hora. Não sabe como estou feliz que tenha vindo.
A conexão foi cortada, e Claire esboçou um pequeno sorriso de alívio. O recepcionista ia ter uma grande surpresa ao saber que não ia ficar no hotel; depois de agradecer à operadora, despediu-se do perplexo recepcionista, e retornou a seu quarto. Enquanto o encarregado voltava a descer as malas, ela se encarregou de pagar a pequena soma que devia pelo quarto, e menos de meia hora depois Maude chegou ao hotel com uma entrada digna de uma grande dama. Estava maravilhosa com um elegante vestido negro, e levava um volumoso chapéu na mesma cor adornada com uma pluma. Foi para Claire assim que a viu, e lhe deu um forte abraço. –Olá, querida! Harrison, por favor, leva as malas de Claire à carruagem. –Agora mesmo, senhora – o chofer da carruagem levou a mão ao chapéu em um gesto de saudação, e se apressou a obedecer. –Harrison é mais um membro da família,tem estado conosco desde sempre – Maude olhou carrancuda ao recepcionista ao ver que não parava de olhá-la, e o tipo se apressou a fixar os olhos em seu livro de reservas– Vem, querida. Vamos. –Zanguei-o –lhe explicou Claire, quando saíram à rua – mencionei o movimento sufragista ao ver que me fazia muitas perguntas, e se tornou muito útil. Maude soltou uma gargalhada antes de admitir: –O movimento é muito ativo nesta região. Algum dia conseguiremos o direito ao voto, Claire… E então ensinaremos aos homens como deve construir um governo de verdade. –Claro que sim. Tinha pensado em me unir às sufragistas de Atlanta, mas não quis fazer nada que pudesse estragar a reputação de John. –Que atitude considerada querida… – Maude a olhou com um amplo sorriso quando subiram à carruagem com a ajuda do Harrison, e esperou que a porta se fechasse antes de acrescentar– John não é tão convencional como você pensa, eu estou convencida de que ele ficaria surpreso ao saber que você duvida em fazer algo por medo ou embaraço. Confie em mim, querida. Não há nenhuma maneira de envergonha-lo… è o que lhe digo, sou sua mãe e lhe conheço. –Suponho que tem razão. –Porque veio Claire? –Eu precisava de uma mudança de ares. –Você não quer falar sobre isso. De acordo, eu não vou pressioná-la, já sabe que pode ficar em minha casa o tempo que quiser. –Você é muito gentil. Eu adoraria chegar a conhecer bem à família de John, Obrigado por me dar a oportunidade de fazê-lo. –E nós adoraremos conhecer sua esposa. Foram dois anos muito longos para mim sem poder ter nenhum tipo de contato com meu filho. Acredito que Clayton sente o mesmo, mas é muito orgulhoso e teimoso para admiti-lo. Sua visita pode ser mais produtiva do que esperamos, peço para que assim seja. –Acha que vou causar problemas com seu marido? Você disse que está frágil…
–Para ele será um prazer ter em casa à mulher de John. Eu estou disposta a fazer qualquer coisa para resolver as diferenças que os separam, garanto que sua presença será para ele como um passo nessa direção. Ele vai recebê-la de braços abertos, espere e verá! Claire se sentiu encorajada ao ouvir aquilo, e deixou de lado suas preocupações. Depois de alguns minutos, Claire subiu junto com Maude os degraus de entrada de uma elegante mansão no estilo colonial. Encontrava-se na esquina de uma das muitas praças que embelezavam aquela pitoresca cidade situada à beira do Atlântico, e como a maioria das mansões da região, tinha um jardim murado que a rodeava por completo. Como as festas natalinas estavam por chegar, na porta principal havia uma alegre guirlanda em tom rosa vitoriano e adornadas com laços azuis e no portão exterior várias grinaldas de azevinho e ramos de abeto. Harrison abriu a porta, e se afastou para o lado para que passassem antes de seguir com as malas. Claire podia ver a argola de bronze com forma de cabeça de leão que havia na porta antes de entrar em vestíbulo. –Está em sua casa – disse Maude ao ver que uma das empregadas permanecia à espera, indicou sorrindo que ela podia retirar-se e foi para a sala de estar– Emily, nem imagina quem está aqui! A jovem saiu no corredor, e seu rosto se iluminou ao vê-la; depois de saudá-la com um afetuoso abraço, as três foram a um salão e Maude ordenou que lhes servissem chá com bolo. –Você pode acreditar nisso? Estava em um hotel! Em um hotel! Assim que fiquei sabendo, fui busca-la para trazê-la para casa. –Ágil bem, mamãe. Como estou feliz em voltar a vê-la Claire! –Eu também estou feliz em ver você duas. –John sabe que você está aqui? –perguntou Maude, depois que se serviu a primeira xícara de chá. –Não. –Aconteceu algo, certo? –Não posso entrar em detalhes – decidiu que seria melhor não mencionar o incidente que tinha acontecido no banco, porque o fazendo só ia conseguir preocupálas– Basta dizer que ele colocou o nosso casamento a beira do abismo, e que tive que partir para pensar com calma. –Não será um divórcio, certo? –perguntou-lhe Emily, com voz de lastima. –É obvio que não, seria incapaz de manchar sua reputação com um segundo escândalo em tão poucos meses. Talvez devêssemos viver separados, mas não vou manchar nem seu bom nome nem o de sua família. –Tem muito bom coração, Claire – disse sua sogra.
–Além disso, talvez chegue à razão algum dia. Pode ser inclusive que sinta falta de minha presença – deu um sorriso carregado de tristeza revelando que era pouco provável essa possibilidade. –Dizem que a ausência afeta o coração – comentou Emily, com um sorriso de encorajamento. –Nesse caso, ainda tenho esperanças. Emily. Eu trouxe o tecido para seu vestido. Pensei em aproveitar minha visita para tirar suas medidas. –Que surpresa tão maravilhosa! –Tem certeza que minha presença aqui não será um incômodo? – perguntou, vacilante. Maude tomou as mãos em um gesto cheio de afeto, e lhe respondeu sorridente: –É mais que bem-vinda querida; se não fosse assim, com certeza que não duvidaria em te falar… de fato, não teria ido te buscar no hotel se não quisesse você aqui. Claire se sentiu aliviada por ouvir aquilo. –Obrigado, espero poder devolver algum dia esta hospitalidade. –Seria maravilhoso – era óbvio que Maude estava pensando em seu filho mais velho. Claire ia poder manter-se ocupada trabalhando no vestido de sua cunhada; por sorte, já tinha acabado e entregue os que lhe tinham encomendado Evelyn e as demais para o baile do governador, assim era uma preocupação menos. Claire não soube nada de seu sogro até depois do jantar, quando a lavaram a seu quarto para apresentar-lhe. O coronel Clayton Hawthorn era um homem alto e magro de cabelo grisalho e porte digno, tinha um bigode e cavanhaque, e estava deitado em uma cama de imaculados lençóis brancos gasto e debilitado. O quarto tinha vista para o oceano, e a enorme janela estava entreaberta para deixar entrar a suave brisa que soprava naquele agradável dia de dezembro. Clayton a olhou em silencio com seus penetrantes olhos escuros, antes de dizer com voz suave a sua esposa: –Não me avisou que tínhamos uma convidada, Maude. –Não quis acordá-lo - respondeu ela, sorridente – Apresento Claire Hawthorn, querido. Ao ver que ele franzia a testa e permanecia calado, Claire se aproximou da cama e lhe explicou com calma: –Estou casada com seu filho John. –Por que veio até aqui? Claire levantou o queixo em um gesto de desafio, e respondeu sem rodeios: –Porque ele não valorizou a sorte que teve ao tomar a sábia decisão de casar-se comigo! Seu sogro soltou uma gargalhada antes de perguntar com olhos brilhantes: –Ah, sim?
–Espero que com minha ausência se dê conta dos erros que cometeu, embora a verdade seja que minha presença aqui se deve também ao vestido de Emily para o baile da primavera que eu vou confeccionar. –É costureira? –Desenhista, querido. Nem mais nem menos do que a Magnólia que se falou com tanto entusiasmo nas páginas da sociedade recentemente. Aquilo foi uma grata surpresa para Claire, que perguntou atônita: –Sério? –Em nossa página social se descreveu o vestido que confeccionou para senhora Evelyn Paine para o baile do governador, o artigo estava cheios de elogios e comentou quão único era o design. Aparecia também uma foto bastante boa de Evelyn usando-o, e acrescentou que o designer começaria a trabalhar em breve para a loja Macy’s de Nova York. Isso é verdade? –É sim – sorriu ante as amostras de entusiasmo de sua família, e esperou que os parabéns diminuíssem antes de acrescentar– Fui contratada para desenhar vestidos de noite para uma coleção de alta costura. Para mim foi como um sonho que meu trabalho lhes parecesse tão bom, é uma honra. –Claro que sim! John sabe? A pergunta de sua sogra apagou de repente seu entusiasmo, e respondeu vacilante: –Não tive oportunidade de lhe dizer. Sentiu-se incômoda falando de John diante de seu sogro sabendo que pai e filho estavam há dois anos sem se falar. Era óbvio que Clayton estava frágil e doente, e ela não queria piorar ainda mais a situação. Decidiu não mencionar nem a briga que tinha ocorrido no banco nem Diane, e se sentou na beirada da cadeira que havia juntado à cama antes de dizer: –John me ajudou quando fiquei sozinha e desamparada depois da morte de meu tio. Nosso casamento não o fez feliz, mas é um bom homem. Sempre está colaborando com causas beneficentes que ajudam aos necessitados, e às vezes concede empréstimos levado por seu bom coração. Clayton contemplou com atenção à esposa de seu filho, e vendo o desespero que se refletia em seus olhos cinzas lhe deu uns suaves tapinhas na mão. –Se casou com você, está claro que tem um pouco de juízo – esboçou um sorriso cheio de melancolia antes de acrescentar–. Sou um homem velho, Claire. Arrependome de algumas das coisas que disse a meu filho quando faleceram meus gêmeos, a dor afeta à mente. John não teve culpa de nada, mas ainda estava zangado com ele por sua teimosia com aquela caça fortunas e porque estava teimando em ter uma carreira militar; enfim, pelo menos ele mudou de opinião sobre o segundo. –É um banqueiro muito bom. –Também era muito bom oficial – disse Maude – Acredito que teria gostado de permanecer no Exército e viajar pelos lugares que lhe destinassem, ainda recebemos cartas que lhe enviam antigos companheiros com os quais serviu em Cuba.
Clayton Hawthorn admitiu que aquilo era certo antes de comentar: –Queria que seguisse meus passos, que ao menos meu filho seguisse a tradição familiar de trabalhar nos bancos. Não deveria ter tratado ele com tanta intransigência, John tem direito de viver sua própria vida como ele achar melhor. –Ele adoraria ouvir você dizer isso – assegurou Claire. –Não é nada fácil admitir os próprios erros. Talvez algum dia cheguemos a um entendimento, mas agora nem sequer se mantém em contato conosco por carta. –Porque você o proibiu querido, como me proibiu de entrar em contato com ele – recordou Maude com firmeza. –Eu estava errado. Além disso, você nunca fazia o que eu te dizia. Maude sorriu ao ouvir aquilo e admitiu: –Não quis ir contra sua vontade porque estava doente, mas não estava de acordo com sua decisão. –Agora já estou um pouco melhor – Clayton respirou fundo antes de acrescentar– O ar do mar me faz bem. Converse com John se assim o desejar, Maude… se quiser, inclusive pode convidá-lo para vir no jantar de Natal. –Que alegria, papai! –exclamou Emily, entusiasmada, antes de lhe abraçar. –Jason também ficara feliz – comentou Maude sorridente– Sente muita falta de John, são muito parecidos. –Jason é um construtor naval, é muito empreendedor – explicou Emily a Claire. –Algum dia você o conhecerá, querida. Não vive em casa, mas nos visita com frequência. Somos muito unidos, tenho certeza que vai querer conhecer sua nova cunhada. –Ele se parece com o John fisicamente? –Não, se parece comigo – respondeu Clayton, com uma gargalhada. –É tão alto como John, mas é mais forte –respondeu Emily– Tem o cabelo loiro, mas os olhos escuros como papai e John. –E também tem o mesmo gênio, é obvio – acrescentou Maude ao ver que seu marido a olhava carrancudo, acrescentou– E às vezes é um resmungão. Seu marido soltou um som de irritação, mas entrelaçou os dedos com os seus quando lhe segurou a mão. Claire desejou que algum dia John e ela chegassem a olhar-se como fazia aquele casal, mas por desgraça, dava a impressão de que isso não aconteceria nunca. Jason era muito diferente de seu irmão; ao contrario de John, que era calado e reservado, ele era extrovertido e simpático. Parecia saber de cor todas as histórias de pesca que havia do Maine até a Florida, e contá-las no salão diante de uma plateia entusiasmada, era muito mais divertido. A julgar por seu sorriso caloroso, Claire gostou dele imediatamente, e o sentimento foi mútuo. Era certo que no aspecto físico se parecia com seu irmão mais velho apesar de que um era loiro e o outro moreno.
–Por que John não veio com você? Já é hora de que nesta família se fechem algumas feridas – disse ele. Foi Maude quem respondeu: –Ele não sabe que Claire está aqui filho. Houve um… mal-entendido. –Tem sua antiga noiva algo a ver com isso? Claire ficou boquiaberta ao ouvir aquela pergunta da boca de seu cunhado. –Como sabe…? –Conheci-a quando estavam noivos –não parecia que Jason ia acrescentar mais nada– Não disse a meu irmão que pensava em vir aqui? –Nesse momento me pareceu desnecessário. –O que foi que aconteceu? Ela contou a ele embora optou por omitir muitos detalhes. –Meu irmão não me mandou nenhum simples postal em dois anos. –Nós tampouco o fizemos – lhe recordou sua mãe com secura–. Seu pai esteve tão doente a princípio, que não me atrevi a ir contra seus desejos, e a estas alturas ainda permanece acamado apesar de que melhorou em alguns aspectos. Limita-se a ficar deitado ali dia e noite, como se estivesse esperando que lhe chegue sua hora. Nem sequer lê, apesar do muito de sempre gostou dos clássicos. –Talvez Claire consiga reanimá-lo – disse Jason. –O certo é que se mostrou mais animado quando a apresentamos. –É a primeira vez em meses que mostra interesse em algo, foi maravilhoso lhe ver sorrir de novo – comentou Emily. –Em minha sala de estar há uma máquina de costura que pode usar quando quiser, Claire – disse Maude – Espero que fique conosco uma temporada, só faltam pouco mais de duas semanas para o Natal. –Sim, é verdade. Estava iludida ante a ideia de celebrar estas festas com John, teria sido nosso primeiro natal juntos – lhe quebrava o coração ao pensar em todos os planos que tinha feito, em seus sonhos frustrados. Ia celebrar o dia de Natal na casa de seus sogros, enquanto que ele… ele certamente iria à casa dos Calverson, Aonde mais? –Pode passar conosco. O dia de Natal teremos convidados, talvez pudessem conseguir com que Clayton volte a mostrar algum interesse pela vida. Leve as coisas dia a dia, querida… e confie que Deus fará que tudo saia tal e como deve ser. –Vou tentar Maude. Com o passar dos dias, Claire foi se encaixando com perfeição no círculo dos Hawthorn. Sentia falta de John, é obvio, e ainda se sentia culpada por tê-lo abandonado justo quando ele tinha problemas no banco, mas as coisas tinham que ser assim. Adotou o costume de levar pequenos lanches a Clayton para manter-se ocupada, e ele começou a ter mais apetite e um rosto melhor; além disso, verificou por que ele tinha deixado de ler.
–É que tenho problemas de visão – confessou ele, envergonhado– Tenho uma espécie de filme sobre os olhos que me impede de ler, distingo às pessoas pela claridade. –Quer que lhe leia em voz alta? O rosto de seu sogro se iluminou ao ouvir aquele oferecimento. –Não se importa em me fazer esse favor? –Claro que não, só tem que me dizer que livro gostaria de ouvir. E assim foram passando os dias. Claire se sentava todas as tardes junto a sua cama e lia novelas como Billy Budd, de Herman Melville, e clássicos como os relatos de Flavio Josefo, Tácito, e Heródoto. A princípio não estava segura de que fosse uma boa ideia manter a janela aberta para que entrasse o salgado ar do mar, mas não demorou em dar-se conta de que o seu sogro parecia se sentir bem e ia melhorando dia a dia. –Sempre se dedicou aos bancos? –perguntou-lhe uma tarde, depois de ler um capítulo de Heródoto sobre os egípcios. –Não, em minha juventude fui marinheiro. Sempre me encantou o mar, e Jason herdou de mim essa febre de ser marinheiro. Às vezes sai a navegar com algum dos navios de sua frota pesqueira – soltou um suspiro pesaroso antes de admitir– eu adoraria poder ir com ele, sinto falta de caminhar pela coberta de um navio. Tive um iate até que me vi obrigado a deixar de usá-lo por culpa de minha doença, sinto muita falta … tanto como sentiria falta se algum dia chegasse a perder Maude , Deus me livre. –Não pode sair pra navegar com Jason? –Não sei, a verdade é que melhorei desde que está aqui. Talvez possa tentar em uns meses, ao chegar à primavera. –John gosta do mar? –perguntou-lhe, com o olhar baixo. –Não o conhece absolutamente, certo? –perguntou-lhe, pesaroso. –Devo admitir que não, jamais falava de temas pessoais com ele. –Que horror. Maude e eu somos bons amigos desde a infância, nos conhecemos desde sempre – se cobriu melhor antes de acrescentar – Sim, John gostava do mar, mas não o suficiente para entrar na Marinha. Quando era menino estava acostumado a sair para navegar comigo, assim sabe dirigir um navio tão bem como Jason. Eu sou o culpado de que não venha para casa, eu o proibi. Está sabendo do que aconteceu aos meus gêmeos? –Sim, não sabe o quanto lamento. –Eu também lamento… e também lamento ter culpado John injustamente. Meus filhos menores ansiavam entrar no Exército, e não consegui que mudassem de opinião por muito que me enfureci e briguei. Não tive outro remedeio que deixá-los ir, e descontei em John a culpa que era minha. –Os desígnios de Deus nem sempre correspondem com o que gostaríamos. Ele precisava ter Robert e Andrew ao seu lado, e por isso os levou. Deve aceitar que não
temos controle algum sobre a vida e a morte, e que esse último é algo inevitável pelo que todos temos que passar. Não se pode culpar a outros seres humanos pelos atos divinos. –Vim entender isso com o tempo, mas naquele momento estava furioso com Deus. Não tive outra escolha que me dar conta de que sua vontade é mais forte que a minha, e agora acredito que já estou em paz com Ele. O que quero é fazer também as pazes com meu filho antes que seja muito tarde… Acredita que ainda está em tempo, Claire? Falou de mim alguma vez? Ela respirou fundo antes de responder: –Só me falou de todos vocês uma única vez, quando me explicou por que não se falavam. Sinto muito. Mas já lhe comentei que por regra geral nunca falávamos de temas pessoais. –Sim, é verdade – fechou os olhos, e demorou uns segundos para voltar a abri-los–. Quão dura é a vida, Claire! Mais difícil inclusive para as pessoas mais velhas como eu, quando deixamos de seguir os passos dos jovens. Lembro-me de quando o convencionalismo era o principal, quando os homens tratavam as mulheres como rainhas e as idolatravam. Agora estão tão carregados de desculpas e de reclamações, que não sabe como as tratar… por não falar de todas essas modernidades como o telefone, a eletricidade e os automóveis… aonde vamos chegar? –O progresso é imparável, e quanto aos automóveis, lhe asseguro que são muitos excitantes. Eu tenho um que pertencia a meu tio, conduzo-o e inclusive me encarrego das reparações. Ele se sentou na cama de repente, e a olhou com olhos que pareciam a ponto de sair em órbitas. – Você se encarrega de repará-lo? Meu Deus! Não sente medo? –Claro que não. –Nunca ouvi nada parecido com isso, mas se é uma mulher! –franziu a testa, e acrescentou arrependido – Você vê? Já começo outra vez. Nunca posso me acostumar com as mudanças, à vida moderna. Lutei na Guerra de Secessão, Claire. Vi homens feitos em pedaços e meninos passando fome, mas também as famílias unidas e a camaradagem de se respirar dentro de uma comunidade sem necessidade de todas estas supostas melhorias modernas. Meu mundo é o dos cavalos e das carruagens, mas os motores e as máquinas estão crescendo em um ritmo alarmante. Não desejo viver em um mundo que me deixou muito para trás, inclusive minhas atitudes estão desatualizadas. Ela lhe deu uns tapinhas na mão antes de dizer sorrindo: –Seu atraso me parece muito bom, você permaneça sendo tal como é e deixe que todas estas pessoas modernas tome o rumo que lhe pareça melhor. Sempre haverá um setor da sociedade que considerará sagrados os velhos costumes e se agarrará a eles. –É um verdadeiro tônico, Claire. A sua luz contribuiu para dispersar as nuvens que escurecem minha vida.
Ela riu. –Fico feliz em ouvir isso, acho que como recompensa mereço que me conte mais sobre meu marido. –Claro que sim, o quer saber? –perguntou ele, sorridente. –Como era quando menino? –Esse tema pode me levar dias e dias – comentou, em tom brincalhão. Claire se reclinou na cadeira antes de responder sorridente: –Nesse caso, será melhor que comece o quanto antes. Claire aprendeu muitas coisas sobre seu marido através de seu sogro, tanto sobre seu gênio como sobre seu bom coração… ela aprendeu, por exemplo, que em sua infância deu todas as moedas que levava no bolso a um menino ao qual uns agressores tinham acabado de retirar o lanche; aparentemente, seu marido ajudava muito aos pobres sem dizer a ninguém, e jamais ignorava um pedido de auxílio embora pudesse correr algum perigo ao emprestar sua ajuda. Também tinha aprendido que sabia nadar apesar de que era uma atividade que detestava, e que tinha sido campeão de tênis no grupo de jogadores da região ao qual pertencia; apesar de ser muito bom cavaleiro, como resultado de sua estadia em Cuba não havia tornado a montar a cavalo, e sabia navegar apesar de que não sentia especial adoração pelo mar. Aprendeu um montão de coisas sobre seu marido que possivelmente não lhe serviriam de nada no futuro, porque ele não tinha nem ideia de onde localizá-la e ela não queria retornar a sua casa por medo de encontrá-lo com Diane; mesmo assim, não podia evitar de sentir falta dele e perguntou-se como estaria. Também estava nervosa sobre os desenhos que tinha feito para o Macy’s, queria saber se tinham chegado sãs e salvos a Nova York. Mandou um telegrama a Kenny, e recebeu imediatamente sua resposta: não tinha havido problema algum, os desenhos já estavam em Nova York e ela ia receber o pagamento em breve através do Western Union. Sentiu um grande alívio ao saber que ia ter dinheiro para poder ganhar a vida por si mesma; acontecesse o que acontecesse, a partir de agora não ia ter que depender de John. Um dia, enquanto dava uma olhada em seu armário, provou um vestido simples de crepe desenhado por ela que tinha levado se precisasse assistir a algum evento social, e teve que ajusta-lo porque tinha ficado estreito na cintura. Maude pegou o vestido e levou-o a uma loja de roupas de Savannah, e dias depois voltou para casa com uma ótima notícia: o vestido tinha chamado tanta atenção a tal ponto que algumas mulheres terem chegado a brigar por ele, e a proprietária da loja queria mais desenhos exclusivos. –Se quiser trabalho, já o achou, Claire – disse, com um sorriso de orelha a orelha. –Talvez eu precise se meus desenhos para o Macy’s não forem vendidos… Notei que esse vestido de crepe ficou estreito pra mim, não tinha dado conta de que tinha ganhado tanto peso. Acho que como mais por causa do nervosismo e da ansiedade.
–Eu não te vejo acima do peso, querida – disse sua sogra, com um caloroso sorriso. Claire levou as mãos ao ventre, que ainda estava plano. Tinha suas suspeitas sobre a possível causa desse aumento de peso tão súbito, mas preferia calar-se. Não tinha contado a ninguém que ultimamente tinha perdido o apetite, nem que tinha despertado várias manhãs com náuseas. Decidiu não pensar nisso até que não tivesse mais remédio.
CAPÍTULO 13
J
ohn sentia que sua vida tinha caído em um poço sem fundo desde que Claire partiu. Sentia falta dela, atormentava-lhe não saber onde ela estava, e se por acaso fosse pouco, também estava preocupado com o
banco. Os rumores de que a instituição tinha problemas não foram silenciadas; no dia seguinte aos distúrbios, Eli Calverson havia aparecido para abrir a porta e partiu com toda pressa com a desculpa de que se sentia indisposto. Era inegável que parecia ruim, que estava magro e parecia tenso e preocupado, mas isso tinha acrescentado ainda mais a inquietação de John. Tinha tomado a decisão de falar com Dawes, o chefe da contabilidade, assim foi vê-lo sem perder tempo. Era um tipo pequeno que ficou muito nervoso ao vê-lo entrar em seu escritório e parecia sentir-se intimidado ante sua presença. –Garanto-lhe que o senhor Calverson sempre está muito consciente de meus livros de contas, senhor Hawthorn, e jamais recebi nenhuma queixa – tinha o rosto muito vermelho, e pigarreou antes de acrescentar com voz atropelada – sugiro que trate com ele em vez de comigo qualquer problema que possa ter. –Vou fazer senhor Dawes, não tenha a menor duvida; mesmo assim, acredito que não preciso dizer que as suspeitas recairão sobre você se vierem auditores e encontrarem alguma irregularidade. Não será o senhor Calverson que terá que enfrentar um juiz e um jurado. –Que absurdo! Como se atreve a me dizer essas coisas? – seus olhos estavam arregalados por trás dos óculos, e esteve a ponto de derrubar o tinteiro que tinha em cima da mesa. John arqueou as sobrancelhas em um gesto que falava por si só, e lhe falou com calma: –Estou decidido a chegar ao fundo desta questão, senhor Dawes. Se eu estivesse em seu lugar iria considerar a colaboração com as autoridades. –A que autoridades se refere? –À agência de detetives Pinkerton. O tipo seguiu até o corredor, orando em voz baixo freneticamente; ao chegar à porta de seu próprio escritório, John voltou a olhá-lo e disse com firmeza: –Se tiver algo para dizer, esta é sua última oportunidade.
Dawes mordeu os lábios até sangrar. Hawthorn lhe intimidava, e era óbvio que estava falando muito sério. Calverson tinha fugido, assim era óbvio que todo mundo jogaria a culpa na contabilidade. –Calverson re… retirou dinheiro várias vezes, e falsificou algumas entradas para justificar as irregularidades. Ele ameaçou-me… ou seja, me ameaçou, e não tive escolha se não cooperar com ele. Tudo isto tem algo a ver com a razão dele querer tanto a fusão do banco com a assinatura de Whitfield, mas não sei nada mais. Não confia em mim o suficiente para me contar qual foi à razão. Durante seu tempo no Exército, John tinha visto homens que tinham sido chantageados. Dava a impressão de que Dawes era um homem que ocultava segredos muito escuros, homens melhores que ele se viram obrigados a cometer crimes diante do medo de que seus trapos sujos saíssem à luz. –Farei o que posso por você quando chegar o momento… se cooperar, claro. Dawes soltou a respiração que tinha estado contendo e se apressou a responder: –Farei o que você me peça, senhor Hawthorn. –De acordo, volte para o trabalho. –Como você queira. Enquanto Dawes se afastava rapidamente, John ficou onde estava com as mãos nos bolsos, carrancudo e pensativo. Aquela manhã não havia visto Calverson depois que abriu as portas as nove em ponto. Decidiu ir verificar se estava em seu escritório, mas só encontrou Henderson, o secretário de Calverson, organizando a correspondência. –Eli veio? –Não, senhor. Retornou para casa depois de abrir a porta, acho que se sentia indisposto. –Sim, isso foi o que me disse. Acho que vou passar por sua casa para ver como está – Ele disse com toda naturalidade, porque não queria levantar suspeitas– Se surgir qualquer assunto urgente, estarei lá. –De acordo. Depois de pegar o chapéu, o casaco e a bengala, saiu à rua e subiu em uma carruagem de aluguel. Durante o trajeto para a palaciana mansão de Eli Calverson não pôde parar de pensar na fusão com a assinatura de Whitfield. Estava claro que Calverson tinha mentido em muitas coisas, e ele estava decidido a descobrir o que estava acontecendo. Em todo caso, sua maior preocupação era o paradeiro de Claire. Parecia que tinha desaparecido da face da Terra, ninguém a tinha visto nem tinha falado com ela desde que partiu de trem. Ele tinha ido ver Evelyn Paine para ver se sabia de algo, mas estava tão preocupada como ele e tampouco tinha ideia de onde estava. Ainda seguia pensando aflito em sua mulher quando chegou à casa dos Calverson. Bateu na porta, e passaram uns segundos até que uma empregada a abriu. –Desejo ver Eli Calverson.
–O senhor Calverson não… recebe visitas, senhor. Quer que peça à senhora Calverson que venha? –Sim, por favor. Esperou no vestíbulo, e pouco depois Diane saiu de uma sala do fundo da casa. Tinha os olhos avermelhados, mas ao lhe ver esboçou um sorriso forçado. –John! Olá, estou tão feliz em vê-lo! – estendeu as mãos para ele antes de acrescentar– Vamos ao salão. Conduziu-o para lá, e fechou a porta de trilho antes de dizer com tristeza: –Menos mal que tenha vindo, não sabe como estou mal. Não sei o que fazer, John – tirou um lenço do bolso, e secou com delicadeza os olhos– Céus, que situação tão complicada! –O que aconteceu? –era a primeira vez que a via tão alterada sem teatralidades. –Eli está… muito doente. O médico acaba de lhe visitar, e lhe pôs… como se chama? Ah, sim, em quarentena – secou os olhos e o nariz, e olhou por cima do lenço de renda com um brilho calculador nos olhos que não conseguiu ocultar totalmente–. Nunca antes tinha estado tão doente, estou convencida de que não vai poder ir trabalhar em toda a semana… –Diane, você sabe se houve alguma atividade incomum no banco? –É obvio que não – ela assegurou com os olhos bem abertos, parecia à viva imagem da inocência – Estou inteirada dos distúrbios, é obvio, já que o vivi em pessoa. Eli ficou muito afetado… por isso adoeceu, pelas infundadas acusações que lançaram esses clientes. É absurdo pensar que houve um desfalque no banco! Você sabe que Eli seria incapaz de fazer algo assim, certo? John se deu conta de que aquela pequena mentirosa estava tramando algo. Ali estava acontecendo algo estranho, e ela estava envolvida até o pescoço; por sorte, não tinha nem ideia das acusações do contador, e ele iria se assegurar de que não soubesse. Fossem quais fossem os acontecimentos que Eli trazia entre mãos, não ia fugir com ela. Não estava disposto a permitir que acabassem jogando a culpa nele. Diane se aproximou um pouco mais, e lhe disse com um sorriso doce: –Eu tenho tantas saudades de você, não precisava ter me casado com ele. Apesar da doçura que queria aparentar, parecia nervosa… e assustada. –Por que não fica um momento comigo? – enquanto falava não deixava de espremer o lenço com as mãos– Me sinto tão só e aflita… além disso, faz muito tempo que não temos oportunidade de conversar a sós. Não sabe quanto preciso falar com você, John. Tempo atrás, a proximidade daquela mulher o teria enlouquecido de desejo, mas a única coisa que despertava nele era irritação. –Claire te abandonou, toda a cidade sabe. Pode se divorciar dela e ficar comigo, faça as pazes com sua família para que lhe entreguem sua herança e viveremos como reis… –E o seu marido? Lembre-se que está doente.
Ela vacilou por um instante. Parecia assustada, e era incapaz de sustentar o olhar. –Agora não posso pensar nele. Ainda me deseja, diga que sim? John, querido, recorda quanto desfrutamos juntos quando estávamos comprometidos – ela roçou o corpo com o seu, parecia desesperada – Devemos nos ver de novo… está bem na casa de minha prima? E quanto antes. Teremos que manter total discrição, é obvio, mas temos que planejar tudo o mais rápido possível, antes que Eli… né… antes que… se recupere por completo. John pensou em quão horrível teria sido estar casado com uma mulher assim, alguém que não tinha nenhum escrúpulo em abandonar o seu marido doente… caso Eli estivesse realmente doente, coisa mais que duvidosa. Diane estava tão desesperada como seu marido para fugir, mas dava a impressão de que preferia não ir pelo mesmo caminho que ele. Ou melhor, se sentia incapaz de viver como uma fugitiva. Os planos sem fundamento que parecia estar conspirando á loira não lhe interessavam o mínimo. Lamentava a situação em que havia se envolvido, porque era inevitável que Eli Calverson acabasse na prisão por desfalque e ela ia perder tudo, mas nesse momento o principal era descobrir a quantidade que Eli tinha roubado do banco e recuperar esse dinheiro. A alma caia aos pés só de pensar em todas as pessoas que tinha confiado suas economias ao banco, pessoas que perderiam tudo se aquilo não fosse resolvido. Seguro que Calverson levava um bom tempo com o desfalque. Era pouco provável que Whitfield estivesse aliado com ele, mas havia duvidas se ele estava informado do que acontecia. Isso era preocupante, sobre tudo se houvesse descoberto e Eli contava resolvê-lo por meio da fusão. –Insisto em falar com Eli, Diane. Poderia fazê-lo através da porta? Ela ruborizou e secou o suor do rosto com o lenço. –Isso não seria… conveniente. O médico disse que ninguém pode lhe ver nem… nem falar com ele. Será melhor que vá embora. –De acordo – escapou de suas mãos antes de dizer– Retornarei quando tiver melhorado um pouco. –Sim, eh… será melhor – mordeu os lábios, e acrescentou como para si mesma – Sim, ao menos por agora. Avisarei quando pudermos nos ver, tentarei que seja o mais rápido possível. Suponho que virá certo? –Claro. Preferiu não rejeitá-la por completo, quando ele percebeu que tinha de ficar de olho até que Eli reaparecesse, mas não tinha nem o mínimo interesse em ter algum tipo de relação com ela. A única mulher que lhe interessava era Claire, e não conseguia entender como era possível que tempos atrás tivesse caído nas redes de Diane. Era inegável que a loira era atraente, mas Claire era muito superior a ela em todos os aspectos… sobre tudo no referente à bondade e ao amor. Como pôde ser tão idiota? Por que não se deu conta de que Diane só se interessava por dinheiro e estava disposta a unir-se a quem fosse contanto que o conseguisse? Ou
melhor, se tornou obcecado por ela porque a tinha perdido, e tinha desejado conseguila pelo simples feito de que era inalcançável. Deixou de lado àqueles pensamentos tão inconsequentes, o principal nesse momento era evitar que Calverson fugisse. Teve vontade de subir às escondidas ao andar de acima para ver se era verdade que ele estava em casa, mas não se atreveu a correr o risco de precipitar a fuga ao ser encurralado. Despediu-se de Diane, e ao sair foi direto a delegacia de polícia. Contou ao inspetor tudo o que sabia, pediu-lhe que tratasse aquele assunto com toda a discrição possível, e lhe sugeriu que alertasse à agência de detetives Pinkerton. –Tivemos sorte, vários membros da agência vão vir à cidade este fim de semana para participar de uma convenção – lhe disse o inspetor – vai poder contar com homens muito capacitados para esclarecer esta ofensa, mas… está seguro do que me contou? –De tudo. Mesmo assim, duvido que o contador se atreva a falar até que se localize o dinheiro e haja uma detenção, porque está muito assustado. –Levaremos em conta. Obrigado por vir nos informar, manteremos em contato… avise-nos se descobrir alguma informação que possa ser util. –É obvio. Saiu da delegacia de polícia carrancudo e preocupado. Não tinha provas de que tinha havido um desfalque, a única prova era a confissão que lhe tinha feito o contador… além disso, o estranho comportamento de Eli, claro. Teria que iniciar uma auditoria das contas para encontrar evidências confiáveis, e certamente Calverson aproveitaria para tentar fugir… e se assim fosse, estava claro que ia acabar carregando a culpa! John passou uma semana infernal tentando tranquilizar os acionistas, vigiando o contador, e Diane estando ansiosa para ver se podia arrancar algo. Passava todos os dias por sua casa com a desculpa de saber sobre a saúde de Eli e tão só ficava uns minutos, mas apesar de que ela ficava encantada ao acreditar que lhe tinha seduzido, em realidade ele estava ansioso para ouvir ou ver algum indício que revelasse que Eli estava em casa. De momento não parecia haver nem rastro dele. Em meio daquele pesadelo estava sempre latente o muito que sentia falta de Claire e a preocupação que sentia de não ter nem ideia de seu paradeiro. Poderia estar em qualquer parte, poderia acontecer algo e ele não chegaria a saber jamais. Sentiu raiva que ela o tivesse abandonado justo quando sua vida estava desmoronando. Sua esposa acreditava que estava apaixonado por Diane, mas se enganou por completo. Estava desesperado por recuperá-la, sentia sua falta com toda sua alma. As coisas começaram há melhorar um pouco no fim de semana. Os detetives da agência Pinkerton chegaram à cidade um dia antes do previsto, e um deles era um velho amigo chamado Matt Davis. Era índio… sioux, literalmente… e estava acostumado a despertar a fascinação ou medo nas pessoas do tipo que jamais tinha
visto um em pessoa. Ele conhecia o passado de Matt, então era divertido ver aquelas reações. Convidou seu amigo para jantar aquela mesma noite, e lhe explicou o que estava acontecendo. –Deixe-me, em cinco minutos terei tirado toda a informação de seu contador – disse seu amigo. –Não me diga que ainda leva aquela faca enorme. Matt sorriu de orelha a orelha antes de admitir: –Não será necessário, aprendi muitos métodos novos nestes últimos dez anos. Se surpreenderia com a facilidade que posso obter informações sem recorrer à violência. –Acredito que isso de não recorrer à violência é o que mais me surpreenderia em você – disse ele, em tom de brincadeira. –Vejo que está com uma aliança de casamento. –Sim, me casei recentemente, mais de dois meses… e minha mulher já me abandonou. –Está de brincadeira, não? –Na verdade não – suspirou pesaroso antes de admitir– Não sei onde está Claire, fiz-lhe muito mal ao me mostrar mais atento com minha antiga noiva. A verdade é que não me comportei bem. Ela se sentiu ferida e partiu, e não dá notícias. Nem sequer sei onde está… ouça, me ocorreu uma ideia: quando acabar de interrogar Dawes, poderia me ajudar a localizá-la. – Ela tem amizades na cidade? –Infinidade delas… incluindo um tipo chamado Kenny Blake, o proprietário de uma loja de roupas da cidade. Tenho a impressão de que Claire passava muito tempo com ele ultimamente – seus olhos se obscureceram ainda mais. Matt deixou sobre a mesa sua taça de xerez, e se limitou a dizer sem inflexão alguma na voz: –Eu vejo. –Não pense que eu não estraguei tudo. Não a tratei bem, assim tinha razões de sobra para me abandonar. –Mas quer recuperá-la, não? John não só ficou surpreso com a pergunta, como não sabia qual era sua própria resposta. –Com todo meu coração. –De acordo, mas o primeiro de tudo. Vim como conferencista, mas irei ver seu contador e já veremos como transcorrem as coisas. Não tem do que se preocupar, eu cuido de tudo. –Quanta modéstia! –Pois sim, obrigado por perceber. Antes de tudo, Matt se encarregou do que lhe parecia mais prioritário: foi comprar um colete na loja de Kenny Blake.
–Posso lhe ajudar em algo, cavalheiro? –Kenny se aproximou daquele recémchegado alto e magro com cautela, porque apesar de vestir roupa cara, não parecia totalmente civilizado. Matt pensou ao vê-lo que Claire tinha muito mau gosto se preferia aquele convencido a John, e como queria intimidá-lo, olhou-o muito sério por um instante antes de dizer: –Trabalho para a agência de detetives Pinkerton, tenho entendido que conhece uma mulher chamada Claire Hawthorn. Kenny empalideceu de repente, e teve que engolir a saliva para desfazer o nó que tinha formado na garganta. –Sim. –Ela desapareceu, e estou procurando pistas sobre seu paradeiro antes que tenhamos que nos expor a um possível crime. Ao ver que ele o olhava como se pensasse que tinha cometido um assassinado, Kenny se apressou a dizer: –Claire está perfeitamente bem, neste momento se encontra em Savannah. –Em Savannah? –Sim, está vivendo com a família Hawthorn. Pediu-me que não dissesse a seu marido, não quer que ele saiba onde ela está. –Mantém uma aventura amorosa com ela? –Claro que não! Como se atreve a lançar semelhante calunia? –Nos últimos tempos viram vocês juntos muito frequentemente. –Sim, mas por assuntos de negócios! Acaba de fechar um acordo com o Macy’s, uma prestigiosa loja de Nova York, para desenhar para eles uma linha exclusiva de vestidos de noite. Seu marido não sabe que tem uma fonte de renda própria. Sua assinatura como desenhista é Magnólia, e já tem muita fama a nível local – ao ver que Matt se limitava a olhá-lo em silêncio, exclamou– Eu juro que é a pura verdade, que só são assuntos de negócios! Olhe! –foi como um raio para seu escritório, sem notar que ele o seguia. Sua secretária levantou a cabeça, sobressaltada, ante aquela chegada tão súbita, e foi incapaz de afastar os olhos do desconhecido que apareceu na porta atrás dele. Era um homem que impactava, embora para seu gosto tinha o nariz um pouco grande. Estava fascinada, porque até esse momento o único índio que tinha visto era o que aparecia nas moedas de cinco centavos. Matt a olhou com frieza ao reconhecer sua expressão, e teve que conter a vontade de sorrir ao ver que engolia a saliva e mexia no cabelo antes de retomar a seu trabalho com pressa. Kenny retornou nesse momento com uma folha de papel que se apressou a lhe mostrar. –Aqui está, não enviei a Nova York um dos desenhos porque quis guardá-lo para ela.
Matt conhecia bastante de roupa exclusiva, e assentiu ao ver as elegantes linhas daquele vestido tão único. –É muito boa. O rosto de Kenny se iluminou por ouvir aquilo. –Certamente que sim. Conheço-a há anos, desde que foi viver com seu tio. É uma moça doce e com um coração de ouro. Seu marido não a merece, é uma vergonha a relação que tem com essa mulher casada. –A que mulher se refere? –À senhora Calverson, a esposa do presidente do banco. John e ela estiveram noivos, e há quem pense que têm uma aventura. Dizem que o senhor Calverson está muito doente, que está acamado e em quarentena, assim suponho que ela não vai poder sair muito de casa durante um tempo. Pena que Claire se foi. –Sim –Matt lhe devolveu o desenho antes de acrescentar– Obrigado por sua cooperação. –Não diga a seu marido onde ela está, por favor – a preocupação de Kenny era sincera– Claire só necessita de um pouco de tempo para decidir o que vai fazer, pode ser que esta separação sirva para que ele aprenda a valorizá-la mais. Ela o ama com todo seu coração, e o fato de que ele a ignore e esteja atraído por essa desavergonhada da senhora Calverson acabou por destruí-la. Matt tinha descoberto mais do que queria, e entendia o que acontecia com o casamento de John além do que lhe tinham contado a respeito. –Não direi a menos que considere necessário. –Obrigado, me conformo com isso. Eu não gosto de romper minha palavra quando me comprometo a guardar uma confidência. –Eu tampouco – a opinião que tinha daquele homem acabava de melhorar muitíssimo. –Posso lhe ajudar em algo mais? –A verdade é que sim, necessito um colete novo – admitiu, sorrindo. Kenny lhe devolveu o sorriso antes de dizer: –Tenho uns de seda que acabam de chegar de Nova York, permita que os mostre. No dia seguinte, Matt se apresentou no banco bem cedo para interrogar o senhor Dawes, e demorou menos de dois minutos para lhe tirar toda a informação que queria e arrastando-o para à delegacia de polícia mais próxima, onde o tipo confessou tudo diante de um taquígrafo. Dawes entregou imediatamente Calverson para salvar sua própria pele, e se enviaram dois agentes à casa do banqueiro. Tinham ordens de prendê-lo mesmo estando muito doente, mas tiveram uma surpresa quando entraram na casa com uma ordem de registro e descobriram que o quarto do suposto doente em quarentena estava vazio. –Mas se o médico disse que estava muito doente para levantar-se da cama! – exclamou Diane com teatralidade – Aonde terá ido?
–Talvez morreu e levaram o cadáver sem que você percebesse – comentou um dos agentes com sarcasmo. Ela o fulminou com o olhar, e exclamou muito indignada: –Não estou protegendo meu marido, eu o asseguro! Ele me pediu que não entrasse aqui para evitar o risco de contágio, e me deu esta carta selada com ordens de entregar à polícia em caso de lhe ocorrer algo – o tirou do bolso, e olhou o agente com seus cândidos olhos azuis e um doce sorriso – Pegue, não sei do que se trata. O agente era um veterano que não se deixava enrolar, mas se limitou a assentir antes de abrir o envelope e tirar a carta que havia dentro. Seus lábios se esticaram até formar uma fina linha enquanto lia as linhas manuscritas, e quando acabou fez um gesto para seu companheiro para lhe indicar que era hora de partir dali. Despediramse da senhora Calverson com cortesia, e se apressaram a retornar para a delegacia de polícia. Naquela carta escrita de seu punho e letra, Eli Calverson acusava John de roubar milhões de dólares do banco; segundo ele, Diane não tinha tido nada a ver com o roubo nem sabia o que acontecia, assim não adiantaria interrogá-la, e ele estava disposto a retornar para casa assim que John estivesse preso. Também afirmava que o contador colaboraria como testemunha. Eli argumentava que John queria roubar sua esposa, e que, em palavras reais Hawthorn sabia que necessitaria de muitíssimo dinheiro para mantê-la, e como não o tinha, decidiu roubá-lo. Alegava que Dawes jamais testemunharia contra John, porque este lhe chantageava que ocultava uma vida secreta que incluía práticas sexuais depravadas, e explicava também que ia se refugiar na casa de um amigo dele que vivia na cidade até que capturassem John; em outras circunstancias, tinha acrescentado em um pós-escrito que temia por sua vida. A polícia considerou que aquela carta era prova suficiente para deter John, já que o secretário de Eli Calverson confirmou que estava assinada pelo diretor do banco e escrita de seu punho e letra. John se sentiu desmoralizado e furioso quando foram algemá-lo no banco. Negou com veemência ter feito o desfalque, mas a história que inventou Eli parecia muito convincente; como se isso fosse pouco, o banqueiro tinha mandado cópias da mesma carta aos jornais através de seu advogado e tinha dado instruções de que abrissem «em caso da prisão de John Hawthorn», assim na manhã seguinte apareceu na primeira página de todos os jornais de Atlanta a notícia de que o jovem vicepresidente do Peachtree City Bank estava preso por desfalque. John estava em sua cela como uma fera enjaulada, cheio de fúria e de impotência. Tinha perdido a sua esposa e era o principal suspeito no desfalque do banco, não havia dúvida de que estava em uma situação crítica. Tal como tinha prometido, Eli Calverson se apresentou em sua casa imediatamente; ao que parecia, recuperou-se por completo de sua suposta enfermidade assim que ficou sabendo da prisão de John. Convocou vários repórteres, e enquanto Diane os
conquistava com seus doces sorrisos ele lhes contava a triste historia do muito que tinha sofrido por culpa daquele vice-presidente violento e sem escrúpulos que não tinha duvidado em cometer semelhante desfalque. Todos acreditaram exceto um muito inteligente que lhe perguntou em voz alta e firme onde estava Dawes, o contador. –Ele também optou por esconder-se, mas tal como eu disse à polícia, sei onde está e retornará no seu devido momento para testemunhar. –Não é verdade que o acusaram por desfalque alguns anos atrás? –insistiu o repórter. Eli oscilou um pouco fingindo que estava tonto, e disse com voz um pouco trêmula: –Sinto-me muito fraco, acho que vou ter que me retirar. Estive muito doente, e ainda não me recuperei de tudo. Graças a todos por ter vindo, estou seguro de que saberão tratar de forma devida esta história. Devemos proteger aos investidores de enganadores como John Hawthorn… e pensar que era meu protegido e lhe considerava um bom amigo! Os repórteres acreditaram naquela atuação tão convincente, e olharam com desaprovação ao companheiro que tinha feito chorar a pobre e adorável senhora Calverson com suas desconsideradas perguntas. Quando todos eles partiram, Eli olhou sua esposa com olhos de aço e disse com voz fria e ameaçadora: –Você fez muito bem, querida. Se continuar fazendo o que eu te digo, sairemos bem desta. –Não quero fugir… Ele a agarrou com força o braço, e o retorceu até que a fez gritar de dor. –Mas vais fazer porque você é tão culpa quanto eu. Era você que sempre esteve pedindo mais joias e mais roupas, assim agora vai ter que me obedecer. Está claro? –Sim, é obvio – se apressou a responder ela, trêmula e muito pálida - Estou disposta a fazer o que me diga! Ele bufou cheio de desdém, mas acabou por soltá-la. Sua esposa ia ter que lhe obedecer se não quisesse enfrentar às consequências. Sua única preocupação nesse momento era planejar a fuga, tinha que agir enquanto a atenção estava voltada para John Hawthorn. Sua vingança contra o homem que tinha tentado fazer dele um corno era mais doce… e se por acaso fosse pouco, tinha o dinheiro que tinha conseguido falsificar. Só tinha que ir a Charleston e tomar um navio rumo às Índias Ocidentais, onde poderia viver como um rei. Até então ia usar a sua esposa como cortina de fumaça, mas depois… enfim, um milionário podia conseguir qualquer mulher, e estava cansado da frieza de Diane. A abandonaria e buscaria outra que fosse bela e de bom coração. Que voltasse com Hawthorn se quisesse, a aquele idiota estaria bem empregado vivendo com uma mulher assim!
John estava sentado em sua fria e solitária cela, perguntando-se se Claire pensava nele alguma vez. Claro que pensa que ainda está apaixonado por Diane… que ideia tão absurda, sobre tudo tendo em conta que a loira devia estar junto com seu marido. Que pena, pensou com amargura, que a obsessão que tinha sentido o tivesse cegado a tal ponto que não sabia ver os verdadeiros motivos que tinham levado Eli a contratálo. Seguro que aquele tipo levava anos planejando aquilo, que tinha estado roubando pequenas quantias do banco enquanto Dawes se encarregava de falsificar as contas. Mas no final era ele que estava preso, e tendo em conta o desaparecimento de Dawes e os contínuos ataques de Calverson na imprensa, era mais que provável que acabassem declarando-o culpado… se não lhe linchassem antes, claro. Seu futuro estava por um fio, e nem um só amigo tinha ido lhe dar uma mão; de fato, seguro que nem sequer sua esposa (caso ficasse sabendo, em qualquer lugar que estivesse, pelo que estava passando), estaria disposta a vir em sua ajuda. Era inevitável que os jornais de Savannah publicassem a notícia de que um jovem banqueiro tinha sido detido por desfalco em Atlanta; mesmo assim, Claire não ficou sabendo pela imprensa do que acontecia, a não ser graças a um telegrama que lhe enviou Kenny Blak. ”Retorne imediatamente, seu marido foi detido por fraude e está em grave perigo. Kenny”. O impacto foi tão forte, que caiu para trás na cadeira como se acabassem de ser golpeada. –Meu Deus! Maude e Emily se apressaram em aproximar-se dela, e foi a primeira que leu o telegrama sem hesitação exclamou: –Claro que publicaram nos jornais! –saiu como pressa rumo à porta principal, e retornou pouco depois com o jornal, segurando com força entre suas mãos trêmulas–. Sim, aqui está… meu Deus, Claire, dizem que roubou milhões de dólares e que se fala de um possível linchamento! –Tudo isto é absurdo, John é o homem mais honrado que conheço. Seria incapaz de roubar o dinheiro de seus investidores. Sua sogra a olhou com olhos transbordantes de carinho e gratidão por ouvir suas palavras. –Sim, já sei, e não sabe quanto me alegra que você também esteja convencida de sua inocência. O que vamos fazer? Não sei se conto a Clayton o que está acontecendo, o impacto de tal noticia poderia matá-lo. –Eu acho que deve contar-lhe, que isto seja o desafio que necessita para voltar a ficar em pé. –É um risco enorme – disse Maude, vacilante. –Sim, mas a recompensa valerá a pena se funcionar. E se ser errado, o resultado seria uma tragédia… Maude não conseguia decidir-se, mas engoliu suas dúvidas e a olhou durante um longo momento antes de dizer: –De acordo, mas temos que contar-lhe com cuidado.
E assim o fizeram… embora fosse difícil suavizar uma notícia assim. Mostraramlhe o jornal, embora ele mal pudesse ler o título por seu problema de visão. –Maldito seja! Isto é um ultraje! –Clayton se desculpou por sua linguagem, e olhou para sua esposa enquanto sacudia o jornal no ar– Quando pegar o canalha que fez isso e jogou a culpa em meu filho, eu vou quebrar-lhe a cabeça com minha bengala! –John está preso, querido. O que quer que façamos? –Eu me encarregarei de fazer o que deve ser feito – resmungou, enquanto se levantava devagar da cama – Irei pessoalmente para me assegurar de que demonstre sua inocência! Maude, peça imediatamente a carruagem para que me leve ao centro. Quero parar no escritório de nosso advogado para lhe pedir que me acompanhe no primeiro trem que saia com destino a Atlanta. –Está bastante forte para aguentar uma viagem tão longa, Clayton? – perguntoulhe, vacilante. –O que você acha? –Que sim. De acordo, querido farei como você pede. Claire insistiu em ir também… igual à Maude, que não estava disposta a ficar em casa enquanto seu marido fazia uma viagem tão longa. Emily também queria ir, mas ao final resignou-se a ficar ali sob os cuidados de Jason. Harland Dennison, o advogado da família, concordou em lhes acompanhar, assim compraram os bilhetes de trem e empreenderam a viagem com um mínimo de roupas e de artigos de primeira necessidade. Assim que chegaram a Atlanta foram à delegacia de polícia onde John estava preso sem parar sequer para registrar-se em um hotel. Diante do edifício havia um pequeno grupo de manifestantes com cartazes contra John, e Clayton lhes fulminou com o olhar antes de ir abrindo caminho entre Maude e Claire. –Traga-nos esse ladrão, Stanton, e nos encarregaremos de linchá-lo! –gritou um homem enfurecido. Clayton e Maude já estavam entrando na delegacia de polícia, mas Claire se deteve de repente ao ouvir aquilo e se voltou para a multidão. Olhou indignada o homem que acabava de lançar aquela ameaça e lhe falou com firmeza. –Qualquer um que conheça meu marido sabe que seria incapaz de roubar nem um só centavo, mesmo que estivesse passando fome! Por que não fugiu se fosse culpado? Ouviu um murmúrio geral. Estava claro que ninguém tinha pensado nisso. –Por acaso acreditam que um homem que roubou tanto dinheiro ficaria aqui? Acreditam que um homem inocente ficaria na cidade à espera que fossem linchá-lo? Foi o senhor Calverson quem acusou o meu marido, mas se ele fosse tão inocente como diz, por que segue escondido em sua casa? Segundo os jornais, nem sequer sai para ir trabalhar em seu próprio banco. Limita-se a lançar essas acusações desprezíveis de seu refúgio! Lhes parece que essa é a atitude de um homem valente? Onde estava ele quando começou o pânico entre os clientes do banco? Foi meu marido quem saiu para defender a reputação do lugar onde trabalha! Acaso o senhor
Calverson arriscou seu próprio pescoço? Não, não o fez! Meu marido foi o único que se atreveu a enfrentar à multidão, acreditam que tal coragem é própria de um ladrão? O murmúrio de vozes aumentou. Claire levantou o queixo e olhou-os com olhos brilhantes ao acrescentar: –Meu marido foi acusado falsamente. Se tiverem paciência em poucos dias, poderei demonstrar a todos vocês. Houve um grande silêncio que só se rompeu com alguns murmúrios, e ao final foi o homem que tinha falado antes o que tomou a palavra de novo. –Suponho que não vamos perder mais dinheiro por esperar um pouco – resmungou, carrancudo. –A verdade é que é estranho que não fugiu se tivesse sido ele; além disso, a senhora tem razão ao dizer que teve a valentia de enfrentar aquela multidão – falou o outro. –Neste país se considera que um homem é inocente até que se prove o contrário – acrescentou Claire– Meu marido será exonerado, e lhes prometo que recuperará até o último centavo do dinheiro que roubaram. Houve outra pausa, e mais murmúrios; depois de um longo momento, um homem deu um passo à frente e se limitou a dizer: –De acordo, veremos o que acontece. Devia ser o líder do grupo, porque quando soltou o cartaz que levava e indicou a outros que lhe seguissem, todos obedeceram. Claire permaneceu onde estava durante uns segundos enquanto via como se afastavam, e entrou no edifício justo quando John estava cruzando a porta que conduzia à ária das celas. Ele parou ao ver que estavam ali tanto seus pais como ela; ficou tão impactado, que pareceu ficar sem fala. –Olá, filho – disse Clayton com toda naturalidade, como se só levassem um dia sem se ver. Aproximou-se dele sem vacilar, e estendeu o braço para aperta a sua mão– trouxe Dennison comigo, ele vai se encarregar de te tirar daqui. Vamos pagar a fiança, e depois poremos mãos à obra para demonstrar sua inocência seja como for. John teve que fazer um esforço para tirar o olhar de sua esposa, e os pousou no pai que ele não via há dois anos. Estava mais magro e parecia bastante frágil, mas em seus olhos se refletia a mesma determinação de ferro de sempre. –Está seguro de que sou inocente? – Ele perguntou, com um sorriso. –Não diga tolices. Por mais que eu tenha me comportado como um idiota, ainda é meu filho e não tenho dúvida de que é inocente. John aceitou a oferta de paz, e lhe apertou a mão com carinho e respeito. –Fico feliz em voltar a vê-lo – Ele disse com formalidade, mas em sua voz refletia uma emoção sincera. –Eu digo o mesmo – respondeu seu pai, com um pequeno sorriso. Maude não pôde continuar contendo-se, e exclamou exasperada: –Que absurdos são os homens! Da onde vem tanta formalidade? –passou junto a seu marido, e deu um forte abraço em seu filho– Se colocou em uma confusão
enorme, meu querido, mas não se preocupe tiraremos você desta, mesmo que tenhamos de subornar um juiz ou lhe ameaçar com uma pistola. –Mamãe! –John se colocou a rir enquanto seguia abraçando-a com força. –Agora que penso, um pretendente que tive quando ia ao colégio é juiz. O problema é que exerce na Florida, assim duvido que possa nos ajudar. –A verdade será ajuda suficiente – lhe assegurou seu marido– E pare de se vangloriar com seus antigos pretendentes diante de mim, sem vergonha! Enquanto sua mãe ria como uma colegial, John fixou o olhar em Claire. O coração acelerou só vendo-a, e se deu conta do quanto tinha sentido falta dela. Contemplou-a com olhos brilhando de emoção, superando a maior felicidade que tinha sentido em toda sua vida, mas sua alegria se desfez imediatamente ao ver que ela erguia o queixo e olhava para ele com claro ressentimento; a julgar por aquela atitude beligerante, estava claro que ainda guardava rancor por tudo o que tinha passado. Deu-se conta de que teria que fazer com ela deixasse para trás esses ressentimentos, e que isso ia levar seu tempo, mas estava disposto a fazer o que fosse para recuperá-la e tinha muito tempo pela frente… caso não o linchassem, claro. –O que faz com meus pais? –Esteve vivendo em nossa casa – admitiu Clayton. –Achei que jamais te ocorreria me buscar lá. –E acertou em cheio, não tinha nem ideia de onde estava! – exclamou, carrancudo. –Como me recordo, estava ocupado com a senhora Calverson pouco antes de eu partir, assim pensei que não sentiria minha falta – respondeu ela, com voz fria. Maude se interpôs entre os dois, e recordou com voz suave: –Este não é o lugar adequado para essa conversa. John cedeu à contra gosto, embora seguisse zangado pelo comentário de Claire. –Tem razão, mamãe. Obrigado a todos por vir. –As famílias devem permanecer unidas nos momentos difíceis – disse ela. Dennison se aproximou deles nesse momento e comentou com calma: –Já paguei a fiança. Está livre no momento, John. Venha, vamos. Saíram à rua e tiveram que se apertar um pouco ao entrar na carruagem que estava esperando, mas se arrumaram para caber todos. Enquanto se dirigiam para o maior hotel da cidade, Claire olhou seu marido e perguntou: –Continua vivendo no apartamento? Chester está bem? –A resposta é afirmativa nos dois casos. A senhora Dobbs não me jogou para fora apesar de que tenho à opinião pública contra mim, é uma mulher para se orgulhar. –Nos hospedaremos aqui – disse Clayton, quando o veículo parou em frente ao hotel – Vá com o John e tome um banho, Claire. Venha jantar essa noite conosco. Claire se sentiu incômoda diante aquela situação, e disse vacilante: –Não acredito que… John se apressou a intervir antes que pudesse inventar uma desculpa para não ir com ele.
–Sim, será o melhor. Claire e eu temos que conversar longamente. –Ah, sim? –perguntou ela com frieza. Maude e Clayton desceram da carruagem, e John se reclinou no assento com o olhar sobre sua mulher quando o veículo se dirigia à casa da senhora Dobbs. Ela estava muito elegante embelezada com um vestido escuro e o cabelo preso com um coque impecável, e apesar da distante que se mantinha e do fato de que tinha aceitado lhe acompanhar a contra gosto, era maravilhoso voltar a tê-la a seu lado. Quanto tempo tinha perdido por ser tão estúpido! Claire tinha vindo em sua ajuda e lhe apoiava naquele momento tão crítico, mas estava convencido de que Diane em seu lugar lhe teria abandonado. –Obrigado por retornar e por trazer meus pais, estou em dívida com você. Já tinha algum tempo que não falava com eles. –Sim, eu sei. –Meu pai falou o por quê? Ao ver que insistia em falar, ela se voltou e respondeu com calma: –Me contou tudo, como você. Ele mesmo te dirá o quanto lamenta ter culpado você por algo que não foi mais que a vontade divina. Reconciliou-se com Deus, e agora deseja fazer o mesmo com você. Esteve muito doente, mas foi melhorando nos últimos tempos. –Claro graças a você – comentou, sorrindo, com toda sinceridade – Tem um grande coração, Claire. Teria que ser de pedra para não amá-la, carinho. –Agradeço-lhe por isso – ela disse com formalidade e olhou através da janela das casas, que já tinham as luzes acesas. –Pedi a um dos detetives da agência Pinkerton que descobrisse seu paradeiro. –Por quê? –Porque estava preocupado com você, é obvio. Não tinha nenhuma ideia de onde estava, nem sequer sabia se estava passando bem –afastou o olhar antes de admitir com rigidez– Além disso, sentia falta de você. –Suponho que Kenny te diria onde eu estava se tivesse lhe perguntado, embora eu tenha pedido que não o fizesse. –Acha que iria perguntar pelo paradeiro de minha esposa a esse mequetrefe afetado? –seus olhos brilharam enquanto lutava para controlar a raiva que sentia. –Pode ser ruim, mas é meu amigo; acho que foi muito melhor amigo que você! –Ah, sim? Claire não o surpreendeu voltando a ostentar sua arrogância, mas o que tinha surpreendido era que estava ciumento. Dizia-se que aquilo era impossível, que a mera ideia era um absurdo, e suspirou cansado antes de dizer sem inflexão alguma na voz: –Não há necessidade que finja sentir algo por mim. Eu me tornei uma simples questão de lealdade, porque não podia te deixar só em um momento tão difícil. Não tinha nem ideia de que lhe acusariam de cometer um desfalque em seu próprio banco,
é um disparate. Me vi obrigada a retornar para te defender, é minha obrigação como sua esposa. Aquelas palavras foram como uma punhalada no seu coração. Doeu saber que ela havia retornado por obrigação, tinha a esperança de que tivesse sido por amor. –Entendo. Claire se sentiu aliviada ao ver que tinha conseguido convencê-lo com aquele monte de mentiras. Estava convencida de que ele continuava apaixonado por Diane, e não queria que soubesse como o amava. –Seus pais tiveram a gentileza de me acolher, e de me fazer sentir em casa enquanto decidia o que ia fazer. Não se preocupe por mim, agora sim posso seguir adiante por minha conta. –Com a ajuda de seu amiguinho Kenny? –perguntou ele, com voz gélida. –Pois… em certa parte, sim – Levantou o queixo antes de confessar– Kenny me apresentou a um homem de Nova York que estava interessado nos vestidos de noite que desenho. Vou ter minha própria fonte de renda, e assim o meu bem-estar já não é de sua responsabilidade. A partir de agora pode dar toda sua atenção a Diane. Ele a olhou sem entender nenhuma palavra. Queria lhe fazer acreditar que um misterioso nova-iorquino estava interessado nos desenhos de uma desconhecida da Georgia? E por certo, a que vestidos de noite se referia? Jamais a tinha visto confeccionar nada parecido em sua máquina de costura… embora estivesse consciente de que sabia costurar, igual à maioria das mulheres; mesmo assim, as mulheres que pertenciam à classe social de Claire não estavam acostumadas a confeccionar suas próprias roupas, porque era muito mais cômodo comprar os vestidos feitos. Em todo caso, não acreditou naquela mentira tão elaborada e absurda. Era óbvio que tinha inventado para proteger seu próprio orgulho e o convencer a renunciá-la. –Diane está casada, Claire. –Não acredito que seu casamento dure muito mais se confirmar que seu marido roubou o dinheiro, acredito que estaria disposta a segui-lo até os limites da Terra, independente de que seja inocente ou culpado? Por mais dinheiro que tenha roubado Calverson, ela jamais se conformaria em viver fugindo da lei, porque o que lhe importa acima de tudo é posar de grande dama e mostrar seu sobrenome importante. John ficou surpreso com sua a visão, a facilidade com a que ela tinha visto algo que ele acabava de descobrir a duras maneiras. –Eli me acusou que ter roubado o dinheiro, e assegurou que Dawes era meu cúmplice. –Seguro que o senhor Dawes deixará clara sua inocência, e… –Dawes desapareceu. Estava em liberdade sob fiança, e dizem que partiu da cidade. Ninguém sabe onde ele está, embora Calverson assegurou que retornará a tempo de testemunhar contra mim. –Falou isso com um detetive…
–Sim, a polícia contatou com a agência Pinkerton por minha sugestão, e aconteceu que um velho amigo meu do Exército que trabalha para eles ia vir à cidade para participar de uma convenção. É o melhor investigador que conheço, conseguiu que Dawes confessasse ante a polícia e estava reunindo provas contra Calverson quando me prenderam; na verdade, ontem à noite foi me visitar na cadeia. –Não vive em Atlanta? –Não, em Chicago, mas vai colaborar com os detetives daqui. Chama-se Matt Davis. Claro que você vai gostar dele, é um tipo bastante incomum. –Em que sentido? –Espere e verá. A senhora Dobbs saiu para recebê-los assim que a carruagem parou na frente de sua casa, e desceu com pressa os degraus da entrada. –Estou feliz em ter os dois de volta! Estou convencida de sua inocência, senhor Hawthorn, e assim o tenho falado com todo mundo. Conhece um tal Davis? Espero que sim, porque está lhe esperando na sala de estar – se inclinou para frente antes de acrescentar em voz mais baixa– Se parece com o homem que sai nas moedas de cinco centavos, acredito que é um índio! –O que é… sioux, especificamente. –Sério? –perguntou Claire, espantada. –Sim, vem conhecê-lo. –Senhor Hawthorn, esse seu amigo não vai a…? Quer dizer, está seguro de que não…? Ao ver quão confusa estava à senhoria, John sorriu e lhe disse em tom de brincadeira: –Lembre-se da irmandade universal, senhora Dobbs, de perdoar e esquecer. Agora todos somos amigos. –Eh… sim, é obvio que sim! –a mulher enrolou a saia para subir os degraus antes de acrescentar– Só espero que ele esteja informado disso. Matt sorriu ao lhe ver entrar na sala de estar, e se aproximou para apertar a mão de John. –Alegra-me voltar a vê-lo em liberdade. –E me alegra estar fora. Matt procurou não refletir expressão alguma quando olhou para Claire e comentou: –A elusiva senhora Hawthorn, suponho. –Sim. Como está você, senhor Davis? –Claire tentou ocultar a curiosidade que sentia. Davis era um homem de pele muito escura e cabelo negro, liso e comprido, vestia um traje caro, e usava o cabelo preso em um rabo de cavalo. –Muito bem, obrigado – a contemplou por alguns segundos mais, e decidiu que não era necessário dizer a John que Kenny Blake tinha revelado seu paradeiro. O importante era que ela já tinha retornado. Voltou-se para ele, e comentou– Ouvi na delegacia de polícia que seu pai pagou sua fiança, e vim dizer que dei uma olhada nos
arquivos da agência para ver se encontrava algum dado suspeito sobre o passado de Calverson. De momento averiguei uma única coisa que poderia nos ser útil, e foi graças ao repórter que escreveu o único artigo que questionava tais acusações; ao que parece, esteve sob suspeita em Maryland por um suposto desfalque a um banco de lá. Eventualmente as acusações foram removidas por falta de provas, mas um jovem empregado do banco foi declarado culpado do roubo e passou um tempo na prisão até que se provou sua inocência. Foi justo antes de Calverson abrisse o Peachtree City Bank aqui. –Ele definitivamente tem experiência na hora de culpar os outros por seus crimes – resmungou John. –Haverá quem pensa que foi acusado injustamente, mas me parece que é uma técnica muito eficaz. A sua poderia ter dado certo aqui também se não conseguirmos pegá-lo com o dinheiro. –Há alguém vigiando sua casa? –perguntou Claire de repente. –Desculpe? –Duvido que pense ficar na cidade se for culpado, seguro que sabe que a acusação contra John acabará por desmontar-se. Ou tem o dinheiro com ele, ou o guardou em algum lugar, por isso não ficaria surpresa se tentasse fugir no meio da noite. Já conseguiu que as suspeitas recaiam sobre John, assim é provável que pense que é o momento perfeito para fugir; ao fim do dia, todo mundo sabe que está em casa, teve dois encontros com jornalistas lá. –Tem parentes em Charleston que estariam dispostos a lhe dar cobertura, a lhe ajudar a zarpar rumo a algum porto distante –falou John – Acredito que Claire tem razão, que o mais provável é que tente fugir. Terei que vigiar sua casa. –Eu adoraria encarregar a tarefa a algum de meus homens, mas esta é uma comunidade pequena onde todo mundo se conhece. Os vizinhos notariam a presença de um desconhecido, por mais cuidadoso que fosse. Também posso mandar alguém para a estação ferroviária, mas seria impossível mantê-lo lá por tempo indeterminado. –Deixe-o em minhas mãos, senhor Davis –disse Claire, sorrindo– Me ocorreu uma forma de vigiar a casa do senhor Calverson sem que ele se dê conta. –O que pensa fazer? –perguntou John. –Espere e verá.
CAPÍTULO 14
C
laire tinha decidido ir ver todas suas conhecidas da alta sociedade de Atlanta para lhes pedir sua colaboração; por sorte, era um dos dias em que Evelyn e seu círculo de amizades recebiam visitas em casa, e foi ela a primeira que visitou. Teve a sorte de encontrá-la sozinha, assim pôde lhe explicar a situação sem disfarces. A seu amiga adorou a ideia de se tornar uma espiã. –Que emocionante Claire! Custa-me acreditar que irei colaborar com a agência Pinkerton! –Lembre-se que não pode contar a ninguém! –Jamais trairia sua confiança. Tem ideia de onde Calverson está? De onde possa está o dinheiro? –Na verdade não… mas John disse que são milhões de dólares, assim devem ser um volume grande, não? –Talvez tenha guardado em um baú. –Seria muito fácil, não? Bastaria abri-lo. –Claro, mas talvez esteja com sua esposa. Claire não pensou nessa possibilidade; segundo John, Diane afirmava não ter nada há ver com os planos de Calverson, mas era mais que possível que estivesse ajudando a esconder o dinheiro do roubo. O fato de não fugir com ele não significava que não estivesse disposta a ajudar em troca de uma parte do total. –Me parece que acertou em cheio, Evelyn… enquanto todo mundo está vigiando Calverson para não fugir, na realidade é ela que tem o dinheiro! –Que grande astuta! Também me parece mais provável, mas não sei como vamos fazer para ter acesso aos baús de Diane. –Acredito que vamos precisar de ajuda para isso – suspirou com resignação ao perceber que o melhor candidato para essa tarefa era John, certamente por que a loira confiava nele. O que não tinha certeza era se seu marido estaria disposto a trair o amor de sua vida. Lamentava a grande decepção que seu marido iria sentir se fosse comprovado que Diane tinha o dinheiro em seu poder, mas a única alternativa que tinham em vez ficar de braços cruzados e permitir que os Calverson fugissem, que ficassem com o dinheiro do roubo enquanto John iria para a cadeia por um crime que não tinha cometido. Ela ficou arrepiada só de pensar nisso, e decidiu que teria que falar com seu marido o quanto antes… mesmo assim, quando retornou ao apartamento se sentiu incapaz de
falar com ele, e enquanto se vestia para o jantar não deixou de dar voltas ao que ia dizer a ele. Teve que soltar um pouco mais o cinto ao ver que tinha ficado apertado, e percebeu ruborizada que havia outro assunto que ainda tinha que falar com ele. Por enquanto, não era mais que uma hipótese, mas a lógica indicava que estava grávida de seu marido, e não sabia como ele ia reagir ao ficar sabendo. Talvez estivesse tão apaixonado por Diane que não lhe importasse mais nada, mas também existia a possibilidade de que se sentisse obrigado a renunciar à loira ao saber que ia ser pai. Não tinha nem ideia, e na verdade, nem sequer estava segura de querer saber a resposta. Quando John saiu de seu próprio quarto, impecável e solene, percorreu-a com o olhar e se deu conta de que apesar de estar séria tinha um aspecto radiante. Tinha sentido falta dela com toda sua alma. –Obrigado, Claire. –Por quê? –Por fazer possível eu voltar a falar com meus pais, entre outras coisas. Estava convencido de que não voltaria a ver meu pai em toda minha vida. –Às vezes rodeamos um caminho errado por puro hábito. Seus pais são grandes pessoas e me fizeram sentir como se estivesse em casa, igual à Emily e Jason. Ele se aproximou e lhe segurou as mãos antes de comentar, sorrindo: –Passei noites acordado, me perguntando se estava segura, e você estava com minha família. Não tinha nem ideia que soubesse onde viviam meus pais. –Você mesmo me contou que viviam em Savannah, mas eles mantêm uma boa amizade com Evelyn Paine, e foi ela que nos apresentou. –Eu vejo. Não há dúvida de que é uma mulher surpreendente. Ela o olhou em silêncio, e ao ver as novas rugas que surgiram em seu rosto disse com voz suave: –Lamento ter partido em um momento tão ruim para você. Jamais me passou pela cabeça que pudessem te acusar de um delito tão grave, é o homem mais honesto que conheci em minha vida. Ele sorriu ao ouvir aquilo, e não duvidou em lhe devolver o elogio. –E você é a mulher mais honesta que conheci. –Quanto às acusações que pesam sobre você, demonstraremos que são falsas. –Sim, já ouvi como gritava à multidão que estava diante da delegacia de polícia – a olhou com olhos faiscantes, e admitiu sorrindo– Não sabe o orgulhoso que senti de você… igual a quando atravessou as chamas montada em Chester para me salvar. Meu Deus, Claire, não quero nem pensar no risco enorme que correu. Se tivesse me dado conta do que pretendia fazer, jamais teria permitido isso. Ela sentiu que o coração acelerava no peito ao lhe ver mostrar tanta preocupação. Seu marido a tratava de forma muito diferente desde sua volta, como se a admirasse mais que nunca, mas ela não se atrevia a se deixar iludir. Não tinha se esquecido de como se mostrou frio no dia do casamento, nem a indiferença que tinha mostrado por
ela durante as primeiras semanas de casados… e ainda estava gravado na memória o beijo que tinha presenciado em sua própria cozinha. Soltou-se de suas mãos com delicadeza antes de perguntar: –Diane foi ver você na prisão? Duvido que ela pudesse fazê-lo, tendo em conta as acusações que seu marido jogou contra você nos jornais. Ele pareceu se entristecer ao ouvir mencionar à loira, e encolheu os ombros com rigidez antes de responder. –Diane jamais se deixaria ver comigo em semelhantes circunstâncias – era a pura verdade. Diane não teria ido vê-lo na prisão nem mesmo estando solteiro, nem o teria defendido de uma multidão enfurecida… diferente de Claire, que tinha mostrado uma valentia incrível – Temos que olhar para frente. Ela faz parte do passado, Claire. Você é o futuro. Ansiava por acreditar nele, mas tinha sofrido muito por culpa de seu marido e preferia ser precavida. –Não é o momento de falar do futuro, John. Temos de nos concentrar em provar a culpa do Sr. Calverson. –Tem razão. Ela afastou o olhar antes de dizer. –Estou convencida de que Diane está a par de seus planos, pena que não confie em nós. John a contemplou em silêncio, e se deu conta de que ela estava pedindo sua colaboração sem articular com palavras. Era óbvio que continuava sem confiar nele, mas estava decidido a encontrar a forma de lhe fazer ver que Diane já não lhe importava mais… começou a dar voltas ao assunto, para saber qual seria o melhor plano de ação. John passou grande parte dos dois dias seguintes no banco, tentando acalmar os investidores e tranquilizando os empregados, e as noites passava junto com Claire e seus pais no hotel onde estes se hospedaram. Deu a impressão de que sua presença contribuía para tranquilizar um pouco os clientes do banco; Eli Calverson, por sua parte, fez de sua esposa a encarregada de abrir o banco todas as manhãs para mostrar que não estava disposto a confiar à chave a ele, e embora ele fosse visto nas imediações de sua casa, não se aproximou do banco em nenhum momento. Diane aproveitou para tentar flertar com John, mas ficou desconcertada ao ver que ele se limitava a ignorar por completo seus comentários sugestivos. Matt Davis tinha se juntado com outro detetive da agência Pinkerton para conferir as entradas nos livros de contabilidade do banco com a assinatura de Calverson e com uma amostra da letra de John, e puderam comprovar com facilidade que tinha sido o primeiro quem tinha feito entradas fraudulentas; tal e como Matt comentou a John, a aplicação do método científico na resolução de fraudes resultava muito útil.
–Graças a Deus que tudo isto aconteceu quando você estava na cidade, Matt – comentou John, sorrindo– Teria sido muito difícil que pudesse se encarregar de um caso assim em Chicago – colocou as mãos nos bolsos, e começou a andar de um lado a outro de seu escritório do banco– Agora já podemos mostrar que foi Calverson quem falsificou os livros de contas, mas continuamos sem saber onde está o dinheiro. Se não conseguir recuperá-lo, demonstrar que estava em suas mãos e encontrar Dawes para testemunhar… enfim, minha situação segue sendo preocupante. –As amigas de sua mulher vigiam a casa, e eu tenho homens na estação. A única alternativa seria que fugisse em uma carruagem ou em uma carroça com a intenção de tomar um trem rumo a Charleston ou outra cidade, assim também tenho as pessoas alertas em vários estábulos. –No final não terá outra escolha se não tentar, está claro que me acusou para ganhar tempo até que possa fugir; mesmo assim, existe a possibilidade de que encarregue Diane que se ocupe de salvar o dinheiro, e se ela partir da cidade com baús supostamente cheios de roupa? –Bem que gostaríamos de encontrar a forma de revistá-los – comentou Matt secamente. –De acordo, mas acredito que seria mais fácil se eu fosse vê-la pessoalmente. –Acredita que deixará você entrar na casa se está envolvida nesse assunto? –Não saberemos até que tentemos, acho que não sabe que suspeito dela. –Como quiser, mas tome cuidado. Homens desesperados cometem loucuras. –Suponho que o diz por experiência própria, não? Embora seu amigo dissesse em tom de brincadeira, Matt não sorriu e recordou as tragédias que o havia deixado meio doido. Seu pai tinha morrido no Little Bighorn, e tanto sua mãe como suas irmãs pequenas no massacre de Wounded Knee. Ele mesmo tinha sido ferido gravemente, mas foi salvo de viver como um aleijado graças à bondade de um médico branco da reserva e aos cuidados da filha dele, que era uma grande enfermeira; mais tarde, o médico tinha se comunicado com um velho amigo de Chicago e tinha lhe pedido para que lhe oferecessem um posto de trabalho na agência de detetives Pinkerton. O certo era que os últimos anos tinham sido proveitoso para ele. Vivia em Chicago, mas apesar de que sua aparência chamasse a atenção das pessoas e gerasse alguns comentários a suas costas, ninguém se atrevia a falar de sua ascendência. Era um homem de temperamento explosivo e mente aguçada, e John se orgulhava de tê-lo como amigo. Os dois tinham sido verdadeiros lobos solitários no Exército; de fato, Matt só tinha feito amizade com outro companheiro além dele: um advogado de Nova York, um tipo misterioso de olhos azuis chamado Dunn capaz de intimidar inclusive os veteranos mais experientes. Aqueles tinham sido bons tempos, mas John esperança ter uma vida ainda melhor junto a Claire… Mas primeiro teria de sair do atoleiro que estava metido, claro.
John foi ver Diane naquela mesma tarde, e teve a impressão de que a tinha pegado totalmente desprevenida. No primeiro momento lhe tratou com cordialidade, mas de repente olhou com medo ao seu redor e sussurrou frenética: –Não deveria ter vindo, não é um bom momento para uma visita. Embora tentasse ficar no caminho, ele podia ver da porta que havia dois baús e uma bolsa de viagem no vestíbulo, aos pés da escada, mas fingiu não ter notado nada estranho e lhe disse com voz suave: –Achei que você me queria. –Sim, claro que sim, mas… – mordeu o lábio com nervosismo antes de confessar– Tudo isto me confundiu, não sei o que fazer… embora a verdade é que a essas alturas não posso fazer grande coisa –ela colocou uma mão no peito, e olhou por cima do ombro antes de acrescentar com voz rouca– Me desculpe, devo ir. –Quer que venha vê-la mais tarde? –disse ele em voz baixa, com um brilho resistente nos olhos que ela não notou devido ao nervosismo. –Não! Eh… não, será melhor manhã… então, vem amanhã à noite, pedirei a minha irmã que faça companhia – baixou a voz, e acrescentou com uma paquera forçada– Te parece bem, querido? –Perfeito – ele estava fazendo um esforço enorme para aparentar ternura, e lhe acariciou a bochecha antes de dizer uma grande mentira– Lamento as tribulações que teve que suportar. Até manhã. –John… Ele já tinha virado para a rua, mas parou ao ouvir que o chamava e a olhou novamente. –Soube que seus pais estão na cidade, e que Claire está com eles. Lamento os problemas que sofreu, espero… – se interrompeu vacilante, e mordeu o lábio inferior– Espero que as coisas saiam bem pra você – Levantou os olhos, mas foi incapaz de lhe sustentar o olhar e voltou a baixá-los de novo– Estou convencida de que não cometeu esse desfalque. Que doce e preocupada parecia, quando na verdade não havia dúvida de que estava até o pescoço naquele assunto tão sujo. Ele não disse nenhuma palavra, limitou-se a sorrir e a levar a mão ao chapéu em um gesto de despedida antes de afastar-se dali. Assim que Diane fechou a porta, o rapaz que Eli tinha contratado saiu do quarto secando o suor do rosto e lhe perguntou com aspereza: –Por que demorou tanto tempo pra se livrar dele senhora Calverson? Talvez tenha visto os baús! –Isso é impossível, bloqueei a porta para que não pudesse olhar para dentro. Vamos, recolha tudo isso e parta de uma vez. –Seguro que subirá a esse trem? –Sim, senhor Connor, subirei nesse trem. Prometi a Eli, e não penso traí-lo a essas alturas. Não posso me dar esse luxo – sua voz trêmula revelou quão assustada estava. –Faça o que lhe ordenou se não quiser que seu marido envie por você.
Eli parecia ter enlouquecido que o resultado de seu desfalque saísse à luz, e ela tinha medo. Antes estava convencida de que John seria sua salvação, mas apesar de quão amável ele acabava de se mostrar durante aquela breve conversa, sabia que já não a queria, que lhe tinha perdido totalmente; assim as coisas, não tinha mais remédio a não ser obedecer a Eli por muito que lhe pesasse. O plano que tinha idealizado seu matreiro marido era bastante engenhoso, mas os detetives da agência Pinkerton eram muito astutos. Só tinham que esperar que aquele plano tivesse êxito, porque se não fosse assim acabariam prendendo-os, segura que acabaria atrás das grades junto com Eli. A mera ideia a aterrorizava. Quem teria imaginado que teria que pagar um preço tão grande pelos maravilhosos vestidos e as joias caras que tanto tinha cobiçado? O bom nome de sua família ia ficar na lama, e ela ia se tornar uma fugitiva afundada na desonra… estremeceu só de pensar aonde a tinha levado sua miserável cobiça. Depois de sua breve conversa com Diane, John teve o pressentimento de que Eli estava a ponto de pôr em prática seu plano de fuga, assim retornou à carruagem que estava lhe esperando e indicou ao chofer que dobrasse a esquina e rodeasse a casa. Suas suspeitas foram confirmadas ao ver que havia um carro dos que levavam as mercadorias à estação estacionado junto à porta dos fundos, e depois de alguns segundos um homem saiu da casa com um baú no ombro que colocou no carro junto à bolsa de viagem que já estava ali. O homem entrou e pegou o segundo baú, e depois de carregá-lo subiu à boleia e tomou as rédeas antes de se colocar em marcha. O plano de fuga de Calverson estava claro por fim. Não pensava fugir como passageiro, mais sim como a bagagem! Seguro que estava oculto sob algum daqueles sacos que havia no carro, e tinha planejado esconder-se depois em um dos baús. Era um plano muito engenhoso, isso era inegável, e tinha sido a própria Diane que tinha revelado as intenções de seu marido sem dar-se conta. Tinha que agir rapidamente. Eli Calverson ia fugir e tinha que pegá-lo, mas sabia que não conseguiria alcançar indo de carruagem… a solução lhe ocorreu de repente: o automóvel de Claire! Pediu para que não surgisse nenhum problema mecânico, para que ela pudesse ligá-lo e tivesse gasolina suficiente. Era a forma mais rápida de amarar por fim todos os fios soltos que ficavam. Era muito improvável que Calverson estivesse armado ou que recorresse à violência, assim Claire não ia correr nenhum perigo. Disse ao chofer que o levasse imediatamente a sua casa, e ao chegar subiu ao apartamento rapidamente. Claire estava em seu quarto, desenhando um novo vestido, e se sobressaltou com sua repentina chegada. –Eu preciso recorrer a Chester o quanto antes? –ele disse com voz atropelada… e com um sorriso radiante que a deixou sem fôlego. –Claro que sim! –soltou o papel e o lápis-carvão, e ficou de pé depressa. Tinha os olhos faiscantes e cheios de excitação.
–Calverson vai fugir de trem, mas escondido entre a bagagem! Há dois baús e acredito que ele vai em um e o dinheiro no outro, suponho que quer mandar-se a si mesmo a Charleston… Deus, espero não esteja errado! Ela não perdeu tempo com perguntas, bastava saber que ele precisava dela. Agarrou o guarda-pó de brim e os óculos enquanto ele abria a porta e se afastou para um lado para que ela passasse, e saiu depressa antes de exclamar por cima do ombro: –Sinto muito, mas não tenho um desses pra você! Ele começou a rir, e respondeu sorridente: –Não me importo com a graxa e o pó, Claire. Vamos! Ela tinha revisado Chester no dia anterior para comprovar que tudo estava em ordem, assim que ligou o pequeno automóvel puxou à manivela, tirou-o com cuidado da garagem, e assim que estavam na rua acelerou tudo o que pôde enquanto John agarrava o seu chapéu. –Aonde vamos? –perguntou gritando, para ser ouvida por cima do ruidoso motor. –Ao Hotel Morrison, temos que pegar Matt Davis para que se encarregue da prisão. –Estaremos lá em um instante! Conduziu como uma lunática pelas acidentadas ruas, e ao chegar a Peachtree Street melhorou um pouco porque ali o terreno era liso e duro. Começou a rir entusiasmada, e ao lançar um rápido olhar para seu marido viu em seus olhos a mesma euforia. Ficou claro que foram feitos um para o outro, que tinham o mesmo espírito indômito… se ele pudesse amá-la tal e como amava a sua querida Diane, formariam um casal incrível. Deteve-se na frente da porta do Hotel Morrison, e se deu conta de que tinha assustado o cavalo de uma carruagem próxima; enquanto lançava uma desculpa ao irritado chofer, John desceu do carro saltando por cima da portinha e entrou apressadamente no hotel. Depois de alguns minutos saiu acompanhado de Davis, que parou de repente ao ver o carro e exclamou com os olhos arregalados: –Eu não vou subir nessa coisa! –Claro que vai subir – John o arrastou para o outro lado do veículo, e lhe obrigou a subir– Vamos, Claire! Vá o mais rápido que puder! –subiu de um salto um instante antes do carro sair disparado. Mal cabiam os três, mas conseguiram não cair enquanto Claire conduzia a toda velocidade para a estação ferroviária, que estava a poucos quarteirões de distancia dali. –Ainda não acredito que o senhor Calverson tenha planejado viajar para Charleston metido em um baú! –disse Claire a seu marido. –Eu mesmo vi os dois baús em um dos carros que trazem as mercadorias à estação! Pare atrás desse armazém ali, esperaremos até que apareça. –E se já chegaram?
–Não os vejo… – disse John, enquanto percorria com o olhar os carros repletos de mercadorias que estavam estacionados na estação de carga. –Espere, ali vem outro! –exclamou Matt. John seguiu a direção de seu olhar, e reconheceu o veículo imediatamente. –É esse! Vi-o nos fundos da casa, esse rapaz pequeno que conduz carregou os baús. Fique aqui, Claire. Não quero que corra perigo – levantou a mão para silenciar seus protestos, e acrescentou com firmeza– Você já fez sua parte, agora é nossa vez. –Deixe-me lidar com isso, John. Ainda lembro o mau gênio que tem – disse Matt. –Mudei muito, sou outro. Só quero cinco minutos a sós com ele. –Nem pensar, não quero que acabe feito pedacinhos. –Que pena – comentou, enquanto caminhavam para o armazém. Em vez de obedecer a seu marido, Claire desceu do carro e seguiu a uma discreta distância… e aproveitou para ir colocando uma grande quantidade de pedras nos bolsos do guarda-pó. Era pouco provável que Calverson reagisse, mas um homem desesperado podia chegar a ser imprevisível, em especial se houvesse entre eles uma enorme soma em dinheiro. Matt deteve o empregado que estava baixando os baús junto a dois rapazes de carga, e lhe mostrou sua identificação enquanto dizia com firmeza: –Temos razões para pensar que estes baús contêm dinheiro roubado. O homem encolheu os ombros e afastou-se sem protestar, como dando a entender que aquilo não era problema dele, e Matt pediu a dois rapazes forte que quebrassem as fechaduras e abrissem os baús. Quando a primeira tampa se abriu, Matt sacou sua pistola e indicou a John que fosse tirando a roupa. O baú estava cheio de vestidos de noite e de sapatos. John procurou exaustivamente, mas não havia nem sinal de Eli nem do dinheiro. Ele murmurou uma maldição e se voltou para o outro baú, e esperou com impaciência que um dos rapazes o abrisse com uma alavanca. –Tem que haver algo… – olhou dentro, e seu coração acelerou ao ver uma bolsa cinza. Afastou com toda pressa os vestidos e os objetos íntimos que estavam ocultando, mas ao abri-lo só encontrou dentro um vaso Waterford muito valioso de cristal envolto em uma velha colcha. Resmungou outra maldição antes de voltar a guardá-lo, e golpeou com raiva a tampa do baú. –Nada! Maldito seja, conseguiu escapar! –Talvez o chofer saiba de algo, se for com pressa conseguirei apanha-lo. –Não entendo nada! Onde demônios está Eli? Por que está cheios de roupa de Diane nestes baús? Claro que tinha planejado escapar com seu marido, por que iria querer enviar toda aquela roupa para Charleston? Ou melhor, Eli já tinha conseguido sair da cidade; com todo o dinheiro que tinha desaparecido do banco, o casal poderia zarpar rumo ao Caribe ou a América do Sul e passar o resto de sua vida vivendo como rei.
–Quebramos estas fechaduras para nada, vão ter que pagá-las – resmungou o empregado do armazém. –Eu pago, Matt. A ideia foi minha – tirou a carteira enquanto lutava pra controlar a fúria que sentia, e deu várias notas ao homem – A senhora Calverson me conhece, pode entrar em contato comigo se não for o suficiente – enquanto retornava para o automóvel junto com Matt, perguntou-lhe pensativo– Onde poderia estar Calverson? –Quem sabe! Que má sorte tivemos, quantos baús havia? –Eu só vi dois, mas talvez exista outro mais que mandou trazer antes ou depois desses. Quem sabe como ele conseguiu, o que eu sei é que já está a caminho de Charleston – soltou um profundo suspiro antes de acrescentar –Vou atrás dele agora mesmo, não vou permitir que se saia bem dessa. –Acho que não posso te ajudar, John. Amanhã pela manhã tenho que retornar a Chicago. Mandarei um telegrama a um de nossos detetives de Detroit para que vá esperá-lo na estação. –De acordo. –Enquanto isso, tentarei localizar o chofer que trouxe os baús, e ver se posso lhe arrancar alguma coisa. O que vai dizer a sua mulher? Justo quando acabava de pronunciar aquelas palavras, Claire dobrou a esquina do armazém com os bolsos repletos de pedras. –Onde estava? –perguntou, enquanto tirava um de seus projéteis. John sorriu de orelha a orelha, era uma mulher única! –Acredito que no trem, rumo a Charleston - se aproximou dela, e lhe disse com voz suave– Escute Claire, vou atrás dele. Volte para casa no automóvel… –Nem pensar, vou com você! –E o automóvel? Ela olhou para Matt e lhe disse com toda naturalidade: –Já sei que é pedir muito, senhor Davis, mas poderia ir à loja de Kenny Blake e pedir que venha buscá-lo? Com a ajuda de vários homens não custará nada carregá-lo em um carro e levá-lo para casa. A garagem está aberta, lembre ao Kenny de fechar com a chave antes de partir; por certo, a propósito diga onde estamos tanto à senhora Dobbs como aos pais de John. O próprio John riu diante de tanta amostra de eficiência, e olhou sorrindo para seu amigo. –Parece que minha mulher tem tudo bem organizado, fará o que pediu? Matt esboçou um sorriso; por regra geral, não gostava das mulheres brancas, mas aquela tinha garra. –Sim, não se preocupe. –Obrigado, senhor Davis – disse Claire. John estendeu a mão antes de dizer:
–Com esse detetive em Charleston que você vai avisar para estar na estação quando chegarmos, talvez consigamos encontrar Calverson antes que desapareça com o dinheiro. –Dá agência Pinkerton não escapa ninguém – comentou Matt, em tom de brincadeira. –Aos Hawthorn tampouco – assegurou Claire– Olhe John, o trem está a ponto de sair! Temos que nos apressar! – agarrou-lhe a mão, e o conduziu rápido para os guichês de venda de bilhetes. John se deixou levar. Nunca antes havia se sentido tão eufórico e excitado, nem sequer no campo de batalha. A caçada tinha começado e a presa estava na mira, sentia-se como um menino à caça do ganso… mas agora não era um animal imaginário. Aquela era uma expedição de caça maior, e seu futuro inteiro dependia de encontrar a sua presa.
CAPÍTULO 15
E
stiveram a ponto de perder o trem, mas chegaram bem a tempo e conseguiram dois assentos em um compartimento vazio. Claire deixou o guarda-pó de lado, e tirou do bolso um lenço com o qual tentou limpar um pouco tanto o rosto como o vestido escuro que usava. John a observou sorrindo do assento oposto, e ao final comentou: –Não entendo por que passa os dias costurando, mas sempre coloca a mesma roupa. E não me diga que trabalha para o Macy’s, Claire, porque está claro que isso é mentira. –Você sabe que nunca minto. Ele franziu a testa e se inclinou para frente. –Está dizendo que é verdade? Que realmente faz vestidos para o Macy’s? –É obvio que sim – começou a sentir-se irritada ao vê-lo tão incrédulo– Você não ouviu falar de minhas criações, mas na verdade é que foram ganhando bastante popularidade. Um representante do Macy’s me contratou recentemente para desenhar uma coleção exclusiva… e também confecciono vestidos para algumas damas de Atlanta, como Evelyn Paine e suas amigas; ah, e, além disso, estou fazendo o vestido para o baile de debutantes de Emily que celebra esta primavera em Savannah. –Quanto tempo leva com isto? –perguntou, perplexo. –Comecei justo depois que nos casamos – fez a confissão com certo nervosismo, e começou a brincar com o lenço– Tinha tempo de sobra, e queria contar com minha própria fonte de renda – levantou o olhar para olhar em seus olhos antes de acrescentar – Durante um tempo deu a impressão de que acabaria pedindo o divórcio para poder se casar com Diane, assim me pareceu sensato ser uma mulher autossuficiente o quanto antes. John se sentiu envergonhado ao saber que havia se sentido tão insegura por sua culpa. –Bom, isso explica por que costura tanto. –Kenny e eu fomos tomar um sorvete para falar de como íamos realizar os envios dos desenhos a Nova York, ele acabava de me apresentar ao comprador do Macy’S. –Ah, por isso estava no centro com ele. E suponho que também foi vê-lo por causa disso o dia do tumulto no banco e do incêndio, não? –Exato. Levei uns desenhos para que envia-se ao senhor Stillwell, o comprador do Macy’S. –E não ocorreu me explicar tudo isso nem quando te acusei de ser infiel? – perguntou ele, com voz suave.
–Não era o momento certo para dizer a você que estava a ponto de me tornar uma mulher com recursos próprios. Deve admitir que tinha razões de sobra para não confiar em você, John. –Estou ciente de que tem razão, mas continua sendo duro. –Você acha absurdo que possa chegar a ser independente? Ele se inclinou para trás, cruzou suas longas e poderosas pernas enquanto a contemplava pensativo, e admitiu por fim: –A verdade é que não. Me parece boa ideia que tenha seu próprio ganho… – para que não houvesse nenhuma dúvida, apressou-se a esclarecer– não porque pense em me divorciar de você, mas sim porque assim poderá se sustentar mesmo no caso de que me aconteça algo. –Deus me livre. Ele sorriu ao ver sua reação. –Realmente você se importa? Às vezes me da à sensação de que você quer me jogar de um precipício; de fato, estou convencido de que desde que nos casamos tive vontade de me atirar por várias vezes. Ela baixou o olhar e o fixou em sua longa e poeirenta saia antes de admitir com voz suave: –Por mais que possa me irritar, eu não quero que nada aconteça com você de novo – Levantou de novo o olhar antes de acrescentar– revistou os baús, certo? Nem o senhor Calverson nem o dinheiro estavam lá. –Você viu quando fizemos? –Estava em um canto observando – admitiu, com um pequeno sorriso– Tinha os bolsos cheios de pedras se fosse necessário dar uma mão. Ele começou a rir, contente com o sangue frio de sua esposa. –Fico contente em saber que se preocupa com meu bem-estar. –É meu marido – ela o olhou em silencio durante um longo momento antes de perguntar– O que continham os baús? John preferiu não lhe contar ainda que o que havia dentro era roupa de Diane, assim fechou os olhos e se limitou a responder: –Roupa, nada mais. Está claro que Eli pensa em passar uma longa temporada em Charleston ou no estrangeiro enquanto eu carrego a culpa de seu crime. –Lamento que tenha tido esta desilusão com ele. –Devo admitir que tudo isto não me surpreendeu, porque Eli sempre foi dos que coloca o dinheiro na frente da amizade e da compaixão. O dinheiro tem muito pouca importância no contexto global da vida, Claire. Eu tinha dinheiro e passei etapas sem um centavo, e te asseguro que não notei nenhuma diferença substancial. Prefiro seguir adiante por mim mesmo, depender de minha inteligência e meu engenho para me manter a tona. Você sabe o que é viver sem nenhum recurso, então acho que me entende.
–Claro que sim, tinha tio Will e pouco mais… além do automóvel, claro –sorriu de orelha a orelha, e exclamou com olhos brilhantes – O seu amigo Matt Davis tem medo dos carros! John começou a rir. –Sim, já percebi. Seria ainda mais engraçado se você soubesse de seu passado. –Me conte! –Outro dia, talvez. Agora não é o momento. –Disse que é sioux. –Sim. –Tem alguma relação com a morte do general Custer, certo? –Alguma. Havia muito resentimento para sua gente depois da morte de Custer, e tempos depois de sair de Dakota do Sul ainda estava na defensiva ante qualquer menção a sua ascendência. Quem o conhece sabe que é melhor não arriscar-se a tocar nesse assunto na frente dele, porque em alguns aspectos continua sendo bastante suscetível quanto a sua identidade. Fica com raiva diante a falsa imagem tão popular do índio bobo ou selvagem, porque é um homem que tem uma ampla formação. –Sim, isso é obvio, mas parece que não gosta das mulheres. –Não gosta das brancas – comentou, antes de lançar um olhar para o guichê. –Por quê? –Não sei. Servimos juntos em unidades diferentes quando nos destinaram a Cuba, mas Matt era um cara muito reservado que mal falava de seu passado. Estou convencido de que seu nome é inventado e na reserva tem outro nome. –Tem mais amigos, além dele? E do militar que veio vê-lo em casa aquele dia. –Sim, muitos. Alguns vivem no Texas e outros na Florida, em Charleston, e em Nova York. –Todos são antigos companheiros do Exército? –Não, alguns deles os conheci na universidade. –Espera, acabo de me dar conta de algo… como estudou em La Cidadela, creio que conhece Charleston bastante bem. –Sim, mas isso não vai nos ajudar na hora de encontrar Calverson. –Poderíamos revistar o trem agora mesmo. –E como explicamos aos empregados? Não sou agente da lei. –Poderia dizer que trabalha para a agência Pinkerton. –E telegrafariam ao escritório mais próximo, e iriam descobrir em um piscar de olhos que não é verdade; felizmente, as comunicações modernas são muito difícil aos delinquentes. –Estamos aqui sentados, conversando como se nada tivesse acontecendo, quando o mais provável é que Calverson esteja escondido junto com o dinheiro roubado neste mesmo trem! –Sim, é quase certo que esteja aqui, mas creio que vamos ter que esperar até chegar a Charleston para comprová-lo – ele se recostou de novo no assento e acrescentou
com calma – Te aconselho que aproveite para descansar um pouco, deite no assento se quiser. –Faz bastante frio. –Sim, se cubra com meu casaco – ao ver que ela aceitava o casaco sem muita convicção, disse-lhe com frieza – Não vai te contaminar. –Eu sei disso, é que estava pensando no desgosto que Diane terá quando descobrir que seu marido fugiu e a deixou exposta a fofocas. Ele preferiu não contar que suspeitava que Diane e Eli tinham fugindo juntos, apenas respondeu vagamente: –Sim, terá uma temporada difícil. Claire notou um tom estranho em sua voz e olhou com curiosidade para ele, mas seus olhos negros eram impenetráveis. –Como você se preocupa com os outros, Claire, inclusive pelas pessoas que não simpatiza – ele acariciou sua bochecha com ternura, e admitiu com voz suave– Até nos casarmos não sabia até que ponto chegava à bondade de seu coração… e sua fragilidade. O coração que ele estava se referindo começou a bater forte no peito de sua proprietária. –E ainda me deseja, mesmo não admitindo – acrescentou ele, sorridente. Inclinouse, e acrescentou em um sussurro dos mais sensuais – Acho que é... Reconfortante – ele tomou seus lábios com ternura antes que ela pudesse falar. O beijo foi tão de surpresa, que foi incapaz de resistir ou protestar… bom, isso foi o que ela se disse pra justificar, mas a justificativa não explicava o desejo súbito que a embargou de apertar-se contra ele, para enlouquecê-lo de desejo. Ela o abraçou cegamente, e puxou-o até que ele trocou de lugar e se colocou a seu lado. Levantou-a até colocá-la sobre seu colo enquanto o guarda-pó e o casaco caíam ao chão, e a beijou com paixão desenfreada sem pensar nas possíveis consequências, sem pensar que a janela do compartimento estava aberta e qualquer um poderia vêlos. –Nunca consigo me saciar de sua boca, Claire – sussurrou contra seus lábios, com a voz quebrada – Morreria feliz te beijando sem parar, Chega mais perto! Ela soltou um gemido gutural enquanto beijava-o e recordou os prazeres febris que tinham compartilhado na intimidade de seu quarto, o desejo visceral que possuía seu próprio abandono ao se entregar por completo, o impactante prazer do êxtase… Ele se afastou de sua boca um pouco, e a olhou com olhos cheios de paixão ao sussurrar com voz trêmula. –Desejo você… aqui, no assento, no chão, onde seja! Meu Deus… Claire! –voltou a apropriar-se de sua boca enquanto deslizava uma mão por um seio, enquanto brincava com ele prendeu o mamilo com o polegar e o indicador. Ela soltou um suspiro seguido de um gemido, e lhe cobriu a mão com a sua para apertá-la mais contra seu corpo. Ele ainda tinha na boca o sabor do café da manhã,
cheirava a deliciosa colônia de pimenta que estava acostumado a usar, seu rosto estava quente e aranhava um pouco pela barba por fazer. O casamento ainda era novo e excitante, e ela guardava um segredo que seu marido não tinha nem ideia: em seu ventre, sob o coração que ele tinha colocado sua mão, crescia o filho que tinham gerados juntos. Desejou com toda sua força dizer pra ele nesse momento, mas ainda não estava segura do que ele sentia. Queria esperar que Eli fosse preso e levado de volta a Atlanta, e que ficasse claro o que John sentia por Diane. Os dois estavam a ponto de perder o controle por completo quando a porta se abriu e uma velha senhora ficou olhando-os boquiaberta. –Isso é inconcebível! Que comportamento tão vergonhoso em público! –ela estava vestida de negro dos pés a cabeça, levava um sóbrio vestido e um chapéu com véu. John sentiu que lhe fraquejavam um pouco as pernas ao ficar de pé, e disse com voz um pouco trêmula mais respeitosa: –Isto não é um lugar público, senhora; além disso, a dama que me acompanha é minha esposa, e passamos uns dias separados. A mulher relaxou um pouco, e esboçou um pequeno sorriso ao ver as bochechas ruborizadas de Claire e quão envergonhada parecia. –Eu vejo – olhou de um para o outro antes de perguntar–. Estão de lua de mel? –Nos casamos há vários meses – respondeu Claire. –Que sorte têm! Estive com meu marido durante cinquenta anos, agora viaja neste momento no vagão de carga, em um caixão. Vou leva-lo a Charleston para que seja enterrado no velho cemitério junto a nossa família – apesar do véu, a tristeza que refletia em seus olhos era evidente – Lamento incomodar com minha dor a um casal tão jovem que transborda felicidade, mas o trem está cheio e este é o único compartimento onde há espaço. –Sente-se, por favor – John se sentou junto a Claire, recolheu o guarda-pó e o casaco do chão, e não hesitou em pegar a mão de sua esposa. Olhou à senhora com um sorriso educado, e inventou uma desculpa – Minha esposa e eu estamos de férias e decidimos passar em Charleston. É uma cidade que conheço bem, porque estudei em La Cidadela. Aquelas palavras pareceram animar à mulher, que colocou o véu para trás e o olhou com uns olhos escuros cheios de calor. –Sério? Meu filho também esteve lá, provavelmente o conhece… Clarence Cornwall. John conteve um sorriso ao ouvir aquilo, e respondeu com correção: –Sim, sim eu o conheço, ele estava um ano atrás de mim. Eu me chamo John Hawthorn e esta é minha esposa, Claire. –Encantada por conhecê-los, eu sou Prudence Cornwall. A meu pobre Clarence não gostava de estudar em La Cidadela, e lamento dizer que não completou seus estudos lá. Meu marido teve uma grande decepção.
–O que seu filho faz agora? –É capitão de um navio pesqueiro… que ironia, não é? –Sim – John olhou para Claire, e comentou– Clarence não suportava o mar, não sabia nadar. A viúva Cornwall soltou uma gargalhada antes de admitir: –E ainda não sabe, mas se dá muito bem em seu trabalho e ganha bem à vida. Está casado, Elise e ele têm seis filhos. Foi Claire que comentou com um sorriso caloroso: –Que bom, Creio que está muito contente com sua família. John se moveu com certo nervosismo no assento, porque a verdade era que nem sequer tinha passado pela sua cabeça ter filhos. –Respeito à ideia de ter filhos, embora suponha que não é algo que tenha tanta pressa. Talvez teve sorte de optar por não olhar a sua esposa ao dizer aquilo, porque ela teve a impressão de que ele estava aliviado com a ideia de adiar ter filhos e começou a se preocupar. O que ia fazer se ele não os quisesse? O que aconteceria se ele decidisse ficar com Diane? Enquanto seu marido e a viúva conversavam sobre Charleston e os velhos tempos, ela se limitou a olhar pela janela com a mente cheia de dúvidas e preocupações. Os problemas se amontoavam, e não parecia haver nenhuma solução à vista. A senhora voltou a colocar o véu antes de dizer com tristeza: –Gostaria de voltar a Charleston por uma razão mais agradável, mas é uma viagem muito triste para mim… como para a jovem que se nega a se afastar do caixão de seu falecido marido. Pobrezinha, deve estar muito incômoda no vagão de carga. Parece uma dama refinada, mas o caixão de pinho é muito simples… a verdade é que jamais tinha visto um tão grande, seu marido devia ser um homem muito corpulento; enfim, suponho que a tarifa de transporte não terá sido excessiva. John se pôs em alerta imediatamente quando ouviu sobre a outra passageira, e se apressou a perguntar: –Essa outra dama também tomou o trem em Atlanta? –Eu não o tomei em Atlanta, mais em Colbyville. Minha irmã vive lá, estava visitando-a junto com meu marido quando ele faleceu de repente; agora me lembro, é certo que a jovem viúva subiu com vários baús no vagão de carga durante a parada em Atlanta, mas subiram o caixão em Colbyville. Por isso demorei tanto para encontrar um assento, porque não me sentia confortável deixando-a sozinha apesar de que ela insistia em querer ficar a sós com sua dor. Ao ver a expressão tensa de seu marido, Claire se deu conta de repente do que estava pensando. –Não acredita que… –Sim, claro que acredito. Gostaria de sair a dar um pequeno passeio, querida?
–Será um prazer. Se nos desculpar… – ela disse com voz suave para a viúva, enquanto ficavam de pé. –É obvio, vão estirar um pouco as pernas. Nunca gostei de realizar viagens tão longas metida nesses compartimentos tão pequenos, Temo que acabaremos cansados da companhia um do outro muito antes de chegar a nosso destino! –Estou convencido de que não será assim – assegurou John, sorrindo. A mulher riu diante aquele galanteio. –É você um adulador, jovem, sua esposa vai ter que vigiá-lo! –Não duvide disso – Claire segurou a mão de seu marido para tentar manter aquela fictícia aparência de casal unido. Ele não deu nenhum sinal de que tivesse surpreso com aquele gesto espontâneo; de fato, entrelaçou os dedos com os seus, e não a soltou enquanto saíam do compartimento e começaram a andar pelo corredor. –Acredita que é Diane? – perguntou ela, quando já tinham percorrido um bom trecho. O fato de ele continuar sem soltá-la a enchia de ilusão. –Claro que sim – estava olhando para frente, assim não se deu conta de que ela o olhava com uma mistura de surpresa e alegria ao vê-lo falar com tanta indiferença da loira– Quando fui falar com ela, vi que tinha dois baús no vestíbulo, que são os que Matt e eu revistamos na estação de Atlanta. Não lhe falei, mas o que havia dentro era roupa de Diane, assim a conclusão lógica é que ela tinha planejado fugir com o marido – soltou uma gargalhada antes de acrescentar com ironia– Bom, com seu marido e com o dinheiro, é obvio que não estava disposta a deixar que ele partisse com tudo. –Sinto muito, estou ciente de que ela é… muito importante para você. Ele diminuiu o passo, e a olhou com ternura antes de admitir com firmeza: –Era. Ela o olhou prendendo a respiração, esperando que ele se explicasse melhor, mas nesse momento passou um revisor junto a eles e John o deteve. –Desculpe, poderia nos dizer onde fica o vagão de carga? Uma amiga nossa está ali com seu falecido marido, e quereríamos lhe dar nossos pêsames. –Estão na direção correta, senhor. Só têm que atravessar a porta que há nos fundos desse vagão de passageiros, o de carga é o seguinte. Tomem cuidado ao passar de um vagão ao outro, por favor. –Teremos, obrigado. Passaram entre as fileiras de assentos até chegar aos fundos, e saíram para plataforma externa. –Queria que Matt estivesse aqui, não sei o que vou dizer a Diane quando nos vir – murmurou ele. –Não há necessidade que nos veja, por que você só não olha pela janela da porta para comprovar se realmente é ela?
–Porque não vou ver nada se a cortina estiver fechada, mas vou tentar. Você fique aqui. Depois de uma rápida olhada ao redor para se certificar de que ninguém estivesse lhe observando, cruzou o outro vagão e se colocou junto à porta. A cortina estava aberta, mas o balanço dos vagões fazia com que se balançasse de um lado para outro e conseguiu ver dois caixões , um ornamentado e outro que era apenas uma caixa de pinheiro. A tampa deste último estava aberta, e por cima aparecia a careca de Eli Calverson. Diane estava sentada junto ao caixão, vestida de preto e com o véu do chapéu jogado para trás; parecia que estava preocupada e nervosa, a conversa que estava tendo com seu marido não devia ser muito agradável. Retornou junto a Claire com pressa, e insistiu para que entrasse de novo no vagão de passageiros antes de lhe dizer com um sorriso de orelha a orelha: –São eles! Espero que o detetive Matt avise ao agente e que este esteja nos esperando na estação de Charleston… –se interrompeu de repente, e estalou os dedos antes de acrescentar– Espera, não há necessidade de esperar tanto tempo, há uma mudança de máquinas em Augusta! Na próxima parada descerei por um momento para enviar um telegrama ao escritório da agência Pinkerton, pedirei que haja alguém esperando na estação. Se o dinheiro estiver nesse caixão, teremos apanhado Eli com as mãos na massa! –E o que acontece e não estiver? Talvez o tenha enviado em outro trem, ou o tem guardado em outro lugar… –Vamos ter que correr esse risco, duvido que tenha deixado pra trás todo esse dinheiro; além disso, de verdade acredita que Diane estaria com ele se não o levasse consigo? –Fala com amargura. –Porque é o que sinto – a olhou com olhos cheios de arrependimento antes de admitir– Estive obcecado por ela durante anos, e em todo esse tempo não me dava nem a mínima conta de como ela é realmente. Desperdicei parte de minha vida perseguindo uma vagabunda. Ela sentiu que suas esperanças ressurgiam por ouvir aquilo, e seu coração disparou. –Nenhum tempo é desperdiçado se dele aprendemos uma lição, John; mesmo assim, deve ser muito duro saber que vão prendê-la. –Sim, em certo sentido sim, mas as pessoas tem o que merecem, cedo ou tarde. Claire ficou pensativa durante um longo tempo antes de perguntar: –Há alguma recompensa por capturar a um fraudador? –Sim, neste caso pagariam ao nosso banco. Ela sorriu ao ouvir aquilo e disse com olhos faiscantes: –Perfeito, me deixe tentar uma coisa. –O que? –Quero falar com Diane.
–Nem pensar, não quero que corra nenhum perigo. Eli pode estar armado. Ela ficou feliz ao ver sua preocupação. Pensou na pequena vida que levava em seu interior, uma vida que ele não tinha nem ideia e que possivelmente nem sequer desejava, e lhe assegurou com calma: –Jamais faria nada que me colocasse em perigo, eu lhe garanto. Acredito que talvez possa falar com ela a sós, me ocorreu uma ideia que poderia funcionar. Sentarei na parte traseira do vagão de passageiros, e esperarei que saia. –Quer ficar sozinha? Não, nem pensar - apertou a mão com mais força antes de acrescentar– Não vou te perder de vista, senhora Hawthorn. Esperarei com você. Ela olhou cheia de alegria, e perguntou em tom de brincadeira: –Não prefere ir conversar com a senhora Cornwall? –Claro que não! Claire soltou uma gargalhada antes de dizer: –Nesse caso, será um prazer contar com sua companhia. Suponho que muitos passageiros estão no vagão restaurante, olhe quantos assentos livres há. Pode ser que não demorem em voltar. –Nesse caso, esperemos que Diane saia logo. Claire contava com isso, porque no vagão de carga não havia serviços. Ou melhor havia na outra parte do trem, mas o compartimento mais próximo era esse; com um pouco de sorte, Diane chegaria muito antes que algum passageiro retornasse e quisesse recuperar seu lugar. John se sentiu fascinado como pequena e forte era aquela mão enluvada que estava entrelaçada com a sua, e não a soltou nem quando se sentaram. –Eu adoro suas mãos. São delicadas e muito competentes… tanto, que inclusive são capazes de reparar automóveis. Ela o olhou sorridente, com o rosto radiante e olhos cheios de adoração. –Também sabem cozinhar – seu sorriso fraquejou um pouco e afastou o olhar antes de acrescentar– Embora não precise claro, porque a senhora Dobbs cozinha maravilhas. Ele a olhou com desgosto ao ver quão abatida parecia de repente, e apertou a mão com suavidade quando viu a dor que se refletia em seu rosto. –Nunca perguntei se preferiria que tivéssemos uma casa própria, não é? –ao ver que ela tentava falar mais não podia, sussurrou contrito – Deus, claro que preferiria. –lhe beijou as pálpebras antes de acrescentar com firmeza – Começaremos a procurar uma assim que retornemos. Sei de duas não muito grandes próximas a da senhora Dobbs… ou prefere uma mansão? – olhou-a com um enorme sorriso, e acrescentou com entusiasmo – Poderíamos comprar uma com marchetaria de estilo vitoriano e lustres de cristais, o que preferir. Ela se pôs a rir, transbordante de felicidade.
–Não, os lustres de cristais são muito ostentosos para mim! Eu gostaria que comprássemos uma casa que não fosse muito grande… se é que está realmente seguro de querer viver nela comigo, claro. Ele colocou um braço em volta dos ombros, atraiu-a para seu corpo, e a pediu que jogasse a cabeça um pouco para trás. Contemplou aquele rosto tão radiante com olhos penetrantes e possessivos, e sussurrou com fervor: –Sim, claro que quero viver com você, mas não como antes. Quero um casamento de verdade, que tenhamos uma relação muito mais íntima e próxima. Quero ser seu marido em todos os sentidos, carinho. Quero te ter entre meus braços toda noite, despertar a seu lado todas as manhãs de minha vida. –Eu também quero! – Admitiu ela, com voz rouca e os olhos alagados de lágrimas. Acariciou-lhe a boca com dedos que tremiam pela emoção que a embargava, e sussurrou – Te amo tanto, John! Ele lembrou que aquele era um vagão de passageiros, que não estavam sozinhos. Inclinou-se para ela e a beijou com ternura que a deixou tremendo dos pés a cabeça. Sorriu contra seus lábios, bêbado de felicidade e sem fôlego depois de ouvir aquelas palavras, e sussurrou contra sua boca: –E eu te amo com todo meu coração e com toda minha alma, Claire. Com tudo o que sou e o que serei – O beijo que lhe deu nesse momento era muito mais que a união de seus lábios: era uma promessa. O som distante de alguém que ria em voz baixa lhe chamou à realidade, e ao levantar a cabeça viu que alguns passageiros estavam olhando para eles com sorrisos indulgentes. Sentiu que ruborizava, e soltou uma pequena gargalhada enquanto se sentava sem soltar as mãos de sua esposa. –O resto vai ter que esperar, este não é o lugar para falar de nosso futuro – sussurrou, com um sorriso travesso. –Falaremos quando sairmos daqui -- disse ela, radiante de felicidade– Espero que seja o quanto antes… Interrompeu-se de repente ao ver que Diane entrava no vagão; ao ver que a loira não olhava em nenhuma direção e passava junto a eles sem notar que estavam ali sentados, apertou a mão de John em um gesto tranquilizador e se apressou a segui-la pelo corredor. Passou a agir assim que viu que Diane entrava no serviço. Encurralou-a ao entrar logo atrás dela, e fechou a porta com o trinco. –O que…? –Não se assuste, sou eu. Se colocou em apuros Diane. Sabemos que seu marido está escondido em um caixão que está no vagão de carga, e um detetive da agência Pinkerton estará esperando na próxima estação. Organizamos tudo antes de sair de Atlanta – soltou aquela mentira com toda naturalidade. Diane apoiou a cabeça contra a parede e soltou um soluço antes de exclamar com voz de queixa:
–Eu sabia que isso iria acontecer, disse a Eli que seu plano não ia funcionar! Ele me meteu nessa bagunça e me obrigou a ajudar, não tornou a ser o mesmo desde que roubou o dinheiro. Obrigou-me a colaborar com ele… me disse que me daria uma boa quantia de dinheiro se eu o ajudasse, mas que se não o fizesse ordenaria a esse rapaz que trabalha para ele me machucar – a olhou nos olhos antes de confessar– Me deu muito medo, Eli foi muito cruel. Fui fraca e aceitei ajudar, estou perdida! Tanto meu nome como o de minha família estará na lama, e tudo porque não suportava a ideia de ser pobre! –Me escute… há uma recompensa pela captura de seu marido e a devolução do dinheiro roubado, uma recompensa muito grande. –Dinheiro sujo – os olhos de Diane se encheram de lágrimas. –Não, é uma recompensa por capturar a um criminoso que roubou dinheiro dos inocentes investidores de seu banco – ela disse com convicção e firmeza, porque o futuro de seu marido dependia de ganhar o apoio da que tinha sido sua grande rival– Pense nisso, Diane. Seria uma heroína, as pessoas te apoiariam e se compadeceriam de você por tudo o que teve que suportar. Respeitariam você por ter tido a coragem de entregar seu marido apesar do medo. Diane deixou de soluçar e ficou olhando-a com perplexidade com aqueles olhos azuis avermelhados pelo choro. –Sério? –É obvio. –É uma recompensa muito grande? –perguntou, com a cabeça encurvada, enquanto brincava com seu lenço. –Sim, muito. –Mas fugi com ele, sou sua cúmplice… irei pra cadeia! –Não, se lhe entregar poderá contar a verdade, que foi ameaçada, que te obrigou a ajuda-lo. É a pura verdade, Diane. –Sim, é a verdade – a olhou desconfiada ao perguntar – Por que está disposta a me ajudar? Sabe que seu marido está apaixonado por mim? Vai abandonar você e se casar comigo assim que eu me divorciar de Eli. Claire sabia que, graças a Deus, aquilo não era verdade, mas não se atreveu a dizer nada naquele momento tão delicado. –John vai para a cadeia se não entregar seu marido – respirou fundo e se limitou a esperar enquanto pensava no filho que levava em seu ventre, na expressão que refletia no rosto de seu marido quando tinha confessado que a amava. Ela estaria disposta a sacrificar sua própria felicidade, para deixa-lo livre para que fosse embora com Diane se isso fosse o que desejava, porque o amava com toda sua alma; por sorte, não ia ter que fazer aquele sacrifício, mas ao ver que a loira duvidava decidiu pressionar um pouco mais.
–Prefiro vê-lo com você, se isso for o que ele deseja de verdade, que vê-lo preso pelo crime de outro homem – ela disse com um sorriso cheio de ironia para enfatizar mais suas palavras. Diane a contemplou em silencio durante um longo momento antes de comentar: –É muito generosa… eu não. Eu gosto de ser rica e ter coisas bonitas. Acreditava que John seria um pobre e estava farta de viver com o básico, de que minhas irmãs vivessem a minhas custas entre amante e amante. Casei-me com Eli porque era rico, mas quem eu amava de verdade era John – soltou um suspiro, e levantou o olhar– Mas ao contrario de você, jamais cheguei a ama-lo o suficiente, certo? Lamento que ele não corresponda seu amor. Claire não pôde ter a satisfação de lhe dizer o quanto estava errada, e se limitou a responder: –Isso não importa, tudo que eu quero agora é evitar que ele vá para a cadeia. Vai nos ajudar? Diane hesitou, mas percebeu que não tinha outra opção. –Sim, de acordo. O que tenho que fazer?
CAPÍTULO 16
O
trem fez uma parada em uma aldeia chamada Liberty, e John aproveitou para descer rapidamente e enviar um telegrama ao xerife de Augusta. Diane retornou ao vagão de carga, e depois de fechar a porta e de assegurar-se de que a cortina estava fechada, foi sentar-se como se nada tivesse acontecido junto ao caixão onde estava seu marido. –Está tudo bem? Não viu nenhum conhecido? –perguntou ele. –É obvio que não – tinha muita prática na hora de mentir, assim o fez com toda naturalidade, inclusive sorriu – Mas o trem está muito cheio. –Isso não importa, as pessoas irão descer ao longo do caminho. Não sabe como é incômodo estar aqui, menos mal poderei sair desta coisa assim que cruzarmos a linha estatal e entremos na Carolina do Sul… onde sou persona non grata, por certo. Seu marido tinha o dinheiro que tinha roubado dentro do caixão armazenado em várias bolsas cheias até a borda. Era uma verdadeira fortuna, e ela acabava de aceitar colaborar para que o banco o recuperasse… mas valia a pena, porque havia uma recompensa e não teria que ir para a prisão; além disso, ia poder livrar-se de Eli e recuperaria John, já que ela estava muito por cima de Claire. Eli se surpreendeu ao vê-la sorrir, e secou o rosto suado antes de resmungar: –Parece muito contente. –Tudo está saindo como o previsto, não? –enquanto olhava a paisagem através da janela, Diane começou a fantasiar o futuro fantástico que tinha pela frente. Quando o trem chegou à estação de Augusta, John saiu ao encontro de vários homens em ternos que esperavam ali e subiram juntos ao trem depois de uma breve apresentação. Claire tinha ficado no compartimento que compartilhava com a senhora Cornwall, mas estava olhando atenta pela janela. Depois de alguns minutos viu Eli Calverson descer algemado. Parecia atordoado e abatido, e o homem que estava junto a ele (não havia dúvida de que era um agente da lei, porque levava uma insígnia em forma de estrela na lapela), levava várias bolsas das que usavam os bancos para guardar dinheiro. John retornou ao compartimento pouco depois com passo apressado. –Lamentamos deixá-la aqui sozinha, senhora Cornwall, mas Claire e eu devemos retornar a Atlanta imediatamente. Vem querida – segurou a mão de Claire gentilmente para que se levantasse antes de voltar-se de novo para a viúva– Que tenha uma boa viagem. –Obrigado, jovem. Espero que as coisas fiquem bem para os dois.
Atravessaram o vagão de passageiros com toda pressa para a porta traseira e ao descerem viram Diane de um lado da plataforma, falando aos soluços com dois homens de uniforme. Eli lhe lançou um olhar furioso por cima do ombro enquanto o levavam dali, e ela seguiu chorando ao dizer: –Meu pobre Eli! Pobrezinho, sua mente estava perturbada! Tenho certeza que não estava consciente do que fazia. Seu rosto teria sido capaz de suavizar até às pedras. Um dos dois detetives era jovem e impressionável, e lhe deu uns tapinhas na mão para tranquilizá-la antes de dizer: –É obvio que não. Não se preocupe, senhora Calverson, está a salvo em nossas mãos. Permita que nos encarreguemos de comprar o bilhete de volta a Atlanta. –Não vou retornar no mesmo trem que meu marido, certo? Não o suportaria! – o medo que se refletia em sua voz sim era real. –Não, senhora, ele vai ser transportado em um trem especial. Não se preocupe com isso, nos encarregamos de todo – o jovem sorriu ao ver John e Claire – Sua esposa e você também vêm conosco, senhor Hawthorn? –Sim – John deu um sorriso a Diane, mas não soltou a mão de Claire nem deu amostras de querer fazê-lo. Se à loira se surpreendeu ao vê-lo tão atento com sua esposa, por certo disfarçou bem; depois de olhar o casal com um sorriso trêmulo, pegou o braço do jovem detetive da agência Pinkerton e foi com ele ao edifício central da estação. Diane estava realmente pensando que John se manteve tão distante com ela para conservar as aparências, nada mais. Olhou com um sorriso cheio de encanto ao jovem detetive, e lhe encorajou que falasse de si mesmo. Sabia como tratar os homens, e aquele não representava desafio algum. Poderia conseguir qualquer coisa deles valendo-se da adulação, lhes perguntando sobre seu trabalho e sua vida, adulando sua vaidade. Se surpreenderia com a quantidade de informação que se obtinha assim. O jovem detetive e ela subiram no trem depois de comprar os bilhetes, e ocuparam uns assentos bastante afastados dos que tinham obtido John e Claire. O trajeto de volta a Atlanta foi muito mais curto que o que acabavam de fazer em direção contrária, e deu a impressão de que em um abrir e fechar de olhos o trem chegava à estação e os passageiros desciam à plataforma. Entre os detetives da agência Pinkerton que estavam esperando a chegada do trem na estação de Atlanta estava Matt Davis, que ainda não tinha partido rumo a Chicago; qualquer outro agente mais experiente teria a cargo o prisioneiro, mas ele optou por deixar que o jovem que o tinha detido se encarregasse de leva-lo a delegacia de polícia. O rapaz não cabia em si de alegria e orgulho, e levou Calverson como se acabasse de ganhar uma corrida. –Enfim, agora tenho que voltar para casa –disse a John, com olhos faiscantes– Não estava metido em um baú, não é?
–No final estava metido em um caixão! Sua esposa estava com ele no vagão de carga, representando o papel de viúva chorosa. O plano poderia ter funcionado, mas uma senhora que se sentou em nosso compartimento nos disse que uma bela e jovem viúva estava no vagão de carga junto ao caixão de seu marido, e que tinha subido no trem em Colbyville com o caixão. A mulher não tinha nem ideia de que estava ajudando a resolver um roubo. Eu acho que teríamos que lhe dizer, seguro que teria ficado muito feliz. Matt voltou o olhar para a falsa viúva, que estava acompanhada por dois detetives da agência que pairavam ao seu redor dispostos a ajudá-la no que fosse necessário, e perguntou sem inflexão alguma na voz: –O que vai acontecer com ela? –Receberá sua recompensa, e seguro que aproveita a situação em seu próprio benefício –disse John. –Suponho que sabia de antemão que o conselho de diretores do banco ofereceu uma recompensa muito substancial, não? –É obvio. Não me ofereceram uma recepção muito calorosa quando saí da prisão, mas se dignaram a me contar da recompensa que iriam dar se o dinheiro fosse devolvido. –Suponho que com isto se darão por satisfeitos – Matt olhou por cima do ombro de seu amigo, e acrescentou– E aqui vêm os que faltavam. Ainda não tinha acabado de falar quando repórteres do jornal local e dois de fora, que sem dúvida tinham recebido a noticia sobre a prisão, abordaram-lhes com suas cadernetas e seus lápis nas mãos, dispostos a tomar nota de todas suas respostas. John começou a relatar o acontecido com a ajuda de Matt e de Diane, que tinha se apressado a juntar-se ao grupo ao ver a imprensa. A beleza da loira a tornou uma heroína da história… até que revelou que tinha mandado Claire na perseguição. –Tem um automóvel, senhora Hawthorn? – perguntou um jovem repórter com admiração– É verdade que veio à estação conduzindo-o você mesma? Podemos vêlo? –Claro que podem, está na garagem da casa onde vivemos – respondeu ela, radiante. John passou um braço pelos seus ombros e disse com orgulho: –Há algo mais que deveriam saber sobre minha esposa: os armazéns Macy’s de Nova York acabam de contratá-la para que desenhe para eles uma linha exclusiva de vestidos de noite. –Sob seu próprio nome, senhora? –perguntou um dos repórteres. –Não, para meus desenhos uso o nome de Magnólia. Diane foi incapaz de conter uma exclamação de surpresa. Ficou pálida ao saber que conhecia a desenhista que criava as elegantes criações que tanto tinha cobiçado, mas que por desgraça era nem mais nem menos que a esposa de John.
O próprio John estava impressionado, porque até esse momento não tinha nem ideia do nome que sua mulher usava para seus desenhos; tinha ouvido falar tanto da famosa Magnólia, que não cabia em si de orgulho. Não havia dúvida de que a mulher que ele amava tinha muitas facetas. Olhou para ela com um sorriso enorme em que se refletia todo o orgulho que sentia por ela, e Claire lhe apertou a mão em um gesto cheio de calor quando seus olhos se encontraram. –Magnólia, é sulista – comentou outro repórter– Senhora Hawthorn, estamos desejando ver esse automóvel! Os repórteres foram com eles à casa da senhora Dobbs e fotografaram Claire subir em seu Oldsmobile negro, com a mão na alavanca; por sugestão da própria Claire, a senhora Dobbs também fez uma foto com eles dois e o carro, e a senhora ficou muito contente. O repórter que mostrou mais interesse nela foi o único que argumentou que John era inocente, que mencionou que Calverson tinha sido acusado de desfalque no passado. Claire gostou dele imediatamente, e agradeceu profundamente que tivesse defendido seu marido. Naquela noite foram jantar no hotel com os pais de John. Ele contagiou Maude contando a emoção daquele dia tão intenso, que ficou sem fôlego lhes fazendo perguntas sobre aquela louca perseguição até Augusta para recuperar o dinheiro roubado e apanhar o ladrão. –Ainda custo a acreditar –comentou, maravilhada – Vocês dois são uns lunáticos, não sabiam se esse homem estava armado! –Eu coloquei varias pedras nos bolsos do guarda-pó – comentou Claire. John começou a rir antes de acrescentar: –E eu levava um revólver Smith & Wesson de calibre trinta e dois no cinto - ao ver que sua esposa olhava boquiaberta, disse sorrindo – Não lhe disse isso porque pensei que seria melhor assim, em todo caso, não tive que usá-lo. –Eu me lembro de quando estava no Exército lhe concederam vários prêmios por sua boa pontaria –falou Clayton. Ainda lhe custava um pouco falar com John, mas tinha relaxando um pouco durante o jantar. Dava a impressão de que estava ansioso por reconstruir sua relação com seu filho. –Sim. A verdade é que às vezes sinto falta da vida militar. –Filho… poderia voltar a se alistar se quisesse. John estava consciente de que aquelas palavras, na boca de seu pai, equivaliam a uma desculpa. Olhou sorrindo antes de responder: –Não sei se voltaria a ser feliz no Exército, apesar de já ter pensado nisso – se voltou para Claire, e admitiu com voz suave– A princípio não sabia se poderia me acostumar à vida de um banqueiro.
–Estou disposta a ir aonde você quiser – Ela disse de coração, e pensou feliz na pequena vida que carregava em seu ventre. Ainda não tinha contado a seu marido que iriam ser pais. –Sua reputação será restaurada assim que os jornais saiam à venda amanhã pela manhã –comentou Maude – Por certo, você fica muito bonito de uniforme. –Obrigado, mamãe. A questão é que o conflito nas Filipinas ainda está vivo, e existiria a possibilidade de que me enviassem para lá – olhou Claire antes de acrescentar– Não quero levar a minha esposa a uma zona de guerra, sobre tudo tendo em conta que está iniciando uma carreira profissional da qual deve ocupar-se. Te falei o quanto estou orgulhoso de você, Claire? –Não – ficou vermelha como um tomate. –Nesse caso, já é hora de lhe dizer – pegou sua mão, e beijou seus dedos enquanto a olhava com olhos ardentes – Não é o momento de voltar a me alistar, e além disso, aqui tenho trabalho de sobra. Não quero que digam que saí correndo depois de que Calverson tentou manchar meu nome, desejo ficar aqui… ao menos até que as águas voltem para seu leito, então Claire e eu decidiremos o que queremos fazer. Clayton pigarreou com suavidade antes de dizer: –Eu adoraria que viessem a Savannah. Poderia ocupar a presidência de meu banco quando o velho Marvis se aposentar. Suponho que pense que é uma espécie de suborno para te convencer, mas não é assim. John lhe contemplou durante uns segundos antes de responder. –Eu gostaria muito de ficar perto de você, pensarei nisso. –Fala a sério? –Você gostaria de viver em Savannah, Claire? – perguntou, com um sorriso cheio de amor. –Eu adoraria! É uma cidade cheia de história, e está à beira do oceano. Poderia fazer um esforço e sair para navegar com seu pai e com Jason… já sei que fica enjoado. Ao vê-la com um sorriso largo, John sorriu também e disse em tom de brincadeira: –Não me diga que você ouviu isso! –Sim, me contaram isso em Savannah… entre outras muitas coisas mais, como o da rã que escondeu na mesa de costura de sua mãe, e o do bicho que colocou nas costas de Emily na igreja. Que ideia! –Deu um pouco de emoção à missa – começou a rir, e a olhou com olhos faiscantes. Claire tinha começado a perceber que no passado tinha apenas vislumbrado o verdadeiro John. Estava claro que podia ser travesso e brincalhão quando queria, e o quente brilho de diversão que se refletia em seus olhos negros a tinha deslumbrado. Fixou o olhar naquela mão forte que estava entrelaçada com a sua, e lhe disse sorrindo: –Como você mesmo disse, nós decidiremos o que queremos fazer.
–De agora em diante respeitarei suas decisões, filho – falou Clayton com firmeza–. Estou muito orgulhoso de você, e lamento de coração os dois anos que desperdicei. Não deveria ter culpado você, com o tempo pude aceitar que foi uma decisão divina. Claro que sofreu tanto como eu pela perda de seus irmãos. –Sim, mas esses anos me levaram a perceber o quanto minha família significa para mim, assim não devemos desperdiça-lo. –Poderia voltar logo pra casa para nos visitar. –O que você me diz de Claire e eu passarmos o Natal lá? O rosto de Clayton se iluminou. –Perfeito! John olhou sua esposa nos olhos, e lhe perguntou sorridente: –Vamos preparar as malas? –Fala a sério? –Claro que sim! Claire se levantou de repente, alheia ao fato de que alguns dos comensais a olhassem divertidos, e perguntou entusiasmada: –Podemos ir já, agora mesmo? John se pôs a rir antes de responder: –É obvio que sim! Vamos tentar ter tudo resolvido o mais rápido possível, e poderemos partir amanhã ao meio dia com meus pais… tudo bem, papai? –Me parece perfeito. Tomaremos o café da manhã, e depois iremos comprar os bilhetes. Naquela noite a bagagem ficou pronta; depois de responderem as perguntas da senhora Dobbs, John e Claire se fecharam em seu quarto e foram diretos para a cama. Amaram-se como nunca antes, com ternura e suavidade, com uma plenitude tão deliciosa que Claire ficou sem fôlego, exausta e totalmente cativada. Dormiram por fim, e quando despertaram na manhã seguinte voltaram a fazer amor com mais paixão que antes. Por fim se levantaram e começaram a vestir-se, e justo quando Claire estava acabando de pentear-se a senhora Dobbs bateu na porta. –Desculpem se acordei vocês, mas o senhor Hawthorn tem uma visita… a senhora Calverson – seu tom de voz ao mencionar à loira refletia o quanto não gostava dela. Claire lançou um olhar a seu marido, e ao ver que sua expressão se tornou gélida se aproximou e lhe deu um breve beijo nos lábios e lhe disse com voz suave: –Desça e vá falar com ela, querido. Eu tenho que acabar de me pentear. –Claire… Ela levantou as sobrancelhas ao vê-lo tão resistente, e perguntou com um sorriso travesso: –O que? Ele se pôs a rir antes de abraçá-la com força e beijá-la com uma paixão que refletia uma ternura infinita. –Desça quando estiver preparada, e não se preocupe!
–Não estou preocupada, ontem todas as minhas duvidas se foram … pra não falar de ontem à noite –não pôde evitar corar. –Verdade que foi maravilhoso? Se a senhora Dobbs te perguntar se ontem à noite ouviu gritos não ruborize, logo se dará conta de que foi você – ao ver quão mortificada parecia, deu-lhe um beijo longo e sensual antes de sussurrar– Não tem do que se envergonhar, eu também gritei. Queria te ter mais e mais perto, me afundar mais fundo em seu corpo, te tocar como sonhei em fazer – percorreu-lhe um estremecimento e acrescentou com voz rouca– Não há casal que tenha estado tão intimamente unidos como estivemos ontem à noite. –Tem razão – se apertou contra ele enquanto estremecia também ao se lembrar. O êxtase tinha alcançado tal magnitude, que ela tinha chegado a perder a consciência, e era um pouco assustador recordar quão intenso tinha sido. Ele tocou o rosto dela com o seu, e lhe acariciou a orelha com seu fôlego ao confessar: –Nunca cheguei a fazer o amor com Diane –levantou a cabeça e a olhou com olhos penetrantes– Menti sobre isso, e me envergonho de ter feito. –Obrigado por me dizer isso -- respondeu, radiante de felicidade. Ele acariciou os lábios com a ponta do polegar ao responder: –Tinha que falar, um homem não deve guardar segredos a sua adorada esposa. Claire voltou a sorrir, e suspirou de prazer quando ele a beijou de novo antes de soltá-la. Viu ele se dirigir a porta, convencida de que Diane estava a ponto de oferecer-se em uma bandeja de prata. Sentiu curiosidade em saber como ia rejeita-la, porque já não tinha nenhuma dúvida sobre a fidelidade de seu marido. Sorriu ao tocar a cintura e notar como tinha alargado. Ainda tinha que contar um último segredo a John, e pensava fazê-lo assim que partisse aquela visita indesejada. Claire tinha acertado em cheio, seu marido não sentia nenhuma graça ao ver Diane… na verdade , sentiu-se chateado. Era inegável que estava muito bela com um vestido azul com renda branca e um vistoso chapéu, mas aquela mulher já não acelerava seu coração nem despertava a mínima emoção em seu interior… diferente de Claire, que era sua vida inteira. –Em que posso te ajudar, Diane? –perguntou com cortesia. Ela ficou surpresa com aquelas palavras tão fria, mas recuperou a compostura imediatamente e respondeu: –Achei que esperava minha visita, John. Quer dizer… bom, já sabe que Eli foi preso. Eu vou testemunhar contra ele, localizaram Dawes e já confessou, o próprio Eli não teve remédio se não confessar também, e o dinheiro do roubo foi recuperado e devolvido ao banco. Todo mundo sabe que você foi uma vítima inocente da cobiça de Eli, e o senhor Whitfield concordou em ir em frente com a fusão ao saber do que aconteceu… apesar de ser sua decisão, porque é quase seguro que vai ser o presidente do banco. As coisas voltam ao normal, assim pensei que… enfim, que você me queria.
Ele a levou para a varanda da frente da casa, e fechou a porta atrás de si antes de dizer em voz baixa: –Acredito que será melhor que falemos com toda sinceridade, Diane. Estive apaixonado por você, mas você queria mais do que podia te oferecer e se casou com outro. Tive esperanças de te recuperar inclusive naquele tempo, mas agora te asseguro com total certeza, de todo coração, que a mulher que eu amo e desejo com toda minha alma está lá em cima, me esperando em nosso apartamento. Não me tinha dado conta até recentemente de quanto tempo esteve me esperando. Tenho feito muito mal a ela, e não penso voltar a fazer nunca mais. –Não me ama? –perguntou, com tom de queixa. –Sempre te considerei e sempre vou, mas quem eu amo é Claire. Ela sorriu com tristeza antes de dizer: –Então ela acabou ganhando certo? Eu temia que o conseguisse. Estava claro que, ao contrario de mim, ela sim te ama o suficiente para te renunciar. –Não entendo. –Nós duas mantivemos uma conversa justo antes de aceitar a lhe ajudar a apanhar Eli. Ela me disse que não ficaria no caminho se você me amasse, e soube nesse momento que seu amor era maior que o meu. Eu nunca teria deixado que fosse com outra sem lutar. John a olhou nos olhos e se deu conta de que estava sendo sincera, que não teria o deixado ir por pura vaidade feminina. Claire era mais suave, mas também muito mais forte. –Sinto muito, Diane. Ela fez um gesto de indiferença, e disse: –Não se preocupe. Acredito que soube que tudo se acabou entre nós quando se casou, mas me neguei a aceitar; enfim, ao menos tenho a recompensa por ajudar a capturar Eli, e muitos homens estarão dispostos a casar-se com uma moça rica… embora carregue a vergonha de ser uma divorciada. –Espero que seja feliz. –A felicidade não foi feita para mim, mas ao menos viverei satisfeita. Adeus, John. –Adeus, Diane. John esperou na varanda enquanto ela se dirigia para a carruagem que a esperava. Em seus olhos não se refletia nem desejo nem pesar ao vê-la afastar-se, a verdade era que estava impaciente e desejando que partisse de uma vez. Ele voltou para dentro de casa assim que a perdeu de vista; estava tão ansioso de voltar para junto de Claire, que subiu os degraus de dois em dois. A noite anterior tinha ficado gravada em sua mente e em seu coração, sua mulher era um sonho feito realidade na cama… e também fora dela. Claire lhe enchia o coração de felicidade, fazia com que sua vida fosse plena. A adorava, e não queria a nenhuma outra.
Quando entrou no apartamento a viu olhando o jardim pela janela, recordou as vezes que a tinha visto ali mesmo nos primeiros dias de casados… sozinha, triste, perdida em seus pensamentos. –Diane se foi. –De forma definitiva? – perguntou ela, sorridente. Ele se aproximou e segurou o rosto entre as mãos antes de assegurar com voz suave: –Totalmente. Eu disse para ir, Claire. Não foi um sacrifício de minha parte, não fiz por obrigação nem por vergonha, mas sim porque o que sentia por ela se acabou faz muito tempo. Está morto, enterrado – A tomou entre seus braços, e soltou um profundo suspiro – te adoro – sussurrou, embriagado de prazer– Quero te abraçar e te beijar sem parar, quero estar contigo sempre e de todas as formas possíveis. Deus, Claire, minha vida não tinha sentido sem …te amo – sussurrou, antes de beijá-la. Ela soltou uma pequena gargalhada e murmurou contra sua boca: –Já sei, eu também te amo. Devolveu-lhe o beijo com toda a felicidade que a envolvia, com todos os anos de desejos, com todas suas esperanças e suas alegrias, mas de repente recordou que havia algo que tinha que lhe dizer e se separou um pouco dele. –Para, John, espera um momento… tenho que te dizer uma coisa, e pode ser que quando souber não queira ficar comigo. Ele começou a rir por ouvir semelhante besteira, e exclamou em tom de brincadeira: –Sou todo ouvidos! –Estou falando sério! – colocou as mãos no peito para manter a distância, e admitiu vacilante – John, estou… eh… bom, acredito que estamos esperando um bebê. A cara que fez seu marido era o retrato da estupefação; de fato, dava a impressão de que nem sequer respirava. – O que? Quer dizer...? –Que estou grávida. Estava com medo de lhe dizer isso porque você disse que… disse à senhora Cornwall que relutava à ideia de ter filhos, e… Deus, me desculpe! –Desculpar? – soltou o fôlego que tinha estado contendo, e a olhou com os olhos brilhantes e o rosto radiante de felicidade– Desculpar? – abraçou-a e começou a girar enquanto ria como um louco– O que você sente? Bruxinha , é uma bruxinha…! Vem aqui! Abraçou-a com força, e voltou a beijá-la com uma paixão desenfreada que deu lugar a uma infinita ternura, depois de um longo momento sussurrou contra seus lábios: –Desejo com toda minha alma ter filhos! Quero que tenhamos meninos e meninas, e que com o tempo cheguemos a ter netos. Que surpresa tão doce e maravilhosa, Claire!
Ela tinha ficado sem fôlego, estava afligida. Abraçou seu pescoço e voltou a lhe beijar, mas ele se afastou pouco depois e lhe disse contrito: –E eu disse que… perdoe-me, no trem falei de forma precipitada e sem pensar. Claro que quero filhos, acontece que nunca me perguntei se queria ter um bebê em casa – a olhou com olhos sonhadores e cheios de ilusão– Temos que comprar uma casa, Claire. Uma casa grande e maravilhosa que possamos encher de crianças e do amor que temos um pelo outro. Ela o abraçou com força e sussurrou com voz rouca: –Carinho, meu carinho! Não sei se poderei suportar tanta felicidade! –O mesmo digo eu, mas acredito que nos arrumaremos – ele disse em tom de brincadeira, e acrescentou com um enorme sorriso– Que natais fantásticos nos esperam! Imagine, temos o presente mais maravilhoso com que pode sonhar um casal… estamos esperando um filho! –Ainda vamos para a casa de seus pais? –perguntou ela, radiante de felicidade. –Claro que sim, e te prometo o natal mais maravilhoso que teve em sua vida – olhou encantado seus maravilhosos olhos cinzas, e exclamou exultante – Será glorioso, Claire! E assim foi.
FIM