MODA, INDIVIDUALIDADE E O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE LUXO NO SÉCULO XXI
Autora: Mariana Cabral Peixoto de Souza
Este artigo apresenta a pesquisa teórica e prática realizada com o objetivo de projetar e confeccionar uma coleção de moda que possui como base a sustentabilidade e o artesanato, intitulada “A pele que habito: desenvolvimento de coleção de base artesanal e sustentável para a grife Osklen”. Este estudo previamente feito procurou compreender os valores importantes para o consumidor do século XXI e a relação do indivíduo com a moda. Foram esclarecidas algumas ações que as empresas de luxo têm feito para aderir maior credibilidade aos produtos e valores emocionais à marca. Ao final foi mostrado como a sustentabilidade fortalece a imagem das empresas e alguns desses novos materiais que estão sendo utilizados na fabricação de produtos de luxo.
MODA, INDIVIDUALIDADE E O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE LUXO NO SÉCULO XXI
1.1 Moda e individualidade
A moda é uma forma de expressão de uma individualidade. Para o filósofo Michel Maffesoli (1944), estética significa intersubjetividade, o que indica a necessidade do ser humano de alguma maneira socializar. A moda por si só revela o seu caráter de agregação social, o de servir para reunir estéticas, mostrar ideias, partilhar emoções. É a tradução de uma maneira de viver do indivíduo, ou mesmo uma interpretação daquilo que gostaríamos de ser/parecer.
E esse diálogo é construído primeiro com o espelho, onde o reflexo dá o retorno sobre a aparência, se ela está em conformidade com a intenção de aparentar, e depois é exposto aos outros esperando que seja entendido ou interpretado, ou seja, decodificado pela audiência da mesma forma como foi codificado quando da escolha das peças como palavras para compor o look como texto. Dessa forma, a moda está para seus usuários como forma de expressão, instrumento de diálogo, mídia. Existe a expectativa que estas sejam diferentes o bastante para provocar um processo de aproximação de uns e de afastamento de outros, sendo processo de comunicação o ato de compartilhar, no caso compartilhamento de impressões pessoais. (MIRANDA, 2008, p. 77)
Na citação acima, Miranda (2008) relata exatamente o diálogo entre a aparência para o indivíduo e para o outro, no caso o público. A moda como expressão linguística, possui inúmeras funções, relata a aparência como um instrumento potente de comunicação do indivíduo, compilando ideias intrínsecas de sua identidade em sua estética e a transforma em linguagem plausível de interpretação. O vestir-se é visto como uma linguagem simbólica dentro de uma sociedade onde o indivíduo recebe influências particulares e é ainda influenciado por outros
indivíduos. “O corpo individual deve sua existência à realidade do corpo social” (MAFFESOLI, 2008, P.178). A individualidade pura não existe, todos nós somos sujeitos ao contexto sociocultural que nos cerca, cada um carrega a herança de uma história social (como culturas, valores, crenças) influenciáveis ao longo da vida. Ou seja, a autenticidade do eu, e por consequência a originalidade, não nasce da vontade de diferenciar-se dos outros ou mesmo de criar algo novo, mas de retornar à história, tanto do indivíduo quanto dos objetos. Ser indivíduo e conseguir limiar e delinear suas escolhas, requer uma conquista pessoal, um modo de expressar a sua individualidade, mesmo quando a coletividade das tendências desenvolvem sobre o individual. Se o original passa a viver num mundo gasto por imagens, ele passa a ser destaque por carregar não apenas o novo, mas por possuir uma história autentica, interpretada e valorizada como individual, própria. São símbolos, fatos, emoções, objetos, texturas e cores que levam significado de experiências vividas. Não é a toa que hoje observamos uma grande busca pela sensibilização das corporações de moda e uma tendência de releitura de suas histórias, um retorno e valorização de seu passado, ajudando a criar a concepção de um estilo individual para a empresa, transformando em linguagem de moda a sua história, codificando elementos vividos através de seus produtos e transportando suas ideias. E é essa sensação de conforto emocional que as empresas buscam passar ao cliente, provando através da emoção um modo de atrair e expressar uma personalidade, interagindo com o cliente e fidelizando-o através da individualidade intrínseca ao seu produto. É o caso principalmente das empresas de luxo, que garantem esse prestígioexclusividade, como denomina Miranda (2008), o qual atribui um alto preço ao
produto e é um dos fatores que influenciam a adoção e o consumo de moda. A diferenciação e exclusividade dos produtos de luxo propõem não apenas a compra de uma marca, mas de uma ideia nova, de uma forma de diferenciar-se, destacar-se do comum e obter o novo, o original.
1.2 O consumo do luxo
O termo “produto de luxo” que antes tinha um significado restrito, abrangendo somente produtos muito caros, inacessíveis à maioria dos bolsos, hoje tornou-se mais abrangente. Os produtos de luxo ficaram cada vez mais acessíveis a públicos diversos devido à alta distribuição vinda de um novo conceito do marketing. Como escreveu Lipovetsky, “Em nossos dias, o setor constrói-se sistematicamente como um mercado hierarquizado, diferenciado, diversificado, em que o luxo de exceção coexiste com um luxo intermediário e acessível.” (LIPOVETSKY, 2005, p. 15). A banalização do luxo foi um resultado de duas mudanças ocorridas: o aumento do número de marcas de luxo e, como citado anteriormente, o investimento publicitário feito por essas marcas. "Para atender esses mercados, as grifes criaram uma segunda marca com preços menores" 1 , explica Jean-Claude Ramirez, sócio da Bain & Company, consultoria americana responsável pela pesquisa feita em parceria com a Altagamma, associação italiana da indústria de luxo (GASPAR E PEREIRA, 2007). Essas segundas linhas continuam dentro do segmento de luxo, mas foram criadas para possibilitar que consumidores mais jovens tenham acesso à grife. É o exemplo principalmente das marcas italianas, como a Giorgio Armani, que possui a Armani 1
Comentário de Jean-Claude Ramirez em entrevista concedida. In: <http://www.gestaodoluxo.com.br/gestao_luxo_novo/noticias/noticias04.asp>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012.
Collezione e a Emporio Armani; a Dolce & Gabanna com D&G; a Miu Miu, da Prada; e a Versace, que criou a Versus. Nos Estados Unidos, Ralph Lauren instituiu a Polo; DKNY é a segunda linha da Donna Karan; e Marc a segunda marca criada pela Marc Jacobs (PALOMINO, 2003). Com o fácil acesso a essas grifes a partir dos anos 1980, pode-se observar também uma corrente de expansão da falsificação e uma banalizando do acesso ao luxo. Como resultado temos hoje a existência de vários graus de luxo para públicos variados: o luxo, o semi-luxo e o falso luxo (LIPOVETSKY, 2005). Tudo oscila com a modernidade. Na segunda metade do século XIX, o costureiro Charles Frédéric Worth transforma claramente o papel de costureiro subordinado aos pedidos das clientes e passa a ser um estilista criador e independente, oferecendo produtos de luxo sob medida. A partir deste período o produto personalizou-se, começou a trazer o nome do costureiro e a aura de prestígio das grifes. “Com a alta-costura, o luxo torna-se pela primeira vez uma indústria de criação. Sem dúvida, o funcionamento das grandes casas continuam artesanal – o feito à mão, o sob medida, a qualidade e não a quantidade” (LIPOVETSKY, 2005, p. 43). A alta-costura promoveu o consumo de produtos exclusivos, mantinha a produção de qualidade em série limitada. Em 1880 surgem as técnicas de fabricação industrial. A união do artesanato com a indústria enfraqueceu, dando lugar à mecanização e consequentemente despontando às novas variações de luxo. Atualmente estamos num período em que Lipovetsky chama de “nova idade do luxo”: um pós-modernismo onde o universo econômico e empresarial tomou o lugar da identidade artística que o luxo possuía, onde a criação está diretamente conectada aos lucros e empresas investem pesadamente em lançamento e publicidade.
Não somente o número de marcas de luxo cresceu, mas ocorreu a midiatização dessas marcas. Com a forte concorrência, o mercado do luxo passou a utilizar táticas antes observáveis apenas no mercado de massa: investiu em comunicações de choque, como as que utilizam o apelo sexual, ou mesmo a chamada “publicidade viral”, encurtamento do ciclo de vida dos produtos e lançamentos mais frequentes, aumento das ofertas promocionais de seus perfumes e cosméticos e exigência de lucros rápidos. Essa democratização do mercado trouxe ainda novas mudanças no conceito de “luxo”. Se antes apenas o nome da grife bastava, agora o consumidor passou a identificar um produto de luxo a partir de outros valores, consagrando produtos que possuem um passado histórico e mantêm a ideia de atemporalidade. Houve uma mudança nas motivações e aspirações dos clientes, bem como a relação destes com o produto, surgiu o luxo a partir da emoção.
1.2.1 Luxo emocional
Na pós-modernidade nasce um novo conceito de luxo: o luxo conectado à emoção. Observa-se o surgimento de um público novo que não deseja somente o luxo em busca de status ou ostentação, mas buscam através do produto adquirir experiências, sensações novas. “Em um tempo de individualismo galopante, afirma-se a necessidade de destacar-se da massa, de não ser como os outros, de sentir-se um ser de exceção” (LIPOVETSKY, 2005, p.52), como uma inclinação ao individualismo. Sendo assim, a indústria procurou aperfeiçoar-se em produtos restritos à grupos pequenos ou sob medida. O próprio autor, em uma entrevista à Fernando Eichenberg, do site Terra Magazine, cita alguns exemplos:
No ultraluxo há essa dimensão experimental, mas também há mais serviços. Tom Ford, por exemplo, deixou a Gucci e abriu uma nova loja que fui visitar em Nova York, na Madison Avenue. Ele coloca a idéia do ultraluxo quando, em certas horas, abre sua loja apenas para os ultra-ricos. No futuro essa dimensão do serviço vai se desenvolver. Hoje o luxo investiu na produção de massa, vide Chanel, Guerlain, que se vê por tudo, no mundo inteiro. Mas o serviço está relacionado à pessoa. Esse é um vetor para o futuro. (…) A arte funciona um pouco hoje como um produto de luxo. Já era no passado, mas hoje é cada vez mais. Obra de arte há apenas uma, já perfumes N°5 da Chanel há milhões. Há também todo o sistema de coaching que organiza o tempo, a vida das pessoas. E também cada vez mais teremos objetos para casa ou bijuterias feitos sob medida. O ultraluxo será isso: uma personalização dos objetos e produtos e também dos serviços. (EICHENBERG, 2008). 2
O consumo do luxo, que antes era visto como um modo de inserir-se em um grupo ou classe social, hoje serve ao consumidor para satisfazê-lo emocionalmente e individualmente. Com a liberdade de escolhas e autonomia do indivíduo que a era pós-moderna trouxe, veio também a vontade de diferenciar-se, criar uma personalidade singular, uma particularidade. Não abrimos mão do luxo, apenas continuamos a utilizá-lo, mas de uma forma mais alternativa. A escolha da vestimenta, por exemplo, passou a depender bem mais das emoções estéticas ou sensitivas que a peça transmite ao indivíduo do que da ostentação de uma riqueza. O luxo passou a ser um convite à satisfação através do uso dos cinco sentidos. Buscando satisfazer as necessidades dos clientes, lojas como a Armani, Chanel e Louis Vuitton expandiram seus lucros no setor ultraluxo criando as chamadas flagship store, lojas que incluem no mesmo local spa, boates, restaurantes. “O que impedirá no futuro a Chanel de investir na hotelaria e em spas como locais de luxo? O spa é o futuro, porque você atinge o corpo, o universo da beleza. Quando
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Parte de entrevista com Gilles Lipovetsky. <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763082-EI6782,00Entrevista+Gilles+Lipovetsky+parte+I.html>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012.
In:
você está em um spa não é para se mostrar, mas para se sentir melhor.” EICHENBERG, 2008). 3 O indivíduo se destacou tanto que passou a ser ele mesmo a medida do luxo: a qualidade de vida que possui, a harmonia interior, o saber, a responsabilidade e seus objetivos. As empresas passaram a querer conhecer melhor seus clientes, personalizando suas preferências e necessidades. O resultado é que hoje não são mais os signos do patrimônio que ganham o primeiro plano, mas os níveis de ousadia. Quando um símbolo está perdendo seu significado na moda, cabe ao luxo criar uma nova liberdade, romper com um antigo ícone e provocar novas emoções, oferecer uma diferença provocante através da comunicação de marketing.
1.2.2 A roupa como produto de arte
A busca pela satisfação pessoal é o que move a sociedade hiperindividualista pós-moderna. Se antes a família e o casamento vinham antes da felicidade, e não necessariamente andavam unidos, hoje a procura por este ideal de felicidade permite a mudança constante de nossos modos de vida. O divórcio foi permitido, as mulheres podem controlar sua fecundidade. A sexualidade e suas escolhas são livres. As macrotendências apontam que a partir de um certo nível de riqueza, as conquistas materiais não satisfazem mais. Observa-se cada vez mais na sociedade a busca pela benevolência, pela espiritualidade e sensação de estar ajudando o próximo, levando felicidade ao outro ou criando algo para ser apreciado, como uma busca no
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Diálogo do filósofo Lipovetsky em entrevista. <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763082-EI6782,00Entrevista+Gilles+Lipovetsky+parte+I.html>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012.
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sentido da existência e um escapismo da angustia do vazio, da inutilidade e da morte. (EICHENBERG, 2008) 4. Compreendendo o que Maffesoli (2005) chama de “espírito do tempo”, as marcas de luxo procuraram investir na criação de fundações de arte, mudando um estereótipo que o universo do luxo possui: a ideia de que luxo está ligado somente ao superficial. O sentido de existência que o pós-modernismo busca parece que foi completamente absorvido pelas grifes. “As lojas de luxo usam artistas para criar suas vitrines. Há happenings, instalações nas lojas. As grandes empresas procuram mostrar que uma marca não é algo apenas comercial, mas que contribui à reflexão, a dar emoções, à criação.” (EICHENBERG, 2008) 5 . O luxo da existência incorporou-se inclusive no mercado das marcas de luxo que buscaram se aproximar do novo modo de viver de seus clientes. A moda tornou-se cada vez mais conectada à arte e a roupa passou a ser uma obra, tida de valores únicos. Com isso, veio a adoção de valores sustentáveis e de auxílio às populações que também foram pouco a pouco aderidos às empresas, buscando estar mais conectadas a valores ecologicamente corretos e que contribuem e tem sua participação no mundo, e simultaneamente, conectado com aquilo que gera, cria vida. Deste modo, as empresas de moda passaram a interagir com seus clientes, aproximando-os ao mostrar seus processos de criação e inspirações. Clientes cada vez mais exigentes regulam a nova forma de empresas agradarem à demanda. O consumidor passou a comprar não apenas pela satisfação que o produto pode proporcionar, mas o significado que ele possui e o processo por trás do seu trabalho de criação.
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Parte da entrevista com Lipovetsky. In: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763094EI6782,00.html>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012. 5 Entrevista com Lipovetsky. In: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763094EI6782,00.html>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012.
1.2.3 O luxo e a identidade do produto artesanal
O que podemos observar é que a importância dos produtos na sociedade pósmoderna vai além de seu valor funcional. Atualmente, o aspecto mais importante do produto é o significado que ele possui. O produto passou a ser uma linguagem possível de interpretação e pleno de significado individual e coletivo dentro do contexto em que é produzido. A partir do século XIX, com o surgimento das máquinas e o balanço econômico e cultural causado pela era industrial, chegou-se a pensar no desaparecimento definitivo do artesanato e de toda a cultura milenar das técnicas ancestrais. Mas foi com o início da reprodução em série que o produto “feito à mão” passou a ter um outro significado. Além de ser um método de produção mais dispendioso, passou a ser um produto pertencido por poucos, longe de caber à reprodução em larga escala (VINCENT-RICARD, 1989). O que observamos é o nascimento de uma nova geração de pessoas que assimila a tecnologia de ponta e a sensibilidade artesanal nos produtos. Ao mesmo tempo em que a tecnologia possibilitou as criações infindáveis da mente humana, podendo armazená-las e reproduzi-las inúmeras vezes em um ritmo acelerado, deu margem a um retorno às origens, como uma forma de preenchimento do vazio mecanizado da produção industrial. O artesanato é um meio de amadurecer as reflexões da criação e gerar resultados mais ricos em memórias. É o retorno às raízes que carrega a história e a excelência do produto, como a manufatura superespecializada, a nobreza dos materiais e a qualidade e delicadeza que o artesanato apresenta (VINCENT-RICARD, 1989).
Mais que um elo de tramas, o artesanato cultiva memórias pois conserva a forma dos dedos, das agulhas, de um modo singular de fazê-lo e tudo isso é irreproduzível. É a repetição dessas lembranças passadas secularmente que formam uma peça semelhante a um tecido, com a diferença especial de que cada vez que os dedos ou as agulhas passam pela fibra, formam uma linha ou curva diferente. Contam a história da civilização através da tradição do torcer de cada fio, é a textura de uma civilização visualizada através do artesanato local (VINCENT-RICARD, 1989). O produto artesanal é socialmente valorizado por possuir uma memória, um passado. São artigos dignos de diferenciação e distinção, em que o tempo lhes confere uma raridade e uma legitimidade. 6 A partir dos anos 1990 os produtos de luxo começaram a investir na autenticidade e identidade que o artesanato lhes conferia, sobre bases afetivas e emocionais, elementos de reconhecimento que são indispensáveis à identificação da marca. No entanto, a empresa por si deve aceitar alguns riscos, como trabalhar com matérias-primas cuja qualidade e quantidade nunca são totalmente previsíveis ou calculáveis: mudanças no clima podem atingir a colheita da matéria-prima ou mesmo imprevistos podem ocorrer no trabalho artesanal.
Hermès seleciona apenas o couro isento de qualquer cicatriz e não utiliza, na confecção de suas famosas bolsas “Kelly”, mais que a parte central da pele. O ponto dito “de seleiro” continua a ser costurado à mão pelos artesãos das oficinas de Pantin, e são necessárias nada menos que dezessete horas de trabalho manual para coser uma bolsa Kelly, e 36 horas para uma sela sob medida. Da mesma maneira, as peles de crocodilo são polidas naturalmente com uma pedra de ágata (semipreciosa) durante longas horas para revelar o verniz natural da pele (...). Na Vuitton, o acabamento das bolsas é feito igualmente à mão, bem como as encomendas especiais que são realizadas pelos artesãos das oficinas de Asnières. (LIPOVETSKY, 2005, p.146) 6
Para Gilles Lipovetsky, a palavra legitimidade se refere à autoridade, existindo dois tipos: a legitimidade pela tradição (costume artesanal) e a legitimidade pela criação (que deve ser constantemente renovada). Ambos devem possuir o tempo necessário para que sua longevidade possa ser valorizada (Lipovetsky, 2005).
Enfim, são detalhes que já fazem parte da imagem da grife e os consumidores reconhecem seus produtos pela qualidade, a estética e a ética que a empresa possui. Mas a procura é tanta que algumas dessas peças só são possíveis de comprar após meses em listas de espera ou em uma vasta busca em diversas lojas ao redor do mundo.
1.3 Identidade e sustentabilidade empresarial
Assim como o consumidor, cada empresa possui a sua identidade – propõe uma estratégia de vida, um modo de viver, compartilhando valores em comum e fazendo com que o cliente viva uma experiência. Cabe ao marketing aguçar essa emoção, fazendo com que o consumidor partilhe valores em comum e se identifique com a empresa. Como citamos anteriormente, podemos observar uma certa necessidade de mudança nas atitudes dos consumidores. É o chamado “luxo da existência”, onde abandona-se a ideia de que luxo é sinônimo apenas de futilidade e busca-se uma maior participação no mundo, uma forma de contribuir com o planeta e seus habitantes, gerando algo e não apenas consumindo para si. (EICHENBERG, 2008) 7 Observa-se, com certeza, o renascimento de uma ideia de comunidade, buscando-se ir além dos símbolos de consumo da modernidade, através da emoção, dos sentimentos e de outras coisas imateriais (MAFFESOLI, 2005). O que ocorre é uma ascensão do social sobre a esfera privada, consumidores deixaram de comprar apenas pela aquisição material e hoje procuram aquilo que lhes trará felicidade e autorealização, mesmo que a longo prazo. 7
Em entrevista com Gilles Lipovetsky. In: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763094EI6782,00.html>. Data de acesso: 16 de outubro de 2012.
Neste mesmo âmbito, as empresas incorporam ideologias de tendência dos consumidores, buscando assumir para si uma nova postura e a realizar ações que as aproximam do novo modo de viver dos consumidores, construindo uma nova imagem empresarial através do marketing sustentável.
Hoje, os consumidores são mais bem informados, mais exigentes e a uma só vez mais sensíveis aos preços e menos sensíveis à marca quanto tal. Assim, passa-se do luxo a qualquer preço, nos anos 1980, à justificação do preço pelo valor da criação, pelo valor do universo imaginário ou ainda pelos valores compartilhados com a marca. Para compras com forte envolvimento, como os produtos de luxo, daí por diante a coerência e a autenticidade da oferta ética e estética da marca é que serão capazes de levar à adesão do consumidor ao contrato que ela propõe e a aceitar um diferencial de preço justificado – preço do sacrifício ou do resseguro. (LIPOVETSKY, 2005, p.124)
As responsabilidades sócio e ambiental são valores importantes para uma empresa pois agregam informações à sua imagem e conferem maior credibilidade e confiança por parte dos consumidores. Observamos nos últimos tempos um aumento crescente do interesse do consumidor pelo que está por traz das etiquetas, como quem faz os produtos, como são tratados os trabalhadores e como o processo de fabricação afeta o meio-ambiente. (LEE, 2009) Esta preocupação dos consumidores e de algumas empresas foi tão enraizada que
deixou de ser apenas uma tendência e se tornou um movimento. As questões se enraizaram e por esta razão a eco fashion representa mais do que apenas uma mudança cosmética na indústria. Os consumidores tiveram um papel-chave na criação desse movimento e foi graças às suas demandas que a indústria reagiu ao que inicialmente era considerada a “ameaça” das questões verdes. Ao fazê-lo, contudo, uma nova verdade se revelou: a sustentabilidade pode ser um bom negócio. (LEE, 2009, p. 98)
Ao descobrirem as vantagens de acompanhar essa macrotendência, as empresas também descobriram como a falta de ação poderia afetar seus lucros.
Segundo artigo publicado pelo especialista em marketing de varejo, Rogério Tobias, pesquisas apontam que um consumidor fiel pode aumentar os lucros de uma empresa em 50% a 75% (SILVIA; TOBIAS, 2007) 8 . No entanto, essa fidelidade deve ser conquistada aos poucos, é uma captação de médio a longo prazo para a empresa. As ações sustentáveis e a política de responsabilidade social acabaram tornando-se necessárias para que a empresa possa competir no mercado atual. Além de trazerem um diferencial ao seu produto e uma florescente demanda, as medidas contribuem com a formação da identidade da marca, auxiliam a comunidade e ainda melhoram o desempenho dos empregados. “Ser sustentável também significa diminuir riscos, protegendo o valor da marca e gerenciando preocupações dos investidores” (LEE, 2009, p.104). Empresas que não incorporam medidas sustentáveis encontram algumas dificuldades como o alto gasto com produtos químicos, combustíveis, energia consumida e o gerenciamento dos resíduos gerados. Atualmente, apesar de serem ainda em um número baixo, algumas medidas do governo incentivam as empresas sustentáveis, como incentivos fiscais àquelas que se adéquam às regras ambientais, rigidez nas punições às empresas que não cumprem as leis ambientais; e a implementação de medidas que obrigam as empresas a terem programas de sustentabilidade. (BATISTA, 2012) 9 Durante a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável que ocorreu em junho de 2012, foi lançado um documento por meio do qual 226 empresas instaladas no país assumiram voluntariamente dez compromissos para impulsionar a chamada economia verde inclusiva e pediram mais estímulo do 8
Artigo de Rogério Tobias publicado In: <http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Importancia_do_marketing_para_a_Incorporacao_da_ sustentabilidade_da_marca_natura.htm>. Data de acesso: 03 de novembro de 2012. 9 Ações do governo segundo publicação In: <http://www.ecologiaurbana.com.br/empreendimentossustentaveis/empresas-sustentaveis-incentivos-do-governo/>. Data de acesso: 05 de novembro de 2012.
governo para apoiar essas empresas. A conferência entrou pra história como o evento de maior grau de participação de empresas do mundo todo já organizado pela ONU. No mundo inteiro empresas e governos vêm adotando atitudes semelhantes. Apesar do fato, alguns dos maiores responsáveis pela poluição no mundo, como Alemanha e Estados Unidos, continuam negando ações que protegeriam o meio ambiente, em vantagem de seus lucros e crescimento econômico. Mas vimos que países em ascensão econômica, como o grupo político de cooperação BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) se comprometeram na Rio+20 com ações que incluem a neutralidade de carbono, investimentos sociais, política corporativa para ajudar empresas que possuam metas sustentáveis, bem como endossar a Plataforma da Indústria Verde, uma iniciativa para empresas e governos integrarem conceitos ambientais e sociais em suas operações. (PICHE, 2012) 10 Além de fóruns e conferências mundiais que abrangem temas como a sustentabilidade sócio e ambiental, observa-se o interesse crescente sobre o assunto nas universidades, que incorporam questões sobre a sustentabilidade em seus currículos, e a introdução de espaços que incentivam a moda Eco em desfiles e feiras importantes. A feira prêt-à-porter de Paris criou em 2006 a primeira temporada do Autre Monde, Autre Mode (Outro Mundo, Outra Moda), hoje renomeada So Ethic, onde ocorre a exposição de grifes que cumprem os requisitos em uma dessas três áreas: “social (práticas trabalhistas justas), ambiental (tecidos ecológicos e reciclados) e econômica (revestindo os lucros nas comunidades)” (LEE, 2009, p.109). Observamos que as ideias de reaproveitamento e reciclagem vem ganhando força dentro das empresas e sendo exigidas pelos consumidores, o que transforma 10
Informações retiradas do site In: <http://www.ideiasustentavel.com.br/2012/06/as-empresas-nario20/>. Data de acesso: 05 de novembro de 2012.
pouco a pouco o cenário sociopolítico-econômico dos países. O que o consumidor deseja é que a ideia de ecologia como equilíbrio seja aplicada não apenas espírito da empresa, mas igualmente na esfera do consumo: requer a transparência na gestão das empresas, na relação com o cliente e, ainda, na descrição de seus produtos. Deste modo, conclui-se que fabricantes de roupas e tecidos terão que cumprir certos requisitos para competir no mercado do século XXI. Algumas empresas começaram a se preocupar com a produção e venda de roupas orgânicas, vindas de fibras naturais e não sintéticas que utilizam os métodos da agricultura orgânica, ou seja, não tratadas com pesticidas sintéticos ou químicos. Desde 1970 as fibras orgânicas vêm sendo aperfeiçoadas e hoje podemos encontrar no mercado luxuosas grifes como Stella McCartney, dos Estados Unidos, e a Osklen, no Brasil, produzindo moda orgânica e sustentável (CUNHA, 2011) 11 . São materiais reciclados, couros feitos da pele de peixes e a utilização de outras fibras como o bambu, lã orgânica, seda e cânhamo que começam a fazer parte das coleções ecofriendly, inclusive em lojas que oferecem produtos mais acessíveis, como a H&M e o Wal-mart.
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Pesquisa sobre fibras orgânicas retirada de endereço eletrônico. In:<http://textileindustry.ning.com/profiles/blogs/como-funcionam-as-roupas-1?xg_source=activity>. Data de acesso: 16 de novembro de 2012.
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