Narrativas Urbanas - O manifesto dos passos (2)

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narra tivas urba nas o manifesto dos passos

Aluna: Mariana Carvalho de Souza Orientador: Tiago Cunha JUN/2019


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“O caminhar, mesmo não sendo a construção física de um espaço, implica uma transformação do lugar e dos seus significados. A presença física do homem num espaço não mapeado – e o variar das percepções que daí ele recebe ao atravessá-lo – é uma forma de transformação da paisagem que, embora não deixe sinais tangíveis, modifica culturalmente o significado do espaço, e consequentemente, o espaço em si, transformando-o em lugar. O caminhar produz lugares. (...) o caminhar, uma ação que, simultaneamente, é ato perceptivo e ato criativo, que ao mesmo tempo é leitura e escrita do território.”

Francesco Careri

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SUMÁRIO 6

INQUIETAÇÕES

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CIDADE NÔMADE

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ERRÂNCIA E FLANEUR

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CAMINHAR NAS CIDADES CONTEMPORÂNEAS

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conceituação

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cidade convida o caminhar

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referência projetual

A HISTÓRIA DA ARQUITETURA NO CAMINHAR

fatores que influenciam na qualidade e velocidade do percurso

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contextualização e proposta

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mapas de análise

44

categorização dos pontos levantados

48

proposta dos percursos

64

aplicação da metodologia

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ampliações

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cortes

76

perspectivas

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bibliografia

percursos 01,02 e 03

desenvolvimento do percurso 03

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IN QUIE TA ÇÕES 6


O presente trabalho trata de uma reflexão acerca do espaço urbano e sua relação com os indivíduos que dele participam. As discussões seguintes surgiram de uma inquietação proveniente de uma série de percursos diários, onde tornavame refém da falta de tempo, do ritmo acelerado e da superexposição a informações. Trajetórias exclusivamente funcionais, onde o principal objetivo era chegar ao destino, enquanto o processo intermediário era desprezado. O questionamento a partir daí foi de que forma seria possível quebrar esse ritmo e funcionalismo atrelado aos percursos cotidianos e enriquecer a percepção do espaço urbano. Trata-se não só de uma crítica aos processos urbanísticos que remodelam a cidade constantemente de forma impessoal e genérica, mas também à maneira como o atual sistema produz seres alienados em relação ao espaço que os rodeia. A reflexão tem como objetivo convidar todos os habitantes a se tornarem caminhantes artistas e desbravadores de suas próprias cidades e assim resgatar o lado poético do ato de caminhar através de intervenções que sugerem percursos experimentais, e que assim, aguçam uma maior percepção dos espaços da cidade.

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A line made by walking Richard Long/1967

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CIDADE NÔMADE A HISTÓRIA DA ARQUITETURA NO CAMINHAR O caminhar como forma de expressão artística se configura como uma discussão recente no âmbito da arte, entretanto, o ato de atravessar o espaço como um processo simbólico de conquista é algo que vem desde o início da história da humanidade. Francisco Careri, em sua obra Walkscapes, com uma visão que desvia de uma ideia formal da arquitetura, traça uma relação que vai desde os nômades da pré história até artistas do século XX que utilizam do caminhar como prática estética. Com o intuito de entender as origens da arquitetura e assim do surgimento das cidades, o autor retoma os conceitos do binômio nômadessedentários como as duas grandes famílias em que se subdividiu o gênero humano. Os primeiros, estariam relacionados ao pastoreio e às eternas errâncias pelo território, enquanto os últimos se fixariam à terra ao praticarem a agricultura. Ao contrário da convicção comum, que defende a arquitetura como um invento sedentário, estritamente relacionada à construção física do espaço e como uma prática que surgiu da evolução dos pequenos vilarejos às grandes construções, Careri acredita que o nascimento da arquitetura está na verdade ligado ao nomadismo por meio da noção de percurso. O percurso, e mais especificamente as errâncias conduzidas pelo homem na paisagem paleolítica, dariam origem à percepção e a necessidade da construção simbólica do espaço.

“Se num primeiro período os homens podem ter-se servido das pistas abertas na vegetação pelas migrações dos animais, é provável que a partir de uma certa época eles mesmos tenham começado a abrir novas pistas, a aprender a orientar-se com referências geográficas e, por fim, a deixar na paisagem alguns sinais de reconhecimento mais estáveis. A história das origens da humanidade é uma história do caminhar, é uma história de migrações dos povos e de intercâmbios culturais e religiosos ocorridos ao longo de trajetos intercontinentais. É às incessantes caminhadas dos primeiros homens que habitaram a terra que se deve o início da lenta e complexa operação de apropriação e de mapeamento do território” Careri (p.44, 2002)

Seguindo a interpretação do autor acerca dos modos pré-históricos de habitar à Terra, a transumância nômade, portanto teria sido responsável pelas primeiras formas de demarcação do espaço e à noção de cartografia através dos mapas mentais formados baseados no deslocamento do observador. A lógica, portanto, de que a transformação do espaço teve origem no caminhar, permite entender a importância do percurso como processo anterior à arquitetura. O percurso, ou narração, seria um espaço imaterial responsável pela construção simbólica do espaço, levando assim à uma transformação cultural antes da transformação física. A errância, ou o caminhar de forma exploratória e sem rumo, caracterizase então como meio de desbravar territórios, a perceber, entender, descrever para então representar o espaço.

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a ERRÂNCIA

o histórico da errância urbana paralelo ao urbanismo moderno

Atravessando períodos históricos, traçase um paralelo da pré-história com a contemporaneidade, entre o ato de caminhar como prática de transformação simbólica atrelada ao nomadismo- e da errância como forma de intervenção urbana. Essa relação serviu de alicerce para uma série de vanguardas artísticas no século XX além de debates acerca da temática do caminhar e sua relação entre corpo e cidade que perpetuam até hoje.

Quase que de forma simultânea a esses períodos da história do urbanismo moderno, ascendiam diferentes críticas relacionadas à cada período e que conformariam o histórico das errâncias urbanas, seriam elas: 1.Período das flanêries, de meados e final do século XIX até início do século XX, que criticava a primeira modernização das cidades; 2.Período das deambulações, dos anos 1910-30, que fez parte das vanguardas modernas, mas também

Jacques e Jeudy, no livro Corpos e Cenários Urbanos: Territórios Urbanos e Políticas Culturais (2006), destacam a interessante relação de simultaneidade na qual se desenvolveu a história do urbanismo moderno e das vanguardas atreladas às errâncias urbanas do século XX. Os autores dividiram, a grosso modo, em três momentos distintos a história do urbanismo moderno:

criticou algumas de suas ideias urbanísticas do início dos CIAMs; 3.Período das derivas, dos anos 1950-60, que criticou tanto os pressupostos básicos dos CIAMs quanto a sua vulgarização no pós-guerra, o modernismo.

Os errantes urbanos não vagam mais pelos campos abertos como os nômades, e sim pelas grandes cidades modernas, todavia, vão contra o controle total dos planos impostos a eles. Estes

1. Modernização das cidades, de meados e final do século XIX até início do século XX; 2.As vanguardas modernas e o movimento moderno (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, CIAMs), dos anos 1910-20 até 1959 (fim dos CIAMs); 3.Modernismo do pós-guerra até os anos 1970.

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artistas, escritores e pensadores reproduziram através de textos e imagens produzidas nas práticas de andar pela cidade um olhar mais crítico em relação à apropriação dos espaços e ao urbanismo vigente na época.


O primeiro desses períodos, o qual auxilia na fundamentação das correntes que se originaram nos períodos seguintes, foi aquele em que surgiu a ideia da flanância. Os termos relacionados à flânerie datam dos séculos XVI e XVII, e designavam a ideia de passear, vagabundear e muitas vezes podia ser vista de forma pejorativa como se o gastar tempo fosse uma conotação para preguiça. Contudo, foi no século XIX que o termo passou a ganhar uma rica significação, quando Walter Benjamin, baseando-se na obra do poeta francês Charles Baudelarie, descreve a figura do flâneur parisiense como a visão de um indivíduo moderno frente ao cenário urbano da época.

“Não poder orientar-se em uma cidade não significa grande coisa. Mas se perder em uma cidade como quem se perde em uma floresta requer toda uma educação.”

Massagli (v.12, 2008) define o flâneur como o leitor da cidade, bem como de seus habitantes, através de cujas faces tenta decifrar os sentidos da vida urbana. O personagem, que caminha pelo hábito, que perambula pelas ruas, quadras e galerias e perde-se propositalmente, transforma a cidade em um espaço para ser lido, um objeto de investigação. Assim, os olhos e a pernas formam a essência da flanância, que através das andanças pela cidade busca experiências – para então transformá-las em conhecimento.

Walter Benjamin

Ainda que não houvesse uma intenção artística na figura da personagem por estar mais atrelada à imagem de um observador passivo, que analisa sem sair do anonimato, o conceito de flanar retoma à ideia do nômade na modernidade, trazendo a ideia do caminhar sem rumo como experiência urbana de descobrimento.

FLÂNEUR

O APAIXONADO OBSERVADOR DA VIDA URBANA 11


ato cria tivo

a errância como MANIFESTO

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Já no período entre guerras, e classificado como segundo momento de críticas, os dadaístas e surrealistas atravessaram o campo da escultura e da pintura e trouxeram suas discussões para a prática do urbanismo, com deambulações aleatórias e excursões urbanas à lugares banais de Paris. Careri (2002) discorre sobre como estes artistas acreditavam que o caminhar era uma experiência onírica e surreal, uma espécie de escrita automática no espaço real, capaz de revelar as zonas inconscientes e o suprimido da cidade. E ainda que, é a primeira vez que a arte rejeita os lugares célebres da cidade para reconquistar o espaço urbano.


Em um terceiro momento, entraram em cena

deriva é um ato que produz novos territórios a

os situacionistas, já no início dos anos 1950

ser explorados, novos espaços a ser habitados,

e pós Segunda Guerra Mundial, quando as

novas rotas a ser percorridas. É entender a

discussões se intensificaram ainda mais nos

cidade como um elemento lúdico e espontâneo,

CIAMs com a necessidade de reconstrução

e de uma forma mais ativa que o antigo flâneur,

rápida das cidades destruídas nos conflitos.

manifestar contra o sistema econômico vigente.

Os situacionistas, representados por nomes como Guy Debord e Constant, defendiam a

Estes artistas portanto, criticavam a maneira

construção de novas situações no meio urbano

como os novos meios de produção e o processo

e introduzíram a teoria da deriva, dentre outras

da automação contribuíam para reduzir o tempo

inúmeras discussões.

livre da sociedade. Por isto, o “jogo” da deriva e a construção de situações como a criação de

O termo deriva, no sentido de estar à deriva, sair

aventuras e uma forma de utilizar do tempo livre

à deriva, ou sair sem rumo pré-definido, tudo

como um tempo não utilitarista, e sim lúdico, ou

tem a ver com a ideia inicial levantada sobre

seja, perder o tempo útil e transformá-lo em um

a flâneurie e a errância. Segundo Careri, sair à

tempo lúdico-construtivo.

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CAMINHAR NAS CIDADES CONTEmPO RÂNEAS

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“Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a freqüência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de apreender. “ MILTON SANTOS

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A questão do caminhar passa a ter um novo sentido quando inserida no contexto das cidades contemporâneas. Com o avanço da pós-modernidade, novas problemáticas se intensificaram no meio urbano, como o processo de globalização e a criação de espaços cada vez mais homogeneizados e funcionais. A velocidade dos deslocamentos, da comunicação e das ações se acelerou, e como consequência a relação de tempo entre corpo físico x corpo da cidade tornou-se mais efêmera. Essa fugacidade temporal pode ser exemplificada nas multidões perpassando pelas vias em um cooper diário, majoritariamente funcional, onde não há espaço para passos lentos. Caminhar por contemplação, errar pela cidade, tornou-se quase um ato de resistência.

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Jacques (2008), embasada nos estudos dos situacionistas, levanta como crítica a espetacularização das cidades como causa do empobrecimento da experiência urbana. Nessa lógica, a cidade torna-se um cenário, e a “imagem única” que tenta se criar a partir dela, através das intervenções urbanísticas e as ditas revitalizações, torna-se semelhante à tantas outras, frutos da globalização. Como consequência, a autora aponta para o paradoxo: quanto mais espetaculares forem as intervenções urbanas menor será a participação da população nesse processo. À essa redução da ação urbana, relacionase uma perda de corporeidade, ou seja, a cidade quando um simples cenário funciona


como um “espaço desencarnado”, sem corpo. Em contrapartida, quando ela é praticada, e apropriada, cria-se uma relação entre o corpo do cidadão e o “corpo urbano”. A partir daí, vêse a necessidade de induzir essas experiências corporais, as errâncias, como forma de vivenciar e apreender o espaço. Essas errâncias seriam uma maneira de descobrir os espaços vazios e esquecidos da cidade, mas plenos de pontecial. SoláMorales (1995) acredita que os espaços vazios representam a ausência de utilização, mas também a esperança, o espaço do possível. Segundo o autor, “o indefinido, o incerto também é a ausência de limites, uma sensação quase oceânica a espera da mobilidade e da errância”.

Estreitar essa relação corporal e sensorial com o meio urbano é uma forma de manifesto contra uma posição passiva na cidade. Carece o que Helio Oticica considerava como o “poetizar urbano”, que seria relembrar, diante de todas essas preocupações funcionais e formais, do grande potencial poético presente nas cidades, e mais precisamente, das experiências resultantes da relação entre o corpo físico e o corpo da cidade. Para compreender mais afundo esse processo exploratório pela cidade é importante explicitar quais características configuram um ser errante. Jacques, em Corpografias Urbanas (2008), elenca três qualidades principais: a capacidade de desorientação (perder-se), a lentidão, e a corporeidade.

“As ruas já não conduzem apenas a lugares, elas mesmas são lugares” JOHN BRINCKERHOFF JACKSON

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O SER ERRANTE

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PERDER-SE

caracteriza-se como o processo que vai da orientação, passa pela desorientação, até a reorientação. O interesse do errante estaria exatamente no segundo momento destes, uma vez que este estado efêmero de desorientação espacial é quando todos os outros sentidos, além da visão, se aguçam permitindo uma outra percepção sensorial. Quando estamos perdidos, ficamos atentos aos detalhes, aos sons, cheiros e ao nosso próprio corpo.

LENTIDÃO

é a característica que está mais atrelada a uma forma de resistência à aceleração contemporânea. Também pode ser entendida como uma consequência do ato de se perder, uma vez que quando se está perdido, o corpo passa automaticamente para um movimento do tipo lento, em busca de outras referências espaço-temporais. O errante, portanto, realiza um movimento do tipo lento, e é um lento consciente e voluntário que se nega a entrar no ritmo rápido da cidade contemporânea.

CORPOREIDADE

é relação entre corpo e cidade. A corporeidade se daria através da incorporação, ou seja, da própria ação do corpo errante no espaço urbano, seria uma forma de memória urbana iscrita no corpo, que também pode ser chamada de corpografia urbana. Trata-se de uma propriedade individual e que se desenvolve como uma consequência dos outros conceitos, a partir do momento que há a presença do corpo experimentando novas percepções.

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cidade convida o caminhar PAISAGEM URBANA E IMAGINABILIDADE Ao defender o ato de caminhar como uma forma de conquistar o espaço urbano através da apreensão, compreensão e incorporação da paisagem urbana, torna-se importante entender de que forma os aspectos físicos e sociais interferem na percepção dessa paisagem. Tem-se consciência de que as motivações que vão induzir as ações do caminhante são muitas vezes subjetivas, entretanto, é possível elencar alguns fatores que podem se tornar condicionantes da trajetória. Lynch (1997) considera que a imagem criada pelo indivíduo é um conjunto de sensações experimentadas ao observar e viver em determinado ambiente, ou seja, que as imagens são um resultado direto das relações entre o indivíduo e o meio. Dessa forma, a percepção que se tem sobre um espaço é individual e seletiva e está atrelada às características individuais, aos conhecimentos, experiências e memória do observador e participante. Uma imagem única não representa a imagem de toda a cidade, entretanto, o autor conclui que há um certo padrão nas percepções mentais de grupos com características semelhantes, ou seja, particularidades como histórico sociocultural, gênero e cor influenciam na percepção que se tem sobre o espaço. Para Lynch, “parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de muitas imagens individuais”. Não é o escopo deste trabalho identificar uma única imagem sobre a cidade, mas entender de que forma essa percepção do ambiente habitado influencia na relação e na identificação que se tem com a cidade em que se vive, bem como a ampliação que ocorre desta percepção ao caminhar pelo meio

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urbano. Lynch, ainda em a Imagem da Cidade, introduz o conceito da imaginabilidade, que seria a qualidade de um objeto físico que lhe proporciona uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. Segundo o autor (1997), “Uma cidade altamente “imaginável” pareceria distinta, digna de nota, convidaria o olho e ouvido a uma atenção e participação maiores. O domínio sensorial de tal espaço não seria apenas simplificado, mas igualmente ampliado e aprofundado. Uma cidade assim seria apreendida, com o passar do tempo, como um modelo de alta continuidade com muitas partes distintivas claramente interligadas.”

Deste modo, quanto mais “identificável” for uma rua, quadra, ou bairro, maior o seu teor de imaginabilidade e maior a apreensão sensorial que o indivíduo tem destes. A partir das análises sobre as características da cidade que lhes confere identidade, Lynch as classifica em cinco elementos: caminhos, limites, bairros, pontos nodais e marcos. Os cinco elementos definidos por Lynch executam o papel de condicionantes físicos da vista, contudo, o mais relevante para esta discussão é o primeiro deles, relacionado aos caminhos. O próprio autor destaca os caminhos como os elementos mais citados pelos entrevistados em sua pesquisa como elementos estruturadores da percepção ambiental. Seria ao longo deles que, à medida que o indivíduo se locomove, os outros elementos ambientais se organizam e se relacionam. Através das diferentes reações corporais que se formam pelo ato de percorrer a cidade e o entendimento do porquê se seguir por um percurso, e não outro, cria-se uma identidade, e assim, uma imaginabilidade, acerca do espaço.


ESPAÇOS PÚBLICOS DE QUALIDADE COMO CONVITE Para Jan Gehl, em Cidades Para Pessoas (2015) o pré-requisito para a existência da vida urbana é oferecer boas oportunidades para caminhar. Segundo o autor, uma caminhada pela espaço urbano é uma espécie de “fórum” para as atividades sociais que acontecem durante o percurso, e que o meio urbano deve propiciar boas condições para que as pessoas caminhem, parem, sentem-se, olhem, ouçam e falem. Dessa forma, Gehl traça uma relação entre a qualidade do ambiente físico com a recorrência de atividades que acontecem no meio urbano.

Percebe-se que a recorrência de atividades necessárias (como ir ao trabalho ou à faculdade) não sofre impacto independente da característica do espaço público, uma vez que tratam-se de ações obrigatórias para o indivíduo. Entretanto, um aumento na qualidade do ambiente estimula, em especial, as atividades opcionais, onde se enquadra o errar pela cidade por prazer, e esse aumento, por consequência estimula substancialmente as atividades sociais. Ou seja, quanto mais alta a qualidade do espaço, maior o convite para atividades opcionais e ,por consequência, atividades sociais.

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INFLUENCIAM NA QUALIDADE Baseado nos estudos de Gehl e outros autores que procuram entender as variações das percepções que se tem ao caminhar pela cidade, é possível elencar alguns fatores que podem influenciar na qualidade do percurso e logo no interesse que se tem pelo mesmo.

a PRESENÇA

locais de interação SOCIAL E CULTURAL funcionam como pontos atrativos de encontro e assim convidam mais pessoas

DA NATUREZA é

a SENSAÇÃO

um importante fator na qualidade do percurso por poder representar uma opção de benefício restaurador, ou seja, oportunidade para descanso, contemplação e relaxamento

DE SEGURANÇA

seja relacionada à violência ou ao tráfego de veículos é crucial para uma caminhada pela cidade

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INTERESSE VISUAL caminhos muito LINEARES tendem a ser cansativos por reforçarem uma ideia de infinidade e serem, portanto, menos interessantes

caminhos

fachadas com predominância de linhas HORIZONTAIS e INATIVAS/CEGAS reforçam a distâcia a ser percorrida, podem trazer a sensação de insegurança e são menos convidativas.

fachadas com predominâcia de linhas VERTICAIS E COM ATIVIDADES TÉRREAS, ou seja, ativas, trazem mais vida para rua e tornam o percurso mais convidativo.

opções

de QUEBRA DO PERCURSO em trechos despertam a curiosidade e direcionam a vista para outros elementos, logo, podem se tornar mais interessantes

fachadas VIVAS

com

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FATORES QUE INFLUENCIAM NA VELOCIDADE

quanto + linear+ rรกpido

quanto + amplo+ lento

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QUALIDADE DO PERCURSO

QUANTIDADE DE PESSOAS

IDADE

MOBILIDADE DO PEDESTRE

SUPERFÍCIE DA CALÇADA

OSBSTÁCULOS NO CAMINHO

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REFERÊNCIA PROJETUAL

VALPO AFECTIVO PROJETO: DERIVELAB / LOCAL: valparaíso O DeriveLAB é de um grupo chileno multidisciplinar que tem que como objetivo repensar as novas formas de viver na cidade. Tendo como metodologia de projeto a deriva, o grupo realizou um projeto para o Cerro Cordillera, em Valparaíso, que visa potencializar as características da região bem como solucionar alguns problemas levantados pela população. O Valpo Afectivo se configura como um projeto de micro intervenções, de baixo custo e caráter reversível, ligadas por trajetos temáticos e pensadas em um plano que abrange toda a área.

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O projeto, na criação de um mapa afetivo, busca rotas escondidas, desconectadas, obscurecidas para contemplá-las, conectá-las e iluminá-las. Estas rotas são traçadas a partir de pontos de interesse da cidade, que tenham uma representatividade para quem vive ali, e em locais potenciais ao longo desses percursos são definidos pontos de atuação, onde são inseridas as estruturas de intervenção que servem como portais e também como marcos referenciais. De acordo com cada temática dos trajetos os portais se adaptam para diferentes diretrizes.


PORTAL GUIA

PORTAL JOGO

o portal guia serve como indicador de que o caminhante está passando por uma rota específica, ele pode conter alguma instrução funcionando como ponto de informação.

o portal jogo tem como objetivo se instalar de forma a recuperar áreas abandonadas com potencial para se tornarem espaços públicos

3m

3m

3m

3m

2m

0,8

1,

m

3m

3m

2m

1,5 1,2

m

1,2

m

m

PORTAL iluminado

PORTAL DO ENLACE

o portal iluminado responde à uma carência na iluminação nas zonas mais altas da cidade, oferece um espaço de permanência e maior segurança

o portal do enlace foi pensado como uma infraestrutura para transporte público, proposto para locas com dificuldade de acesso

Os portais são uma forma de apropriar espaços excluídos ao liga-los com pontos de interesse na cidade. Assim, promovem a integração de diferentes atores urbanos e reproduzem novos focos de interesse social, cultural e artístico. O que se destaca nesse projeto é a característica de se pensar na cidade desde uma escala global, através dos percursos que conectam os pontos mais afastados e costuram a cidade, até a escala local capaz de gerar um impacto mais concreto na ressignificação de áreas negligenciadas.

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viçosa CONTEXTUALIZAÇÃO

O objeto de estudo deste trabalho é a cidade de Viçosa, localizada na Zona da Mata mineira. Viçosa conta com uma população de cerca de 77 mil habitantes, segundo o Censo IBGE 2016, e com a presença de um forte condicionante na urbanização do município, a Universidade Federal de Viçosa (UFV). Por estar localizada na região central da cidade, desde sua criação em 1922, Viçosa tem passado por um processo acelerado de urbanização enquanto a disputa por uma porção do solo nas proximidades da Universidade causou uma intensa especulação imobiliária. Este processo teve como consequência um centro urbano adensado, verticalizado e desordenado, um ambiente caótico em contraste com a UFV que se caracteriza como uma grande malha verde inserida na cidade. A construção acelerada de edifícios ignorou encostas, marcos históricos e principalmente o rio, que teve grande parte de sua extensão canalizada. Além dos problemas estruturais, a priorização dos

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espaços privados em detrimento de espaços públicos tem como fruto uma escassez de áreas destinadas ao lazer, descanso, e interação social, e consequentemente à qualidade de vida. Os terrenos vazios, esquecidos em meio a este processo, sofrem hoje da especulação imobiliária, quando poderiam tornar-se espaços públicos. O surgimento de outras instituições de ensino e o crescimento econômico da região influenciou em novos eixos de expansão, onde há a oportunidade de construção de novas moradias e consequentemente comércios e serviços. Enquanto isso, o centro da cidade e cerne de maior imaginabilidade da cidade, enfrenta problemas de difícil solução e demanda novos tipos de discussão acerca da apropriação de um espaço tão adensado. Por esse motivo, optou-se por trabalhar na região central e suas imediações visto à complexidade e diversidade de funções que acontecem diariamente ali.


N

VIÇOSA

0

31

100

200

300 m


pro pos ta

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Baseado nas reflexões expostas sobre a errância e na necessidade de se repensar as formas de apropriação do espaço urbano em Viçosa, este trabalho tem como objetivo sugerir percursos experimentais pela cidade que dêem luz ao esquecido, aos espaços escondidos, suprimidos ou subutilizados. Entende-se que não se pode nem se deve projetar algo como a errância, entretanto, espera-se que esses percursos ao aguçar a perceção de determinados espaços urbanos funcionem como um convite aos habitantes de Viçosa a se tornarem caminhantes desbravadores de sua própria cidade, e assim, resgatar o lado poético de se perder e se devagar pelas ruas como um flâneur. Tendo em vista esse objetivo, fez-se necessário primeiro entender de que forma a cidade se configura, quais são seus espaços potenciais e onde estão os espaços vazios e esquecidos no meio urbano; elencar os pontos que já exercem uma ideia de imaginabilidade coletiva e são atrativos para a interação social, como funcionam quesitos físicos como fachadas e calçadas para encontrar pontos atrativos visualmente ou não e que podem influenciar na velocidade do pedestre; e por onde passa a maior parte dos transeuntes diariamente, para finalmente criar uma metodologia de demarcação dos percursos. Essa metodologia visa compreender a cidade a partir de uma grande escala, passa pelo processo do desenho de percursos, para então sugerir diretrizes de aplicação na escala do pedestre.

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ANÁ quarteirões limitados por encostas que funcionam como “barreiras laterais” para o pedestre

500 m

QUARTEIRÕES, CHEIOS E VAZIOS

500 m

cheios vazios quarteirões (>250m)

maiores concentrações de vazios urbanos

N

OBS1: Tendo como base que os tamanhos dos quarteirões do centro da cidade, percebeu-se que a maioria deles possui menos de 250 m de comprimento, e por isso aqueles que apresentam uma medida maior que esse valor foram considerados longos quarteirões. Esses quarteirões, portanto, representam menos opções de percurso e caminhos mais cansativos para o pedestre.

0

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100

200

300 m


LISE

maior parte da área verde da cidade concentrada dentro da Universidade

500 m

500 m

3

presença de natureza

1

2

as poucas matas remanescentes às margens dos rios estão escondidas nos miolos das quadras bem como o próprio rio

vegetação rio/ lagoa pontos de visada para rio 1. Ribeirão São Bartolomeu 2. Córrego da Conceição 3. Lagoa da UFV

N

os espaços verdes inseridos no meio urbano se limitam às duas das principais avenidas e algumas praças, porém necessitam de mais manutenção e incentivo

0

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100

200

300 m


ANÁ

500 m

500 m

FLUXO DE PEDESTRES

grande fluxo diário de pedestres nas avenidas que direcionam à UFV e seus limites

intenso moderado baixo

concentração de pedestres em pontos nodais como cruzamentos entre avenidas

N

grande concentração de pedestres durante o dia na região do Calçadão, Calçadinho e Shopping Chequer, áreas mais comerciais da cidade

0

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100

200

300 m


LISE

500 m

500 m

grande fluxo de automóveis ao redor da rodoviária e da entrada da cidade

FLUXO DE VEÍCULOS

apesar do fluxo em direção à UFV ser intenso durante a semana, aos fins de semana o movimento passa a ser baixo

intenso moderado baixo

N

Avenida Bueno Brandão e Rua Gomes Barbosa destacam-se por apresentarem maior fluxo de veículos que de pedestres

0

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100

200

300 m


ANÁ

500 m

500 m

ruas de intenso movimento de pedestres e inexistência de calçadas: pedestres disputam espaço com veículos

QUALIDADE DAS CALÇADAS

ruas inteiras com calçadas ruins como a Gomes Barbosa não são nada convidativas

boas médias ruins inexistente

calçadas ruins ou a inexistência delas coincide muitas vezes com a presença de um terreno vazio na rua e a falta de cuidado relacionada à sua testada OBS2: Para a classificação das calçadas como boas, médias, ruins ou inexistente foi levado em consideração a largura das calçadas, a superfície, a continuidade e a quantidade de obstáculos presentes na calçada.

MÉDIAS são calçadas que atendem a cerca de metade das categorias ou que apresente uma qualidade média de todas as categorias. Como por exemplo uma calçada não muito larga ou estreita, que apresenta continuidade e boa superfície mas com existência de alguns obstáculos no caminho.

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RUINS calçadas que não atendem à nenhuma das categorias, ou mesmo que atenda mas possua uma deficiência muito discrepante em alguma delas. INEXISTENTE em trechos da cidade onde não existe calçada e o pedestre é obrigado a transitar na rua

N

BOAS são calçadas que atendem que atendem à todas ou à maioria das categorias de: largura suficiente, superfície, continuidade e pouca ou nenhum obstáculo.

0

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200

300 m


LISE

500 m

QUALIDADE DAS fachadas

500 m

áreas de maior concentração de vias com fachadas cegas

ativas inativas cegas

pontos combinados entre vazios e fachadas cegas aumentam significantemente a sensação de insegurança do pedestre

OBS3: Para a classificação das fachadas foram consideradas:

as vias com maior porção de fachadas cegas ou inativas muitas vezes coincidem com as vias de menor fluxo de pedestres

ATIVAS fachadas que apresentem algum tipo de comércio ou outro fator que movimente aquela porção da calçada. INATIVAS fachadas principalmente residenciais e garagens.

N

CEGAS fachadas que são representadas por muradas, grandes paredes sem aberturas, sem visada para a rua. 0

39

100

200

300 m


ANÁ

IMAGINABILIDADE COLETIVA

500 m

500 m

1

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18

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19

23

13. Shopping Chequer 14. Rua Milton Bandeira 15 Praça do Rosário 16. Calçadão e Calçadinho 17. Rua Padre Serafim 18. Estação 19. Avenida Bueno Brandão 20. Casa Arthur Bernardes 21. Praça Silviano Brandão 22. Igreja Santa Rita de Cássia 23. Colégio Nossa Senhora do Carmo

N

1. Universidade Federal de Viçosa (UFV) 2. Rua dos Estudantes 3. Avenida PH Rolfs 4. Ladeira dos Operarios 5. Cemitéri 6. Rua Gomes Barbosa 7. Avenida Santa Rita 8. Escola Municipal Edmundo Lins 9. Prefeitura 10. Viçosa Clube 11. Posto Caçula 12. Rodoviária

0

40

100

200

300 m


LISE 500 m

500 m

1

Iinteração social

2

3 5 6 7

4

8

9 10

7. Estação (shows, exibições, ponto de encontro) 8. Trecho no nível mais baixo da Avenida Bueno Brandão (feira de produtores às quartas-feiras a noite) 9. Praça Silviano Brandão 10. Igreja Santa Rita de Cássia

N

1. Gramado da Universidade (espaço de shows, mostras, aulas ao ar livre, ponto de encontro) 2. Quatro Pilastras (ponto de encontro, de manifestações) 3. Trecho inicial da Avenida Santa Rita (bares, uso da rua e do canteiro central) 4. Feira Livre de Viçosa (aos sábados de manhã) 5. Praça do Rosário 6. Calçadão e Calçadinho

0

41

100

200

300 m


42

QUALIDADE DAS CALÇADAS

PRESENÇA DA NATUREZA

QUARTEIRÕES, CHEIOS E VAZIOS

PONTOS DE INTERESSE


43

INTERAÇÃO SOCIAL

IMAGINABILIDADE COLETIVA

FLUXO DE VEÍCULOS

FLUXO DE PEDESTRES

QUALIDADE DAS FACHADAS


categorias de interesse Após a análise da cidade de Viçosa no aspecto físico e social, foi possível dividir os espaços da cidade em três categorias de interesse para o projeto: as categorias A, B e C explicadas abaixo. Dentre elas, destacou-se os principais pontos onde seria possível haver uma atuação.

A.

PONTOS QUE JÁ EXERCEM UMA FUNÇÃO SOCIAL E SÃO ATRATIVOS PARA O CAMINHAR AINDA QUE APRESENTEM ASPECTOS FÍSICOS A SEREM APRIMORADOS

b.

PONTOS DE ESPAÇOS URBANOS DE BAIXA QUALIDADE, POUCO ATRATIVOS, PORÉM COM POTENCIAL (próximos a pontos de interesse, praças já consolidadas mas sem uso, entre outros)

c.

PONTOS COM POSSIBILIDADE DE CONEXÃO FÍSICA HOJE INEXISTENTE (ou pouco conhecida) + DESCOBERTA DE ELEMENTO DE INTERESSE

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pontos de interessese 1. Universidade Federal de Viçosa (UFV)

5. Calçadão e Calçadinho

2. Avenida PH Rolfs

6. Praça Silviano Brandão

3. Shopping Chequer

7. Trecho inicial Avenida Bueno Brandão

4. Praça do Rosário

8. Avenida Santa Rita

1. Rua dos Estudantes

5. Trecho final Avenida Bueno Brandão

2. Rua Milton Bandeira

6. Rua Gomes Barbosa

3. Praça Dr. Cristóvão Lopes de Carvalho

7. Travessa Purdue

4. Rua Vereador José da Silva Cruz

8. Travessa Irmã Francisca

1. Conexão entre Praça do ed. Carandiru + Rua dos Estudantes | descoberta do Ribeirão São Bartolomeu

Balaústre | reconectar com a memória da cidade através do jardim da Casa Arthur Bernardes

2. Conexão entre Praça Dr.Crist. Lopes de Carvalho + Avenida PH Rolfs | descoberta de um terreno vazio inserido numa região adensada com potencial para espaço público

5. Conexão entre Avenida Santa Rita + Travessa Purdue | descoberta do Córrego da Conceição

3. Conexão entre Praça do Rosário + Milton Bandeira | descoberta do Ribeirão São Bartolomeu 4. Conexão entre Praça Silviano Brandão + Trecho final do

6. Conexão entre Rua Francisco Machado + Praça Antônio Araújo | descoberta escadaria escondida no meio urbano 7. Conexão entre Rua Elvira Santa + Rua Santa Luiza | descoberta do Córrego da Conceição

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POSSIBILIDADEs de percursos O processo de pontuar os espaços mais conhecidos da cidade, espaços pouco conhecidos ou pouco utilizados, e as possíveis conexões hoje inexistentes que apresentam um ponto de interesse levou ao entendimento de que na maioria das vezes esses pontos podem ser conectados.

entrar em contato com o então desconhecido. Essa descoberta de uma nova conexão seria uma forma de potencializar a momentânea desorientação pela cidade e o estado lento do caminhante e também possibilitar uma nova utilização e percepção de espaços potenciais na cidade.

A rede de conexões entre eles formam inúmeras possibilidades de caminhos, portanto, a fim de facilitar a escolha de percursos para atuação, optou-se por utilizar como estratégia de projeto conecetar sempre pelo menos um ponto mais conhecido, com um pouco conhecido/utilizado através de uma conexão hoje inexistente.

Entende-se que essa metodologia é apenas uma das diversas possibilidades que existem para aplicação de um tema tão subjetivo como as errâncias pelo meio urbano, ainda mais em uma cidade plural como Viçosa, que não passou por um processo de planejamento ordenado e portanto seu desenho urbano não tende a seguir um padrão. Exatamente por isso, essa metodologia visa não projetar errâncias, mas sim descobrir e potencializar os espaços na cidade que podem ser palco das excursões ao meio urbano

Essa estratégia parte da premissa de que o ponto mais conhecido servirá de atrativo para os percursos que vão se seguir e a partir daí

PONTO MAIS CONHECIDO

PONTO DESCONHECIDO

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PONTO MENOS CONHECIDO/ UTILIZADO


Diagrama de rede formada pelos pontos de interesse levantados

Analisando a viabilidade, a qualidade do percurso e os elementos de interesse presentes nele, traçou-se finalmente três percursos para servirem como experimento da metodologia. Essa escolha levou em consideração também aqueles que pudessem trazer maior impacto para e efetividade das diretrizes de projeto. Portanto, os três trajetos estão inseridos nos maiores pontos de imaginabilidade da cidade para servirem então como ponto de atração:

PERCURSO 01

.PERCURSO 01 tem como pontos atrativos a Avenida Ph Rolfs e a Universidade Federal de Viçosa; .PERCURSO 02 a Praça Silviano Brandão; .PERCURSO 03 a Avenida Santa Rita.

PERCURSO 02

47

PERCURSO 03


48


49


diretrizes de projeto DESLOCAMENTO LENTIDÃO

. obstáculos (mobiliário, vegetação) . atrativos visuais . quebra de percurso

DESORIENTAÇÃO (PERDER-SE)

.nova opção de percurso (desconhecido, descoberta) . jogo/ interrupção visual (não ver o final do caminho)

PERMANÊNCIA CONTEMPLAÇÃO

.natureza .vista da cidade .outros elementos visuais

LÚDICO

.cores .brinquedos .natureza .espaços mutáveis

INTERAÇÃO SOCIAL .pontos de encontro, reunião .espaços abertos

DESCANSO .mobiliário .natureza .silêncio

ATIVIDADES CULTURAIS

.artes plásticas, dança, música, cinema .artistas de rua .exposição

50


A fim de se estabelecer um padrão para que as intervenções possam ocorrer independente do percurso escolhido, definiu-se algumas diretrizes de projeto que vão estar relacionadas à categoria de espaços definidos anteriormente. O primeiro grupo de diretrizes, chamou-se de deslocamento por estar mais relacionado ao ato de caminhar propriamente dito, ou seja, estão relacionadas ao movimento. Dessa forma, são diretrizes que podem convidar o caminhante a seguir por um novo percurso, quebrar em mais trechos seu percurso origial, andar mais

lentamente e prestar mais atenção ao entorno enquanto caminha. O segundo grupo de diretrizes, chamado de permanência são diretrizes atreladas às pausas pelo trajeto. Entende-se que para que um trajeto seja convidativo e ofereça oportunidades de despender tempo ali é interessante induzir caracaterísticas que convidem não só a passar por ali, como ficar. Retomando a ideia dos situacionistas, seria perder o tempo útil e transformá-lo em um tempo lúdico-construtivo.

A.

PONTOS CONHECIDOS QUE EXERCEM FUNÇÃO SOCIAL

b.

PONTOS POUCO CONHECIDOS OU POUCO UTILIZADOS (POTENCIAIS)

c.

PONTOS DE PROPOSTA DE NOVA CONEXÃO FÍSICA

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A. AVENIDA PH ROLFS

PERCURSO 01

52


B. RUA DOS ESTUDANTES

C. CONEXÃO PRAÇA ED. CARANDIRU

0

100

200

N

53

300 m


O PERCURSO 01 é dado pelos caminhos que englobam a Avenida Ph Rolfs ou UFV, a praça do Edifício Carandiru, o terreno vazio por onde passa o Ribeirão São Bartolomeu e a Rua dos Estudantes. Neste percurso a estratégia de projeto é apresentar uma opção de quebra de percurso para quem caminha nas movimentação da Avenida PH Rolfs ou vem da Universidade, trazendo com essa quebra a descoberta de uma praça que hoje não é de uso público. Com a retirada do muro da praça

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e a conexão com o terreno vazio cria-se uma nova ligação na cidade e com ela a ideia de desorientação ao adentrar o desconhecido. O caminho ao longo do rio dá oportunidade para os passos lentos e para a contemplação, e serve como um atrativo visual para quem vem da Rua dos Estudantes também se sentir convidado a usufruir dessa nova sensação.

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56


57


O PERCURSO 02 está compreendido entre a Praça Silviano Brandão, a casa Arthur Bernardes e o trecho de baixo da Avenida Bueno Brandão. A proposta neste caso é sugerir a abertura dos portões da Casa Arthur Bernardes para o livre trânsito entre as duas ruas, dessa forma, o caminhante terá a oportunidade de se reconectar com um patrimônio da cidade de uma nova maneira. Assim, o jardim da Casa Arthur Bernardes traz a oportunidade tanto para descoberta quanto para interação social, descanso, e conhecimento do patrimônio. Esse novo fluxo proveniente entre as duas ruas poderia

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também dar maior visibilidade à parte mais baixa e mais problemática da Avenida Bueno Brandão, conhecida como Balaústre. Hoje, por não possuir calçada de um dos lados e ser cercada por muitas fachadas cegas, é um ponto de insegurança na cidade. Ao chamar atenção para esse espaço e conectá-lo com a parte de cima (mais utilizada) é possível trazer uma opção de devagar-se por um espaço pouco conhecido e explorar suas potencialidades nos longos muros ao expor arte eou projeções de cinema, por exemplo.

59


60


61


O PERCURSO 03, é o mais longo e plural. Está contido entre a Avenida Santa Rita, Travessa Purdue, Praça Antônio Araújo e seus espaços escondidos entre eles, como os terrenos vazios, subutilizados e a escadaria que leva à praça. A proposta é apresentar uma opção de quebra de percurso tanto na Santa Rita quanto na Purdue e gerar uma desorientação ao passar por um novo caminho proposto ao longo do Córrego da Conceição, que hoje não é visto de nenhuma das ruas por conta dos muros. Esse novo caminho traz uma oportunidade de se perder em um local antes conhecido e descobrir um elemento da natureza que quase não é visto na cidade. Do outro lado da Travessa Purdue, onde também existe um vazio urbano por onde o córrego passa, seria uma oportunidade de utilizar das características da lentidão para oferecer um ponto de contemplação e descanso.

62


Logo mais a frente, a ideia seria criar um atrativo visual para exaltar a existência de uma escadaria escondida que leva a um ponto mais alto da cidade, a Praça Antônio Araújo, de onde se tem uma visada de Viçosa e seus edifícios, assim, mais uma vez, a descoberta traz a oportunidade da desorientação e de uma nova percepção do espaço urbano. Por se tratar do percurso mais extenso e do que abrange a maior variedade de elementos, o PERCURSO 03 foi escolhido para atuar desenvolvendo as diretrizes da metodologia de forma mais detalhada.

63


5 4 3 2 1

LOTES UTILIZADOS

QUEBRA DE PERCURSOS / PERMEABILIDADE

NOVAS OPÇÕES DE PERCURSO 64


APLICAÇÃO da metodologia 1

Lote com edificação desabitada com estrutura e vedações comprometidas

2

Edificação construída sobre o Córrego da Conceição

3

Lote vazio

4

Terreno de estacionamento que não cumpre função social

5

Porção de lote não utilizada a ser adquirida

Com a indicação de lotes subutilizados dos quarteirões, é possível propor opções de quebras de percurso por entre eles e assim aumentar a permeabilidade dessa região da cidade. O projeto surge então das diretrizes propostas anteriormente baseadas no conceito da errância a fim de proporcionar a oportunidade da lentidão, da desorientação e das diversas opções de permanência. É importante deixar claro que essas diretrizes são parte de uma estratégia para nortear a concepção do projeto, entretanto, o objetivo é que elas se desmembrem em diversas outras experiências únicas ao usuário.

65


O percurso foi pensado de forma setorizada em trechos, não tendo, assim, um ponto demarcado de partida ou final. As propostas de interveção funcionam como um atrativo para o caminhante que vem dos pontos imediatos à região. A conexão entre os trechos se dá de forma física

TRECHO PRAÇA ANTÔNIO ARAÚJO + FRANCISCO MACHADO

TRECHO TRAVESSA PURDUE + FRANCISCO MACHADO

ESCADARIA / ARQUIBANCADA / PRAÇA lentidão, desorientação, interação social, cultural

MIRANTE lentidão, contemplação, descanso

66


mas principalmente visual, uma vez que foram pensados de forma que o usuário não tenha a noção do todo, ou seja, que seu campo de vista possibilite enxergar apenas uma porção das intervenções, despertando a curiosidade e a surpresa ao caminhar.

TRECHO avenida santa rita + travessa purdue CAMINHOS PELA NATUREZA desorientação, lúdico, contemplação, lentidão

67


+2,00

1 -1,85

3 -1,00

4

2

1 +0,00

N

ESCALA 1:350 0

68 10 0 20


TRECHO santa rita + TRAVESSA purdue 1

COR COMO ATRATIVO VISUAL A cor vermelha em concreto foi utilizada como forma de atrativo visual para quem vem tanto da Avenida Santa Rita quando da Travessa Purdue, dessa forma, o caminho se destaca da paisagem e traz curiosidade. As entradas imediadas do percurso, entretanto, seguem a linguagem da calçada para criar uma continuidade.

2

VEGETAÇÃO COMO BLOQUEIO parcial da vista Parte da vegetação para esse trecho foi utilizada estrategicamente para bloquear parcialmente a visada do caminhante, dessa forma, sugere-se vegetação mais alta na entrada da Santa Rita para que não seja possível enxergar totalmente o outro lado do caminho enquanto o percurso não continuar a ser percorrido. Nessa vegetação proposta, sugere-se o plantio de Ipês, por se tratar de uma vegetação com características sazonais distintas, possibilitando que o percurso tenha diferentes aspectos de acordo com a época do ano. Além disso, Viçosa possui poucos espaços verdes disponíveis no meio urbano, porém há toda uma vegetação nos miolos de quadra e em torno do rio que podem ser exploradas. Logo, esse percurso visa apreciar esse contato com a vegetação nativa.

3

oportunidade de pausa A fim de despertar o lúdico, o descanso, e o contato com a natureza, foi proposta uma pequena escada próxima ao rio, onde o desnível com o terreno natural é maior, para que o usuário possa parar e caminhar pelo grama. Além disso, essa estratégia também serve como um convite para o caminho mais longo.

4

relação com fundos de lotes

SITUAÇÃO INICIAL

Para manter a privacidade e segurança dos fundos dos lotes presentes na área, o caminho se desdobra em uma parede inclinada que ora é mobiliário, ora guarda-corpo. Entre o fundo do lote e a parede, são propostos pequenos taludes para mesclar sempre o caminho com vegetação. Essa divisão é vista como uma proposta para o primeiro momento, tendo como situação ideal uma oportunidade para os moradores passarem a utilizar como acesso também o fundo de seus lotes que se tornariam fachadas mais ativas.

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SITUAÇÃO FUTURA IDEAL


+4,00

+3,00

2

1

3

+2,00

N

ESCALA 1:350 0

70

10 0 20


TRECHO TRAVESSA purdue + francisco machado 1

continuidade da calçada A proposta desse trecho é criar um respiro entre as duas ruas através de um desvio das calçadas em direção ao córrego e assim proporcionar um espaço de contemplação. A utilização do concreto, assim como nas calçadas, proporciona uma integração visual e uma ideia de continuidade.

2

MOBILIÁRIO + VEGETAÇÃO COMO OPÇÃO DE DESCANSO Para criar essa opção de descanso e contemplação foram propostos bancos ao longo dos desvios a serem combinados com a vegetação baixa que se mescla em meio aos caminhos. Assim, o espaço se torna uma espécie de mirante de um espaço antes bloqueado visualmente.

3

RELAÇÃO COM O CÓRREGO DA CONCEIÇÃO Toda a relação do trecho se dá com o Córrego da Conceição que corre por este trecho e antes era escondido pelos muros do antigo lote. Dessa forma, estreita-se a relação do caminhante com a natureza.

71


+14,00

4

+12,85

+11,50

+10,15

3 +8,80

+6,50

+7,75

2

3

+5,40 +5,30 +6,05

+4,00

+4,00

1 N

ESCALA 1:350 0

72

10 0 20


TRECHO francisco Machado + PRAÇA ANTÔNIO ARAÚJO 1

aumentar a visibilidade A fim de portencializar a utilização da escadaria que conecta a Rua Francisco Machado com a Praça Antônio Araújo optou-se por fazer uma extensão da mesma para o lote onde funcionava o estacionamento. Dessa forma, aumenta-se a visibilidade e a sensação de segurança do espaço e proporciona inúmeras funções na escada que agora também funciona como uma espécie de praça/ arquibancada.

2

interação social O espaço por ser amplo e uma mescla entre arquibancada, escada e um nicho com mais desníveis possibilidade a interação social, podendo ser um local de encontro e de permanência.

3

fachadas vivas Com a abertura dessa nova conexão e a retirada dos antigos outdoors posicionados na testada do estacionamento, uma nova visada se abre para as fachadas cegas dos edifícios que a cercam. Assim, propõe-se a ativação dessas fachadas através de grafites, proporcionando uma versatilidade para o espaço que poderá se mudar com o passar do tempo e apresentar diferentes faces, além de fomentar a arte na cidade.

4

continuidade com a praça Para criar uma continuidade com a Praça Antônio Araújo e destacar a presença de uma escadaria ali propõe-se estender o canteiro verde da escada para a calçada ao redor da praça, bem como utilizar das mesmas cores nos muros internos da escada e no muro que tem a face virada para a rua. Dessa forma, cria-se uma linguagem para o espaço que se torna mais idenficável.

73


A

3

2

B C

4

mapa chave dos cortes e visadas 1

N ESCALA 1:700

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SEÇÃO A: ESCADARIA

SEÇÃO B: ESPAÇO DE CONTEMPLAÇÃO/ DESCANSO

SEÇÃO A: CAMINHO PELA NATUREZA 75


76


77


78


79


80


81


82


83


Movimiento Apenas nos pusimos en dos pies Comenzamos a migrar por la sabana Siguiendo la manada de bisontes Más allá del horizonte, a nuevas tierras lejanas Los niños a la espalda y expectantes Los ojos en alerta, todo oídos Olfateando aquel desconcertante Paisaje nuevo, desconocido Somos una especie en viaje No tenemos pertenencias, sino equipaje Vamos con el polen en el viento Estamos vivos porque estamos en movimiento Nunca estamos quietos Somos trashumantes, somos Padres, hijos, nietos y bisnietos de inmigrantes Es más mío lo que sueño que lo que toco Yo no soy de aquí, pero tú tampoco Yo no soy de aquí, pero tú tampoco De ningún lado del todo y, de todos

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Cargamos con nuestras guerras Nuestras canciones de cuna Nuestro rumbo hecho de versos De migraciones, de hambrunas Y así ha sido desde siempre, desde el infinito Fuimos la gota de agua, viajando en el meteorito Cruzamos galaxias, vacío, milenios Buscábamos oxígeno, encontramos sueños Apenas nos pusimos en dos pies Y nos vimos en la sombra de la hoguera Escuchamos la voz del desafío Siempre miramos al río, pensando en la otra rivera Somos una especie en viaje No tenemos pertenencias, sino equipaje Nunca estamos quietos, somos trashumantes Somos padres, hijos, nietos y bisnietos de inmigrantes Es más mío lo que sueño, que lo que toco Yo no soy de aquí, pero tú tampoco Yo no soy de aquí, pero tú tampoco De ningún lado del todo y, de todos Lados un poco Los mismo con las canciones Los pájaros, los alfabetos Si quieres que algo se muera Déjalo quieto JORGE DREXLER

85


86


REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de usa reprodutibilidade técnica. in: Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo : Brasiliense, 1987, p. 165-196. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: Loyola, 2002. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 3ªEd. Trad.: Ephraim Ferreira Alves. Petropolis,1998 COSTA, Thiago. O engajamento da corporalidade nos percursos urbanos. Resenhas Online, São Paulo, ano 08, n. 091.03, Vitruvius, jul. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/resenhasonline/08.091/3030>. CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. Edições 70, 1993 DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 GEHL, J. Cidades para Pessoas. 3ªEd. Trad.: Anitta Di Marco, São Paulo: Perspectiva, 2015. JACQUES, Paola Berenstein. Corpografias urbanas. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 093.07, Vitruvius, fev. 2008 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.093/165>. JACQUES,P. et. Al. Corpos e Cenários Urbanos. Salvador: EDUFBA, 2006. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. 3.ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. MASSAGLI, Serio Roberto. Homem da multidão e o flâneur no conto “O homem da multidão” de Edgar Allan Poe. Terra roxa e outras terras: Revista de Estudos Literários, Londrina, v.12, p. 55-65, jun.2008. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Paris: Gallimard, 1945. Trad. Carlos A.R. de Moura. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: HUCITEC, 1996. 87



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