Livro lila e ursereia no mundo das coisas

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lila e ursereia no mundo das coisas

PROJETO POR

ISABELLA SERRA e MARINA LAUDANO ESCRITO POR SHEILA CORREIA




Título Original: Lila e Ursereia no Mundo das Coisas Desenvolvido a partir de uma idéia original de Isabella Serra História Original Escrita por Sheila Correia História Adaptada por Marina Laudano Ilustrado por Isabela Serra Projeto Gráfico de Marina Laudano Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Paulista de Artes para obtenção do grau de Bacharelado em Design, orientado por Profª Valéria Bicudo Direitos de Publicação : 2017 Editora Conclusão LTDA. Av. Amora, 2224, Jd. Estrela - São Paulos, SP - Brasil Edição: 1 Ano: 2017

D E DICA MO S E ST E L I VRO : a N O SS AS FA M Í L I AS E A M IG O S Q U E S E M P R E A C R E DI TA R A M E M N O SSO P OT E N CI A L . aOS PROFESSO R E S O RI E N TAD O R E S vA L É RI A b IC U D O, m eLH E M SARO U T E lI L I A N A b E L L IO


lila e ursereia no mundo das coisas

ILUSTRADO POR ISABELLA SERRA PROJETO GRรกFICO POR MARINA LAUDANO ESCRITO POR SHEILA CORREIA


Em uma manhã, após uma chuva forte e passageira, o Sol tomou conta do céu e Lila, uma garotinha de 11 anos, diferente de qualquer outra menina da sua idade reparava em um arcoíris. Ao olhar para o fenômeno sabia que era um acontecimento meteorológico que envolvia a luz do sol e as gotas da chuva, já a Lis, sua irmãzinha mais nova, sempre fazia questão de lhe contar, que na verdade, o arco-íris surgia após o céu chorar muito e ao se reconciliar com o Sol, o céu sorria colorido. Lila não gostava muito destas histórias fantasiosas, pois apesar da pouca idade era muito madura e adorava pesquisar sobre tudo, não só pela curiosidade, mas também para provar para a irmã que suas fantasias eram bobagens.



Para a menina tudo tinha que fazer sentido e ser comprovado pela ciência. Além das fantasias, não gostava e nem se identificava com as brincadeiras comuns das crianças da sua idade. Não entendia o porquê de ser tão diferente, gostava mesmo é do seu mundo de curiosidades, desvendando as coisas, adquirindo conhecimento, e por ser muito tímida e introvertida, não se importava em ficar sozinha a maior parte do tempo. Sua mãe sempre a incentivou na busca pelo conhecimento. Flora comparara livros com temas “Como funcionam as coisas” e a todo momento aprova e elogia a filha por ser tão inteligente, curiosa e dedicada aos estudos. Mas se preocupa com o fato da menina ser tão reservada e ter dificuldade de convivência com outras pessoas. Flora é uma mãe delicada, engraçada e paciente, assim como são as margaridas, diz ela mesma, que inclusive são as suas flores preferidas. Apaixonada por flores e histórias, tem sua própria floricultura e nela cria um mundo encantado para as suas filhas. Acha importante mantê-las próxima da natureza, inclusive, apelidava carinhosamente as pessoas que amava com nomes de flores, combinando suas características com as personalidades. Por exemplo, Lis é Lis Flor-de-Lis, uma espécie que simboliza pureza e inocência. As três pétalas significam, fé, sabedoria e valor; já a Lila dizia que não se importava com isso, então Flora só a chamava de Lila-Lilás,

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primeiro porque Lilás rima com Lila, segundo por ser a cor preferida de Flora. A irmã mais nova sempre mergulha no mundo de fantasias e de flores da mãe e aproveita para criar suas próprias histórias em meio a todas aquelas flores e plantas. Lila gosta de estar com a mãe em sua floricultura, mas prefere pesquisar as espécies, saber seus nomes científicos e quais são suas funções na natureza. Lila, apaixonada por descobrir, se identifica mais com o mundo de seu pai Martin, que é engenheiro, onde cria e projeta coisas para o mundo real. Ela sempre se inspirada nele e se vê uma grande engenheira no futuro, por isso esta sempre interessada no dia de trabalho de seu pai.


- Como foi seu dia Papai? – perguntou Lila assim que o pai apontou na porta. - Foi bom filha! Estamos desenvolvendo um novo projeto – disse Martin, alegre pelo entusiasmo da filha. - Projeto de que? – perguntou Lila curiosa. - Um projeto que envolve tecnologia, números, cálculos, testes e daí nascem os novos modelos de celulares, tablets, e todo o tipo de tecnologia móvel que você possa pensar. - Que legal! – disse Lila encantada, e logo fez outra pergunta. - Pai, qual de todos esses projetos e criações que você me conta, qual deles é o seu favorito? - Filha, são tantos projetos legais, mas o meu favorito foi quando eu ajudei na criação dos primeiros modelos para celular com as mil uma funções que possuem hoje – deu risada e continuou – era tão diferente de hoje, antes só servia para ligar, agora é um mini computador. - Que engraçado! – respondeu a menina dando risada. - Muito engraçado mesmo. Já que nos dias de hoje os celulares fazem tudo e a última opção é para ligar e falar com as pessoas - disse Martin, deixando a menina pensativa. Seu pai, cansado do dia de trabalho, deu um beijo em sua testa e antes de descansar, ele lembrou de perguntar:

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- Lila! Falando de coisas preferidas, qual é a sua cor preferida? Eu quero pintar as paredes do seu quarto – disse Martin empolgado. - Eu já disse que pode ser qualquer uma, menos rosa. O pai aproveitou para incentivar a filha a pensar na sua cor preferida e Lila respondeu: - Eu não quero ter uma cor preferida, para mim só basta eu ter a cor que eu não gosto, que é a Rosa! O pai perguntou: - Mas por que você não gosta da cor rosa? - Porque é a cor que toda menina da minha idade gosta e também é uma cor que não tem nada a ver comigo. Não gosto nem de olhar pra essa cor, me incomoda. - Está bem meu amor. Vamos deixar a paredes na cor branca e quando você decidir, nós a pintamos. No outro dia a menina despertou antes do galo cantar, e toda manhã se perguntava; mesmo estando na cidade em meio a tantas casas e prédios, por qual motivo tinha que ouvir todos os dias um despertador em forma de um galo com um cacarejar metalizado? O galo despertador era de Lis, presente dado por sua mãe que criou uma história envolta do despertador em formato de galo. Ele até tinha um nome, se chamava Zezé. Sua alegria em morar na cidade em meio a tantas facilidades e tecnologia era desfeita todas as manhãs, quando o galo escandaloso se tornava o centro das atenções.

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A barulheira do Zezé incomodava os ouvidos de Lila, que preferia despertar com um volume mais baixo e não este som estridente. Mas como esta manhã acordou antes do galo, então estava mais tranquila. Começou a se aprontar para ir para a escola e quando o galo iniciou a gritaria, já estava no banheiro tomando banho e só ouvia bem de longe um galo piando. Após o período na escola, ao chegar em casa, Lila logo subiu para o seu quarto. O sol da tarde que estava entre as nuvens, apontava no céu de uma forma diferente e fazia da sua janela uma moldura para um lindo quadro. Uma cor laranja quase fumegante dominou as paredes do quarto e dos móveis cor pastel. Lila que não costumava reparar no céu, foi obrigada a olhar envolta por sentir a claridade incomodar os seus olhos. Virou-se para a janela e descobriu de onde vinha a cor laranja intensa que nunca tinha visto na vida. E sem perceber, com o seu olhar fixo para o fenômeno, foi hipnotizada por um tom de laranja que com certeza não havia no seu estojo de lápis de cor. Aquilo era um momento único devido geralmente preferir estar de costas para a janela, e tão pouco se preocupar pelo o que acontecia lá fora. O mais interessante é o fato do momento não ser a costumeira análise sobre partículas, umidade, velocidade, poeira e tudo o que pode envolver o pôr do sol. Lila estava realmente admirada e surpresa

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com tão rara circunstância. E por algum motivo, o qual não sabia explicar, puxou a cadeira de sua escrivaninha, deixou os livros de matemática e o tablet de lado e se colocou de frente a janela. Parecia que o céu laranja a chamava, podendo até ouvir o seu nome e uma voz dizendo: “Lila, olhe para o céu!”. Enquanto vivia esse momento, sentiu uma forte vontade de decidir por sua cor preferida, como o pai havia lhe pedido no dia anterior. Ao olhar as paredes do seu quarto de cores brancas, gostou do tom que se formou por conta do reflexo do Sol. Uma cor alaranjada, mas não um tom laranja comum, e sim uma cor que só tinha visto naquele momento, naquele pôr do sol. Era isso. Talvez tivesse encontrado a sua cor favorita e percebeu que acabara por descobrir uma tonalidade de cor, o “laranporsol”. De repente, observou uma nuvem em um formato um tanto inusitado, desta vez não via somente uma nuvem comum de vapor de água condensado. Ela olhava para a nuvem tentando descobrir o que seria. Parecia um animal, mas não conseguia o identificar. Aparentava ter uma cauda de peixe, mas o rosto e as orelhas eram arredondadas, o focinho redondo, gordinho, achatado e olhos de jabuticaba, confirmavam a aparência de urso, tirando claro, a cauda de peixe. A conclusão foi que era um animal que não existia, o mais parecido talvez fosse um peixe-boi

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com orelhas e por algum motivo, o qual não sabia explicar, preferia acreditar ser uma nova criatura. A nuvem começou a se desfazer no céu, junto com o Sol que mergulhou por inteiro no horizonte, ambos deixando somente o rastro da sua breve existência. Um mundo novo estava para surgir a sua frente. Lila ficou imaginando como seria o lugar atrás do horizonte em direção ao sol. - E se fosse uma fronteira para um mundo que só quem acredita consegue chegar? – questionou a si mesma. Enquanto uns só viam a continuação de um grande planeta que não para de girar, outros viam um portal para um universo paralelo. Lila nunca deu muita atenção para histórias fantasiosas, nunca conseguiu acreditar em nada disso, e agora se viu envolvida neste novo mundo de cor “laranporsol” e criaturas fantásticas. - Filha? Filha – disse Flora ao entrar no quarto e interromper os pensamentos da filha que observava atenta a sua janela. - Sim Mamãe! Só vim avisar que amanhã de tarde, depois que voltarem da escola, assim que o seu pai chegar, viajaremos para a casinha no campo. Vamos passar o final de semana lá! Lila não muito feliz com a notícia, acabou por desfocar os seus pensamentos que estavam na lua,



quer dizer no sol, pois não gostava das viagens à casa de campo. - Está bem mamãe - respondeu com um sorriso no rosto, mesmo descontente com a novidade. No dia seguinte, após a aula, ao chegarem em casa, as malas já estavam a postos no canto da sala, inclusive pela quantidade parecia serem roupas para mais de um final de semana. Lila achou que a sexta estava passando muito rápido, muito contrário a expectativa de Lila que torcia para que esta sexta não acabasse e que caísse uma chuva com o índice pluviométrico esperado para um mês todo. Assim a mãe tiraria da cabeça a ideia de viajar. A mãe parecia aquelas crianças ansiosas quando vão para uma viagem incrível pela primeira vez. Não conseguia ficar sentada, andava de um lado para o outro feito barata tonta. Logo depois, Martin chegou do trabalho, terminou de se aprontar, ajeitaram as malas no carro e partiram para a viagem. Flora era copiloto e “Dj” oficial da nave, segundo Lis, ela procurava no rádio uma música perfeita para cada ocasião. Lis brincava com seus bonecos e Lila como sempre com seu fiel escudeiro, o Tablet, pronto para pesquisar todas a suas curiosidades. - Lá vamos nós para uma aventura - disse Flora empolgada, após encontrar a música perfeita. - Querida, eu espero muito que seja uma viagem tranquila, dispenso a aventura - disse Martin

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Lila concordou na hora e complementou. - Eu também espero que seja tranquila e que passe tão rápido quanto essa sexta-feira. - Meus amores a vida é uma aventura, este dia é só mais um para vivermos da melhor maneira possível. Martin passou a mão no rosto da esposa e sorriu. - Sim, meu amor, tem razão. Lila revirou os olhos, insatisfeita pelo pai ter mudado de lado tão fácil. Mas ela já sabia o quanto o sorriso de sua mãe conquistava seu pai mais rápido que a velocidade da luz. A viagem foi como ela imaginou, Flora dominou o rádio, seu pai concentrado na estrada e Lis não parava quieta, a cada minuto comentava sobre tudo que acontecia na estrada. Após um bom tempo de viagem chegaram à cidade. Para Lila, o centro da cidadezinha até era agradável, a menina poderia até curtir mais a viagem se ficassem por ali, mas infelizmente passaram direto e seguiram por uma estrada de terra cheia de poças d’água e muito barro. Eram tantos buracos que pareciam que estavam em uma carroça que de tanto sacolejar, Lila deixou suas pesquisas sobre a cidade de lado para se segurar melhor. Todos que estavam no carro podiam ver a cara de desespero de Martin, cada vez que o carro, que acabara de ser lavado, era pintado de uma cor vermelho terra, ao passar pelas poças. Enquanto

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isso, Lis soltava gritos de alegria se sentindo numa montanha-russa. Então finalmente chegaram a uma porteira de madeira e Martin saiu do carro para abri-la. O céu já dava ares de se despedir do dia para que a noite tomasse o seu lugar. O pai estacionou o carro na sombra de um Jatobá centenário. Lis saiu do carro e correu por volta da casa para explorar o território. Flora entrou e já escancarou todas as janelas e portas para sair o cheiro de casa guardada. Martin tirava as malas e levava para dentro do belo casebre e aí ele percebeu que Lila ainda estava dentro do carro. A menina tinha o olhar fixo em alguma coisa, mas ele não a interrompeu, queria saber até que horas ficaria lá dentro. De repente, Lila soltou um grito de alegria, conseguira finalmente passar de fase no game que jogava em seu Tablet. O grito era de alívio e fez aquele momento parecer ser a melhor coisa do mundo. Depois de alguns minutos, olhou para os lados e não via um palmo na sua frente, estava dentro do carro em meio ao breu e só conseguia ver a claridade vinda das janelas da casa. Foi quando um barulho estranho vindo da floresta que cercava a casa lhe chamou a atenção. Isso a fez sentir muito medo. E diferente do grito de alegria, que soltara por conta do jogo, soltou um maior ainda, só que de desespero. - PAPAI! Martin a observava a filha da varanda o tempo todo e correu quando ela gritou.


- Que gritaria é essa filha? Estava te observando da varanda e você simplesmente esqueceu da vida ai dentro do carro. E tudo por conta de um jogo! - disse Martin com o semblante irritado. - Ouvi algo estranho vindo da floresta. Quero ir para casa. - Então vamos entrar. - Não. Eu digo para a nossa casa “de verdade”, na cidade. - Filha, aqui também é sua casa. Vamos aproveitar que estamos aqui e descansar. A sua mãe está muito feliz. Você sabe que ela ama este lugar. - Eu sei papai, mas me sinto mais confortável em nossa casa, não vejo graça neste lugar. Não tem nada para se fazer aqui. - Pois bem Lila, já chega de desculpas! Vamos entrar e aproveitar nosso final de semana em família - disse Martin, que já estava cansado. Lila, com uma tromba quase parecida com a de um elefante, o obedeceu, mas estava triste por ele não a entender. - Está bem - respondeu decepcionada. Ao entrarem na casa, Lis estava estirada no sofá, provavelmente no seu vigésimo sono, então Martin a pegou no colo e a levou até o quarto. Lila se aproximou da mesa com cuidado, nesse pouco tempo, sua mãe já havia feito seu prato, sentou-se à mesa bem devagar e começou a comer em silêncio

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na torcida que ela não começasse a lhe dar o sermão de sempre por não ter entrado de imediato na casa. Após terminar o jantar, a menina continuou sentada à mesa e por algum motivo sem explicação se incomodou por não ouvir a voz da mãe, que com certeza tinha ficado chateada. Depois de um tempo, todos foram dormir para acordar cedo no dia seguinte e aproveitarem bem o dia. A casa ficou em silêncio. Lila já estava no quarto indo para a cama, quando um vento forte abriu com força a janela e uma chuva intensa começava a cair. A menina ainda assustada correu para fechar a janela, mas antes que o fizesse, olhou para fora e observou a chuva. O forte vento que entrava, bagunçava lhe os cabelos e fazia as cortinas se debaterem. - Como o tempo pode mudar deste jeito e tão de repente? – pensou alto. Até aquele momento, mal se ouvia o som das folhas e repentinamente parecia que as árvores estavam em meio a uma briga de dinossauros. Não conseguia parar de encarar a tempestade. Era a segunda vez que a janela lhe tomava atenção naquela semana. Porém, Lila voltou em si e foi fechar a janela para impedir que o vento fizesse mais bagunça e seus pais viessem ver o que tinha acontecido. Achou engraçado que ninguém ainda aparecera, apesar do estrondo que a janela fez ao abrir. A chuva ainda caia forte, quando Lila se deitou, mas ao colocar a cabeça no travesseiro, a chuva

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cessou instantaneamente. O mais comum seria parar aos poucos, pensou consigo, mas assim como no início da tempestade fora tão repentino, o término também. Parecia que simplesmente fecharam a torneira do céu. Então ela fechou os olhos, e assim como a chuva parou, instantaneamente dormiu. Lila acordou com um raio de sol no seu rosto que vinha de uma fresta defeituosa da janela. O pequeno e aconchegante chalé ainda tinha alguns móveis encobertos com lençóis brancos para proteção da mobília, a mãe, como sempre, junto com a pequena Lis, começava a brincar de quem tirava os lençóis mais rápido. Ouvindo aquela alegria logo de manhã, Lila ficou mais mal-humorada do que nunca, perguntavase “quem fica feliz assim tão de cedo?”. Para ela, as manhãs são feitas para ligar a chave e o cérebro começar a esquentar, ninguém fica já ligada na energia ao acordar, só a sua mãe e Lis. Todos já estavam para se sentar à mesa do café da manhã e Lila entediada sentou-se na primeira cadeira descoberta e começou a fuçar no Tablet. A mãe reparou de imediato no comportamento da filha. - Lila, o que você está fazendo?- disse Flora aborrecida. - Eu só estou fazendo uma pesquisa sobre o clima da região. Ontem começou uma chuva esquisita. - Interessante a sua pesquisa, mas dá pra você fazer isso mais tarde? Vamos agora tomar café da manhã.

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A garotinha só acenou com cabeça e continuou sentada, então em uma atitude inesperada para todos e pouco convencional por parte da Flora, sem pestanejar, puxou o Tablet das mãos da filha e disse: - Eu já falei pra tomarmos café agora e vamos aproveitar o dia. Esse Tablet está confiscado até o fim do nosso final de semana. Você terá que aprender a fazer outras coisas. Lila apavorada, como se tivesse sido lhe arrancado um braço e inconformada com a atitude da mãe, falou com um tom de voz alto. - Você não pode fazer isso! Não tem nada neste lugar que eu goste de fazer - disse a menina com lágrimas nos olhos.


- Não?! Se você acha que não gosta de fazer nada neste lugar, então ficará sentada e observará a paisagem. A menina correu para fora da casa e gritou: - Eu não gosto deste lugar! Neste ímpeto de rebeldia a menina se viu em disparada, atravessou a porteira pela rua de terra e pulava as imensas poças de água que honravam a chuva abundante do dia anterior. Não conseguiu desviar e nem pular por cima de uma delas, pois havia tomado conta da estradinha. Começou a calcular como passaria por ali. De um lado, uma cerca com o mato alto, do outro, uma árvore com uma pedra quase grudada em seu tronco. Lila teria que decidir entre passar no meio do mato ou escalar a pedra para conseguir atravessar. Então fez um mapa mental, imaginou desenhos geométricos no ar e resolveu que o caminho ideal seria pela pedra, afinal ela poderia encontrar um bicho no mato alto. Lila ficou pensativa em cima da pedra mais tempo do que esperava. Nunca tinha fugido de casa. As lágrimas caiam por ninguém compreender o seu jeito mais sensível e reservado. Assustada com o que acabara de presenciar, perguntou a si mesma se aquilo era real. O sol que já estava a pino e refletia na água, começou a incomodar os seus olhos que estavam pregados e concentrados na situação. Ela se esforçava para achar uma explicação, pois com certeza havia uma explicação lógica para aquilo.



Piscou algumas vezes devido ao incômodo do reflexo do sol. Foi quando percebeu uma criatura a observando de dentro da água. Lila com um pulo se colocou de pé em cima da pedra, soltou um grito e logo pensou que novamente estava vendo coisas por conta do sol quente na cabeça. Voltou lentamente a sentar-se na pedra, certa de que sua imaginação muito fértil dos últimos dias, com pôr do sol, barulhos na mata, tempestade inexplicável, agora, poças de água que aumentavam com suas lágrimas, criaturas e tudo mais estavam prejudicando o seu juízo. Foi então que num súbito, a criatura deu um salto e Lila pôde ver perfeitamente um urso com uma cauda de sereia. Lembrou-se da nuvem da janela do seu quarto e assustada com o que acabara de ver, acabou por se desequilibrar e cair dentro da água. Ao cair, a sua ingenuidade só a fez pensar que poderia levar uma mordida da criatura e em como estaria suja de lama ao se levantar, mas a sua queda continuou por mais tempo. Nesta queda livre era como se estivesse mergulhado em um lago profundo e ao se dar conta tentou voltar para a superfície mas não conseguia. O ar estava prestes a acabar quando sentiu algo lhe puxar pela mão com toda a força e velocidade levando-a para a superfície. Ao chegar à superfície foi como se tivesse renascido, puxou todo ar que podia para os seus

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pulmões. Olhou entorno e viu que não estava mais na rua próxima a casa no campo, muito pelo contrário, para a sua surpresa foi arremessada para fora da poça, caindo em um monte de areia. - Areia? Praia? - Lila disse, ao sentir areia por todo o seu corpo. - Sim praia? -Falou pela primeira vez a pequena criatura. - Você fala? - perguntou Lila surpresa. - Por que não falaria? - É verdade. Por que eu pensaria que um urso com cauda, que vive dentro de uma poça de água não falaria? - perguntou Lila ironicamente e irritada. - Calma Lila-Lilás. E eu não vivo dentro de uma poça. - Do que você me chamou? - Lila-Lilás. Não é o seu nome? - Meu nome é Lila. Só minha mãe me chama assim! - Eu sei! Lila não sabia o que dizer, nem o que perguntar, tudo aquilo era maluquice demais. - Meu nome é Ursereia – Disse o ser hibrido. - Ursereia? – Lila pensou alto. - Você fugiu de casa, não foi? Acredito que desobedeceu a sua mãe. - Como sabe disso? Que eu fugi de casa? Eu não desobedeci minha mãe. - Eu fiz uma poça do lado da sua janela. E ouvi quando brigaram e você saiu correndo. - O quê? Você fez uma poça?

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- Isso! Com a chuvona de ontem. - Como assim? - Eu só posso me locomover através das poças d’água. Quando não estou na água eu me transformo em nuvens. Em nuvens pequenas ou grandes, desta forma consigo fazer chover e formar poças onde posso me locomover para onde quiser. - Eu vou fazer uma pergunta maluca, mas acho que tem sentido. Por que fazer poças se você pode se locomover como uma nuvem? - Muito boa a sua pergunta, mas eu não posso ficar muito tempo em formato de nuvem, pois como toda nuvem se desfaz eu também deixaria de existir. - Tudo bem. Agora é hora de acordar – disse Lila A Ursereia pulou no colo de Lila e deu um beliscão forte em seu braço. - Aiii! Por que fez isso?- disse Lila com dor. - Os humanos não se beliscam para verificar se estão acordados, só queria te provar que está. Quando Lila estava prestes a devolver o beliscão, Ursereia se transformou em uma nuvem, fazendo com que o beliscão fosse um belo estalar de dedos. A pequena criatura começou a crescer e subir até o céu, enquanto a menina recordava do dia em que a viu pela primeira vez no céu cor “laranporsol” de sua janela. Como tudo aquilo era possível? Não era um sonho, o beliscão havia doído muito, pensou Lila. - Ursereia! Ursereia! Volte! - disse Lila ao perceber que a nuvem se distanciava.

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A pequena ursa retornou a sua forma original, sorrindo para Lila. A menina assustada correu até ela e disse: - Achei que tinha me deixado aqui? - Minha intenção é te levar até o Mundo das coisas, jamais te deixaria aqui. - Mundo das coisas? - Sim. E temos que correr, pois está quase para terminar o pôr do sol. - Não entendi? O que é Mundo das coisas? E qual problema com o pôr do sol? - Só conseguimos entrar neste mundo, quando o sol tocar a linha do horizonte no mar. Um portal se abre e temos exatamente o tempo até o sol sumir no horizonte, se não só poderemos entrar no próximo dia – explicou Ursereia. - Eu não sei se quero ir para este lugar. Até agora, mesmo roxa com o seu beliscão, estou com dificuldade para acreditar que tudo isso está acontecendo. - O que você tem de melhor para fazer? - Minha família deve estar preocupada. - Não se preocupe, o tempo no Mundo das Coisas é diferente do tempo daqui. Voltaremos antes que eles notem sua falta. Decida rápido, só temos mais alguns minutos. Lila tinha um papel em branco na mente. Tudo o que acreditava fora por água abaixo, olhava para o pôr do sol, depois para a Ursereia e começou a ficar zonza e caiu sentada na areia. Lágrimas começaram

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a escorrer se seu rosto e a poça a qual haviam saído, começara a aumentar. - Por que cada vez que eu choro, isso aumenta? - perguntou Lila apontando para a poça. - Existem duas formas de entrar no Mundo das Coisas: uma é através das minhas poças ou por meio das suas lágrimas ao aumentar ao tocar uma poça. Quando a poça toca no oceano, abre se portal para o Mundo das Coisas. E antes que Lila pudesse responder algo, a Ursereia disparou: - Você é uma guardiã do portal, assim como eu. - Eu sou o que? - perguntou Lila confusa. - Por algum motivo o Dono de todas as coisas te fez uma guardiã. Lila não sabia mais o que dizer, suas lágrimas continuavam a cair. - As suas lágrimas aumentaram muito o volume das minhas poças. Estamos quase para encostar no mar, na próxima onda conseguimos. A onda vinda de um mar tranquilo de final de tarde, tocou a poça e de imediato elas caíram em um buraco. Desta vez, parecia ser um poço, a água pegava nos tornozelos, Lila olhava para cima e ainda conseguia ver o céu quando de repente abriu-se uma fresta nas paredes daquele buraco para um túnel abaixo da superfície. Ursereia pegou a mão de Lila e começou a puxála para dentro do túnel. A menina hesitou.

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- Quando o sol sumir o portal se fechará? perguntou Lila. A Ursereia afirmou com a cabeça e não a puxou mais, apenas olhou para Lila e mostrou sua mão dando à menina a decisão. Lila se sentiu em paz, sabia que ela deveria entrar. A passagem era iluminada como se o sol estivesse dentro da água, as paredes do túnel eram transparentes e podia-se ver os animais marinhos. Lila notou que estava com água pela cintura. - Por que á agua só vem até aqui? - Para que toda criatura pudesse passar pelo túnel. Seja ela com pés, patas, nadadeiras ou asas. - Mas até agora pouco, nadávamos rápido feito um submarino pelo oceano. Da minha casa viemos parar na praia em segundos. E agora temos que caminhar sob ele? - Aqui é o oceano, lá era o Poceano. - Poceano? – perguntou Lila - É o oceano que se forma dentro das poças. Por lá, eu posso viajar para todo o lugar. É possível respirar dentro do Poceano, demora um tempinho para o cérebro se acostumar com a possibilidade de respirar dentro do que seria para vocês água, mas todos acabam por conseguir. Pois no Poceano a água é respirável, já no oceano, somente os animais marinhos conseguem. - Por que então fazer uma passagem pelo oceano? Por que não vamos pelo Poceano?

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- Não fiz as regras e sim o Dono de todas as coisas. Mas acredito que precisava de algo para ligar os dois mundos. E aqui estamos, debaixo do oceano tendo o privilégio de observar esta beleza despercebida por tantos e destruída por muitos. - Eu acho que estou na categoria dos despercebidos - disse Lila ao lembrar do quanto não se importava em observar a beleza da natureza que tanto sua mãe é apaixonada. - Quem sabe agora ao conhecer o meu lar, você consiga perceber mais ao seu redor – disse a “Ursereia” com um sorriso. Lila afirmou com a cabeça e sorriu discretamente. Ela deslizava as mãos pela parede transparente e podia sentir a água transpassar entre os seus dedos sem que caísse um mililitro para dentro do túnel. Os animais passavam próximos como se ela estivesse dentro de um grande aquário. No final do túnel havia um círculo de luz flutuava, a sua cor era laranpôrsol. Lila estava começando a se emocionar quando a Ursereia pegou a sua mão e começou a nadar com toda a velocidade, a puxando para a superfície. Lila desta vez não se desesperou achando que perderia o ar, sabia que estava em águas respiráveis. Enfim chegaram ao tão falado Mundo das Coisas, submergiram em águas de um grande riacho de cor azul com consistência de tinta. O engraçado é que apesar disso, o líquido não as manchou.

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Ao observar ao seu redor, Lila viu um mundo diferente, nada era natural, tudo tão artificial. As coisas parecem ser feitas de papel, madeira, plástico, metal, objetos e coisas. Qualquer um veria aquilo e enxergaria um grande lugar sem vida, mas depois de reparar bem, era mais do que um lugar cheio de coisas. Era colorido e deslumbrante. Lila nunca se imaginou vendo tanta beleza em árvores feitas de papel em tamanho natural. O chão era macio como se pisasse naqueles tapetes de borracha dos quartos de criança. Cada canto azul do céu eram paredes com texturas diferentes, e as nuvens eram ao pé da letra de algodão. - Aquelas nuvens são de algodão? - perguntou Lila. - Sim. Elas são - respondeu Ursereia feliz por Lila estar demonstrando interesse pelo lugar. - Por que vocês têm nuvens de algodão, sendo que você é uma nuvem de verdade? - Eu não sou uma nuvem de verdade, este é só um dom que me foi entregue por um motivo. - Para que pudesse fazer poças? - Isso mesmo, para desempenhar o meu chamado de Guardiã. - Chamado? Guardiã? Então para que servem nuvens de algodão? - perguntou Lila diante tantas interrogações que surgiam. - Algodão, não. Algoduvens, sim! Eles são os algodões do seu mundo que quiseram ser nuvens neste mundo. Eles dizem que no seu mundo fala-se muito de nuvens de algodão, mas nunca poderiam

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ser uma nuvem de verdade lá. Já aqui podem ser o que quiserem. São grandes e livres nuvens que voam e também são responsáveis pelas mudanças nas texturas do Céutela, pintando com as águas de tinta do Riacholeta - explicou a Ursereia. - Riacholeta? Céutela? - O Riacholeta não é um riacho comum. É como se fosse uma grande paleta de tintas, já o Céutela é uma grande tela para os Algoduvens fazerem sua arte – e continuou – Agora se você pular com o desejo de ser tingida da cor que você quiser, acontecerá! Qual a sua cor preferida? - perguntou Ursereia. - Humm... Não é bem uma cor comum – respondeu Lila indecisa se saberia explicar. - E qual é? - É a cor Laranpôrsol. - Linda escolha. Então deseje e Pule! – disse a Ursereia sorrindo. Lila correu e pulou com todo gosto desejando ser pintada de Laranporsol. E do último fio de cabelo até o dedinho do pé ficou encharcada da cor Laranporsol. Com um sorriso branco evidente, pois era a única coisa que não havia ficado, colorida além dos olhos, Lila disse: - E agora, eu vou ficar assim? Perguntou Lila preocupada, mas achando divertido. - Mergulhe novamente e deseje estar limpa. Lila mergulhou e saiu completamente limpa do

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Riacholeta, mal conseguia acreditar em toda a magia daquele lugar. Ela respirou fundo para não pirar com tudo aquilo e começou a observar os milhares de objetos ao seu redor tomando vida de forma tão espetacular. Transformaram aquele lugar secreto em algo que jamais poderia pensar que existia se não tivesse visto com os seus próprios olhos. Por falar em olhos, o que eram aqueles óculos de sol com um nariz gigante que não parava de cheirar as flores de plástico? - perguntou a menina para si mesma - O ser diferente que acabara de avistar parecia tão cuidadoso e atencioso com as flores deixando Lila muito curiosa. - O que é essa coisa? - É a coisa que cuida das flores e jardins do nosso mundo, o nome dele é Floricultóculos. Lila aproximou-se do Floricultóculos e com sua curiosidade e sinceridade foi logo ao assunto. - Olá! O que você faz com essas flores? No meu mundo elas só são apenas plásticos e só servem para decorar. Elas não têm perfume e nem precisam de cuidados, pois não morrem. - Estas são as Florboletas e minha função é perfumálas para que elas possam voar levando seu aroma para todo lugar. - Elas voam? - Sim. Elas são belas flores com asas de borboletas que voam lindamente – respondeu a criatura com orgulho.

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O Floricultóculos se aproximou de uma delas, exalou seu perfume e disse: - Voa menina – completou – Lila, você quer a companhia de uma Florboleta, além da sua amiga Ursereia? - Eu adoraria! - Qual sua essência preferida? - Por que estão sempre me perguntando de coisas preferidas? - disse Lila um pouco incomodada. - Eu preciso saber, pois a companhia de uma Florboleta irá perfumar o seu caminho. E o aroma tem que ser agradável. Elas também são bem alegres, divertidas e um pouco temperamentais, por isso tem que tratá-las com muito carinho. Lila lembrou do carinho da mãe pelas flores. Ela ia adorar conhecer uma Florboleta. E com os olhos cheios de lágrimas ao se lembrar de casa, Lila disse: - Minha mãe gosta de margaridas, ela relaciona tudo com as flores. Chama a minha irmã de Lis Florde-Lis e eu de Lila-Lilás porque não gosto que me comparem com plantas, por isso ela me chama de uma cor ao invés de uma flor. - Engano seu – disse o Floricultóculos feliz por contar uma novidade para Lila. - O que? - perguntou Lila supresa. - Lilás é o nome de uma flor. - Não é não! Só se for aqui. No meu mundo é uma cor. - Sim é uma cor, mas também é um nome de uma flor.

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Lila ficou surpresa com a revelação. - O nome original desta espécie é Syringa, mas é conhecida por Lilás-comum. Sua mãe sempre lhe chamou de uma flor e acredito que o seu nome Lila venha do outro nome dado a essa espécie, Lilac. Lila ficou muito emocionada com a descoberta. Saber que sempre teve um nome de uma Flor a deixou muito feliz, pois no fundo sempre lhe incomodou o fato de Lis ser uma flor e ela não, mas não conseguia assumir isso. - Por que ficou tão emocionada? - perguntou o Floricultóculos comovido. - Porque minha mãe nunca me disse que o meu nome também vinha de uma espécie de flor. - Talvez ela tenha falado, mas você não parou para ouvi-la. - Tem razão, eu geralmente não a escuto – disse Lila assumindo seu erro e perguntou - Como é uma Lilás-Comum ou Lilac? - Apesar do nome, não é uma espécie tão comum, não se vê por ai tão fácil. Tem uma fragrância intensa que domina o jardim, além de delicada e bem versátil, se adapta a qualquer tipo de solo e clima. Lila ficou meio decepcionada ao conhecer as características da espécie. - Não sou intensa, versátil, muito menos delicada. Acho que minha mãe errou no nome. - A sua intensidade vem em se manter firme naquilo que acredita e isso é bom, mas a sua

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versatilidade está em aprender a ser flexível e saber equilibrar o racional com a fé naquilo que não se pode ver, porém acreditar que esteja lá. A delicadeza está em ter um olhar novo sobre as coisas deste mundo e sobre as coisas do seu mundo, e tudo isso está guardado bem ai dentro, só basta você permitir sair – disse Ursereia sorrindo e com toda a convicção. Lila sorriu para Ursereia e aquele momento foi interrompido por uma Florboleta que sobrevoava as duas. - Qual é a sua espécie? - perguntou Lila. - Eu sou uma cópia mal feita de Azaleia, mas tenho mais a cara de Petúnia. - E você se importaria em ser uma Azaleia com cara de Petúnia e fragrância de Lilás-Comum? - Seria uma honra. Meu nome é Azelúnia – disse a pequena flor e abriu um sorriso para Lila. Lila voltou-se para o Floricultóculos e perguntou: - Você conseguiria perfumar a Azelúnia de Lilás? - Claro Lila-Lilás! Vamos descobrir se esta é sua fragrância preferida – disse ele preparando o seu nariz cheirador prestes a exalar o aroma pedido por Lila. Lila ficou por alguns minutos apreciando a fragrância, nunca sentiu aroma igual. Era intensa, mas não enjoativa, era perfeita. O Floricultóculos e a Florboleta se entreolharam com satisfação. Naquele momento a Ursereia soube que Lila estava dando os primeiros passos para o caminho do seu destino e que aquele era o momento certo para que a menina soubesse de tudo.



- Vamos Lila. Preciso te mostrar mais Coisas - disse Ursereia com pressa. A estrada era acompanhada de belas paisagens artificiais, com Papeleiras, que são árvores que ao invés de produzir frutos, produzem papel. Com os Algoduvens trabalhando em suas texturas no céu e Meixes saltando no Riacholeta. Eles são meias perdidas do mundo dos humanos que se transformaram em peixes. De repente canudos saltitantes feito cangurus passaram por elas rindo e se divertindo na disputa de qual conseguiria pular mais alto. Os Canurus são os grandes ajudantes dos Algoduvens, nas pinturas do céu. - Logo você conhecerá os Farabotinas. Eles já devem ter sentido o seu cheiro – disse Ursereia. - O que são Farabotinas? - São calçados farejadores responsáveis por vigiar este mundo. Eles farejam o mal ou algo de errado. - Você disse que eles farejam o mal? Eu não sou má. - Calma! Você não é má, mas não é deste mundo, isso significa que tem algo errado. - O que farão comigo quando me encontrarem? - Não se preocupe você está comigo e eu sou uma guardiã. A Ursereia já percebia mudanças em Lila que estava mais simpática e solícita, mas quando menos esperava Lila surtou: - Ursereia, quero que me leve de volta para casa - disse a menina confusa.

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- Como assim Lila? - Eu quero voltar para a minha casa e para o meu mundo. Tudo isso é demais para mim. Eu não costumo ser uma garota confusa que se sente perdida o tempo inteiro e sem entender o que está acontecendo. O que é este mundo? Eu nem sei como vim parar aqui. - Não fique assim – Ursereia ao tentou acalmá-la. - Por que estou aqui? - Lila, você foi escolhida por ser uma garota especial, diferente de todas as outras. E a sua vinda a este mundo é para nos ajudar e para você se conhecer melhor, se sentir mais segura com quem é, aprender a entender as coisas a sua volta. - Mas como todas essas coisas ganharam vida? - perguntou Lila depois de respirar fundo e ficar mais calma. - Na verdade foram vocês que nos deram vida. O apego por pertences e riquezas abriram as portas deste mundo. Há muito tempo atrás, uma energia se acumulou através dos sentimentos por objetos, os homens amam tanto as suas casas, carros, celulares e roupas. Enfim, amam tanto estas coisas que chegam a fazer até crueldades por uma vida cheia delas, conquistam de uma foram errada. E quando nos têm, nos perdem por desleixo ou nos deixam de lado porque querem mais e mais coisas. Então o Dono de todas as Coisas criou este mundo para nos acolher – explicou Ursereia.

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- O Dono de todas as coisas criou o amor pela vida, amor pelo próximo, pela família, amigos e animais, mas ele nunca criou o amor por objetos. Quem criou este amor foram os homens, e quando os objetos começaram a tomar vida por conta desta energia, esta nova forma de amor que vocês mesmo criaram, o Dono de todas as coisas sabia que não conseguiriam lidar com estas novas criaturas, por este motivo criou este mundo - Completou Azelunia. Os olhos da menina começaram a ficar marejados: - Você foi perdida por desleixo, foi tirada conquistada de forma errada ou alguém te amava demais? – Perguntou Lila para a Ursereia. - Por ser amada demais por uma garotinha que infernizava a família cada vez que me esqueciam ou me colocavam pra lavar – disse Ursereia inconformada com atitude da sua antiga dona. - Realmente, no meu mundo as pessoas são muito apegadas pelas coisas. Agora posso entender como esse mundo passou a existir. Mas além do aprendizado que você disse que eu vim ter aqui, como posso ajudar? - Só você em seu mundo pode abrir o portal para o Mundo das Coisas por ter sido escolhida como guardiã. - Você quer dizer que só existe eu no mundo inteiro que posso passar para o lado de cá? - disse Lila perplexa. - O que eu quis dizer é que existem muitos Desamores no seu mundo, mas só existe um escolhido para ser guardião.

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- Desamores? Guardião? - disse Lila novamente confusa e quase surtando. - Desamores”são todos aqueles que têm amor excessivo por objetos ou coisas no seu mundo. São eles que tem o poder de dar a vida aos objetos. Essas pessoas ainda não entendem a si mesmas e não compreendem o que é realmente importante na vida. - Eu sou um Desamor? - perguntou Lila desejando que a resposta fosse não. - Sim, você é! E foi escolhida para ser uma guardiã. - Mas por que eu, entre tantos? - Por sua vontade excessiva em adquirir conhecimento, acabou criando um vínculo muito grande com seu Tablet. Mas isso só aconteceu porque você não entende quem é. Você descobrirá as características de sua personalidade para que possa usufruir da melhor maneira possível. Você foi escolhida para ser guardiã e aprender o melhor sobre si e sobre os dois mundos. Isso te mostrará a importância da convivência com as pessoas e também o quanto é uma menina sensível e aberta para o amor. Antes que Lila pudesse ter alguma reação sob tanta informação, foi interrompida por um som que se aproximava cada vez mais alto. - São os Farabotinas - disse a Ursereia. - Uma vez, eu os vi capturarem um Espiador. Ele ficou um bom tempo no Mundo das Coisas sem que fosse encontrado, mas quando o capturaram,

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os Farabotinas estavam muito nervosos e na mesma hora o prendeu até que a Ursereia pudesse levá-lo de volta para o mundo dos humanos - disse Azelúnia. - Espiador? Mas o nome não é Desamor? - perguntou Lila curiosa. - Um Espiador é um Desamor, mas nem todo Desamor é um Espiador - disse a Ursereia observando o olhar perdido de Lila. - Quando um Desamor é escolhido para vir aprender sobre este mundo, com o objetivo de se tornar um Guardião, precisará mudar sua visão e postura sobre a vida e nem todos conseguem. Porém todos os Guardiões tem como primeira regra nunca contarem sobre este mundo e acabam nem por fazer, pois seriam chamados de malucos. Então, a maioria depois que termina o seu tempo de Guardião, simplesmente seguem a vida e levam consigo todo o ensinamento. No entanto, outros passam a vida tentando voltar para cá com o objetivo de nos roubar. Levar de volta as Coisas deste mundo, pois são muito preciosas para os humanos. E assim se tornam os gananciosos Espiadores - explicou Azelunia. - Aquele dia na mata, em que levou um susto perto da casa de campo, eram estes tais Espiadores – disse Ursereia. - Mas o que eles faziam lá? - perguntou Lila assustada - Eles ficam a espreita, espiando os meus movimentos. Observam quando estou em busca de um novo Guardião. - Afinal o que faz um Guardião?

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- Um Guardião tem a importante tarefa de proteger o portal da entrada para este mundo. Você é a única humana que consegue entrar ou sair através das suas lágrimas. E eu só a única Coisa que posso entrar ou sair através das minhas poças. - Como os Espiadores conseguem entrar então? - perguntou Lila. - Não sabemos. Por isso precisamos da sua ajuda. Como eles conseguem entrar, se esconderem e roubar. - O que eles tanto querem roubar? Mas antes que a Ursereia pudesse responder, ela foi interrompida pelos “Farabotinas” que estavam mais próximos. - Eu não tenho tempo para explicar as coisas aos Farabotinas. Vamos e eu vou lhe mostrar o que tanto os “Espiadores” querem – disse Ursereia já seguindo em direção a algum lugar. Juntas subiram por alguns metros em um monte, onde no topo podia se ver um infinito vale. Em vez de uma grama verde, era uma grana verde. Um tapete de notas de dinheiro onde caminhavam peças, utensílios e objetos de valor que brilhavam feito ouro, prata e pedras preciosas. Lila ficou de boca aberta. Sentiu-se dentro de um imenso cofre com uma fortuna incalculável. A única diferença de um cofre comum era o seu conteúdo com pernas, braços e muita falação. - Este é o Vale do Dinheiral. É isto que eles tanto querem - disse Ursereia ao apresentar o vale para Lila.

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- Este lugar é um grande problema. Os Espiadores tentam invadir o Mundo das Coisas o tempo todo e infelizmente algumas vezes conseguem o feito - disse Azelúnia. - O Dono de todas as coisas não criou este lugar? Por que ele não ajuda? - perguntou Lila inconformada. - Ele ajuda o tempo todo, mas também permite que as pessoas e as Coisas tomem as suas decisões. Não é decisão dele se queremos ser uma Coisa boa ou ruim, se queremos dar mais valor as coisas ou as pessoas. É uma escolha de cada um. Eu sou a Coisa que optou por proteger o seu e o meu mundo, já os Espiadores preferiram pela ganância e pela destruição. - E o que eu posso fazer? - perguntou Lila sem ter ideia de como poderia ajudar. - Nos ajudar a impedir que os Espiadores destruam o nosso lar – disse Ursereia com um olhar pedinte. - Mas como eu poderia ajudar? - Nós tivemos um Desamor que se tornou um grande guardião por anos. No entanto, se corrompeu e tornou-se um dos mais fortes Espiadores que já existiu. Mas Ursereia foi interrompida por uma criatura com um corpo de Gato e patas de polvo. - Poxa Ursardinha, você deveria contar a história direito para a novata, metida a guardiã - a criatura mostrou ser antipática na sua postura e na forma como se dirigia a Ursereia. - Sai para lá Gatopolvo. Você não é bem-vindo na nossa conversa – enfrentou Azelúnia.

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- Sai pra lá você, sua hibrida de mau gosto. Quem disse que estou aqui para conversar? Só não achei justo a novata não saber a verdade – retrucou o Gatopolvo. - E qual seria a verdade? - perguntou Ursereia com postura de autoridade não cedendo as provocações. - Ursardinha, você sabe muito bem qual é a verdade! - Pare de chamá-la de Ursardinha. É Ursereia. - disse Lila defendendo a sua mais nova amiga. - Tanto faz! Sardinha ou Sereia, tudo tem cauda e vive debaixo d`água - falou o Gatopolvo com desprezo. - Então vou te chamar de Gatolula. Polvo ou Lula é tudo molusco e também vive na água - disse Lila em tom de zombaria. Ursereia deu um breve sorriso para Lila em agradecimento e manteve sua postura de maturidade diante daquela discussão infantil. Porém, Azelúnia caiu na gargalhada, junto com a outra criatura que saiu por de trás do Gatopolvo. - Cala a boca Rinoruga! - gritou o Gatopolvo extremamente irritado, advertindo o Rinoceronte com corpo de tartaruga - e continuou a provocar Lila - A sua amiga não te contou que ela é a culpada pelo o último guardião se tornar um Espiador? - Pare de me acusar disso - Ursereia fechou a cara na hora. - Não estou acusando e sim afirmando. A sua incapacidade de ser uma Guardiã nos colocou no risco de hoje.

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Lila olhou surpresa para a Ursereia e pela primeira vez a viu com um olhar da mais pura tristeza, enquanto isso Gatopolvo saiu dando as costas sem esperar uma resposta, desceu pelo Vale do Dinheiral e foi calorosamente recepcionado pelas criaturas douradas e prateadas. - Eles gostam dele? - perguntou Lila confusa por não acreditar que alguém pudesse gostar daquele gato arrogante. - As Coisas que moram neste Vale, em sua maioria, são tão arrogantes quanto ele. Por serem valiosas no seu mundo, se acham superiores, apesar do significado de valor ser bem diferente aqui - disse Ursereia com um semblante bem chateado. - E quem é esse Gatopolvo? - Um invejoso! - respondeu Azelúnia. - Por que ele é invejoso? - Ele nunca se conformou do fato de não ter sido chamado para ser um Guardião - explicou Azelunia. - Quando vim para este mundo e pude sentir o que é a vida, não pensei no que eu queria ser, eu só pensava que era livre para existir e desfrutar deste lugar. Com o tempo comecei a querer ajudar, melhorar e construir um lugar cada vez melhor. Então, eu desejei com fé que pudesse ter uma cauda e nadar por todo o mundo através do Poceano - disse Ursereia - Pulei todos os dias dentro do Poceano, nadei com minhas pernas e braços curtos, e cada vez estava mais rápida, até que

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um dia o Dono de todas as coisas entregou-me o meu propósito. Ele viu o meu esforço e as intenções do meu coração. - Por que então o Gatopolvo disse aquilo? - Porque ele sabe que de certa forma tem razão. - Não tem não! - disse a pequena Florboleta com braveza e continuou - A Ursereia era amiga da Guardiã Humana mais forte que já existiu. E juntas com a ajuda do Guardião Coisa da época fizeram a melhor fase do Mundo das Coisas. Quando a Ursereia se transformou em Guardiã, ela escolheu um rapaz com muito potencial para substituir a última Guardiã, e ele fez o seu trabalho honrando a tradição. Depois dele Ela escolheu novamente um garoto, que por muito tempo ele demonstrou ter sido a pessoa certa, mas depois descobrimos a verdadeira intenção do seu coração. - O último Guardião se transformou no mais cruel dos Espiadores - disse Ursereia interrompendo Azelúnia. - O Gatopolvo sabe que você não tem culpa. Todos fomos enganados, inclusive ele que nunca desconfiou - disse Florboleta tentando convencê-la a não dar mais atenção para aquele gato sem noção. - E o que ele faz aqui no Mundo das Coisas? indagou Lila. - Por incrível que pareça, ele é um Cuidador das Coisas. Ele tem que auxiliar e ajudar as Coisas a se adaptarem neste mundo – disse a Ursereia. - E o Rinoruga? - perguntou Lila curiosa.

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- Ele é um pobre coitado que decidiu ser capacho do Gatopolvo. Ninguém entende esta fidelidade - disse Azelúnia sabendo que o Gatopolvo o fazia de escravo. - E quem é este super Espiador do Mal? - Era um garoto que esperneava cada vez que seus pais não davam o que queria. Então, cansados de tanta choradeira, logo cediam, e cada vez se tornava mais mimado. Foi por isso que decidi escolhêlo, pois ele era um forte Desamor - respondeu a Ursereia para a Lila. - Qual era a idade dele? - perguntou a menina. - Ele tinha sete anos e foi um Guardião até os seus dezoito. Essa é a idade máxima para ficar como um guardião. - E por quê? - Por que vocês têm que crescer e viver suas vidas lá fora. Não dá para ter uma vida paralela no Mundo das Coisas quando começa a se ter responsabilidades de adulto. - E o que aconteceu com ele? - Ele sempre foi muito prestativo, protegia este lugar com tudo o que ele podia. Na época nenhum Espiador conseguiu entrar aqui. Só que quando chegou o momento dele partir e dar lugar a um novo Guardião, ele não aceitou. - Como ele consegue entrar e sair sem ser percebido? - A gente desconfia que tenha ajuda de alguém, só não sabemos quem e como? - Gatopolvo! - sugeriu Azelúnia.

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- Já disse que não podemos dizer isso advertiu Ursereia. Tentando decifrar o enigma, Lila começou a analisar. - Só conseguimos entrar através das minhas lágrimas tocadas no mar ou das suas poças, certo? Existe outra forma? - perguntou Lila pensativa. - Não! - respondeu Ursereia de forma direta. - Pode ser bobo o que vou perguntar, mas se eu não tiver vontade de chorar? - Te garanto que você irá marejar o olhos toda vez que observar o pôr do sol e sentir o Laranpôrsol. - Se o Espiador nos seguir ele consegue entrar? - Sim. Ele conseguirá fazer a passagem até que o sol suma no horizonte por completo e o portal se feche. - Então a única resposta é que existe algo ou alguém que está ajudando o Super Espiador do Mal a te encontrar! - afirmou Lila. Mas o trabalho de investigação de Lila foi interrompido por mais um comentário inconveniente do Gatopolvo. - Vocês são umas guardiãs de nada mesmo. Ficam ai de papo furado observando a paisagem em vez de nos proteger – disse o Gatopolvo com a intenção de irritá-las. Irritadíssima, a Florboleta voou em disparada na direção do Gatopolvo que ao se dar conta da velocidade em que ela se aproximava, saiu em correndo. Mas ele não era tão rápido quanto ela, e sentiu o que é ver uma flor de plástico irritada.



- Sai pra lá plasticulóide - disse o Gatopolvo cada vez que Azelúnia o cutucava com o seu caule-cauda. Enquanto o Gatopolvo tentava se livrar de Azelúnia que mais parecia um enxame todo de abelha do que somente uma Florboleta. Ursereia e Lila observavam a luta em que o Gatopolvo perdia de lavada. - Gosto quando ela tenta nos proteger o tempo todo – disse Lila orgulhosa de ser amiga de Azelúnia. - Ela é uma ótima Florboleta só um pouco temperamental - disse Ursereia. Então Lila aceitou a sua função e decidiu deixar bem claro para todos e para o Gatopolvo. - Meu nome é Lila-Lilás e sou a mais nova guardiã junto com a Ursereia - gritou em alto e bom som. O Vale do Dinheiral se calou. Ursereia foi até a menina e segurou sua mão, aprovando a sua atitude. A Florboleta deixou em paz a cabeça do Gatopolvo e voou de volta com toda a velocidade para se unir as amigas. Antes que Lila pudesse dizer mais alguma coisa foi interrompida por alguém. - Mal chegou e já quer mudar as coisas, Lila. Quando as três olharam para trás viram um humano. O mais temido vilão de todos os tempos do Mundo das coisas. O Espiador do Mal olhava para elas com deboche e satisfação. - Então você é famosa nova Guardiã? - disse o Espiador.

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- Famosa? Acho que está me confundindo com outra pessoa. A última coisa que sou aqui dentro ou lá fora é famosa. Muito pelo contrário - disse Lila com uma coragem que não havia experimentado antes. - Nossa que modéstia não reconhecer a sua própria fama. - Eu não sou igual a você. - Deveria, pois este lugar só existe porque nós existimos. - O que você está dizendo? Não aprendeu nada quando veio para cá? - Aprendi muitas coisas, como cuidar muito bem do que é meu e proteger esse lugar mais do que ninguém. - Este lugar não te pertence! - disse Ursereia ao tomar a frente na discussão, motivada pela coragem de Lila. - Perdeu o medo pequena mestre? Você não tem que fugir dos Espiadores? Não é isso que você faz o tempo todo? Fugir? Eu tenho vergonha de ter sido ensinado por uma covarde filhote de urso com baleia. - Não fale assim com ela! - juntas gritaram Lila e Azelúnia. - Eu falo do jeito que eu quiser - disse o Espiador ao empurrar Lila que desequilibrou e saiu rolando morro abaixo. - Lilaaaaaa! - gritou Ursereia que mergulhou com toda velocidade para ajudar a menina. Ursereia conseguiu chegar a tempo de ajudar Lila a não se machucar ao submergirem em uma poça. Enquanto isso, o Espiador desceu correndo o

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morro para alcançar o Vale do Dinheiral. As Coisas perceberam o que estava prestes a acontecer e começou uma correria e gritaria para todo o lado. O Espiador corria atrás das Coisas dando gargalhada do desespero das criaturas. Ele sentiase satisfeito com o medo delas. O tintilar de objetos metálicos se esbarrando junto com a gritaria fez o som ecoar pelo vale. Gatopolvo paralisado parecia em estado de choque, já o Rinoruga estava bem escondido em algum lugar por ali. Azelúnia voou até o Espiador e o cutucava tentando o impedir de continuar aquele caos. Mas ela foi capturada e ele começou a espremê-la em suas mãos. - E agora sua estúpida? Onde estão suas guardiãs? Fugiram como sempre? - disse o Espiador. Então ele a tacou dentro do saco, junto com as outras Coisas que havia capturado. Só que na mesma hora, uma voz estridente gritou de desespero e chamou a sua atenção. - Nãoooo!!!! O grito aflito veio de quem Azelúnia menos esperava neste mundo, Gatopolvo deixou toda a elegância de lado, correu com seus longos tentáculos e enfincou com forças suas garras de Gato no braço em que o vilão carregava o saco, fazendo-o soltar na mesma hora por conta da dor. O Gatopolvo aproveitou o momento em que o Espiador estava distraído com o seu próprio braço

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ferido, resgatou Azelúnia com toda a delicadeza e libertou as outras Coisas que estavam no saco. Ela estava exausta e parecia frágil nas patas do Gatopolvo. Ao abrir os olhos se surpreendeu com o olhar doce e preocupado dele. Pela primeira vez ela via naquele Gato com tentáculos o dom de Cuidador. - Você está bem? - disse o Gatopolvo ainda a segurando com cuidado em suas patas. - Sim. Achei que era meu fim - respondeu Azelúnia com um leve sorriso. - Gatopolvo olhe para trás! - ela gritou na mesma hora que saltou das pastas dele, deixando as suas garras livres para se defender do Espiador que o atacavam novamente.


Só que desta vez o Espiador estava ganhando a briga. O Gatopolvo nunca teve que lutar com alguém. Após aquele engalfinhamento, o Espiador conseguiu empurrá-lo para longe e Azelúnia foi atrás para ajudá-lo. - Vocês não entendem, não é mesmo? Ninguém vai me impedir de pegar o que é meu – gritou o Espiador com soberania, conseguindo a atenção de todos. O discurso ditatório do Espiador foi interrompido por Lila que subia correndo pelo Morro. Logo atrás vinha a Ursereia, em cima os Algoduvens carregados de uma cor intensa como se trouxessem uma grande tempestade. E uma multidão de Canurus pulavam com intensidade ao lado da menina. A sua esquerda voavam as Florborletas e os Farabotinas vinham atrás marchando como soldados. O Espiador se deu conta que em todo esse tempo, a qual botou o terror no Vale, Lila e Ursereia não tinham fugido, mas sim ido buscar ajuda. Ele não parecia mais o dominador de alguns segundos atrás, então nada bobo, pegou seus sacos, começou a correr em direção oposta, capturando tudo o que ele podia de Coisas. A equipe liderada por Lila estava quase se aproximando do Vale, enquanto ela começava a calcular na sua cabeça cada movimento que fariam para deter e capturar aquele atrevido, sem educação. Então começou a dar os comandos.

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- Algoduvens preparem para encharcar o Espiador com a água do Riacholeta. Azelúnia assuma a frente das Florboletas e o impeçam de capturar mais Coisas - Lila estava segura do que estava fazendo. - Gatopolvo faça o seu trabalho e cuide das Coisas - disse a Ursereia. Ele acenou humildemente com a cabeça e Lila completou. - Leve todos para longe do vale. Lila e Ursereia se entreolharam com satisfação ao ver que finalmente o “Gatopolvo” tinha entendido a importância da sua tarefa. - Farabotinas separem-se ao redor do Vale para que possamos encurralá-lo - disse Lila e assim a obedeceram. Enquanto isso, o Espiador não parava de ser encharcado pelos Algoduvens. Já as Florboletas estavam fazendo uma boa sessão de abelhistica em cada parte do corpo dele. O Vale já estava quase vazio, o Gatopolvo conseguiu ajudar quase todo mundo. O Espiador que estava irreconhecível, coberto de tinta, parecendo que tinha rolado no piche. E as pequeninas Florboletas o deixaram cansado com tanta cutucação. Ele rodava feito uma barata tonta, pois os Farabotinas não o deixavam sair do Vale. Enquanto isso, Ursereia ajudava os Canurus a encontrarem algum objeto para prender o indivíduo. - Farabotinas fechem o cerco - disse a Ursereia Os Farabotinas fizeram um círculo em volta do Espiador que não conseguia sair da roda, pois cada

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vez que tentava, levava uma mordida desdentada das Botinas Farejadoras. E pela cara do rapaz era tão dolorida quanto a mordida de um tubarão. Os Canurus formaram uma estreita cela em torno dele. Ficaram rígidos com a ajuda dos Algoduvens que se enxertaram dentro dos tubos, deixando-o encarcerado. Ursereia aproveitou que ele ainda estava zonzo, puxou suas mãos e o prendeu com uma corrente e cadeado que encontraram no Vale. Após a captura, quando todos estavam descansando da correria, alguém puxou a chave do cadeado das patas da Ursereia sem que ela percebesse a aproximação. - Rinoruga, o que você está fazendo? - Lila perguntou ao se levantar indo em direção a ele para recuperar as chaves. - Rinoruga por que você pegou as chaves? - perguntou a Ursereia extremamente surpresa. - Por essa vocês não esperavam, não é? Foi o Rinoruga que sempre me ajudou a entrar aqui, pois na minha época de Guardião fizemos um acordo disse o Espiador com um sorriso sarcástico. - O seu objetivo todos nós conhecemos, é roubar, mas Rinoruga qual o motivo para você querer destruir o seu lar? - disse Lila inconformada. - Aqui não é meu lar. Meu lugar é lá fora, vivendo junto com as pessoas. Eu não sou uma Coisa pra ter que me esconder neste lugar - disse o Rinoruga com amargura.

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- Do que você está falando? Nós não sobreviveríamos um segundo lá fora. Aqui somos livres - retrucou Ursereia. - Fale por você, não me sinto livre aqui. Eu tinha uma dona que me amava e ela teria continuado a me amar. - O amor que ela sentia por você não era real, mas sim possessivo, egoísta e ganancioso. O amor por “Coisas” traz sofrimento para aquelas pessoas. É este amor que você quer? - disse Ursereia decepcionada. - Você não sabe de nada. Eu tenho memórias da minha vida lá fora. - Todos nós temos estas memórias, mas elas só ficaram conosco para que nos não lamentássemos pela vida que tivemos e sim para agradecer pela nova vida que nos foi concedida. - Nãooo! - Rinoruga interrompeu o discurso com um grito que ecoou por todo o vale. Ele começou a se aproximar do Espiador quando o Gatopolvo se colocou na sua frente o impedindo de continuar. - Não faça isso, eu te entendo. Eu sei quando as coisas não são conforme gostaríamos, mas é uma forma de tentar outro caminho que pode ser muito melhor. - O Gatopolvo disse cada palavra vinda do coração. - Por que agora você está falando de forma tão gentil comigo? Até algumas horas, eu só era um capacho. Você não gostava de ninguém e nem da Ursereia por ter tomado seu lugar e agora é amiguinho de todo mundo.

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- Eu precisei estar numa situação desafiadora como esta para entender que a minha função é tão importante e valorosa quanto qualquer outra. Você também pode encontrar o seu lugar aqui. - Não precisaria existir este mundo se todos estivessem juntos no mesmo lugar. - Não existe lugar para nós lá fora. Nós seríamos escravos, como o Espiador que fazer conosco - disse o Gatopolvo já perdendo a paciência e continuou – Posso ter sido o que fosse aqui, mas nunca trairia meu lar. - Meu lugar não é aqui - disse o Rinoruga empurrando o Gatopolvo para longe com a força de um rinoceronte. O Gatopolvo caiu desconjuntado no chão, perto de Lila que o ajudou a se levantar. Enquanto isso, os Farabotinas tentavam impedir o Rinoruga de alcançar a cela de canudos, mas os coitados estavam parecendo pinos de boliche sendo arremessados para todo o lado pela impressionante força da criatura. Quando ele chegou na cela, os Canurus se movimentavam de um lado para o outro, tentando impedir a fuga do Espiador, mas a força do Rinoruga era realmente espantosa e por fim conseguiu libertá-lo. Todos ao redor se sentiram desamparados e amedrontados. Em todo o planejamento que Lila fez para derrotar o Espiador em nenhum momento passou pela sua cabeça ter que enfrentar uma traição como aquela.



Com toda arrogância e prepotência, o Espiador mimado começou a se gabar por ter enganado a todos. - Agora todos vocês conseguem entender a situação? Este lugar me pertence e só existe porque eu existo. Os Desamores são os responsáveis por isso tudo, então parem de lutar em vão. Lila olhava para os lados e via o semblante de renúncia em todos, inclusive na Ursereia. Foi então que em seus pensamentos começou a conversar com o Dono de todas as coisas: “Dono de todas as Coisas não lhe conheço muito bem apesar de já gostar muito de você e nem entendo o porquê disso. Acho que é porque acredito na sua bondade e sabedoria de criar algo como este lugar, e com isso aprendi a ter algo que antes para mim era impossível, Fé. Mesmo diante desta situação que parece impossível, mesmo sem nunca ter te visto, acredito que possa nos ajudar. Eu creio que você é mais forte do que qualquer coisa deste mundo ou do meu mundo, então nos ajude, por favor.” De repente, interrompendo o discurso tirânico do Espiador e os pensamentos de Lila, ventos começaram a soprar e uma grande nuvem a se formar. O Céutela foi dominado por uma grande nuvem em forma de Leão. Lila olhou ao seu lado pensando ser a Ursereia, mas ela continuava a ali junto com Azelúnia em seus ombros. - O MÉRITO NÃO É SEU ESPIADOR - Uma voz grave, causou temor e estremeceu a todos.


Por medo do que poderia acontecer de agora em diante, e o que aquela voz poderia lhe fazer, o Espiador e o Rinoruga pularam para dentro do Poceano e nadaram em fuga o mais depressa possível. - Ursereia e Lila vão atrás deles - Disse a nuvem em sua perfeita forma de leão. - Não sei se consigo. Ele é um garoto de dezoito anos muito mais forte do que eu. disse Lila meio apreensiva. - Você não me pediu ajuda? - Sim, eu pedi. - Então não duvidem de si e vão. Eu darei o que precisam. Ursereia e Lila se entreolharam e juntas mergulharam atrás dos fugitivos.


Lila nadou o mais depressa possível atrás do Espiador, já a Ursereia ficou na retaguarda do Rinoruga. Os dois pareciam bem familiarizados com o Poceano, pois eram muito ágeis. Agora Ursereia entendia como o Rinoruga descobria suas saídas e conseguia transmitir as informações ao Espiador, tinha se tornado um ótimo nadador tão rápido quanto ela. A perseguição continuava e Lila estava impressionada em como conseguia acompanhar o Espiador, afinal ele era bem maior e com certeza bem mais forte, mas Lila tinha certeza que a confiança que lhe foi dada lhe permitiu uma força sobrenatural. Quando finalmente a Ursereia conseguiu agarrar no casco do Rinoruga, ele continuou a puxando tentando fugir. Lila fez o mesmo, agarrou em uma das pernas do Espiador como um macaquinho, e por mais que o vilão se chacoalhasse, a menina não desgrudava. Até que a força dos dois fugitivos veio por acabar e como não aguentavam mais o peso das guardiãs desfaleceram pelo cansaço. As duas os trouxeram de volta e continuavam estirados no chão de tanto cansaço. Ao acordarem deram de cara com a esplêndida nuvem leonina que observava com paciência. O Espiador soltou um grito que lhe fez lembrar do motivo de ter fugido, e agora se deu conta de que fora um fracasso por estar ali de volta. Ele se colocou de pé em postura de reverência diante do Leão. Por algum motivo, e não entendia o porquê, ele sentia a

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necessidade de ter uma postura de respeito diante daquele fenômeno que estava em sua frente. - Como eu disse, o mérito não é seu – repetiu a voz grave vinda do alto e continuou - Este mundo não tem que agradecer os Desamores por existir. Muito menos agradecer a você que não aprendeu nada do que lhe foi ensinado aqui. Apesar de este mundo existir por conta das atitudes dos Desamores, a grande beleza está em encontrar algo bom naquilo que é ruim e este mundo é o exemplo de que sempre haverá algo bom a se fazer, só irá depender da escolha de cada um. O Espiador abaixou a cabeça e então O Dono de todas coisas se direcionou ao Rinoruga. - Rinoruga, apesar de entender os motivos para as suas atitudes, isso não justifica o egoísmo que submeteu a todos para conquistar os seus objetivos. Você não conseguiu compreender e agradecer o privilégio de estar neste lugar sob minha proteção, não sendo capaz de enxergar as consequências de suas escolhas. - Proteção? Que proteção? Eu e o Espiador fizemos tudo isso debaixo do seu nariz, se é que você tem nariz. - disse Rinoruga com tom de zombaria. - Engano seu, nada passa despercebido por mim, eu sei de todas as coisas. E sim eu tenho um nariz! - Então porque permitiu que tudo chegasse até aqui? Que tipo de proteção é essa? - continuou o Rinoruga.

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- Todos precisam aprender a lutar, a confiar em si mesmo. Estão livres para fazer suas próprias escolhas. Porém independente disso, eu sempre vou estar por perto para ajudar no que for preciso. Existem milhares de coisas neste lugar, as quais você poderia ter conquistado, como usar essa força física que possui para se tornar um ótimo sentinela, e ter conquistado belas amizades. Mas preferiu fingir estar a sombra do Gatopolvo, tramando pelas costas e se lamentar por um passado que não poderá mais ter. Ouvindo isso, o Gatopolvo se dirigiu até o Rinoruga e tentou se desculpar. - Rinoruga, me perdoa? Eu não tinha ideia do que fazia – disse ele como tristeza em suas palavras. - Eu não te perdoo de nada. Isso tudo para mim é uma grande baboseira, não me encaixo, não quero ser sentinela, guardião, cuidador ou qualquer outra porcaria que vocês inventarem para continuarem aprisionados aqui. O Dono de todas as coisas percebeu que Rinoruga estava irredutível. Então, ele se direcionou aos outros que o ouvia com atenção. - Azelunia e todas as outras Coisas, a coragem de vocês me orgulha. A união com a qual trabalharam foi admirável. Parabéns, eu estou muito orgulhoso de todos vocês - e continuou - Ursereia, hoje mais do que nunca, você demonstrou que a tarefa de Guardiã foi entregue a Coisa certa. Não se preocupe mais com o que passou, erros e acertos existirão sempre, o que fazer com eles é a grande questão.

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A Ursereia sorriu e lágrimas começaram escorrer a libertando do passado. - Querida Lila, hoje eu tive a certeza que fizemos a coisa certa ao te escolher para ser guardiã. A sua inteligência, estratégia, a sua fé conquistada e o amor pelo os seus novos amigos, demonstrou a certeza de quem você está se tornando. Ainda bem que ouvi o pedido de Flora – disse O Dono de todas as coisas com orgulho. - O quê? Minha mãe? - perguntou Lila totalmente surpresa e confusa. - Sim! Sua mãe - confirmou o Dono de todas as coisas deixando Ursereia continuar. - Você lembra quando Azelúnia te disse que eu era amiga da melhor Guardiã de todos os tempos? - Sim, eu me lembro – responde Lila com lágrimas nos olhos. - Eu me referia a sua mãe. Lila não tinha palavras. Parecia aqueles momentos em filmes que não acreditamos na grande revelação do final. - Minha mãe foi uma Guardiã? Lila sempre achou sua mãe diferente e nunca fez questão de entendê-la, mas agora sabia que sua mãe não era só diferente, mas sim especial. - Filha de peixe, peixinho é - disse Azelúnia com um sorriso amável. - A única coisa que não consigo imaginar é minha mãe sendo um Desamor. Achei que o coração dela sempre fosse assim.

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- Eu fui a causa de sua mãe ser um Desamor - disse Ursereia surpreendendo Lila mais uma vez. - Minha mãe era a menina mimada a qual você pertencia? Ursereia afirmou com a cabeça. Tudo o que Lila queria naquele momento era ver Flora, porque não aguentava mais de saudades de sua família, e antes que pudesse responder alguma coisa, a conversa foi interrompida por mais uma atitude egoísta do Rinoruga. - Eu não aguento mais ouvir esta melação. Deixemme ir embora daqui. Pois mesmo que eu ficasse, como seria viver aqui depois de tudo o que eu fiz? - Para quem se arrepende sempre haverá o perdão – respondeu o Dono. - Eu não sei se me arrependo e também não sei se quero o perdão de alguém. Agora tudo o que eu quero é ir embora. - Então vá, mas de antemão eu posso te dizer que a sua antiga dona não te reconhecerá e terá medo de você. As pessoas vão querer saber o que você é, quem você é e de onde você veio. Pois o homem não sabe lidar com algo que não reconhece e você estará sozinho lá fora, mas te dou o direito de escolha mesmo que coloque todos aqui em risco – orientou o Dono. Rinoruga ignorou totalmente o que o Dono acabara de dizer. - Não será assim e não me importo com o que acontecerá com este lugar.

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Todos olhavam para o Rinoruga e tentavam entender de onde vinha tanto rancor e amargura. -Eu... Eu também quero ir embora – disse gaguejando o Espiador ao interromper o silêncio inconformado de todos. - Dono, não pode permitir que eles vão embora sem nenhuma punição, depois de tudo o que fizeram - pediu Lila inconformada. -Querida Lila, não existe punição maior do que as consequências dos próprios atos. A vida se encarrega de puni-los se não conseguirem mudar – e o Dono completou - Está na hora de voltar para casa pequena guardiã, e obrigado por ajudar o nosso Mundo. Lila se despediu de todos e em especial da pequena Florboleta, que mais parecia um regador de tanto chorar. - Você não vai demorar muito pra voltar! - pediu Azelúnia aos soluços. Lila deu um beijinho em Azelúnia e logo veio o Gatopolvo para se despedir. - Desculpe se não fui um bom anfitrião lhe dando boas vindas. - Gatopolvo, o importante é que se arrependeu, continue sendo este ótimo Cuidador.

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Após as despedidas, Lila, Ursereia, Rinoruga e o Espiador foram em direção ao Riacholeta para pegar o próximo nascer do sol. Ao chegarem a Ursereia começou a dar as orientações da viagem. Então, todos pularam no Riacholeta e debaixo das águas turvas e densas seguiram a Ursereia até o portal de saída. Lá puderam ver flutuando, um lindo círculo de luz da cor laranpôrsol. Ao se aproximarem, círculo começou a se movimentar para cima lentamente, em direção a superfície. Lila se emocionou ao ver a cor laranpôrsol, e como a Ursereia havia dito, as lágrimas começaram a escorrer, só que para surpresa da menina, elas brilhavam. Ursereia pegou a lágrimas brilhantes e as colocou no círculo de luz. Quando ele tocou a superfície era sinal que estava nascendo o sol em algum lugar, então o portal se abriu. Aproximaram-se e passaram pelo portal. Quando perceberam já estavam todos debaixo da árvore, na poça onde tudo começou. Onde Lila viu a Ursereia pela primeira vez, ou melhor, pela segunda vez, já que descobrira ser ela a nuvem que observava a sua janela. A menina saiu da água do Poceano e abraçou a Ursereia se despedindo, mas com ares de até logo. Afinal, ela agora era uma guardiã e tinha muito trabalho pela frente. - Obrigada por tudo. Por ajudar a me descobrir, a enfrentar meus medos. Não teria conseguido se não fosse por você, pelo Dono e por todos do Mundo das Coisas.

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Ursereia se emocionou e retribuiu o abraço com mais força. Então ela olhou em direção a casa. - Olha quem está te aguardando lá na porta? disse Ursereia sorrindo. Lila se virou e viu sua mãe, olhou mais uma vez para Ursereia, se despediu e saiu em disparada ao encontro de Flora. Ela pulou em seus braços aos prantos de alegria e a abraçou como jamais havia feito. - Mãe, eu sou uma flor? Por que nunca me disse que meu nome vinha de uma flor? - Sim minha querida, você é minha primeira flor. Eu te disse, mas você estava sempre tão distraída e depois começou a dizer que não gostava quando eu te dava nomes. Mas tudo isso já passou minha linda Flor Lila-Lilás.


- Me desculpe mamãe. Eu te amo muito. - Eu também te amo muito minha pequena. As duas ainda ficaram abraçadas por um longo momento. Flora ainda com Lila em seus braços, sorriu para Ursereia e acenou. A pequena ursa sorriu e correspondeu o comprimento. - Vamos que esta foi nossa primeira parada. Eu preciso deixar os dois respectivos cavalheiros em seus lugares - disse Ursereia para as duas criaturas que estavam sob sua guarda, e que não paravam de se ranhetar. Os três mergulharam dentro da poça, só que a Ursereia voltou para dar uma última espiadinha e viu Lila e Flora de costas, abraçadas indo em direção a casa no campo. - Até logo, Lila-Lilás! - disse Ursereia para si mesma e submergiu. Lila ainda abraçada com a mãe, olhou para trás e a Ursereia não estava mais lá, então voltou-se para a mãe. - Fiquei surpresa quando soube que foi uma Guardiã e a melhor – disse Lila com orgulho. - Nunca me apeguei a este rótulo. Eu só fui o melhor que podia e com amor. Pode ter certeza que o Mundo das Coisas fez ainda mais por mim do que eu para eles. - Pra mim também, mãe. Agora eu reconheço a minha força. Eu sei que sou mais corajosa e sensível do que imaginava. E amei conhecer a fé. Eu também sei que sou racional e que não existe nada de errado

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com isso, inclusive isto ajudou no Mundo das Coisas. Eu só preciso me equilibrar e parar de me esconder atrás da razão. Hoje sei que posso ser mais reservada, mas não preciso ser sozinha. Eu quero ter amigos e me relacionar mais com as pessoas, principalmente com a minha família - disse Lila com lágrimas nos olhos. Flora se emocionou junto com a filha e se lembrou de todo o tempo que esperou por este momento. - Nunca te imaginei sendo uma menina mimada – disse Lila interrompendo o silêncio. - Pois é! O que a Ursereia te contou? - Ela disse que foi o motivo por você se tornar um Desamor. Mas vocês se tornaram amigas e juntas evoluíram e se tornaram quem são hoje - disse Lila sorrindo e continuou – Eu só não conheci o Guardião que te escolheu. - Conheceu sim! Inclusive você se irrita com ele todos os dias – disse Flora empolgada por contar a novidade. - O Galo Zezé? - perguntou Lila totalmente surpresa. - Sim! O Galo Zezé é o apelido que sua irmã colocou nele. Na verdade ele é um Galógio, era um relógio que sempre quis ser um Cuco, então ele se transformou em um Galógio e ama despertar as pessoas. Foi o guardião mais pontual que já existiu. As duas riram. Sentaram-se nas escadas da varanda e continuavam a rir das histórias uma da outra.

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- Lila-Lilás, você voltou! - disse Lis correndo com os braços abertos em direção a irmã. Lila olhou para mãe e abriu um sorriso largo, se levantou, correu em direção a Lis com os braços abertos. - Voltei Lis Flor-de-Lis! A princípio, Lis se espantou com a alegria incomum da irmã mais velha, mas logo o seu coração se encheu e correu em direção de Lila que a abraçou com as mesmas saudades de sua mãe. Nesta hora Martin saiu da casa, Flora se levantou e se posicionou ao lado do marido assistindo pasmo a cena única entre suas filhas. Aproveitaram juntos o resto do final de semana. Lila aprendeu a usufruir daquele lindo lugar que era


a casa de campo. Ela até se esqueceu do Tablet, só lembrou quando estavam indo embora e ninguém o encontrava. Foi aí que Lila e Flora se entreolharam e juntas disseram “Deixa pra lá”. Martin olhou com estranhamento para o desapego da filha, mas até que ficou feliz por isso. Mal sabia ele que Flora e Lila sabiam muito bem para onde o Tablet tinha ido. Quem sabe na sua próxima viagem ao Mundo das Coisas, ela o encontre. Ao entardecer de Domingo deixaram a casa de volta para a metrópole. Lila estava dentro do carro reparando no pôr do sol. Depois de algumas horas de viagem, que passaram muito rápido por conta das conversas e risadas, chegaram em casa felizes e dispostos para uma nova semana. Lila pulou do carro e foi direto para o quarto da irmã e encostou a porta antes que ela viesse atrás. Aproximou-se lentamente do Galo Zezé ou Galógio: - Olá, eu sou a Lila-Lilás - disse ela baixinho. E o Galo não respondeu. - Pode falar. Eu sou a nova Guardiã do mundo das coisas, posso te fazer uma pergunta? - Claro, quantas quiser! – respondeu o Galógio. - Por que decidiu sair do Mundo das coisas? Eu pensei que vocês não pudessem vir para cá, a não ser em casos como de um Coisa rebelde. -Só um guardião pode escolher entre o Mundo das coisas ou viver com os humanos. Eu decidi aqui, por causa da sua mãe. Nos tornamos grandes amigos e sentiria muitas saudades dela. Em agradecimento a

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tudo o que ela fez por nós, hoje eu sou o Guardião da sua casa – explicou o Galo com alegria e satisfação. - Não sente falta do Mundo das Coisas? Lá você era livre, podia andar e falar a hora que quisesse, já aqui tem que fingir ser um objeto – disse Lila com compaixão. - O que?! Aqui sou super livre. Quando vocês saem eu faço a maior festa. Além disso, não tem como ter uma vida monótona tendo a Lis Flor-deLis como companheira de quarto. - Tem razão. Obrigada por vir cuidar da minha família. - Não tem que agradecer. Eu sou feliz aqui e sua família é muito especial. - É sim. Agora eu sei disso. Os dois sorriram e Lila já saia do quarto quando se lembrou. - Poderia despertar amanhã cedo, às seis? - Com certeza. Já está programado! Depois de um ótimo jantar, banho e dentes bem escovados, Lila foi para cama. No outro dia foi acordada pelo canto do Galo Zezé e por incrível que pareça isto deixou de incomodá-la. Mesmo ainda sendo sensível aos sons altos pela manhã, ao contrário de antes, o despertar do Galo a fazia sorrir e recordar do Mundo das coisas. Nesta segunda-feira diferente, Lila foi para a escola mais segura e aberta para encontrar novas amizades. Ao entrar na sala de aula, se encaminhou até sua mesa e reparou em um menino de cabeleira encaracolada que estava sentado bem atrás dela. Ela nunca o tinha visto, provavelmente era um

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novo aluno. Antes de sentar na cadeira ela deu um sorriso para ele. O menino reparou, mas antes que ele pudesse corresponder ao sorriso, Lila sentouse com as bochechas vermelhas de vergonha. De repente, ela sentiu alguém cutucar os seus ombros. - Olá! - disse Ricco, o menino de cabelo encaracolada. - Olá, você é novo aqui? - perguntou Lila a fim de puxar um assunto. - Sim, hoje é meu primeiro dia! Mas antes que Lila pudesse continuar a conversa, ela foi interrompida por ele. - Olha aquelas nuvens! Uma parece um Leão e a outra não sei bem dizer, acho que é... - Uma Ursereia - Lila completou a frase do menino. - Ursereia? O que é uma Ursereia? - perguntou realmente interessado. - É um urso com cauda de sereia. - E isso existe? - Se você acreditar... Existirá! - disse Lila sorrindo para ele. Ricco, um pouco tímido, ficou com as bochechas rosadas por conta do enorme sorriso que acabara de ganhar. Ao perceber que tinham a timidez em comum, Lila soube que a partir deste dia teria um grande amigo também em seu mundo. Ela voltou a olhar para o céu e mais uma vez agradeceu a Ursereia e ao Dono de todas as coisas. Ela sabia que dali em diante observar o céu nunca mais seria a mesma coisa.







LILA ERA UMA GAROTA SOLITÁRIA, ANTISSOCIAL E INTELIGENTE. SEMPRE LIGADA A TECNOLOGIA, NUNCA SE LIGOU A FAMÍLIA OU AMIGOS. PORÉM, UM DIA ELA VIU QUE AS COISAS VÃO MUITO MAIS ALÉM DO QUE ACREDITAVA. JUNTO COM A URSEREIA, ELA CONHECERÁ UM MUNDO MÁGICO COM SERES INCRÍVEIS, TERÁ A GRANDE JORNADA DE PROTEGER ESSE LUGAR E TER SENSAÇÕES INCRÍVEIS. NO “MUNDO DAS COISAS”, SE APRENDE SOBRE O VALOR DA AMIZADE E O REAL VALOR DO MUNDO, AONDE O IMPORTANTE É CRIAR LAÇOS E SER FELIZ e ll a S e r r Is a b a

ina Laudano Mar

I lu s

tradora D e s ig n e r


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