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<< Penélope Araúj o >>
“O que é que eu posso falar, não tem idade certa pra casar, não é porque eu escolhi os 20 que eu ache que a idade certa é os 20, se você está afim de casar com os 30, com 40, case. Não tem regra, a ideia é você não deixar de fazer algo que você goste, ceder por causa de uma pressão social, o importante é a sua felicidade, não agradar aos outros” - Guilherme Almeida.
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<< Texto & fotos: Marina Didier >> A instituição casamento já foi considerada moeda de troca entre senhores, acordo e aliança entre famílias e até mesmo sinônimo de paz e prosperidade para reinos. Além do caráter religioso simbólico atribuído comumente ao casamento, a assinatura do documento passou a firmar entre as partes o compromisso mútuo e diante da sociedade de responsabilidades civis.
Segundo o IBGE, no Brasil, o número de homens casando de 20 a 24 anos caiu de 41,21% do ano de 1984 para 20,91% no ano de 2011. O número de mulheres que casava com “vinte e poucos anos” também sofreu uma queda relativa: em 1984, elas representavam 35,86% dentro dessa faixa etária e, em 2011, o número caiu para 25,38%. No Brasil, sobretudo na região nordeste, observou-se a ocorrência de um fenômeno nos últimos anos. Os filhos sentiram a necessidade de permanecer por mais tempo na casa de seus pais, alguns por razões de cunho financeiro, outros pela comodidade na dependência deles. A esses jovens foi dada a denominação de geração canguru. Jovens que, apesar de maduros, formados e prontos para se lançar no mundo, preferem permanecer na casa dos pais adiando a saída do ninho.
Recife, ano de 2015. Guilherme entra na biblioteca, encena ajoelhar-se, apresenta à mão a proposta para Maria. A escolha, a hora, o lugar, a pessoa. Não muito óbvia, a biblioteca foi o espaço do primeiro encontro, foi quando se conheceram e onde tudo começou. Agora, a continuação da história de pouco mais de quatro anos após o primeiro pedido culmina na reafirmação do compromisso nesse mesmo ambiente. Maria, 23 anos, está em seu último ano de graduação em Engenharia Eletrônica. Guilherme, apenas três anos mais velho, conclui este ano o mestrado em Física. Ambos ansiosos e plenos com a decisão do noivado. Para eles, responder a algumas perguntas sobre o motivo do de noivar agora e não daqui a cinco anos tem sido bastante recorrente.
“O motivo de ser agora eu acho que é porque a gente se conhece e se gosta, além da linha de pensamento muito parecida que a gente tem”, explica Maria. A vontade de construir uma família, uma vida juntos, com a consciência de tudo que esse passo significa, responsabilidades e compromissos, só reforça o sentido de ter escolhido Guilherme como parceiro para iniciar uma vida. Guilherme sorri e completa a ideia de Maria. “A gente pensa em se casar com quem a gente gosta, com quem a gente acha que tem uma boa convivência. Eu não vejo o porquê do questionamento relativo à idade. Eu sei que quero agora, não tem muita explicação, eu não penso muito na questão da idade. Se a pessoa for pensar só em estabilidade ela só vai se casar quando tiver 60 anos”. Ele também reforça a ciência e a seriedade da decisão - “eu admito, casamento é uma grande responsabilidade, mas ao mesmo tempo eu não vejo só como uma obrigação que você tem que ter, mas sim como algo que eu estou querendo fazer e querendo fazer consciente, então, eu não quero adiar mesmo”. Casar no momento atual em que vivem faz todo sentido para ambos. Maria não abre mão da realização de um sonho agora só porque a maioria das pessoas acha que isso tem que ser adiável. “Algumas pessoas veem isso como se nós estivéssemos perdendo a vida, eu vejo que estou fazendo justamente o contrário, aproveitando ela ao máximo fazendo aquilo que eu quero com quem eu escolhi”, esclarece. “Eu não me imaginava jamais casando com essa idade, até porque quando eu era mais nova eu dizia que nem ia querer casar e se fosse casar ia ser com uns 30 e poucos anos. Apesar de achar a ideia de família uma coisa muito legal, eu achava que eu tinha que fazer o que a maioria das pessoas dizia que eu tinha que fazer”. Maria reflete sobre o comportamento esperado pela sociedade, que seria parte de uma sequência de fatos que precisam acontecer para dar continuidade aos planos de vida do indivíduo:
“primeiro eu preciso me estabelecer 100% profissionalmente, depois viver muito a vida, aproveitar, fazer um monte de coisa e bem depois pensar em casamento”. Maria conclui falando que não é como se fosse uma coisa programável e que por isso não se imaginava casando com essa idade. Para Guilherme, estar enquadrado ou não dentro de alguma norma social parece ser sua última preocupação. “Se eu me imaginava estar me casando nessa idade?! Pra ser bem honesto eu nunca imaginei uma idade certa para isso. Também nunca fiz planos no sentindo para executar em sequência, eu acho que foi uma decisão bem natural, eu estava com a pessoa certa na hora certa, e acho que, nessas circunstâncias, eu não veria outra hora e local senão como está acontecendo agora”, diz. De fato, é uma nova etapa na vida de duas pessoas, mas nem por isso todos devem seguir um padrão social imposto sobre como e quando homens e mulheres devem se comportar. “Não acho que existe uma idade certa pra isso, mas se a pessoa tiver consciência do que ela quer, consciência de que vai ser uma coisa muito boa, mas que vão existir dificuldades, eu não vejo motivo para não casar cedo”, pontua Maria.
Os pais de Maria, que se casaram aos 30 anos, ficaram entusiasmados ao receberem a notícia. A mãe, Marta, de quem Maria esperava certo estranhamento, foi a que mais apoiou, dizendo já esperar por isso. O pai da noiva ficou um pouco reticente e preocupado com a questão da vivência do casal, mas principalmente com a questão financeira. “Com os meus amigos as reações foram bem diversas. Alguns casais de amigos apoiaram, acharam legal, inclusive não acharam estranho, mas a maioria ficou chocada como se fosse uma coisa absurda casar com essa idade”, explicou. No entanto, o que mais incomodou aos noivos foi o espanto e até desencarajamento vindos de 'pessoas estranhas'. “Os comentários em geral são “Nossa, você vai casar agora, mas quantos anos você tem?”. Quando eu digo a minha idade, as pessoas ficam abismadas, como se eu estivesse tomando uma decisão errada ou não tivesse pensado muito sobre isso e não fosse a minha vontade”, relata Maria.
Nos próximos dez anos, Maria espera estar feliz e realizada, com filhos (provavelmente mais de um), trabalhando no que gosta dentro de sua profissão. Guilherme também quer solidificar a felicidade que sente agora pelos próximos anos. “Quando a gente tá feliz o melhor sentimento, o sentimento que a gente carrega é assim “eu não quero que isso acabe”, então basicamente eu quero que isso dure por 10, 20, 30, 40, 50 anos, até o resto da minha vida”, diz. Sobre casar aos 20 e poucos, completa: “Não é porque eu escolhi os 20 que eu ache que a idade certa é os 20. A ideia é você não deixar de fazer algo que você goste, ceder por causa de uma pressão social. O importante é a sua felicidade, não agradar aos outros." ---
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De acordo com dados da Associação Mundial de Psiquiatria, uma em cada quatro pessoas no mundo já sofreu de ansiedade pelo menos uma vez na vida. Diagnosticada com insônia, depressão e ansiedade, a estudante Isabelly Damascena, 20 anos, é uma dessas pessoas. "Eu estava me sentindo solitária, vazia, sem saber o que fazer em todos os sentidos; principalmente vazia", conta. Isabelly estuda Ciência da Computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e afirma que esses sentimentos negativos foram causados pelas frequentes cobranças a que é submetida. "O modo de cobrança da faculdade é muito árduo, existem trabalhos insanos, às vezes impossíveis de fazer e até mesmo de compreender", revela. Ela lembra que durante um projeto extremamente difícil, que exigiu passar uma noite acordada no Centro de Informática da UFPE, onde estuda, ela sofreu um ataque de pânico. E não foi a única entre o grupo de alunos. "Às 4h da manhã eu estava chorando como um bebê! Alguns colegas reagiram do mesmo jeito. Outros, já estavam desistindo do projeto. Foi frustrante para todo mundo". Isabelly toma ansiolíticos, remédios *Os nomes assinalados foram alterados utilizados para diminuir a ansiedade e tensão: a pedido dos entrevistados ela faz parte dos 35% dos jovens brasileiros com menos de 26 anos que já **O norte americano Kyle usam algum tipo de remédio para depressão e Thompson, 21, utiliza os autorretratos ansiedade, segundo estudo da Universidade como terapia para a sua ansiedade de Coimbra, em Portugal. A combinação de remédios com psicoterapia é o tratamento << Texto: Rebeca de Arruda tradicional para transtornos psiquiátricos.
Foto: Kyle Thompson ** Ilustração: Marcela Lins >>
Apesar de estar em tratamento há três anos, Isabelly não consegue imaginar um futuro sem os seus remédios. "Eu sinto uma melhora grande, mas essas coisas [a ansiedade e depressão] ficam escondidas para atacar na pior hora possível. Às vezes tenho recaídas, então acabo me sentindo muito dependente dos remédios", explica. Quem também lida com as recaídas é Ângela Moraes*, 21, que está em tratamento para a ansiedade e depressão há dois anos. Como Isabelly, ela não se sente curada. "Acho que vou passar a minha vida inteira refém desses remédios, só me sinto bem quando os tomo", conta, lamentando ter medo do futuro. A jovem relata que, após um ano de tratamento e da visível melhora, sua psiquiatra sugeriu que ela diminuísse a dose dos remédios até ficar livre deles – período conhecido como desmame. A tentativa não deu certo. Ângela conta que passou por um dos piores períodos de sua vida. "Depois que os remédios saíram do meu sistema, eu acordava pela manhã com vontade de não fazer nada, passava o dia inteiro na cama, não me alimentava, não tomava banho, não falava com ninguém. Perdi, novamente, a vontade de viver."
Para Barbara Lulic*, 23, que luta contra ansiedade, depressão e síndrome do pânico, todo dia é uma nova batalha. Ela faz faculdade, curso de idiomas e ainda trabalha. "Na maioria dos dias eu nem quero sair do quarto. Tenho medo do que pode acontecer só de colocar o pé fora da cama, parece que o mundo está sempre nas minhas costas", explica como se sente. Barbara diz que a forma como ela foi criada é um dos motivos do seu diagnóstico. "Já conversei com minha psicóloga sobre isso e ela concorda. Desde criança eu sinto essa pressão da minha família, não só dos meus pais. Se eu tirava um oito no colégio, eles queriam um nove. Isso fica no subconsciente. Tem uma vozinha que me diz ‘Barbara, você poderia ter feito melhor’, e é difícil não dar ouvidos”, desabafa. Com 20 e poucos anos, ela teme que ao perseguir o futuro brilhante, esteja deixando a vida passar. "Hoje eu me esforço, passo o dia aprendendo, estudando e trabalhando para ser alguém incrível dentro de alguns anos". Mas e se ao fazer isso, eu estou desperdiçando o meu presente?" Isabelly, que possui um irmão mais novo, preocupa-se que ele, também, esteja desperdiçando a vida presente e cresça e para se ajuntar à estatística da qual ela faz parte. "Ele mesmo se cobra mais do que tudo, acho que isso nunca vai parar porque a sociedade impõe essa pressão a nós e simplesmente aceitamos. Se fosse fácil parar de se cobrar estava todo mundo na praia vendendo sua arte", diz, rindo. ---
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<< Texto: Victória Ayres Imagens: Marcela Lins >>
Qual será a idade ideal para escolher sua ocupação? Dentro dos moldes que existem na sociedade, é amplamente pregado que essa decisão é tomada quando se escolhe o curso superior que será cursado – e se a pessoa optar por não fazer um curso superior, na maioria das vezes, será duramente repreendida, já que, por uma ótica meritocrática, o trabalho intelectual é quase sempre visto como superior ao trabalho manual. Nesse sentido, a escolha de um curso de graduação, muitas vezes feita às pressas, pode resultar em frustrações. De acordo com a psicóloga Maria Heráclito, no entanto, as frustrações e eventuais mudanças não são necessariamente ruins. Para ela, mudar de profissão ou de área não significa indecisão ou inconstância, apenas uma escolha dentre as possibilidades que se apresentam. “Nossa profissão não nos define. Ela apenas faz parte de nossos modos de ser, que são vários e mutáveis. Acredito que nós não somos passíveis a definições tão fechadas. Hoje eu posso me identificar com determinada profissão e amanhã me identificar com outra, e isso é bem mais frequente do que as pessoas gostam de admitir”, comenta Heráclito. Maria Heráclito explica também que o problema se encontra na forma como as escolhas são exigidas das pessoas e o contexto que as cerca, porque ainda é forte a crença de que a profissão é um dos principais fatores que definem o indivíduo. “Vivemos numa sociedade que relativiza o tratamento de acordo com o modo que você dispõe do seu tempo. Se você é autônomo sempre vai ouvir que seu trabalho não tem segurança financeira alguma, se for concursado vão dizer que você perdeu muito tempo da vida estudando para conseguir aquilo. Existem diversos conceitos pré-concebidos sobre cada profissão e cada atividade desempenhada. E estes também acabam pesando muito nas nossas escolhas”, ressalta. O estigma do qual ela fala é ainda maior quando alguém percebe que sua vocação está não apenas em outra ocupação, mas também numa ocupação artística. É essa a percepção de jovens como Caio Cavalcanti, que começou a estudar Ciências Contábeis em 2014 e passou apenas um ano no curso. Os motivos que lhe levaram a escolher o curso demonstram como é sintomática a influência da família nessa decisão. “Escolhi [a graduação] porque no meu núcleo familiar existem dois contadores, e eu enxergava nessas duas pessoas uma possibilidade de ter um trabalho que me remunerasse bem. Assim que entrei no curso, já comecei a trabalhar com contabilidade. Pude estar inserido dentro do mercado de trabalho e vi que não queria continuar nele”, conta.
Para ele, não foi apenas o curso que lhe causou desconforto, mas o sistema de educação superior como um todo. Dentro os vários motivos que ele cita como importantes para o abandono da faculdade, está o fato de o ensino superior ser um espaço de ‘ascensão social excludente’, como afirma. “[A universidade] também funciona como um instrumento pra servir ao capital e o objetivo final é sempre o mercado de trabalho, que explora o trabalhador”, diz. Após largar o curso de Contábeis, Caio começou a fazer miçangas artesanais com papel para conquistar uma autonomia financeira que se encaixasse com suas visões políticas. “Busquei uma alternativa de trabalho que não me envolvesse diretamente numa relação empresafuncionário, daí comecei a fazer artesanato”, ressalta. Há também casos de pessoas que não necessariamente rejeitam a vida acadêmica, mas se desiludem por igual no curso, como é o caso da estudante Marcela Lins. “Decidi fazer Jornalismo porque não sabia ao certo o que eu queria. Pensei que o curso poderia me oferecer uma formação mais geral e ajudar a me tornar mais articulada, com uma escrita melhor”, explica, ressaltando que, ao longo do curso, ficou claro que ela não queria trabalhar na área. Por sentir que o curso estimulava pouco sua criatividade, ela buscou outras possibilidades dentro da própria universidade. “Eu sempre desenhei, desde muito pequena. Quando eu estava na metade do curso de Jornalismo, decidi pagar uma cadeira de serigrafia, então comecei a praticar o desenho de novo”, explica Marcela. Hoje, ela está no último período do curso, mas ao mesmo tempo, é ilustradora e vende camisetas com desenhos autorais. Seu interesse pelas artes a fez querer se aproximar da universidade – mas com outro olhar. “Talvez eu tente um mestrado em Artes, mas algo em Jornalismo, de jeito nenhum!”, conta. ---
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<< Texto: Kamilla Rogge | Foto: Agência Senado >> Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que pouco mais de 38% dos 142,8 milhões eleitores brasileiros têm entre 18 e 34 anos de idade. Essa é uma das faixas mais expressivas de indivíduos aptos a votar, perdendo apenas para o grupo de eleitores que está na faixa etária entre 35 e 59 anos, fatia que representa 43% do eleitorado. Também nessa faixa de idade jovem-adulta, encontramos facilmente pessoas que se envolveram nas manifestações que vêm ocorrendo no Brasil nos últimos anos – mesmo contando com cidadãos de várias idades, a predominância de jovens nos levantes populares que têm mobilizado a esfera pública brasileira é inegável. As jornadas de junho de 2013 e os levantes contra a FIFA e a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, foram alguns dos eventos que traduziram a insatisfação com o atual cenário político nacional. Se a mobilização já encontrava espaço principalmente através da interação e dos compartilhamentos nas redes sociais – em parte graças à pobre cobertura midiática antes do início das repressões policiais às manifestações –, com a proximidade das últimas eleições, as novas mídias se firmaram mais ainda como importante meio para a inserção de ideias, graças à possibilidade de discussão. No espaço dessas redes – onde 90% dos jovens entre 15 e 32 anos possui perfil cadastrado, segundo pesquisa do Conecta (grupo Ibope) divulgada em julho de 2014 -, o debate político acabou se intensificando durante o período eleitoral. Mesmo após o ano de eleições, ainda hoje as redes continuam servindo como motor para a convocação de novas manifestações, a exemplo das ocorridas nos dias 15 de março e 12 de abril de 2015, que pautaram desde protestos contra a corrupção,
passando por pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff, até reivindicações para uma nova intervenção militar no Brasil. Em todos esses protestos, o envolvimento da juventude é expressivo – o que nos lembra a ligação dos estudantes com o movimento de maio de 68, na França, e de resistência à ditadura militar, no Brasil, durante a mesma década. Muitos se perguntam se os jovens de hoje são tão politizados quanto os desses históricos levantes, se estão conscientes de seu papel social e se estão dispostos a serem ferramentas de mudança política. De acordo com a cientista política Michelle Fernandez, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não existe uma forma de medir se a juventude é mais ou menos politizada do que antes. No entanto, ela esclarece que a pauta trazida nas manifestações é uma forma de começar a compreender o que motivou os levantes. “A juventude de 68 tinha uma pauta de reivindicações clara, direta, uma luta por mais direitos, muito mais fundada numa questão de participação política em si, que não é o que a gente vê traduzido principalmente nessas últimas manifestações de 2015. Em 2013 ainda havia muitas reivindicações vinculadas às questões de direitos, à questão de uma associação da diminuição de alguns direitos por conta do investimento na Copa do Mundo. Hoje vemos mais um pedido de esvaziamento de direitos nas manifestações, sejam eles políticos, sociais, civis, do que uma própria reivindicação por mais direitos ou por mais participação”, diz. Fernandez completa ainda que as exigências das atuais manifestações seguem um encaminhamento ideológico e se relacionam mais com uma luta pelas perdas individuais que aconteceram. “Seja pelo cenário econômico que o país está passando ou pela nova organização política que o país está vivenciando, do que por uma questão de consciência política em si”, afirma. A condução dos levantes por questões ideológicas também é um ponto que o cientista político Michel Zaidan defende. “Há um outro perfil ideológico bem diferenciado nas manifestações, comparado com as mobilizações estudantis contra a ditadura no Brasil e o movimento de maio de 68. Hoje, muitos dos jovens têm uma antipatia aos partidos e militantes políticos, relacionando-os com a corrupção e o corporativismo”, explica Zaidan.
É compatível com a declaração de Zaidan o resultado da pesquisa feita pelo Instituto Data Popular em 2014, que investigou a relação dos jovens com a política e apontou o descontentamento da juventude com os partidos políticos brasileiros. 70% dos jovens responderam que acreditam que seu voto pode mudar o Brasil, mas 59% deles pensam que o país estaria melhor sem a existência de partidos. A associação da palavra “política” à forma institucionalizada de participação, através de partidos e do governo, é um dos motivos do estranhamento do jovem ao campo político. Quando a VINTE E POUCOS questionou jovens acerca de sua relação com a política, a maioria deles respondeu que não gostava do tema. Porém, quando se aborda por outra noção de política, relacionando essa esfera à participação das pessoas através de movimentos sociais, associação de moradores, diretórios acadêmicos, fóruns de discussão na internet, entre outros, o tema é aceito com mais naturalidade. Michelle Fernandez reconhece a importância do uso das redes sociais como ferramenta de discussão política. “Com certeza as redes sociais passaram a ocupar um
espaço de importância na discussão política. Por serem meios de fácil acesso, as pessoas utilizam esse novo espaço, que poderia sim ser chamado de novo espaço público, para emitir opinião, para fazer com que sua voz chegue a outras pessoas, para serem ouvidas”, diz a cientista. Ela também chama atenção para a forma de conduta no debate nas novas mídias. “Da mesma forma que as redes sociais possibilitam que pessoas que tinham sua voz silenciada possam ser escutadas, elas também geram essa falsa sensação de estar blindado, essa arena de anonimato que muitas vezes pode levar a mais do que uma discussão sadia dentro da esfera política. A redes são um novo meio de debate político, mas devem ser utilizadas com cuidado, seguindo as mesmas normas de conduta do espaço público físico”, adverte.
Compreender que política não se faz apenas no campo institucional é um dos passos para que o jovem possa entender que é um ator social importante na esfera política. Vários deles costumam se engajar com questões além dos limites dos órgãos públicos, em causas que nem sempre são associadas ao espectro político, embora sejam reconhecidas como instituições capazes de dialogar com esse campo, como explica Michel Zaidan. “Já que os partidos e o Congresso não são muito estimulantes, existem muitas oportunidades sociais, culturais e políticas para o jovem participar, como por exemplo o movimento Ocupe Estelita, a Marcha das Vadias, a Parada da Diversidade, o movimento dos professores, dos usuários de transportes coletivos, entre outros”, explica. Fernandez também cita algumas possibilidades. “A participação pode se dar através das instituições formais, seja ela pela via eleitoral, ou através da militância; também pode começar pela presença em instituições participativas, como orçamento participativo e conselhos; e ainda pela via dos movimentos sociais, que é quando você vai participar de uma maneira menos institucionalizada no espaço político em si, mas institucionalizada pela perspectiva da sociedade civil, já que temos vários movimentos sociais consolidados e que são arenas importantes para a participação da juventude”, diz. Ambos reconhecem a importância histórica dos movimentos estudantis como principal produtor de militantes e participantes políticos ao redor do mundo até hoje, mas não acreditam que seja a única via para ingressar nessa esfera. “Todo e qualquer movimento político ou social organizado pode ser uma porta de entrada para participação desses jovens, inclusive os movimentos de não institucionalizados, como através de manifestações, de passeatas, de marchas. Todos esses ambientes são espaços abertos na nossa sociedade, garantidos constitucionalmente, espaços nos quais os jovens podem efetivamente participar”, afirma Fernandez. “Se os jovens têm ou não uma participação política mais efetiva, se eles se mobilizam a partir de uma ideologia específica ou de uma insatisfação pontual, isso nós podemos questionar. Mas uma coisa é inquestionável: hoje o jovem se mobiliza mais no Brasil do que há cinco, seis anos atrás. A ideia é que isso se consolide, que essa participação cada vez mais se dê na esfera pública, que os jovens possam fazer sua voz chegar de uma maneira mais intensa, e com isso possam influenciar na política”, completa a professora. ---
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Amor livre, poliamor, relacionamentos abertos: enlaces amorosos que flexibilizam o conceito de fidelidade e liberdade se popularizam *Os nomes assinalados foram alterados a pedido dos entrevistados
<< Texto: Yasmin Freitas e Victória Ayres | I magens: Freepik / Divulgação >>
Quando Juliana*, 27, descobriu que não se sentia confortável vivenciando relacionamentos do padrão monogâmico, resolveu buscar outras formas de amar, mas a normalização dos enlaces pautados pela monogamia logo se mostrou em forma de preconceito. “Passei a exercer minha sexualidade com mais discrição de uns tempos para cá. É difícil, mas senti a necessidade de me preservar porque as pessoas pensam que ser não-monogâmico significa não ter sentimentos”, afirma ela. Apesar de já ter experimentado tanto relações monogâmicas quanto abertas, Juliana* nunca vivenciou o poliamor - forma de relacionamento na qual os envolvidos podem se relacionar igualitariamente com mais de uma pessoa - de fato e conta que no seu relacionamento mais longo, que durou dez anos, cinco anos foram vividos de forma monogâmica e cinco em relacionamento aberto. No entanto, isso só se efetivava na teoria. “Foi bom para a gente abrir a mente e conversar, mas não conseguimos colocar em prática muito bem. No fim das contas, ele só tinha embarcado por minha causa”, explica. Outra dificuldade enfrentada por ela, tanto no antigo relacionamento quanto atual, é a questão do machismo, pois as relações livres dão uma liberdade para a mulher com a qual muitos homens não estão acostumados a lidar. “Enfrentei aquele ‘bom e velho’ machismo velado, disfarçado de cuidado, ele achava massa quando eu ficava com uma menina. Mas com homens...”, conta. Agora que se envolveu recentemente com um homem em um relacionamento livre, ela comenta que o machismo ainda é presente na maioria das vezes. “A princípio, eles ficam encantados, bestas com tanta liberdade, com sexo incrível e sem frescura, mas eis que a bomba cai no colo deles porque esses momentos não são exclusividade do homem”, complementa. A década de 1960 sinalizou, principalmente na Europa, o nascimento de lutas revolucionárias e antinormativas. O movimento Hippie, o feminismo e o Rock 'n' Roll, entre outras práticas, vieram à tona para contestar uma lógica de disciplina existente desde o surgimento das sociedades complexas. Uma lógica responsável por instituir noções de normalidade e garantir um controle da moralização, dos valores previamente instituídos capazes de estimular e manter certas desigualdades, fossem sociais, de raça ou de gênero. Mesmo 40 anos após as primeiras lutas antidisciplinares, ainda há diversos entraves para exercer a liberdade. Não há dúvidas de que a maior luta nesse campo é contra a regulamentação instituída no tocante à sexualidade, principalmente quando o assunto é a manutenção de relacionamentos amorosos, pautados principalmente através da monogamia. E é da juventude moderna o papel de enfrentar este calo. Desde a infância, as crianças são instruídas a acreditar que envolver-se em uma união monogâmica e heteronormativa é a chave para a felicidade. A família, a escola, a igreja, todas as instituições trabalham para que os indivíduos possam cumprir esse papel. Daí vem a dificuldade de, assim como Juliana, se libertar das normatizações. De acordo com Fernanda Capibaribe, professora do Departamento de Comunicação Social e pesquisadora de feminismo e das teorias de gênero da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a monogamia entre homens e mulheres heterossexuais garante a instituição do casamento e formação da família nuclear. “Ela precisa ser entendida como a opção ‘normal’ para legitimar os dogmas cristãos e a lógica da sociedade patriarcal”, explica. A declaração da pesquisadora reforça o que há muito tem sido comprovado por vivências fora do eixo monogâmico e cis-normativo: que diversas características da monogamia, como o ciúme, a noção de posse, a falta de liberdade, entre outras, são
responsáveis por garantir que certas violências de gênero ocorram. “Porém o que precisa ser naturalizado é que quando gostamos muito de alguém e temos desejo por outras pessoas, não há algo de criminoso aí. Apenas a expressão do desejo, da vontade de nos lançar à experiência”, declara Fernanda. Ela complementa dizendo que essa experiência é uma forma diferente de viver relações afetivas ligadas ao sexo. “[Formas] diferentes de um padrão heteronormativo que, apesar de parecer ‘natural’, não é. É socialmente instituído por uma série de valores que foram sendo introjetados na nossa cultura ao longo das décadas”, comenta Capibaribe. O questionamento da monogamia como padrão tem virado motivo de reflexão de muitas pessoas, que não necessariamente fogem do lugar comum, mas que reconhecem que o relacionamento não deve ser tão rígido e imposto arbitrariamente a todos e todas. É o caso de Laura*, 27 anos, que está atualmente em um relacionamento afetivo com um homem só. No entanto, ocasionalmente, o casal realiza sexo a três e já praticou o swing. “Todos os meus relacionamentos foram monogâmicos, mas sempre simpatizei com a ideia de relacionamentos mais livres antes mesmo de eles serem mais disseminados”, explica. “Acho válida toda forma de amor e amar. Eu diria que a monogamia reprime e aprisiona de forma perturbadora, trazendo à tona problemas psicológicos graves, como o ciúme obsessivo, a desconfiança, dando margem a crueldades e até mesmo a crimes passionais”, completa. Gerônimo*, 19 anos, tem uma namorada que se descobriu poliamorosa recentemente, e ele não discrimina nem condena a escolha da sua parceira. “Nos primeiros meses eu estranhava que ela começasse a se interessar por alguém, fisicamente na maior parte das vezes, de uma hora para a outra, e querer continuar comigo ao mesmo tempo”, explica ele. Mesmo tendo uma prática diferente da sua namorada, Gerônimo consegue compreender que ele não deve decidir pelo casal o que será melhor para ambos – ele sabe que a escolha dela em permanecer com ele não a torna monogâmica. “Combinamos em continuar nessa relação, mas eu não acho que isso a torne monogâmica também. Ser poliamoroso tem a ver com sentir atração por mais de uma pessoa, e isso não quer dizer necessariamente que você não possa estar em uma relação a dois”, comenta. “Um dos grandes motivos para meu namoro ficar ameaçado é que a monogamia ‘prende’ a minha namorada, mas eu sempre digo que ela é livre para sentir o que quiser”, completa o jovem.
O tabu das relações poliamorosas pode ser constatado através de suas
representações midiáticas. No cinema, ainda em 1969, quatro personagens chocaram o público ao lidar com as possibilidades de relacionamentos, mesmo no contexto dos Estados Unidos que viviam uma revolução sexual. O longa-metragem Bob & Carol & Ted & Alice, dirigido por Paul Mazursky, conta a história de um casal que resolve transformar o casamento em uma relação poliamorosa e mostra como a sociedade americana ainda era tradicionalista e despreparada para aceitar as mudanças. Também vale ser citado o livro Thy Neighbor’s Wife, do jornalista Gay Talese, publicado em 1981 e reeditado em 2009, buscando fazer um diagnóstico da sexualidade vivida nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960. A partir das críticas duras ao jornalista – chamado de pervertido, pecador, voyeur – pode-se notar a amplitude do tabu que é tanto a temática sexual quanto sua liberação e seus modos de
vivência que divergem da ordem vigente. Apesar da polêmica de tratar de um tabu – o sexo – a partir de uma nova perspectiva, hoje, Thy Neighbor’s Wife é considerado um clássico, um retrato e uma história da cultura sexual americana. No Brasil, foi lançado em 2009 o curta-metragem Poliamor, dirigido pelo paraibano José Agripino. Em catorze minutos, o documentário mostra entrevistas com pessoas adeptas do poliamor, contando como se dá o relacionamento entre elas e seus parceiros. Agripino encontrou a maioria das pessoas que entrevistou através da rede social Orkut, que tinha uma comunidade intitulada “Poliamor Brasil”; apesar disso, poucas aceitaram aparecer no curta. O diretor conta que já levou o documentário para vários festivais e as reações do público são bastante diversas. “Há quem fique boquiaberto, paralisado, assim como já houve gente que saiu gritando e reclamando”, comenta. Merece destaque, ainda, a telenovela Avenida Brasil, exibida entre março e outubro de 2012 pela Rede Globo brasileira. No último capítulo da trama, um personagem se casa com três mulheres, num ritual simbólico. Em outro núcleo da novela, uma personagem vive feliz com dois maridos. A situação é mais caricata e cômica do que real, e assemelha-se mais a uma poligamia do que ao poliamor. De qualquer modo, a reprodução dessa “liberdade” num produto da indústria cultural massiva, em rede nacional e horário nobre, pode pautar os debates sobre a existência e a prática de outras formas afetivas entre as pessoas. ---
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<< Texto & foto: MarĂlia Parente >>
É uma hora de uma tarde fresca de domingo. Renê tenta se concentrar no nada. Me vê passar em direção a seu prédio, amarelinho de três andares, grita meu nome. Levanta-se da grama, sacode a canga e caminha em minha direção. Veste um short cortado por si próprio e uma blusa serigrafada por uma amiga. “Apaguei meu Whatsapp”, ele comenta. Renê precisa de tempo. Como a maioria dos exuenses, Renê nasceu no Crato (CE). A pequena Exu, no interior de Pernambuco, não oferece centros cirúrgicos às parturientes, que precisam atravessar a serra para dar à luz. Os jovens da cidade, então, encaram desde cedo sua sina: viver longe de casa. De seus 20, Renê só tinha 17 anos quando foi aprovado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para cursar design. “Essa parte de estética sempre me agradou e o design foi o caminho que encontrei para ir para esse lado”, conta. Às vezes, Renê acorda com imagens na cabeça. “Eu fico lá embaixo [do prédio] desenhando. Tentando me desligar um pouco”. Estamos conversando em sua parte do beliche, “o melhor lugar do mundo porque é confortável e passa a sensação de estar em casa”. A cama de cima é da irmã, Aisy, que também veio estudar no Recife e acabou conseguindo uma bolsa de intercâmbio para a Alemanha. Renê sente saudades. Exu é destino certo nos feriados mais longos. Não fossem, contudo, a família e os amigos, o lugar seria “completamente dispensável”. O sotaque recifense vai se desvelando enquanto Renê descreve sua relação com a terra natal. “Lá, as pessoas têm a cabeça muito fechada. Aqui, você conhece gente de todo tipo e de todo jeito. Se existe gente de todo tipo e todo jeito lá, as pessoas não deixam aparecer. Aqui me sinto mais eu”, comenta. No Recife, Renê comprou uma câmera e dá os seus primeiros passos na fotografia. Alguns trabalhos na área de moda e cobertura de shows começam a surgir. “Hoje em dia, é uma das coisas que mais gosto de fazer. Ainda não ganho nada, mas sei que vai contribuir para o meu currículo, rechear meu portfólio”, conta. Entre cliques e rabiscos, o jovem se queixa da ausência de rotina. O curso de design da UFPE não possui uma grade fixa, cabendo aos alunos estabelecer os próprios horários. “A faculdade não é o que eu imaginava. Sinto medo de não conseguir realizar o que quero, que nem sei ainda o que é”. A busca pelo tédio, “o tempo para criar”, já varreu do celular os aplicativos de todas as redes sociais, com exceção do Instagram. A fotografia ficou porque Renê precisa se expressar. Desde que chegou na capital, aliás, ele já ganhou duas tatuagens, desenhadas pelo amigo Pikachoo. “A primeira é a palavra “solitude”, que tirei numa carta de tarô. Uma das minhas frases preferidas diz que solidão é a falta de alguém e solitude é a presença de si mesmo”, explica. No punho, um sol e uma lua estão conectados. “Meu pai e minha mãe, tudo pra mim”. Sozinho, carrega no corpo as próprias companhias.
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