ÁTIMO fotografia & memória
Jullie Utsch | Marina Didier | Michael Matos | Ursula Neumann
Chefia do Departamento | Paula Reis Coordenação de Jornalismo | Thiago Soares Professores Orientadores | Bruno Nogueira & Soraya Barreto Reportagem & fotografia | Jullie Utsch, Marina Didier, Michael Matos & Ursula Neumann Diagramação & Arte da capa | Michael Matos
Átimo é a publicação resultante das disciplinas de Edição & Revisão e Preparação de originais do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Departamento de Comunicação (DECOM), do Centro de Artes e Comunicação (CAC).
editorial
Desde o Cine Clube do Recife da década de 1950 até o Instagram muita coisa mudou, mas a memória iconográfica da cidade continua sendo registrada. A fotografia é uma ferramenta precisa do registro visual da cultura de um lugar. Em fotografia & memória abordamos essa comunicação entre passado, presente e futuro no Recife através da escolha de lugares históricos e festas tradicionais. Os olhares, antes restritos a pequenos grupos de fotógrafos, hoje se multiplicam e têm seu espaço garantido nas redes sociais. Essa vasta documentação, feita de forma indireta, é importante no que tange à história, pois a diversidade de olhares dá forma ao espaço e fala da relação que cada um tem com ele. Tendo em vista esse diálogo entre o lugar e a expectativa de retratálo, apresentamos um olhar marcado por primeiras impressões. A nova perspectiva é trazida no ensaio Recife, novo Recife, em que o Recife se apresenta a um olhar estrangeiro. No entanto, ao passo em que a memória é construída, ela também é desconstruída e até mesmo apagada a partir do momento em que os lugares se transformam fisicamente e as novas tecnologias não dão conta do armazenamento digital. Lembranças afetivas são varridas quando praças dão lugar a conjuntos residenciais, shoppings são construídos onde antes havia parques, e arquitetura se perde em meio ao novo caos urbano. Pretendemos apresentar nesta edição a importância do mapeamento cultural do Recife e a preservação de sua história por meio da fotografia.
sumário
editorial | 2 sumário | 5 av. boa viagem: uma história | 6 memória & afeto | 16 imaginário coletivo: criando laços | 20 recife, novo recife | 24
av. boa viagem: uma história por michael matos
O bairro de Boa Viagem é, hoje, o mais importante da zona sul do Recife. A praia, considerada por muitos anos a melhor praia urbana do Brasil, é um dos cartões postais do Recife e atrai grande número de turistas todos os anos. E, claro, o calçadão sempre teve um lugar especial na vida dos recifenses – seja como lugar de lazer, de exercício, ou apenas de passagem. O bairro não é, porém, dos mais antigos do Recife. Até o começo do século XX, ele não contava com mais de 60 casas de pescadores. Foi só com a implantação da então Avenida Beira-Mar, em 1924, no governo Sérgio Loreto, que o bairro começou, de fato, a se desenvolver. Mas o progresso ainda veio de forma modesta. Até os anos 50, a Avenida só tinha cerca de 200 casas em toda a sua extensão. Com a construção da Ponte Agamenon Magalhães, em 1953, Boa Viagem ficou mais perto do resto do Recife e o crescimento da Avenida e do bairro foram acelerados. Foi também no início da década de 50 que um dos principais marcos do bairro foi criado, o Hotel Boa Viagem, que foi por mais de 50 anos um cartão postal da história do Recife. Em 2007, o hotel foi demolido para dar lugar a dois dos mais caros edifícios residenciais da cidade. Hoje, umas poucas casas resistiram à verticalização na avenida e tudo o que resta do antigo bairro de veraneio é a memória dos recifenses e os registros na forma de fotografia. Esse ensaio busca explorar essas transformações e resgatar um pouco da história da Av. Boa Viagem. fotografia & memória | 7
Estrada de Ferro, construída em 1899. Na época, Boa Viagem era uma simples vila de pescadores.. Foto: Acervo Fundaj
O Castelinho foi construído na década de 40 e foi o primeiro bar da avenida. A prefeitura do Recife proibiu a sua demolição e hoje ele é o salão de festa dos edifícios conhecidos como “torres gêmeas”. Foto: Acervo Fundaj.
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Igreja do Pina. O manguezal cobria toda a extensão do que é hoje a Avenida Domingos Ferreira. Foto: Acervo Fundaj
A Casa Navio, construída em 1940, se tornou um dos cartões postais da cidade. A casa foi demolida em 1981 para dar lugar a um arranha-céu. Foto: Acervo Fundaj
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Avenida Boa Viagem, antes da construção do calçadão. Foto: Acervo Fundaj
Avenida Beira Mar, 1947. Depois da constru;ção da avenida, Boa Viagem se tornou um destino cada vez mais popular para veraneio. Foto: Acervo Fundaj
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O Hotel Boa Viagem, construído do começo da década de 1950, se tornou um famoso cartão postal da cidade. Foi demolido em 2007 para dar lugar a dois dos mais caros edifícios residênciais do Recife. Foto: Acervo Fundaj
Também na década de 50, foi construído o bondinho elétrico que ligava as igrejas do Pina e de Boa Viagem. Foto: Acervo Fundaj
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Na década de 1960, começaram a surgir os primeiros arranha-céu e o aspecto de veraneio do bairro foi desaparecendo. Foto: Acervo Fundaj
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O primeiro arranha-céu a ser construído foi o Holliday, em 1958. O bairro ainda apresentava parte considerável de sua cobertura vegetal. Foto: Acervo Fundaj
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Calçadão de Boa Viagem, década de 70. Foto: Acervo Fundaj
Pracinha de Boa Viagem, década de 80. Foto: Acervo Fundaj
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Boa Viagem nos dias de hoje. O bairro tem a maior quantidade de arranha-céu do estado. Foto: Wikipédia.
Ed. Maria Ângela Lucena, com 40 andares, construído no terreno do Hotel Boa Viagem Foto: Site da Queiroz Galvão
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Só sobraram fotos de outros anos do avô de Juvenal. Foto: Arquivo pessoal .
Os momentos mais recentes, agora só existem na memória da família. Foto: Arquivo pessoal.
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memória & afeto por marina didier
Poucas coisas são capazes de trazer o sentimento de vazio. A perda de memória ou de suas representações é um exemplo. Com o avanço das tecnologias novas formas de armazenamento ganharam lugar na vida das pessoas. A criação de espaços como a chamada nuvem, na web ¬- pouco compreendidas por muitos - e de HDs externos (discos rígidos), que apesar de garantir um acesso remoto e instantâneo, tornou a memória menos palpável. A preservação dos afetos imagéticos, sejam eles gerados em rolos de filmes ou em cartões de memória, exige certos cuidados. O estudante do curso de Engenharia da Computação, Juvenal Bisneto, conta como perdeu as últimas fotografias que tinha do seu avô, salvas em seu HD externo. “Todo ano vou para Minas para visitar a família. Na última viagem que meu avô fez antes de morrer, eu tirei um monte de fotos - várias dele comigo, inclusive selfies, quando nem existia essa palavra”, relata Juvenal, explicando que ao perceber que havia feito uma operação irreversível no HD, começou a procurar por backups que talvez tivessem as imagens. Juvenal diz que aprendeu a analisar bem antes de apagar algo: “Fiquei bem triste, hoje quase não apago as coisas, vou
“Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho.” KOSSOY.
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arquivando e fazendo backups automáticos no HD”. Para o estudante, perder essas memórias logo após a morte de um ente querido significou a impossibilidade de registrar outro momento com o avô. Em sua vida pessoal, Heitor Cunha, editor de fotografia do jornal Diario de Pernambuco enumera momentos em que a falha não foi mecânica, mas decorrente de uma fase de adaptação ao manuseio do equipamento. Quando, há pouco mais de 10 anos, as máquinas digitais começaram a ser operadas, o fotógrafo precisava esperar certo tempo para que a câmera processasse o clique e só então, após alguns segundos, era possível visualizar a imagem. Num dado evento internacional, Heitor conseguiu enquadrar o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso com sua lente teleobjetiva dentro de um plano com borboletas ao fundo. Ansioso por garantir mais fotografias da ocasião, o fotógrafo acidentalmente desligou a câmera antes de o processamento ser concluído, o que acarretou na perda da imagem. Heitor sorri e diz que isso é comum: “lidamos com esse tipo de coisa todos os dias na redação”. No Recife, Heitor Cunha conta que ao longo de sua carreira como fotógrafo vivenciou diversos episódios de perda de imagens, o mais recente durante o período da Copa do Mundo no Brasil, em meados de junho de 2014. “Devido a uma pane interna no nosso servidor, o programa que comportava as fotografias sofreu perdas [...]. Fotos de diferentes períodos e pastas foram apagados. Nós ainda estamos em processo de recuperação”, explica Heitor. A falta das imagens no jornal teve que ser repensada e preenchida nas matérias por arquivos genéricos. A preservação de arquivos digitais exige atenção e cautela. Segundo o coordenador do núcleo de digitalização da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Lino Madureira, os arquivos digitais precisam ser armazenados em várias frentes “É preciso combinar elementos para que a preservação de fato funcione e dê a segurança necessária da informação”. Para Lino, o ideal é diversificar os tipos de mídia, criar réplicas, cópias, possuir o arquivo digital em mais de uma via. Ele explica que a exemplo da nuvem, cópias online possuem um valor complementar como forma de armazenar cópias “A nuvem seria uma complementação, ela tem as
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suas características de replicação, mas ela tem seus prós e contras, você deve saber o que é uma nuvem, saber que alguém está armazenando e fazendo backup dos seus arquivos, ela não é abstrata como muitos pensam”, conclui.
Segundo o editor de fotografia Heitor Cunha, uma pane no sistema resultou na perda de parte do arquivo fotográfico do jornal. Foto: D.A. Press.
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imaginário coletivo: criando laços por ursula neumann
O uso da fotografia para a construção da memória de um lugar é imprescindível. Há algu¬mas décadas essa responsabi¬l idade era restrita a apenas um pequeno grupo de fotógrafos, e a história do Recife foi contada, durante muito tempo, por pou¬cos olhares. Hoje em dia, no entanto, com a rápida evolução da tecnologia e o acesso cada vez mais crescente da popula¬ção às redes sociais, esse cenário mudou. Os antigos salões de fotografia deram lugar ao Instagram, ao Flickr, ao Facebook, aos blogs – que numa confusão de cores, ideias e ângulos exibem olha¬res inusitados e até caretas. Os exímios fotógrafos do Foto Cine Clube do Recife – precursores da fotografia moderna pernam¬bucana - talvez não tivessem atualmente o destaque que ti¬veram na década de 1950. Por¬que hoje em dia a fotografia é acessível a todos e quem conta a história da cidade é o povo.
#FestaDaVitóriaRégia A tradicional Festa da Vitória Régia é organizada pela Paróquia de Casa For¬te e tem como objetivo arrecadar fundos para a manutenção da Creche Bene¬ficente Menino Jesus e para a Casa da Criança Marcelo Asfora. A Festa está em sua 36º edição e já foi incorporada ao calendário turístico e cultural da Recife. Nesta seção, foram coletadas fotografias que constroem a memória visual do evento a partir do Instagram. Visto que se trata de uma festa popular e que abrange todas as idades, encontrou-se de um tudo – desde adolescentes curtindo a noite até crianças participando de atividades diurnas, de selfies a anúncios e propagandas. 20 | fotografia & memória
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#RuaDoBomJesus A Rua do Bom Jesus, que também já foi chamada de Rua do Bode, da Cruz, dos Mercado¬res e dos Judeus, guarda consigo muita história. Foi nela que o líder da Insurreição Per¬nambucana, João Fernandes Vieira, em 27 de janeiro de 1654, recebeu as 73 chaves dos armazéns de armas, munições e abastecimento, acabando com a dominação holandesa. Localizada no Bairro do Recife, a rua abriga a primeira sinagoga das Américas, a Torre Malakoff e a estátua do jornalista Antônio Maria. Lá também funcionam a Embaixada dos Bonecos, bares e feirinhas tornando-se um ponto de encontro na cidade.
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recife, novo recife por jullie utsch
“Quando cheguei a Recife, há quatro meses, tudo o que eu tinha era não-lugares. Alcei o periférico: os estereótipos eram ainda distantes, nebulosos. Realizei anti-turismo por dias a fio até entender o que era o meu deslocamento por aquelas ruas mal ajambradas que minha memória ainda mantinha em branco. Escrevi. Agora há dizeres por todas as partes. Mas reler hoje esse registro, ingênuo e errático, certamente é parte inexorável da travessia” Jullie Utsch - Fevereiro 2015
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