Permacultura

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Região de Leiria 22 | Janeiro | 2010

abertura

textos ∑ Marina Guerra fotografia ∑ Joaquim Dâmaso

Permacultores

Uma nova vida está a germinar em Alvaiázere

Numa região onde a rede de telemóvel é escassa, as casas estão separadas por montes e vales, a maior parte dos habitantes tem mais de 50 anos e todos se conhecem, a presença de novos habitantes é motivo de alegria. No Fojo, um lugar da freguesia de Almoster, concelho de Alvaiázere, todos conhecem o Maurício, assim como o projecto que traz consigo – a Permacultura. “Esta é uma forma inteligente de vida dentro da sociedade maluca em que vivemos”, diz Maurício U., de 39 anos, quando se pergunta “O que é a permacultura?”. Na realidade, trata-se de um sistema de design que consiste em planear e manter sistemas humanos, de forma sustentável, a nível ambiental, social e financeiro, e que assenta em três pilares: “Cuidar da Terra”, “Cuidar das pessoas” e “Partilhar justamente”. Ou seja, misturamse conhecimentos ancestrais e tecnológicos e obtém-se o máximo rendimento de uma terra sã, mantendo o planeta sustentável e

partilhando com a sociedade. Um exemplo prático: se existirem reservatórios de água, não é necessário regar as culturas todos os dias. E se nesse terreno existirem galinhas à solta, os próprios animais vão revolver a terra e não serão preciso tractores. Maurício U., o permacultor que lidera o projecto, contactou com este sistema pela primeira vez há cinco anos, em Espanha. Agora, pretende pegar nas malas e bagagens e viver para o Fojo com Filipa S., de 25 anos, a sua companheira e também permacultora, e lá receber quem queira trocar experiências e praticar um desenvolvimento sustentável. Em Portugal, já são mais de 200 permacultores certificados e dez mil em todo o mundo.

Consciência. No dia em que o REGIÃO DE LEIRIA visitou o terreno, 18 futuros permacultores e futuros permacultores, vindos de Pombal, Porto, Lisboa e até de Timor, partilhavam conhecimentos e nem o frio que se fazia sentir foi impedimento. Colocaram de pé um abrigo para passar a noite,

limparam algumas áreas do terreno e iniciaram a construção de uma casa de banho seca. “É uma burrice. Não faz sentido utilizar água potável para limpar fezes. A serradura juntamente com as minhocas e o calor da terra podem fazer esse trabalho e as necessidades depois de compostadas são utilizadas como fertilizantes”, explica Maurício U. A vida de casa-trabalho-casa e a dependência económica levou Ana Loichot a observar a sociedade e o mundo com mais atenção e a adoptar uma nova política. “O que se passa nesta sociedade é um exagero. As pessoas estão agarradas aos bens materiais e o que existe tem que ser usado”, considera, acrescentando que “somos uma espécie de adolescente sem ter consciência do amanhã”. Também João Leitão, co-proprietário da loja de produtos em segunda mão Coisas do Vizinho, em Pombal, entende que “vamos ter que mudar todas as crenças e valores para que se consiga maximizar o bem-estar e a felicidade de seres humanos e isso, obviamente, passa pela natureza”.

Casal de designers quer produzir 80 por cento daquilo que consomem

Até 2017, Maurício U. e Filipa S. querem produzir no Fojo 80 por cento daquilo que consomem. “Neste momento, estamos numa fase de idas e voltas à cidade e ao campo. E após um ano de observação de ventos, geadas, ciclos solares, do que cresce em cada estação e onde se formam os charcos, temos uma noção melhor das opções a tomar no nosso projecto”, explica Maurício U. Designers de profissão, a viver actualmente em Lisboa, é em Alvaiázere que pretendem desenvolver o projecto. “Isto é uma transição para a vida e vamos juntar a forma à função”, ex-

plica. Mas o corte com a vida na cidade não será radical, referem, e lembram que não vão ficar isolados do mundo. Continuaram a utilizar a Internet, ir ao médico ou mesmo às compras ao supermercado quando necessário. “Esta é uma forma inteligente de vida dentro da sociedade maluca em que vivemos”, esclarece. E Filipa S. acrescenta: “Tu não tens tempo de questionar o que fazes. Estás sempre com pressa e é preciso correr e é tudo para amanhã, quando afinal é tudo muito mais simples. Podes parar, observar, actuar e colher os frutos”.


PERMACULTURA NA REGIÃO | ABERTURA 7

Região de Leiria 22 | Janeiro | 2010

Galinhas e porcos substituem máquinas agrícolas Dois poços, oliveiras, loureiros, figueiras, muitas espécies de cogumelos, uma escada de pedra, insectos, aranhas e até javalis habitam ao terreno do Fojo. Tudo começa na casa – a zona zero – com material reutilizável, reciclado e amigo do planeta. O design é um elemento fundamental para o desenvolvimento da permacultura e é preciso organizar o espaço correctamente. A horta, que vai permitir a criação de alimentos para consumo, ganha vida na zona 1. É neste local que se aplicam técnicas de cultivo, como Mulch ou Swales (ver caixa). Os princípios da permacultura indicam que a água deve ser utilizada tantas vezes quanto possível, enquanto estiver no sistema de design. Pelo que, nos próximos meses, serão construídos reservatórios de água, proveniente da chuva, e que será utilizada para rega, humedecer o terreno, gerar biodiversidade e até para tomar banho. É também aqui que vão fi-

A Um grande carvalho dá as boas-vindas ao Fojo

A A limpeza do terreno ocupa a maior parte das actividades do grupo car os animais. Galinhas e porcos vão ajudar na preparação do terreno, revolvendo a terra e fertilizando-a, de forma natural, dispensando o uso de tractores, máquinas agrícolas ou pesticidas. Conseguem ainda eliminar insectos e ervas indesejáveis. Mas em permacultura, nada é rígido. Se existir necessidade de recorrer a máquinas para fazer o trabalho, pode fazer-se. A partilha de equipamentos numa aldeia é uma alternativa à compra

∑ Construção de Swales. Consiste em criar reservatórios de água e canais de infiltração (swales), para recarregar o lençol freático, reduzir o escoamento superficial e criar zonas húmidas. Para conseguir um melhor aproveitamento dos caudais de águas, deve usar a inclinação do terreno.

dos mesmos. “Para quê ter três motoserras na aldeia se um pode fazer o mesmo trabalho?”, questiona Ana Loichot. As árvores de fruto vão ficar distribuídas na zona 2 e 3. Mas a sua utilidade não se resume à decoração e à sombra que nos oferece. Maúricio U. e Filipa S. explicam: “Podemos plantar aveleiras que vão dar alimento às galinhas e avelãs para as pessoas. Se forem plantadas com pequenos interva-

los entre si, podem servir de cerca e quando forem cortadas, podemos aproveitar a madeira”. E os exemplos não se resumem às aveleiras. Os permacultores lembram que se podem utilizar todo o tipo de árvores de fruto e conseguir obter um rendimento delas. O terreno, com perto de seis mil metros quadrados, vai possibilitar ainda criar zonas 4 e 5, destinadas ao cultivo, floresta comestível e zona “selvagem”.

∑ Cercas. A plantação de árvores de fruto nas extremas do terreno permite que cresçam cercando a área de forma natural. No interior dessa área podem ser cultivadas outras espécies de alimentos ou colocados animais.

A A casa, agora em ruínas, ficará na zona zero

A Num momento de pausa, a olhar a paisagem

A A natureza permite momentos de relaxe

∑ Compostagem. Folhas, cascas de fruta, borras de café, flores e cascas de ovo são alguns exemplos de resíduos orgânicos e que podem ser utilizados para compostagem. O ideal é escolher um local com alguma sombra e humidade para que o processo de compostagem se realize. Para além de reduzir a quantidade de lixo destinada a aterros, o produto final pode ser utilizado em vasos, hortas e jardins.

∑ Cobertura Mulch. Aplica-se cartão na terra, nos locais de cultivo. Esta técnica vai reduzir a evaporação da água, minimiza a erosão, regula a temperatura do solo, evita o crescimento de ervas daninhas e recolhe matéria orgânica para o jardim.

A No Fojo, a presença de aranhas é uma constante

Os 12 “mandamentos” da permacultura

1

Observar e interagir Deve fazer-se

uso das capacidades humanas e reduzir a dependência da tecnologia e de energias não renováveis

2

Captar e armazenar energia

Aprender a economizar e reinvestir a energia consumida ou desperdiçada diariamente para que gerações futuras a utilizem

3

Obter rendimento Qualquer sistema deve ser autosuficiente, utilizando energia capturada e armazenada eficientemente para manter o próprio sistema.

4

Praticar a auto-regulação e rece-

ber feed-back Perceber a natureza, permite desenhar sistemas auto reguláveis, reduzindo o trabalho gasto em comportamentos inadequados ou crescimento desenfreado, e aceitando a resposta da natureza.

5

Usar e valorizar os serviços e recursos renováveis Os designs clássicos usam animais para preparar o terreno para a plantação, dispensando o uso de máquinas agrícolas.

6

Produzir, não desperdiçar O princípio lembra que não devemos agir sem responsabilidade e causar desperdícios em tempos de abundância, já que esse desperdício pode fazer falta no futuro.

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Utilizar o design para chegar aos detalhes É o mais conhecido e aplicado na permacultura e passa pelo planeamento de áreas por zonas e por sectores.

8

Integrar em vez de segregar Aceitar os elementos de forma que cada um deles satisfaça as necessidades e aceite todos os outros produtos que surjam dos restantes elementos.

9

Usar soluções pequenas e lentas

Os sistemas devem ser projectados para executar funções em pequena escala, de forma que o uso de energia seja eficiente.

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Usar e valorizar a diversidade

A policultura reduz a vulnerabilidade a pragas e alterações climáticas e a dependência de sistemas de mercado. Reforça a auto-suficiência.

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Utilizar margens e valorizar o marginal É preciso ver as coisas em pormenor para perceber que os elementos marginais e invisíveis podem ser preservados.

12

Utilizar e responder à mudança criativamente Os elementos da natureza devem ser utilizados correctamente e de forma criativa a pensar no futuro.


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