PORTFÓLIO
TESTINO desde a RAIZ Um dos maiores ícones da fotografia de moda, Mario Testino abre o verbo e parte de seus arquivos para Gente. Fala sobre a paixão pelo Rio de Janeiro, pela Inglaterra, do Peru, sua terra natal, de celulite e Instagram POR MARIO BOLZAN / FOTOS MARIO TESTINO
Para começo de conversa, não se pode contar a história de Mario Testino invocando clichês, como o de um menino que trocava a bola ou a brincadeira por uma câmera fotográfica. Peruano, com ascendência irlandesa e italiana, Testino veio de uma família abastada e conservadora. Estudou ciências sociais e economia e escolheu Londres para um começo de vida. Afinal, segundo ele, era o berço dos maiores fotógrafos e editoras de moda do mundo. Anna Wintour, editrix da Vogue e mais conhecida pelos leigos no assunto como a “diaba” retratada pelo longa fashion O Diabo Veste Prada, entre elas. Amanda Harlech, que hoje trabalha como consultoracriativa de Karl Lagerfeld, também. Em Londres, Testino alugou um espaço abandonado e passou a fazer fotos de modelos novatas por poucas libras, incluindo cabelo e maquiagem. Algo muito parecido com os Books feitos hoje em dia por agências. Foi assim que tudo começou. Um shoot fashion, sim, mas ainda tímido para o que estaria por vir. Tempos mais tarde, a carreira não ia lá muito bem quando uma conversa com Carine Roitfeld (ex-editora da Vogue Paris e hoje por trás da Harper’s Bazaar) mudou o rumo das coisas e apontou sua bússola para os trópicos. É ele quem conta – “Carine me disse: ‘Você tem que procurar de onde e o que é a foto do Mario Testino?’
Meu caminho foi o Rio de Janeiro, onde já tinha passado minhas férias aos 15 anos.” Era o início de uma ligação forte com o Brasil, que perdura até hoje. O cenário não poderia ser melhor. Comecinho dos anos 1970, no Rio, ele chegando, adolescente. A cidade fervia, uma festa, de dia e de noite. Testino desembarcava com seu background rigoroso no sentido da moral e dos bons costumes. Mas tinha uma turma de amigos ótima, animada, com quem saía à noite. Ou pelo menos tentava, já que não tinha idade suficiente para entrar na Concorde ou no Régine’s, clube do high-society que bombava em Paris na época e que repetia o mesmo sucesso em terras tupiniquins, sob o comando de Régine Choukroun. “Por ali passavam pessoas de todo o mundo!”, Mario relembra. O peruano recém-chegado ficava enlouquecido com o que assistia na rua, com o fato de as pessoas irem ao banco e ao supermercado de sunga. “Pode me imaginar vendo tudo aquilo, vindo de uma família supertradicional e conservadora?!” Foi a deixa para o Peru ficar para trás. Testino sucum-
bia, entregue, à tal sensualidade que deixa qualquer gringo apaixonado, assim, de cara. “Lembro uma vez que fui ao meu primeiro show, dos Secos e Molhados, em um teatro de madeira. Um calor que quase desmaiei, mas entrei em êxtase ao ver o Ney Matogrosso quase nu. Aquele corpo, a dança, cheio de plumas. Não esqueço nunca mais.” Veio para ficar um mês, ficou três.
Lady Di sem majestade Não é um assunto do qual ele gosta de falar, mas vamos dar a Mario o que é de Mario: são dele os retratos mais íntimos de Lady Di. As fotos foram feitas em 1997, ano em que a princesa morreu, para a revista Vanity Fair. “Hoje em dia as coisas são mais fáceis, porque sabem quem sou eu. Mas quando fui fazer o ensaio da Diana, e ela não me conhecia, pensei que tinha duas possibilidades: ou a coloco em pose de princesa, com todas as joias e em posição de espectador, o que, aliás, não vale a pena, ou a mostro como uma amiga que estava ali, sentada em um canto.” Escolheu a segunda opção e comeVestido de mulh e r , tra dic ion a l da P rovín c ia de Espin a r | C usco, P er u | 20 07 Istoé Gente | 21
çou pedindo para mexer um pouco aqui e ali no cabelo, e Di respondeu, ainda que estranhando um pouco: “Claro, aqui você é o especialista.” E quando ela se sentou, toda retinha e posuda em uma poltrona, ele disse: “Bom, eu já acho que ficaria melhor assim!” E se jogou deitado no sofá, o que ela não pensou em copiar. Foi desse jeito, quebrando protocolos reais, que começaram as lendárias fotos. “Ela simplesmente não podia acreditar que alguém estivesse pedindo essas coisas!” Testino colocou o pescoço na guilhotina, mas deu sorte, a princesa gostou. Criaram ali uma intimidade, seguida de amizade. “Eu trabalho assim, eu doo a foto para quem clico, procuro mostrar o momento de força de cada um, e não o de vulnerabilidade. No caso de Di, Testino mostrou além da força, a graça. “Não quis me aproveitar dela, e sim deixá-la tranquila. O comunicador jamais deve aparecer mais do que o personagem.” Não foi à toa que, anos mais tarde, ele foi o escolhido para clicar o ensaio oficial de William – que divide a opinião com o irmão Harry de que aqueles registros são os que melhor expressam o que era a mãe deles – e de Lady Catherine.
“Alta Moda”, a exposição do MATE Há quatro anos, depois de fotografar um editorial para a Vogue inglesa na região de Cusco, Testino acabou encontrando cerca de seis mil vestidos regionais feitos de altíssima costura. Os trajes, belíssimos, eram um belo recorte da cultura peruana, desconhecida para muita gente. Decidiu reunir alguns deles, acrescentou fotos dos arquivos de Martin Chávez (fotógrafo peruano que ganhou fama com registros do país nos anos 1910, 1920 e 1930) como fundo, colocou alguns modelos da coleção de John Galliano, haute-couture de 2005 para a Dior, todos inspirados na região, e pronto: estava bolada a Alta Moda, uma exposição que revela a alma do Peru, cujas imagens mostramos neste portfólio. “Gosto de retribuir aquilo que recebo. Com tantas andanças e paixões pelo Brasil e pela Inglaterra, os peruanos estavam se sentindo um pouco enciumados, muitos já pensavam que eu era brasileiro e achei que era hora de mostrar a beleza da minha terra natal”, justifica ele – como se fosse preciso. “Fiquei encantado, porque percebi que minha paixão pela moda não vem apenas do fato de minha mãe ter sempre se vestido
muito bem, mas também porque, no fundo, apesar de ter vivido todas as experiências do Rio e Londres, tenho comigo essa tradição e conservadorismo de berço.” Com essa exposição na MATE – Associação Mario Testino –, o filho ilustre acerta suas contas com a terra natal.
O que a mulher brasileira tem, hein? “Uau!!! O que ela não tem?! (risos) Vida, beleza, gentileza. E corpo.” Um ícone, por favor, e a Gisele não vale, ok? Mas Mario não resiste: “Bom, é que ela é incrível, e, para mim, ficou tão normal, tão ‘do bem’, tão na Terra... Porque, com o nível que ela atingiu na vida, ela poderia ter ficado diferente, e quem muda, no fim, acaba perdendo tudo.” Mas, ok, ele concorda e elege outras musas. “Observei muito a Carmen Mayrink Veiga nos anos 1980.” Lembra de Dalma Callado, Betty Lago desfilando em Paris, a locomotiva Andrea Dellal, Georgina Brandolini...” “São muitas, de verdade!” Conheceu Ana Beatriz Barros quando ela tinha 14 anos, e revela uma nova paixão: “Estou encantado com a Laura Neiva, jovem, linda.” Definitivamente, Mario decreta o Brasil como fonte de beleza inesgotável. “Acho que devo ir mais para o Sul encontrar outras!”, fala e ri. E esse olhar esteta também inclui os transexuais: “Por que não? Acredito e sempre gostei da diversidade... Aliás, isso também me encantou quando cheguei aqui. No baile de Carnaval, vi as senhoras da sociedade ao lado dos travestis, achei o máximo! A tolerância é uma coisa muito importante.” A beleza e o Instagram E com o Photoshop fez-se a luz. Pelo menos para quem precisa dela ou dele. E quem não precisa? Que distância separa a beleza estampada nos editoriais e campanhas de moda da beleza real, sem retoques? Celulite, marcas de idade e espinhas desaparecem num simples toque de mágica. Sobre o assunto, ele é categórico: “As pessoas fazem tudo o que podem para estarem perfeitas, então por que precisam ter essas coisas feias?” E encerra a polêmica bem objetivo: “Se estou com uma espinha no rosto, farei o possível para que não a vejam.” O assunto é o gancho para uma outra discussão sobre a imagem: a febre do Instagram e seus maravilhosos filtros transformadores. Não, Mario não tem o perfil na rede. E não acha que o instrumento te-
“No baile de carnaval, vi senhoras da sociedade ao lado de travestis, achei o máximo! A tolerância é uma coisa muito importante” MARIO TESTINO nha banalizado de qualquer forma a fotografia: “Ainda não tenho, mas acho genial porque a imagem ficou extremante importante. Outro dia estava em um jantar e, no dia seguinte, várias pessoas me ligaram dizendo: ‘Não sabia que você também estava lá!’” E finaliza, com a incontestável sentença: “Todo mundo pode fazer uma foto. Mas nem todo mundo pode fazer uma foto incrível.”
O segredo da vida Em mais de 32 anos de carreira, ele jura, não houve gafes, nem saias justas. Daquelas em que a modelo tem chilique, o vestido rasga e o cenário desmonta. E quando se tem diante das lentes personalidades como Margaret Thatcher, Diana, Kate Moss... convenhamos, a probabilidade deveria ser alta. Aprendeu, no entanto, boas lições sobre jogo de cintura, tão importantes para um fotógrafo quanto a luz. “Nem faz muito tempo, alguém me falou uma coisa que nunca tinha atinado: o segredo da vida é ter poucas expectativas e olhar para as possibilidades. As expectativas podem facilmente levar à desilusão ou até a uma gafe, e por isso estou tão mais aberto a tudo. É preciso resolver os problemas, não criá-los.” Você é um cara envergonhado? Ele responde na lata: “Não tenho vergonha porque aceitei o que sou, e não acho que seja incrível, mas está OK.” Nossa conversa termina com a possibilidade de um até breve, quem sabe no Peru, em Londres, Paris ou em Ipanema. Tratando-se de Mario Testino, o futuro, ou a próxima foto, ou a conversa, pode ser logo ali. Ou não. O certo é que ele sabe onde pisa. “Graças a Deus, nunca passei por nenhum constrangimento, e olha que fiz tudo o que tive vontade de fazer.” A julgar pelas fotos e a gargalhada escondida por trás do sorriso da princesa, ele é o rei.
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F i g u r i n o da da n ç a Q h a paq qo l l a , da P rov í n c i a d e Pau ca rta mb o | C usco, P er u | 20 10
“Todo mundo pode fazer uma foto. Mas nem todo mundo pode fazer uma foto incrível" MARIO TESTINO
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Vest i do d e m u l h e r , t r a d i c i o n a l da P rov í n c i a d e Ca n c h i s, D i st r i to d e Tin ta | C usco, P er u | 20 07
Vestido de mulh e r , tra dic ion a l da c omun ida de r ur a l de Ch a h uaytir e , da P rovín c ia de Ca lca , Distrito de Pisac | Cusco, Peru | 2 012 Istoé Gente | 27