ARTES VISUAIS
NATUREZA MORTA Como a artista plástica Bia Doria tem conquistado o globo com obras ecologicamente corretas, em um grito de socorro para as questões ambientais do Brasil POR Mario Bolzan / FOTO PEDRO DIAS
Não se veem folhas sob os galpões instalados na Vila Nova Conceição, em São Paulo. Mas esta seria uma das poucas divergências entre uma verdadeira floresta de troncos e raízes enormes. O endereço é de Bia Doria, já conhecida mundialmente por seu trabalho singular com madeira morta. Natural do oeste de Santa Catarina, ainda mantém no discurso um leve sotaque, daqueles delicados, e que de certa forma destoa da dureza daqueles nacos monumentais de árvore. Filha de imigrantes italianos, cresceu em uma região que antes era absolutamente coberta por araucárias, e os pais precisavam desmatar a região, comprada pelo avô por carta – praxe da época – para dar lugar a um povoado. Assim, aprendeu tudo sobre o assunto que acabou virando seu métier muitos anos depois, quando já estava casada e com filhos. Em viagens constantes pelo Amazonas, Mato Grosso, Acre, Paraná e Santa Catarina, ela encontra a matériaprima que vem até ela de carreta e que demora cerca de um ano para virar arte, absolutamente ecológica. E mais do que isso, uma forma de protestar contra os maus-tratos que o Brasil (também mundialmente famoso) faz com a natureza: “Pinto muitas delas de vermelho, é para pedir um ‘help’ mesmo! Aliás, estou sempre em Foz do Iguaçu, chorando!” O pedi-
do chama a atenção. Um dia, do nada, Enzo Eneas, dono do Tree Museum, museu de árvores vivas em extinção em Zurique, na Suíça, entrou no seu ateliê e ficou encantado. Encomendou 12 obras que chegam a quatro metros de altura. Bia não para. Seu trabalho estará na Art Basel Miami Beach, em dezembro, depois segue para Versalhes e Boston, em uma agenda cheia para mais de um ano e meio. Um documentário sobre desmatamento e proteção ambiental está quase pronto, além de um livro, Raízes do Brasil. Certa vez, resolveu treinar formas femininas e criou diversas peças de seios e bumbuns. Mas acabou deixando-as de lado porque achou que não combinavam com seu perfil. Foi quando um português, um dos maiores colecionadores de arte do mundo, arrematou tudo e levou para Trásos-Montes, sem ter ideia do que fazer com elas. Até que, eureka!, decidiu montar um museu “de bundinhas brasileiras”, palavras dele, em uma igreja desativada. E para causar maior impacto, como se precisasse, pediu um derrière de quatro metros para colocar na porta. E de mármore, ora pois. “Meu trabalho é para aqueles que não precisam mostrar para os outros o que têm, como os que preferem um Vik Muniz, por exemplo. Quero, através dele, eternizar a natureza.”
“MEU TRABALHO É PARA AQUELES QUE NÃO precisam mostrar para os outros o que têm”
Istoé Gente | 61