Retratos da Modernidade - moda e arquitetura nas fotos de Brasília na década de 1960

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RETRATOS DA MODERNIDADE moda e arquitetura nas fotos de Brasília na década de 1960

ensaio teórico de MARIANNA RESENDE DA SILVA



Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Teoria da História da Arquitetura e do Urbanismo Ensaio Teórico

RETRATOS DA MODERNIDADE moda e arquitetura nas fotos de Brasília na década de 1960

MARIANNA RESENDE DA SILVA Orientadora: Amanda Rafaelly Casé Monteiro Co-Orientador: João Gabriel Farias Barbosa de Araújo Novembro de 2016



Agradecimentos À minha orientadora, Amanda Casé, por me ajudar a definir o recorte do tema e ter me acompanhado durante a escrita desse trabalho. Ao meu co-orientador, João Gabriel Barbosa, por estar sempre a disposição para ler e comentar cada novo capítulo escrito, me ajudando com meu embasamento teórico. À querida Tânia Fontenelle, por seu maravilhoso trabalho sobre as corajosas candangas e pioneiras, minha inspiração para esse ensaio. Obrigada por ter me ajudado com as entrevistas, por me incentivar e me orientar sobre o trabalho e a vida. Obrigada às senhoras entrevistadas, pelas histórias que compartilharam comigo, que foram o diferencial para a conclusão desse ensaio. Agradeço aos meus queridos pais e irmã, por sempre apoiarem minhas ideias e projetos, me mantendo alimentada e me acalmando nas longas horas de trabalho, me lembrando que no final dá tudo certo sempre. Ao meu melhor amigo e grande companheiro, José Henrique, por ter acompanhado todo o processo de perto, comentando e corrigindo meus textos e me ajudando a elaborá-los melhor. Obrigada por todos os seus incentivos, carinho e paciência, você sabe como isso é importante para mim. Obrigada às minhas queridas amigas Caroline, Érika e Gabriela que estiveram ao meu lado, me ajudando com as imagens, com textos e com frases de motivação e orgulho. Vocês são incríveis!


Apresentação Quando se pensa na construção de Brasília, vêm logo em mente os candangos, homens, operários de obra que trabalhavam dia e noite, para tornar a utopia em realidade. Dificilmente ouvimos histórias das poucas, porém fundamentais mulheres que também fizeram parte desse momento tão importante para a história do país e para o mundo. Brasília tinha uma importância diferente para as mulheres. Representava a quebra de paradigmas, a conquista da independência econômica e social e o rompimento dos valores patriarcais1, pois as oportunidades de emprego as colocavam no mesmo patamar dos homens, que demonstravam certo respeito e gratidão às corajosas candangas e pioneiras. Brasília era o símbolo do novo, aqui não se tinha controle sobre o comportamento de forma mais conservadora que em outros lugares. Brasília era toda nova, ninguém se conhecia, mas todo mundo se unificava naquele novo e gerava uma solidariedade impressionante.2

Torna-se curioso entender o que era ser mulher na construção de Brasília, onde tudo podia ser feito de modo diferente, pois não havia parâmetros comparativos definidos. Assim, este ensaio dedica-se ao estudo da relação entre a moda e a arquitetura de Brasília na década de 1960, por meio da análise de fotografias da época que retrataram o dia-a-dia dessas mulheres, juntamente a entrevistas a algumas dessas senhoras, tendo em vista compreender a vestimenta das mulheres candangas e pioneiras e como elas eram influenciadas pela construção da cidade.

1 FONTENELE, Tânia, OLIVEIRA, Mônica. Poeira e Batom no Planalto Central – 50 mulheres na construção de Brasília. 2010. 2 PIETRICOVSKY, Iara apud FONTENELE, Tânia. Memórias Femininas da Construção de Brasília. Museu Nacional dos Correios. Brasília. 2013


Sumário | Lista de imagens

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| Introdução

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1. A relação entre arquitetura e moda

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2. Arquitetura e moda na década de 1960 2.1. No mundo 2.2. No Brasil

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3. Urbanismo, arquitetura e arte em Brasília 3.1. Moda em Brasília

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4. Análise da relação entre moda e arquitetura em Brasília na década de 1960

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| Considerações finais | Fontes e referências bibliográficas

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Lista de Imagens Imagem 01| http://noarmariodacarol.com.br/index. php/2014/07/24/de-olho-no-street-style-carioca/ - Acesso em: 13 set. 2016 Imagem 02| http://www.estiloclau.com/singlepost/2015/05/26/Street-Style-São-Paulo-Parte-I-A-moda-derua-na-capital-paulisat - Acesso em: 13 set. 2016 Imagem 03, 04, 08, 10, 53, 56, 57, 59, 60, 62, 64, 65, 66, 74| Instituto Moreira Salles Imagem 05, 50, 54, 69, 70, 71, 72, 73, 76, 77, 78 | Arquivo Público de Brasília Imagem 06 e 07| http://opasgarage.blogspot.com.br/2012/11/ palacio-do-alvorada.html - Acesso em: 13 set. 2016 Imagem 09| http://fashionartdaily.blogspot.com.br/2009/10/ balenciaga.html#.V97xHfkrJD8 - Acesso em: 17 set. 2016 Imagem 11| https://www.flickr.com/photos/spanpix/301726550 - Acesso em: 18 nov. 2016 Imagem 12| https://helenhh.wordpress.com/2012/01/06/ yeohlee-teng/ - Acesso em: 18 nov. 2016 Imagem 13| https://theartofpsychology.wordpress. com/2012/11/07/are-you-what-you-buy/ - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 14| http://www.archdaily.com.br/br/01-16931/ classicos-da-arquitetura-capela-de-ronchamp-le-corbusier Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 15| http://www.gazetadopovo.com.br/haus/ arquitetura/17-obras-de-le-corbusier-viram-patrimonio-dahumanidade/ - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 16| http://www.swissinfo.ch/por/chandigarh--uma-bras%C3%ADlia--na-%C3%ADndia-/6812962 - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 17| https://en.wikipedia.org/wiki/File:Sydney_Opera_ House_Sails.jpg - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 18| https://pt.wikiarquitectura.com/index.php/Casa_ Vanna_Venturi - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 19| http://architecturewithoutarchitecture.blogspot. 8


com.br/2012/12/david-greene-sporting-suitaloon.html - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 20| http://terapiadoluxo.com.br/dior-e-exposicaonew-look-revolution/ - Acesso em: 17 set. 2016 Imagem 21| http://www.avidabloga.com/2014/06/um-raroolhar-para-o-mundo-de-christian.html - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 22| http://doloresdelargotowers.blogspot.com. br/2011/11/world-of-tomorrow.html - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 23| https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/236x/ b0/09/0c/b0090c11a6a1d23e3013517f777dc620.jpg - Acesso em: 14 nov. 2016 Imagem 24| http://i.ebayimg.com/00/s/MTYwMFgxMjM1/z/ mAQAAOxyNo9SvG5Z/$_35.JPG - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 25| http://o.nouvelobs.com/mode/20140725. OBS4731/histoires-de-mode-le-jour-ou-saint-laurent-presentale-smoking.html - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 26| http://retrogirly.tumblr.com/post/67666497258/ ladiesofthe60s-pop-art-fashions-seen-in - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 27| http://www.vintag.es/2015/07/space-agefuturistic-fashion-designed.html - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 28| http://ilovemyshoes.blogspot.com.br/2015/01/ tailleur-chanel.html - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 29| http://culturainquieta.com/en/lifestyle/item/9333girls-from-woodstock-1969-were-the-origin-of-current-fashion. html - Acesso em: 13 nov. 2016 Imagem 30| http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3762/ ministerio-da-educacao-e-saude-mes - Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 31| http://archtendencias.com.br/ arquitetura/%EF%BB%BFoca-parque-do-ibirapuera-paulomendes-da-rocha-mmbb-arquitetos/ - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 32| https://coisasdaarquitetura.files.wordpress. com/2011/02/m-coimbra-quartos.jpg - Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 33| http://arquiteturaurbanismotodos.org.br/museude-arte-moderna-rj/ - Acesso em: 08 nov. 2016 Imagem 34| http://www.fau.usp.br/eahn2013/fau3.html 9


- Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 35| http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-47142014000200003 - Acesso em: 17 set. 2016 Imagem 36| https://pausarevista.wordpress.com/2008/12/04/ flavio-de-carvalho-genio-esquecido/ - Acesso em: 17 set. 2016 Imagem 37| http://acervo.estadao.com.br/noticias/ acervo,fenit-a-sao-paulo-fashion-week-dos-anos-60,10976,0. htm - Acesso em: 17 nov. 2016 Imagem 38| http://missmemorabilia.blogspot.com.br/2011/03/ georgina-rizk-no-brasil.html - Acesso em: 17 nov. 2016 Imagem 39| http://darciferrante.blogspot.com.br/ - Acesso em: 17 nov. 2016 Imagem 40| https://luciazanetti.wordpress.com/2014/08/22/adespedida-de-roberto-carlos-do-seu-programa-jovem-guarda/ Imagem 41| https://laphille.com/wp/musica/ tropicalia-sgt-peppers-brasileno Imagem 42| http://acaodemidia.com/mulheres-inspiradorasda-moda-zuzu-angel-a-primeira-estilista-do-brasil/ - Acesso em: 14 nov. 2016 Imagem 43| História da Arquitetura Moderna – Benevolo – p.717 Imagem 44| http://www.archdaily.com.br/br/777831/o-palacioda-alvorada-nas-lentes-de-joana-franca - Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 45| http://roteirosincriveis.uol.com.br/destinos/ america-do-sul/brasil/centro-oeste/distrito-federal/brasilia/ roteiro-historico-por-brasilia-passa-pelas-obras-de-oscarniemeyer/ - Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 46| http://noticias.r7.com/distrito-federal/fotos/ parceiro-de-niemeyer-athos-bulcao-tem-dezenas-de-obras-nodistrito-federal-02042014 - Acesso em: 15 nov. 2016 Imagem 47| http://www.jornalregional.com.br/noticia/2376/ PALCOS-VAZIOS-E-ABANDONADOS:-Teatro-Nacional...-de%C3%ADcone-da-cultura-de-Bras%C3%ADlia-para-o-descasoe-vandalismo.html - Acesso em: 14 nov. 2016 Imagem 48| Folha Uol – Notícias: Aniversário de Brasília - 21 de abril de 1960 10


Imagem 49 e 51| Livro Memórias Femininas da Construção de Brasília Imagem 52, 75| Livro Arquivo Brasília Imagem 55| http://www. fashionbubbles.com/historia-da-moda/ brasilia-comemora-50-anos-historia-fotos-e-sites-interessantes/ Imagem 58, 63| Revista Manchete Imagem 67| Acervo Imagens 68| F.C. Gundlach

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| Introdução Toda cidade é representada de alguma forma nas vestes dos seus moradores. Seja pelos aspectos climáticos, morfológicos, sociais ou até mesmo plásticos, a cidade tem grande capacidade de influenciar as vestimentas locais. Se compararmos uma parisiense, uma londrina, uma novaiorquina e uma paulista, percebemos que, por mais que sigam tendências de moda semelhantes, elas se apresentam de formas diferentes entre si, mas características diante das demais mulheres de suas cidades. Solange Mezabarba trata em seus estudos da relação da moda com o território, focando em um grupo de mulheres cariocas que se mudaram para São Paulo1. É interessante perceber como ambas as cidades possuem personalidades próprias e bem diferentes, que refletem na aparência e no comportamento de suas residentes, fazendo com que as cariocas precisassem se adaptar aos “padrões estéticos” locais, ansiados pelos próprios paulistanos. Os relatos comentam desde as cores utilizadas nas roupas – as cariocas acostumadas com roupas coloridas, enquanto as paulistanas preferindo cores neutras – até ao simples fato de secar ou não os cabelos para sair à rua.

Imagem 1: Exemplo Moda Urbana Carioca

Essa necessidade encubada de se vestir referenciando a cidade nem sempre é proposital; e não é, necessariamente, o uso de estampas que claramente retratam a cidade. É mais subjetivo do que isso. A cidade possui uma identidade, possui memórias. Seus moradores querem, de uma forma ou de outra, fazer parte de sua história. É o sentimento de pertencer àquele lugar que faz as pessoas começarem a se encaixar na dinâmica da cidade em uma possível tentativa de não chamar a atenção para si, de se esconder, mimetizar; ou, ao contrário, se mostrar ser parte do seu território. Mas... e em Brasília? Foram muitas as estratégias de divulgação da nova capital. “[...] Tão logo se iniciaram as obras o governo contratou jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas para assegurar a cobertura do andamento dos trabalhos.” 2 Por este motivo, desde quando era apenas um grande canteiro de obras, Brasília já recebia visita dos curiosos em ver a cidade modernista sendo construída. A 1 MEZABARBA, Solange R. Vestuário e cidades: percepções de mulheres cariocas em São Paulo. 2014. 2 KIM, Lina. WESELY, Michael. Arquivo Brasília. São Paulo: Cosac Naify. 2010. 1.3.1 Divulgação

Imagem 2: Exemplo Moda Urbana Paulista

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nova capital do Brasil era futurista ao olhar popular, chocava os brasileiros, que ainda se prendiam ao pensamento “póscolonialista” e impressionava e despertava o interesse do mundo.

Imagem 3: Populares sobre cobertura do palácio do Congresso Nacional no dia da inauguração de Brasília - 21/04/1960

O simples desenho urbano proposto por Lúcio Costa, como “um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial”3, se adequava à topografia e acentuava o amplo horizonte ainda hoje característico da cidade. O arquiteto e urbanista “operou com diversas referências da história das cidades, mas, de modo inequívoco, aplicou os princípios e ideais arquitetônicos e urbanísticos modernistas, destacando a setorização do tecido urbano e a técnica rodoviária”4 , fazendo de Brasília uma grande realização do urbanismo do século XX. Quando Oscar Niemeyer projetou os edifícios para a capital, ele almejou, em seus volumes, fazer uma relação com a cultura popular brasileira, se inspirando na arquitetura residencial do interior. Niemeyer trabalhou proporções harmônicas em uma escala que se mostra intimidadora de longe, mas que de perto acolhe o visitante. Sua arquitetura forneceu identidade e personalidade à cidade, que apresenta uma certa singularidade. Por este motivo,

Imagem 4: Carrinho de Lixo - Desenho da coluna do Palácio da Alvorada (1960)

pensar em Brasília é pensar em arquitetura. Pensar em Brasília é pensar na cidade que foi erguida num território vazio e que se definiu como imagem, como lugar e como símbolo através da arquitetura.5

Esta identidade pré-definida pela própria arquitetura é vista desde a época de sua construção, servindo como uma das estratégias de divulgação mencionadas anteriormente, além de motivação aos imigrantes que aqui chegavam para trabalhar e que ficavam perdidos, devido à falta de referencias de uma cidade. Os candangos e os pioneiros são, então, os primeiros a se apropriarem dos símbolos arquitetônicos e do desenho do traçado urbano da capital, para se identificar com a urbis, com a nova morada, com a nova sociedade que estava se formando. Imagem 5: Carrinho de sorvete - Desenho da coluna do Palácio da Alvorada (1983)

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3 COSTA, Lúcio. Relatório do Plano Piloto. 4 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquiteturas de Brasília. 2012. p.23 5 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquiteturas de Brasília. 2012. p. 21


Essa apropriação da imagem ou até mesmo dos nomes relacionados à cidade continuou sendo utilizada com o passar dos anos, tendo casos até hoje. Assim, muitos artefatos foram produzidos, a partir da década de 1960, estampando Brasília. Um dos símbolos mais reproduzidos foi o da coluna do Palácio da Alvorada, projetado por Oscar Niemeyer, que se tornou o brasão da nova capital federal. De carrinho de lixo (imagem 4) e de sorvete (imagem 5), até edições especiais de acessórios para carros (imagens 6 e 7), a colunata se fazia presente, representando a necessidade dos residentes de se fazerem parte do território que estão ocupando. É importante lembrar que estamos tratando de candangos e pioneiros que formavam um grande contingente de migrantes vindos para Brasília de diferentes regiões do país. Inicialmente de regiões vizinhas, nos estados de Minas Gerais e Goiás e, posteriormente, outra leva do Nordeste, com os fugidos da forte seca de 1958. Chegou-se a marca de 60 mil trabalhadores em 1959, que traziam consigo antigos padrões culturas e sociais, com diferentes formas de se expressar e se apresentar publicamente, característicos de sua terra natal.6 Dentre esses 60 mil, havia poucas mulheres. Mesmo assim, elas tinham papel importante para o funcionamento da cidade, enquanto grande parte dos homens estava nas obras. As mulheres também chegavam a trabalhar 24h por dia, em serviços que, apesar de parecerem secundários, eram prioritários. Eram professoras, médicas, enfermeiras, cozinheiras, lavadeiras, desenhistas, companheiras. Em sua pesquisa sobre 50 mulheres na construção de Brasília, Tânia Fontenelle registra relatos que ilustram como era ser mulher na época da construção da cidade-capital.

Imagem 6: Embalagem Enfeite-Car com desenho da coluna do Palácio da Alvorada

Eram poucas mulheres, tanto que eu nunca tinha ninguém para me ajudar. Eu tinha duas crianças e tinha que cuidar da casa, das crianças e sair à noite para fazer os partos, muitas vezes passava a noite toda fora. Às vezes fazia mais de um parto por noite. Mas pelo fato de ser mulher nunca tive o menor problema. Os homens tinham o maior respeito, admiração.7

6 KIM, Lina. WESELY, Michael. Arquivo Brasília. Cosac Naify. São Paulo. 2010. 1.3.3 Convocação 7 BERTONI, Cacilda apud FONTENELE, Tânia. Memórias Femininas da Construção de Brasília. Museu Nacional dos Correios. Brasília. 2013. p.71

Imagem 7: Sobre-aros da Casa Negrinha com desenho da coluna do Palácio da Alvorada

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Assim como os homens, essas mulheres precisaram se adaptar à nova morada, se emancipando e deixando para trás antigos valores patriarcais, garantindo sua independência econômica e social, assumindo cargos com salários superiores à média nacional.8 Essas mulheres também sentiam a necessidade de se mostrar fazer parte da grande empreitada que era a construção da nova capital do Brasil. Queriam ser vistas como corajosas candangas e pioneiras, que não se arrependiam da mudança de vida que acontecia. Apenas vestiam Brasília. Considerando todos os aspectos citados, questionou-se qual seria a influência da cidade de Brasília na forma de vestir das mulheres residentes dos anos 1960; e se poderia isso ter evoluído para uma característica própria da moda da cidade que conhecemos atualmente. Dessa forma, o objetivo geral deste ensaio foi, através da análise das fotografias de Brasília da década 1960, compreender e registrar a relação entre a cidade, a arquitetura e a moda feminina na época, percebendo a existência de um “vestir Brasília” da mulher candanga e pioneira. Fez-se necessário a criação de um contexto histórico, buscando a relação entre moda e arquitetura no mundo e no Brasil na década de 1960; estudando o contexto histórico ao qual Brasília foi construída, procurando entender as principais referências arquitetônicas, urbanísticas e de moda na época. Os procedimentos metodológicos adotados foram a revisão bibliográfica, o referencial teórico, o levantamento documental, entrevistas, seguidos da análise dos textos e iconografia de Brasília da década de 1960 e a sistematização das informações delas retiradas. A revisão bibliográfica ficou em entender a história da arquitetura e da moda no mundo e no Brasil e o contexto histórico no qual Brasília foi projetada e construída, compreendendo a arquitetura e o desenho do Movimento Moderno no projeto da cidade-capital. O referencial teórico dedicou-se à relação entre a arquitetura e a moda, por meio das definições de ambas as áreas, empregadas em livros e periódicos. O material iconográfico foi a fonte primária para este estudo. Foram colhidas fotografias de Brasília na década de 1960 que mostram o dia-a-dia das candangas e pioneiras residentes da nova capital, para que seja possível fazer a relação entre suas Imagem 8: Mulher em meio aos homens na construção do Congresso Nacional (1958)

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8 FONTENELE, Tânia. Memórias Femininas da Construção de Brasília. Museu Nacional dos Correios. Brasília. 2013. p.71


vestimentas e a cidade. A busca por esse material foi feita nos acervos fotográficos do Arquivo Público de Brasília, Museu Vivo da Memória Candanga, Memorial JK e Instituto Moreira Salles. As revistas O Cruzeiro e Manchete foram também material de análise, por terem sido importantes meios de divulgação de informações referentes à Brasília e às produções e manifestações artísticas da época em estudo, possuindo um acervo fotográfico que complementa a busca por imagens que demonstram como era a moda da nova capital. Optou-se por categorizar tais fotografias de forma a facilitar sua leitura e interpretação. Naquela época, a fotografia ainda não era algo popular, fazendo com que existisse grande diferença entre uma fotografia posada, uma fotografia jornalística e uma fotografia de editorial, quanto ao grau de preparação das pessoas, do cenário e do fotógrafo. Grupo 01: Fotos referenciando Brasília; Grupo 02: Fotos editoriais - Brasília; Grupo 03: Fotos posadas; Grupo 04: Fotos espontâneas; Finalmente, foram entrevistadas quatro senhoras que protagonizaram o cenário e a década em estudo neste trabalho, a fim de se ter informações referentes as roupas que utilizavam, à procedência das mesmas e de onde vinham as referências na hora de se confeccioná-las. As informações colhidas por meio dessas conversas foram fundamentais para as considerações finais deste trabalho. Foram elas: Alice Andrade Maciel (Brasília, 14 de novembro de 2016); Diva de Aguiar Resende (Brasília, 15 de novembro de 2016); Joseny Azeredo de Lima (Brasília, 10 de novembro de 2016); e Lia Sayão de Sá (Brasília, 14 de novembro de 2016).

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1. A relação entre arquitetura e moda São muitas as relações possíveis entre vestimenta e arquitetura: ambas são tidas como uma forma de habitar; como uma embalagem que protege, embeleza, decora e identifica9. A maneira de pensar, a forma de projetar e de croquisar uma ideia segue metodologias semelhantes. Os próprios termos empregados para justificar as escolhas projetuais também se equiparam: tecido, estrutura, malha, fios; são apenas exemplos do vocabulário utilizado pelas duas disciplinas, que caminham sempre juntas, referenciando-se uma na outra. Segundo Roche (2007), moda é tudo que serve para cobrir o corpo, adorná-lo, ou para protegê-lo das injurias do ar10. E não seria esse também o papel da arquitetura? A arquitetura serve de abrigo das intempéries, protege seus usuários e expressa a identidade do seu morador. As duas traduzem os valores culturais e as condições econômicas de quem as utilizam em forma e em arte. Um dos arquitetos que percebeu essa relação foi Adolf Loos. Em seu texto The Principle of Dressing de 1898, Loos sugere que os princípios da engenharia têxtil, ou seja, as técnicas por eles utilizadas, fossem empregados como princípios construtivos na arquitetura, mirando estruturas que, com materiais mais rígidos, conseguiriam espaços mais amplos.11 Essa necessidade de se construir espaços habitáveis é mais um pensamento que confirma a aproximação dessas duas áreas. Peter Stallybras (2000) afirma que a mágica por trás das roupas “está no fato de que elas nos recebe: recebe nosso cheiro, nosso suor; recebe até mesmo nossa forma”12. Enquanto a roupa serve de abrigo com uma relação mais próxima ao corpo humano, a arquitetura se encontra em um nível mais afastado do indivíduo. Félix Guattari (1994) diz que “os espaços arquitetônicos nos interpelam a todo instante e de diferentes formas, produzindo uma subjetivação parcial que se aglomera 9 ANDRADE, L.M.A. de. “A linguagem e a transgressão da veste: a evolução da roupa na cultura ocidental”. 10 ROCHE, Daniel. A cultura das aparências: Uma história da indumentária (séculos XVIIXVIII). São Paulo, SENAC, 2007, p.20. 11 LOOS, Adolf. The Principle of Dressing,1898. Apud. QUINN, Bradley. The fashion of architecture, 2003. Apud. SOUZA, Patrícia de Mello. Moda e arquitetura: relações que delineiam espaços habitáveis. 2015. 12 STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, 2000. Apud. PRECIOSA, Rosane. Produção Estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2007.

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com outros agenciamentos de subjetivação13” Para Guattari, a arquitetura se amplia produzindo sentido e sensação remetidos a “universos incorporais”, tanto de forma universal, quanto na direção da singularidade. Enquanto a arquitetura segue os estilos de cada época, a moda segue as tendências da estação, que muitas vezes justifica-se nos mesmos parâmetros estéticos dos estilos de cada época. Essa ligação que o vestuário tem com as estações do ano não necessariamente torna-o mais flexível que os espaços construídos. A arquitetura também possui uma gama de técnicas construtivas que solucionam e se adaptam aos diferentes climas, dinamizando sua aparência, possibilitando até mesmo a alteração de sua forma inicial. Um bom exemplo para visualizar a influência existente entre a moda e a arquitetura é comparar as linhas da coleção de verão de 1967 da marca Balenciaga (imagem 9), do espanhol Cristobal Balenciaga - o arquiteto da moda -, com as linhas da arquitetura de Oscar Niemeyer em Brasília (imagem 10), onde ambos trabalham volume e estrutura em seus projetos. O arquiteto Roberto Loeb conclui que:

Imagem 9: Vestido de noiva de Cristobal Balenciaga (1967)

Balenciaga integra suas roupas ao corpo da mulher; Niemeyer se inspira nas curvas femininas para sua arquitetura. Os dois têm em comum um olhar para a vida e para o feminino. Resultam daí desenhos que bebem na mesma fonte: a mulher14.

Para Quinn, a arquitetura tem utilizado técnicas da alfaiataria e materiais têxteis para se projetar estruturas duradoras, fazendo com que edifícios e produtos do vestuário possuam semelhanças em suas concepções. Como exemplo, temse os arquitetos americanos Peter Testa e Devyn Weiser, pesquisadores pioneiros na utilização do entrançamento de fibras de carbono, para construção de arranha-céus. Segundo os arquitetos, a utilização dessas fibras trançadas e torcidas possibilitam uma distribuição uniforme das cargas, gerando estruturas mais leves e mais eficientes do que a própria

Imagem 10: Cúpulas do Congresso Nacional de Oscar Niemeyer (1960)

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13 GUATTARI, Félix. Caosmose. 1994. Apud. BARBOZA, S.M.P. Entre corpos e cidades: Pensamentos e interferências sobre a construção de cidades e modos de vida. Vitória. 2011. 14 LOEB, Roberto. Apud. AGUIAR, Bernardo de. A barriga do estilista. São Paulo: Folha Online, Folha de S.Paulo, Revista Moda. 2013.


alvenaria, como apostaram no protótipo Carbon Tower (imagem 11), edifício de escritórios de 40 andares que, se construído, será uma das construções mais leves já vista desse porte. Da mesma forma, designers de moda procuram na arquitetura soluções para estruturar e dar volume as vestes, seja a partir de dobraduras, na inserção de outros elementos que sustentam ou na suspensão de alguns pontos e detalhes das roupas, a partir de um pensamento tridimensional da mesma. Tem-se como exemplo, os vestidos suspensos Yeohlee Teng (imagem 12), que utilizou uma técnica estrutural semelhante a das pontes suspensas para içar partes do vestido, criando volumes diferentes. Assim, percebe-se que a relação entre moda e arquitetura vai além dos conceitos que justificam os parâmetros estéticos e plásticos ou a dinâmica do efêmero. Elas se aproximam também nas atitudes, nos raciocínios estruturais dos processos construtivos que são baseados e influenciados pelo mesmo contexto histórico e cultural. Imagem 11: Edifício Carbon Tower (2001)

Imagem 12: Yeohlee Teng e técnica da suspensão (2006)

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2. Arquitetura e moda na década de 1960 Os anos 1960 foram marcados por muitas realizações culturais, ideológicas e políticas em todo o mundo. A primeira metade, em decorrência do pós-guerra e outros acontecimentos da década anterior, é marcada pelo entusiasmado espírito de luta frente à política e manifestações socioculturais, ainda de maneira tímida e inocente. A segunda metade da década é marcada por uma onda de rebeldia, protestos contra os governos, revolução sexual e contato com as drogas. É nesse momento que surgiram vários movimentos civis definidores de novos comportamentos que influenciaram não só a sociedade, mas a política, a música, as tecnologias, a televisão, a moda e a arquitetura. Por esse motivo e para a melhor compreensão do contexto np qual Brasília foi construída, foi necessário um estudo do que estava acontecendo com a arquitetura e a moda no mundo e no Brasil naquela época. O recorte deste ensaio é a década de 1960, mas se não voltarmos um pouco mais na história, as informações ficam vagas e sem base comparativa. Assim, para ambas as áreas, optou-se por expor acontecimentos da década anterior, podendo, em alguns momentos, voltar um pouco mais atrás na história, buscando informações que são pertinentes para a caracterização da década em estudo.

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3.1. No mundo Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava passando por muitas transformações e “a palavra de ordem da época era a ruptura com antigos valores morais, sociais e políticos”15. Estas mudanças, junto ao advento da globalização, a ascensão econômica dos países desenvolvidos e a revolução tecnológica, fez aumentar a produção de bens de consumo e, consequentemente, o consumismo desenfreado, que tomava a sociedade em um sentimento de otimismo e elevado padrão de vida.16 Nesse contexto, surge a Pop Art, movimento artístico que criticava a cultura popular capitalista, fazendo uso de “símbolos, ícones e produtos da cultura de massa, do cinema e da publicidade para criar sua arte” 17. Tinham como slogan frases como “tudo é obra de arte” e “todo mundo é artista”, inserindo a arte na cultura de massa, como uma mercadoria obtida a partir de uma linha de produção, semelhante à de produtos como lata de sopa ou barras de sabão, como podemos ver nas obras de Andy Warhol (imagem 13), maior representante do movimento18. Devido às consequências do pós-guerra, um grande número de teóricos de arquitetura passou a discutir acerca do Movimento Moderno na década de 1960. Com a necessidade de reconstrução das cidades europeias, junto à expansão das aglomerações urbanas, foi desenvolvido um urbanismo racionalista, que, a partir da Carta de Atenas, permitia que a produção das cidades se encaixasse nos “objetivos e métodos da empresa capitalista”19. A partir do zoneamento urbano, obtinha-se cidades segregadas e fragmentadas, que facilitavam o controle sobre as diferentes áreas da cidade, além de permitir sua produção em série e pré-fabricação. Imagem 13: Pop Art de Andy Warhol, 1960

Imagem 14: Ronchamp, Le Corbusier (1955)

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As reflexões tidas nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, que duraram de 1928 e 1956, começaram a ser questionados por um grupo de jovens arquitetos, posteriormente nomeados Team 10, que decidiram parar de 15 CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. p.138 16 SAUTCHUCK, Camila. et al. As influências da arte no design e na moda, na década de 1960. 2006 17 SÁ, Jéssica R.C. de. et al. Arte Pop, indústria cultural e publicidade: um estudo iniciante sobre a sedução. 18 BASSANESI. Glauber Witt. CEZAR, Marina Seibert. A relação democrática entre moda e arte nas décadas de 1950 e 1960. 19 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno – arquitetura da segunda metade do século XX. p. 29


propor apenas teorias, para começar a colocá-las em prática, baseados no método científico experimental, buscando redescobrir o papel social do arquiteto. Para Kenneth Framton, eles rejeitavam o racionalismo da “cidade funcional”, buscando uma relação entre a forma física e a necessidade social e psicológica do usuário. Escreveram que: o homem pode identificar-se de imediato com seu próprio lar, mas não se identifica facilmente com a cidade em que este está situado. “Pertencer” é uma necessidade emocional básica – suas associações são da ordem mais simples. Do “pertencer” – identidade – provém o sentimento enriquecedor da urbanidade. A ruazinha estreita da favela funciona muito bem exatamente onde fracassa com frequência o desenvolvimento espaçoso.20

Para Josep Montaner, as características formais da arquitetura que passa a ser projetada após a década de 1950 não apresenta os mesmo padrões do que era produzido no período entre as guerras, com manifestos que chamam a atenção para a evolução formal, como, por exemplo, na capela em Ronchamp (imagem 14), de Le Corbusier, finalizada em 195521. Formada por quatro muros curvos e uma cobertura pesada e sinuosa de concreto aparente, Le Corbusier inova dentre seus projetos, mas ainda mantem o mesmo nível de produção formal, espacial e material, já conhecidos em sua arquitetura. Ainda segundo seu raciocínio, houve uma mudança no pensamento de concepção da arquitetura como elemento isolado, passando a pensar no contexto urbano como um todo, onde o edifício se apresenta integrado a preexistências ambientais, criando uma reflexão sobre a vida e o cotidiano dos usuários desta arquitetura. Montaner coloca que a arquitetura perde o caráter de volumes autônomos e repetitivos, ganhando maior singularidade e monumentalidade dadas a partir da morfologia de volumes escultóricos sobre plataformas, como é visto em Chandigarh e em Brasília. Segundo Denys Lasdune, os espaços urbanos coletivos são mais importantes que o próprio espaço privado dos

20 FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. p.330 21 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno – arquitetura da segunda metade do século XX. p. 36

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edifícios, uma vez que qualificam uma cidade moderna.22 Como exemplo, Montaner expõe o Complexo do Capitólio de Chandigarh (imagens 15 e 16), também de Le Corbusier, cujos edifícios possuem autonomia, seguindo uma tipologia arquitetônica com semelhanças formais, resultando em uma monumentalidade dramática entre os volumes. Para Benevolo, essa experiência de Le Corbusier com Chandigarh é resultado do esforço do arquiteto em entender as preexistências ambientais, sem com isso diminuir sua relação com o que é produzido internacionalmente.23

Imagem 15: Assembleia Legislativa, Chandigarh

Imagem 16: Tribunal Federal, Chandigarh.

Imagem 17: Ópera de Sidney, Jörn Utzon

Imagem 18: Casa Vanna (1964)

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Outro importante arquiteto do Movimento Modernista é Mies van de Rohe, que, entre 1933 e o início dos anos 1950, produzia obras que oscilavam, segundo Framton, “entre assimetria e simetria, entre técnicas como fundo e a monumentalização da técnica como forma”24 . Para ele, esse impulso do arquiteto para o monumental foi o que resultou no racionalismo de suas técnicas construtivistas, muito adotadas posteriormente pela indústria da construção norte-americana, seguindo o exemplo do edifício Seagram Building, concluído em 1959 em Nova Iorque, aproveitado como publicidade dos projetos de Mies, para incentivar sua repetição formal. Prosseguindo com essa produção evolutiva da arquitetura, contra os edifícios autônomos, propõe-se uma busca por formas mais expressivas. A partir da fragmentação formal do edifício, evitava-se uma monotonia e repetição entre as fachadas, buscando apresentar maior individualização à produção em série, maior diversidade formal àrepetição modular, além do livre tratamento da cobertura, explorando as possibilidades formais desta.25 A Ópera de Sidney (imagem 17), do arquiteto dinamarquês Jörn Utzon, é um dos exemplos que segue o novo conceito de monumentalidade. Muito expressiva, com enormes cascas que funcionam como fachada e cobertura simultaneamente, o projeto precisou de vários anos de estudo para encontrar as soluções estruturais que melhor definiria o edifício. Iniciado em 1959, teve sua conclusão em 1973, sem o acompanhamento do arquiteto, que abandonou a direção da obra em 1966. Esse é também um bom exemplo do que Montaner chama de expressionismo estrutural, que se resume na busca por 22 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno – arquitetura da segunda metade do século XX. p. 37 23 BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva. 3ª ed. 2001. p.722 24 FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. p.282 25 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno – arquitetura da segunda metade do século XX. p. 41


soluções estruturais a partir de novas técnicas e novos materiais. Na segunda metade dos anos 1960, percebe-se um maior distanciamento entre o que vinha sendo produzido como arquitetura e os princípios do Movimento Moderno. Montaner define como sendo um “período de prosperidade, desenvolvimento e crescimento nos países capitalistas”26, devido ao grande salto que as novas tecnologias e materiais derivados do plástico e do metal permitem à produção construtiva da arquitetura, que cada vez mais se iguala aos princípios de fabricação em série no plano industrial, semelhante a dos bens de consumo. Robert Venturi, arquiteto pós-modernista americano que iniciou seu trabalho com Luis Kahn em 1959, teve suas obras principais incluídas em pleno pós-guerra, fazendo críticas duras, mas consideradas complementares ao trabalho arquitetônico da época. Na Europa, Aldo Rossi publicou, ao mesmo tempo que Venturi, a versão italiana, da crítica ao modernismo dos CIAMs, especialmente em seus aspectos urbanísticos. Venturi, em seu texto “Complexidade e contradição em arquitetura”, de 1966, “argumentava que a complexidade da vida contemporânea não admitia projetos simplificados e que os arquitetos precisavam voltar-se para projetos multifuncionais”27. O autor, em conjunto com sua esposa Denise Scott Brown e seu colaborador Izenour, apresentam no texto “Aprendendo com Las Vegas” questões relativas ao significado da cultura de massa. Para eles, “arquitetos poderiam aprender muito com o estudo das paisagens populares e comerciais, mais do que com a perseguição de ideais doutrinários, teóricos e abstratos”28. Concluem que a ornamentação não deve ser considerada um crime e que não há nada de errado em fazer a arquitetura com os termos estéticos desejados pelas pessoas. Em seu projeto da Casa Vanna (imagem 18), Venturi faz uso de telhado com duas águas que definem a forma da casa. Para quebrar a simetria, trata as esquadrias de forma diferente em cada metade da fachada, configuradas de acordo com os usos internos da residência. Com elementos decorativos, Venturi desenha sobre a fachada apenas como decoração, detalhes utilizados como confronto ao lema “menos é mais” característica da arquitetura da época. 26 MONTANER, Josep Maria. p. 112 27 RUBINO, Silvana Barbosa. Quando o pós-modernismo era uma provocação. 2003 28 RUBINO, Silvana Barbosa. Quando o pós-modernismo era uma provocação. 2003

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Como um típico pós-moderno, Venturi faz suas criações a partir do que “não quer ser”, no caso, o modernismo do pósguerra. Segundo Jameson, essa é a primeira característica do pós-moderno, a segunda seria que o pós-moderno diminui qualquer fronteira entre arte culta e a de massa. Devido às possibilidades alcançadas pelo homem industrial, surgem grupos de arquitetos com propostas de projetos fantasiosas, como é o caso do grupo Archigram. Por meio de uma revista com o mesmo nome, divulgaram seus projetos ilusórios que serviram, posteriormente, como referências a arquitetura contemporânea. O grupo tinha como objetivo mostrar, com os avanços tecnológicos e a disponibilidade de novos materiais, ser possível produzir uma arquitetura menos tradicional, podendo chegar a soluções que, desde as fachadas até a cobertura, seriam resolvidas de maneiras extremamente diferentes. Colocaram a produção da arquitetura na condição de eletrodomésticos e automóveis, ao proporem uma arquitetura descartável como qualquer outro objeto. Em 1966, propuseram reflexões acerca da cultura nômade, projetando células habitáveis que poderiam ser “transportadas e conectadas a diversas megaestruturas existentes”29, como é o caso da Suitaloon (imagem 19), proposta de casa vestimenta, com uma forte referencia ao modo de vida futurista, influenciado pela carreira espacial que levou o homem a lua em 1969. Lançavam, assim, o desafio de se produzir uma arquitetura com menos caráter artístico e artesanal, aceitando que seja fruto da produção industrial. Como a arquitetura, o universo da moda também sentiu as transformações advindas do pós-guerra. Os Anos Dourados foram marcados por diferentes comportamentos, movimentos e tecnologias que influenciaram o mundo fashion. Segundo François Boucher, entre 1939 e 1947, os métodos e técnicas de trabalho passam por modificações que as dividem em dois tipos de produção: o primeiro é a criação e o artesanato, com trabalhos feitos predominantemente à mão, adaptado ao corpo da cliente; o segundo, a indústria que utilizava a máquina, com medidas padronizadas e produção em atacado, que entenderemos melhor mais a frente.30 Assim, um ícone fashion da alta-costura da época, muito usado e copiado nos anos 1950, foi a famosa saia godê, redonda e

Imagem 19: Suitaloon, Archigram

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29 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno - Arquitetura da segunda metade do século XX. São Pauli: G. Gili, 2013. p. 114 30 BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. p.406


ampla, conhecida como new look (imagem 20) de Christian Dior. Tendo como referência a Belle Époque, a saia criava uma nova silhueta ideal da mulher, e perdurou até o inicio da década de 1960, sendo associado ao símbolo do luxo e da elegância francesa. A partir disso, a moda clássica da alta-costura passou a ganhar um lado mais jovial, graças aos estilos lançados por Saint-Laurent, Givenchy e Balenciaga. Com o grande aumento da natalidade entre os anos de 1945 a 1965, também conhecido como “Baby Boom”, surge um grande número de jovens, com diferentes padrões de vida, buscando uma moda não convencional que se encaixesse em seus diferentes modos e ocupações. Boucher aponta os Estados Unidos como o primeiro país a manifestar esse movimento de jovens que “não conheceram a penúria dos anos de guerra e desprezam a sociedade de consumo ao qual estão imersos”31, passando a adotar um vestuário semelhante ao das classes mais pobres: calça jeans, camiseta e jaqueta. Na Europa, a diferenciação na forma de se vestir é, ainda segundo Boucher, mais uma forma de afirmar identidade ao grupo de sua idade do que manifestar as diferenças perante a sociedade. Neste contexto, surge um novo mercado da moda, contrapondo a alta-costura (imagem 21) e a elite econômica, a qual vemos “representada por mulheres maduras e ricas”32: o prêt-à-porter (imagem 22), que nada mais é que o “pronto para vestir”. Sua confecção se dá “pelo trabalho em série, sem execuções especiais sobre medidas pessoais do indivíduo”33 , seguindo, assim, padrões de medidas universais. Dessa forma, as peças ficavam cada vez mais impessoais, não sendo feitas para a cliente com o tecido escolhido por ela, segundo seu gosto e sua personalidade, mas com tecidos previamente escolhido pelo próprio costureiro, para a produção em massa.

Imagem 20: New Look, Dior, 1947

Imagem 21: Auta-costura por Christian Dior, 1953

Segundo David Hounshell, “o efeito da produção das fibras sintéticas no mundo contemporâneo pode ser comparado à Revolução Industrial do século XVIII na Grã-Bretanha”34, pois ambos foram responsáveis por modificações na infraestrutura das fiações e tecelagens, com a utilização de novas técnicas e áreas de trabalho. Assim, as fibras sintéticas entravam em ascensão. Em meados da década de 1950, a empresa 31 BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. p.413 32 CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. p.138 33 BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. p.407 34 HOUNSHELL, David. Science and corporate strategy: DuPont R&D, 1902-1980. Cambridge. New York. 1988. Apud BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.43

Imagem 22: “Prêt-a-porter” por Pierre Cardin, 1959

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americana DuPont (imagem 23) começou a produzir o Nylon, uma fibra poliamídica de alta resistência a desgastes e reduzida absorção de umidade, passível da produção de fibras mistas de nylon com lã ou algodão, sendo considerada uma “verdadeira revolução nos hábitos de vestir”35. Foi incorporada pela altacostura parisiense, sendo vista em coleção da Dior e Givenchy entre outras. Posteriormente, a francesa Rhodiaceta começou a produção do Tergal (imagem 24), fibra de poliéster com alta resistência a desgastes e alta elasticidade, ultrapassando a produção do nylon. Sua propaganda o nomeava uma “exigência da vida moderna”, que precisava ser mais prática, sem perda de tempo, por exemplo, passando sua roupa: o tecido tergal não amarrotava e não perdia o vinco. Dessa forma, não só o Tergal como as fibras sintéticas no geral projetavam roupas de inspiração futurista, despertando o interesse de costureiros como André Courrèges, Pierre Cardin e Paco Rabanne, criadores de “modelos que sugeriam uma moda espacial”36.

Imagem 23: Propaganda Nylon, DuPont

O desenvolvimento dos meios de difusão de informações e de comunicação fizeram com que, não só o cinema e suas estrelas, como também as fotografias que ilustravam as revistas que disseminavam a moda, fossem uma grande influência ao público jovem, fazendo surgir, cada vez mais, a vontade de se vestir de acordo com a sua época e as últimas tendências. Dessa forma, a fabricação em série era a única maneira de se conseguir fornecer roupas de todos os tipos e fazer isso de forma acessível aos indivíduos. Para Boucher, a alta-costura não tinha condições de manter essa clientela em potencial, mantendo-se a cargo de vestir “um pequeno grupo de mulheres de todas as nacionalidades, cuja posição pessoal obrigava a uma vida de cerimônias”37. As coleções de prêt-à-porter são desenhadas e criadas pelos chamados estilistas, que eram, então, responsáveis por sugerir modelos possíveis de serem produzidos em grande escala, em diferentes partes do mundo, tendo coleções apresentadas em Paris, Nova York, Milão e Tóquio. Essas coleções passaram a ser apresentadas duas vezes ao ano e, pela primeira vez, essa rápida renovação acontece de forma que “uma moda ‘nova’ não tira obrigatoriamente de moda a moda anterior”, ou seja,

Imagem 24: Propaganda Terga, Rhodia

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35 SPREÁFICO, Luigi, A transferência da tecnologia na indústria têxtil e do vestuário. São Paulo. 1970. Apud. BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.40 36 PRADO, Luís André. BRAGA, João. Historia da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.280 37 BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. p.414


as variedades iam surgindo e agradando a diferentes gostos de diferentes clientes, que iam adaptando-a ao seu estilo. Para Boucher,” a escolha da roupa depende essencialmente da ideia que se pretende dar de si mesmo38”, levando em consideração seus próprios princípios e moral, para criação do visual que exprima personalidade. Assim, vemos a silhueta criada pelo new look desaparecendo em meados dos anos 1960, substituída por roupas mais soltas na cintura, com Balenciaga como percursora desta moda emancipadora das mulheres, que buscavam maior conforto na hora de se vestir. Aderiram também ao uso da calça comprida, item normalmente associado ao guarda-roupa masculino que, em 1965, superou a fabricação das saias. Podiam ser usadas em diferentes momentos do dia e possibilitava diferentes combinações de uso. Além disso, havia uma variedade de modelos, podendo ser mais largas, mais estreitas, mais apertadas acima do joelho e alargando no restante, mais curtas no tornozelo ou mais longas. Em 1969, surgiram os shorts, com a calça cortada acima do joelho. Boucher especula esse fato como sendo por vezes associado também, mais ou menos conscientemente, ao desejo de igualdade entre os sexos, por usarem a mesma roupa. Em 1966, Yves Saint-Laurent, estilista francês e importante nome da alta-costura, lançou o smoking feminino (imagem 25), fortalecendo ainda mais esse pensamento da atitude feminista da época.

Imagem 25: Smoking feminino de Saint-Laurent (1966)

A minissaia foi criada pela estilista britânica Mary Quant, por volta de 1963, como uma opção de roupas práticas para dançar, uma vez que a música foi “a maior musa da moda39” nesse período. Ao som de Elvis Presley, Beatles e Rolling Stones, era não só difícil dançar com vestidos estruturados com um comprimento específico definido, como não combinavam com o estilo e cenário. Mary Quant resolveu criar uma opção que deixava a mostra as pernas das moças em até um palmo acima dos joelhos, permitindo maiores movimentos, criando variações de vestidos com forma em trapézio, com ou sem mangas, que teriam suas proporções balanceadas com botas de diferentes alturas e meias coloridas.40 A utilização de estampas com padrões e recortes geométricos garantindo peças audaciosas e engraçadas, que se encaixavam na imagem jovem da época, fazendo relação ao Pop Art (imagem 26). Um importante nome da moda dessa década foi o de André Courrèges. O estilista francês, formado em 38 BOUCHER, François. p.416 39 CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. p.142 40 CHATAIGNIER, Gilda. História da Moda no Brasil. p.142

Imagem 26: Moda Pop, Mademoiselle magazine,1966.

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engenharia civil, foi um visionario da moda dos anos 1960. Seu interesse pela arquietura e pelo design definiu seu estilo puro e minimalista, a partir de seu traço reto, com utilização de formas geométricas e técnicas artisticas41. Em 1965, sua coleção “Space Age” (imagem 27) revolucionou a alta-costura, propagando uma moda adaptada às necessidades e aspirações femininas, sem fazer referências ao passado.Pelo contrário, Courrèges apresentou uma coleção futurista, com mulheres vestidas de branco e prata, usando cores fluorescentes e materiais sintéticos como o plástico, assim como botas brancas e grandes óculos.

Hoje, a mulher é igual ao homem, trabalha, tem mil afazeres. Por isso é preciso facilitar sua vida e lançar mão de todo o avanço tecnológico que traz esta facilidade.

Imagem 27: Space Age, André Courrèges, 1965

Fortalecendo a aparição das minissaias, propôs vestidos com corte estruturado, sem mangas, um palmo acima dos joelho e calças compridas de cintura baixa e estreitas na altura das coxas, que podiam ser cobinadas com túnicas e boleros. Fazendo uma moda simples e prática, Courrèges montou uma imagem juvenil esportiva muito bem recebida pelo público feminino, tornando-se definidora da moda da época, servindo de referência à alta-costura. Boucher coloca que, em um “movimento em total oposição a essa corrente modernista”, Mlle. Chanel volta à criação em 1954, criando posteriormente um novo tailleur Chanel - conjunto de saia e paletó – feito de tweed escocês (imagem 28). O casaco, levemente cinturado e curto, é combinado a uma blusa com o mesmo tecido do forro do casaco, com uma saia mais estreita e larga, para facilitar os movimentos, com o comprimento abaixo do joelho. Torna-se uma peça básica das mulheres dos anos 1960, devido à sua fabricação muito copiada em escala industrial. Um “traje ao abrigo dos caprichos da moda sazonal”42, que confortavelmente convencia as mulheres de que não estaria fora de moda na próxima estação. O movimento hippie foi outro protagonista importante para a década, nascido nos Estados Unidos em 1067. François Boucher os define como “adolescentes pacifistas e amantes da música, revoltados contra a burguesia, que exprimem, por meio da combinação de peças de roupas de todos os periodos e origens, sua rejeição às coerções da vida urbana”.43 Usavam

Imagem 28: Novo tailleur Chanel, 1954

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41 GARCIA, Cláudia. Vida e Carreira de André Courrèges. 42 BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. p.420 43 BOUCHER, François. p.414


vestidos longos com estampas floridas ou indianas e padrões tie-dyes, meias coloridas com desenhos ou rendadas, tricôs, além de combinações de short com casacos e a maxi saia, em contraposição à minisaia. Mantinham forte rejeição aos tabus sexuais, que manifestavam-se, por exemplo, pelo abandono do sutiã por parte das mulheres. Também teve forte ligação com a música, surgindo festivais que reunião muitos adeptos ao movimento, como o Woodstock em 1969 (imagem 29). Para Boucher, a melhor definição deste período seria “tudo é permitido”, tanto no que se refere ao vestuário quanto aos demais comportamentos.44 Conclui-se que o mundo passava por um momento de autocrítica e experimentação. Ao mesmo tempo em que, na arquitetura, buscava-se uma reconstrução dos países afetados pelas guerras e uma busca por arquiteturas diferentes que fugissem do velho mundo, a moda liberava seus usuários para utilizarem o que melhor representasse suas personalidades. Assim, há relação entre os tipos de vestimentas e vários grupos sociais, como os hippies. O Archgram aparece para fazer uma relação inusitada entre essas duas disciplinas, apresentando ao movimento artístico e arquitetônico como a vestimenta é uma forma de habitar.

Imagem 29: Mulheres dançando, Woodstock 1969 44 BOUCHER, François. p.416

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3.2. No Brasil Nesse período, o conflito entre seguir as referências internacionais ou dedicar-se a produção nacional ainda estava em voga. Esse fato fez com que o Brasil se abrisse à necessidade de afirmação de seus valores próprios, mesmo que ainda dialogando com o universo internacional, mas sem se prender a eles. Segundo Yves Bruand, o movimento moderno surge como “resultado da evolução do pensamento de alguns grupos intelectuais brasileiros, especialmente paulistas, evolução essa que criou um mínimo de condições favoráveis, sem as quais as primeiras realizações do gênero não teriam frutificado”45. Bruand explica que os movimentos vanguardistas europeus foram os responsáveis pela dualidade do “modernismo” brasileiro. Rejeitavam os valores do passado na produção artística que vinha sendo feita, mas buscam incluir nestas produções características nacionais. Assim, o modernismo chega ao Brasil através dos manifestos da Semana de Arte Moderna, que serviu para abrir novas perspectivas na “luta contra o marasmo intelectual, contra a aceitação incondicional dos valores estabelecidos”46. Prosseguem criando uma “unidade global que tornava possível falar de um indiscutível estilo brasileiro”47, que não deve ser entendido como algo perfeitamente definido e rotulado, mas possuidores de um principio em comum. A arquitetura contemporânea garante sua originalidade ao manter traços da arquitetura “moderna” com os da tradição local. Maria G. Santos dividiu, de maneira interessante, a produção arquitetônica brasileira entre os anos de 1920 e 1960 em quatro momentos. O primeiro é o da construção, sobre o qual se explica o início da arquitetura moderna no país, tendo raízes na “Escola Carioca”, no pensamento de Lúcio Costa que, na década de vinte, defendia a produção neocolonial; e também com raízes na arquitetura moderna paulista, com a influência de Victor Dubugras. Victor sempre teve a preocupação de reavaliar as técnicas construtivas tradicionais empregadas, de modo a adequá-las às condições locais tanto de clima quanto de mão-de-obra48. 45 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. p.61 46 BRUAND, Yves. p.63 47 BRUAND, Yves. p.119 48 SANTOS, Maria da Graça. Arquitetura Moderna Brasileira, dos pioneiros a Brasília (1925-1960). 2006.

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O segundo conceito é a materialização, tendo como projeto marcante o Ministério da Educação e Saúde (imagem 30), no Rio de Janeiro. A convite de Gustavo Capanema, então Ministro da Educação e Saúde, Le Corbusier vem ao Brasil em 1936 para assessorar um grupo de arquitetos responsáveis pelo projeto do edifício do ministério. Esse foi um importante momento para os jovens brasileiros, tanto pelo aprendizado quanto pela influência de tal visita, sendo um marco na transformação da arquitetura brasileira. Maria G. Santos adota o termo que foi usado por Lúcio Costa, quando se referiu ao MES: “a sua pureza arquitetônica é a expressão materializada do impossível sonho dos anos 1930 e 3149”. O edifício é, então, a materialização da arquitetura moderna brasileira, pois mesclava as influencias de Le Corbusier com a teoria de Lúcio Costa e os talentos reveladores de Niemeyer e Burle Marx. O terceiro conceito é chamado difusão, com exemplos da arquitetura moderna construídos entre 1940 e 1960, cujos projetos em sua maioria são de arquitetos formados no Rio de Janeiro ou em São Paulo. O termo aqui empregado representa as experiências projetuais em diversas capitais brasileiras e que representam os caminhos percorridos pelos pioneiros modernos. É nesse ponto que se abre um leque de arquitetos merecedores do reconhecimento pela forma como interpretavam suas influências locais ou até mesmo internacionais no desenvolvimento de uma arquitetura moderna local. Em meados da década de 1950, percebe-se uma grande tendência a concepções com espirito inventivo libertador, que rompiam com o racionalismo. Oscar Niemeyer passa a liderar essa linha de pensamento, buscando criar embasamento teórico que justificasse sua busca por estruturas que permitissem maior liberdade formal. Construiu diversos excelentes projetos, explorando técnicas e formas cuja originalidade plástica contribuíram para a sua maturidade projetual, como os Palácios do Parque Ibirapuera (imagem 31). Paralelamente, temos os irmãos Roberto, que não ousaram nas pesquisas plásticas tanto quanto Niemeyer, mas também conseguiram fazer criações originais nesse período, procurando sempre novos caminhos propositivos para suas obras. Focando em pesquisas estruturais, experimentaram diferentes soluções, fazendo com que cada projeto tivesse características que os aproximavam a diferentes arquitetos da mesma época. 49 COSTA, Lúcio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes,1995. Apud . SANTOS, Maria da Graça. Arquitetura Moderna Brasileira, dos pioneiros a Brasília (1925-1960)

Imagem 30: Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1947.

Imagem 31: Palácio das Artes, 1954

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Podemos tomar como exemplo a Casa Monteiro Coimbra (imagem 32), no Rio de Janeiro, cuja solução adotada para a laje de cobertura com forma orgânica remete a soluções características das formas livres de Niemeyer. Mas, enquanto a proposta de Niemeyer apresenta a laje sempre plana e com uma brancura brilhante, os Roberto solucionam transformando-a em um jardim suspenso com diferentes inclinações exploradas plasticamente50. Bruand chama a atenção para a falta de homogeneidade presente em uma equipe, justificando as diferentes decisões projetuais tomadas pelo atelier M.M.M Roberto. Segundo o autor, a equipe “passou da força à leveza, de um racionalismo inspirado em Le Corbusier a uma fase claramente clássica e, depois, a um dinamismo formal, sem falar do intervalo onde intervém a inspiração local51”. A unidade presente no estilo do atelier esta nas proporções utilizadas, na utilização de cores nas fachadas e nas soluções das superfícies das fachadas.

Imagem 32: Casa Monteiro Coimbra, Rio de Janeiro, 1952.

Imagem 33: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967

Imagem 34: FAU Usp, São Paulo, 1969.

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Alguns arquitetos seguiram uma linha mais próxima à fonte de inspiração original, como é o caso de Affonso Reidy. Ele via o urbanismo como complemento da arquitetura, propondo edifícios que “pontuam o local por sua implantação e sua plástica, contribuindo para dar a esse sítio seu sentido definitivo, da mesma maneira ou mais do que são definidos por ele52” . Sua arquitetura não é exclusivamente social, tendo feito projetos neste gênero como o Pedregulho, mas também projetando edifícios monumentais, como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (imagem 33). Reidy equilibrava ao máximo as razões funcionais com as razões estéticas, tendo como influencia a arquitetura de Le Corbusier, Niemeyer e Lúcio Costa, quanto a soluções operacionais e estéticas, sem querer competir com a arquitetura destes. Foi fiel ao racionalismo e ao funcionalismo, com características brutalistas de valorização do material em sua forma original. A obra de Vilanova Artigas, posterior a 1945, possui características de um brutalismo que correspondia à sua maturidade e originalidade. Contrário ao que chamava de concepções “burguesas”, presentes no racionalismo da época, Artigas propôs soluções construtivas radicais, que mesmo assim possuem ligações ao brutalismo de Le Corbusier, em seu plano formal. Com forte posicionamento político, o arquiteto tratava sua arquitetura como popular, se preocupando em 50 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. p.151 51 BRUAND, Yves. p.172 52 BRUAND, Yves. p.224


projetar espaços internos unificados e racionais, ciente da importância estética da obra. Utilizava materiais modernos e estrutura independente em concreto armado, jogos de rampas e desníveis, continuidade interior-exterior e transparência. Como exemplo de sua obra, temos a FAU-Usp (imagem 34), projetada em 1961 e concluída no começo de 1969. É um grande paralelepípedo de faces cegas e concreto bruto, apoiado em pilares com formas de trapézio duplo no mesmo material, que contrastam, em proporção, com o grande volume que sustentam. O grande vazio interno vai do subsolo à cobertura, com uma rampa conectando seus pisos. O edifício facilita o contato entre as pessoas, reforçando seu caráter comunitário, provando que o brutalismo apresentado por Artigas possui características próprias do arquiteto.53 Por último, sob o conceito de consagração, Maria da Graça apresenta a criação de Brasília e o Concurso do Plano Diretor, que congrega, segundo ela, ideias sobre arquitetura e urbanismo de forma única, na qual aprofundaremos neste trabalho mais a frente. Em paralelo, temos a moda sendo influenciada e compartilhada pelos filmes, música e revistas produzidas pelos estrangeiros, sendo acessível a poucas mulheres. No Rio de Janeiro, a Casa Canadá era a responsável por disponibilizar cópias de qualidade dessas peças de luxo, com uma grande equipe de costureiras, que “embora não se propusesse a fundar a altacostura nacional, (...) realizou um trabalho importante de moda mais elaborado e pioneiro”, fazendo um estudo sobre as peças, ao invés de copiar por copiar.54 Ainda assim, algumas butiques nacionais compartilhavam os moldes adquiridos de grandes maisons, entre outras butiques nacionais, como foi o caso da própria Casa Canadá junto a Madame Rosita, que, após copiarem os modelos, passavam o molde uma para a outra, uma vez que importá-los de Paris era algo bastante complicado na época. Essa técnica de “copiagem de haute couture” perdurou até o inicio da década de 1960. Se para haute couture a década de 1960 foi, na França, um tempo de absorção de implantação do sistema de licenciamento das marcas – fosse para a roupa pronta ou para outros produtos que as maisons passariam a 53 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. p.301 54 PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.224

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lançar -, no Brasil, ao contrario, foi o tempo em que os costureiros de moda luxo ganharam visibilidade nacional, sustentados principalmente por grandes investimentos em publicidade e no que, posteriormente, chamaríamos de marketing.55

Em 1952, ocorre o Primeiro Desfile de Moda Brasileira (imagem 35), no Museu de Arte de São Paulo (MASP), articulado por Pietro Maria Bardi, junto de sua esposa Lina Bo Bardi, tendo como pano de fundo a valorização dos tecidos feitos com algodão brasileiro, provando ser um tecido mais adaptado ao clima tropical.56 Infelizmente, a moda brasileira apresentada não recebeu a devida aceitação pública, pois as mulheres da época preferiam recorrer às imitações da moda parisiense. Flávio de Carvalho, um dos grandes nomes da geração modernista brasileira, foi mais um dos questionadores do estilo de se vestir do brasileiro. Em 1956, após escrever uma série de artigos com reflexões sobre a história da moda e o significado das roupas, realizou uma performance ironizando a moda Dior, ao qual chamou de new look unissex. Para ele, “a roupa tradicional é uma imposição dos costumes europeus, importados e mal digeridos. Anti-higiênica, porque veda a transpiração”57, sendo os tecidos importados impróprios para o nosso clima. Flávio também defendia a ideia de haver uma moda unissex, que possibilitasse o nivelamento social entre os homens e as mulheres.

Imagem 35: Primeiro Desfile de Moda Brasileira (1952) Da esq. para a dir.: Bardi, Alla, Sophie, Bettina, Sra. Paulo Franco, Lina e Paulo Franco

Desfilou pelas ruas do Centro de São Paulo (imagem 36) um modelo de blusa amarela de náilon, com aberturas nas axilas para ventilar, gola redonda e folgada no pescoço, evitando obstruir a circulação sanguínea, com curto franzido que remetia às vestes renascentistas e mangas largas até o cotovelo; uma saia em brim com pregas largas, acima do joelho, que dava liberdade de movimentos; meias de malha arrastão que protegiam as pernas sem prejudicar a ventilação sandália de couro comum, como as usadas no nordeste. A intensão de Flávio não era ditar a moda, apesar de apontar fatos que posteriormente seriam aderidos, como a utilização de tecidos mais leves e ventilados, que são mais adequados ao nosso clima. Mais do que isso, ele questionou a forma como as pessoas se vestiam e os valores da sociedade brasileira.

Imagem 36: New Look Unissex, Flávio de Carvalho, 1956

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55 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.271 56 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.271 57 PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.221


Mais tarde, em meados de 1960, a Arte Pop chega ao Brasil, mas sem levar em consideração todos os pontos do movimento, focando na forma e técnica de reprodução em série. Mesmo assim, influenciou muito o mundo da moda, com surgimento da moda prêt-a-porter, ou pronto para usar, que tornou o mercado da moda mais democrático, com a roupa sendo produzida em série com expressão de moda58. Por esse motivo, muitos costureiros brasileiros da alta-moda passam a produzir também roupas prontas, em decorrência dos caminhos percorridos pela indústria mundial da moda. Dessa forma, a nova produção de moda “encontra condições favoráveis à sua instalação no Brasil, entre outros fatores, pela popularização das fibras sintéticas e mistas, que ampliam e diversificam a produção de vestuário”59 nacional, e passam a dar maior visibilidade aos estilistas e marcas que produziam roupas prontas, o que para Duran conformava o que “hoje constitui o campo da moda”60 . O aumento do consumo do prêt-a-porter entre 1950 e 1970 fez com que crescesse o número de estabelecimentos industriais voltados à produção de roupas no país. Isso se deu, segundo a análise de Maria Claudia Bonadio, devido às novas camadas médias da população, que passaram a adquirir mais peças de vestuário prontas, na busca por uma estética que as diferenciasse das camadas mais baixas e também das mais altas. Segundo Gilda Chataignier, a mulher brasileira fazia da moda uma espécie de culto, apreciando ficar sempre arrumada, seguindo o comportamento típico da classe média da época. As mulheres que não conseguiam ter acesso ao mundo elitista da alta-costura recorriam a butiques e roupas prontas ou a costureiras caseiras e revistas de moldes de “faça você mesma”, que mais tarde tiveram seus desenhos – croquis – substituídos pelas fotografias dos editoriais de moda. A empresa francesa Rhodiaceta se instala no Brasil no começo do século XX, mas só em meados dos anos 1960, com o inicio da fabricação do nylon no Brasil que a empresa passa a investir fortemente em publicidade e divulgação de suas marcas têxteis, exigindo um rigoroso controle de qualidade de sua matéria prima, autentificando as peças com uma etiqueta de qualidade, na tentativa de impedir falsificações que poderiam estragar a imagem da empresa. Essa preocupação na valorização de seu 58 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.187 59 BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.55 60 DURAN, José Carlos. Moda, luxo e economia. Apud. BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.55

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produto servia de garantia, fazendo com que diferentes revistas como Manchete, O Cruzeiro, Jóia, Claudia, sempre possuíssem anúncios da Rhodia, chegando a quase cinco páginas dedicadas à empresa, que apresentava editoriais como forma de divulgar seus tecidos. Durante essa década, a Rhodia produziu diversas variedades de tecidos de fio e fibras sintéticas ou acrílicas, artificiais, texturizadas, retorcidas ou misturadas a outras fibras também fabricadas pela empresa.61 Como efeito da divulgação, outras marcas, como a Ban-Lon e Helanca, firmaram parcerias com a empresa, fabricando seus produtos com os tecidos Rhodianyl. Entre 1958 e 1970, aconteceu a Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), no Pavilhão do Ibirapuera, organizada pelo empresário Caio de Alcântara Machado. Seu objetivo era fazer uma feira de negócios, não de moda ou confecção. Para ele, a feira representava a independência econômica nacional, dando ao país uma estrutura de nação industrial poderosa, que tinha muita referência ao que Juscelino Kubitschek proferiu em discurso desenvolvimentista, em 1957: “Industrialização: batalha pela sobrevivência da nacionalidade”62. Infelizmente, apesar de toda a inovação tecnológica apresentada na feira e de ter conseguido trazer grandes nomes da alta-costura internacional para o cenário brasileiro, a primeira edição da Fenit não deu certo. Grande parte do público era de classe média baixa e a exposição a tanto luxo os deixou constrangidos. Além disso, as pessoas não acreditavam na produção industrial nacional, ficando perplexos frente aos tecidos de produção nacional que estavam sendo expostos. Bonadio acrescenta que as primeiras exibições focavam apenas nas fibras naturais, não apresentando as fibras sintéticas que já estavam sendo produzidas no Brasil, por considerarem-nas ainda uma “matéria-prima estrangeira”63 . Na edição de 1959, Dener Pamplona, estilista brasileiro pioneiro na moda, apresenta sua coleção Velha São Paulo, com 120 peças. A Rhodia começou a participar em 1960 (imagem 37), o que duplicou o número de visitantes da feira de 30 mil no ano anterior para 60 mil nesse ano. Em 1961, a Rhodia apresentou a coleção Moda Café, trazendo peças criadas por Dener. A feira de negócios estava cada vez mais voltada para a moda; o segmento, que por muitos era considerado fútil, ganhava cada 61 BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.47 62 BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.79 63 BONADIO, Maria Claudia. O Fio Sintético é um show! Moda, politica e publicidade; Rhodia S.A. 1960-1970. Apud. PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.319

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vez mais espaço. Em 1962, na quinta edição da feira, Caio de Alcântara e o Sindicato da Indústria Têxtil decidiram apresentar um desfile da moda italiana com os tecidos brasileiros. Chamaram então nomes como Emilio Pucci, De Baretzen, as irmãs Fontana, Valentino e Ugo Castellana, que inventaram uma coleção com o tecido brasileiro cedido. Essa mesma edição contou com os desfiles de Miss Universo (imagem 38) e das dez primeiras colocadas do concurso Miss Brasil, patrocinado pelo fio Helanca. Devido ao espaço desconfortável que era utilizado e ao público espectador, percebia-se que a Fenit não era o local apropriado para se exibir alta-costura, estando mais próxima à produção da moda em série. Foi a partir da edição de 1963 que o foco passou a ser dado às fibras sintéticas. Caio de Alcântara propõe a Livio Rangan, então gerente de publicidade da Rhodia, que usasse da Fenit para promover ainda mais a empresa. Apresentaram então um espetacular desfile chamado Brazilian Look, “com criações de oito dos principais criadores da alta moda no Brasil: Francisco José, José Nunes, Guilherme Guimarães, José Ronaldo, Dener, Rui Spohr, Marcílio Campos e João Miranda”64 .

Imagem 37: Desfile Fenit, 1960

A revista Manchete (imagem 39) fez uma matéria especial contando sobre o patrocínio feito ao desfile realizado, com foto dos “oito grandes costureiros brasileiros (...) e dois mestres estrangeiros, Frederico Forquet e William Blass, especialmente convidados”, a fim de criar modelos para a coleção, usando tecidos da Seleção Rhodia Têxtil. Após apresentar um resumo da passagem da coleção por várias atrações turísticas da Europa e do Oriente Médio e contar mais detalhes sobre os desfiles, foram expostas 20 páginas contendo fotos coloridas da coleção. Brazilian-Look: MANCHETE liderou o patrocínio de uma das mais fabulosas promoções publicitárias dos últimos tempos. As páginas coloridas que os leitores verão, em seguida, resumem uma fabulosa promoção publicitaria que MANCHETE teve o orgulho de liderar. Poucas vezes a organização de um grande desfile de modas e o preparo de seu anuncio terão reunidos tantos talentos, nos mais diferentes setores. A coleção Brazilian Look, aplaudida 64 BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.85

Imagem 38: Misses Universo, 1962

Imagem 39: Brazilian Look, Manchete, 1963

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na Europa e no Oriente Médio, traz a assinatura dos melhores artistas plásticos e de jóias do país, dos mais famosos costureiros e de noventa industrias nacionais. Êste extraordinário conjunto obedeceu ao comando de MANCHETE, Rhodia, IBC e Panair.

O I Festival Brasileiro de Alta-Costura aconteceu em 1966, com modelos criados por Dener, Guilherme Guimarães, Clodovil e José Nunes. Foi neste ano que a moda jovem, patrocinada pelas revistas Claudia e Manequim, ganhou espaço exclusivo no evento, com desfiles de Mona Grovitz e Moda Jovem Guarda, tendo Erasmo Carlos e Wanderléa como modelos. Na edição de 1967, este seguimento jovem foi apresentado pela coleção de Pierre Cardin, com inspiração futurista e espacial. A última Fenit aberta ao público aconteceu em 1970; depois disso, as feiras se fecharam apenas para convidádos, realizadas no novo grande empreendimento da Alcântara Machado, o Palácio de Exposições do Anhembi, tornando a feira um evento profissional, ou seja, de fato uma feira para negócios. Foi também o último ano de Livio Rangan no comando da publicidade da Rhodia, dando independência à feira e à produção de moda. A importância dada aqui a esses eventos tem como intuito apresentar a mudança na aceitação e no acolhimento não só dos tecidos nacionais, como também das peças criadas por costureiros/estilistas brasileiros. A Fenit foi responsável pela ascensão dos tecidos sintéticos, que passou a dominar 80% do mercado.65 A impressa divulgou bastante o evento, tendo espaço reservado em revistas e jornais da época, tornando a feira uma atração turística e uma ótima opção de lazer na cidade de São Paulo. A Rhodia era o maior destaque das feiras, pois promovia verdadeiros shows performáticos, sendo o grande impulso das Fenits. Livio Rangan promovia excêntricos espetáculos que misturavam moda, arte, teatro e show, com o objetivo de atrair o público feminino ao consumo de seus produtos.66 Luís Prado e João Braga colocam que “acima de tudo, a Fenit marcou transformações importantes no hábito de vestir do brasileiro, com o fortalecimento das confecções e da moda jovem”67. Assim, a moda jovem apresentada na época, também através 65 BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.87 66 BONADIO, Maria Claudia. p.99 67 PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.324

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da Fenit, pregava a liberdade do corpo em um período conhecido pelo conflito de gerações, tendo de um lado os “pais de formação conservadora versus filhos do pós-guerra, rebeldes e liberais”68. A Jovem Guarda (imagem 40) surge tendo como referência o trio Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, que dominavam não só o cenário musical, como também o comportamento e moda jovem da época. A minissaia é implantada no Brasil pelo estilista paulistano Clodovil, que, por um mal entendido com sua contramestra, vestiu Elis Regina com um vestido de linho preto sem mangas, evasê, curtíssimo. Além dela, Wanderléa também se apresentava com as coxas a mostra, sendo conhecida como “moça avançadinha” na época. As moças passaram a vestir também calça cigarrete e blusa Ban-Lon, com cabelos em coque fixado com laquê e franjinha reta.69 Ao mesmo tempo em que a moda se torna mais democrática, começa a surgir uma certa igualdade entre as pessoas com a moda unissex da segunda metade da década de 1960, por influência do movimento hippie, que aqui no Brasil também teve forte ligação com a música pela Tropicália (imagem 41), coletivo formado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, Rita Lee, Nara Leão, entre outros. Algumas revistas, como a O Cruzeiro e Manchete, foram importantes meios de divulgação das criações nacionais. A primeira delas foi responsável pelo Cruzeiro de Moda, que apresentava editoriais de moda profissionais, no nível dos recebidos da moda europeia. Os anúncios publicitários continham imagens que “sugeriam atitudes de ousadia, sensualidade, aventura e modernidade”70, saindo do simples objetivo de vender o produto. Alceu Penna, “o nome mais consagrado da moda no Brasil”71, foi escolhido para coordenar os modelos a serem lançados. O lançamento da Linha Café aconteceu em Paris, capital da moda, em 1961, contendo modelos que iam de maiôs a vestidos de gala, todos com estampas e cores que referenciavam o café, desenhadas por artistas plásticos da época, como Aldemr Martins, Alfredo Volpi, Darcy Penteado e Heitor dos Prazeres. As roupas foram criadas por Dener Pamplona, Alceu Penna, Casa Vogue, dentre outros poucos criadores disponíveis na época. O papel de Alceu como 68 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.272 69 PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.275 70 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.330 71 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.330

Imagem 40: Jovem Guarda: Erasmo Carlos, Wanderléa e Roberto Carlos

Imagem 41: Tropicália: Jorge Bem, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes e Gal Costa

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orientador de moda foi muito importante para este processo de criação de uma moda brasileira, dando fim às copias adaptadas da Europa e Estados Unidos. A verdade é que a Linha Café passou despercebida para o restante do mundo, sendo acompanhada apenas pelo país. Das duas demais realizações da Cruzeiro de Moda se tem poucas informações, mas, por certo, não diferindo muito da primeira. Zuzu Angel foi uma importante designer brasileira, com reconhecimento internacional, que surgiu na década de 1960. Se intitulava “a moda brasileira”72 e, de fato, ficou conhecida pela sua moda com características brasileiras, sendo uma mistura entre a moda pronta e a sob medida. Começou costurando suas próprias roupas e as dos filhos. Em 1956, entrou para a Obra das Pioneiras Sociais, liderada pela então primeira-dama, Sarah Kubitschek, cuja obra era, entre outras, produzir uniformes para crianças carentes. Assim, ao mesmo tempo em que Zuzu produzia os uniformes, ia fazendo contatos com as senhoras da sociedade carioca, passando a costurar para fora em 1957. Fazia principalmente saias godês enfeitadas, muito usadas pelas senhoras da obra beneficente. Posteriormente, começou a produzir blusas de diferentes modelos. Em 1966 participou do 2º Salão de Moda da Feira Brasileira do Atlântico, chamando a atenção dos principais meios de divulgação de informações referentes à moda na época. Como mulher, Zuzu se identificava com o movimento feminista e se dedicou a fazer uma coleção referenciando a libertação das mulheres, com tecidos leves, barriga de fora e saias amplas e com estampas tropicais, compatível com o “espirito jovem da mulher brasileira”73. Em 1969, ela começou a levar sua moda com identidade brasileira aos Estados Unidos, onde posteriormente abriu um escritório e lojas de roupas (imagem 42). Mesmo com o consumo de roupas prontas se tornando um costume na década de 1960, criando novos hábitos de consumo de produtos industrializados e sofisticados pela população, os brasileiros só deixaram de obter suas roupas diretamente com costureiros, para compra-las prontas, a partir da década de 1980.74 Nesta década, a chegada dos shopping centers fez com que o mercado sofresse novas transformações 72 PRADO, Luís André. BRAGA, João. História da Moda no Brasil – das influencias às autoreferências. p.356 73 PRADO, Luís André. BRAGA, João. p.360 74 ABREU, Alice R. de Paiva. O avesso da moda. Trabalho a domicilio na indústria da confecção. Apud. BONADIO, Maria Claudia. Moda e publicidade no Brasil nos anos 1960. p.55

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não alcançadas por parte das butiques existentes na época. Percebe-se que havia no Brasil, nessa década de 1960, uma forte preocupação com a produção original e com a identidade nacional, tanto na arquitetura quanto na moda. Para isso, os arquitetos buscam experimentações formais, exigindo o uso de novos materiais e técnicas construtivas, projetando edifícios que recorrem, muitas vezes, à memória da arquitetura colonial e neocolonial. A ruptura da estética antiga e a busca de formas mais simples e limpas se torna fundamental para marcar um novo tempo. Os estilistas começam a aparecer pela primeira vez no Brasil, costureiros que começam a se dedicar cada vez mais ao design de vestimentas inspiradas em uma cultura brasileira. Fazem uso de tecidos naturais e fibras artificiais produzidos no país, que, em alguns momentos, possuíam estampas que fazendo alusão à natureza do Brasil. Mesmo assim, ainda existia uma forte influencia do exterior, principalmente relacionado à forma das peças. A grande diferença é que essa forma era minimamente alterada por causa dos materiais únicos e originais utilizados e produzidos no país.

Imagem 42: Coleção de Zuzu Angel, 1969

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3. Urbanismo, arquitetura e arte em Brasília Brasília nasce como um sonho. Uma das maiores e mais ambiciosas realizações do urbanismo moderno e racionalista. Um marco no processo desenvolvimentista que inseria o país no mundo moderno. Juscelino Kubitschek, após assumir a presidência do Brasil, adota a responsabilidade de concretizar a antiga ideia da transferência da capital para o interior do país. Os projetos enviados ao concurso para a Capital Federal expressavam o pensamento moderno urbanístico existente ainda no final da década de 50. Possuíam grandes referências ao que vinha sendo feito internacionalmente, mas com uma reflexão nacional, contando com a participação de grandes arquitetos da época, como M.M. Roberto, Rino Levi e Vilanova Artigas Em meio a várias propostas autenticas e criativas, advindas do concurso de projeto para o Plano Piloto, Brasília foi “inventada”75 por Lúcio Costa em 1956 (imagem 43). O arquiteto e urbanista justificou seu simples desenho urbano como sendo “um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial”76. Operando com diversas referências da história das cidades, o arquiteto e urbanista utilizou-se de princípios e ideais arquitetônicos e urbanísticos modernistas, como a setorização do tecido urbano e a técnica rodoviária, para projetar Brasília. Com o projeto dessa cidade horizontalizada, Lúcio se tornou uma figura importante para a estruturação do movimento moderno no Brasil. A setorização dos usos é entendida a partir das definições das quatro escalas criadas por Lúcio Costa: a escala monumental dedica-se exclusivamente aos importantes edifícios públicos da República, cujo caráter monumental não diz respeito à grandiosidade dos mesmos, mas sim ao significado de memória e simbologia ali existentes, tornando-os os verdadeiros símbolos de representação da capital; as unidades de vizinhança dão forma à malha urbana da escala residencial, com edifícios sobre pilotis em meio a grandes áreas verdes, “cujo objetivo [...] é dar ao morador e aqueles que ali transitam, uma sensação de liberdade”77; os setores comerciais, bancários, 75 COSTA, Lúcio. “Brasília, a cidade que inventei”. 76 COSTA, Lúcio. Relatório do Plano Piloto. 77 IPHAN, Piloto 50 anos: cartilha de preservação de Brasília. 2007. p.13

Imagem 43: Croqui do Plano Piloto

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hoteleiros e a rodoviária se encontram na escala gregária, destinada ao trabalho e ao lazer dos moradores; e a escala bucólica, que preenche os espaços não ocupados com áreas livres verdes arborizadas, seguindo os aspectos da cidadejardim. Assim, as quatro escalas funcionam como diretrizes para a apropriação dos espaços da cidade, a fim de que não ocorressem de forma aleatória no futuro. O mesmo vale ao responsável pelos principais edifícios construídos em Brasília: Oscar Niemeyer. A arquitetura de Oscar era explicada por ele de forma sintética: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual. A curva que encontro no curso sinuoso dos nossos rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida.” Por toda cidade, era vista a tal curva dentre todos os detalhes de sua arquitetura, que explora as potencialidades da estrutura de concreto, através da expressão plástica refinada.78 Ao projetar os edifícios para a capital, Niemeyer buscou inspiração na arquitetura residencial do interior como uma relação à cultura popular brasileira. Seus volumes possuem proporções harmônicas e são responsáveis por dar identidade e personalidade à cidade. Assim, pensar em Brasília é pensar em arquitetura. Pensar em Brasília é pensar na cidade que foi erguida num território vazio e que se definiu como imagem, como lugar e como símbolo através da arquitetura.79

Bruand divide as obras em três categorias: “os palácios de pórticos, os edifícios compostos por jogos de volume simples e os edifícios religiosos de planta centrada”80. Para o autor, desses três grupos, o mais inesperado, mas também o mais clássico, foi o primeiro. Oscar propõe, a partir da inspiração de templo gregos, com adequada monumentalidade, os palácios de Brasília. O Palácio da Alvorada (imagem 44) foi projetado entre 1956 e 1957. Foi o primeiro edifício a ser construído em Brasília, sendo finalizado no final de 1958. A ideia era, com a estrutura, dar

78 Lúcio Costa (1962) sobre a arquitetura de Oscar Niemeyer 79 ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Arquiteturas de Brasília. 2012. p. 21 80 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva. 2002. p.183

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leveza e dignidade ao palácio nobre e monumental.81 Essa prédio é uma caixa de vidro fixada entre duas lajes sustentadas por uma colunata, cujo desenho formal é responsável pelas qualidades plásticas do edifício; cuja sua proporção e a sua escala harmonizam todo o conjunto da obra. A forma deu origem às funções, depois de já ter sido resolvida suas qualidades plásticas e significados psicológicos. Para Bruand, pode-se deduzir que tenha sido essa obra a ruptura entre os princípios racionalistas que serviram de ponto de partida para a renovação da arquitetura do século XXI.82 Oscar deu bastante atenção à escolha dos materiais, não deixando nada ao acaso. No interior, a decoração e as cores utilizadas buscam contrastar com o exterior claro e puro. O elegante palácio gerou grande repercussão na imprensa nacional e internacional, entusiasmada pelo prestigio dado a Brasília. O desenho da colunata teve tanto sucesso que se tornou símbolo da nova capital, um dos monumentos mais significativos da época. Bruand conclui que a arquitetura de Niemeyer para Brasília é mais sóbria e concisa quando comparado às obras anteriores. As soluções geométricas, compactas e puras esta em unidade ao conjunto urbanístico. Montaner coloca a sede do Governo de Brasília como exemplo da experimentação das novas possibilidades formais da época, com edifícios escultóricos e minimalistas. Cita o Congresso Nacional (imagem 45) como exemplo de edifício-plataforma, que busca uma nova monumentalidade, com duas torres idênticas e dois volumes complementares: a cúpula da Câmara do Senado e a cúpula invertida da Câmara dos Deputados.83 Brasília, durante a década de 1960, ainda não era um local com grande disseminação de cultura artística, só alcançando grande destaque na década seguinte. Mas uma arte que começava a aparecer junto aos prédios da capital se tornaria um símbolo muito forte da cidade: os diversos painéis de Athos Bucão nos edifícios de Niemeyer e companhia de outros arquitetos.

Imagem 44: Palácio da Alvorada

Em Brasília, Athos Bucão encontrou uma forma de fazer algo original e que complementava a construção da cidade. Toda arte que fazia era relacionada ao edifício em que se localizava, procurando na arquitetura a inspiração para suas obras e sempre priorizando a geometrização.

81 BRUAND, Yves. p.185 82 BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva. 2002. p.187 83 MONTANER, Josep Maria. Depois do movimento moderno – arquitetura da segunda metade do século XX. p. 40

Imagem 45: Congresso Nacional

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Ao longo de sua carreira artística, Athos mergulhou, de corpo e alma, no mais profundo sentido da experimentação, invenção e liberdade de criação. Um artista inventivo e liberto, Athos sempre procurou explorar e experimentar as possibilidades plásticas das formas e das cores e as características intrínsecas dos materiais. Se, em seu conjunto, existe uma identidade entre as diferentes obras, cada uma é singular em si mesma, demonstrando, ao mesmo tempo, a riqueza e a diversidade da obra de Athos e o seu compromisso com a linguagem de seu tempo.84

Seu primeiro trabalho na nova capital foi na “igrejinha” (imagem 46) em 1957, sendo seu único painel figurativo em Brasília. Depois, durante a década de 1960, produziu painéis para o Palácio da Alvorada e sua capela, para o Brasília Palace Hotel e produziu também os grandes painéis do Congresso Nacional. Iniciou ainda vários trabalhos de azulejos para as escolas classes e jardins de infância nas superquadras. Em 1966, fez a famosa fachada do Teatro Nacional (imagem 47) sendo o maior painel artístico da América Latina. A fachada possui cinco padrões de peças, obtidos a partir de um malha de 30x30 cm. Tais peças totalizam três mil trezentas e noventa e uma.85 Por sua localização e suas dimensões, essa é, das obras de Athos, aquela que mais se oferece aos espectadores, cumprindo um dos princípios do neoconcretismo, movimento iniciado no Rio de Janeiro a partir do Manifesto Neoconcreto de 1959, que, segundo Brito, “surge da necessidade de alguns artistas de remobilizar as linguagens geométricas no sentido de um envolvimento mais efetivo e ‘completo’ com o sujeito”86. Imagem 46: Ajulejos Athos Bucão

Imagem 47: Teatro Nacional

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A obra tornou-se não somente uma linguagem do cotidiano da cidade, como adquiriu o status de um ícone, talvez o mais importante representante das artes plásticas em Brasília, sem assim desmerecer a qualidade dos demais. Além de ser uma parte inseparável do Teatro Cláudio Santoro, ela é lúdica, é popular e dá pra brincar. Evocando Le Corbusier, “a arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes reunidos sob a luz”87. 84 IPHAN-DF 85 IPHAN-DF 86 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vétice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. 1999. 87 FARIAS. Apud. FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO. Athos Bulcão. São Paulo: Fundação Athos


No fim da década de 1960, Athos dá o toque final ao Palácio do Itamaraty com suas obras. Seus numerosos trabalhos artísticos marcaram definitivamente a paisagem urbana e os ambientes arquitetônicos da moderna capital do Brasil.88 Continuaram evoluindo durante as décadas seguintes, se tornando um símbolo artístico da capital e um exemplo de como a arte pode se integrar à arquitetura de diversas formas. (...) suas obras são todas fortemente integradas e ancoradas na própria arquitetura que seria impossível imaginá-las dissociadas de seus respectivos edifícios ou vice-versa. Como pensar, por exemplo, o Teatro Nacional, em Brasília, projetado por Oscar Niemeyer, sem os relevos que revestem as duas empenas do edifício, ou o espaço magnífico do salão do Itamaraty, também do Oscar, sem suas treliças coloridas? 89

A capital desenhada foi inaugurada em 1960 (imagem 48) com uma grande festa que reuniu pessoas do país e do mundo. Todos curiosos para ver a cidade modernista, onde Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, em meio a harmoniosos traços, foram responsáveis por dar identidade a nova Capital Federal. Brasília se torna esse símbolo da cidade moderna no mundo. A nova capital do Brasil em 1984 é a mais nova cidade do mundo a se tornar patrimônio mundial pela UNESCO. Não só pela sua qualidade estética avaliada pelos críticos, mas por sua importância enquanto afirmação de um pensamento de uma época. Lúcio Costa consegue com maestria se apropriar das ideias Le Corbusianas do Urbanismo, aplicando-as ao Plano Piloto. Niemeyer traz para a escala arquitetônica da cidade as formas que só o uso do concreto armado permite, quebrando os preceitos brasileiros de arquitetura, gerando curiosidade e interesse popular sobre a arquitetura até então campo específico de estudo da massa intelectual. O uso do branco em seus edifícios contrasta com o azul do céu de Brasília, elemento natural tão preservado na cidade. As cores acrescentadas pela arte de Athos Bucão se somam a tudo isto, criando obras originais, que se tornaram elementos simbólicos dos brasilienses. Bulcão, 2001. 88 IPHAN-DF 89 FARIAS. Apud. FUNDAÇÃO ATHOS BULCÃO. Athos Bulcão. São Paulo: Fundação Athos Bulcão, 2001.

Imagem 48: 21 de abril de 1960 - Inauguração de Brasília

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4.1. Moda em Brasília A moda deste período varava o discurso arquitetônico do modernismo, sob influência da nova capital. Juscelino Kubitschek incluiu o desenvolvimento da indústria têxtil em seu plano desenvolvimentista. Os “anos dourados” ditavam um novo estilo de vida que, influenciados pela mídia e pela indústria cultural, buscavam uma identidade na produção da moda nacional. Muitos deixaram suas cidades para trás e vieram trabalhar na construção da nova capital. Homens e mulheres recomeçaram a vida praticamente do zero, em uma cidade que ainda estava distante da realidade. Não havia parâmetros e não se controlavam os comportamentos das pessoas. As trocas solidárias entre todos favoreciam suas relações sociais e os encorajava a acreditar no futuro que parecia aguardá-los.90

Imagem 49: Mulheres rumo a Brasília

Para muitos candangos, Brasília, a cidade de terra vermelha, tinha cheiro de liberdade. Cada um chegava trazendo história, inspirações e referências. Cada um traziam os traços de suas culturas que, harmoniosamente, se adaptavam e se encaixavam na nova capital ao longo do tempo. Para as mulheres, mais especificamente, Brasília tinha uma importância diferente: representava a quebra de paradigmas, a conquista da independência econômica e social e o rompimento dos valores patriarcais, pois as oportunidades de emprego as colocavam no mesmo patamar dos homens, que demonstravam certo respeito e gratidão às corajosas candangas.91

Possuíam papel importante para o funcionamento da cidade, enquanto grande parte dos homens estava nas obras. Chegavam a trabalhar 24h por dia, em serviços que, apesar de serem aparentemente secundários, eram prioritários. Eram professoras, médicas, enfermeiras, cozinheiras, lavadeiras, desenhistas, donas de casa, companheiras.

Imagem 50: Candangas no Núcleo Banderante

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90 FONTENELE, Tânia, OLIVEIRA, Mônica. Poeira e Batom no Planalto Central – 50 mulheres na construção de Brasília. 2010. 91 FONTENELE, Tânia, OLIVEIRA, Mônica. Poeira e Batom no Planalto Central – 50 mulheres na construção de Brasília. 2010.


As vestes que eram apresentadas nas fotografias da Simca em muito assemelhava ao que já era usado pelas mulheres que aqui viviam, em contra partida, os editoriais apresentados pela Rhodia buscavam criar figurinos que ditassem um novo estilo de vida não muito comum a Brasília da década de 1960. Conseguir informações sobre o comércio e as vestes das mulheres que moravam em Brasília na década de 1960 não foi fácil. Para ser possível compreender melhor como era a moda em Brasília nessa época, foi necessário recorrer a quatro senhoras que vivem aqui desde os primeiros anos da nova capital: Alice Andrade Maciel era enfermeira e veio para Brasília em 1958; Diva de Aguiar Resende era costureira e veio em 1956; Joseny Azeredo de Lima, dona de casa, chegou em 1959; e Lia Sayão de Sá, na época, ainda estudante e posteriormente funcionária pública, chegou em 1956. As entrevistas foram feitas, em sua maioria, por telefone, no período do dia 10 a 16 de novembro de 2016. Essas senhoras contaram não só quem fazia ou onde compravam suas roupas, como qual era a relação delas com a moda na época, como elas percebiam a moda de Brasília, quais eram suas referências de moda, se tinham acesso a revistas e quais eram, para o que se arrumavam, o que se lembram de usar na época, entre outros assuntos que surgiram de forma espontânea empolgada pelas saudosas candangas. Por ocuparem diferentes níveis sociais, a preocupação com a moda possuía suas divergências. Lia Sayão lembrou que algumas mulheres vieram acompanhando seus maridos, então deputados, senadores, engenheiros, que as colocavam em contato com pessoas importantes em diversas cerimônias. Isso exigia vestuário adequado e de alto nível, com acessórios e maquiagem.

Imagem 51: Joseny Azevedo com saia com colunata do Palácio da Alvorada

Imagem 52: Senhoras caminhando na cidade e a saia da colunata do Palácio da Alvorada

Essas chegavam a encomendar seus figurinos com costureiros como Guilherme Guimarães e Dener Pamplona, como era o caso de Alice Andrade, que para a festa de inauguração de Brasília usou um vestido longo roxo, criação de Dener. Alice contou que ia muito ao Rio de Janeiro fazer suas roupas com costureiros da família, mas que, em Brasília, encomendava suas roupas sempre com o mesmo costureiro. Outras mulheres dificilmente saíam dos acampamentos em que viviam, tendo como entretenimento a rua movimentada e pequenos comércios locais, além dos passeios ao Núcleo Bandeirante (imagem 50) aos domingos, levadas junto às suas famílias, em caminhões basculantes, como lembrou Joseny Azeredo.

Imagem 53: Mulheres na W3

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Brasília, nesta época, não possuía muito comércio, principalmente de roupas. Mesmo porque, em meados da década de 1960, não era muito comum lojas vendendo roupas prontas, mas sim tecidos, como era o caso das Casas Pernambucanas, que chegaram a vender uma coleção de tecidos estampados com a colunata do Palácio da Alvorada, da marca de tecido Lolita. Joseny contou ter comprado tecido com fundo vermelho e desenho da colunata em branco, com o qual fez sua própria saia godê abaixo do joelho, (imagem 51), mas que haviam outras cores do mesmo tecido; outras senhoras também fizeram saias e vestidos usando o tecido (imagem 52). Imagem 54: Comemorações do Dia do Soldado

Imagem 55: Dona Sarah no baile inaugural

As primeiras lojas de roupas existentes eram pequenas e se encontravam principalmente no Núcleo Bandeirante. Posteriormente, foram surgindo lojinhas e até mesmo butiques na W3 (imagem 53) e nos comércios das Asas Sul e Norte, que importavam roupas de outras cidades do país. Como exemplos, Lia citou as lojas de departamento Bi-Ba-Bô e sua concorrente, Fofi Magazine. Já em meados da década de 1970, surgiu a Magrella, butique multimarcas de Cleuza Ferreira, responsável por trazer a Brasília roupas de grandes nomes da moda nacional e internacional; que está em pleno funcionamento até os dias de hoje e foi lembrada por Lia, Alice e Joseny. É importante pontuar que o clima de Brasília era bastante diferente do que é atualmente. Era ameno, característico do tropical de altitude, com temperaturas mais altas durante o dia, mas que chegavam a ficar abaixo de 20° a noite. Lia Sayão comentou que, provavelmente devido as grandes áreas vazias e poucas vias asfaltadas, as temperaturas atingiam máximas e mínimas que se aproximavam aos climas de Belo Horizonte e São Paulo. Lembrou-se de já ter sentido 0°C quando jovem, morando próximo ao Lago. Por isso, era também comum as mulheres deixassem para comprar seus tecidos e roupas quando viajavam para passar um tempo em suas cidades natal, como as que moravam no Rio de Janeiro, São Paulo ou Porto Alegre, por já conhecerem os tecidos e costureiros a mais tempo. Segundo Diva de Aguiar, naquela época, as mulheres compravam tecidos e escolhiam seus modelos em revistas de corte e costura ou em revistas com espaços destinado a moda, como O Cruzeiro e Manchete. Algumas sabiam costuravam suas próprias roupas, enquanto outras recorriam a costureiras de confiança.

Imagem 56: Campanha SIMCA, 1960

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Diva contou que, no dia-a-dia, era comum o uso de calças, principalmente jeans, tanto pela praticidade, quanto pelo conforto de se andar numa cidade com tantos homens; como


assim também comentou Alice. Diva se lembra de ter feito conjuntinhos de blazer curto e saia, os chamados tailleur (imagem 54), e também fazia muitas calças e paletós mais compridos. Os vestidos eram sempre cinturados e abaixo do joelho, com saia godê e godê duplo, ficando mais armadas. As primeiras minissaias só foram aparecer em meados da década seguinte. Dona Sarah Kubitschek era uma das referencias de moda das mulheres da época. Possuía um estilo clássico, discreto e elegante, muito adorado e comentado pelas moças, que admiravam e se inspiravam nas roupas usadas pela primeiradama. Entre suas peças de roupa, encontramos criações de grandes nomes da moda nacional da época: Guilherme Guimarães, Dener, Zuzu Angel, e Mena Fiala, diretora da Casa Canadá, que foi a responsável pelo belíssimo bordado que enfeitou Sarah (imagem 55) na cerimônia de posse do marido no Palácio do Itamaraty, no dia em que se tornou primeiradama no Rio de Janeiro. Sem contar os autênticos Balenciaga, Givenchy e Dior, que ela trazia para estudar e tirar molde para outros figurinos. Naquela época, a construtora de automóveis Simca lançou diversas fotografias publicitárias de mulheres em frente a seus carros (imagens 56 e 57), com obras de Oscar Niemeyer ao fundo e frases remetendo à moderna paisagem brasileira. Além desses, a equipe de publicidade da Rhodia, que lançava editoriais de moda com características nacionais, também chegou a utilizar Brasília como cenário e inspiração para a criação de suas imagens (imagem 58).

Imagem 57: Campanha SIMCA, 1960

É interessante perceber que as vestes que eram apresentadas nas fotografias da Simca em muito assemelhava ao que já era usado pelas mulheres que aqui viviam, em contra partida, os editoriais apresentados pela Rhodia buscavam criar figurinos que ditassem um novo estilo de vida não muito comum a Brasília da década de 1960.

Imagem 58: Publicidade Rhodia – Revista Manchete, 1963

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5. Análise da relação entre moda e arquitetura em Brasília na década de 1960 Para facilitar a análise das fotografias coletadas para este ensaio, foram criados grupos que agrupam-nas de maneira mais geral. Partiu-se de uma reflexão sobre a importância da fotografia para a década de 1960, tendo a máquina fotográfica como artefato ainda não popular, exigindo um profissional qualificado - o fotografo - para registros de fotografias jornalísticas, fotografias para editorial e até mesmo fotografias pessoais. Estas possuiem diferente grau de preparação não só do fotografo, como das pessoas e da escolha do cenário. Optou-se por apresentá-las em ordem de proximidade com a realidade, sendo o primeiro grupo de fotos referenciando Brasília, o segundo com fotos de editoriais usando Brasília como plano de fundo, seguido pelas fotografias posadas e finalizando com o grupo de fotografias espontâneas.

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Grupo 01: Fotos referenciando Brasília As fotografias deste grupo possuem como característica principal a preocupação em divulgar o andamento dos primeiros anos da nova capital, registrando sua arquitetura moderna de ângulos que buscam reforçar seu caráter monumental. Retratavam o dia-a-dia dos candangos e pioneiros, capturando, em alguns momentos com maior dramaticidade, o início de uma nova sociedade, colocando esta no primeiro plano da foto. Usando como exemplo de análise a foto de Thomas Farkas (imagem 59), registrada no dia da inauguração de Brasília. Vê-se candangos e pioneiros passeando sobre a plataforma do Congresso Nacional. O ângulo da foto muda a percepção da escala do edifício, fazendo transparecer o caráter democrático da arquitetura de Niemeyer para a nova capital, permitindo esse tipo de ocupação por parte de seus moradores e visitantes. Um interessante contraste é perceptível entre o edifíco e seus ocupantes. A arquitetura expressa plasticamente um tempo diferente ao das vestes das pessoas. Elas, em especial as mulheres, usam roupas muito parecidas, formalmente, às que já vinham sendo usadas desde a década passada: saias godê abaixo do joelho, cinturas marcadas, blusas com gola transpassada e botões do tipo camisa (imagens 60, 61 e 62). Usavam muitas cores sólidas e, neste caso, escuras, sendo vistos alguns poucos usos de estampas em saias e vestidos. Em algumas fotos, percebemos quem são os visitantes da cidade, devido ao requinte de suas vestes, e o aparecimento das primeiras calças femininas (imagem 63).

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Imagem 59: 21 de abril de 1960 – Candangos no Congresso Nacional - Thomas Farkas

Imagem 60: Eixo rodoviário Sul 1960)

Imagem 61: Imigrantes em Brasília (1960)

Imagem 62: Dia da Inauguração (1960)

Imagem 63: Revista Manchete

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Grupo 02: Fotos editoriais em Brasília Como já foi dito, muitas campanhas publicitárias e editoriais de moda para revistas usaram Brasília como cenário, exaltando um novo estilo de vida, influenciador e símbolo de um novo momento da história do país e do mundo. Nessas oportunidades, a fotografia não se preocupava em mostrar o edifício por inteiro, deixando sua identificação à mercê do simbolismo existente por detrás de seus elementos formais. A preocupação com a escala real é maior, uma vez que a intensão da fotografia era fazer com que as mulheres se enxergassem no lugar das modelos. Na campanha da Simca (imagem 64), a arquitetura inovadora e futurista é associada aos automóveis modernos e também inovadores. A praticidade oferecida pelos carros é também vista na postura e nas vestes usadas pelas modelos. O uso da calça comprida na altura do tornozelo, combinada com a blusas, apresentando botões frontais e modelagem mais solta na cintura, mostra o que há de novo sendo feito na moda feminina nacional, como resposta à busca por roupas que permitissem maior conforto e movimentação ao dia-a-dia das mulheres. Em outras fotos dessa mesma campanha (imagens 65 e 66), as saias aparecem ainda abaixo do joelho, mas um pouco mais curtas, com pregas que dão maior sensação de movimento e leveza, apresentando maior frescor do que as que vemos terem sido usadas pelas mulheres das fotos do grupo anterior. Em outros casos (imagens 67 e 68), percebemos Brasília como plano de fundo para uma moda elegante e feminina, ligada à alta-costura da época, com vestidos estruturados em tecidos mais grossos, combinados com sapatos de salto pequeno, mas que, na realidade da época, já causavam certa dificuldade ao se andar pela cidade.

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Imagem 65: Campanha Simca

Imagem 64: Campanha Simca (1960)

Imagem 66: Campanha Simca

Imagem 68: Gunel Person, BrasÍlia (1964)

Imagem 67: Moda em Brasília

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Grupo 03: Fotos posadas Como a máquina fotográfica ainda não era um equipamento popular, as fotos posadas possuíam um caráter especial, merecedor de uma preparação prévia. Não apenas as roupas usadas para se apresentar eram escolhidas com cuidado, como também era o cenário da imagem capturada para o futuro. Assim, as imagens posadas retratam uma realidade que, de certa forma, era manipulada para representar um momento e lugar importantes. Na fotografia acima, na rampa de entrada da escola Julia Kubitschek (imagem 69), vemos trezes professoras vestidas com roupas características para um passeio por Brasília. Isto porque, olhando o cenário ainda com obra, percebemos que as mulheres estão mais arrumadas do que estariam normalmente. Vê-se saias cinturadas com pregas e blusas com gola transpassada, vestidos cinturados do mesmo comprimento das saias, com estampas pequenas, e algumas usam calça, que possibilita o uso de blusas mais soltas. Todas com sapatilhas sem salto e apenas uma usa sandália aberta nos dedos. É possível perceber tais características em outras fotografias (imagens 79, 71 e 73), com as mulheres usando saias na mesma altura, com cores sólidas ou estampas que se assemelham quanto a escala dos desenhos. Também vemos o uso da calça jeans (imagem 72) aparecendo nessa década.

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Imagem 69: Escola Julia Kubitschek (1960)

Imagem 70: Visitantes (1960)

Imagem 71: Transeuntes de bicicleta no Eixo Monumental

Imagem 72: Visitante (1960)

Imagem 73: Inauguração de Brasília (1960)

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Grupo 04: Fotos espontâneas As fotos espontâneas são as que melhor representam a realidade do momento, pois apresentam melhor a autenticidade das pessoas durante o registro da imagem. Normalmente, essas pessoas nem apresentam reação ou percebem o fotografo. Nas fotografias coletadas neste ensaio, percebemos que há a intensão de apresentar o cotidiano da cidade e os afazeres populares, muito mais do que nas categorias anteriores. Brasília é representada como cidade comum, que possui datas comemorativas, mas também possui momentos de encontro e socialização entre seus moradores. O Núcleo Bandeirante (imagem 74) foi, por muito tempo, um centro comercial da nova capital. Assim, a partir das placas que anunciam as lojas, entendemos o porque da movimentação da rua. O trânsito das pessoas e o ângulo da câmera nos transporta para o momento da fotografia, nos permitindo imaginar os seus sons e cheiros. Percebemos a arquitetura em madeira como algo provisório. A falta de saneamento básico e a via ainda sem asfalto fazem com que a cidade pareça estar ainda no caos de uma construção. Há três mulheres usando vestidos soltos e casacos de tecidos finos. Outras duas usam calças na altura do tornozelo, bem soltinhas e confortáveis, com tecido mais grosso, e blusas também mais largas em cores claras. Em outras fotografias (imagens 75, 76 e 77) é possível perceber que, mesmo sendo de diferentes classes sociais, as mulheres seguiam a moda da época, adaptando-a a materiais que estavam a seu alcance, fossem estes tecidos mais simples e baratos ou no simples fato de não serem estas vestes ricas em detalhes. Já na segunda metade da década as saias encurtam no tamanho, surgindo as minissaias (imagem 78).

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Imagem 74: NĂşcleo Bandeirante (1959)

Imagem 75: Trabalhadoras

Imagem 77: Congresso Internacional de CrĂ­ticos de Arte

Imagem 76: Visitante (1960)

Imagem 78: Transporte

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| Considerações finais A década de 1960 ficou marcada pelas renovações da cultura, das ideologias e dos sistemas políticos, provavelmente, em todos os países. O entusiasmo e as revoluções fizeram com que essa época tivesse um ar de esperança e de renovação em todo o mundo. As experimentações surgiram com o objetivo de procurar esses novos ares. Brasília nasceu no meio desse tempo conturbado. Uma cidade que chega para mostrar como pode ser esse futuro porvir, servindo como referencial para outras cidades, marcando uma vanguarda no urbanismo. Já sua arquitetura busca um objetivo semelhante, fugindo dos preceitos coloniais criados no país e almejando uma nova face para a arquitetura brasileira; única e, ao mesmo tempo, replicável. A moda da mesma época seguia tendências semelhantes, permitia e queria as experimentações com o intuito de evoluir. Por mais que a moda brasileira estivesse totalmente influenciada pela europeia, a criatividade dos estilistas amadores fez com que os tecidos e os materiais existentes em território brasileiro virassem protagonistas nessa área, surgindo assim as primeiras peças de vestuário da moda brasileira. Essas duas disciplinas geralmente são estudadas independentemente uma da outra, porém as relações aqui encontradas foram o grande objetivo deste ensaio. Vimos no Archgram um principio de estudo da vestimenta como habitat; essa situação curiosa é um dos fatos que nos faz indagar como uma disciplina pode influenciar a outra. As fotografias de Brasília na década de 1960, coletadas durante todo o estudo, acrescentadas às informações adquiridas através das conversas tidas com as quatro senhoras que viveram em Brasília, desde a época de sua construção até os dias de hoje, nos permite concluir que Brasília possui uma rica carga teórica e plástica, que serve de inspiração e referência a diversas áreas criativas nacionais e internacionais. Porém, toda a divulgação e publicidade feita em cima de seus símbolos e sua identidade arquitetônica na época foram importantes para disseminar os princípios que nortearam os projetos da nova capital modernista, promovendo ainda mais os nomes de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Ao povo que aqui vivia e acompanhava os primeiros anos da nova cidade, essas importantes características pouco influenciavam em um primeiro momento, visto que, neste quesito criativo, pouco era produzido em Brasília. Havia muitas costureiras e costureiros encarregados de produzir as vestes das mulheres candangas e pioneiras. Mesmo assim, elas estavam mais interessadas em conseguir cópias 67


das vestes apresentadas nas revistas e jornais, fossem essas cópias de roupas produzidas no país ou fora dele. A praticidade, que surgiu posteriormente, de se adquirir roupas prontas, também não ajudava a incentivar a produção local de roupas apropriadas e inspiradas na cidade. As mulheres recorriam, muitas vezes, a encomendar suas roupas de costureiros de suas cidades-natal, por já serem conhecidos e de confiança. Mas Brasília possuía um ritmo de trabalho diferente, havia muitos candangos – homens por todos os lados, mulheres de diferentes cidades do país, muita terra vermelha no ar e barro na época de chuva. Essas condições faziam com que as escolhas na hora de se vestir sofressem alterações, adaptações. Passaram a utilizar mais calças por serem mais práticas e protegerem mais as pernas no dia-a-dia de trabalho. Os vestidos eram muito utilizados em ocasiões e eventos especiais. As saias foram ficando mais soltas, principalmente na cintura, garantindo maior conforto nos serviços. Evitavam roupas completamente brancas, pois ficariam vermelhas da terra. Optavam por sapatos baixos, pela facilidade para andar a pé na terra batida. Assim, as semelhanças encontradas nas vestes utilizadas por aquelas mulheres e os princípios formais arquitetônicos da cidade recém-construída são mais justificadas, naquele momento, pelos rumos que ambas as áreas, arquitetura e moda, estavam tomando no país e no mundo, mais do que algo produzido intencionalmente influenciado na arquitetura e na cidade de Brasília como um todo. Na verdade, a mulher de Brasília é a mistura de estilos de cada cidade representada por elas, sempre procurando o conforto, a simplicidade, a praticidade e a identidade feminina que as destacava no cenário da nova cidade-capital.

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RETRATOS DA MODERNIDADE moda e arquitetura nas fotos de Brasília na década de 1960

ensaio teórico de MARIANNA RESENDE DA SILVA

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