ELIZABETH JOBIM
Capa Blocos IX vermelho (detalhe) [Blocks IX red (detail)], 2013 óleo sobre tela colada em madeira [oil on canvas glued on wood] 200 × 100 × 40 cm col. Trafigura pp. 4-7 Exposição Blocos [Exhibition Blocks], 2013 óleo sobre tela colada em madeira [oil on canvas glued on wood] dimensões variáveis [variable dimensions] Celma Albuquerque Galeria de Arte, Belo Horizonte
Ensaio [Essay]
PAULO VENANCIO FILHO Entrevista [Interview]
TAISA PALHARES
ELIZABETH JOBIM
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PINTURA PLENA PAULO VENANCIO FILHO
I. No início eram desenhos; exercícios
A tela, a mídia dominante do período, parecia
impulsivos agindo vigorosamente sobre a
querer colocar nela mais coisas do que era
superfície do papel, incisivos, porém ainda
possível assimilar. Tudo parecia permissível na
incertos; os gestos dispostos a preencher
pintura; estava em ação um dispositivo cultural
todo o espaço disponível, exaurir toda a energia
de produção e consumo da pintura; um excesso
possível e deixar no ar uma energia ainda não
frenético em que todas as múltiplas tendências,
consumida, pronta a retornar em outro desenho,
movimentos, influências se chocavam, se
em outro, em outro e em outro, levando adiante
confundiam entre si. Tudo podia ser apropriado
certo impasse; situação sem saída ou com todas
ou simulado na total disponibilidade de toda a
as saídas possíveis – para onde ir, se tudo é
tradição pictórica, além e aquém da
possível? Este é o transe da época e dos
modernidade, e trazia para o artista iniciante
primeiros trabalhos de Elizabeth Jobim.
um clima de ingresso imediato na pintura antes
Esses desenhos e as esporádicas pinturas iniciais
de qualquer qualificação, colocando todos no
procuravam uma sintaxe própria em meio
clima da eufórica desrepressão pós-moderna
à cacofonia visual do tempo, em que a pintura
que invadia todas as esferas da cultura.
recuperava uma dimensão que ia para além dela,
A entrada nesse mundo era franca, total,
para as ruas e para a intimidade, para o mito e
entusiástica, de uso e consumo imediato.
para a realidade, para a figura e para a abstração,
Um quantum incontrolável de pintura
para a expressão, para a subjetividade –
dominava e obscurecia todo o ambiente
simultaneamente –, e retornava contaminada
artístico global, com poucas exceções. O pintor
pela urgência acelerada do consumo e produção
voltava a ser o artista e ganhava um novo status
da arte que marcaram a época.
de star, de celebridade e glamour, num
Revendo retrospectivamente a cena artística
ambiente cultural de produção e consumo das
da década em questão, os anos 1980, tem-se a
celebridades. Porém, aqui, o ainda inesgotado
impressão de que ela contém mais referências
impulso moderno brasileiro eventualmente
do que era possível em tal período ou em
problematizava, ou relativizava tais aspirações,
qualquer outro. Era das citações, alusões,
impondo, para alguns, um componente ainda
apropriações, pastiches, alegorias de toda
ativo e disponível, como em poucos outros
ordem; dominada por uma aflição eufórica que
contextos artísticos. Em meio à volátil
trazia para si mais do que podia incluir: tudo e
dispersão global havia um estoque real de
um pouco mais, provavelmente como nunca
possibilidades pictóricas para quem quisesse
antes – uma década de hiperconsumo
um confronto efetivo e produtivo com a pintura,
da história quando também se afirmava
que residia ainda nas, de certo modo intocadas,
um eventual impasse da história: fim da
obras dos nossos grandes pintores modernos.
história e/ou saque de toda a história?
Tal era o caso de Elizabeth Jobim.
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FULL PAINTING PAULO VENANCIO FILHO
I. At first, they were drawings; impulsive
could possibly assimilate. Everything seemed
exercises acting vigorously over the paper’s
allowed in painting; a cultural device
surface, incisive, but still unsure; the gestures
had been set in motion for production and
willing to fill all of the available space, exhaust
consumption of paintings; a frantic excess
all possible energy and leave an unconsumed
in which all multiple tendencies, movements
energy in the air, ready to return in another
and influences clashed against each other,
drawing, another, another and another,
mixing and blurring themselves. Everything
forwarding a certain impasse; a situation
could be appropriated or simulated given
without exit or with all possible exits – where
the sheer availableness of the pictorial
to go, if everything is possible? This is the
tradition, before and beyond modernity, and
trance present in Elizabeth Jobim’s first works,
this enveloped the beginner artist in an
and throughout that time period. These
atmosphere of immediate entry in painting,
drawings and the occasional first paintings
an entry that preceded any qualification,
searched for a syntax of their own in midst of
propelling everyone into an euphoric mood
the time’s visual cacophony, in which painting
of post-modern un-repression that invaded all
recovered
cultural spheres. The entry to this world was
a dimension that went beyond itself, into the
free, total, enthusiastic, of immediate use and
streets and intimacy, into myth and reality,
consumption. An incontrollable quantum of
figure and abstraction, expression, subjectivity
painting dominated and obscured the global
– simultaneously –, and returned contaminated
artistic environment, with few exceptions.
by the accelerated urgency of art consumption
The painter was back in the role of the artist,
and production that marked that specific time.
gained a new star status of celebrity and
Viewed in retrospect, the artistic scene at
pp. 8 e 11 Mineral (detalhe) [Mineral (detail)], 2013 óleo sobre tela [oil on canvas] 100 × 150 × 10 cm
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glamour in a cultural environment of celebrity
the time – the 80s – gives the impression
production and consumption. Here, in Brazil,
of containing more references than it was
however, an extant modernist drive would
possible in that or any other period.
occasionally challenge, or relativize, such
The era of quotes, allusions, appropriations,
aspirations, imposing a still active and
pastiches, allegories of all kinds; dominated
available component rarely seen in other
by an euphoric affliction that brought upon
artistic contexts. In midst of the volatile global
itself more than it could include: everything
dispersion there was a real stock of pictorial
and a little more, probably like never before –
possibilities for those who craved an effective
a decade of history hyper consumerism when
and productive confrontation with painting,
a historical impasse was also being affirmed:
a reserve that endured in the – in some ways
the end of history and /or the raid of all
untouched – works of the great Brazilian
history? The canvas, dominant media of the
modern painters. That was the case of
time, seemed to want to contain more than it
Elizabeth Jobim.
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Sem título [Untitled], 1983 paintstick sobre papel [paintstick on paper] 70 × 100 cm
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II. É preciso começar pelo desenho – a relação
máxima saturação do espaço. A folha de papel
com a pintura foi, de início, intermitente; Beth
em branco não provoca mais timidez, vertigem
demorou a chegar plenamente à pintura, ou
ou intimidação, é a superfície mais disponível
melhor, à tela. Os primeiros desenhos em preto
em todos os sentidos, totalmente aberta e
e branco com paintstick sobre papel
receptiva onde tudo e todos podem adentrar.
apresentavam uma atividade agitada das formas,
A precedência é do gesto; a gestualidade é o
a estrutura quase xilográfica se resumia em
primeiro e mais imediato modo de invadir,
fortes traços e manchas à procura de formas e
habitar e consumir aquele espaço. O gesto reduz
ritmos descontínuos e se resolvia na incerta
a distância, estabelece uma proximidade direta,
pulsação do binário branco e preto que domina
sem qualquer intermediação, plano ou projeto,
toda a superfície – havia então uma espécie de
e o seu uso insistente sugere receptividade maior
horror do vazio, nada podia ser deixado em
às idiossincrasias do afeto, da intimidade, da
branco, todo o espaço devia ser consumido pelo
subjetividade imediata e se torna o lugar
gesto, pela presença excessiva da gestualidade –,
privilegiado para falar tudo, exprimir tudo,
e aí se percebia a presença de uma das figuras
manifestar tudo. Surge uma pintura ainda
decisivas da época: o alemão A. R. Penck e a
avessa à tela e próxima do papel, e por aí vai se
sintaxe “primitiva” de sua pintura. Como num
processar o característico e singular
código visual, algumas formas vão se delineando
desenvolvimento pictórico de Beth Jobim.
com vigor e fica claramente evidente a acentuada
Sem dúvida a pouca autoridade material do
força da gestualidade que quer tudo ocupar,
papel, em contraste com a tela, contribuiu para
tudo exprimir. São os exercícios iniciais
essa franca intimidade, o modo como este aceita
que iriam determinar os primeiros desenhos e
uma informalidade casual, em que o tempo –
esporádicas telas onde começa todo um embate
mais lento da pintura – no papel se torna mais
intrapintura, ansioso e desinibido, direto
rápido, mais fluente, volúvel, menos impositivo.
e franco, descartando qualquer indecisão.
Nesse início é como se fosse preciso consumir
A sensação que esses desenhos transmitem
nessa gestualidade a energia longamente retida
é a de estar imediatamente dentro da pintura,
e à espera de um sinal de liberação que o papel
aceitando seu convite sem qualquer restrição ou
aceita sem restrição. Sinal que é aguardado
imposição. A artista oferecia assim seus gestos
e recebido por toda uma geração que
aos impulsos da época, num estado de
provavelmente não se sabia tão ansiosa, mas que
predisposição constante, assumindo sem riscos
estava pronta e disponível para voltar à tela e à
e sem temor a tarefa diante da superfície do
pintura nesses novos termos e a elas se entregar.
papel – o intermitente e preparatório material
Daí a superoferta da arte e de pintores nos anos
para a tela. Traços, massas, gestos, cores, formas
1980. Em tal atmosfera tudo parecia possível na
se entrechocam livremente produzindo a
pintura e por meio da pintura.
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Sem título [Untitled], 1983 paintstick sobre papel [paintstick on paper] 70 × 100 cm
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II. It is necessary to start with the drawings –
determine the first drawings and sporadic
the relationship with painting was, at first,
canvases where we see the beginning of an
inconstant; it took Beth a while to fully reach
intra-painting combat, anxious and
the painting, or better, the canvas surface. The
uninhibited, direct and candid, dismissing any
first drawings in paintstick on paper presented
indecisiveness. These drawings transmitted a
an agitated activity of forms, with an almost
feeling of being immediately inside the
xylographic structure that consisted of broad
painting, accepting its invitation without any
strokes and stains searching for shapes and
restriction or imposition. The artist offered her
rhythms without continuity, and that resolved
gestures to the time’s impulse in a state of
itself in the uncertain pulse of the black and
constant predisposition, assuming, without
white binary that dominates the surface – there
risks and without fear, the task lying before the
was a kind of horror regarding emptiness,
paper’s surface – the intermittent and
nothing could be left in white, all space must be
preparatory material for the canvas. Strokes,
consumed by gesture, by the excessive presence
masses, gestures, colors, shapes collide against
of gestures –, and in them one can notice one of
each other freely, producing a maximum
the most decisive figures of the time: the
saturation of space. The blank paper doesn’t
German artist A. R. Penck and the “primitive”
provoke shyness, vertigo or intimidation
syntax of his paintings. Like in a hesitant visual
anymore, it is the surface that is most available,
code, some forms gain a vigorous shape and the
in all senses, completely open and receptive,
accentuated strength of gesture becomes
where everyone and everything can enter.
evident in its wish to occupy everything,
The precedence belongs to the gesture; gestures
express everything. The first exercises would
are the first and foremost way of invading,
Sem título [Untitled], 1983 óleo sobre tela [oil on canvas] 161 × 135 cm
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Giambologna (réplica) (reproduction) Rapto das Sabinas [The Rape of the Sabine Women], 1583 (original) bronze [bronze] 110 × 40 × 40 cm
1. The Rape of the Sabine Women, Mannerist masterpiece by Giambologna or Jean de Boulogne (1529-1608), executed between 1581 and 1583, popularized by a number of smaller copies cast in bronze. The Laocoon, a Hellenistic sculpture discovered in Rome in 1506 that caused a great impression at the time (including in Michelangelo), influenced Giambologna greatly. The Rape of the Sabine Women became famous for succeeding in fully resolving a sculpture’s possibility of being seen by any angle, as opposed to the painting’s frontality, a problem which Beth tried to overcome in her drawings.
16
occupying and consuming that space. The
III. Where does Beth Jobim stand in the context
gesture reduces distance, establishes a direct
of these formative years? After entering that
proximity, without any mediation, plan or
environment there is suddenly a decisive and
project, and its persistent use suggests a greater
determinant encounter, not with a painting, as
acceptance of the idiosyncrasies of affection, of
could be expected, but with a sculpture of the
intimacy, of immediate subjectivity, and
17th century, The Rape of the Sabine Women,1
becomes a privileged space to discuss all
a Mannerist work of intense visual turmoil to
subjects, express everything, manifest
which her work will adhere without hesitation.
everything. Then there emerges a painting that
This critical event will establish and centralize
is still averse to canvas and close to paper, and
from then on a unique effect: the metabolic
that is how Beth Jobim’s unique and singular
absorption of an external plastic correspondent
pictorial development is processed. The paper’s
– such correspondent would still be subject to
lesser authority, when in contrast with the
change a couple of times. The domestic world
canvas, has without a doubt contributed to this
– the small replica of the statue belonged to the
candid intimacy, the way the paper accepts
artist’s family – would soon receive another
a causal informality, in which time – slower in
association, with a work that is even more
paintings – becomes faster, more fluent,
famous, the Laocoon. Without any previous
volatile, less imposing. In the beginning it’s
determination a reference appears that is
almost necessary to consume, in these
cultured and prosaic, near and distant.
gestures, the long retained energy waiting for
These two transitional objects, synthetic and
a sign of liberation, which the paper accepts
propelling, will, for the first time, occupy
without restriction. A sign that is awaited and
a temporary, although decisive place, causing a
received by a whole generation that probably
true turning point in Beth’s work. Beth
didn’t recognize itself as that anxious, but that
discovered in these sculptures not only
was ready and available to return to the canvas
a historical and not by chance three-
and to painting in these new terms, without
dimensional reference, but also an object where
any restraint. That is why there was such an
the excessive energy of body and gesture is
oversupply of paintings and painters in the 80s.
immediately fixed by a tense plastic structure.
In that atmosphere it seemed like everything
The pulsation that Beth extracts and liberates
was possible in and through painting.
from them will extend through a whole series
Rapto das Sabinas [The Rape of the Sabine Women], 1988 paintstick sobre papel [paintstick on paper] 133 Ă— 96Â cm
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Laocoonte [Laocoon], 1988 /89 carvão, óleo e pigmento sobre papel [charcoal, oil and pigment on paper] 133 × 96 cm
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Autor desconhecido [Unknown author] Laocoonte e seus filhos [Laocoon and His Sons], ii a.c. mármore [marble] 210 × 160 cm
III. Como fica Beth Jobim no contexto desses
histórico, não por acaso tridimensional,
anos de formação? Após esse ingresso na
também um objeto em que o excesso energético
atmosfera da época, de súbito ocorre o encontro
corpóreo e gestual é instantaneamente fixado
decisivo e determinante, não com uma pintura,
por uma estrutura plástica tensa. A pulsão que
como se poderia esperar, mas com uma
Beth delas extrai e libera vai se estender por 1
escultura do século xvi, o Rapto das Sabinas,
toda uma série de desenhos. O desenho agora
uma obra maneirista de um tal tumulto plástico
quer converter a energia presente na escultura
à qual o trabalho vai aderir sem hesitação. Esse
em impulsos gestuais, dinamizar a imobilidade
evento crítico vai estabelecer e centralizar daí
da matéria e conferir-lhe a ação pictórica que
em diante um efeito único: a absorção
ela evoca intensamente; o gesto que desenha é
metabólica de um correspondente plástico
como se traduzisse a ação física imanente das
externo – tal correspondente ainda se
esculturas com a mesma intensidade que elas
modificaria algumas vezes ao longo do tempo.
exalam. Não estamos, é claro, diante de cópias,
Ao mundo doméstico – a pequena réplica da
estudos ou exercícios acadêmicos – o propósito
escultura pertencia à família da artista –, logo
não é imitar a escultura. Os rabiscos, riscos,
vai também se associar a outra obra ainda mais
traços, seja lá o que for, possuem todos o
famosa, o Laocoonte. Surge, sem qualquer
mesmo quantum de energia e constituem a
determinação prévia, uma referência culta e
metáfora muscular da pequena escultura –
prosaica, próxima e também distante. Estes dois
o rapto pictórico que o trabalho realiza da
objetos transicionais, sintéticos e propulsores
tridimensionalidade.
vão ocupar, pela primeira vez, um lugar
1. Rapto das Sabinas, obra-prima maneirista de Giambologna ou Jean de Boulogne (1529-1608) executada entre 1581 e 1583, se popularizou por meio de inúmeras cópias de menor dimensão em bronze. O Laocoonte, escultura helenística descoberta em Roma em 1506, que tão grande impressão causou na época, em Michelangelo inclusive, influenciou Giambologna enormemente. O Rapto das Sabinas tornou-se famoso por realizar com plenitude a possibilidade de uma composição escultórica ser vista por qualquer ângulo, em oposição à frontalidade da pintura, problema que Beth procura reverter no seus desenhos.
O encontro com o Rapto das Sabinas e
provisório, porém decisivo, provocando um
o Laocoonte revela, naquele momento, uma
verdadeiro turning point do trabalho. Nessas
decisiva reorientação em direção à vivência
esculturas Beth encontrou não só um referente
introspectiva do ateliê e os objetos que nos
19
Rapto das Sabinas [The Rape of the Sabine Women], 1986 paintstick sobre papel [paintstick on paper] 70 × 100 cm
of drawings. The drawing now wants to convert
that “everything is possible” that eventually
the energy present in the sculpture into
led her work to address the intimate truth
gestural impulses, to make matter immobility
of close objects, the prosaic and routine objects
dynamic and bestow upon it the pictorial action
of the studio. There is a kind of retard, a sort of
that it evokes so intensely; the gestures she
parenthesis that ends up assuming a fullness
draws seem to translate the physical action
that causes the work to overflow unto itself;
immanent in the sculptures with the same
the material used for painting becomes the
intensity they exhale. Clearly, we aren’t before
object of the painting and the drawing
copies, studies or academic exercises – the
glimpses the possibility of the canvas.
objective isn’t to imitate the sculpture. The
This retreat into the domestic intimacy of
sketches, lines, strokes, whatever they are,
drawing causes the work to experiment, for
all possess the same quantum of energy and
the first time, a more drawn-out temporality,
deliver the small statue’s muscular metaphor
and to turn to things in close proximity in
– the work puts in motion a pictorial kidnapping
search of a visual anchor, an element that
of three-dimensionality.
could produce a long-term stable fixation.
The encounter with The Rape of the Sabine
20
To refuse the compulsive pictorial excitement
Women reveals, at that moment, a decisive
of the time and allow the world of close things
reorientation towards the introspective life
to be offered credit, and to attach oneself to
in the artist’s studio and the objects that
something that would become a daily
surround it. The work turns upon itself and
companion, now found, now lost, but constant
establishes its own world, somewhat
and recurring. The importance of this visual
neglecting the time’s pictorial effervescence
attachment will remain and develop itself in
– the confrontation still persists in the drawing
her work throughout its successive
sphere. It was the exhaustion of the concept
transformations.
circundam. O trabalho se volta para ele mesmo
IV. Ao longo dos anos 1980 e 1990 uma extensa
e estabelece o seu mundo próprio, deixando um
série de desenhos anuncia uma espécie de
tanto de lado a efervescência pictórica da época
revisão ou suspensão da espontaneidade
– o embate ainda continua na esfera do
afirmativa do gesto, que não desaparece, mas
desenho. Foi essa exaustão do “tudo é possível”
se esconde atrás e se deixa dissolver pelo acaso
que eventualmente levou o trabalho se dirigir
controlado do escorrer, de um dripping mais
para a verdade íntima das coisas próximas, os
demorado, mais diluído e expansivo. A fluidez
prosaicos e rotineiros objetos do ateliê. Ocorre
líquida do desenho procura, por assim dizer,
uma espécie de retard, um parêntese que vai
um “espaço” menos pela determinação, mais
assumindo uma plenitude que afinal faz o
pela imprecisão. Espaço mais ambíguo,
trabalho transbordar nele mesmo; o material da
dissolvente, indeterminado que se deixa
pintura se torna objeto da pintura e o desenho
absorver pelo papel numa certa profundidade
já vislumbra a possibilidade da tela. Tal recesso
e também procura suavemente o exterior.
à intimidade doméstica do desenho faz o
É certo, o papel não se impõe como a tela
trabalho experimentar, pela primeira vez, uma
– imposição que o trabalho ainda não aceita
temporalidade mais demorada e que se volta
trocar pela intimidade tátil do papel. No
para as coisas ao redor para encontrar uma
entanto, a escala é pictórica, ambiciosa, nada
âncora visual, um elemento que produzisse
tímida ou intimidada. Desenhos-pintura ou
uma fixação estabilizadora em longo prazo.
pinturas-desenho, se é que podemos falar
Recusar a compulsiva excitação pictórica da
dessas categorias. A escala aumenta, obrigando
época e se deixar oferecer novamente um
a utilização de duas folhas de papel, o que vai
crédito ao mundo das coisas próximas e se
acabar se revelando, mais tarde, por suas
vincular a algo que se tornasse uma companhia
possibilidades de justaposição, um
do dia a dia, seja em encontros ou em
procedimento estruturante da pintura.
desencontros, mas constantes e recorrentes.
Aquele complexo energético/gestual
A importância desse vínculo visual vai
advindo do encontro com o Rapto das Sabinas se
permanecer e se prolongar no decorrer do
deixa prolongar num suave colapso, a tensão
trabalho em suas sucessivas transformações.
muscular se esvai – Laocoonte distensionado –, as cores se definem tanto quanto perdem intensidade e fisicalidade, ganham transparência e imaterialidade. Vermelhos, pretos e azuis vão ter de agora em diante a total primazia cromática; mas os tons são esmaecidos e os traços são mais rastros do que marcas decididas, mais massas diluídas do que linhas expressivas. Vagas sugestões de figuras ainda indefinidas se agigantam e como que avançam para além dos limites do papel;
21
Sem título [Untitled], 1997 óleo sobre papel [oil on paper] 100 × 70 cm
22
Aramão [Large wire], 1983 fios de ferro, latão, borracha, tecido e tubos de plástico [iron wires, brass, rubber, cloth and plastic tubes] 120 × 100 × 40 cm col. Hector Babenco
e nos perguntamos se as estamos vendo de frente, de cima, de lado. Essa diluída permutabilidade cubista das coisas representadas chega ao ponto de exasperação controlada; a linha incerta, líquida que desenha o objeto parece se esvair e continuar, num último e lívido esforço, e o resultado é uma “massa vazia” – o vazio deixado pela tensão do escultórico que se foi. Diante desses desenhos não sabemos exatamente se estamos próximos ou distantes, acima ou abaixo, ou mesmo atrás ou dentro – o que seria bem possível. Talvez as
V. Os desenhos de Elizabeth Jobim carregam
tradicionais coordenadas visuais não se
a marca da temeridade; cada um deles é uma
apliquem aqui. A distância observada parece ela
afirmação da irrevogabilidade da tradição e
própria retorcida, contorcida, embaralhada.
também da fatalidade do seu desabamento.
O desenho se desenha sem coordenadas fixas.
Seria um equívoco ver o trabalho apenas como
Não é possível deixar de perceber aí uma
recuperação de um gênero específico e só.
dialética entre contração e expansão, o aberto
Esgotar-se-ia na origem uma busca inquieta e
e o fechado, o fluido e o denso. E me ocorre
incomum que, durante duas décadas, dirigiu-se
pensar se desenhos tão distantes dos processos
a certa tradição pictórica moderna, na época um
neoconcretos não operam também, a sua
tanto depreciada e aparentemente sem
maneira, como o modelo da fita de Moebius –
continuidade, descartada ou esquecida. Sem
o dentro e fora contínuos. Como se abrir e
essa deliberação inicial de insistir na natureza-
fechar, contrair e expandir, fossem a mesma
-morta o problema não se colocaria. Dilema que
coisa e estivessem do mesmo “lado”,
uma talentosa obsessão incorpora à lúcida
“caminhando” juntos enquanto o desenho se
aceitação de um projeto artístico incondicionado.
faz. Num ponto limite essas linhas também são
Desenhos que, ao visar a pintura, afirmam
uma “amarração”, se voltam para elas mesmas
em recolocar a possibilidade do gênero
encontrando aí o seu “assunto”, tal como os
natureza-morta. Nesses desenhos, é como se
Aramões de Iole de Freitas, sem fim nem
a figuração fosse reabsorvida pelo processo que
começo; um fluido emaranhado que ultrapassa
a expulsou, e o desenho voltasse de trás para
e substitui a caduca linha do horizonte.
frente, refigurando a abstração. Mais uma vez, a solidez e a integridade das coisas presentes, simples e prosaicas se impõem imediatamente aos sentidos e resistem à transfiguração abstrata. A certeza vacilante e imediata que domina a tensão plástica das formas e das linhas é perseguida mediante uma execução virtuosística.
23
IV. During the 80s and 90s an extensive
lines. Vague suggestions of still undefined
drawing series announces a sort of revision or
figures grow larger and advance to beyond
suspension of the gesture’s affirmative
the limits of the paper; and we ask ourselves if
spontaneity, that in turn does not disappear but
we are seeing it from the front, from above, or
hides behind and dissolves itself by the
sideways. This diluted cubist exchangeability
controlled randomness of a long, more diluted
of represented things comes to the point of
and expansive dripping. The liquid consistency
controlled exasperation; the uncertain liquid
of the drawing searches for a “space”, less
line that draws the object seems to dwindle
certain and more imprecise. A more ambiguous
and keep going in a last livid effort, and the
space, more dissolvent, indeterminate, that
result is an “empty mass” – the emptiness left
allows itself to be absorbed by the paper in
by the tension of the no longer present
a certain depth and is also in smooth pursuit
sculpture. Standing before these drawings we
of the exterior. Certainly, paper doesn’t impose
do not know if we are close or distant, over or
itself like canvas – an imposition that the work
under, or even behind or inside – something
isn’t yet ready to trade for the tactile intimacy
that would be quite possible. Maybe the
of paper. But still the scale is pictorial,
traditional visual coordinates do not apply
ambitious, not at all shy or intimidated.
here. The observed distances seem twisted,
Drawing-paintings or painting-drawings, if we
contorted, mixed up. The drawing draws itself
can speak of such categories. The scale becomes
without fixed coordinates. It is impossible not
larger, forcing the artist to use two sheets of
to notice a dialectics between contraction and
paper, which will later prove to be one of the
expansion, open and closed, fluid and dense.
structuring procedures of painting for the
And the thought occurs to me that drawings so
juxtaposition possibilities it allows.
distant from the neo-concrete processes also,
That energy / g esture complex stemming
24
in their own way, operate on the model of the
from the encounter with The Rape of the Sabine
Moebius strip – the continuous inside and
Women develops into a smooth breakdown,
outside. As if opening and closing, contracting
the muscular tension waning – Laocoon
and expanding, were the same thing and were
unwinding –, the colors defining themselves as
on the same “side”, “walking” together while
they lose intensity and physicality and gain
the drawing is made. Ultimately these lines are
transparency and immaterialness. Reds, blacks
also a “knot”, they turn to themselves and
and blues have from now on total chromatic
there they find their “own issue”, just like the
precedence; but the tones are faint and the
Aramões by Iole de Freitas, without end or
strokes are more like traces than resolute
beginning; a tangled fluid that surpasses and
marks, more diluted mass than expressive
replaces the obsolete horizon.
Sem título [Untitled], 1997 óleo sobre papel [oil on paper] 100 × 70 cm
25
Philip Guston Monument, 1976 óleo sobre tela [oil on canvas] 203, 2 × 279,4 cm col. Tate Gallery, London
Jean Dubuffet Site avec trois personnages [Landscape with Three Personages], 1974 pintura vinílica sobre madeira [vinyl on wood] 269,5 × 446,7 cm col. Fondation Beyeler, Basel
VI. The drawing makes use of the line, in every
same four walls of the studio. These paint tube
dimension. Just the line, confident and
arrangements are steeped in the studio’s labor,
uncertain. Steadying itself with effort, it raises
tired and exhausted. And we notice the
figures, supporting themselves on one another,
disarray in the dejection and tiredness that
pushing themselves against one another, in an
follows the biggest effort – the amount of
attempt to prevent the collapse of the forms.
studio energy that is conserved in it.
Uncertainty must, at each moment, be drawn
Each drawing is an experiment with a
by certainty’s flow. Tubes can turn into bodies
virtuousness of the incomplete, the
– that also lean against each other –, the scale
inconclusive that always rebuilds itself in
increases and the drawing grows larger and
another – the register of a final “trim”, refined
larger until even the final effort that can be
among certainty and hesitation, of the
supported by virtuosity. We are facing The Rape
tentative moments in search of an instable,
of the Sabine Women and Laocoon turned into
trembling, indecisive completeness. And, with
“still lifes”; human bodies in paint tubes, with
each collapse, the supreme evidence is given to
their lines of effort and tension, seem to take
the transitory nature of realization – when
the space to a cataclysm and repose. The paint
everything is taken to the limit of exhaustion,
tubes are like depleted bodies, exhausted and
collapses, and nothing is left standing.
spent, as they in fact are. A process that unfolds
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In the small still life paintings, the
in each of the references the work articulates:
drawings eagerly discover the “pictoral” as an
Iberê Camargo, Jean Dubuffet, Philip Guston and
intense revelation, one which they manifest
Brice Marden. Each one of these painters
“excessively”. They are paintings that suggest
manifests a similar process, tensions that,
the overrunning of its completion time – they
when pushed to the limit, reach a stage of
went beyond the conclusion and exhale a
exhaustion to restart immediately afterwards.
disproportionate exuberance. Thus I imagine
As a result we have still lifes completely
them as lengthy studies made for the sake of
opposed to the serenity, quiet and stability
the drawings, reversing the traditional
traditional to the genre. “Laocoontian” still
sequence that is drawing first to then paint. It
lifes, so to say. They emerge twisted and
is like exercising oneself in that which is more
contorted, unstable and wobbly as the result of
time consuming, slow and dense, to only then
an exercise of intensity, concentration and
move on, with all the concentration one has
fatigue in face of the same objects, inside the
acquired, to the fast, fluid and volatile.