UNIVERSIDADE DE SOROCABA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSYWEENSY MONSTER
Sorocaba/SP 2011
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSYWEENSY MONSTER
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do Diploma de Graduação em Letras Português e Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes
Sorocaba/SP 2011
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSYWEENSY MONSTER
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para obtenção do Diploma de Graduação em Letras Português e Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Aprovado em: BANCA EXAMINADORA:
Ass.:______________________ Pres.; Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes, UNISO
Ass.: ______________________ 1º Exam.:
Ass.: ______________________ 2º Exam.:
“O olhar correto só enxerga uma única direção... mas o „outro‟ olhar, que enxerga tudo distorcido, vê uma infinidade de direções que se pode tomar. E é nessas direções que a gente encontra as coisas mais inusitadas.” Masami Tsuda1
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In: TSUDA, Masami. Eesy-weensy Monster. São Paulo: Panini Brasil Ltda, 2009 (v.2, p.139)
RESUMO
Este trabalho faz uma análise das personagens Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa do shoujo mangá Eensy-weensy Monster, da autora Masami Tsuda.
O
objetivo principal é investigar a ideologia por trás da representação visual das personagens
e
a
demonstração
do
seu
amadurecimento
psicológico.
A
fundamentação teórica busca encontrar as respostas nos dados da história em quadrinhos levantados por Luyten (1985) e Feijó (1997), nos elementos constituintes dos quadrinhos de Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot (1994), McCloud (2005), na cultura pop japonesa de Gravett (2006), Luyten (2000, 2001-2002, 2005), na personagem de Brait (1985), e nos elementos diferenciais do mangá destacados por McCloud (2005, 2006, 2008). O trabalho divide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo constitui da fundamentação teórica citada acima, o segundo a metodologia utilizada, o terceiro a análise e discussão de dados, e o quarto as considerações finais. Assim o estudo realizado conclui que determinados elementos são utilizados como recurso para transmitir a ideologia e demonstrar o abstrato das personagens.
Palavras-chave: História em quadrinhos. Linguagem. Cultura japonesa. Mangá. Personagem.
ABSTRACT
This study is an analysis of characters Nanoha Satsuki and Hazuki Tokiwa in the shoujo manga Eensy-weensy Monster, by Masami Tsuda. The main objective is to investigate the ideology behind the visual representation of characters and the demonstration of their psychological maturation. The theoretical foundation seeks to find the answers in the data of comics collected by Luyten (1985) and Feij贸 (1997); the constituent elements of comics by Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot (1994) and McCloud (2005); japanese pop culture by Gravett (2006) and Luyten (2000, 2001-2002, 2005); the character by Brait (1985); and the differential elements of the manga seconded by McCloud (2005, 2006, 2008). The work is divided into four chapters. The first chapter provides the theoretical framework mentioned above, according to the methodology used, the third review and discussion of data, the fourth and final considerations. Thus the study concludes that certain elements are used as a resource to transmit the ideology and demonstrate the abstract characters.
Keywords: Comics. Language. Japanese culture. Manga. Character.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 1. REVISÃO TEÓRICA ............................................................................................. 10 1.1 História das Histórias em quadrinhos .......................................................... 10 1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil ............................................................... 13 1.3 Linguagem dos quadrinhos .......................................................................... 15 1.3.1 O corpo humano ........................................................................................... 15 a) Gesto .............................................................................................................. 16 b) Postura ........................................................................................................... 16 c) Expressões faciais .......................................................................................... 16 1.3.3 Estilos de desenho ........................................................................................ 16 1.3.4 Quadrinho ou Vinheta ................................................................................... 17 1.3.10 Enquadramento........................................................................................... 17 a) Planos............................................................................................................. 17 b) Ângulos de visão ............................................................................................ 18 1.3.5 Requadro ...................................................................................................... 18 1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta ................................................................................. 19 1.3.7 Movimento..................................................................................................... 19 1.3.8 Tempo ........................................................................................................... 20 1.3.9 Sequência e Transição ................................................................................. 20 1.3.10 Balão ........................................................................................................... 21 1.3.11 Texto ........................................................................................................... 22 a) Fixação ........................................................................................................... 22 b) Ligação ........................................................................................................... 22 1.3.12 Legenda ...................................................................................................... 22 1.3.13 Onomatopéias ............................................................................................. 22 1.3.14 O texto Figura ............................................................................................. 23 1.3.15 Caracteres gráficos ..................................................................................... 23 1.3.16 Narrativa ..................................................................................................... 23 1.4 A história do Mangá ....................................................................................... 24 1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas ................................................... 26 1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres .................................................... 27 1.7 A chegada dos mangás no Brasil ................................................................. 29
1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos .................. 30 1.8.1 Colagem ou inserção .................................................................................... 31 1.8.2 Expressionismo ............................................................................................. 31 1.8.3 Ligação palavra-imagem ............................................................................... 31 a) Escrita Japonesa ............................................................................................ 32 b) Onomatopeias ................................................................................................ 32 1.8.4 Movimento subjetivo ..................................................................................... 33 1.8.5 Personagens icônicos ................................................................................... 33 1.8.6 Efeito camuflador .......................................................................................... 33 1.8.7 Formatos ....................................................................................................... 34 1.8.8 Narrativa ....................................................................................................... 34 a) Transição de quadros: .................................................................................... 35 b) Enquadramento .............................................................................................. 35 1.9 Personagem.................................................................................................... 36 1.10 Personagens dos mangás em geral............................................................... 36 1.11 Personagens dos mangás femininos ............................................................. 37 2. METODOLOGIA.................................................................................................... 38 3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS .................................................................. 39 3.1 Eensy-Weensy Monster ................................................................................... 39 3.1.1 Nanoha Satsuki ............................................................................................. 40 3.1.2 Hazuki Tokiwa ............................................................................................... 41 3.2 Colagem ou Inserção ....................................................................................... 43 3.3 Expressionismo ................................................................................................ 44 3.4 Ligação Palavra-Imagem ................................................................................. 49 3.5 Movimento Subjetivo ........................................................................................ 54 3.6 Personagens Icônicos ...................................................................................... 54 3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara .............................................................. 55 3.8 Formatos .......................................................................................................... 57 3.9 Narrativa .......................................................................................................... 58 3.10. DISCUSSÃO DE DADOS ............................................................................. 60 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 61 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64
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INTRODUÇÃO
Devido à expansão dos mangás (histórias em quadrinhos japoneses) pelo mundo, e principalmente no Brasil, aonde vem sendo publicados uma grande variedade de mangás - já traduzidos e adaptados para nossa língua materna -, e periódicos nacionais como “Turma da Mônica Jovem” e “Luluzinha teen e sua turma” - gibis inspirados no estilo mangá - surgiu a dúvida sobre o que poderia ser considerado mangá e o porquê de fazer tamanho sucesso. Estudando sobre mangá, um diferencial que podemos encontrar, e um dos possíveis pontos de seu sucesso, é o sistema de mercado de quadrinhos do Japão. As histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas com mais de 400 páginas em papel jornal. Cada uma dessas revistas é voltada para públicos de diferentes faixas etárias e gêneros. Dentro dessa segmentação de mercado, temos os shoujo mangás, voltados para o público feminino jovem, entre 10 a 18 anos, e os chamado josei, voltados para o público feminino adulto. Nessa diversidade, o que mais nos interessa destacar são os quadrinhos para o público feminino, uma vez que quando se fala no assunto, imediatamente não se pensa no público feminino como uma potencial massa de leitores. Outro diferencial dos mangás são seus personagens, tanto no modo estético visual
de
representação,
que
podem
ser
percebidos
pelos
seus
olhos
exageradamente grandes e nos traços simples, como no seu desenvolvimento em demonstrar suas emoções e seu crescimento físico e psicológico, através de ações durante a história e a narrativa. Durante a infância acompanhando os animes (como são chamados as animações japonesas) como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Pokémon, Digimon, Sakura CardCaptor entre outros, que foram transmitidos na televisão e que depois virariam “febre” entre a garotada, acabei me tornando uma fã, copiando e desenhando os personagens. Depois da “febre” dos animes, chegaria a “febre” dos mangás. Hoje temos uma modesta variedade sendo publicadas por editoras como a JBC e a Panini. Como ávida leitora, a fascinação pelos mangás foi tamanha a ponto de me tornar mais uma aspirante a mangaká (quadrinista de mangá), por isso o meu interesse é crescente para saber quais são os elementos essenciais na hora de
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compor uma história em quadrinhos tão dinâmica e atrativa quanto são os mangás. Também como parte desse público que se identifica, simpatiza e se comove com as personagens, cheguei a ler alguns livros e artigos sobre o assunto e conclui meu ponto de partida para este trabalho: as personagens do mangá feminino. O mangá voltado para o público feminino é um assunto que ainda não foi estudado tão profundamente. Da primeira publicação de uma revista de mangá para garotas, o Shoujo Club de 1923, até os dias atuais, muita coisa mudou (e espero que ainda mude), os temas, elementos gráficos, e técnicas mudaram, com o uso da computação gráfica, as novas tecnologias e também as novas ideologias, a cada dia que passa a mulher está ganhando seu espaço no mercado de trabalho. Esse trabalho pretende contribuir, com um pouco de tudo o que foi falado sobre os personagens de mangá para o público feminino, numa análise mais profunda, dando alguns exemplos de personagens que são encontrados em alguns dos mangás femininos publicados aqui no Brasil. Para atender aos objetivos dessa análise, procurei responder as seguintes questões:
1.
Qual é a ideologia por trás da representação visual das personagens?
2.
Como
é
demonstrado
o
amadurecimento
psicológico
das
personagens?
Assim esse trabalho se justifica pela importância dos leitores numa reflexão de suas leituras, principalmente as do cotidiano, para não acabarem se transformando em seres alienados, tentando apenas fugir da realidade em que vivem.
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1. REVISÃO TEÓRICA
1.1 História das Histórias em quadrinhos
Esse capítulo retomará a história em quadrinhos em geral. De acordo com Luyten (1985, p.16) “as origens das histórias em quadrinhos estão justamente no início da civilização, onde as inscrições rupestres nas cavernas pré-históricas já revelavam a preocupação de narrar os acontecimentos através de desenhos sucessivos.” Mosaicos, afrescos, tapeçarias e várias outras técnicas foram utilizadas para registrar a história através de uma sequência de imagens. De acordo com McCloud (1995, p.17) “o pai dos quadrinhos modernos é Rodolphe Töpffer, cujas histórias com imagens satíricas, iniciadas em meados do século XIX, empregavam caricaturas e requadros – além de apresentar a primeira combinação interdependente de palavras e figuras na Europa.” Porém, conforme Luyten conta, os pesquisadores convencionaram tomar como marco inicial das histórias em quadrinhos o aparecimento de Yellow Kid, do norte-americano Richard F. Outcault, no jornal New York World. As grandes vendagens fizeram os empresários dos jornais enxergarem o potencial dos quadrinhos. Desse modo mais publicações do tipo vieram a seguir, como The Katzenjammer Kids de Rodolph Dirks. Esses quadrinhos apareciam como suplementos dominicais. Só a partir de 1907 iria aparecer a tira diária, Mutt e Jeff, de Bud Fisher, abrindo novo espaço e tomando o lugar do formato dos quadrinhos anterior. Antes os quadrinhos para jornal eram uma ocupação dentro da indústria jornalística. Luyten conta que “a grande difusão das HQ foi realmente conseguida graças ao esquema dos syndicates ou agências distribuidoras.” O primeiro syndicate foi o Internacional News Service, criado por Hearst em 1912. Esses syndicates empregavam desenhistas para produzir séries de histórias, que eram enviadas para jornais e editoras com contrato assinado. Eram elas que cuidavam também dos direitos autorais e do merchandising. Em 1929, a„quebra‟ da Bolsa de Nova Iorque gera uma crise mundial. É nessa época que surgem as histórias de aventura. Desse gênero se destacam as histórias de Tarzan, Flash Gordon e Príncipe Valente. “É como se os heróis envolvidos nas
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histórias compensassem as perturbações e inseguranças da triste realidade e todos resolvessem fugir para lugares desconhecidos.” (LUYTEN, 1985, p.26) Nessa época, na Europa, temos a criação de Tintin, do belga Hergé, que ao invés de jornais, publica suas histórias em álbuns. Ainda nesse início dos anos 30, aparece um desenho animado do famoso Mickey Mouse, de Walt Disney, que logo depois passa para as revistas de quadrinhos. Em 1939, com a Segunda Guerra Mundial, os heróis de aventura já não eram mais suficientes para manter a moral da população. Então surge o Super-Homem, personagem dos jovens Joe Shuster e Jerry Spiegel. Entrando na guerra, os EUA começam a divulgar suas mensagens de propaganda ideológica. O herói que representou mais fortemente esse ideal foi o Capitão América, declarando publicamente ser inimigo dos nazistas. Com seu uniforme listrado e estrelado representava a própria bandeira americana. Além dos EUA, outros países se apropriaram dos quadrinhos com finalidades políticos. Na China, com a tomada dos comunistas em 1949, desenvolveu-se os “Quadrinhos de Mao”, instrumento de educação e formação ideológica, inserindo os pensamentos de Mao Tsé-Tung A partir dos anos 40, começam a aparecer quadrinhos como Pogo, de Walt Kelly, abordando temas sociais e políticos de sua época através de personagens animais com cara de gente. Os quadrinhos passam a ter uma característica mais pensante. Nos anos 50, Charles Schulz, revoluciona com uma história aparentemente inocente: Peanuts. Os personagens eram crianças que questionavam o mundo, fazendo o leitor refletir junto. Na Argentina, temos Mafalda, de Quino. Na França, temos Asterix, de R. Gosciny e A. Uderzo, com a inovação nos diálogos, jogos de palavras e caracteres gráficos que exprimem determinada língua estrangeira falada pelos personagens, os estereótipos que todos os povos faziam entre si. Em 1952 aparece a revista Mad, liderada por Harvey Kurtzman, satirizando tudo: desde filmes famosos, programas de TV e até mesmo as próprias histórias em quadrinhos. A partir dela houve um legado de outras revistas satíricas: a francesa Hara-Kiri, e as brasileiras Crazy, Pancada, Plop, Klik e Gripho. Depois da guerra, os quadrinhos tiveram uma fase bem difícil. Além da falta
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de recursos começaram a enfrentar uma série de artigos e livros acusando os quadrinhos de serem a causa dos males da sociedade. O livro que fez maior estrago foi A Sedução dos Inocentes (1952), de Frederic Wertham. Em 1951 a Primeira Exposição Internacional de História em Quadrinhos é organizada, por Álvaro de Moya, Jaime Cortez, Reinaldo de Oliveira, Miguel Penteado, e outros artistas brasileiros. Essa exposição aconteceu na cidade de São Paulo, tendo debates, análises, comparações; discussões sobre história, técnica, estética, comunicação de massa e até a própria campanha contra os quadrinhos. Foi também um espaço de reivindicação dos profissionais, que ganhavam a vida traduzindo e adaptando material estrangeiro, mas pediam por um verdadeiro quadrinho nacional. O evento ainda contou uma exposição de originais dos artistas Milton Caniff, Al Capp, Alex Raymond, Hal Foster, Burne Hogarth e muitos outros. Em 1962, Barbarella, do francês Jean-Claude Forest, foi criada, tornando-se o carro-chefe das heroínas eróticas. Essa posição, tornando mulheres como heroínas das histórias, era um reflexo da própria evolução da mulher na sociedade moderna. Também é nos anos 60 que o movimento underground alastra-se para os quadrinhos. Exemplo disso é Fritz the Cat, criado em 1967 por Robert Crumb. Sobre esse período Luyten destaca que foi uma etapa importante como forma de protestar num período de bastante agitação social. Os temas abordados eram as comunidades marginais, a sexualidade, os hippies, a violência, as drogas e a ecologia. Nos EUA, além do movimento underground há grande efervescência na produção dos novos super-heróis. Stan Lee os deixa mais humanizados, cheios de defeitos, problemas e dúvidas. Foram criados: Homem-Aranha, Surfista Prateado, Hulk, X-men, Thor, Homem de Ferro, Os vingadores, Demolidor, e recriados: Tocha Humana, Namor e Capitão América. Nos anos 70, o gênero fantasia heróica aparece, são temas misturados com ficção científica, canções de cavaleiros e feitiçaria. Nos EUA, os mais conhecidos foram Blackmark e Annikki. Em termos editoriais, a França, em 1974, aparece com a revista Métal Herlant, cujos fundadores foram Druillet, Grot, Dionnet e Farkas. Druillet cria um novo tipo de anti-herói: Vuzz, um personagem misterioso vindo de algum planeta perdido da galáxia. A produção de 80 na América do Norte está voltada para as minisséries,
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lembrando um pouco as antigas novelas em capítulos. Elas representavam uma nova fase das HQ. Na apresentação gráfica há influência do estilo do desenhista Will Eisner. E o ocidente vai começar a buscar inspiração nas HQ japonesas tanto em conteúdo como no estilo. Nos anos 90, surge Universo 2099, uma coleção de títulos da editora Marvel, ambientada no final do século XXI, em que vários personagens tradicionais ganham novas versões ciberpunks. Ainda nessa década, Feijó (1997, p.77) descreve que: “Várias tiras cômicas criadas para publicação em jornal, como a série Dilbert, já foram adaptadas com sucesso para a Internet.” A informática também vai revolucionar o modo de fazer e publicar quadrinhos. Concluindo essa parte, podemos notar a influência dos fatos históricos sobre as histórias em quadrinhos, assim como todos os outros meios de arte e comunicação são influências também pela tecnologia e principalmente pela criatividade.
1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil
Esse tópico contará sobre a trajetória das histórias em quadrinhos no Brasil. No Brasil, Luyten conta que nossa primeira revista de quadrinhos chamava-se O Tico Tico, surgindo em 1905 e terminando em 1960. A revista, voltada para crianças, tinha poucas páginas de quadrinhos, sendo o resto textos de curiosidades, fábulas e fatos sobre a história do Brasil. Nela aparecem a história de Reco Reco, Bolão e Azeitona, de Luís Sá, e Jujuba, Carrapicho e Lamparina, de J. Carlos. Nos anos 30, o jornal A Gazeta, lança a Gazeta Infantil ou Gazetinha, que se caracteriza pela publicação de quadrinhos tanto estrangeiros como nacionais. Outro do tipo foi o Suplemento Juvenil, pelo jornal carioca A Nação, com um dos maiores editores de quadrinhos do Brasil: Adolfo Aizen, que logo depois, fundaria a EBAL (Editora Brasil-América Ltda.). Em 1939 aparece a revista Gibi. A palavra significava moleque, mas a revista se tornou tão popular que passou a designar tudo que é revista de HQ no Brasil. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial e da campanha contra as HQ, a revista O Herói conseguiu marcar o reinício da EBAL e a volta de Aizen às HQ. E a partir de 1949 até a década de 60, a Edição Maravilhosa surge quadrinizando
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importantes obras literárias estrangeiras e nacionais, como Os Sertões, de Euclides da Cunha, Mar Morto, de Jorge Amado, O Menino de Engenho, de José Lins do Rego, A Moreninha, de J. M. Macedo, O Guarani e muitas outras. Entre os desenhistas estavam Nico Rosso e André Le Blanc. A influência do público sobre personagens de programas radiofônicos, como Vingador e o Capitão Atlas, de Péricles do Amaral, Jerônimo, o Herói do Sertão, de Moisés Weltman; de palhaços do circo, como Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e Torresco e Fred e Carequinha; e até do meio cinematográfico, como Oscarito e Grande Otelo; motivaram editoras a lançarem uma série de histórias em quadrinhos. Houve também grandes mestres do desenho numa tentativa de colocar nas bancas mais heróis brasileiros. Foram lançados personagens como: Sérgio do Amazonas, de Jayme Cortez, O Anjo, de Flávio Colin, e Raimundo, o Cangaceiro, de José Lancelotti. Ainda nesse movimento nacionalista, nasce o Pererê, de Ziraldo. Lançado em outubro de 1960, a história teve toda uma ambiência brasileira, com os personagens da “Mata do Fundão” e as propostas temáticas inspiradas em nossos costumes e superstições, porém acaba em abril de 1964, alegando que a história vendia menos que a estrangeira. Na década de 60, no Brasil, houve destaque para as revistas de terror. Publicava-se histórias traduzidas, iniciando o gênero em 1951 com o Terror Negro pela Editora La Selva. Mesmo depois dos EUA terem parado as publicações desse gênero, as editoras brasileiras continuaram. Foram criadas O Estranho Mundo do Zé do Caixão, Histórias Caipiras de Assombração, Histórias que o Povo Conta, e Sextafeira 13. Com a censura e outros fatores o gênero terror termina no Brasil. A partir de 1972, passa-se a exigir a leitura prévia das revistas. “Isto porque, com a proliferação de muitas revistas pornográficas, o sexo atingiu o terror.”, explica Luyten (1985, p.77). Em 1959, o personagem Bidu apareceu como o começo do sucesso de Maurício de Souza. Depois vieram as publicações das tiras na Folha de S. Paulo e suplementos dominicais só com seus personagens. No início dos anos 70, Marurício de Souza conseguiu seus personagens Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e Pelezinho, lançados pela Editora Abril. Luyten explica que parte desse sucesso se deu pelo merchandising, a utilização de seus personagens em camisetas, toalhas, produtos alimentícios e escolares, entre outros.
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No início dos anos 70 nasce O Pasquim, dando uma reviravolta no estilo jornalístico e revolucionando o humor do Brasil. Consagrou grandes desenhistas e roteiristas como Jaguar, Henfil, Ziraldo e Fortuna. Com uma maneira simples e direta das mensagens de profunda crítica social, O Pasquim foi apreendido inúmeras vezes pela censura. A revista Crás, lançada pela Abril, era promessa de espaço para o material nacional. Passaram por ela Zélio, Perotti, Michele, Jayme Cortez, Michio e Ciça. Mas a revista logo saiu das bancas para dar espaço aos quadrinhos Disney. Nos anos 80, a Editora Graphipar, sob a capa de quadrinhos eróticos, para garantir a venda ao público, manteve com uma produção 100% nacional. Seus autores eram: Flávio Colin, Shimamoto, Watson, Seto, Athayde, Kussumoto e Franco. Nos anos 90, quem quisesse viver de quadrinhos precisava sair do país. Feijó (1997, p.76) escreve que havia muitas oportunidades no estrangeiro. Vários artistas como Rogério Cruz, Deodato Filho, Benedito e Luciano Queiroz, trabalham nos EUA, assinando com pseudônimos, para que lá ninguém pense que as editoras estão prestigiando gente de fora, ficando assim conhecidos por lá como Roger Cruz, Mike Deodato Jr, Joe Bennett, Luke Ross.
1.3 Linguagem dos quadrinhos
Este tópico tratará dos elementos que compõe a linguagem das histórias quadrinhos em geral. De acordo com Cagnin: “A história em quadrinhos é um sistema narrativo formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho, e a linguagem escrita.” Podemos encontrar obras sem a linguagem verbal, só narrada pelos desenhos. No entanto, a criação do balão para transmitir o discurso direto das personagens, acabou se tornando um símbolo das histórias em quadrinhos. Desse modo é importante destacar como a linguagem verbal é tratada nesse meio.
1.3.1 O corpo humano Há grande importância em retratar o corpo humano nos quadrinhos:
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Decididamente, a imagem mais universal com que o artista seqüencial tem de lidar é a forma humana. De todo o inumerável inventário de imagens que constituem a experiência dos homens, a forma humana é a mais assiduamente estudada, e, portanto, a mais familiar. (EISNER, 1999, p.100)
Dentro dessa importante retratação temos: a) Gesto Nele Cagnin (1975, p.75) observa: Alguns gestos representados nos desenhos não encontram um referente na realidade. São criações dos próprios quadrinhos e certamente se originaram do desejo de caricaturar ou da necessidade de acentuar ou exagerar as formas para que fossem capazes de sugerir a ação.
b) Postura Sobre ela Eisner (1999, p.105) comenta: [...] é um movimento selecionado de uma sequência de momentos relacionados de uma única ação. [...] é preciso selecionar uma postura, de um fluxo de movimentos, para se contar um segmento de uma história. Ela é então congelada no quadrinho, num bloco de tempo. E também é ela que dará informações sobre o antes e o depois do evento. [...] A seleção, ou “congelamento”, de posturas-chave procura comunicar o tempo, assim como a emoção. Na narrativa, todas as posturas têm a mesma importância.
c) Expressões faciais De acordo com Eisner (1999 p 109): Na arte das histórias em quadrinhos é essa parte da anatomia que desperta maior atenção e envolvimento. [...] Os movimentos musculares de sobrancelhas, lábios, mandíbulas, pálpebras e maçãs do rosto respondem a um comando emocional localizado no cérebro. [...] Seu papel na comunicação é registrar emoções. [...] também dá sentido à palavra escrita [...] é a parte mais individual do corpo.
1.3.3 Estilos de desenho Sobre esse item comenta Cagnin (1975, p. 111):
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Os desenhos têm o estilo próprio de cada artista; definem e identificam o seu autor, sendo possível falar em desenho deste ou daquele desenhista. [...] não há uma nomenclatura científica ou uma mescla para medir as diferenças [...] O que é possível fazer é apresentar alguns exemplos de desenhos realizados, numa tentativa de tipologia iconográfica em que se percebam as diferenças do grau de estilização ou de semelhança com o real (há desenhos em quadrinhos que são elaborados com modelos reais, ou com auxílio de fotografias); do instrumental usado (bico-de-pena, pincel); do estilo individual de alguns autores mais conhecidos; e dos recursos expressivos usados na composição.
Nisso, Cagnin faz a divisão de desenho realista, estilizado e caricato.
1.3.4 Quadrinho ou Vinheta Não confundir o quadrinho com o requadro, com a sua moldura apenas. De acordo com Eisner (1999, p.38): A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolve o movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço. Para lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos no fluxo da narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos seqüenciados. Esses segmentos são chamados quadrinhos.
1.3.10 Enquadramento No enquadramento, a imagem capturada pelo quadrinho é escolhida de modo a mostrar diferentes planos e ângulos, de acordo com o propósito narrativo da história a ser contada.
a) Planos As HQ tiveram uma grande influência do cinema nesse aspecto. Por isso esses elementos são muitas vezes chamados de planos cinematográficos. Temos vários tipos de planos, de acordo com o livro de Didier Quella-Guyot (1994 p.44-41): Plano Panorâmico e Plano Geral (ou de conjunto): cobrem espaços de dimensões cada vez mais vastas em que as personagens, quando aparecem, têm tamanho bem
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reduzido. Ligados a cenas de exposição, eles têm na maior parte do tempo um valor descritivo. Plano Médio: a personagem é valorizada. Tem uma função narrativa clássica; é com ele que seguimos as personagens (visão dos pés à cabeça) Plano Americano: apreendida mais de perto, a personagem nos é proposta cortada à altura da metade da coxa. Plano Italiano: como no Plano Americano, mas a personagem é cortado à altura dos joelhos. Plano dito “Aproximado”: cortam a personagem à altura da cintura, por vezes do peito ou do ombro. Isolando o busto, o autor põe em relevo as expressões do rosto e nos faz participar de perto de certas cenas de ação. Primeiro Plano ou Primeiríssimo Plano: mostram partes do corpo ou de objetos, concentram a atenção, isolam certos detalhes. Seu valor narrativo pode ser forte (dramático) ou fraco (documentário).
b) Ângulos de visão De acordo com Quella-Guyot (1994, p.41) “a „direção do olhar‟ é um elemento fundamental de enquadramento, já que pode, a partir de um só e mesmo plano, fazer variar a representação em função de valores a serem traduzidos.” Sendo assim o ângulo pode ter visão: Plana: vista de frente, horizontalmente, sem deformações. Oblíqua: vista de lado, verticalmente; Superior: vista de cima para baixo; Inferior: vista de baixo para cima. Dependendo do ângulo a ser usado, pode-se conseguir diferentes efeitos, como o de redução da personagem ou o de engrandecimento.
1.3.5 Requadro Sobre o Requadro Eisner (1999. p. 44) escreve: “Além da sua função principal de moldura dentro da qual se colocam objetos e ações, o requadro do quadrinho em si pode ser usado como parte da linguagem “não verbal” da arte seqüencial.” Por exemplo: requadros retangulares com traçado reto podem sugerir que a narrativa esteja no tempo presente; o traçado sinuoso ou ondulado é o indicador
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mais comum de passado; além de poder transmitir outros sentidos, no caso de expressar som, emoção ou pensamento, com a finalidade de envolver o leitor na narrativa. E ainda Eisner (1999, p. 45) escreve: “A ausência de requadro expressa espaço ilimitado. Tem o efeito de abranger o que não está visível, mas que tem existência reconhecida.”
1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta É o espaço que fica vazio entre os quadros. Sobre ele McCloud (1995, p. 66-67) comenta: É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana capta duas imagens distintas e transforma em uma única idéia. Nada é visto entre os dois quadros, mas a experiência indica que deve ter alguma coisa lá. Os quadros das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo recortado de momentos dissociados. Mas a conclusão nos permite conectar esses momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e unificada.
1.3.7 Movimento Sobre a sensação de causar movimento McCloud conta sobre as tentativas de se capturá-lo e representá-lo em imagens estáticas. Escreve: “Duchamp, mais preocupado com a idéia do movimento do que com a sensação reduziu o conceito do movimento a uma única linha.” Com o tempo, essas linhas de movimento foram ficando mais estilizadas, até ganharem com Bill Everet e Jack Kirby a habilidade de representar ação com drama. “Nesta abordagem tanto o objeto em movimento quanto os cenários são desenhados num estilo claro, e o caminho do movimento é imposto sobre a cena.” (McCLOUD, 1999, p. 112) Outros artistas tentaram efeitos como imagens múltiplas, procurando envolver o leitor mais profundamente na ação. Outros ainda, como Gene Colan, começaram a incorporar efeitos fotográficos com resultados interessantes nos anos 60 e 70. (McCLOUD, 1999, p. 112-113)
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1.3.8 Tempo Quanto à noção do tempo na sequência narrativa, Cagnin (1975, p. 55) separa: O tempo enquanto sequência de um antes e um depois: não pode ser obtido com uma só imagem. (...) Este caso se dá nas historinhas de um quadro só, quando por elipse, se omitem um ou mais momentos de uma sequência. Numa série de imagens fixas a sequência temporal é mais facilmente percebida. O tempo enquanto época histórica: pode ser sugerido pelos informantes secundários da própria imagem. O tempo astronômico: enquanto divisão do dia, é facilmente sugerido pelos tons e contrastes de tons, jogos de massas, ou pela utilização de uma figura que no quadro tem a função exclusiva de indicar metonimicamente a noite do dia. (...) O tempo meteorológico (calor, frio, chuva, neve, etc.): é traduzido diretamente por figuras específicas (...) O tempo da narração: como nas HQ se trata de mimese, ou representação imitativa de uma ação, a narrativa é direta e tem-se, não exatamente uma narrativa, mas uma representação. O tempo passado, portanto, é reconstruído em cada quadro, torna-se presente à medida que é lido. O tempo de leitura: na leitura linear dos quadros em sequência, embora os tenhamos todos diante da vista, o tempo de leitura vai caminhando sem ser forçado, como no cinema, nesta linearidade. Um quadrinho passará por três modalidades de tempo: - futuro (enquanto não lido); - presente (no momento da leitura); -passado (depois dela).
1.3.9 Sequência e Transição Elementos importantes para o fluxo da narrativa. McCloud (2005, p. 74) faz uma escala de transição quadro-a-quadro dividindo em: movimento-pra-movimento: exige pouquíssima conclusão ação-pra-ação: que apresentam um único tema em progressão distinta tema-pra-tema (ou sujeito a sujeito): permanecendo dentro de uma cena ou idéia. Há um grau de envolvimento necessário pro leitor dar sentido a essas
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transições. cena-pra-cena: levam-nos através de distâncias significativas de tempo e espaço. O raciocínio dedutivo é exigido nessa leitura. aspecto-pra-aspecto: estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, idéia ou atmosfera. nos-sequitur: não oferece nenhuma sequência lógica entre os quadros.
1.3.10 Balão De acordo com Cagnin (1975, p.120): “o balão é o elemento que indica o diálogo entre as personagens e introduz o discurso direto na sequência narrativa”. Há diversas formas de balões: Balão-fala: o mais comum, tem seu contorno nítido, contínuo. O apêndice em forma de seta sai da boca do falante. Balão-pensamento: a linha de contorno é irregular, ondulada, quebrada ou de pequenos arcos ligados. O apêndice é formado por pequenas bolhas ou nuvenzinhas que saem do alto da cabeça do pensante. Balão-cochicho: a linha de contorno é pontilhada. É usado quando o personagem diz ao seu interlocutor alguma coisa que não pode ser ouvida por um terceiro. Balão-berro: tem suas extremidades dos arcos voltadas para fora , como explosão. Balão-trêmulo: tem as linhas tortuosas como tremular das ondas. Indica o medo que se sente ou que se quer transmitir. Balões de linhas quebradas: em formas de faísca elétrica. Representam os sons e falas emitidos por aparelhos elétricos ou eletrônicos. Balão-vibrado: procura reproduzir a vibração de voz tremida. Balão-glacial: mostra frieza, o desprezo de uma personagem por outra. Balão-uníssono: engloba a fala única de diversas personagens Balões-duplos: são os que, pertencendo a uma só personagem, são ligados por um “estreito” e informam que a fala foi dividida por um breve silêncio, em duas partes. Balões intercalados: entre dois globos (dos balões-duplos) pode ser intercalada a fala de outra personagem.
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1.3.11 Texto Sobre a função do texto na linguagem dos quadrinhos, Cagnin (1975, p. 118) explica que frequentemente ele se une à imagem, alternando com ela funções de dominância e complementaridade. Quando ela não é elemento dominante, Barthes lhe atribui duas funções básicas: ancrage e relais (fixação e ligação).
a) Fixação Nesta função a palavra poderá desvendar o sentido denotativo da imagem e ajudar na interpretação dos seus semas conotativos. Ampliando esta segunda função, à palavra do texto cabe dirigir a leitura segundo a intenção que o emissor lhe quer dar. Ele seleciona o significado.
b) Ligação Neste caso, palavra e imagem se acham em relação complementar. Ambas fazem parte de um sintagma superior, que é, no caso, o narrativo. Por isso, a palavra é importante nas HQ como no cinema. Os diálogos não são mera representação mimética do ato da fala, mas fazem caminhar a ação, emprestando à imagem os significados que ela não pode ter.
1.3.12 Legenda Cagnin define como “elemento narrativo, especificamente diegético.” É nele que vai o texto do narrador. Não somente o narrador onisciente, mas também o narrador-personagem.
1.3.13 Onomatopéias De acordo com Cagnin (1975, p. 135) é: [...] outro elemento que se liga diretamente ligada à cena representada. [...] Apresenta o duplo aspecto: analógico, com motivação fácil (tamanho dos grafemas, volume, tridimensionalidade, formas as mais variadas) participa da montagem da cena; e lingüístico, aproveitando a qualidade sonora do grafema representado, variando de língua para língua.
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1.3.14 O texto Figura Cagnin (1975, p.138) escreve: O texto pode disfarçar ambas as funções (fixação e ligação) nas figuras que formam a cena. Fixa-se o significado do desenho e faz-se a ligação com os outros elementos narrativos dinâmicos do quadro, que culmina na identificação da ação. [...] Esta forma de apresentação do texto pode vir em cartas, cartazes, letreiros, placas e etiquetas.
1.3.15 Caracteres gráficos Cagnin (1975, p. 130) escreve que as letras podem assumir diferentes intenções e mensagens a serem transmitidas. As palavras em tamanho maior, em negrito, destacadas, podem significar uma entonação na voz, assim como as letras tremidas podem significar medo. Outros exemplos são a aparência do caractere como sendo uma língua estrangeira, como explica Cagnin: “Na fala de um chinês, por exemplo, as frases portuguesas podem vir traçadas com os pauzinhos que formam os ideogramas chineses. Isto pode significar que esta personagem tem um forte sotaque de sua língua de origem” Outros caracteres podem cobrir elementos censurados, no lugar de palavrões aparecendo desenhos de cobras, sapos, lagartos e espirais. Ainda, outros caracteres podem representar o pensamento das personagens: “uma lâmpada traduz uma idéia luminosa que a personagem teve”, ou uma nota musical para conotar um assobio, etc.
1.3.16 Narrativa De acordo com Eisner (1999, p. 38) “A representação dos elementos dentro do quadrinho, a disposição das imagens dentro deles e a sua relação e associação com as imagens da sequência são a „Gramática‟ básica a partir da qual se constrói a narrativa.”
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1.4 A história do Mangá
Sobre o termo designado para nomear as histórias em quadrinhos no Japão: Em seu livro, Schodt explicava a palavra: man, que significava “involuntário ou “a despeito de si mesmo”, e ga, que significava “imagens”. O termo mangá data do século XVIII e foi usado pelo artista Hokusai em 1814 para designar seus livros de “rascunhos excêntricos” (GRAVETT, 2006, p.14)
Como precursores do mangá, Gravett diz sobre os desenhos do século XII, pintados em rolos de papel com até 6 metros de comprimento que eram colocados em sequência para narrar lendas, batalhas e eventos da vida cotidiana. Além desses rolos, chamados emakimonos, havia as gravuras de ukiyo-e, entre os séculos XVII e XIX, eram impressões feitas com blocos xilográficos, produzidas às centenas com até 15 cores, e que retratavam todos os tipos de assuntos mundanos;
o toba-e; o kibyoshi ou “livros de capa amarela” que
ironizavam as autoridades; e o ukiyo-zoahi ou “romances do mundo flutuante” que continham imagens com diálogos adicionais não encontrados no texto principal Em 1862, foi publicada a Revista Punch Japan por Charles Wirgman, que logo foi apelidado de ponchi-e. Na década de 1890, a designação de ponchi-e para todo tipo de cartum da época foi substituída pelo termo mangá. Nos anos 40, as histórias Norakuro Joutouhei, de Tagawa Suiho; e Bouken Dankichi, de Shimada Keizo. Artistas dessa época, como Tagawa, tinham um enfoque quase teatral em seus quadrinhos: desenhavam seus personagens da cabeça aos pés, raramente usando close ou pontos de vista não convencionais, como se o leitor estivesse assistindo a atores num palco. No período das guerras, assim como foi no ocidente, o governo japonês fez propagandas ideológicas, e também houve censura por parte do governo. Os quadrinhos americanos entraram no Japão a partir de 1945, levados pelas forças de ocupação. Trabalhando de forma mais marginal, esses jovens artistas acabaram desenvolvendo um tipo mais sombrio de mangá conhecido como gekigá, ou “imagens dramáticas”. Eles eram bem diferentes dos principais títulos direcionados para crianças na época, menos simplistas e fantásticos, com
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cenários bem próximos da rua e da realidade contemporânea. Por conseqüência, eram lidos por adolescentes mais velhos e jovens adultos. O termo gekigá foi cunhado por um dos mestres do gênero, Yoshihiro Tatsumi, em 1957. (GRAVETT, 2006, p.14)
As histórias de fantasmas de Shigeru Mizuki, do guerreiro esqueleto Ôgon Bat de Tatsuo Nagamatsu e as aventuras de samurai de Sanpei Shirato saíram dos kami-shibai “teatros de papel” móveis, muito populares na época. Os akahon, ou “livros vermelhos” foram lançados entre 1947 e mais ou menos 1956, como alternativa criada pelos editores do distrito de Osaka para jovens aspirantes. Esses livros eram comercializados informalmente. Com a inflação as vendas caíram, então, passaram a alugar os livros nas Kashihonya, “locadores de livro”. Com o avanço da TV, em 1963, praticamente todas as editoras que abasteciam as kashihonya haviam desaparecido. Em 1967 Tezuka criou sua própria revista mensal, a COM. A revista tinha o intuito de provar o que um “mangá narrativo de verdade” poderia conquistar. Entre as histórias que obtiveram destaque, temos Hi no Tori (Fênix). A revista deixou de ser publicada em 1972. Sobre Osamu Tezuka, ele foi um importante artista, considerado o pai dos mangás, pois muitos das características por ele aplicadas ficaram. Na infância, Tezuka já lia mangás. Sofreu grande influencia dos desenhos animados de Walt Disney e do próprio cinema. Também teve influência do teatro Takarazuka, cidade onde morava. Ao contrário do teatro Kabuki, Takarazuka era composto só de mulheres que interpretavam tanto papéis femininos quanto masculinos. No palco com todas aquelas luzes refletindo, inspirou Tezuka na questão dos grandes e brilhantes olhos característicos do mangá moderno, que ficou principalmente no mangá shoujo, trazendo muita expressividade. Em 1941, Tezuka criou Shintakarajima [A nova ilha do tesouro], quando começou a introduzir efeitos cinematográficos nessa história de 200 páginas, vendeu 800 mil exemplares. Foi convidado para estrear em duas revistas, publicando Jungle Taitel e Atomu Taishi (mais tarde mudado para Tetsuwan Atomu, ficando conhecido no ocidente como Astro Boy). Depois Tezuka transformaria seus mangás em animações.
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Assim, com todas as contribuições postas no percorrer dos anos, o mangá foi crescendo. Já em 1914 havia sido lançada a Shonen Club, a primeira revista destinada aos garotos. Logo outras revistas do tipo surgiriam como a Shonen Jump, Shonen Champion, Shonen Magazine, Shonen Sunday e Shonen King. Como explica Gravett, as histórias tratariam principalmente de três elementos: amizade, perseverança e triunfo. Havia uma variedade de temas, desde esportes, como o futebol de Captain Tsubasa (Supercampeões), criado em 1978 por Yoichi Takahashi, o mangá de boxe de Ashita no Joe (o amanhã de Joe), de Tetsuya Chiba; mangás de robô gigantes, como Tetsujin 28-GO, ou Gigantor; até o holocausto da bomba de Hiroshima retratado em Hadashi no Gen (Gen pés descalços), de Keiji Nakazawa. Mas o mangá não ficou somente direcionado para os garotos. Mais tarde surgiriam revistas direcionadas para homens adultos, o seinen mangá, garotas, o shoujo mangá, mulheres adultas, o josei mangá; além dos mangás direcionados para crianças em fase de alfabetização, do primário, os kodomo mangá, até para os idosos. Muitos autores ressaltam essa diversidade imensa de temas e gêneros que os quadrinhos japoneses possuem. Além da criatividade para estarem sempre inventando transformar qualquer assunto em história para mangá.
1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas
A primeira revista de mangá para meninas foi a Shoujo Club, publicada em 1923. A palavra “shoujo” quer dizer menina. Antes da década de 1960 toda a história de shoujo mangá era criado por homens. Um exemplo é Ribon no Kishi (A Princesa e o Cavaleiro) de Osamu Tezuka. Gravett (2006, p. 78) conta então sobre Machiko Satonaka: [...] em 1964, ela entrou num concurso de talento da Ribon, a nova revista semanal para meninas. Saiu vencedora e estreou aos 16 anos com sua história de vampiro Pia no Shôzo (“Retrato de Pia”), dando início à chegada ao mercado de mangá shojo de uma jovem e brilhante geração de mulheres trabalhadoras, que passaram a dominar o segmento no início da década de 1970, período em que o campo desabrochou com novos gêneros e uma nova sofisticação.
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Nos anos 50, desenhistas como Hideko Mizuno, Miyako Maki, Masako Watanabe, Riyoko Ikeda, Moto Hagio, Yumiko Oshima, Keiko Takemiya e Yumiko Igashi se destacaram e fizeram sucesso. E conforme o mercado ia crescendo mais revistas surgiram como a Ribbon, a Nakayoshi, a Margaret, a Friend e a Hana to Yume. Sobre as características dos shoujo mangá temos o seguinte: O desenho do mangá feminino é muito característico, simbólico e o que há de mais engenhoso dentro da técnica da quadrinização. O estilo cinematográfico é bastante utilizado para dar ênfase aos detalhes de uma ação, de um gesto e até de um olhar. O desenho flui pela ação ininterrupta de imagens sobrepostas e muitos closes que segmentam o momento exato do sentimento e da emoção. Desenhos de estrelinhas, corações, flores, folhas e pétalas caídas, esparsos pelo cenário, sugerem uma linguagem musical imaginária. Cria-se uma atmosfera para o romance. (LUYTEN, 2000, p.52):
Sobre os temas abordados e retratados Luyten(2000, p. 52) conta: Basicamente, as revistas femininas são românticas e é dentro desse clima que se desenvolve as histórias. Os temas são variados, sempre enfocando o amor impossível, as separações chorosas, as rivalidades entre amigas, a admiração homossexual por outras, a tenacidade nas competições esportivas e a morte como solução viável aos problemas que envolvem tudo isso. São muito populares também as quadrinizações de romances e de vidas de personalidades famosas, como foi o caso de Berusaiyu no Bara [a rosa de Versalhes], um sucesso de vendas criado por Ryoko Ikeda, baseado na vida de Maria Antonieta.
1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres A palavra “josei” quer dizer mulher. Aqui, Gravett nomeia esse gênero como redikomi, vindo da junção das palavras em inglês “ladies” (sendo que no japonês a pronuncia ficaria algo como “rediisu”). e “comic”. De acordo com Gravett, em meio a tanta mudança em relação às mulheres,
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entrando para o mercado de trabalho e casando mais tarde, contrariando a sua geração passada, viu-se uma boa oportunidade de expandir os mangás para esse público. Já em 1960, as revistas femininas vinham com algumas páginas de quadrinhos seriados. Algumas tentativas foram feitas em 1969, com a Funny, publicação experimental de Tezuka, e em 1974 com a Josei Comic Papilon, ambas se encerrando em um ano. Foi apenas em 1980 que a editora Kodansha conseguiu sucesso com o lançamento da revista Be Love. Depois outras revistas entraram para ficar, como a For Lady, You e Bonita. Gravett (2006, p. 120) descreve os “quadrinhos para moças” como redikomi: A maioria desses títulos é criada por mulheres, algumas delas estreantes, outras antigas artistas do mangá shojo que alguns esperavam que se aposentassem e passassem a se dedicar aos afazeres domésticos aos 30 anos. O redikomi aborda a vida e os sonhos das mulheres adultas. Dentro desse gênero romance, a doce heroína comum quase sempre consegue seu homem perfeito no final. Essas histórias de amor meloso e cor-de-rosa raramente são mais estimulantes do que aqueles romances típicos da editora Harlequin
O autor também conta que, nessa época, em certos quadrinhos, houve a liberdade das criadoras a mostrar a sexualidade negada aos mangás para meninas: No final da década de 1980, quase um quarto dos quadrinhos para moças apresentava o chamado conteúdo hentai. Conhecido pela inicial “H” (pronuncia-se “etchi”), o rótulo hentai é bastante abrangente, cobrindo qualquer coisa entre o ligeiramente ousado e o seriamente pervertido. Em revistas mensais como Aya, Rouge, e Comic Amour, o retrato feminino das ligações eróticas entre uma secretária e seu chefe casado, uma estudante e seu professor, uma dona-de-casa desprezada e seu amante ou outras combinações, é tão desinibido quanto qualquer coisa mostrada nos mangás de sexo editados para homens. A única distinção pode ser a inclusão de um pouco mais de enredo e preâmbulos. Quem leva muito a sério a idéia de que todas as mulheres japonesas são conservadoras e acanhadas, vai se chocar com esses mangás “H”. [...]
Embora, essas revistas fossem direcionadas para mulheres da faixa etária de 19 a 29 anos, jovens de 15 anos liam, curiosas para saber o que as aguardariam no
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futuro. Sobre as histórias e os temas decorrentes desse gênero temos o seguinte: Há algumas pérolas em meio a essa “literatura para mulher”, variando de buscas doentias pelo homem ideal, uma mistura de Sex and the City com O Diário de Bridget Jones, a imprevisíveis psicodramas frequentemente ilustrados num minimalismo de “linha clara”, similar à ilustração de moda. A variedade de redikomi é tão grande quanto à de revistas femininas. Algumas delas oferecem conselhos em forma de mangá sobre casamento, gravidez, saúde e criação de filhos, enquanto outras motivam através de relatos do glamour da telinha (“Mulheres em Programas de Variedades da TV”) ou de mulheres de carreira ascendendo no mundo corporativo. (GRAVETT, 2006, p. 123)
1.7 A chegada dos mangás no Brasil
Por causa dos imigrantes japoneses no Brasil, havia, desde cedo, a importação de mangás, que chegavam por meio de navios a pedido das importadoras que comercializavam o produto. Segundo Luyten, o mangá teve um papel importante para os imigrantes japoneses, além da alfabetização das crianças, havia a manutenção da língua coloquial: Os quadrinhos em geral são caracterizados pela inclusão de gírias, termos correntes usados pelo povo, linguagem informal, e, no caso japonês, principalmente após a Segunda Guerra, ocorreu grande quantidade de palavras de origem inglesa que foram incorporadas ao vocabulário. (LUYTEN, 2000, p. 194)
Luyten conta ainda sobre as influencias nas suas leituras dos mangás que alguns artistas de quadrinhos tiveram como Júlio Shimamoto, Cláudio Seto. Assim como no resto do mundo, antes dos mangás ficarem famosos, as animações japonesas foram usadas como uma divulgação de seus traços característicos. De acordo com Nagado (2005) a indústria dos animes (da abreviação em inglês “animation”) surgiu discretamente nos anos 1950, mas
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“somente ganhou grande impulso na década de 1970, graças ao fenômeno Uchuu Senkan Yamato (Encouraçado Espacial Yamato) conhecido no Brasil como Patrulha Estrelar.” Outros animes como Candy Candy, A princesa e o cavaleiro, Kimba o leão branco, vieram nessa época. Em 1988, o mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima, foi publicado no Brasil, e cancelado em 1993. Outro título foi a história Akira, publicado em 1990 pela editora Globo, durando um pouco mais que Lobo Solitário por causa de sua animação cinematográfica. Outros títulos foram lançados sem grande repercussão: Crying Freeman, Mai, a garota Sensitiva, A Lenda de Kamui. (OKA, 2005) Nos anos 90 foi a vez da extinta Rede Manchete ganhar audiência com os animes. Sailor Moon, Cavaleiros do Zodíaco, Shurato, entre outros, e séries de efeitos especiais (em japonês tokusatsu) como Kamen Raider, e até Patrine. Em 1999 e 2001, animes como Dragon Ball, Pokémon, Samurai X, Sakura Card Captor viraram mania na TV aberta. [...] Então em 2001, a editora JBC lançou 4 títulos nas bancas: Samurai X, Sakura Card Captors, Video Girl Ai e Guerreiras Mágicas de Rayerth. O mercado evoluiu e mais títulos foram lançados e mais editoras se interessaram em publicar mangá. (OKA, 2005) Hoje podemos encontrar nas bancas de jornal uma variedade significativa de títulos de mangás lançadas por diferentes editoras, além de alguns outros poderem ser encontrados em formato de livro.
1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos
Podemos perceber as diferenças acontecendo
já em
sua história,
comparando o desenvolvimento dos quadrinhos no ocidente com o modo que se deu no oriente. McCloud (2005, p. 210) descreve essa série de abordagens únicas em: Colagem;
Expressionismo;
Ligação
palavra-imagem;
Movimento
Personagens icônicos; Efeito camuflador; Formatos; e Narrativa. A partir do que McCloud observa, tratarei de cada um desses itens.
subjetivo;
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1.8.1 Colagem ou inserção Sobre a Colagem, McCloud (2005, p. 123) comenta: E num sem-número de quadrinhos românticos escritos por Riyoko Ikeda e outros, os conflitos emocionais interiores eram visualizados em colagem de rostos e em efeitos simbólicos e expressionistas, que removiam a ênfase de relações externas em favor de relações emocionais internas.
Essa técnica também pode ser chamada de inserção. Conforme Quella-Guyot (1994, p.41): uma inserção é uma imagem que, como o indica seu nome, é “inserida”, embutida, numa outra bem maior. Seu tamanho favorece principalmente os primeiros planos, mas em nenhum caso ela é sinônimo de primeiro plano. Incluída numa vinheta de tamanho “normal”, a inserção mostra de bom grado uma ação simultânea à da outra vinheta. Ela serve também para evidenciar um detalhe cujo papel é iminente. Indiquemos contudo que a grande vinheta também pode mostrar um plano aproximado de uma personagem e a inserção numa vasta paisagem. Suas relações são inseparavelmente narrativas.
1.8.2 Expressionismo De acordo com McCloud (2005, p. 132-133), os efeitos expressionistas são usados para criar emoções. Como exemplo: “um fundo distorcido ou expressionista pode afetar nossa leitura dos estados interiores do personagem.” Certos padrões podem produzir um efeito quase fisiológico no espectador... só que ele vai atribuir essas sensações, não a si mesmo, mas aos personagens com os quais se identifica. Claro que tais efeitos internos são mais adequados pra história sobre questões internas. Quando uma história se baseia mais na caracterização do que na trama, não há muito pra se ver externamente, as o cenário mental dos personagens pode ser uma visão e tanto! Esse princípio é evidente em muitos quadrinhos europeus e em quadrinhos
românticos
japoneses,
onde
foram
criados
efeitos
expressionistas pra quase qualquer emoção imaginável!
1.8.3 Ligação palavra-imagem Esse tópico tratará de explicar um pouco sobre a escrita japonesa (seus ideogramas) e as onomatopéias.
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a) Escrita Japonesa Luyten (2000, p.31-32) conta que só no século IX os japoneses utilizaram os ideogramas na China e através dele fizeram seu silabário de 50 caracteres, denominado hiragana, e a letra de imprensa, o katakana. Assim, constatam-se as diferenças entre escrita japonesa e a nossa escrita alfabética. Enquanto na japonesa cada ideograma representa visualmente uma idéia das palavras,no nosso alfabeto é preciso decodificar as palavras em conceitos para obter seu sentido. Entre essa sequência de imagens significativas (que é a escrita japonesa) e imagens sucessivas (que são as histórias em quadrinhos), há portanto, uma continuidade: o mesmo traço de tinta e o mesmo deslocamento linear do olhar à linha da narrativa. Dessa maneira, os japoneses se acostumaram a visualizar muito mais as coisas do que nós ocidentais. A aproximação
entre
abstrações
de
figuras
e
figuras
propriamente ditas é muito sensível, fluindo de um antigo costume de se fazer a junção de ambas.
b) Onomatopeias Luyten no seu artigo “Onomatopéia e mímesis no mangá” publicada na edição 52 da Revista USP comenta as diferenças: [...] as onomatopéias no Ocidente são, a grosso modo, consideradas como linguagem infantil e não totalmente integradas na maneira de falar adulta. No idioma japonês não somente as onomatopéias mas também a mímesis são parte integral da linguagem escrita e falada por um adulto e constituem um universo à parte dentro do idioma.
Luyten conta ainda que dentro da categoria de onomatopéia na língua japonesa, elas são classificadas em: giseigo: as palavras que imitam sons de humanos ou animais, ou onomatopéias de vozes; giongo: que imitam sons ouvidos – como o bater de um sino ou o estraçalhar de uma madeira; gitaigo: palavras que expressam os estados ou condições de seres animados ou inanimados, assim como mudanças, fenômenos, movimentos, crescimentos de
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árvores e plantas na natureza; gijogo: que descrevem emoções ou sentimentos humanos.
1.8.4 Movimento subjetivo McCloud (2005, p. 114) diz: “Movimento Subjetivo”, como eu chamo, se baseia numa idéia: se a observação de um objeto em movimento é envolvente, ser esse objeto deve ser mais ainda. Artistas japoneses, no final dos anos 60, começaram a colocar seus leitores “no banco do motorista”.
Ou seja, no movimento subjetivo, ao invés de fazer a personagem se mover, é o cenário que se move no lugar. Na cena, a personagem permanece estática, enquanto o cenário se desloca.
1.8.5 Personagens icônicos Sobre personagens icônicos, McCloud (2005, p. 46) faz referência ao cartum sendo esta uma forma simples, icônica, subjetiva e universal. O autor explica sobre a universalidade do cartum, que ao retratar uma pessoa o mais cartunizada possível mais rostos ela passa a representar. “Quando você olha para uma foto ou desenho realista de um rosto, você vê isso como o rosto de outra pessoa. Contudo, quando entra no mundo do cartum, você vê a si mesmo” E então: “Nós não observamos o cartum. Nós passamos a ser ele.” (McCloud, 2005, p. 36)
1.8.6 Efeito camuflador McCloud explica que esse efeito camuflador ou efeito máscara se deve ao uso de paisagens realistas e personagens icônicos. Por exemplo, enquanto a maioria dos personagens era desenhada com simplicidade, para melhor identificação do leitor, outros eram feitos de forma mais realista, pra serem objetificados, enfatizando sua “infamiliaridade” pro leitor. No quadrinho japonês, a espada deve se tornar bem realista, não só pra mostrar os detalhes, mas pra gente se conscientizar dela como objeto,
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uma coisa com peso, textura e complexidade física.
1.8.7 Formatos Sobre a influência dos formatos em relação à transição aspecto-pra-aspecto, McCloud (2005, p. 80) opina: O tamanho pode ser um dos fatores responsáveis. Os quadrinhos japoneses são publicados como livros de antologia, onde a pressão sobre qualquer um dos capítulos pra mostrar muita coisa não é tão grande. Quando se juntam as características individuais, vamos ter milhares de páginas. Com isso, é possível dedicar muitos quadros pra mostra um lento movimento cinematográfico ou estabelecer um clima.
No Japão as histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas com mais de 400 páginas em papel jornal monocromática, variando entre rosa, azul, verde, roxo ou preto. Luyten (2000, p. 43) explica: A utilização dessas cores de papel pode parecer, à primeira vista, fortuita, mas tem um significado relacionado com o contexto da história em que figura, se levarmos em conta a simbologia das cores dentro da cultura japonesa. [...] Para o leitor japonês, a presença das cores como pano de fundo da história já é um indício para o significado do discurso e ajuda a criar a atmosfera.
Depois de lidos, essas revistas são descartadas, assim como nossos jornais. Somente quando certa quantidade de capítulos é publicada, a história pode ser compilada em tamanho menor, com melhor qualidade de papel, chamado tankobon, este para ser guardado e colecionado. Cada uma dessas revistas é voltada para determinados públicos de diferentes faixas etárias e gêneros.
1.8.8 Narrativa Determinados elementos implicarão mais na narrativa dos quadrinhos que outras. Aqui passo a destacar as questões da transição de quadros, do enquadramento e do tempo.
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a) Transição de quadros: Analisando as transições de cena de diferentes histórias em quadrinhos, McCloud observou que a grande parte delas era dominada pelas transições açãopra-ação e cena-pra-cena. Porém, nos quadrinhos japoneses as transições temapra-tema estão em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram responsáveis por 4%, e o mais surpreendente para McCloud foi presença maciça da transição aspecto-pra-aspecto: Na maioria das vezes, usada para estabelecer um clima ou sentido de lugar, o tempo parece parar nessas combinações silenciosas. Até a sequência parece menos importante aqui do que nos outros tipos de transição. Em vez de atuar como uma ponte entre momentos distintos, aqui o leitor deve compor um único momento, utilizando fragmentos dispersos. (McCLOUD, 2005, p.79)
McCloud (2005, p.81) conta que no Ocidente a cultura é muito orientada pelo objetivo, já no oriente há toda uma tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas. Os quadrinhos japoneses parecem herdar uma tradição, enfatizando mais o estar lá do que o chegar lá, mais do que em qualquer outro lugar, quadrinhos é uma arte de intervalos. A idéia de que os elementos omitidos de uma obra são tão partes dela quanto os incluídos é típica do oriente há vários séculos. Nas artes gráficas, isso significou um grande enfoque nas relações entre figura/fundo e no “espaço negativo” Na música, também, enquanto a tradição do ocidente enfatiza os mundos ligados e contínuos da melodia e harmonia, a música clássica oriental se preocupava com o papel do silêncio. (McCloud, 2005, p.81-82)
b) Enquadramento McCloud (2005, p.103) explica sobre o uso dos “quadros sangrados” – aqueles que extrapolam a margem da página, técnica usada com freqüência no Japão. Nele “o tempo não é mais contida pelo ícone familiar do quadro fechado. Ele sofre uma hemorragia e escapa pro espaço infinito. Essas imagens podem estabelecer o clima ou sendo de lugar em cenas inteiras pela sua presença atemporal.”
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1.9 Personagem
Esse tópico se dispõe a estudar sobre a personagem na literatura. Brait (1985, p. 11) conta: [...] se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens, teremos de encarar frente a frente a construção do texto, a maneira que o autor encontrou para dar forma às suas criaturas, e aí pinçar a independência, a autonomia e a “vida” desses seres de ficção”. É somente sob essa perspectiva, tentativa de deslindamento do espaço habitado pelas personagens, que poderemos, se útil e se necessário, vasculhar a existência da personagem enquanto representação de uma realidade exterior ao texto.
Portanto, para se estudar as personagens de mangá feminino é preciso estudar sobre a sua linguagem, além do seu contexto de produção, os fatos históricos, políticos e sociais de sua época.
1.10 Personagens dos mangás em geral De acordo com Luyten (2000, p.73): Os heróis são retratados como pessoas comuns que desejam tornar-se os melhores naquilo que estão empreendendo. A ação das histórias está voltada para como se deve ser o desempenho do herói para alcançar o sucesso: treinos exaustivos, força de vontade e muita paciência.
Conforme Luyten (2000, p. 75) descreve: “Os mestres são caracterizados como pessoas más, intransigentes e que maltratam seus aprendizes.” E sobre a representação das personagens femininas nas revistas para rapazes: [...] são frequentemente retratadas como objetos sexuais ou mulheres idealizadas, usadas para dar mais encanto ou suavidade ao conteúdo do mundo do mangá masculino. Há uma tendência recente para a criação de personagens mais independentes ou amigos e confidentes de seus parceiros, porém isso á encoberto pela grande porcentagem de heroínas tradicionais. (LUYTEN, 2000, p.78)
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1.11 Personagens dos mangás femininos Luyten (2000, p.76) diz o seguinte: As heroínas dos quadrinhos japoneses chamam muito mais atenção pelo seu aspecto físico: são altas, esguias, os cabelos na maioria das vezes claros e ondulados, os olhos muito grandes. Essa marca registrada do mangá feminino começou a tomar vulto a partir dos anos 50, e a geração de japoneses nascida após essa época não consegue imaginar heroínas, associando-as a outra imagem.
Apesar de muito parecidas, as heroínas são facilmente identificadas pelas leitoras. “O que contribui para lhes dar individualidade é a maneira de caracterizá-la. As roupas, os sapatos, os laços, os estilos de penteados são meticulosamente dados para compor a personagem.” A característica mais marcante nessas personagens são seus imensos olhos, revelando força de expressão nas emoções, trazendo para alguns ocidentais certa agressão e estranhamento, mas para outros pode trazer o romantismo. Em relação aos personagens masculinos Luyten (2000 p.78) aponta: [...] são apresentados de forma femininamente linda. Os heróis são decorativos: na aparência física, distinguem-se pelas roupas e pela estatura um pouco mais elevada do que a das heroínas. No conjunto, formam uma representação quimérica do príncipe encantado que poderá chegar a qualquer hora e levá-la para seu palácio.
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2. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foi feita a pesquisa bibliográfica. Foram consultados livros a respeito das histórias em quadrinhos e dos mangás. Assim a fundamentação teórica foi organizada em história da história em quadrinhos e seus elementos constituintes, a história do mangá e destacados os principais elementos diferenciais em relação aos demais quadrinhos, dando destaque ao gênero shoujo e algumas características formais dos personagens. A partir disso, na análise, seriam escolhidos personagens de shoujo mangá (gênero dos quadrinhos japoneses destinados ao público feminino) já publicados no Brasil. A escolha foi difícil, visto ter, hoje, uma boa diversidade de títulos desse gênero. Enfim, foram escolhidos personagens do mangá Eensy Weensy Monster de Masami Tsuda. O mangá Eensy Weensy Monster foi escolhido por ser relativamente curto, uma história de 12 capítulos, publicado no Brasil pela editora Panini em 2 volumes (no formato tankobon, compilação), portanto não recebendo tanto destaque quanto a obra anterior da autora (Kareshi Kanojyo no Jijyo, apelidado de Karekano, também publicado no Brasil pela editora Panini, em 21 volumes) e não aparentando tanta profundidade que uma obra mais longa poderia mostrar. Como a própria autora escreve em seu “diário” (espaço onde se comunica diretamente com os leitores sobre qualquer assunto, chamado de free-talk), no final do segundo volume, o tema para essa história era “relaxar”. Levando em consideração a justificativa dessa pesquisa que é a importância da reflexão, podemos nos perguntar o que uma obra como Eensy Weensy Monster poderia proporcionar ao leitor além do entretenimento. Decidido o mangá, os personagens selecionados para análise foram o par romântico da história: Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa. A partir desses personagens serão analisados suas características físicas e psicológicas através dos elementos dos quadrinhos que diferenciam o mangá, destacados por McCloud: colagem, expressionismo, ligação palavra-imagem, movimento subjetivo, personagens icônicos, efeito camuflador, formatos e narrativa. E, através dessa análise, tentarei responder as seguintes perguntas: Existe alguma ideologia por trás da representação visual das personagens? Como é demonstrado o amadurecimento psicológico das personagens?
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3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS Primeiramente farei uma introdução a respeito de Eensy-weensy Monster, e sobre os personagens Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa; depois será feita a retomada dos elementos destacados por McCloud, dando exemplos de cada um deles nas páginas do mangá estudado; só então será feito uma discussão dos dados com base nas observações feitas nos exemplos anteriores. Para as imagens ilustrativas de exemplos dos elementos, foi usado os volumes compilados do mangá no original japonês. Os termos usados nos resumos das personagens foram extraídos da tradução do mangá em sua versão brasileira.
3.1 Eensy-Weensy Monster
Figura 1: detalhes das capas das edições brasileiras de Eensy-Weensy Monster, respectivamente 1 e 2, lado a lado
Eensy-weensy Monster é um mangá escrito e desenhado por Masami Tsuda. Foi publicado originalmente na revista mensal Lala da editora Hakushensha em dezembro de 2006. No Brasil o mangá foi licenciado pela editora Panini, sendo lançado em 2009, com o subtítulo “o monstrinho dentro de mim”. Essa versão brasileira manteve a ordem de leitura oriental, ou seja, da direita para a esquerda. O mangá conta a história de uma garota do colegial chamada Nanoha
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Satsuki, uma aluna comum que tem duas amigas muito populares na escola: Nobara Ryuzaki, que é muito bonita, e Renge Midou, que é muito inteligente. Nanoha passa seus dias escolares tranquilos e despercebidos dos demais, até que começa a notar Hazuki Tokiwa, um garoto bom nos estudos e nos esportes e que é apelidado de “príncipe” pelas suas várias admiradoras da escola. A partir daí, Nanoha cria uma grande antipatia por Hazuki, sentindo como se um monstrinho tomasse conta de sua personalidade. Certo dia, ao se encontrar com Hazuki, o monstrinho que há em Nanoha solta tudo o que pensa a seu respeito, o que acaba mexendo muito com o rapaz.
3.1.1 Nanoha Satsuki Nanoha é a protagonista da história. Suas notas da escola estão na média, seu desempenho nos esportes abaixo da média. Tem uma aparência comum, mas mesmo assim as pessoas sentem certa inveja dela por ser amiga de infância da maravilhosa Nobara Ryuzaki, “a encarnação de Oscar-sama do colégio Yotsuba”, e Renge Midou, “a beldade mais inteligente da escola”. No entanto, Nanoha acaba percebendo alguns problemas em ter amigas como Nobara e Renge: sua presença nunca é percebida e ninguém se lembra de seu nome. Mas tudo isso não faz Nanoha deixar de ser feliz e gostar as suas amigas. Nanoha conta sobre algumas de suas especialidades como organizar cópias para os alunos e dividir comida em partes iguais. Quanto a família, Nanoha tem um irmão mais velho, chamado Raito, que tem uma personalidade um tanto agressiva, mas que adora a irmãzinha. O pai e a mãe de Nanoha aparecem pouco na história, aliás, uma observação que podemos fazer aqui é que os personagens adultos (como o professor que sempre esquece o nome de Nanoha Satsuki) em geral não têm uma grande participação na história.
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Figura 3: Nanoha Satsuki, imagem interna de capa
Nanoha faz a narração do primeiro capítulo aos leitores, contando seu ponto de vista, que só tem gente peculiar à sua volta, que ela deve ser a única normal. “Uma pessoa como qualquer outra, cuja maior felicidade é tomar um chá bem quente assistindo à transmissão ao vivo do campeonato de sumô pela TV. Uma pessoa tranquila que não perde a cabeça com qualquer coisinha.”
Figura 2: o "monstrinho" de Nanoha Satsuki
O monstrinho que vive em Nanoha é desenhado de forma iconizado, lembrando um diabinho. Como se fosse uma espécie de consciência, por vezes ele é mostrado ao lado da garota. Toda vez que altera sua personalidade tranquila, o monstrinho sai do fundo do estômago de Nanoha aparecendo para os leitores.
3.1.2 Hazuki Tokiwa Hazuki é um aluno da mesma escola que Nanoha, chamado de “príncipe” pelas meninas que o rodeiam. Em contraposição a Nanoha, ele tira notas altíssimas sem sequer estudar e “arrasa” em qualquer esporte. Tem uma aparência tão
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exuberante que em suas imagens aparecem estrelas cintilantes, mostrando seu esplendor. No começo da história Hazuki é convencido pela sua aparência de “príncipe”, bonito, inteligente e esportista. Tendo sua bondade reprovada por Nanoha, já que Hazuki só ajudava as garotas mais bonitas, ignorando as de aparência mais comum, e fingindo não gostar da atenção dado pelas suas admiradoras, enquanto adorava ser paparicado. Hazuki se sentia ameaçado pelas amigas de Nanoha: por Nobara, que mesmo sendo mulher fazia mais sucesso, ganhando mais presentes na época do Natal do que ele; e por Renge por pegar o primeiro lugar na lista de melhores notas da escola. Hazuki levava sua vida conseguindo as coisas facilmente. Até que certo dia, se depara com Nanoha no corredor da escola carregando um presente. Pensando que o presente era para ele, Hazuki pega da mão de Nanoha sem exitar, fazendo com que o monstrinho da garota aparecesse e o xingasse de “convencido de uma figa”. Esse incidente acaba incomodando muito o garoto que fica ressentido e vai perguntar a Nanoha qual o problema que ela tinha com ele, de maneira tão arrogante, cheio de confiança, que faz com que o monstrinho apareça novamente e lhe diga o quanto superficial é Hazuki. O garoto fica ainda mais incomodado e vai desabafar com algumas de suas admiradoras que acabam rindo da situação toda e dizendo outras verdades para ele. Hazuki que pensava ser popular entre as garotas, era usado como “um bobo alegre fantasiado de príncipe cintilante”. A partir dessa situação toda sua atitude começa a mudar drasticamente, notando coisas que antes não percebia por estar sempre rodeado de garotas, como o olhar hostil dos meninos. Assim como Nanoha narra a sua vida e seus pensamentos, também é possível para o leitor ler a vida de Hazuki e saiba de seus pensamentos.
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Figura 4: Hazuki Tokiwa, imagem interna de capa
3.2 Colagem ou Inserção Usando a inserção, as personagens são destacadas. Logo na primeira página de um novo capítulo, ou na introdução de um novo personagem ou ambiente, os rostos são bem destacados, são engrandecidos em relação ao quadrinho, ignorando os limites deste, entrando em primeiro plano. Na página mostrada a seguir (figura 5), o personagem Hazuki é destacado em relação ao cenário do primeiro quadro, seguido do rosto de Nanoha que passa do limite de seu quadro, encobrindo parte do primeiro. Os dois ganham destaque na página. Hazuki aparece com um pouco mais da metade do corpo, sendo distribuído entre os dois quadros, não pertencendo a exatamente a nenhum deles por passar dos limites, se transformando num elemento livre. Nanoha tem seu rosto bem engrandecido, sendo muito maior do que a de Hazuki, mas mesmo assim pertencendo a um plano anterior. Como se fosse uma colagem, o cenário estaria no fundo, sendo colada a foto de Nanoha e logo depois a de Hazuki. A partir disso, pode-se fazer a leitura de que Nanoha esteja vendo Hazuki em destaque ao cenário urbano de fundo. Visto este exemplo, podemos concluir que a colagem ou inserção tem a função de destacar determinados elementos da página como a primeira imagem a ser notado pelo leitor, dando certa grandiosidade à personagem.
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Figura 5: página 22 do capítulo 9
3.3 Expressionismo Os efeitos expressionistas são usados muito nos mangás, principalmente nos shoujo mangá onde a trama foca o psicológico das personagens. São usados diferentes padrões de desenho como fundo dos quadros que podem nos revelar ou até intensificar o estado de espírito das personagens.
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Figura 6: página 24 do capítulo 145
Como pode ser visto na figura 6, no primeiro quadro é usado o desenho de estrelas, criando um clima brilhante e reluzente ao redor do personagem Hazuki, dando uma sensação de esplendor a ele e criando uma aura de beleza fora do comum. Já no quadro abaixo, o padrão colocado de névoa negra, intensifica o desagrado da personagem Nanoha juntamente com sua expressão de desdém.
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Figura 7: página 44 do capítulo 1
Na figura 7 podemos notar um fundo distorcido nos relatando que as personagens estão numa grande confusão de sentimentos.
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Figura 9: quadro da página 37 do volume 1
Na figura 8 também temos um fundo distorcido, mas usado aqui para intensificar o desagrado de Hazuki, que está com a expressão meio irritada, franzindo um pouco as sobrancelhas, com a boca reta, e uma discreta veia saltando na bochecha representando sua raiva.
Figura 8: quadro da página 110 do volume 1
Na figura 9, temos Nanoha com um padrão de flores brilhantes com pequenas estrelas ao redor. A face da personagem demonstra um sorriso meigo, com bochechas coradas. As flores brilhantes estão intensificando a felicidade de espírito em que a personagem se encontra.
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Figura 11: quadros da página 17 do volume 2
Na figura 10 temos o padrão de cabeças de coelhinhos e flores. No quadro da esquerda, Nanoha está mostrando uma face mais neutra, mas combinado com o padrão, pode demonstrar por parte dela uma grande inocência. No quadro ao lado, mesmo com a cara assustada, com olhos saltados, pingos de suor e boca aberta de surpresa, o padrão desenhado ao seu redor faz com que pareça com uma criança inocente.
Figura 10: quadro da página 83 do volume 2
Na figura 11, os olhos fechados, boca com um leve sorriso e sobrancelhas levemente levantadas faz Nanoha ter uma face serena. A harmonia e leveza de seu estado interior se intensificam ainda mais com o padrão desenhado: delicados círculos quase transparentes.
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Como
visto
nos
exemplos
dados,
podemos
dizer
que
os
efeitos
expressionistas tem a função de revelar o mundo interior da personagem ou até intensificar a leitura de suas emoções em conjunto com sua expressão facial, gestos ou/e postura.
3.4 Ligação Palavra-Imagem Comparando com a escrita ocidental, a escrita japonesa se torna muito mais visual, harmonizando com as imagens que estão sendo narradas.
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Figura 12: página 168 do volume 2
Na figura 12, onomatopeias são usados para diferentes sons, usados para cada situação, e das formas hiragana e katana. Há falas fora dos balões, no primeiro quadro. No segundo quadro, podemos notar o uso diferencial das fontes e tamanho das letras em relação aos balões do quadro abaixo.
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Figura 13: pĂĄgina 120 do volume 1
Na figura 13, a forma das letras e do balĂŁo acompanham o som, mostrando essa intensidade, expressando um grito estridente de susto e medo da personagem.
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Figura 15: detalhe da página 23 do volume 1
Na figura 14, foi escolhido uma onomatopeia ocidental “Swish!” para a entrada da bola na cesta.
Figura 14: detalhe da página 146 do volume 2
Na figura 15 letras ocidentais “SAMURAI”, usado como um tipo de onomatopeia para expressar o estado espírito conflituoso em que se encontra o personagem.
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Figura 16: página 162 do volume 2
Na figura 16 os ideogramas japoneses novamente estão servindo como padrão de fundo para expressar o estado de espírito do personagem. Foi usado um trecho da obra “A arte da guerra” de Sun Tzu.
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3.5 Movimento Subjetivo
O cenário ao redor se tornam nada mais que linhas traçadas. Isso enfatiza a dramaticidade do movimento, sendo extremamente exagerado, a figura 17 se torna cômica. A função do movimento subjetivo é dar dinamismo e intensidade para a ação da cena, além de fazer com que o leitor se sinta no lugar da personagem.
Figura 17: quadro da página 103 do volume 2
3.6 Personagens Icônicos Muitas vezes, em situações extremas, os personagens se transformam, passam a ser desenhados mais simples e de modo deformado: seus corpos diminuem e o nariz que quase não aparecia, sendo apenas um ponto ou risco, desaparece completamente, exemplo mostrado na figura 18. A função das personagens icônicas também é a de aproximar o leitor, fazer com que ele passe a ser a personagem.
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Figura 18: quadro da página 132 do volume 2
3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara Estudado anteriormente na revisão teórica, o efeito camuflador ou efeito máscara se deve a combinação de paisagens realistas e personagens icônicos. Com a função de trazer um forte senso de localidade, os detalhes ambientais ativam a nossa memória sensorial. Como exemplo temos a figura 19. O uso desse efeito também pode ser visto na retratação mais realista de objetos e de determinados personagens.
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Figura 19: pรกgina 76 volume 2
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3.8 Formatos
No Brasil o mangá Eensy-weensy Monster foi publicado já no seu formato compilado (tankohon) com aproximadamente 200 páginas cada volume. No entanto esse mangá foi originalmente publicado para uma revista mensal, portando sendo dividido em capítulos. Os capítulos são dados como “Passos” (step, no original) e nomeados com relação aos meses do ano. O primeiro capítulo é composto de 40 páginas, já os demais tem 30 páginas, percebendo aqui que há certa regularidade na quantidade de páginas. O primeiro capítulo obtém mais páginas, talvez para dar uma melhor introdução e chamar a atenção dos leitores para a história. A regularidade na quantidade de páginas são administradas pela própria revista. Esses formatos criam certo limite ao mesmo tempo em que direcionam o rumo que o autor deve tomar ao fazer a sua história para o mangá. A história de cada capítulo se passa em um determinado mês do ano em que foi nomeado: Passo 1. Dezembro Ainda eram dois estranhos Passo 2. Janeiro As coisas se complicam Passo 3. Fevereiro Os holofotes são dos irmãos Passo 4. Março Enfim uma conversa decente Passo 5. Abril Mês de mudanças (Nanoha à direita, Hazuki à esquerda) Passo 6. Maio Transforma as meninas em monstrinhos Passo 7. Junho O príncipe se apaixona Passo 8. Julho Do monstrinho, ou melhor, da diabinha Passo 9. Agosto Com finzinho um pouco amargo Passo 10. Setembro Surge o verdadeiro amor da vida do príncipe Passo 11. Outubro Aprendendo sobre a vida Último Passo. Novembro Das lamúrias de um jovem príncipe Segundo McCloud, o formato é um dos influenciadores da transição aspectopra-aspecto. Em relação à numerosa quantidade de páginas, é possível dedicar muitos quadros para mostrar um lento processo cinematográfico ou estabelecer um clima. A pressão de mostrar muita coisa não é grande. Logo, pode-se concluir que o formato afetará a narrativa da história.
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3.9 Narrativa A narrativa tem a função de dar o ritmo à história a ser transmitida ao leitor. Estudado na revisão teórica, em relação aos tipos de transição de quadros, nos mangás em que McCloud analisou foi anotado por ele que as transições temapra-tema estavam em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram responsáveis por 4% e as de aspecto-pra-aspecto tinham uma presença maciça. E em relação ao enquadramento e ao tempo, McCloud comenta que o uso de “quadros sangrados” é uma técnica bastante empregada no Japão. Na figura 20, podemos notar a presença da transição aspecto-pra-aspecto, e o “sangramento” dos quadros. No terceiro quadro da página 134, podemos notar um “espaço negativo”: um quadro em branco apenas preenchido com as falas da personagem. Esse “espaço negativo”, visto na revisão teórica, mostra a ideia da omissão de elementos como parte da obra, típico do oriente. Na figura 21, temos a transição tema-pra-tema, quebrando uma transição movimento-pra-movimento, quando Hazuki toca Nanoha e esta abre os olhos, e também temos a presença dos “quadros sangrados”. Tanto nas figura 20 como na 21, o “sangramento” dos quadros é tão grande que passam para a outra página, tornando-se uma “página dupla”. Como se trata mais de uma história que trabalha com o psicológico das personagens, é comum ter esse tipo de quadro que transcende os limites, pois ele tem justamente a função trazer atemporalidade para a cena, libertar o tempo do quadro fechado. Podemos dizer que seria esse um modo de representar o tempo psicológico nos quadrinhos. Assim os pensamentos das personagens fluem sem a contagem exata do tempo corrido.
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Figura 21: pรกginas 134 e 135 do volume 2
Figura 20: pรกginas 174 e 175 do volume 2
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3.10. DISCUSSÃO DE DADOS Como vistos anteriormente nos exemplos dados, cada um desses oito elementos abordados tem uma função em relação à leitura dos quadrinhos japoneses. Alguns desses elementos irão nos revelar mais aspectos sobre a personagem que outros. Outros podem nos especificar determinados aspectos desta. Pensando nisso, podemos responder as seguintes questões levantadas no começo desta pesquisa referentes à ideologia na representação visual da personagem e à demonstração do seu amadurecimento psicológico.
Quanto à ideologia por trás da representação visual das personagens Dos elementos abordados, os que podem nos dizer mais sobre a personagem visualmente são: a colagem, o expressionismo, o movimento subjetivo, a iconicidade das personagens e o efeito camuflador. Todos são usados com a pretensão de aproximar o leitor da personagem. Eles tentam dar uma visão da própria personagem ao leitor. Quanto à ligação palavra-imagem, é ela que harmoniza a cena desenhada e transforma a escrita visual em algo mais sonoro dentro de nossa mente. Assim, podemos ser transportados ainda mais para o mundo dessa personagem.
Quanto à demonstração do amadurecimento psicológico das personagens Os
elementos
que
irão
demonstrar
e
influenciar
o
processo
de
amadurecimento das personagens são o formato e a narrativa. Na narrativa temos a transição de quadros e o enquadramento das cenas. Vimos que o formato cria uma influência sobre a narrativa, conforme o limite do número de páginas a serem desenhadas. Muito mais do que contar a história e os pensamentos da personagem, é preciso saber como contar e como mostrar isso. Na lenta narrativa mostrada em Eensy-weensy Monster, é possível notar como
as
personagens
mudam
de
pensamento
e
consequentemente
de
comportamento. Mesmo que o tempo cronológico seja de mês em mês, de capítulo para capítulo, o tempo psicológico perdura na narrativa nas transições aspecto-praaspecto e nos “quadros sangrados”.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através dos estudos realizados nesse trabalho pude descobrir os elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos, e entender, como leitora, que mesmo sendo diferente das personagens, sendo de outro país e outra cultura, acabamos sentindo empatia pelas personagens pela aproximação que determinados elementos nos proporcionam, tornando, assim, a história cativante. Além da ideologia descrita por Luyten sobre as personagens de shoujo mangá, podemos compreender que não apenas a figura que compõe a personagem traz a idéia, mas as figuras que a cercam também trazem uma carga significativa para a composição da personagem. Brait aponta que para sabermos algo a respeito da personagem precisamos ver a construção do texto, a maneira como o autor encontrou para dar forma às suas criaturas, concluindo a importância dos estudos feitos de maneira a separar, em elementos, a linguagem utilizada pelos quadrinhos. Aprendemos que cada elemento que encontramos terá uma função específica sobre como a personagem será tratada. Cada elemento destacará determinada característica da personagem e nos contará como esta personagem é. E, desse modo, estudando cada um desses elementos, poderemos deixar de ser apenas simples leitores para sermos leitores críticos, e ainda mais: nos tornarmos autores, conseguindo fazer nossas próprias histórias.
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REFERÊNCIAS
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CAGNIN, Antonio Luiz. Os quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975.
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GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo: Conrad, 2006.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. (Org.) Cultura Pop Japonesa. São Paulo: Hedra, 2005. LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mangá – o Poder dos Quadrinhos. São Paulo: Hedra, 2000.
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QUELLA-GUYOT, Didier. A História em quadrinhos. São Paulo: Edições Loyola e
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TSUDA, Masami. Eensy-weensy Monster. Tokyo: Hakushensha Inc., 2008.
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