Manual Para Desprogramar Pessoas em Cidades_Maristella Pinheiro

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MANUAL PARA DESPROGRAMAR PESSOAS EM CIDADES



MANUAL PARA DESPROGRAMAR PESSOAS EM CIDADES

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RESUMO

RESUMO

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso apresenta o entendimento prático e teórico da performance artística como ferramenta de aferimento, mapeamento, interferência e modificação do espaço público, propondo uma desprogramação do status quo e dos usos e relações pré-estabelecidas das grandes metrópoles. Utilizando a estratégia de um manual, são indicadas metodologias de construção de um corpo performático que se dá em situação e que parte do princípio da desestabilização, da exposição de intimidades e da interação para criar diálogos e experiências no espaço público, reconfigurando-o.

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ÍNDICE

01

03

05

agradecimentos

introdução: um ensaio sobre desprogramar

a performance como ação desprogramativa

p. 18

p. 34

p. 10

02

04

inquietações

são paulo: trabalho, solidão e anonimato na metrópole

p. 12

p. 26


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ÍNDICE

07

09

performance ZERO

considerações finais

p. 46

p. 142

06

08

10

como se tornar uma anônima destacada

zonas híbridas: entre arte e vida

referências

p. 40

p. 136

p. 146


1. AGRADECIMENTOS

1. A G R A D E C I M E N T O S

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1. AGRADECIMENTOS

À Cristiane Lima por ter me apresentado toda a potência mobilizadora do teatro. À Marcela Arruda e Sérgio Marques, agradeço a oportunidade de ter feito parte de seus respectivos trabalhos de conclusão de curso. Trago essa pesquisa como um desdobramento das janelas abertas deixadas por eles. Agradeço também pela amizade e parceria, em cada caso tão única e especial. À Andressa Mello Atriz pelo encontro certo no momento certo, obrigada pelas trocas! À Fernanda por acreditar em mim, nesse trabalho e ser sempre um porto seguro. Obrigada! À Bruna, Giuliana, Júlia, Luna, Marina e Thaís pela amizade e apoio de sempre, obrigada por tudo! Às queridas: Beatriz, Carolina, Clara, Inaê, Maria Clara e Vicky, pelos seis anos de parceria. Obrigada! Ao Leo Mello pelo olhar sensível e sincero nos registros desse trabalho, além da querida amizade. Ao Pedro Lopes pelo papel fundamental em minha formação, pelas conversas e pela participação importantíssima na minha banca de qualificação. Obrigada! Ao Caio Riscado por todos os ensinamentos e por me mostrar que eu tenho sim um TCC! Ao Yuri Quevedo por se arriscar em trazer a discussão da performance para a Escola da Cidade de maneira tão acertada. Agradeço as conversas, orientações e o papel indispensável nesse processo. À minha orientadora Sabrina Fontenele agradeço pela entrega total a essa pesquisa, pela sinceridade e pela inspiração como pessoa e grande profissional que é. Foi uma honra e um prazer. Muito obrigada! À Andressa, Laura, Leo, Luiz, Mariana, Sérgio e Tamara por terem participado da performance coletiva, sem a qual esse trabalho definitivamente não seria o mesmo. Obrigada pela generosidade! A todos os funcionários e funcionárias da Escola da Cidade pelo carinho diário, em especial à: Seu Ferreira, Patty, Roseli, Edina, Jorge Pavanelli, Mário, Marinho e Adelmo. Sentirei saudades! Por fim, dedico esse trabalho à minha família, pelo amor e apoio incondicionais, principalmente nessa trajetória final. Agradeço em especial à minha mãe, que é a minha voz.

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2. INQUIETAÇÕES

2. I N Q U I E T A Ç Õ E S

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2. INQUIETAÇÕES

2014: entro, simultaneamente, na Escola da Cidade, em arquitetura e urbanismo e na UNESP, na primeira turma de bacharelado em artes cênicas. Desde que sou capaz de me lembrar sou extremamente sensibilizada, movida e atravessada pelas artes do palco: pela música, pelo teatro, pela dança, em suas mais diversas formas. Toda e qualquer performance artística sempre me encantava e fazia palpitar o peito, e eu, ainda muito jovem, não sabia explicar o porquê. Iniciei meus estudos em teatro na escola, no Colégio Santo Agostinho. Foi ali que tive um dos meus primeiros encontros daqueles do tipo que, só depois de passados muitos anos, nos damos conta de que foram determinantes para nossas escolhas e, assim, para o rumo de nossas vidas. Cristiane Lima foi minha primeira professora de teatro, no ano de 2010. Por ela fui introduzida ao jogo teatral, à importância do osso esterno na produção de presença do ator, às noções de nuance e trajetória do personagem, à importância da estória acima dos interesses individuais, à necessidade de confiança e respeito entre o coletivo de atores. Todas essas questões, a mim, inéditas, começaram a dar sentido à minha inquietação e a responder muitas das perguntas que tinha em relação ao meu fascínio frente ao teatro. Foi nesse momento que decidi que queria ser atriz. Foi então que a Cris convidou a mim e a minha amiga Fernanda para assisti-la no espetáculo Este Lado Para Cima, da Brava Companhia de Teatro. O espetáculo itinerante aconteceria naquela tarde quente de quarta feira, no meio da Praça da Liberdade. Teatro de rua. Teatro na rua. Apesar de nunca ter presenciado tal experiência, a ideia me parecia estranhamente familiar. Lembro-me com detalhes do sentimento de euforia que tomou conta de mim, da minha amiga e, claramente, da grande maioria das pessoas que por ali passavam e se permitiram entreter por alguns minutos pelos atores de figurino acinzentado, rasgado, sujo, que entoavam gritos e palavras de ordem a plenos pulmões debaixo do sol escaldante da árida Praça da Liberdade. Este Lado Para Cima conta uma estória nada distante da realidade: o cotidiano de uma cidade na qual seus habitantes vivem e se relacionam estritamente em função do trabalho, sonhando sempre com um futuro inatingivelmente melhor. O jogo de repetição sonoro e motor que os atores realizam com as ferramentas de cena - alicates, martelos, ferragens - nos remetem ao filme Tempos Modernos, ao fordismo, às fábricas e todo um ideal de modernidade que fora instaurado com a industrialização. A virada do espetáculo se dá no momento em que, em função da crise da cidade, é criada “a bolha”, ou o “mais avançado artefato da tecnologia humana”, um mecanismo de controle que vigia a tudo e a todos, pairando por cima das cabeças dos habitantes da cidade e abrigando a elite, a “nata da sociedade”, que, isolada de todas as mazelas do povo, finge pensar em soluções, quando, na verdade, apenas toma decisões em prol de seus próprios interesses.

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2. INQUIETAÇÕES

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imagem 1: atores em cena durante o espetáculo Este Lado Para Cima fonte: www.blogdabrava.blogspot.com/p/este-lado-para-cima

O “humor anárquico”1 do espetáculo remete à palhaçaria, aos picadeiros e logo, à linguagem da rua, que encanta e prende a atenção pelo riso para, muitas vezes, tratar de assuntos de alta importância social. Este Lado Para Cima denuncia as contradições e absurdos da nossa sociedade de forma enérgica e cívica: um espetáculo manifestação. Manifestação essa, contaminadora, que mobilizou de tal forma uma menina de 15 anos que, nove anos depois, ainda traz reverberações latentes. Minha experiência com a Brava Companhia e com o teatro de rua me trouxe um outro entendimento acerca do fazer teatral: a dimensão do espaço. Entendi no corpo o quão potente e propositivo um espaço pode ser no que diz respeito à construção de acontecimentos, de produção de significados, de afetividades e memórias materiais e imateriais, de proporcionar a criação de espaços outros, de espaços dentro dos espaços. Foi nesse momento que decidi que queria ser arquiteta. 1

www.blogdabrava.blogspot.com/p/este-lado-para-cima


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2. INQUIETAÇÕES

Minha inquietação acerca dos espaços propositivos, inquestionavelmente, se tensiona, se expande e encontra incontáveis desdobramentos quando voltada à questão do espaço público. O espaço público é imprevisível, formado de uma sequência sobreposta de acasos aleatórios, o que, desse modo, resulta na ausência total de acasos: na rua não existem acasos, na rua só existe a vida elevada a sua máxima potência.2 Nesse sentido, os trabalhos de conclusão em Arquitetura e Urbanismo de Marcella Arruda (Arquitetura da Liberdade - A Experiência do Comum, Escola da Cidade, 2016, orientação de Marina Grinover) e de Sérgio Marques (Pragurbana: Poéticas do Território Urbano, FAU-USP, 2017, orientação de Marta Bogéa) foram determinantes para solidificar meu interesse na intersecção entre performatividade e espaço público e para me apontar os caminhos de atuar nessa frente de pesquisa por meio da arquitetura. No trabalho de conclusão de Marcella Arruda, Arquitetura da Liberdade - A experiência do Comum, trabalhamos com o recorte específico do baixio do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região central de São Paulo. Uma área residual, ilhada, cercada por carros e disputada entre moradores de rua, o time de futebol local, alguns atores do Teatro Oficina, os interesses mobiliários e a visão conservadora dos habitantes de seu entorno. Um espaço majoritariamente de passagem, carente de equipamentos, de cuidado e de atenção. Nosso trabalho se deu no sentido de pesquisar de que formas seria possível criar um espaço comum no baixio, buscando agenciamentos, tensionando limites, negociando acordos. Por meio de oficinas artísticas e encontros realizados durante três meses pudemos nos aproximar desse espaço e de seus agentes, de uma forma horizontalizada, para então propor uma ação final dessa investigação: o Sarau do Baixio, que envolveu diversas frentes de atuação da comunidade local, criando um espaço efêmero de ocupação e permanente de reflexão. Já em Pragurbana: Poéticas do Território Urbano tive a oportunidade de experimentar pela primeira vez o espaço público enquanto atriz. Com a direção de Sérgio Marques e a participação de mais três atores fundamos o Coletivo Pragurbana. Nesse trabalho experimentamos práticas da deriva, procedimentos de leitura do territorio por meio das relações do corpo, e uma série de exercícios performáticos a fim de provocar nossos próprios corpos e os corpos dos demais cidadãos no espaço público. Como produto final, criamos uma ação site-specific de improvisação, a partir das metolologias criadas em grupo e de poéticas narrativas identificadas nas ruas do centro de São Paulo. 2 Ideia explorada por Caio Riscado durante a disciplina eletiva de Arquitetura e Performance, realizada no mês de julho de 2019 na Escola da Cidade, ministrada por ele e pelo professor Yuri Quevedo.

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2. INQUIETAÇÕES

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Ambos os trabalhos me propiciaram um aprofundamento acerca da ação artística no espaço público pelo viés prático e, apesar de terem sanado muitos dos meus inquietamentos, abriram portas para inúmeras outras questões, levantaram diversas outras perguntas, mais complexas e mais específicas.

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Dessa forma, o trabalho aqui apresentado busca investigar esses novos questionamentos e exprime uma série de desejos que perpassaram toda a minha graduação em arquitetura, concomitantemente à minha formação não-acadêmica como atriz: investigar a prática performática desatrelada do texto; buscar algum tipo de delineamento do que seria o campo da performance e como ele se aproxima ou se distancia das artes cênicas; explorar os pontos de intersecção entre a performance e o espaço público, entendendo como um interfere e altera o outro, buscando momentos de protagonismo de um perante o outro, de diálogo entre ambos, de afetações e trocas mútuas; habitar o espaço entre a cena e a não-cena; investigar a cidade como personagem, como dramaturgia; entender de quais formas se pode incluir o transeunte, o espectador no jogo performático, tornando-o também um performer, ativo e não-espetacularizado; investigar os limites entre arte e vida; pesquisar de que forma a performance pode ser utilizada como ferramenta de apreensão e interferência no espaço público e entender de que forma se pode criar um espaço efêmero por meio da ação performativa. A ideia da elaboração de um manual parte também do desejo de tornar essa pesquisa o mais próximo possível do leitor leigo no âmbito da performance, propondo um viés mais didático e acessível, uma vez que se entende que esse assunto não precisa e não deve se manter restrito ao campo das artes e muito menos à Academia. Todos os corpos podem performar. Todos os corpos performam. Tudo pode ser performance. Tudo é performance.


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2. INQUIETAÇÕES

imagem 2: sarau do baixio autoria: antonio carlos

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imagem 3: atores do coletivo pragurbana autoria: sérgio marques


3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

3. I N T R O D U Ç Ã O : UM ENSAIO SOBRE 20

DESPROGRAMAR

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3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

ma·nu·al sm 1 Livro pequeno que contém noções básicas relativas a uma disciplina ou de uma técnica. 2 Livro que oferece orientação para a execução ou o aperfeiçoamento de determinada atividade; guia prático. 3 Brochura que acompanha determinados produtos e contém textos descritivos e explicativos a respeito de sua instalação, uso e manutenção. 4 Livro de orações e rituais religiosos; breviário. ETIMOLOGIA: lat manuale.3 “Guia prático”. “Noções de uma técnica”. “Execução ou aperfeiçoamento de uma atividade”. A ideia básica de qualquer manual compreende a noção de uma finalidade específica no âmbito da produção. Apreender informações para aplicá-las na prática, na esfera da ação, com o intuito de se obter algum produto material útil para determinada função. Nesse sentido, é possível se pensar em alguns exemplos de menor ou maior complexidade, para um objetivo mais curto ou mais ambicioso, envolvendo poucos ou diversos agentes e condicionantes. Manuais de carros, de eletrodomésticos, da montagem de móveis são exemplos utilizados mais corriqueiramente, de acesso e leitura simples, mirando o entendimento e compreensão do maior número de usuários possível. Por outro lado, existem os manuais que, apesar de também práticos, abrangem mais frentes de estudo e pesquisa e possuem finalidades mais complexas, como os manuais de empreendedorismo, de práticas relacionadas ao direito, de administração e de arquitetura. No panorama da arquitetura, podemos citar dois exemplos de grande notoriedade e circulação: o Manual do Arquiteto Descalço de Johan Van Lengen, um “bestseller mundial”, no qual o escritor aborda uma série de questões relacionadas à bioarquitetura, de forma técnica e simples, abarcando desde o desenho técnico, em suas minúcias de detalhes, até temáticas relacionadas ao clima e ao ecossistema. Outro exemplo é o livro Arte de Projetar em Arquitetura de Ernst Neufert, popularmente conhecido como Manual Neufert, obra que é referência em termos de se pensar a arquitetura a partir da ergonomia. 3

Definição encontrada no Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa Michaelis Online

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3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

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Outro gênero de manuais, que, desde os anos noventa aparecem frequentemente entre os maiores bestsellers de livrarias do mundo todo, são os manuais de autoajuda. Com promessas grandiosas de mudanças radicais de estilo de vida e resultados unânimes, os livros de autoajuda funcionam na mesma lógica dos manuais anteriormente citados: instruções práticas para se atingir um objetivo específico. A diferença, no caso, é fundamentalmente assustadora: de forma reducionista, os manuais de autoajuda colocam todo o sucesso (e o fracasso) de um indivíduo como sendo uma consequência direta de suas escolhas e ações, retirando qualquer inserção política, histórica, econômica e social de sua vida.

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Essa estratégia, no entanto, só pode fazer sentido em uma realidade meritocrática e neoliberal, como a vigente às grandes economias ocidentais. Em uma sociedade regida pela lógica do capital, onde tudo é mercantilizado, os indivíduos se tornam mercadoria, e como tais, são passíveis de comparação, competição e substituição. Nesse sentido, há um estímulo à individualidade exacerbada, à cultura do self made man, na qual cada sujeito é totalmente responsabilizado por seu destino, colocando, assim, uma falsa sensação de controle e retirando a noção de coletividade, de pertencimento, de que existe todo um sistema de regras pré-estabelecidas e inalteráveis do ponto de vista da ação individual. “Programe o seu subconsciente para se libertar das dores e inseguranças e transforme sua vida”. O subtítulo do livro Desbloqueie o Poder de Sua Mente de Michael Arruda (2018) é, no mínimo, sedutor. Programar o seu subconsciente, assim como se programa um computador, uma máquina, impassível de erros, de questionamentos, de filosofias e dúvidas. Pronta para vencer. Sempre. Uma engrenagem de um sistema que não provê segundas chances, que precisa de soldados perfeitos, eficientes, pró-ativos e produtivos. O verso da capa do livro conta ainda com uma chamada um tanto quanto piegas e frases de efeito que tentam atestar a originalidade e inovação do conteúdo: “Você passou por diversos livros até encontrar este aqui. Olhou a capa, o título chamou sua atenção, começou a ler a primeira frase e resolveu continuar. No entanto, pergunto: foi você quem decidiu cada um desses passos? Pode ser que você acredite que sim, mas a verdade é que tudo aconteceu tão rápido que suas ações já estavam decididas antes que você pudesse pensar sobre elas, tomadas por uma parte mais profunda de sua mente: o subconsciente, o responsável pelo que somos e fazemos. Por quais outros caminhos você está sendo levado por sua mente sem que ela o consulte? Em seu primeiro livro, Michael Arruda, presidente da OMNI Brasil, irá lhe mostrar como assumir o controle da sua mente e, consequentemente, da sua vida pessoal e profissional. Para isso, ele lhe apresentará o processo que o permite acessar seu subconsciente, identificar as causas de dores e insatisfações e solucioná-las de forma rápida e efetiva: a hipnoterapia.”4 4

Texto presente no verso do livro Desbloqueie o Poder da Sua Mente, de Michael Arruda, 2018.


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3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

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imagem 4: capa do livro Desbloqueie o Poder da Sua Mente de Michael Arruda


3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

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imagem 5: capa do livro Mentes Brilhantes, Mentes Treinadas de Augusto Cury


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3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

Outro exemplo: Mentes Brilhantes, Mentes Treinadas, um dos livros mais vendidos de Augusto Cury possui uma capa curiosa: uma mulher de cabelos curtos caminha sozinha e descontraidamente na praia, com um vestido leve, pés descalços, num sol de fim de tarde e, o que chama mais a atenção, carrega por cima dos ombros um grande amontoado de bexigas coloridas. Toda essa composição visual remete a uma ideia de leveza, de simplicidade, reforçando o argumento de que controlar e treinar sua mente é uma tarefa fácil, talvez até mesmo libertadora e, de novo, individual. O grande sucesso internacional desses manuais de autoajuda evidencia o quão dependente é o sujeito contemporâneo de seguir um roteiro, de ser regrado, de ser constantemente programado. Podemos entender essa programação em diferentes esferas e escalas: a já apresentada programação mental e comportamental em busca do sucesso; a programação perante ao território, que impõe constantemente suas regras e condutas de uso e apropriação, ditando a forma com a qual o indivíduo se comporta tanto no espaço público, quanto no espaço privado; a programação nas normas do jogo capitalista, para que o indivíduo se encontre sempre competitivo, sempre individualizado, mas, contraditoriamente, sempre homogeneizado e pasteurizado numa sociedade que não dá espaço ao errante, ao diferente e incontrolável. Na contramão desse movimento de programação se coloca a pesquisa aqui apresentada. O Manual Para Desprogramar Pessoas em Cidades propõe, primeiramente, uma subversão da própria noção pré-estabelecida que temos acerca dos manuais: não há uma função prática e objetiva, de utilidade comprovada para qual esse manual seja destinado. Não há também um produto material fruto das instruções aqui sugeridas. Não há uma aplicação monetária, funcional, lucrativa ou mercantilizada de nenhuma das reflexões propostas. Existe apenas o desejo. O desejo de sonhar, de imaginar, de inventar e libertar os sujeitos. O desejo de provocar, interromper, inquietar, incomodar e questionar a lógica pré-estabelecida do território. O desejo de caminhar contra a corrente do sistema. O desejo de desprogramar, afetar, atingir, desconfortar, desautomatizar, desestabilizar, acordar, movimentar, incomodar, invadir, desespetacularizar, ativar, provocar: os sujeitos, os territórios e, por consequência, o sistema. Quais seriam então os sujeitos e os territórios alvos desse desejo desprogramativo? Pessoalmente, a cidade de São Paulo é o lugar onde nasci e passei a grande maioria da minha vida, sendo assim, a provocadora dos meus questionamentos acerca da metrópole, de incômodos perante suas contradições, de indagações acerca do modo de vida complexo que nós, cidadãos, estamos submetidos. Assim, o território de interesse aqui é a cidade de São Paulo e os sujeitos são os

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3. INTRODUÇÃO: UM ENSAIO SOBRE DESPROGRAMAR

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cidadãos contemporâneos que habitam, ocupam e transitam pela chamada cidade “formal”. O capítulo a seguir propõpe o delineamento dessas noções: em 4. São Paulo: trabalho, solidão e anonimato na metrópole define-se o recorte territorial da pesquisa com um panorama acerca do imaginário de modernidade da cidade de São Paulo. Investiga-se qual o desenho de cidade fruto dessas relações, a partir de diálogos com o arquiteto, professor e doutor Luís Antônio Jorge (2014), em seu artigo A Má Educação das Ruas e o Desenho da Cidade, e o psicanalista Christian Dunker (2009) em seu texto A Lógica do Condomínio ou: o Síndico e seus Descontentes. A partir do antropólogo José Guilherme Cantor Magnani no texto De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana pensa-se as diversas camadas e as contradições que compõem esse ideal de metrópole moderna apresentado e discutido. Ainda no mesmo capítulo discorre-se acerca do indivíduo produto da cidade de São Paulo a partir da figura do blasé, estudada por Georg Simmel (1973) no texto A Metrópole e a Vida Mental.

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No capítulo 5. A Performance como Ação Desprogramativa apresenta-se a ferramenta de ação, análise e pesquisa desprogramativa do presente estudo: a performance. Para isso, utiliza-se três artigos: Diluição das Fronteiras entre Linguagens Artísticas: a performance como (r)evolução dos afetos da performer, diretora e professora Tania Alice (2014), A Ação Disruptiva no Espaço Urbano: um treinamento ativista também de Tania Alice e do diretor e professor Antônio Araújo (2013) e Programa Performativo: o corpo-em-experiência da performer e teórica da performance Eleonora Fabião (2013). Em 6. Como Se Tornar Uma Anônima Destacada apresenta-se um passo a passo de como desprogramar pessoas em cidade por meio da performance, investigando como se compor um corpo performativo. No capítulo 7. performance ZERO apresenta-se a pesquisa prática do presente trabalho, onde se coloca à prova a metodologia proposta. Em 8. Zonas Híbridas: entre arte e vida se propõe um estudo acerca de performances que borram os limites entre a vida pessoal e o trabalho dos artistas, e a apresentação de referências de intervenções performáticas no espaço público. E por fim, em 9. Considerações Finais expõe-se as conclusões chegadas após todas as etapas do processo.



4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

4. S Ã O P A U L O : TRABALHO,SOLIDÃO 28

E ANONIMATO NA METRÓPOLE

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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

“O que é manifesto em São Paulo - movimento, pressa, luzes, trânsito, arranha-céus, fábricas, dinheiro - é universal, sem voz ou contorno explícito.” (MORSE, 1970, p. 353)

Apesar da paisagem urbana da cidade de São Paulo já ter, e muito, se distanciado da metrópole recém industrial da década de 50 - descrita acima por Richard M. Morse - o cerne, o primordial de sua concepção moderna e cosmopolita ainda habita fortemente o imaginário, o modo de vida e a forma como a produção do espaço se apresenta na cidade. Grandes arranha-céus, automóveis, velocidade, fluidez, multidões, acesso fácil ao consumo e - o mais importante para a lógica capitalista de funcionamento das cidades - ao trabalho e ao dinheiro, são características já consolidadas no arcabouço imagético não só de São Paulo, mas das grandes metrópoles ao redor do mundo. De todo modo, a cidade de São Paulo representa um caso à parte no contexto tanto brasileiro, quanto latinoamericano, se destacando como um grande pólo de concentração de renda, de investimentos (internos e externos) e de oferta de trabalho, sofrendo, constantemente, ondas de fluxos migratórios ao longo dos anos. Dessa forma, São Paulo exprime uma identidade fortemente ligada ao que se pode chamar de uma “cultura do trabalho”. Nesse sentido, Luís Antônio Jorge no artigo A Má Educação das Ruas e o Desenho da Cidade afirma que: “São Paulo é conhecida como a cidade do trabalho, onde as pessoas vivem para o trabalho e se definem como persona social em função das atividades que nela exercem. Esta cultura do trabalho está refletida no desenho da cidade e na forma como nos relacionamos com ela.” (JORGE, 2013, p. 79).

O desenho da São Paulo do trabalho, portanto, segue a lógica da produtividade e funcionalidade máximas, pensando sempre na eficiência, e na forma mais rentável de organização espacial. A velocidade é prioridade nos deslocamentos, em detrimento da qualidade do percurso, da contemplação e usufruto da cidade. Dessa forma, os veículos automatizados - carros, motocicletas, ônibus - dominam a cidade quantitativa e qualitativamente, ganhando inúmeras faixas, subindo viadutos, descendo túneis, cortando a cidade de ponta a ponta, em nome da continuidade dos fluxos. O pedestre se vê muitas vezes espremido em calçadas tortas e esburacadas, com desníveis desconfortáveis, degraus e ineficaz sinalização, uma vez que a grande maioria dos investimentos, logicamente, é destinada para a manutenção do fluxo dos veículos. Os espaços de parada, de estar, de sentar são raros e em alguns casos inexistentes; o deslocamento é estritamente funcional, tendo como resultado “ruas que não se parecem com lugares, mas com caminhos para se alcançar

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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

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os lugares.” (JORGE, 2013, p.79). Uma vez que há uma desvalorização do pedestre, a rua, esse caminho majoritariamente viário, parece não servir para outros tipos de relações como: passear, se encontrar, se divertir, ler, comer, beber, dormir, sentar, ou poder encontrar momentos de ócio. Não existem espaços de contemplação do ócio na cidade, porque não há nenhum tipo de relação capitalista ligada a essa prática, o que vai completamente contra a cultura do trabalho. Nesse sentido, um fenômeno que é possível de ser identificado é a incorporação do lazer no próprio ambiente de trabalho. Uma série de grandes empresas, com seus RH’s estratégicos, vêm criando mecanismos de melhorar a produtividade dos trabalhadores com a ideia de um ambiente “descontraído”, incorporando salas de descanso, de jogos e até mesmo bares nas dependências da empresa. Dessa forma, o trabalhador de fato não precisa sair do local de trabalho para quase nada e acaba possuindo a falsa ideia de que seu lazer está incorporado na rotina trabalhista de exploração. 30

A rua enfrenta, portanto, uma escassez de zonas de sociabilidade e vivência que não sejam programadas na lógica capitalista, o que contribui, ainda, para um imaginário de periculosidade do espaço público. É uma via de mão dupla: quanto mais esvaziadas as ruas, mais se multiplicam os condomínios fechados, os shopping centers, os muros, as barreiras físicas e socioeconômicas da cidade. É importante se ressaltar o aspecto socioeconômico do isolamento na produção do tecido urbano: a ideia de periculosidade só pode fazer sentido uma vez que se entende que existem pessoas que oferecem perigo e pessoas que buscam se proteger desse perigo. Nesse sentido, pode-se mencionar o artigo A Lógica do Condomínio ou: o Síndico e seus Descontentes, de Christian Dunker, onde o psicanalista discorre acerca do mal estar social fruto dessa configuração de isolamento em condomínios nas cidades brasileiras. A periculosidade, no texto, é apontada como o reconhecimento da barbárie na vida pública e os condomínios exprimem o desejo de se resguardar ao máximo de todo esse risco: “A cultura brasileira, no período pós-inflacionário, pode ser descrita pela expansão da lógica de condomínio que parece ter alterado, gradativamente, a antiga relação parasitária e clientelista entre vida pública e vida privada. Afinal, o condomínio implica a tentativa de criar certas regras e normas públicas, nos limites da vida privada, mas sempre à condição de um espaço de excepcionalidade, erigido como defesa contra a barbárie exterior. Ela implica, portanto, um reconhecimento da barbárie. Supondo-se que na situação em questão as


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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

condições objetivas e as intenções subjetivas são da melhor qualidade, pode-se argumentar que estamos diante de um paraíso para a ação comunicativa, o cenário ideal para a auto-organização racional de uma comunidade de risco zero.” (DUNKER, 2009, p.3).

O autor coloca ainda que para além de todos os aspectos formais da arquitetura, engenharia e urbanismo dos condomínios fechados, há uma dimensão fundamental baseada no perfil socioeconômico do usuário: nos condomínios “[...] estamos entre iguais. Protegidos pelos muros que anunciam: aqui vigora um estado especial da lei. Ao passar pela guarita prepare-se para ser fichado e filmado: você está entrando no sistema.” (DUNKER, 2009, p.1). Sistema esse que seleciona seus integrantes a partir da classe social e do desejo comum de viver em um refúgio apartado das mazelas e diversidades sociais, um espaço onde não se tenha que lidar com o diferente, com o errante e com o imprevisível. Dessa forma, existem algumas ressalvas de extremo valor para o entendimento das definições aqui trazidas acerca de São Paulo: esse culto à automatização, a presença da cultura do trabalho e o desejo de isolamento representam uma das inúmeras interpretações possíveis acerca da temática da modernidade, nesse caso, a modernidade presente na cidade formal. Nesse sentido, podemos entender que não existe a cidade formal, sem a cidade informal. Não existe o trabalho dentro do âmbito capitalista, sem a exploração. A metrópole da velocidade também é a metrópole do trânsito; a cidade do trabalho também é a cidade do desemprego, da pobreza, da miséria. Assim como, não existe apenas o espaço do carro. Os calçadões de pedestres e as galerias do centro, as praças e parques públicos são alguns exemplos de espaços de sociabilidade dentro da cidade de São Paulo, o que torna possível se afirmar que a mesma vive um grande paradoxo, uma contradição, um ambiente de realidades heterogêneas e contrastantes em constante sobreposição. A esse respeito o antropólogo José Guilherme Cantor Magnani coloca que: “A própria escala de uma megacidade impõe uma modificação na distribuição e na forma de seus espaços públicos, nas suas relações com o espaço privado, no papel dos espaços coletivos e nas diferentes maneiras por meio das quais os agentes (moradores, visitantes, trabalhadores, funcionários, setores organizados, segmentos excluídos, “desviantes” etc.) usam e se apropriam de cada uma dessas modalidades de relações espaciais.” (MAGNANI, 2002, p. 8)

Uma vez entendido que há uma cultura e uma lógica do isolamento das elites no desenho de metrópoles como São Paulo, é possível se embrenhar mais a fundo em outras questões: como

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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

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o indivíduo reage aos momentos em que se vê obrigado a partilhar o espaço público com o divergente?; quais são os mecanismos e estratégias que os indivíduos utilizam para suportar a vida na metrópole? Georg Simmel no texto A Metrópole e a Vida Mental traça uma investigação acerca da forma com a qual os indivíduos se adequam psiquicamente ao modo de vida nas metrópoles, para isso, ele coloca que: “A base psicológica do tipo metropolitano de individualidade consiste na intensificação dos estímulos nervosos, que resulta da alteração brusca e ininterrupta entre estimulos exteriores e interiores.” (SIMMEL, 1973, p. 12), dessa forma, os sujeitos estariam o tempo todo lidando com conteúdos individuais e superindividuais da vida, buscando uma adequação entre os dois âmbitos. A partir desse entendimento, o autor apresenta que os estímulos exteriores presentes na realidade das metrópoles são de uma ordem muito mais complexa e exigente do que os estímulos presentes na vida rural:

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“Com cada atravessar de rua, como 0 ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional e social, a cidade faz um contraste profundo com a vida de cidade pequena e a vida rural no que se refere aos fundamentos sensoriais da vida psíquica. A metrópole extrai do homem, enquanto criatura que procede a discriminações, uma quantidade de consciência diferente, da que a vida rural extrai.” (SIMMEL, 1973, p. 12)

Assim, para lidar com a dureza das cidades, os sujeitos, estrategicamente, desenvolvem mais as capacidades pragmáticas, intelectuais e racionalizadas de sua psique, para não sucumbir à realidade das metrópoles: “[...]0 tipo metropolitano de homem - que, naturalmente, existe em mil variantes individuais - desenvolve urn órgao que o protege das correntes e discrepâncias ameaçadoras de sua ambientação externa, as quais, do contrário, 0 desenraizariam. Ele reage com a cabeça, ao invés de com 0 coração.” (SIMMEL, 1973, p. 12 - 13)

Dessa forma, o intelecto, a inteligência seriam predominantes no ser metropolitano, por serem menos sensíveis e mais distanciadas de sua “zona mais profunda da personalidade” (SIMMEL, 1973, p. 13), para, justamente, “preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador da vida metropolitana” (SIMMEL, 1973, p. 13). A esse respeito, Simmel entende que o domínio das capacidades intelectuais e a economia monetária estão indimamente ligadas, e esse vínculo se dá em função do pensamento lógico: o


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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

ser metropolitano, parte da máquina produtivista, é treinado a lidar com suas relações de forma pragmática, a resolver conflitos por meio da operação lógica, e assim, evita as relações que sejam da ordem da subjetividade, sendo “indiferente a toda a individualidade genuína” (SIMMEL, 1973, p. 13). Assim, as relações entre os indivíduos no ambiente metropolitano da coletividade, se dão, majoritariamente, em função da produção para o mercado: “[...]isto é, para compradores inteiramente desconhecidos, que nunca entram pessoalmente no campo de visao propriamente dito do produtor. Através dessa anonimidade, os intecesses de cada parte adquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicos intelectualmente calculistas de ambas as partes não precisam temer qualquer falba devida aos imponderáveis das relações pessoais.” (SIMMEL, 1973, p. 14)

É interessante aqui analisarmos o fenômeno da anonimidade - tema não abordado diretamente no texto de Simmel, mas que se faz extremamente relevante para o desenvolvimento da pesquisa - e este, como uma consequência direta do fenômeno da multidão. O fenômeno da multidão está instrincicamente ligado à modernidade e às aglomerações urbanas. O sujeito que, anteriormente, tinha sua individualidade reconhecida facilmente por outras individualidades, agora é engolido por um mar de gente, pelo coletivo, pela massa. Charles Baudelaire, poeta parisiense do século XIX, escreve a respeito da diluição dos encontros e das relações dentro da nova conjuntura de anonimato que as cidades provém. O poema A uma Passante, como o próprio nome já denuncia, trata de um amor efêmero e fugaz, assim como a nova vida na metrópole: A uma Passante

A rua, em torno, era ensurdecedora vaia. Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa, Uma mulher passou, com sua mão vaidosa Erguendo e balançando a barra alva da saia; Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina. Eu bebia, como um basbaque extravagante, No tempestuoso céu do seu olhar distante, A doçura que encanta e o prazer que assassina. Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade

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4. SÃO PAULO: A CIDADE DO TRABALHO

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De um olhar que me fez nascer segunda vez, Não mais te hei de rever senão na eternidade? Longe daqui! tarde demais! nunca talvez! Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste, Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste. Charles Baudelaire, Paris, França,

O sujeito moderno se vê, portanto, obrigado a lidar com uma série de estímulos extenuantes, porém breves, fugazes, efêmeros. Essa nova condição dá lugar a um novo tipo de fenômeno psíquico: o da figura do blasé. A esse respeito, Simmel coloca que: “Não há talvez fenômeno psíquico que tenha sido tão incondicionalmente reservado à metrópole quanto a atitude blasé.” (SIMMEL, 1973, p. 15). O autor ainda explica que, para ele:

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“A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos contrastantes que, em rápidas mudanças e compressão concentrada, são impostos aos nervos. Disto também parece originalmente jorrar a intensificação da intelectualidade metropolitana. Portanto, as pessoas estúpidas, que não têm existência intelectual, não são exatamente blasé. Uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade por um tempo tão longo que eles finalmente cessam completamente de reagir. [...] Surge assim a incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada. Isto constitui aquela atitude blasé que, na verdade, toda criança metropolitana demonstra quando comparada com crianças de meios mais tranqiiilos e menos sujeitos a mudanças.” (SIMMEL, 1973, p. 16)

Podemos aferir, dessa forma, que o sujeito moderno produto da cultura do trabalho necessita de estratégias psicológicas para suportar a grande quantidade de estímulos, o fenômeno do anonimato e da multidão provenientes da vida na metrópole, se tornando isolado, indiferente, pragmático, passivo ou blasé. O indivíduo se vê obrigado a ser indiferente perante a sucessão de acontecimentos no ambiente da cidade, para não sucumbir e ser engolido por ela. Esse tipo de comportamento acaba se tornando padrão, normalizado dentro da lógica das cidades. Se torna um comportamento programado para os indivíduos. São esses comportamentos e esse tipo de produção de cidade, discorridos durante o presente capítulo, que estimulam o desejo de desprogramação da pesquisa, que busca, por meio de ações práticas, questionar, interferir e modificar o status quo.



5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

5. A P E R F O R M A N C E COMO AÇÃO 36

DESPROGRAMATIVA

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5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

“Através da realização de programas, o artista desprograma a si e ao meio. Através de sua prática acelera circulações e intensidades, deflagra encontros, reconfigurações, conversas, como diz Pope.L, ‘faz coisas acontecerem’.” (FABIÃO, 2013, p.5)

Uma vez estabelecidos os aspectos dos sujeitos e do território alvos do desejo motivador de desprogramação, pode-se partir para a etapa de apresentação da ferramenta de ação, análise e pesquisa desprogramativa do presente estudo: a performance. Retomando as inquietações iniciais a pesquisa: durante minha trajetória tanto enquanto arquiteta, como atriz, pude tatear o campo da performance e experimentar ações que, hoje, após uma série de outros estudos e pesquisas, entendo como performativas. Em todo caso, até pouco tempo, eu nunca tinha obtido uma vivência mais aprofundada e específica nessa temática. Foi quando tive a oportunidade de participar da disciplina eletiva realizada durante o mês de julho de 2019 na Escola da Cidade: Arquitetura e Performance, ministrada pelo arquiteto e professor Yuri Quevedo e pelo artista, pesquisador, diretor teatral, professor e performer Caio Riscado. Na disciplina pude vivenciar o estudo da performance de forma tanto teórica, sendo apresentada aos trabalhos de inúmeros artistas, como: Sophie Calle, Yoko Ono, Tehching Hsieh, Victor de La Rocque, Ariel Nobre, Eleonora Fabião, Jota Mombaça, Igor Vidor, Tania Bruguera, Fernanda Magalhães, entre tantos outros; quanto prática, por meio de exercícios de composição cênica e de performances coletivas no espaço público. A exploração da temática da performance na eletiva me trouxe uma série de respostas que procurava já há muito tempo, me propiciando uma série de entendimentos, como: o de que a performance é da ordem fo fazer5, fazer esse, extremamente autônomo - e contemporâneo nesse sentido -; podendo acontecer de forma desvencilhada ao texto dramatúrgico; que provoca uma não-passividade do espectador,o qual se torna participande da prática simplesmente por se deixar ser atravessado por ela; que amplia a ação e atuação artística, transitando entre o espaço da cena e da não-cena, entre a arte e a vida: a performance é a própria vida. Para traçar uma aproximação teórica acerca dos delineamentos sobre performance que interessam a essa pesquisa, serão utilizados três artigos: Diluição das Fronteiras entre Linguagens Artísticas: a performance como (r)evolução dos afetos da performer, diretora e professora Tania Alice (2014), A Ação Disruptiva no Espaço Urbano: um treinamento ativista também de Tania Alice e do diretor e 5 Frase dita inúmeras vezes por Caio Riscado durante as aulas da eletiva Arquitetura e Performance (Escola da Cidade, julho de 2019)

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5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

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professor Antônio Araújo (2013) e Programa Performativo: o corpo-em-experiência da performer e teórica da performance Eleonora Fabião (2013). Para Tania Alice a busca de uma definição essencialista para o que é performance seria uma tentativa de olhar sob uma lente moderna, engessada, carregada de enquadramentos de categorias fixas, uma questão que se apresenta em aberto dentro do âmbito da contemporaneidade. Uma vez que se discute performance perante o vocabulário e entendimento da arte contemporânea, faria mais sentido se pensar o que “vem sendo” ou “está sendo” performativo dentro das linguagens artísticas (ALICE, 2014). Desse modo: “podemos entender a linguagem da performance: como uma linguagem que não constitui apenas uma representação de determinada situação ou contexto, mas que, realizando e efetuando-se, modifica o presente, influi ativamente nele, propondo transformações nos modelos de poder vigente, remodelando as subjetividades e as relações previamente estabelecidas.” (ALICE, 2014, p. 34)

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Assim, podemos aferir que a performance é da ordem da ação, do fazer, do experimentar, do praticar. Por ter essa característica de ativação, a performance encontra sua principal potência na transformação (ALICE, 2014); na capacidade de recriar, desinvisibilizar, movimentar, desequilibrar, friccionar, negociar, agenciar, dialogar, atravessar, romper, reorganizar e desprogramar: “Interdisciplinar, transformadora, transgressiva, a performance, além de se cunhar como linguagem artística, apresenta-se, mais do que como uma disciplina artística, como uma indisciplina que amplia fronteiras, abre horizontes, rompendo com códigos representacionais preestabelecidos, afirmando-se como linguagem artística independente, não comercial e não comercializável, gerando consciência política e fomentando desejos de transformação social.” (ALICE, 2014, p. 36)

Pode-se dizer que a desprogramação, portanto, caminha junto com a performance e é dela parte indissociável. Desprogramação, ou disrupção: Tania Alice e Antônio Araújo em A Ação Disruptiva no Espaço Urbano: um treinamento ativista entendem o ato disruptivo como uma proposta de experimentação no espaço público que investiga quais as formas que dispomos para afetar e ser afetado, como treinar e intensificar essa capacidade de afetação, visando, especificamente causar uma perturbação na ordem produtivista e funcional vigente às grandes metrópoles contemporâneas; “uma ação disruptiva é aquela capaz de provocar estranhamento ou até mesmo causar uma interrupção dos fluxos cotidianos de uso da cidade” (ALICE, ARAÚJO, 2013, p. 13).


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5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

A performance aqui é entendida como um mecanismo, uma ferramenta de fraturar e perturbar o comportamento e uso padrão do espaço público, ou o que os autores chamam de artivismo: “atividade de diluição das fronteiras entre arte e movimento social ativista e procedimento de resistência dentro do contexto de homogeneização, massificação e controle coletivo exercido pela máquina produtivista” (ALICE, ARAÚJO, 2013, p. 14). Seria então toda a ação desprogramativa uma performance? Não necessariamente. Eleonora Fabião ensaia um delineamento do campo da performance com a noção de programa performativo utilizando - a partir de Gilles Deleuze e Félix Guattari6 - a ideia de “programa como motor da experimentação”. Segundo a autora: “Programa é motor de experimentação porque a prática do programa cria corpo e relações entre corpos; deflagra negociações de pertencimento; ativa circulações afetivas impensáveis antes da formulação e execução do programa. Programa é motor de experimentação psicofísica e política.” (FABIÃO, 2013, p.4)

O programa seria portanto o disparador e norteador da performance, o guia de ações, o enunciado, o procedimento composicional específico por meio do qual o performer - ou o público, ou o performer e o público - consegue desconstruir a representação (FABIÃO, 2013), se colocando assim, em um lugar entre a arte contemporânea e o teatro contemporâneo. É importante ressaltar também a qualidade prevista para o enunciado do programa, que pressupõe uma elaboração prévia a seu acontecimento, e se beneficia da clareza, polimento e articulação das ações apresentadas: “Proponho que quanto mais claro e conciso for o enunciado — sem adjetivos e com verbos no infinitivo — mais fluida será a experimentação. Enunciados rocambolescos turvam e restringem, enquanto enunciados claros e sucintos garantem precisão e flexibilidade.” (FABIÃO, 2013, p.4)

Dessa forma, ao contrário do que se pode pensar, os programas não engessam as ações e sim as especificam e delineiam, o que torna sua execução mais certeira para os performances e sua compreensão mais clara para o público. Essa precisão, no entanto, não se dá no âmbito da comunicação ou comunicabilidade, uma vez que, para Fabião, os performers visam prover uma experiência a partir da qual diálogos são criados, e não comunicar um conteúdo a ser decodificado pelos espectadores. Nesse sentido, as ideias de evento, de acontecimento e de efemeridade são 6 DELEUZE, Gilles e Félix GUATTARI “28 de novembro de 1947 – como criar para si um Corpo sem Órgãos” In: Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia vol.3. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 12.

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5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

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essenciais para o entendimento da ação performática, citando novamente William Pope.L: “Artistas não fazem arte, eles fazem conversas. Eles fazem coisas acontecerem. Eles modificam o mundo” (FABIÃO, 2013, p.2). Essa modificação do mundo pode e deve ser entendida como um ato político, um ato de resistência e de subversão. Em pleno 2019, com tantos ataques e ameaças à cultura, à liberdade de expressão, à pesquisa acadêmica, às minorias sociais e de direitos, é essencial perceber e encontrar na performance uma alternativa para dar luz ao invisível, para escancarar as opressões, para desautomatizar as relações e para questionar a realidade imposta. Pode-se entender, portanto, que as performances não surgem de um acaso ou de uma impossibilidade absurda. Por mais que algumas performances possam parecer absurdas a um sujeito menos poroso aos seus diálogos e conversações, as mesmas impreterivelmente possuem uma conexão indissociável com o contexto nas quais se encontram inseridas:

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“Através da realização do programa, o performer suspende o que há de automatismo, hábito, mecânica e passividade no ato de ‘pertencer’ – pertencer ao mundo, pertencer ao mundo da arte e pertencer ao mundo estritamente como “arte”. Um performer resiste, acima de tudo e antes de mais nada, ao torpor da aderência e do pertencimento passivos. Mas adere, acima de tudo e antes de mais nada, ao contexto material, social, político e histórico para a articulação de suas iniciativas performativas. Este pertencer performativo é ato tríplice: de mapeamento, de negociação e de reinvenção através do corpo-emexperiência. Reconhecimento, negociação e reinvenção não apenas do meio, nem apenas do performer, do espectador ou da arte, mas da noção mesma de pertencer como ato psicofísico, poético e político de aderência-resistência críticos.” (FABIÃO, 2013, p.5)

Por fim, Eleonora Fabião reafirma o campo aberto da performance e a amplitude infinita de possibilidades de utilização do programa performativo por performers individualmente, coletivamente, por não-performes, pelo público, por colaboradores e mesmo por espetáculos teatrais ou de dança, reforçando o caráter de experimentação e de investigação da prática performática: “Tenho experimentado programas como vias de encontro e agenciamento, como elementos de troca e diálogo dentro de grupos, entre grupos e entre artistas. Programas podem ser dados, ofertados, presenteados. Podem ser armas, escudos, geradores de conflito, elementos “disruptivos”. Criam-se programas para serem realizados individual ou coletivamente; oferecemos programas uns aos outros; concebemos aquele um específico, destinado àquela determinada pessoa, naquele exato momento; criamos programas para a elaboração de novos programas. E claro, há também a possibilidade de inserção


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5. A PERFORMANCE COMO AÇÃO DESPROGRAMATIVA

de programas na malha do espetáculo aumentando sua vibração performativa. Depende. Depende das aventuras de significância, subjetivação e organização que queiramos proporcionar uns aos outros; que queiramos proporcionar a nós mesmos e aos espectadores, participantes, colaboradores, coautores, cúmplices ou testemunhas dos trabalhos. Depende das temperaturas relacionais, dos tipos de contato que queiramos vivenciar. Depende. Depende das poéticas e éticas em questão. Tudo depende.” (FABIÃO, 2013, pp.8-9)

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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

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6. C O M O S E T O R N A R U M A ANÔNIMA DESTACADA 42


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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

A ideia de “anônima destacada” também me fora apresentada por Caio Riscado durante a disciplina de Arquitetura e Performance. Tal ideia está ligada à noção de que uma performer, quando trabalhando, opera ações de modo a se misturar no espaço e tempo cotidiano, criando fendas e fissuras no mesmo, porém de modo não espetacularizado. A performer continua sendo mais uma anônima na multidão, mas uma anônima destacada. A seguinte etapa do estudo propõe um passo-a-passo de como se tornar uma anônima destacada para, finalmente, desprogramar pessoas em cidades, a partir da construção do corpo performativo, entendendo que este se configura a partir da própria prática performativa e da abertura do corpo para sua afetação em relação a si mesmo, aos outros corpos e ao ambiente. “Quando o corpo é sensível a um contexto espacial tem a capacidade de perceber, explorar e propor novas interações com o ambiente. Tem a potência de transformar situações e lógicas espaciais no qual se habita e, nesse sentido, age como um elemento ativo capaz de propor reflexões” (LEBOREIRO, 2018, p. 214)

É imprescindível a compreensão de que a realização de qualquer performance passa pela instância do corpo. Claro, é possível se criar programas para objetos - por exemplo, a instalação de uma faixa com algum dizer específico -, porém, impreterivelmente, qualquer programa passa pela dimensão do corpo em sua concepção e mesmo em sua materialização - é necessária a ação humana para pensar, escrever e pendurar a faixa. É necessário um corpo pensante para ter desejos performativos e para tomar decisões performativas. É necessário se ter um corpo para supor as reações de outros corpos, para pensar de que forma chegar a outros corpos. E talvez o mais imprescindível: é necessário um corpo afetado, para causar afetações em outros corpos. Dessa forma, a performance, inevitavelmente trata de um universo que parte da intimidade da performer, e é justamente essa intimidade que pode contribuir para a desprogramação do espaço e dos demais corpos. É na exposição e compartilhamento dessa intimidade que se cria condições propícias para a reconfiguração das relações no espaço público. A exposição, o compartilhamento do corpo são atributos que podem comumente serem atribuídos às práticas das atrizes, dançarinas, ou das artistas, em geral. Assim, é possível se pensar que a performance deva ser uma prática restrita às artistas, a corpos que se interessam e pesquisam sua exposição e linguagem como forma de trabalho. O que proponho aqui, no entanto é a utilização do programa performativo para a própria construção do corpo performativo, e que o mesmo, portanto, se construa na prática, não necessitando de algum treinamento específico ou diferenciado daquele que a própria vida no espaço público já oferece a todas as pessoas que se colocam nele.

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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

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“Mas então, como preparar-se para performar? Ouso uma resposta: vivendo a vida. É a vida vivida até aquele momento que possibilita a concepção de cada programa e sua realização” (FABIÃO, 2013, p.10)

Assim como não há maneira de se preparar para a vida, não há maneira para se preparar para uma performance, não existem ensaios; em todo caso, existe uma construção e um refinamento performativo que se vai adquirindo em experiência, em vida, em situação. Dessa forma, proponho aqui a elaboração da performance ZERO: uma primeira aproximação performativa com o espaço público, uma experiência que possa propiciar, em estágios, o delineamento de um corpo performativo, de um corpo poroso, afetado; que possa testar os limites desse corpo e expandi-los. A performance ZERO consiste na realização de três programas performativos podendo ser feitos todos no mesmo dia, ou em dias alternados, podendo ter a mesma duração, ou durações diferentes. O importante é que se passe por todos os estágios, mas sempre respeitando o tempo do seu próprio corpo de reconhecê-los. “[...]não se atinge o corpo performativo grosseiramente. O corpo performativo não pára de oscilar entre a cena e a não-cena, entre arte e não-arte, e é justamente na vibração paradoxal que se cria e se fortalece.” (FABIÃO, 2013, p.6) 44

A ideia de se iniciar com uma combinação de três programas vem da noção de construção e desenvolvimento por meio da repetição: uma única performance é muito pouco para se exercitar esse corpo; uma segunda performance já trás o elemento de comparação em relação à primeira performance; porém, a partir da terceira experimentação já se cria uma coleção de aferições e se pode começar a criar um repertório performativo. Não entenda, entretanto, a performance ZERO como uma performance teste; nada que se for pensado e realizado se configura como ensaio. Suas percepções serão reais, as interações serão reais, as pessoas, a cidade, as relações de poder serão todas reais e imprevisíveis. Brutais. Viscerais. A performance ZERO funciona como um disparador de performances (FABIÃO, 2013), é durante o fazimento da performance ZERO que outros desejos performativos ficarão latentes. Os três programas que compõe a performance ZERO são, em ordem: 1/3 realizar registros do cotidiano em um caderno, em pé 2/3 sentar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes consigo 3/3 deitar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes consigo


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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

Os três programas propõem uma escalada de vulnerabilidade: inicia-se em pé, no nível de utilização comum das pessoas no espaço público; em seguida, propõe-se o ato de sentar no chão, ação poquíssimo realizada no espaço público; e, por fim, propõe-se deitar no chão, uma ação que pode ser considerada ainda mais vulnerável e improvável. A ação de se sentar pressupõe a utilização de um móvel que contenha tal função: uma cadeira, um banco, uma poltrona; existem, na cidade, espaços específicos para se sentar. As pessoas que não utilizam tais móveis e se sentam no chão ocupam, na grande maioria das vezes, alguma posição de marginalização: elas se sentam na rua porque não possuem outro lugar para se sentar, porque não são aceitas nos lugares destinados a se sentar na cidade. Desse modo, a partir dessa segunda etapa, existe a proposição de uma fricção de classe social e de privilégios sociais, sendo esses dois fatores, dois aspectos importantíssimos dessa proposta de desprogramação. A mesma reflexão pode ser feita a partir da ação de se deitar, porém, de forma mais intensificada, uma vez que o deitar é uma ação ligada à intimidade: não existem espaços públicos destinados ao deitar na cidade. Quem deita na rua, é porque dorme na rua. É porque não tem outro lugar onde dormir. Com excessão das praias - inexistentes na cidade de São Paulo - e dos solários, das áreas de piscinas, que, propõe especificamente esse uso, o deitar é realizado apenas em espaços íntimos e está ligado à ideia de ócio, de descanso, de descontração. Quando deitadas, nos tornamos extremamente vulneráveis; é difícil se enxergar quem se aproxima, se torna mais difícil se movimentar com rapidez. Além da camada socioeconômica, existe, portanto, a camada do evidenciamento das regras de utilização implícitas no espaço: não existe nenhuma regra clara, nenhuma lei que se coloque no sentido de proibir que se deite ou que se sente no espaço público, porém há um acordo silencioso, um pacto comum de conduta que pressupõe que o chão da rua não é espaço de sentar ou deitar. A presença e utilização do caderno de registros é também outro elemento de complexidade para a performance ZERO. Existe a dimensão do ócio, mas ao mesmo tempo, propõe-se uma ação: o registro. O ato de registrar, o elemento do caderno, são fatores que dialogam com a camada do trabalho, gerando uma outra fricção. É possível que os transeuntes enxerguem o caderno como um código para: pesquisador, desenhista, poeta, artista de rua, estudante, entre outros. Em todo caso, não fica claro, apenas com a utilização do caderno, qual é exatamente a ação que a performer está desenvolvendo no espaço em nenhuma das três etapas da performance, tornando assim, o caderno mais um elemento de estranhamento.

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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

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Uma vez colocados os três programas performativos, é necessário que se escolha o lugar da performance ZERO. Sugiro que se escolha um lugar que desperte desejos e interesses na performer, que a provoque de alguma forma. Pode ser algum lugar já familiar, ou um lugar mais desconhecido. Acredito ser mais interessante um lugar não tão previamente explorado, para que assim se utilize a performance como ferramenta de aferição desse espaço; como uma forma subversiva de mapeamento; um mapeamento em situação e não em observação, um mapeamento ativo e não passivo, um mapeamento que se produz a partir de aferições pessoais e, por vezes, subjetividades da performer, e não necessariamente dados concretos.

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Proponho que a as três etapas da performance ZERO sejam realizadas no mesmo local, ou ao longo de um mesmo percurso curto. A partir dessa constância performativa em um único local, um fenômeno interessante muito provavelmente começará a acontecer: a performer será reconhecida pelas pessoas que frequentam o lugar escolhido. Esse fator traz uma camada de complexidade por que: essas pessoas não terão mais a experiência plena da surpresa, apesar de os programas performativos serem diferentes em cada experimentação, o seu corpo e a sua qualidade de disrupção já serão familiares e esperados, ou melhor, programados. Desse modo, sugiro que se escolha um local de grande fluxos de pedestres, assim, é certo que grande parte dos transeuntes serão elementos novos na performance e terão de fato a experiência completa. Essa mistura de “públicos”, ou coautores da performance, é um elemento interessante de jogo performático que possibilita a performer transitar entre os espaços de cena e não-cena: uma vez sabido que existem pessoas que estarão “esperando” pela performance, a performer começa a trabalhar em uma outra dimensão de relação e afetação e pode intensificá-la. “Através do corpo-em-experiência cria relações, associações, agenciamentos, modos e afetos extraordinários. Performances são composições atípicas de velocidades e operações afetivas extraordinárias que enfatizam a politicidade corpórea do mundo e das relações. O performer age como um complicador, um desorganizador; cria para si um Corpo sem Órgãos ao recusar a organização dita “natural”, organização esta evidentemente cultural, ideológica, política, econômica.” (FABIÃO, 2013, p.5-6)

Outra escolha que a performer precisará realizar é a da vestimenta. A vestimenta comunica, é outra camada da linguagem da performance, é um elemento que auxilia na caracterização do seu corpo performático. Não estamos investigando aqui a criação de uma persona para a performance, assim, sugiro que a performer se vista de maneira usual, com roupas que possuam algum significado pessoal para você, no âmbito da sua identidade. Em todo caso, é necessário que se tenha consciência de que a vestimenta comunica, também cria conversas e deve assim, ser levada em consideração como uma escolha tão importante quanto o local da performance.


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6. COMO SE TORNAR UMA ANÔNIMA DESTACADA

Penso muito a respeito da questão do momento em que se inicia a performance. Diferente de uma cena, você não “entra” na performance. Não existe uma divisão clara do que seria o espaço cênico e o espaço não-cênico. A performance ocorre em vida, em situação. De todo modo, me arrisco a dizer que a performance se inicia a partir da decisão de que de determinado momento em diante, se estará cumprindo o programa performativo que fora planejado, de maneira comprometida. A performance no espaço público é um tipo de trabalho que depende essencialmente do comprometimento da performer: não existe nenhuma expectativa encima do seu trabalho por parte de outras pessoas, não existe nenhum tipo de cobrança. Não existe um horário a ser cumprido, uma meta, ou algum rendimento esperado. Existe apenas o programa performativo e os limites que ele define. Em todo caso, a única pessoa que possui conhecimento desse programa e o entendimento dessa prática como um trabalho é a própria performer. O único motor de ação da performance é o próprio desejo de performar, o que torna a prática, a meu ver, extremamente genuína. Sugiro também algumas estratégias de percepção desse corpo performativo, que podem auxiliar nessa construção e mapeamento: quando se estiver performando, procure reparar de que forma está configurada sua postura, qual a temperatura que seu corpo adquire, qual a velocidade e qualidade de sua respiração, qual sua rapidez de resposta aos estímulos, qual a velocidade de movimentação do seu olhar. Reparar. E não reconfigurar ou montar um corpo artificializado. Simplesmente aumentar o foco para a produção de sua presença no momento da performance, sem antecipar os acontecimentos, de uma forma muito próxima à prática meditativa. “A concepção e realização de programas possibilita, para além de gêneros ou técnicas específicas, pesquisar capacidades, propriedades, especificidades do corpo, investigar dramaturgias do corpo. Programas tonificam o artista do corpo e o corpo do artista.” (FABIÃO, 2013, p.8-9)

Em todo caso, acredito que o elemento que de fato configura o corpo performativo é a interação com os transeuntes. Como as ações são pensadas e propostas para o espaço público, esse elemento estará sempre presente. Mesmo que não haja diálogo, nem mesmo uma troca de olhares, a própria presença do corpo no espaço público causa reverberações, conversas, cria presença e reconfigura o espaço. Assim, sugiro por fim que a performer esteja aberta e disponível para essa interação. Que não imponha, mas que facilite os diálogos, os sorrisos, os olhares. Que esteja aberta a essa experiência, por completo.

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7. PERFORMANCE ZERO

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7. P E R F O R M A N C E Z E R O

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7. PERFORMANCE ZERO

Apresento nesse capítulo dois momentos: primeiramente a minha experiência individual com a performance ZERO e em seguida a performance ZERO realizada por um coletivo de pessoas. A escolha do lugar de realização da performance ZERO, para mim, se deu em função de uma série de desejos: trabalhar a área central era uma vontade, mais especificamente, a área dos calçadões de pedestres, que me intriga muito. Acho curiosos esses bolsões de sociabilidade e as relações que se criam neles. O Centro me interessa também em função de ser um local de uma heterogeneidade impressionante: de usos, de classes sociais, de apropriações, de nacionalidades... Havia pensado também em realizar a performance ZERO em algum bairro mais abastado da cidade, em alguma avenida de grande presença de homens engravatados, de patinetes elétricos e seguranças nas portas de edifícios espelhados. Porém, a complexidade e sobreposição de camadas no Centro de São Paulo é tão vasta, que entendi que a performance ZERO seria muito mais rica e atravessada pelas mais distintas questões e reflexões se realizada nessa área. Elegi o trecho que parte da rua Barão de Itapetininga, se iniciando na Praça da República, e chega até o final do Viaduto do Chá. O trecho foi escolhido em função de conter quatro situações muito específicas: o primeiro trecho possui uma grande quantidade de camelôs, principalmente de imigrantes de países africanos; um pouco mais pra frente encontramos um fluxo mais rápido, com mais lojas e menos vendedores ambulantes; em seguida, se chega ao Teatro Municipal, com um trecho onde é permitida a passagem de veículos, desembocando no Viaduto do Chá, um dos símbolos modernistas e rodoviaristas da cidade, que representa também a passagem do Centro Velho para o Centro Novo e a expansão urbana e econômica de São Paulo. Enxergo esse trecho como uma amostragem de diferentes contextos e realidades que no restante da cidade estão muito mais segregados e raramente se encontram, sendo assim, um território extremamente dinâmico e imprevisível, o que, para a minha pesquisa, interessa bastante. As próximas páginas contam com o registro dessas performances: relatos meus a respeito da escolha da vestimenta de trabalho, trechos do meu caderno de registro de campo, reflexões feitas posteriormente e fotografias e desenhos de observação do Leo Mello. Compartilho assim, minha intimidade, a construção do meu corpo performático e a minha experiência pessoal e subjetiva com a performance, colocando a performance ZERO à prova e buscando inspirar a utilização desse manual por outros corpos e outras intimidades.

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o dia começa cedo rápido atrasado. 8:30 chego na andressa para carregar o carro, 15 minutos atrasada. atrasamos 15 minutos pra chegar na usp. montamos o inflável: conserta a porta, conserta o chão. minha garganta dói. cansaço. 14:00 chego em casa. almoço. engulo a comida. ansiedade. fico de bobeira um tempo. não sei quanto tempo. tomo banho. o inflável sempre me deixa muito suja. os pés, as mãos. me sinto limpa. preciso escolher uma calcinha que não marque na calça. será que homem sabe qual sua cueca mais invisível? acho uma razoavelmente boa. coloco. a calça eu já tinha escolhido fazia um tempo: preta, de malha, larga nas pernas. tá apertada na bunda? apertada não, mas também não tá soltinha… mas é confortável. não tenho medo de sujar essa calça, ela não me sufoca. ela é boa. não esquenta. tá um puta calor. será que homem pensa nessas coisas? tá. e a blusa? não pode marcar o peito. odeio sutiã. não vou pôr. tá muito calor. homem não pensa nisso. e a cor? minha cor favorita é amarelo. eu me sinto eu de amarelo. vai ser a blusa amarela então: um clássico maristella. acho que vou de tênis. mas esse é vans, tem marca. mas é confortável. mas vão achar que sou rica. mas pode ser falso. o dinheiro tá na minha cara, não no tênis. vou com ele, ficou bom. pego meu caderno preto de capa dura e algumas canetas coloridas, apesar de que sei que vou acabar registrando tudo com a caneta preta. saio apressada


16:30 chego na escola da cidade mais ansiosa não é fácil se constituir um corpo sem órgãos a produção de presença não se dá do dia para a noite penso em eleonora fabião penso em caio riscado como terá sido a primeira vez que caio performou? como ele entendeu que possuía um desejo que só poderia ser sanado pela performance? o leo foi na papelaria comprar os materiais pra registrar a performance não sei o que fazer o cheiro da pipoca lá fora me enjoa me da fome me chama compro o leo chega comemos pipoca e ansiedade juntos


performance ZERO 28/10/2019 1/3 17:30, rua Barão de Itapetininga, trecho entre (aproximadamente) os números 297 e 227, partindo da Praça da República, em sentido ao Viaduto do Chá programa performativo: realizar registros do cotidiano em um caderno, em pé


combinamos alguns detalhes: vamos no separar na praça da república, os registros serão feitos de forma “investigativa”, concordamos bem com esse termo. a gente pode se olhar, a gente deve se olhar. tentamos combinar um sinal de perigo, mas não o encontramos. entendemos que não precisamos de sinal nenhum e sim estarmos atentos. presentes. para si, pra com o outro, para com todos. enquanto andamos me concentro na imagem de todos os poros do meu corpo se abrindo. me sinto porosa. grande. presente. olho para o leo 1 2 3 e já começou hein?


começou o que? quando é que começa a performance? tenho mania de entrar em cena. meu corpo rapidamente se lembra dos exercícios de “andar neutro”. tento andar neutro. mas eu não estou em cena. eu não preciso andar neutro. eu preciso andar eu. eu ando eu. o pedro lopes disse que a performance faz a gente lembrar que é ser encarnado agora eu entendi.













performance ZERO 30/10/2019 2/3 15:30, cruzamento entre as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros programa performativo: sentar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes comigo


o corpo tem memória. foi só chegar próximo à Barão que já comecei a me sentir eufórica. não, não era mais ansiedade, ou medo. era vontade. meu corpo vibrava de vontade de viver essa cena que imaginei tantas vezes na minha cabeça. me sentia ainda mais porosa do que na primeira vez. chegando no cruzamento, eu sabia exatamente o que fazer. mas ainda assim, hesitei. pensei na possibilidade de não acontecer nada, de não haver nenhum olhar, nenhuma aproximação. pensei ainda na vulnerabilidade do meu corpo, na exposição. em meio a tantos pensamentos, uma pessoa me abordou. depois outra. ambas para pedir informação. foi então que me dei conta de que haviam muitas pessoas paradas nesse cruzamento. pessoas que não estavam de passagem. que estavam trabalhando: entregando panfletos, realizando pesquisas. bom, acho que está mesmo na hora de trabalhar. e sentei.


















performance ZERO 01/11/2019 3/3 10:30, aproximadamente no ponto central da calçada ímpar do Viaduto do Chá programa performativo: deitar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes comigo


não sei quantos minutos fiquei em pé coração na boca tremia demorei hesitei pensei repensei escolhi com precisão onde deitaria bem no meio alinhada ao piso pensei que assim seria mais fácil das pessoas me verem e não tropeçarem em mim, encima da faixa de piso contínua e reta que passa na calçada procurei o leo não achava procurei o olhar do leo não achei respirei pensei repensei deitei


logo de cara todo mundo achou que eu tava passando mal privilégios escancarados branca menina bonita não deita no chão sujo da rua. me senti vulnerável muito vulnerável. meu corpo parecia gigante. qualquer um podia me tocar. todos me tocavam. o viaduto me tocava. o calor me derretia fiquei imensa. “vou ter que mudar de posição” levantei os braços levantei uma perna balançava a outra ócio relaxa o calor era quase insuportável então o vento me aliviava entendi então que a exposição seria minha aliada se algo acontecesse, todo mundo ia ver afinal, eu sou uma anônima destacada.




a mudança de perspectiva é realmente incrível pude olhar o céu o topo dos prédios tão altos, tão longe as copas das árvores encima do prédio da prefeitura pareciam uma colagem digital queria me perder dentro do tempo das nuvens mas o tempo da cidade é outro é rápido buzina, ônibus, moto alguém passa correndo do meu lado outra pessoa quase tropeça em mim alguém me olha com cara de desejo eu só queria me perder dentro do tempo das nuvens












performance ZERO 02/12/2019 2/3 10:30, cruzamento entre as ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros programa performativo: registrar no meu caderno as interações dos transeuntes comigo, fazer isso sentada no chão



1 mês se passou 1 mês sem performar nessa manhã de segunda feira acordei cansada sem ânimo, sem vontade retorno pro meu cruzamento um cruzamento agora tão familiar Seu Domingos me reconhece de longe vejo outros olhares familiares no Boticário, na loja Vida a moça do camelô de roupas bonitas me sorri mais de uma vez aos poucos meu corpo vai se despertando, se encontrando, se percebendo aos poucos vou encontrando de novo aquele estado de ser encarnado













7. PERFORMANCE ZERO

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performance ZERO coletiva Desde que comecei a pensar os programas performativos que iriam compor essa pesquisa, logo fui atingida pelo desejo de propor uma performance que fosse coletiva e envolvesse diferentes corpos. No texto, já anteriormente mencionado, de Tania Alice e Antonio Araújo A Ação Disruptiva no Espaço Urbano: Um Treinamento Ativista, os autores colocam que as ações coletivas, por terem o aspecto da coralidade, possuem seu impatco e seu poder de interferência no espaço público ampliados. Diferente de um flash mob, que geralmente possui uma plasticidade grande, buscando apenas causar um impacto visual, uma ação coletiva busca tensionamentos, conexões e diálogos com o espaço público (ALICE, ARAÚJO, 2013, p. 19). Assim, após minhas quatro experiências performativas individuais, me pareceu interessante propor a performance ZERO para um coletivo de pessoas. Sabia como a performance ZERO funcionava para a minha realidade, para o meu corpo, para a minha intimidade, mas uma vez proposto um manual para ser utilizado por outros corpos, fazia sentido investigar e pesquisar como outras pessoas, com intimidades diferentes da minha, experienciariam a performance ZERO. 114

Realizei alguns anúncios em meu Instagram, e em grupos de WhatsApp e Facebook convidando atrizes e atores, dançarinos e dançarinas, arquitetas e arquitetos, performers e corpos interessados em realizar uma performance coletiva no espaço público, mais especificamente na área central da cidade. No anúncio optei por não entrar em detalhes da performance e pedi para que as pessoas interessadas entrassem em contato comigo. Foram sete interessados e interessadas em participar da prática: Andressa Mello (atriz formada pela ECA-USP), Laura Leal (estudante de arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade), Leo Mello (estudante de arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade e responsável pelos registros de todas as performances do presente trabalho), Luiz Pressi (formado em letras pela FFLCH-USP), Mariana Nunes (licenciada em música pela UNESP e atriz), Sérgio Marques (ator formado pelo INDAC, arquiteto formado pela FAU-USP e estudante de direção teatral na SP Escola de Teatro) e Tamara Crespin (estudante de arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade). Reuni todas e todos em um grupo de WhatsApp e coloquei informações essenciais, sem revelar os programas da performance ZERO (imagem 6). Chegada a data da performance, nos encontramos na Escola da Cidade, onde realizei uma pequena fala a respeito das minhas inquietações com a prática cênica e o espaço público, expliquei minha vivência na disciplina eletivade Arquitetura e Performance, comentei o alívio de descobrir o programa performativo de Eleonora Fabião e por fim, expliquei quais seriam os três programas realizados. Optei por colocar, de uma só vez, as três etapas da performance ZERO, em função de


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7. PERFORMANCE ZERO

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imagem 6: captura de tela do do grupo criado para a performance coletiva, no aplicativo WhatsApp


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todos os participantes da ação já terem tido, em algum momento, alguma experiência ou com performance, ou com teatro. De todo modo, deixei os participantes livres para escolherem se gostariam de fato de passar pelas três etapas. Programei a performance para durar uma hora e deixei também em aberto por quanto tempo cada um deveria ficar em cada etapa. Expliquei qual seria o trecho utilizado para a performance e comentei que seria o mesmo no qual eu também a realizei, contando em quais locais específicos eu realizei cada programa, porém, deixei que cada performer escolhesse aonde gostaria de realizar cada etapa. Optei por manter o mesmo local para intensificar a comparação das minhas performances individuais com a performance coletiva. Guardamos nossas bolsas na Escola e partimos juntos em direção à praça da República, onde dei mais indicações acerca do percurso. Nos separamos na faixa de pedestres que leva à Barão de Itapetininga e a partir de então, cada um iniciou seu programa.

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imagem 7: participantes da performance ZERO, da esquerda para a direita: andressa, mariana, sĂŠrgio, laura, tamara, maristella e luiz autoria: leo mello


03/12/2019 10:30 programas performativos propostos ao coletivo: 1/3 realizar registros do cotidiano em um caderno, em pé 2/3 sentar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes consigo 3/3 deitar no chão da rua e registrar em um caderno as interações dos transeuntes consigo meu programa performativo pessoal: propor a performance ZERO a um coletivo e observálos realizando-a


durante todo o processo da performance ZERO coletiva me senti em um papel de diretora no sentido de organizar toda a logística da ação e de coordenar a prática, dando informações e indicações. mas me senti também muito vulnerável e insegura senti que compartilhei questões muito íntimas e caras para mim me senti também responsável por essas pessoas por assegurar de que nada de ruim acontecesse com elas mesemo sabendo que isso estaria um pouco de fora da minha alçada em alguns momentos coloquei tudo em xeque me perguntei se de fato essa pesquisa fazia sentido foi então que vi sete manchinhas amarelas se espalhando, se embrenhando, se misturando com a cidade o impacto do grupo rapidamente foi sentido “vocês parecem umonte de pintinhos”, disse. ri. rimos. começou.


tamara



sérgio




laura



luiz




andressa





leo




mariana


8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

8. Z O N A S H Í B R I D A S : ENTRE ARTE E VIDA 138

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8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

Fique na luz do fim de tarde até que você fique transparente ou adormeça. Quebre um museu contemporâneo em pedaços com os meios que você escolheu. Recolha os pedaços e junte-os novamente com cola. Compre muitas caixas de sonho. Peça que sua esposa selecione uma. Sonhem juntos. Sorrio. Instintivamente. Continuo lendo. Escute o som da Terra girando. Colecione na mente os sons que escutou casualmente durante a semana. Repita-os mentalmente em diferente ordem numa tarde. Faça uma chave. Ache uma fechadura que sirva. Se você a encontrar, queime a casa que a contém. Tenho vontade de levantar. De sair correndo. De gritar. Não levanto. Continuo lendo. Passe uma semana rindo. Desenhe um mapa para perder-se. Pense o quê está pensando a pessoa ao lado.7 Impossível. Impossível fazê-las. Algumas mais, outras menos. Mesmo assim, quero realizá-las todas. Ou já as teria realizado? Em minha mente, na minha imaginação, já as realizei. Inúmeras vezes. De incontáveis formas. Em diferentes países. Ora nua, ora vestida. No frio, no calor, debaixo d’água, na praia, em um campo verde e quente, no meio do deserto, flutuando infinitamente no espaço. “É isso” - penso. Fazê-las, não seria o suficiente. Nunca seria o suficiente. 7 Trechos retirados de Grapefruit - O Livro de Instruções e Desenhos de Yoko Ono, traduzido para o português por Giovanna Viana Martins e Mariana de Matos Moreira Barbosa através do Programa de Bolsa de Iniciação Científica FAPEMIG/UEMG. Belo Horizonte, 2008/2009.

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8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

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O livro Grapefruit (1964), de Yoko Ono, é um grande exercício de imaginação. De criação, compartilhamento e multiplicação de desejos e afetos. De afetações mentais. As, chamadas pela autora, “instruções” entoam enunciados claros, simples, concisos, com uma estrutura poética muito similar a do haikai japonês. Essa simplicidade, à primeira vista, pode remeter ao óbvio, ou até a uma certa ingenuidade, quando de fato, as instruções não se propõem à grandiosidade, ou a respostas últimas, mas sim a uma sugestão de (im)possibilidades (extra)cotidianas, a uma suspensão da lógica racional, do modus operandi, do status quo.

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“Yoko propõe uma desaceleração pacífica do tempo. E não seria esta uma forma de resistência às incompreensões e tumultos do mundo contemporâneo?” (MARTINS, 2012, p. 21) Resistência. As instruções de Yoko resistem a toda e qualquer utilidade ou funcionalidade; não servem, efetivamente, para coisa alguma. Isso, no entanto, se pensarmos na lógica capitalista da noção de função, que está intimamente ligada à produtividade. Yoko, pelo contrário, nos instrui a uma subversão do pensamento, a uma ampliação de consciência para além da racionalidade cartesiana das relações contemporâneas. Ao nos instruir, Yoko confessa, confidencia seus desejos e assim, nos torna cúmplices e co autores de um universo subjetivo e íntimo. As instruções tensionam os limites entre realidade e fantasia, entre o comum e o sublime, o possível e o impossível, criam zonas híbridas entre a arte e a própria vida. Arte. Nas próprias palavras da artista, seu trabalho é definido como “pinturas de instrução” e teria sua origem na colagem, na assemblage e no happening, podendo ainda, qualquer um dos três termos anteriores substituírem a palavra pintura, “Porém, gosto da velha palavra pintura porque imediatamente se conecta com ‘pintura de parede’, e isso é bom e divertido” (ONO, 1964, p.273). Yoko fala ainda em um “método de pintura” e que este teria vindo de longe, do tempo da Segunda Guerra Mundial, “quando não tínhamos nada para comer e meu irmão e eu trocávamos menus no ar” (ONO, 1964, p. 274). Essa informação da origem do método de pintura é mais uma pista indicando para o caráter utópico de seu trabalho, que propõe a criação de uma zona segura, um espaço, novamente, de resistência à dureza do mundo. Além disso, essa informação traz um tom ainda mais pessoal e íntimo ao seu trabalho. Do mesmo modo que ocorre no trabalho de Yoko, onde os limites entre arte e vida são diluídos, sem uma definição clara, a produção do performer taiwanês Tehching Hsieh tensiona ainda mais essas fronteiras, tornando-as em certos pontos, indiferenciáveis. Hsieh nasceu em 1950, na


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8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

cidade de Nan-Chou em Taiwan e possui uma trajetória um tanto quanto curiosa. A curta biografia presente em seu site8 conta que o artista abandonou o colegial em 1967 para começar a pintar e após o término de seu serviço militar (1970-1973) teve sua primeira exposição solo na galeria American News Bureau, em Taiwan. Logo após essa exposição, Hsieh parou de pintar. Ele treinou para se tornar marinheiro, fato que o permitiu entrar nos Estados Unidos, em 1974. Ele ficou ilegal no país por 14 anos, até conseguir se legalizar, no ano de 1988. Em meio a essa trajetória, Hsieh realizou, a partir dos anos 1970, cinco performances de uma série chamada One Year Performances (Performances de um Ano) e uma outra denominada Thirteen Year Plan (Plano de Trinta Anos). A ideia da longa duração de suas performances funciona como partido, justamente, para causar essa fusão entre o âmbito da arte, ou trabalho, e a vida pessoal do artista. A primeira performance da série One Year Performances ocorreu entre os dias 29 de setembro de 1978 e 30 de setembro de 1979 e é chamada de Cage Piece (Peça da Cela). Na performance, Hsieh se trancou em uma gaiola de madeira de 3,5 x 2,7 x 2,4 m, mobiliada apenas com luzes, uma cama de solteiro, um balde e um lavatório. Durante o período de duração da performance ele se comprometeu a não falar, ler, escrever, escutar rádio ou assistir televisão. Seu companheiro de apartamento o visitava diariamente para entregar comida, remover seus resíduos e tirar uma única fotografia por dia. Além disso, a performance era aberta à visitação do público uma ou duas vezes por mês das 11 horas da manhã as 17 horas da tarde. Um advogado acompanhou todo o processo e se assegurou de que o artista nunca deixasse a gaiola durante aquele ano. Um fator que me intriga fortemente é a elaboração, pelo artista, de um contrato formal, assinado por ele e pelas pessoas envolvidas em suas performances. Esse elemento cria uma fricção, um tensionamento acerca do tema da formalidade, do trabalho em si, do comprometimento com a ação, da subversão da lógica capitalista e monetária do trabalho. Suas performances me fazem refletir sobre a inserção ou não do trabalho de performer dentro da máquina produtivista; sobre a necessidade ou não do ofício performer na sociedade; me fazem refletir sobre o que é trabalho; sobre o porquê de trabalharmos; me faz refletir acerca dos limites da sobrevivência; e do que é realmente necessário para se sobreviver no mundo. Como não chamar de trabalho uma ação que dura tanto tempo? Como não chamar de trabalho uma ação que demanda grande sacrifícios? De mesmo modo: como não chamar de vida uma prática que se extende por anos? Como não chamar de vida a realização de sacrifícios? 8 www.tehchinghsieh.com

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8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

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Ambos os trabalhos, de Yoko Ono e de Tehching Hsieh, foram extremamente inspiradores para essa pesquisa, em um sentido de me provocarem a entender quais questões de fato me mobilizavam, me sensibilizavam internamente e que poderiam impulsionar meus desejos e meu trabalho performativo.

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imagem 8: capa do livro Grapefruit, de Yoko Ono fonte: www.amazon.com.br


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8. ZONAS HÍBRIDAS: ENTRE ARTE E VIDA

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imagem 9: Cage Piece, do performer Tehching Hsieh fonte: www.tehchinghsieh.com


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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9. C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicío essa etapa de considerações finais do trabalho com a seguinte reflexão: minha pesquisa é performance. Minha pesquisa se afirma enquanto performance uma vez que, desprograma o eixo temático comum de trabalhos de conclusão de curso dentro da Escola da Cidade e, me arrisco a dizer, dentro do próprio campo da arquitetura. Apesar de sermos preparadas durante anos dentro da faculdade para criarmos espaços para pessoas, temos raríssimas oportunidades de investigar as relações de corpo e espaço, principalmente no que diz respeito a um corpo não-genérico, nãopadronizado, não-escala arquitetônica. Entendo que com esse trabalho pude pesquisar o lugar da intimidade, do subjetivo, do pessoal dentro do espaço público e a partir dele falar também daquilo que é comum, universal e compartilhado. Assim, parto para a reflexão de que o trabalho de conclusão de curso, a meu ver, deve sim se colocar em um tom pessoal e propiciar a estudante uma oportunidade de se aprofundar em questionamentos que façam sentido dentro de sua formação individual, expandindo o campo de pesquisa da Instituição e abrindo portas, deixando pistas para novas perguntas e reflexões. Entendo que com essa pesquisa pude reafirmar o corpo como instrumento essencial de percepção, de reflexão, de análise e de experiência da arquitetura e pude colocar a performance como ferramenta e metodologia que também pode funcionar como, não só mapeamento e aferimento da arquitetura dos espaços públicos e privados, mas como proposição de novos espaços, sejam concretos, sejam efêmeros, sejam de memória ou de afetividade. Nesse sentido, afirmo também a importância da pesquisa prática e de campo dentro da arquitetura, pois foi só com a realização das performances que pude de fato atestar e expandir o entendimento adquirido com a pesquisa. Foi durante as ações que pude perceber que a performance tem a potencialidade de evidenciar, de escancarar a realidade, sublinhando privilégios de classe social, de raça e de gênero. Prova disso foi perceber a diferença na quantidade de interações que foram realizadas comigo durante as performances, ou com as outras mulheres do grupo (incontáveis) e com o Luiz, homem, branco, que mal chamava a atenção mesmo testando as mais diversas possibilidades de deitar no chão. Já o corpo do Sérgio, masculino e não-branco, chamava menos atenção ainda. O episódio ocorrido com a Andressa e relatado por ela em seu caderno, no qual um homem, inconformado, tenta interromper sua performance e diz que deitando no chão ela “se desmoraliza”, por ser “bonita” reafirma o machismo na liberdade que um homem sente em abordar uma mulher desconhecida no espaço público e debater com ela o que a mesma pode ou não fazer.

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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A tensão e o inconformismo das pessoas ao me verem, uma mulher branca, limpa, sentada juntamente a dois moradores de rua, sujos e bêbados, reforça a invisibilidade das pessoas em situação de rua, em situação de miséria ou vulnerabilidade, demonstrando que as mesmas só são notadas quando estão - aparentemente - “incomodando” alguém, ou provocando alguma situação de desconforto. A diversidade de situações ocorridas durante as performances, tanto coletivas, quanto individuais, apontam também para a qualidade dinâmica e heterogênea do Centro de São Paulo, local onde fomos acolhidas, questionadas, repudiadas, assediadas e abraçadas, quase que simultaneamente. Entendo que todas essas vivências e registros das mesmas compõem aqui uma cartografia, um mapeamento sensível e pessoal do território explorado, que, ao meu ver, pode servir como base para se pensar a arquitetura: tanto para entender desejos arquitetônicos, quanto para entender o espaço, os corpos que frequentam esse espaço, como seu próprio corpo se porta nesse espaço, identificar potencialidades, defasagens e possibilidades desse espaço, de forma extremamente íntima, pessoal e genuína, mas que pode também ser aplicada no âmbito universal e comum. 146

Sinto extremo desejo de continuar essa pesquisa, explorando outros programas performativos no meu corpo e em outros corpos, explorando outros territórios, criando novas cartografias. Possuo, mais ambiciosamente, o desejo de criar de fato projetos concretos de arquitetura a partir das vivências com a performance. Mas por hora, me sinto completa, sinto que posso encerrar esse ciclo com a certeza de ter me permitido, genuinamente, investigar temas que de fato sempre me mobilizaram e continuam mobilizando fortemente. Meu desejo agora é que esse manual possa mobilizar outros corpos, em outras realidades, em outros contextos. Assim, deixo esse caderno em branco como um convite e uma provocação para desprogramar pessoas em cidades.



10. REFERÊNCIAS

10. R E F E R Ê N C I A S

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10. REFERÊNCIAS

Artigos: ALICE, Tania. Diluição das fronteiras entre linguagens artísticas: a performance como (r)evolução dos afetos. In: Catálogo Nacional do SESC, 2014. Disponível em: http://taniaalice.com/wp-content/uploads/2012/11/palco2014_Artigo_Tania.pdf ALICE, Tania; ARAÚJO, Antônio. A Ação Disruptiva no Espaço Urbano: um treinamento ativista. In: Treinamentos e Modos de Existência, (org. Bya Braga e Alex Beigui), Rio Grande do Norte: EDUFRN, 2013. Disponível em: http://taniaalice.com/wp-content/uploads/2013/01/A-a%C3%A7ao-disruptiva.pdf DUNKER, Christian Ingo Lenz. A Lógica do Condomínio ou: o Síndico e seus Descontentes. Revista Leitura Flutuante: Clínica da Cultura e Elementos de Conexão Entre Semiótica e Psicanálise, nº1, São Paulo, 2009. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/leituraflutuante/issue/view/526/showToc FABIÃO, Eleonora. Programa Performativo: o corpo-em-experiência. Revista do Lume, nº5, Campinas, 2013. Disponível em: https://www.cocen.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/view/276 JORGE, Luis Antônio. A Má Educação das Ruas e o Desenho da Cidade. Revista Contraste, nº 3, São Paulo, 2014. Disponível em: http://issuu.com/revcontraste/docs/revcontraste03 MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol 17, n. 49 - São Paulo: junho de 2002. MARTINS, Giovanna Viana. Grapefruit: projeção poética sobre o mundo. Revista Pós, v. 2, n. 4, p. 17 Belo Horizonte: 27, novembro de 2012. Disponível em: http://www.eba.ufmg.br/revistapos/index.php/pos/article/view/49 SIMMEL, Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Otávio Guilherme (ORG.). O Fenômeno Urbano. 2ª edição - Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v17n49/a02v1749.pdf

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10. REFERÊNCIAS

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Bibliografias: MORSE, Richard M. Formação histórica de São Paulo (da comunidade à metrópole). São Paulo: Difel, 1970. ONO, Yoko. Grapefruit: o livro de instruções e desenho de Yoko Ono. Tóquio, 1964. Tradução para o português: Giovanna Viana Martins e Mariana de Matos Moreira Barbosa através do Programa de Bolsa de Iniciação Científica FAPEMIG/UEMG. Belo Horizonte, 2008/2009. Disponível em: Trabalhos de conclusão de curso: ARRUDA, Marcella. Arquitetura da Liberdade - A Experiência do Comum. Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2016.

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LEBOREIRO, Manuella F. Três Banheiros Três Danças. 256 f. Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, 2018. MARQUES, Sérgio. Pragurbana: Poéticas do Território Urbano. 184 f. Trabalho de Conclusão de Curso, FAU-USP, São Paulo, 2017.


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10. REFERÊNCIAS

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