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Projeto gráfico
Michel Zisman Zalis Ilustração
Ana Carolina Wrobel de Villeroy Revisão
Lúcia Duarte Soares
Este livro foi editado segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, vigente. CATALOGAÇÃO NA FONTE - PARTHENON Centro de Arte e Cultura
________________________________________________________________________ M278m Temido, Mariana Nós mulheres do Hashomer Hatzair / Mariana Temido – 1 ed. – Rio de Janeiro: Letras e Versos, 2018. 124 p.; 21 cm ISBN-978-85-5700-182-4 1. Judaismo. 2. Sionismo. 3. Escotismo. 4. Socialista. 5. Hashomer Hatzair. 6. Movimento Juvenil. 7. Organização Juvenil Sionista Socialista. 7. Mulher. I. Título.
CDD: 200 CDU: 26 | 267 ________________________________________________________________________
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NÓS, MULHERES DO HASHOMER HATZAIR MARIANA TEMIDO
“ Triste, louca ou má Será qualificada Ela quem recusar Seguir receita tal A receita cultural Do marido, da família Cuida, cuida da rotina Só mesmo rejeita Bem conhecida receita Quem não sem dores Aceita que tudo deve mudar Que um homem não te define Sua casa não te define Sua carne não te define Você é seu próprio lar ” 1
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
Depois de dias, noites e madrugadas escrevendo, chegou o momento em que nosso trabalho ficou pronto. E, quando esse momento se concretiza, a gente nem acredita. O importante deste pedacinho do que somos as mulheres do Hashomer Hatzair é, na verdade, o processo de construção e de apropriação que ele carrega em si. Cada pessoa que ler isto levará para sua vida uma semente de sentido do que obteve para si. O Hashomer Hatzair sempre representou a ideia de que nós não podíamos desistir de nossa luta nem de nossos ideais. Não por nossos próprios egos, mas sim porque queríamos algo maior. Queríamos trazer uma influência judaica, sionista e socialista a partir da educação não formal. Nada mais propício para isso que o feminismo, por relacionar-se com o processo que é proposto por nossa tnuá. Ele é um dos poucos movimentos sociais que consegue despertar ideal político, mudança interior e, ao mesmo tempo, transformação da sociedade no mais próximo do que cada um de nós deseja. O feminismo trabalha o empoderamento, assim como o Hashomer Hatzair faz em cada uma de nós. Por tais motivos, terminar este trabalho, na verdade, dá aquela sensação de agonia de um processo que nos pertencia e que se foi. Agora, você, que tem este livro nas mãos, precisa atuar: ler, refletir, falar, discutir, praticar, agir e lutar na tnuá. Se você aceitar um pedido meu, ele será o seguinte: faça desta junção de pessoas maravilhosas, com ideias revolucionárias uma microrrevolução interna. Leve isto para quem você puder, para quem disto precisar. Com certeza, todo mundo necessita do feminismo e todo mundo precisa do Hashomer Hatzair em suas vidas. Dedico este livro às nossas lutas diárias. Às internas, quando até nós acreditamos que estamos enlouquecendo, mudando demais ou exagerando. E, às externas, quando mostramos que, na verdade, somos mais do que necessárias a tudo. A revolução será feminista ou não acontecerá. Com muito amor e admiração, agradeço a todas as grandes mulheres que terão este livro em suas mãos.
Mariana Temido
índice 8.
PREFÁCIO
10.
INTRODUÇÃO capítulo I
14.
AS MULHERES DO HASHOMER HATZAIR NO DECORRER DE SUA HISTÓRIA
16.
TZEREI TZION E HASHOMER
19.
HOLOCAUSTO
26.
HASHOMER HATZAIR ISRAEL capítulo II
36.
RELATOS AO REDOR DO MUNDO
38.
HASHOMER HATZAIR EUROPA
38.
Alemanha
39.
Áustria
40.
Bélgica
42.
Bulgária
43.
França
44.
Hungria
45.
Holanda
46.
Itália
51.
Polônia
52.
Suíça
56.
HASHOMER HATZAIR AMÉRICA ANGLO SAXÔNICA
56.
Canadá
60.
Estados Unidos
63.
HASHOMER HATZAIR AMÉRICA LATINA
63.
Argentina
69.
Brasil
80.
Chile
85.
México
87.
Uruguai
91.
Venezuela
92.
HASHOMER HATZAIR OCEANIA
92.
Austrália
capitulo III 96.
O “SER MULHER” E COMO SE CONSTITUI
98.
HASHOMER HATZAIR E PADRÕES DE BELEZA
101.
HASHOMER HATZAIR E GORDOFOBIA
103.
HASHOMER HATZAIR E NEGRITUDE
105.
HASHOMER HATZAIR E SORORIDADE
106.
HASHOMER HATZAIR E LGBTQ+
108.
LUTAS FUTURAS
110.
AGRADECIMENTOS
112.
GLOSSÁRIO
118.
BIBLIOGRAFIA
122.
NOTAS
prefácio Em março de 2016, estava responsável por preparar algum tipo de cerimônia para o dia da mulher, 8 de março. Era um momento em que estávamos muito envolvidas com a luta feminista e era muito importante pessoalmente ter aquela função. Pensando, decidimos fazer algo sobre ser shomrot. “Ser uma mulher na tnuá” nos parecia um tema mais importante para o momento que “ser mulher numa categoria ampla”, algo que vínhamos debatendo com certa frequência. Além disso, focar o assunto era importante visto que o Minas HH, coletivo feminista, estava em formação e uma construção de relações apoiada em ser mulher e do shomer em movimento. Então, reuni todos os arquivos que tinha no computador, joguei os papéis acumulados no quarto e mergulhei no arquivo do ken beit, não encontrei o nome de mulher alguma. Eu acreditava que encontraria várias personagens e/ou mulheres que foram fontes, ou seja, que tivessem escrito textos, no entanto nenhum nome sequer me apareceu. Confesso que fiquei tomada por um sentimento de raiva, de indignação! Em menos de dois anos, encontro-me escrevendo este prefácio. O presente livro é muito mais do que eu estava disposta a fazer em 2016, ele não é destrutivo, muito pelo contrário, inspira, constrói, alimenta, dá forças e, mesmo sendo tudo isso, não se propõe a ser manual nenhum. Ele abre justamente diferentes “possibilidades de ser”. Estas mulheres incríveis que se encontram aqui não são modelos a serem seguidos, mas exemplos para que cada uma de nós possa ser quem é e possa se inspirar a ser o que não é. Este livro fala, pela primeira vez, sobre ser shomrot. Uma das questões enfrentadas aqui está em duas necessidades paralelas e, talvez, paradoxais: o entendimento de que mulheres são uma categoria e de que precisam ser vistas como um conjunto para que o processo de invisibilidade vivido, ao longo dos 105 anos da tnuá, possa ser compreendido e também a afirmação de que as mulheres são múltiplas. A reunião de relatos traça os distintos movimentos, construindo e demolindo a categorização muitas vezes. São perceptíveis várias marcas comuns dentro dos relatos e, ao mesmo tempo, as diferenças, 8
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
tanto de como cada mulher lidou com as questões em comum, quanto das experiências vividas, que, de fato, são ímpares uma vez que tratam de mulheres únicas. Em um momento em que o feminismo toma protagonismo em vários núcleos sociais, sempre entra a questão sobre o que une essas mulheres. Este livro reúne relatos de pessoas que se identificam como mulheres, acho que essa identificação é o único ponto que conjuga todas a uma mesma categoria. Não é o machismo que une essas mulheres, mas o fato de serem e de quererem ser mulheres. Ao mesmo tempo, há algum motivo para nunca antes as shomrot terem sido objeto de história, tampouco agente de escrita no movimento. Buscar em todos esses relatos os porquês também é uma forma de entendimento da nossa história. Estas páginas não alcançam todas as mulheres que já pertenceram ao Hashomer Hatzair, nem isso é possível, mas, ao mesmo tempo, destroem a ideia de que há uma forma de ser shomrot. Mariana aborda, em sua coleção de relatos, as diferentes formas de machismo que unem essas mulheres, que não podem mais ser silenciadas, mas também faz uma construção de dugmá - “Dugmá Ishit”, ou exemplo pessoal. Como um conceito fundamental na educação do Shomer foi destrutível às mulheres da tnuá uma vez que as mesmas foram negligenciadas como referências? Dessa forma, sempre se buscou ser homem. É saudável às mulheres, em todos os sentidos desse termo, ler este livro e ter à mão dezenas de exemplos de outras mulheres que construíram coisas incríveis na tnuá. Nesse sentido, dugmá se reconstrói enquanto uma força shômrica, que envolve e atravessa as shomrot. O livro coleta relatos de diversos períodos, desde a criação da tnuá até os dias atuais. Ele faz uma recuperação histórica de anos e também é composto por relatos de shomrot, ao redor do mundo, que experienciaram ser mulher com diferentes perspectivas. Este livro é fonte de força para todas as mulheres, de todas as idades; ele serve para repensar a tnuá como um todo. Principalmente, é uma ferramenta educativa que pode e deve ser usada dentro da tnuá para inspirar meninas e também para fazer pensar sobre os caminhos possíveis do Shomer a partir de todos esses relatos inéditos. Laura Gryner de Moraes 9
introdução O objetivo deste livro é mostrar tanto para shomrot*im quanto para pessoas de fora do movimento juvenil, que leem sobre nossa história, que as mulheres do Hashomer Hatzair existem, existiram e sempre foram protagonistas nas lutas da nossa tnuá. Por muito tempo, busquei, nos arquivos dos kenim e em bancos de dados virtuais, nomes de mulheres, visando a trazer aos chanichot*im o conhecimento de mais do que apenas figuras masculinas. Logo descobri que esses nomes, pelo menos nas reduzidas fontes da América Latina, pouco existiam, porém, ao mesmo tempo, eu sabia que essas mulheres com certeza tiveram vida e realizaram, desde os primórdios de nossa tnuá, um importante papel na nossa missão como Hashomer Hatzair. Depois de refletir bastante, cheguei à conclusão de que, como sempre, nós mulheres devemos buscar o que queremos por nós mesmas. Assim foi durante todo o nosso processo histórico de lutas e de conquistas de direitos e, talvez, seja sempre assim. Dessa forma, deparei-me com uma certeza: se eu não encontro documentos dessas mulheres ou referências a elas, ninguém consegue acessar tal material e, cada vez, essas pessoas e suas histórias se tornam mais antigas e mais esquecidas. É preciso começar hoje a compilar todos esses nomes. Basta de falar de feminismo e de seguir utilizando apenas fontes e exemplos de homens para explicar nossa história. É devido a tais questões que estou aqui, tentando expressar os feitos de todas as mulheres fortes, inteligentes, maravilhosas e tão admiradas; os exemplos que essas pessoas são e ainda serão para nós. E eu garanto a vocês: nossos dias de silenciamento acabam hoje. O Hashomer Hatzair é um movimento juvenil judaico, sionista, socialista, agente extremamente relevante em importantes momentos da história mundial desde 1913. Dentre o protagonismo dessa tnuá, a educação constitui-se como ferramenta para a estruturação de seres autônomos, ativos, críticos e atuantes socialmente, visando a uma realização, que se alcança através de diversas possibilidades. Um fator de extrema relevância em nosso processo educativo é o exemplo pessoal, que configura a educação a partir da análise dos demais, da aproximação e do conhecimento, tanto de qualidades quanto de defeitos dos educadores e dos 10
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
educandos. Devido a tal relevância do exemplo pessoal, pode-se dizer que a existência de líderes, sua admiração e a inspiração dos demais por eles, dentro do Hashomer Hatzair, são essenciais para o estabelecimento de nossas ideias. A partir daí, chego ao centro de minhas reflexões: quem são os líderes? Homens? Mulheres? Há pouco, iniciou-se o processo de entendimento e de identificação das shomrot e shomrim com o feminismo. Cada vez é mais comum ver mulheres na liderança de nossa tnuá e a realização de debates relacionados ao tema sendo incorporados às pautas de reuniões e sichot, que, mesmo de forma lenta, vêm aparecendo com mais frequência. Muito escutei que o Hashomer Hatzair atualmente levanta a bandeira do feminismo. Gostaria, porém, de trazer algumas reflexões para ilustrar meu contraponto: se você tivesse que pensar em três madrichot*im que marcaram sua vida, eles seriam homens ou mulheres? Quantas mazkirot e roshei chinuch mulheres passaram pelo seu ken nos últimos três anos? E mazkirim e roshei chinuch homens? Quando os chanichot*im pequenos pedem por novos madrichot*im, quando uma kvutzá sobe a hadrachá, em sua maioria, os nomes mais pedidos e esperados pelos chanichot*im são de homens ou mulheres? O cerne da questão não é simplesmente se nossos kenim discutem o feminismo e a constituição de gênero, mas se as minorias afetadas, que representam essas ideologias, são protagonistas em nossos processos, se são exemplos para as mulheres da tnuá, se as fortalecem e se possibilitam o empoderamento e a consequente realização delas como shomrot. Afinal, o Hashomer Hatzair incentiva o autoconhecimento e o fortalecimento de suas peilot como mulheres, além de “simplesmente” serem membros da tnuá? É evidente que nosso caminho é positivo e que esse começo é de extrema importância, mas, além de tratar tais temas pedagogicamente, estamos vivenciando e aplicando o ideal feminista em que acreditamos? O primeiro questionamento não exige muito, mas o segundo precisa de coerência. Somos quem dizemos ser? Ainda fazemos piadas machistas e rimos disso dentro da tnuá? Ainda presenciamos o abuso de poder de madrichim sobre chanichot? E, quando sim, fazemos algo contra isso ou deixamos passar como se fosse indiferente? Porque isso sim constitui o enraizamento do machismo, algo que raramente vejo sendo desconstruído. 11
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair, passamos constantemente pela disputa de espaços; pelos silenciamentos de homens em discussões; pela utilização de fotos e textos escritos por homens dentro da tnuá, mas nunca pelos de mulheres (que, sim, existem); pela citação de teorias e eventos criados por mulheres, cujos nomes não são citados, por desconhecimento (e isso não é uma mera coincidência) ou porque, simplesmente, quem conta pensa que não seria interessante uma história de personalidades e perspectivas femininas. Realizando esta pesquisa, encontrei diversas fotos com legendas assim: “Mordechai Anilewicz e seus amigos”, como se as mulheres que o acompanhavam não tivessem nomes, vontades, coragem, história. Em meio à minha busca, lembrei-me de uma livraria que, no mês de março de 2017, colocou ao contrário os livros que eram escritos por homens. Dessa forma, ficava evidente, apenas ao olhar para as estantes, a diferença gritante de escolhas de representantes de cada gênero, consequência de um silenciamento real e constante pelo qual passamos. Toda a livraria estava branca, viam-se pouquíssimas capas viradas para análise, eram as obras escritas por mulheres. E então lhes pergunto: se tivéssemos que fazer o mesmo em relação às mulheres da nossa tnuá seria diferente? Estamos efetivamente trabalhando contra o machismo? Muito pouco. E essas são as obrigações básicas para se desconstruir um contexto machista. Tanto a autonomia, a admiração e o protagonismo das mulheres ao nosso lado, sejam elas madrichot, chanichot, mazkirot, quanto a utilização e a divulgação de falas, fotos, textos, projetos das mulheres, sem silêncio ou desdém. Assim como acontece com os homens, tudo o que é feito por mulheres deve ser relevante. São esses os pontos chave que levam à desconstrução para alcançar uma identidade efetivamente feminista e um trabalho menos superficial. A partir da exposição dessa questão, torna-se imprescindível tratar de outra: deveria ser impossível falar sobre o Hashomer Hatzair sem falar da luta contra a desigualdade. Existem muitos feminismos e diferentes necessidades e desconstruções intrínsecas a eles. E esse é outro tema que temos obrigação de abordar: o feminismo não é apenas para nós, mulheres em sua maioria de classe média/alta, brancas, com ensino superior. O feminismo é necessidade e é parte da luta de muitas outras como, por exemplo, das mulheres negras, das indígenas, das imigrantes 12
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
e das trans, no caso do Brasil. É claro que, se eu estivesse escrevendo este livro em Israel, faria questão de falar sobre a expressão da mulher palestina por exemplo, e isso se diversifica em cada parte do mundo. Como Hashomer Hatzair, não podemos deixar que nossa indignação seja seletiva, mas, ao mesmo tempo, aqui, gostaria de fazer menção ao meu lugar de fala no processo de elaboração deste livro. Eu me reconheço como mulher branca, dentro de uma posição privilegiada na sociedade brasileira. Acredito que essa pesquisa se faz de extrema importância para as pessoas do Hashomer Hatzair e para a sociedade circundante visto que muitas mulheres dentro do movimento se reconhecem da mesma forma como eu me identifiquei acima. Assim, é necessário ressaltar que esses depoimentos vêm, em sua maioria, dessa posição de fala, com o intuito de gerar um ambiente de entendimento, apropriação, discussão e empoderamento. Não me vejo com o direito de trazer aqui mulheres as quais não posso, de certa forma, representar ou alcançar. Acredito, portanto, que, como pesquisa feminista, este livro vale em inúmeros meios, mas que também deixa de alcançar outros muitos. E isso acontece devido a uma escolha político-educativa. A partir disso, trago o questionamento: quantas vezes as mulheres brancas se libertaram, enquanto, concomitantemente, silenciavam as mulheres negras? É preciso entender que a luta feminista não é apenas nossa. É primordial possibilitar que os feminismos coexistam, respeitando seus limites. O empoderamento de uma mulher branca não pode acontecer a partir da submissão de uma mulher negra. A diminuição da desigualdade e a inclusão fazem parte de uma luta social; de uma luta pela igualdade que transcende os gêneros; de uma luta que representa o Hashomer Hatzair.
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capítulo I
AS MULHERES DO HASHOMER HATZAIR NO DECORRER DE SUA HISTÓRIA 14
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
Este capítulo se dispõe a contar a história de algumas das muitas memoráveis mulheres do movimento juvenil Hashomer Hatzair, dividindo-as entre momentos históricos dos quais a tnuá fez parte. Além disso, a exposição dos nomes e da vida de tais mulheres ilustra também a amplitude de ação do Hashomer Hatzair em questões de ativismo mundial, demonstrando as múltiplas possibilidades de prática de nossa ideologia. Dessa forma, nos subtítulos a seguir, você encontrará marcos importantes da história do movimento desde seus primórdios e, em cada um, personalidades femininas que protagonizaram determinado período.
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TZEREI TZION e hashomer 2
O Aguda Tzerei Tzion foi um coletivo criado em 1903, por educadores/ as judeus e judias sionistas que acreditavam nas ideias de Theodor Herzl e acrescentavam que os jovens da comunidade judaica deveriam ser os protagonistas na luta sionista. Tais jovens judeus e judias eram laicos/ tradicionalistas, que, por estudarem em escolas polonesas não judaicas, temiam a assimilação. Eles encontraram, nessa organização, uma possibilidade de manter seus ideais e sua identidade. O Hashomer foi outro coletivo criado em 1910, na Galícia. A criação de tal organização ocorreu devido à impossibilidade de jovens judeus participarem do grupo Scoutt polonês, devido ao antissemitismo local. Dessa forma, essas pessoas criaram um grupo judaico, sionista e escáustico, com o objetivo de formar jovens com força espiritual e física. Tal instituição só passou a adotar o nome citado em 1913 para homenagear o grupo Hashomer de Israel. Antes disso, era intitulada Nova Organização do Escáustico Judeu. Em 1913, começou o processo para fusão dos dois movimentos visto que ambos tinham ideais sionistas chalutzianos e precisavam fortalecerse, além de que muitas pessoas eram integrantes de ambas as organizações. Sendo o Tzerei Tzion um movimento mais intelectual e de debate ideológico e o Hashomer mais vivencial e de estrutura de trabalho em grupo, ambos se complementaram com essa fusão, que ocorreu definitivamente em 1914, em Vilna, após a invasão da Galícia com o advento da Primeira Guerra Mundial. 16
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
PERSONALIDADES Dentro do Aguda Tzerei Tzion e do Hashomer, podem-se destacar algumas mulheres importantes que fizeram parte tanto como agentes políticos em geral, quanto como exemplos femininos, o que tampouco era comum na época.
Beba Idelson 3 Nascida em 1895, em Ekaterinoslav, parte do Império Russo, Beba estudou Economia e Ciências Sociais e foi líder, por toda a sua vida, de diversas instituições que defendiam os direitos das mulheres. Juntou-se ao Tzerei Tzion, grupo que se uniu com o Hashomer para fundar o Hashomer Hatzair. Já na Palestina, em 1924, passou a trabalhar para Organização Sionista Mundial. Em 1930, tornou-se secretária do “Conselho das Mulheres Trabalhadoras”. Durante a Segunda Guerra Mundial, coletou altíssimo número de mulheres judias para o exército britânico. Beba foi chaverá knesset de 1949 a 1965 pelo Mapai. Seu ideal político era o da necessidade de dar força às reformas sociais e à igualdade das mulheres, sempre realizando oposição à coerção religiosa dentro do Estado de Israel. Em 1960, foi presidente do nono Comitê da Histadrut, do qual foi membro até 1965. De 1968 até 1975, esteve como presidente do Movimento Mundial das Mulheres Pioneiras.
Puah Rakovsky 4 Nascida em 1865, na Polônia, Puah dedicou sua vida ao empoderamento feminino judaico. Ela foi membro do Tzerei Tzion. Uma crítica constante em sua vida foi a divisão de gênero na educação judaica, o que a fez colocar: “Se a Torá tivesse sido ensinada sem distinção de sexo, se ambos, meninas e meninos, estudassem a Torá, a cultura e os costumes, então, quantas milhares de mães judias teriam sido salvas da assimilação e da conversão, juntamente com os filhos judeus, que nós perdemos por causa da educação que receberam de suas mães assimiladas”. Ela foi obrigada a casar-se e conseguiu persuadir seu marido a que 17
ele lhe permitisse estudar para tornar-se professora. Depois de muito esforço, ela finalmente conseguiu o que queria: foi contratada para ser professora em uma escola judaica feminina. Alcançando sua independência econômica, Puah divorciou-se, um ato revolucionário para época. Ela sempre fez questão de que as mulheres aprendessem matérias hebraicas e judaicas, e também por isso publicava panfletos que reivindicavam a organização nacional de mulheres judias, visando a pressionar o sufrágio feminino para eleições judaicas. Os seus objetivos centrais eram proporcionar educação secular e profissional às mulheres judias, a fim de prepará-las para sustentarem-se por si próprias. Puah sempre se manifestou pela igualdade cívica e política feminina, configurando o direito ao trabalho, ao pagamento e a oportunidades para a educação de forma igualitária. Dentro da comunidade judaica, ela enfatizava que as mulheres deveriam tornar-se líderes e não simplesmente trabalhar sob a direção masculina, o que constantemente criticava na sociedade na qual viveu.
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Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
holocauSto
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Entre 1939 e 1945, aconteceu a Segunda Guerra Mundial. O Holocausto foi parte dela, definindo-se como a matança em massa de seres humanos, entre eles, cerca de seis milhões de judeus através de um extermínio étnico liderado pelo Estado Nazista. A resistência do Hashomer Hatzair fez-se extremamente presente nesse momento, visto que sua concentração na região invadida pela Alemanha era forte. Os membros da tnuá lutaram de todas as formas possíveis contra o regime nazista, realizando levantes armados, explodindo trilhos de trem, levando pessoas fugidas pelos subterrâneos dos guetos, trazendo comida e informação de fora dos guetos e escrevendo tudo o que ocorreu naquela época. Durante tal período, alguns kenim do Hashomer Hatzair foram fechados, porém as atividades seguiram acontecendo clandestinamente, inclusive dentro do gueto, para os chanichot*im que lá estavam. 19
PERSONALIDADES No período do Holocausto, a quantidade de exemplos femininos encontrados é alta, sendo de relevante reconhecimento a luta de shomrot frente às atrocidades que aconteceram.
Chasia Bornstein - Bielicka 6 Nasceu em 1921, em Grodno, Polônia. Desde os 12 anos, Chasia integrou-se ao Hashomer Hatzair. Nos primórdios da ocupação alemã em sua cidade, ela fez questão de participar de um processo de resistência, o que a levou a ingressar em um movimento clandestino do gueto. Quando se fez necessário, lutou bravamente no levante do gueto de Bialystok. Durante a resistência, escapou para conseguir mais armas e munição, o que possibilitou o auxílio a diversas pessoas no gueto. Visto que conhecia bem as rotas da cidade, quando os soviéticos chegaram a Grodno, Chasia preparou um mapa com todas as posições e bases alemãs da cidade e entregou a eles, o que possibilitou o avanço de seu combate ao nazismo. Além disso, ela possibilitou o reencontro de diversas famílias de antigos moradores de Grodno visto que tinha como costume ir ao correio da cidade para procurar cartas destinadas a famílias que tinham se perdido com o Holocausto nazista. Chasia foi responsável pela fundação de um orfanato para crianças judias em Lodz, em 1946 e, em 1947, viabilizou a ida de todas elas para Israel. Apesar da detenção de tais imigrantes no Chipre, ela fez questão de cuidar de cada um deles, o que possibilitou sua chegada a Israel apenas seis meses depois. Chasia é conhecida por ter dedicado sua vida aos orfanatos e olim chadashim e olot chadashot em Israel.
Haika Grossman 7 Nasceu em 1919, em Bialystok, na Polônia. Haika já fazia parte do Hashomer Hatzair desde os 9 anos, momento em que nunca poderia imaginar a carregada história que a tnuá esperava dela. Aos 19 anos, integrou a liderança da resistência do Hashomer Hatzair em Vilna, o levante
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Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
do gueto de Bialistok e o grupo dos partisans. Ela até hoje representa um grande exemplo de luta dentro da história do Holocausto. Quando chegou a Israel, fundou o kibutz Evron. Após seu estabelecimento, ela tornou-se membro do parlamento israelense pelo Mapam. Haika sempre teve como ideal a diminuição da desigualdade social e a luta por direitos de forma mais distribuída na sociedade. Quando mais velha, foi nomeada secretária geral do Kibutz Artzi. “Nosso movimento era grande e forte - e foi lindo, mesmo em sua derrota. Você deve saber como viver, e mais do que isso, como morrer. Sabíamos que, com a nossa morte, nada iria terminar - que a nossa morte se tornaria um símbolo que seria ensinado a toda uma geração. E quero dizer o seguinte, embora seja difícil pronunciar as palavras: os heróis do povo não são necessariamente seus reconhecidos líderes políticos. Os verdadeiros heróis de uma nação são pessoas pequenas, silenciosas, desconhecidas...” Haika foi uma pessoa que viveu os ideais do Hashomer Hatzair em todos os seus atos. Sua trajetória tnuati na verdade foi sua vida por completo. Ela é memorável como exemplo para shomrot*im visto que, mesmo após anos de extrema e dura resistência ao Holocausto, fez questão de expandir seus direitos para as minorias representativas em Israel. Haika lutou por si, pelos judeus e judias e também pelos que necessitavam e não tinham força para expressar-se como ela teve.
Haviva Reik 8 Nasceu em 1914, em um pequeno vilarejo na Eslováquia. Desde sua aliá em 1939, ela viveu no kibutz Maanit. Haviva é lembrada pela sua ampla participação na resistência judaica. Ela ingressou no Palmach, em 1942 e foi responsável pela captação e pelo treinamento de mais de 250 voluntários. Fez parte da força aérea auxiliar das mulheres (WAAF), constituindo inspiração ao redor de todo mundo, em um momento no qual a posição das mulheres frente à resistência armada era extremamente questionada. Em 1944, ela foi capturada pelos nazistas. O Kibutz Artzi, com sede em Givat Haviva, recebeu seu nome como símbolo de inspiração para tornar-se história. 21
Rosa Robota 9 Nasceu em 1921, em Ciechanow, na Polônia. Rosa foi deportada para Auschwitz, para um campo de mulheres, mas logo depois a transferiram para Birkenau, em 1942. Ela organizou um grupo de resistência que se comunicava com o grupo clandestino do campo. Robota então começou a participar do plano vindo desse grupo clandestino, a partir do contrabando de explosivos. A partir de então, ela e mais três mulheres judias, que trabalhavam na área da produção de pólvora, passaram a contrabandear os explosivos em caixas de fósforo. Aproximadamente vinte outras mulheres judias e prisioneiras fizeram parte da operação, todas entre 18 e 22 anos. Os preparativos para a revolta tardaram um ano e meio, até que, em outubro de 1944, um dos fornos crematórios de Birkenau foi explodido, fruto de todo o trabalho dessas pessoas. Logo após tal feito, Rosa foi interrogada, mas nunca delatou seus cúmplices. Robota acreditava que era mais importante que aquelas ações de revolta continuassem do que sua própria vida. Em 6 de janeiro de 1945, cerca de duas semanas antes de o campo ser evacuado, Robota e as três amigas foram enforcadas na presença dos outros prisioneiros. Em suas últimas palavras, dizem que, enquanto estava prestes a ser enforcada, Rosa Robota gritou pela última vez: Chazak Ve’Ematz!
Ruzka Korczak 10 Nasceu em 1921, em Bieslko, Polônia. Ruzka, desde pequena, tinha o espírito de uma shomeret em si, o que se demonstrou quando organizou manifestações dos alunos de sua escola contra as manifestações antissemitas do diretor. Em 1939, mudou-se para Varsóvia para trabalhar com o Hashomer Hatzair. Seu papel principal durante a Segunda Guerra Mundial foi na FPO (Organização de Partisans). No mesmo grupo, ela e sua amiga Vita Kemper foram as responsáveis por organizar o resgate de seu comandante quando esse seria entregue aos nazistas. Ela emigrou para Palestina logo depois da guerra, tornando-se membro do kibutz Elion. Um de seus principais objetivos era contar a história da resistência judaica no Holocausto. Ela trabalhou, por muitos anos, como chefe do Moreshet, um instituto de pesquisa do Kibutz Artzi, 22
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para dedicar-se a essa causa. Ruzka, como combatente, viveu a situação constante do recrutamento de mulheres para operações importantes. Ela escreve sobre as dificuldades de exercer tal cargo como mulher, o que torna todos os seus feitos ainda mais incríveis e emocionantes. “Lembro-me da primeira operação para a qual fui escolhida, juntamente com uma de nossas companheiras. Sentimos que o destino do sexo feminino estava em nossas mãos. Se cumpríssemos nossa tarefa, abriríamos caminho para as outras moças.” “Não consigo pensar em nenhuma parte do trabalho com o qual o nome de alguma companheira do sexo feminino não esteja associado. Não eram mulheres extraordinárias. Não eram mulheres com formação específica ou qualificações. Eram jovens que cresceram trabalhando e sabiam corresponder ao que lhes era exigido… E o mais difícil foi o fato de que o trabalho tinha que ser feito todos os dias. Isso exige mais coragem do que um feito heroico, que dura poucos minutos. Essas moças tinham que ter heroísmo diariamente - e elas o tinham…” “Não tivemos o privilégio de escolher entre converter-se ao cristianismo e sacrificar-nos para santificar o nome de Deus - e isso diferiu de nossos ancestrais. ( ...) Tivemos a escolha da maneira de viver até o fim como judeus livres e morrer como pessoas libertadas”.
Tosia Altman 11 “Judeus estão morrendo diante dos meus olhos e eu estou impossibilitada de ajudar. Alguma vez você já tentou quebrar a parede com a cabeça?” Nasceu em 1919, em Lipno, na Polônia. Foi parte de extrema relevância do levante do Gueto de Varsóvia. Por muito tempo, Tosia trabalhava como mensageira de resistência dentro e fora do gueto. Junto com informações, ela trazia, para o gueto, material educativo que tinha sido proibido pelos nazistas. Em certo momento, começou também a contrabandear armas e explosivos. Tosia participou, em 18 de janeiro de 1943, da batalha no bunker de 23
comando do ZOB, Organização de combate judaica, na rua Mila 18, e foi uma de seus poucos sobreviventes. Ela conseguiu organizar um grupo de escape do gueto meses após tal batalha. Foi capturada pela Gestapo em maio. A mensagem de Tosia: “Talvez tenha sido assim que tudo começou. A paixão pela vida surgiu e cresceu no tumulto dos bombardeios, nas ruínas de edifícios destruídos? Talvez tenha sido assim como os desesperados, em seus últimos momentos de existência, através das pupilas dilatadas pelo horror no abismo da extinção, que conseguiram compreender a beleza da vida e o poder da criação? Ou talvez não eram a beleza ou o poder da vida, senão simplesmente o instinto da sobrevivência, que não nos deixava morrer? E então alguém começou a viajar em um vagão, durante noites escuras, e através de caminhos na chuva, até cidade e lugares remotos por todo o país, secretamente golpeando janelas escuras no meio da noite, e quando a porta se abre, os olhos deleitam com prazer e surpresa e os lábios murmuraram somente uma palavra. A hanagá? Ainda existe? Ainda hoje? Realmente estamos sozinhos? As perguntas se derramavam, demandando que a amargura da realidade fosse eliminada, as memórias de velhas conversas voltavam à mente, danças e discussões voltavam a viver. Seguramente tudo começou assim, com uma pessoa sozinha viajando pelos caminhos e golpeando escuras janelas…. E talvez tenha sido um novo começo?”
Seguem as palavras de Rozka Korzak quando Tosia Altman chegou ao Gueto de Varsóvia, em 1941: 12 “Tosia veio. Foi como uma benção de liberdade. Apenas a formação que ela veio. Se espalhou entre as pessoas… Como se não existisse gueto. Como se não existisse morte ao redor. Como se nós não estivéssemos nessa terrível guerra. Um feixe de amor. Um feixe de luz.” 24
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
Yehudit Schischa-Halevy 13 Nasceu em 1926, em Komárno, na Tchecoslováquia. Foi parte do Hashomer Hatzair desde jovem. Era dotada de uma inteligência corporal extremamente desenvolvida. Em 1944, Yehudit foi enviada para Auschwitz. Era muito comum que ela realizasse danças para entreter os prisioneiros dentro do campo, tornando aquele momento menos pesado do que era. “De alguma forma conseguimos viver até nos entretermos. Foi-me pedido para mostrar movimento - às vezes acrobacias e outras vezes piadas de movimento que eu fiz - e percebi que fiz algo de bom.” Certa vez, quando se recusou a dançar em uma festa de Natal da SS, ela foi punida e obrigada a ficar com os pés descalços na neve, momento no qual tomou a decisão de que, se sobrevivesse, dedicaria sua vida à dança. Com o fim da Guerra, Yehudit foi para Budapeste, local onde instituiu um concurso de dança do Hashomer Hatzair. Ela também trabalhou com centenas de crianças órfãs, ensinando-lhes dança e matemática. Essas mesmas crianças chegaram à Palestina graças à Yehudit. Após sua chegada à Palestina, passou a viver no kibutz Gaaton, dedicando seu tempo ao estudo de dança em Haifa, o que lhe possibilitou trazer a dança para o âmbito do kibutz, criando um centro para jovens de kibutzim de toda região. Ela recebeu diversos prêmios, sendo o primeiro no Festival de Jovens Artistas de Israel, assim como o Prêmio de Artista de 1997 da Sociedade Internacional de Artes Performáticas e, em 1998, recebeu o Prêmio Israel, o mais alto do país.
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HASHOMER HATZAIR ISRAEL 14
O Hashomer Hatzair Israel, paralelo ao Hashomer Hatzair mundial, constitui uma tnuá de força e de ideologia constantes, com extrema relevância no país. Seu estabelecimento de forma intensa teve início frente a um dilema. Na época, existiam o apoio à Revolução Bolchevique na Rússia ou à aliá para Palestina. Os shomrot*im, então, chegaram à conclusão de que, em Sion, fariam seu próprio Moscou, o que ilustrava a crença no Sionismo Socialista, estabelecimento de kibutzim e luta do proletariado na própria Palestina. Diversos membros do Hashomer Hatzair passaram a fazer aliot, principalmente a partir da terceira aliá, apesar de termos alguns exemplos de comunidades shômricas antes desse marco. Neste espaço, compartilho alguns nomes de relevância no estabelecimento e na construção do Estado de Israel, que são grandes exemplos para tnuá como um todo. Além disso, disponibilizo um documento escrito coletivamente pela tnuá israelense, em 2014, sobre gênero.
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Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
PERSONALIDADES A seguir, aparecem importantes personalidades femininas dentro da história do Estado de Israel e da tnuá israelense, desde educadoras e políticas até artistas, mulheres que, com seu exemplo, efetivamente, construíram as bases do país.
Aliza Amir Zohar Escrito por Mika Yaakoba-Zohar, neta de Aliza Aliza Amir Zohar nasceu em Hust, Czechoslovakia, em 1932. Quando ela tinha um ano de idade, mudou-se para Israel, logo depois de seu pai falecer. Ela foi criada por sua mãe e grande família em Jerusalém, onde começou a participar no Hashomer Hatzair, trabalhando como uma madrichá nos seus anos later. Depois de seu serviço no exército no Nahal, em 1951, ela integrou o kibutz Baram na Galiléia na idade de 19 anos. Lá conheceu Yankale Zohar e, em 1954, casaram-se. Um ano depois, eles tiveram sua primeira filha e, depois disso, duas filhas mais. No kibutz, Aliza trabalhou em agricultura, na casa de crianças e em contabilidade. Em 1968, ela completou seu diploma de bacharel em Filosofia na universidade de Tel Aviv. Foi a primeira pessoa do Kibutz Baram enviada para estudar uma matéria que não era praticamente funcional para o kibutz, como engenharia ou agricultura. Aliza publicou uma coleção de pequenas histórias para adultos, em 1966, intitulada “Como Mármore Verde” ( ) כמו שיש ירוק. Em 1969, publicou um livro similar para crianças chamado “Pare a chuva, e o Diamante” ( דום והיהלום )הגשם. Publicou um segundo livro para crianças chamado “Na Casa da Avó Nina” ( ) אצל סבתה נינהem 1980. Em 1978, trabalhou como madrichá para a kvutzá que fundou o Kibutz Gshur nos montes do Golan, guiando-os no processo de formação do kibutz. Em 1980, foi eleita como mazkirá do Kibutz Artzi, a organização dos kibutzim do Hashomer Hatzair. Ela foi a primeira e única mazkirá mulher, o que permanece como verdadeiro para a “United Kibutz Movement”, a organização que, depois, absorveu o Kibutz Artzi. 27
De 1985 a 1990, ela serviu como CEO de Elcam Plastics, firma de suprimentos médicos do Kibutz Baram. Nos cinco anos em que esteve lá, conduziu muitos sucessos, incluindo a aprovação oficial pela USFDA (administração de alimentos e medicamentos). De 1990 a 1999, ela foi a presidente do Tel Hai Regional College, na Galileia, perto de Kiryat Shmona. Sobre sua liderança, a universidade de Tel Hai se desenvolveu e tornou-se uma instituição acadêmica oficialmente reconhecida pelo governo israelense como um colégio de educação superior, uma importante conquista para essa área periférica e afastada. Por seu trabalho em educação, em 1996, foi selecionada para participar da cerimônia do dia nacional da independência de Israel acendendo uma tocha em honra à independência do jovem país. Em todos os aspectos de seu trabalho, seja na indústria, na gestão ou na liderança do movimento, ela pavimentou o caminho como a primeira mulher nessas posições. Ao longo de sua vida, Aliza continuou dedicada ao potencial do Hashomer Hatzair como uma força transformadora para a sociedade israelense e para os judeus ao redor do mundo.
Berta Hazan 15 Nasceu em Viena, Áustria. Seus pais eram russos provenientes de Minsk. Na sua cidade local, Berta estudou pedagogia e chegou a exercer sua profissão. Quando chegou a Israel, trabalhou na parte educativa dos kibutzim. Atuou no estabelecimento do primeiro Mosad Chinuchi (Instituto de educação para segundo grau) do Kibutz Artzi, em Mishmar Haemek. Desde então, ela passou a ser ativa na centralização da educação dos kibutzim do Hashomer Hatzair. Berta possui quatro livros publicados, que tratam do tema da educação coletiva e íntima, além das questões atuais de Israel.
Emma Levine Talmi 16 Nasceu em 1905, em Varsóvia, Polônia. Emma passou a frequentar o Hashomer Hatzair aos 15 anos. Com 19, imigrou, sozinha, para Palestina, onde trabalhou em agricultura e em construção. Em 1927, passou a viver no kibutz do Hashomer Hatzair que, posteriormente, tornou-se Mishmar 28
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
Haemek. Emma trabalhava no jardim de infância do kibutz. Em 1955, ela passou a ser chaverá Knesset pelo Mapam, trabalhando na luta política do partido por quatorze anos, lutando principalmente pela igualdade das mulheres, contra a coerção religiosa, além de educação para setores desprivilegiados da sociedade.
Sara Eshel 17 Nasceu em Linitz, na Rússia. Aos 13 anos, imigrou para Israel com sua família. Ela escreveu diversos livros infantis; um deles, inclusive, em memória de um de seus filhos. Dedicou seu trabalho à juventude, realizando pesquisas educacionais. Além disso, em 1949, Sara passou a ser Secretária Geral do Hashomer Hatzair, a primeira mulher nesse cargo e única desde então.
Shulamit Aloni 18 Nasceu em 1928, em Tel Aviv, Israel. Shulamit participou da guerra, em 1948, como integrante do Palmach. Formou-se em Direito na Universidade Hebraica de Jerusalém e lecionou por muitos anos. Além disso, Shulamit integrou o Mapai, partido Trabalhista Israelense, e também foi responsável pela fundação do Ratz, Partido dos Direitos do Cidadão em 1973 e do Meretz, em 1991. Shulamit foi membro da Knesset por muitos anos, sempre depositando atenção em lutas pelos direitos humanos, direitos das mulheres e pela descriminalização da homossexualidade, a qual conseguiu em 1988. No governo de Yitzhak Rabin, foi Ministra da Educação e da Cultura. Durante sua carreira, uniu-se a um grupo chamado Bat Shalom, de israelenses e palestinas unidas pela paz.
Shulamit Bat Dori 19 Nasceu em 1904, em Varsóvia, Polônia. Durante sua vida, teve a oportunidade de dedicar-se ao estudo da Psicologia e da Filosofia. Aos 21 anos de idade, Shulamit decidiu deixar sua família, que tinha sido estabelecida por meio de um casamento arranjado por seus pais, e ir, sozinha e 29
sem estabilidade, para Varsóvia. A partir de seu ingresso no Hashomer Hatzair em Varsóvia, Shulamit passou a montar produções teatrais dentro do movimento. Em 1923, ela fez aliá, estabelecendo-se em Afula, onde realizava trabalhos manuais. Após alguns anos, voltou para Polônia como conselheira do Hashomer Hatzair local. Nessa época, além de realizar cursos para aperfeiçoar seu trabalho, Shulamit escreveu um panfleto sobre as mulheres em Israel. Logo após esse tempo na Polônia, ela decidiu estudar teatro e dança em Berlim, o que lhe possibilitou levar tais conhecimentos de volta ao kibutz, quando retornou à Palestina. Shulamit foi líder e pioneira dentro da temática do teatro na vivência dos kibutzim, sempre trazendo a ideia do teatro e da cultura por uma ótica política, social e coletiva. Uma das obras criadas por ela foi relacionada aos novos imigrantes, temática de caráter extremamente político para época. Nos anos 60, ela lecionou no departamento de teatro da Universidade de Tel Aviv.
Bitânia Ilit 20 Em 1921, vinte jovens decidem estabelecer uma estrutura comunal agrícola no acampamento de Bitânia Ilit, no alto de uma montanha ao lado do lago Kineret. Bitânia teve grande relevância dentro da história do Hashomer Hatzair, principalmente devido à experienciação da constituição de uma kvutzá a partir da vida coletiva, com constante discussão de ideologia e compartilhamento de histórias pessoais. Apesar de diversas dificuldades em seu estabelecimento e da futura desconstituição desse coletivo, essas pessoas são citadas até hoje como grande exemplo para shomrot*im. Dentre os vinte integrantes desse grupo, apenas quatro eram mulheres. Segue abaixo o relato de uma delas:
Shinka “Dúvidas, reflexões, análise, alucinações, visões – O que vocês têm comigo? Por que vocês me visitam frequentemente? Por que não me permitem 30
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
mover, ser selvagem, correr numa corrida louca para frente, ir atrás da leitura secreta da vida? Agora vocês estão vindo, comem a minha alma e botam veneno dentro dela e o veneno prende e prende. Nos momentos em que a terra está firme, nos momentos de se erguer, de ver tudo bonito e puro – aí vocês vieram para rejeitar e corromper. E não restava nada para mim, nada além do caos, as demandas, as perguntas e o desespero, - nada além do abismo. Então gostaria de fugir. Uma tempestade em mim, e a mesma força que me mandou vir para cá me manda sair daqui. Ah! Para onde ela me empurra? Sim, ela me ordena buscar a mim mesma, a mim mesma. E talvez a minha fraqueza seja só o que me motiva a fugir? E de novo esgueiram-se perguntas e reflexões no meu cérebro, e uma voz escondida chama: vai conseguir? Vai conseguir levar? Terá forças suficientes para ir para frente, ou talvez vá ficar atrás? Vai conseguir alguma vez falar para você mesma “me libertei!”? Está vendo a possibilidade de cooperação e criação? E resposta não há. Exaustão de força; sem maldade abrirei meus braços para frente – e eles cairão, cansados. De repente me levantarei do meu lugar. Eu quero superar minha fraqueza, não permitir que meus sentimentos me controlem. Saio. Olho para tudo ao meu redor. Olho para o rosto das pessoas. O que eu gostaria de ler neles? Nesses momentos gritarei para vocês: “Oh, meu irmão! Amei vocês e buscarei um caminho até vocês, para ir junto com vocês”; pedirei resposta para as minhas perguntas. Ouviram? Notaram a pequena faísca que acende e se desvanece, em vez de subir uma chama brilhante? E tem noção por que é assim? Eu olho para seus rostos e procuro resposta. Em lugar disso – indiferença, desentendimento, uma risada falsa ou desconsiderada. E há também os que não se envolvem e olham com altivez. E sofrerei então até a loucura, sentirei o frio do gelo ao meu redor e me sinto ofendida por vocês – por pessoas que eu tanto amo. E volto a mim mesma e decido não vir mais, não olhar e não perguntar. ...E às vezes encontro um homem cujo sangue ferve e está sofrendo – isso eu saberei e sentirei. Por que ele vem a mim agora? Por que era difícil para ele a solidão? Ou talvez ele queira que nos torturemos juntos e nos aliviemos os dois? Ele quer tomar aquela que ele não considerou, que dispensou, que apenas via nela um ser vazio, sem alma acordada. Sim, tome ela fortemente e faça dela cinzas debaixo de seus pés, faça isso na hora da fraqueza dela – mas 31
não zombe dela quando voltar para sua consciência clara, não tenha medo dos seus próprios arroubos e não reclame de sua fraqueza. Não tenho para você nem perdão nem hostilidade. Eu posso entender você, mas não quererei e não poderei ser apenas o ser que acaricia e acalma. Eu penso que não encontraremos o caminho de um para o outro enquanto não pudermos encontrar em cada um o mesmo valor humano, enquanto não olharmos a alma um do outro.”
Veida 21 Hashomer Hatzair Israel - 2014 21 Segue o documento da conferência realizada na tnuá israelense com o intuito de educar e definir-se em relação ao feminismo. “ Igualdade de valor do homem e mulher A crença na igualdade humana é a exigência de que todos os seres humanos nascem e permanecem com igualdade de direitos em virtude de serem seres humanos. O movimento Hashomer Hatzair baseia-se nesse valor e defende a igualdade para todas as pessoas sem discriminação com base em religião, raça, gênero e orientação sexual. O reconhecimento da igualdade humana trouxe direitos humanos e civis ao mundo, mas não expressou direitos iguais às mulheres como aos homens. A ideia feminista surgiu para lutar pelo fim da discriminação com base no sexo e para se esforçar para a criação de uma sociedade em que existe total igualdade de sexo. Rebecca West expressou isso em termos simples quando disse: ‘o feminismo é a ideia revolucionária de que as mulheres são seres humanos’. Dizem-nos que o movimento feminista completou seu papel e que hoje as mulheres e os homens já têm direitos iguais. Mas a luta está longe de terminar. Os direitos iguais não garantem a igualdade, e as mulheres ainda são discriminadas em todos os aspectos da vida social. Avançamos na legislação, mas não avançamos na consciência, cultura, mercado de trabalho, linguagem e muito mais. Hoje existe uma hierarquia sexista na sociedade, que glorifica os homens e oprime as mulheres, criando uma realidade de desigualdade. Apesar das conquistas dramáticas do movimento feminista, 32
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
parece que, tanto na mudança da realidade quanto na mudança de consciência, o caminho e a luta são longos. Ao longo do tempo, imagens negativas e erradas foram moldadas sobre o movimento feminista e sobre aqueles que defendem essa ideia, fator que decorre do medo de que essa ideia conduza a uma mudança no equilíbrio de poder existente e do interesse pela preservação do status superior dos homens. Escolhemos adotar mentalidade e ação que lutam para acabar com a opressão e com a exploração sexistas e, assim, transformar a ideia de igualdade em verdadeira norma em nossa sociedade. Rompendo os limites do gênero A desigualdade entre os sexos decorre principalmente de uma barreira da consciência de gênero, tanto de mulheres como de homens, que é o obstáculo à principal desconstrução do gênero como o conhecemos. Estamos sujeitos aos ditames sociais estreitos e aos fixadores decorrentes do conceito que liga o sexo biológico, masculino ou feminino com o qual nascemos, com o papel social que deveríamos cumprir. Como mulheres, espera-se que nós sejamos um objeto sexual perpétuo e que sejamos vistas a partir de um ideal inalcançável e falso que corresponde ao papel de mãe, esposa e mulher de carreira que nos foi ditada desde o momento em que nascemos. Como homens, espera-se que sejamos o forte, o agressivo e o insensível, que sejamos um pilar. De nós depende o sustento da família e do seu sentimento de segurança. Essas expectativas derivam dos ditames sociais que foram impressos em nós desde o nosso nascimento, seja da casa onde crescemos, seja da diferente atitude em relação a meninos e a meninas na escola, seja da mídia a que assistimos e que observamos, seja de todos os outros campos da vida. Essas expectativas não refletem diferenças biológicas - o cérebro não tem sexo. Além disso, elas corrigem e reforçam a hierarquia sexista que glorifica os homens sobre as mulheres e aumentam a desigualdade. Como um movimento que aspira a criar uma sociedade igualitária e justa, devemos quebrar os ditames de gênero. Nosso objetivo é permitir a cada pessoa a liberdade de escolher seu próprio caminho sem medo da exclusão social em todas as suas formas. É nosso trabalho criar uma sociedade segura, baseada no respeito mútuo entre homens e mulheres, e reconhecer 33
o homem, primeiramente, como pessoa e não como alguém de um gênero ou de outro gênero. Compreendemos que nós também temos uma parte na preservação e na criação de ditames de gênero, e, portanto, o olhar invisível à introspecção, que exige a todos e a cada um de nós atenção e ação, é essencial para a nossa capacidade de sucesso em promover a mudança. Movimento feminista Hashomer Hatzair escolhe e adota ser um movimento feminista que coloca no centro da luta pela igualdade o valor do homem e da mulher, bem como a luta contra qualquer tipo de discriminação. Assim nos definiremos como um movimento feminista. Trabalharemos para promover a igualdade de oportunidades para as mulheres e para os homens na sociedade e nos esforçaremos para uma igualdade essencial entre os sexos, lidando com as raízes da opressão e da discriminação na cultura, na educação e em todas asinstituições sociais. O feminismo não é apenas uma luta feminina, é uma luta para todos nós, mulherese homens! Atuamos contra qualquer manifestação de sexismo e contra qualquer expressão de discriminação na rua, no bairro, no ônibus, nas escolas e no ambiente que nos rodeia. Não nos submeteremos às normas existentes. Como educadores e educadoras, educaremos para a libertação e para a igualdade entre sexos e chamaremos para quebrar os limites do gênero. Nós, como movimento, temos a responsabilidade de identificar tendências sexistas na sociedade e de agir contra elas. Apoiaremos a legislação igualitária que incentiva mudança fundamental na consciência, no social e no comportamento. Criaremos o ken e o grupo shômrico como um espaço seguro e igualitário, um espaço tolerante que respeite os seus membros. Não permitiremos afirmações, comportamentos e referências sexistas, e nos esforçaremos para criar uma linguagem respeitosa, como parte de sua criação, para o propósito de empoderar os membros do ken. Vamos lutar para criar uma sociedade igualitária entre os sexos tanto no nosso movimento como no macro social.”
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Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
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capĂtulo II
relatos ao redor do mundo 36
NĂłs, mulheres do Hashomer Hatzair
Este capítulo divide a atuação do Hashomer Hatzair ao redor do mundo, com o intuito de ressaltar um pouco das particularidades de nossos kenim. Dessa forma, acredito que, a partir desses depoimentos, poderemos fazer uma análise mais real e efetiva sobre nosso trabalho e sobre a luta feminista na tnuá.
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HASHOMER HATZAIR EUROPA A seguir, encontram-se relatos de mulheres nos diferentes kenim do movimento Hashomer Hatzair europeu. Foram madrichot, roshei ken mulheres ou pós bogrot que fizeram parte de um ken local há alguns anos ou ainda fazem parte dele. O intuito de tal diversificação de depoimentos é permitir o entendimento da complexidade do que representa o machismo e do que se reconhece e se fortalece como feminismo em cada local.
Alemanha Dikla Levinger Peilá Mekomit Ken Berlim, Alemanha, 2017 Hashomer Hatzair teve uma longa e rica história com diversos kenim até a ascensão dos nazistas. O ken de Berlim foi reaberto no ano de 2012 e, desde então, está tornando-se lentamente mais estável. Nós temos dois grupos, um de crianças na idade de 7 a 12 e um para adolescentes na idade de 12 a 18. Nesse momento, os grupos estão formando-se e conhecendo-se uns aos outros. A construção da nossa comunidade preza que a igualdade de gênero e o entendimento do machismo, do feminismo e do significado dos papéis de gênero são coisas que nós queremos que nosso ken sempre leve em consideração. Esses tópicos também estão presentes nas nossas peulot de uma maneira sutil. Isso significa, por exemplo, que nós usamos uma linguagem que reconheça todos os gêneros como “chanichot*im” ou, se um comentário problemático surge, nós o abordamos no devido local. Na visão do ken de Berlim, nós vamos nos auto-educar para estar atentos às muitas formas de estruturas de poder e de discriminações 38
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
entre nós na vasta sociedade e para lutar pela justiça social de uma perspectiva interseccional de forma que irá nos permitir crescer para sermos maiores e mais fortes juntos.
Áustria Lara Gilkarov Rosh Ken Ken Tel Amal, Viena, Áustria, 2017 Para começar, deve ser ressaltado que as mulheres no Hashomer Hatzair Viena, no Ken Tel Amal, são respeitadas. O movimento tem traços socialistas e democráticos, especialmente em um país liberal como a Áustria. É por isso que as mulheres tiveram direitos importantes em tomada de decisões na história do Hashomer Hatzair Áustria. Hoje em dia, em Viena, existem mais mulheres do que homens com posição de liderança no ken. Durante a Segunda Guerra Mundial, não houve muitas mulheres judias envolvidas no movimento de resistência da Áustria. Na verdade, o movimento foi fechado por causa da aliança Áustria-Alemanha em 1938. Entretanto, o movimento austríaco era próximo do polonês e sempre o viu como um exemplo do crescimento do gueto de Varsóvia, especialmente Mordechai Anielewicz e uma mulher importante, Rosa Robota, da Polônia. Hoje em dia, nós falamos principalmente sobre essas duas figuras que também foram parte do Hashomer Hatzair e que parecem muito importantes e cruciais para nós como líderes shômricos. Além disso, Hashomer Hatzair Viena admira e é muito agradecido a uma mulher muito especial, muito importante e que teve papel relevante no movimento de resistência durante a Segunda Guerra Mundial, Sra. Maria Restitua Kafka. Ela foi freira e enfermeira em um hospital vienense. Apesar de ela ser uma cristã ortodoxa, dedicou sua vida combatendo o movimento nazista, mais precisamente em seu hospital em Mödling, em Viena. Foi assassinada em 1943 e é considerada uma importante mártir na sociedade austríaca. Hoje, as mulheres no Hashomer Hatzair Viena são respeitadas e têm um papel muito importante no nosso ken. Nós frequentemente fazemos 39
atividades sobre machismo, feminismo, diferença de gênero com todo o ken ou dentro das kvutzot menores. Este ano, por exemplo, a Kvutzá Juwel (12-14) teve uma peulá sobre meninas e meninos na kvutzá e aconteceram atividades separadas a fim de descobrirem diferenças sobre seu gênero dentro da kvutzá. Além disso, logo nós vamos planejar uma atividade sobre machismo, para todos entenderem os desafios que as mulheres enfrentam diariamente. É muito importante para o ken respeitar todas as suas mulheres ken, já que nós temos uma Rosh Ken feminina, Madrichot, e líderes de Tzevet. Esperançosamente continuaremos indo na direção certa.
Bélgica Talia Czapnik Peilá Ken Pedi Ben Ezra, Bruxelas, Bélgica, 2017 O ken de Bruxelas é conhecido como o maior ken do Hashomer Hatzair no mundo, com aproximadamente 250 chanichim em todos os sábados. Como um ken do movimento mundial, Hashomer na Bélgica tem os mesmos valores do que os do resto do mundo. O feminismo é um desses valores mesmo que não seja expresso como tal, porém mais presente como igualdade. Igualdade é um dos valores principais que os chanichim aprendem assim que eles chegam. Todo mundo é igual, não importa seu gênero, sua religião, suas crenças ou sua cor de pele. O feminismo em si está presente no movimento principalmente por causa das madrichot. Oficialmente, o Hashomer é pela igualdade. Nós defendemos a ambos os gêneros, direitos e valores. Então, você pode perguntar, há machismo? Não, não exatamente. Como shomerian, todos nós defendemos igualdade e, na Bélgica, nós somos os primeiros a lutar por isso. O único tipo de machismo que você pode encontrar são as piadas. É claro que há piadas sobre mulheres, como em todo lugar e elas estão mais presentes nas kvutzot mais velhas. Outros comentários machistas não são aceitos. E, até quando piadas incomodam algumas garotas, você sabe que você não deve levar isso a sério porque os meninos serão os primeiros a levantar40
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se para apoiá-la. Porque nós fomos criados em uma democracia em que todos podem dizer o que vem à sua mente, em que homens e mulheres são iguais, não só porque eles aprenderam isso na escola, mas também no Shomer. O mais importante é saber que não importa o que aconteça, eles estarão lá para dar apoio. Esses são os valores do nosso movimento, esses são nossos valores. Sobre o feminismo, nós não realizamos ações como protestos e outros, mesmo que nós devêssemos. Nós não falamos realmente sobre feminismo durante as peulot porque as meninas jovens não são muito tocadas por esse tema na Bélgica, ainda mais na comunidade judaica. Há muitas ações tomadas pelo governo belga para promover a igualdade de gênero, assim como promover o emprego de engenheiro para homens e mulheres, e o mesmo com a promoção de outros empregos que podem ser mais acessíveis para um gênero. Mas o machismo ainda está presente, como em todo lugar. É por isso que um dos nossos projetos para este ano é promover o feminismo e a igualdade e falar sobre isso para nossos chanichim. Nossa definição é mais um modo humanista de ver. Nós não vemos o feminismo como uma luta contra os homens ou uma luta pelo “poder feminino”, mas como uma luta pela igualdade entre os dois gêneros em todos os seus aspectos. Nosso feminismo pode ser relacionado com Humanismo, como o ser humano é colocado no centro. Nós também somos contra os ideais e estereótipos pré-definidos para cada gênero. Nós encorajamos ambos os gêneros a jogar jogos que podem parecer mais atrativos para o gênero oposto e abstraímos essa ideia de diferença dependendo do gênero. Mesmo que nós não estejamos agindo propriamente, nós ensinamos a nossos chanichim que o feminismo é parte dessa igualdade.
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Bulgária Lina Rugery Pós Bogueret Ken Sofia, Bulgária, 2017 Meu nome é Lina e a minha experiência no Hashomer Hatzair começou em 1998-1999, quando eu comecei a ser uma chanichá do movimento. Passei todos os meus anos de adolescência no movimento. Depois de um pequeno intervalo (por causa da universidade e do trabalho), eu voltei para o Hashomer Hatzair, na idade de mais ou menos 22 anos, para ser a Rosh Ken de um ken que, na verdade, não tinha um sheliach presente no país. Nós fomos felizes de receber apoio e visitas regulares de Oren Zukierkorn, que é a pessoa que conseguiu manter o ken da Bulgária vivo durante esse difícil período. Além disso, nós não tínhamos um ken, então nós usávamos o “Salão dos avôs”, no Beit a’am (o edifício da comunidade), quando era possível. Foi muito difícil estar positiva enquanto não tínhamos um lugar nosso, porque aconteceu de nos encontrarmos trancados fora do prédio antes de uma peulá, buscando por soluções rápidas do que fazer. Nós, como um movimento, estávamos fazendo trabalho remunerado na comunidade (dar comida e bebidas) para ganhar algum dinheiro para materiais, então não conseguimos manter o orçamento para machané Israel. Meu objetivo naquela época era manter a ideologia e manter um número estável de chanichim (mesmo que fosse um número pequeno), para não deixar o Hashomer Hatzair desaparecer da Bulgária. Depois de dois anos, Mariana tomou meu lugar e, no fim do mesmo ano, vejo um novo sheliach – Idan. Nós tínhamos um ken e tudo começou a movimentar-se na direção certa. Quanto à minha opinião sobre o machismo no ken, acredito que, após a renovação do movimento (graças a Zvi Keren em algum lugar da década de 90), não experimentamos nenhum problema desse tipo. Na verdade, nós sempre direcionamos os madrichim para serem homens e mulheres em uma equipe, e os Rosh Kenim têm sido de ambos os sexos também.
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França Miriam Danziger Bogueret Ken Paris, França, 2017 Olá a todos! Meu nome é Myriam, eu moro em Paris e sou madrichá no ken de Paris. Eu vou falar para vocês sobre como o feminismo aparece no meu ken. Antes de tudo, eu fui educada em um modo bastante liberal de praticar o judaísmo em meu movimento, o MJLF (Movimento Judaico Liberal da França). Foi-me ensinado que meninas e meninos são iguais em todos os tipos de formas. Consequentemente, eu sempre apreciei esses valores, e é por isso que eu sou tão interessada quando a questão é o feminismo. Eu cheguei ao ken, em Paris, com 14 anos e tive que enfrentar, pela primeira vez, outras pessoas judias da minha idade, e não os liberais. Havia alguns deles que eram muito religiosos e para quem a igualdade entre homens e mulheres não era necessariamente óbvia. Eu estava desconfortável no início, é claro, mas, com o passar dos anos, aprendi a discutir com eles e a compartilhar minha opinião. Apesar de eu estar confusa no início, tornou-se uma experiência muito boa para mim porque fez eu reforçar minha identidade feminista. Uma vez, durante a nossa machané kaitz, eu perguntei se poderia recitar o kidush (uma reza tradicional) para o shabat, e dois garotos da minha própria kvutzá me disseram que não, porque as garotas não recitam. Eu fiquei verdadeiramente ofendida e isso me chocou muito, ao ponto de eu desistir de fazê-lo. Essa foi a primeira experiência machista que eu vivi (mas felizmente a última no Hashomer Hatzair). O mais importante é que eu conheci numerosos outros amigos, que também dividiam os mesmos valores que eu. O contrário seria espantoso no Hashomer Hatzair! Agora que eu sou uma madrichá, estou tomando conta de um grupo de meninas entre 14 e 15 anos no ken Paris. Essa shirvá (kvutzá) é chamada Hazorea, e elas são apenas meninas desde pequenas no Hashomer Hatzair. Como você pode imaginar, educar um grupo como esse é uma importante missão para mim, porque eu tenho que fazer com que elas cresçam em uma atmosfera feminista. De fato, eu realmente quero que elas estejam orgulhosas de quem elas são, e de sua especificidade 43
(porque toda outra shirvá no ken de Paris é feita de meninos e meninas). Além disso, eu tento ajudá-las a lutar contra estereótipos sobre mulheres e seu papel na sociedade, nós temos debates regulares sobre a condição das mulheres na França, diferenças entre homens e mulheres etc. Elas terão vários projetos para liderar este ano, a respeito da condição da mulher e o que elas podem fazer para melhorar isso. No final do ano, quando já não serei uma madrichá nesse movimento, eu realmente quero saber que atingi minha missão e que estão prontas para entrar no “verdadeiro (não todo momento acolhedor de mulheres) mundo” e, acima de tudo, prontas para mudá-lo.
Hungria Eszter Rácz Rosh Ken Ken Budapeste, Hungria, 2017 Machismo em Budapeste Eu sinto que é realmente parte da nossa vida diária. Bom, parte da vida das pessoas que são afetadas. Eu não experimentei o machismo no local de trabalho porque eu não trabalhei tanto assim. A parte que eu mais experienciei é o assédio verbal, o que é realmente frustrante. É frustrante porque meninas que sabem o que é isso raramente falam disso, os meninos/caras/homens que o fazem não falam sobre e os outros caras que não o fazem não têm ideia de que isso existe. Eles ficam surpresos quando escutam que eu fui assediada verbalmente três vezes hoje. A pior parte é que os homens pensam que eles têm o direito de olhar para uma mulher da cabeça ao dedão enquanto estão parados em frente a elas. Homens que têm a minha idade, a idade do meu pai ou a do meu avô. Ou eles acham que podem dizer uns aos outros “ah sim, essa parece boa” enquanto eu estou andando perto deles, porque eu escolhi usar alguma coisa lisonjeira. Tudo isso, os assédios verbais, os “oh, você é tão bonita”, chamamentos e olhadas são incômodos porque é assustador. Assustador porque eu sinto que eles acham que podem fazer qualquer coisa, e eu não me sinto segura quando estou sozinha mesmo em um lugar com 44
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muita gente. E ninguém fala sobre isso, porque é sentido como um tópico muito falado. Existem outros aspectos do machismo maiores que esse na Hungria atualmente. Por exemplo, há alguns anos, esse cantor famoso, Ákos, fez um depoimento que causou um ultraje: “o objetivo de uma mulher deve ser dar à luz um filho porque essa é a única forma de realizar a ela mesma”. É bom que isso tenha causado um ultraje, mas pessoas como essa existem entre os políticos e também apenas entre os civis. Minha família tem um amigo do ensino médio que pensa que a emancipação das mulheres é a pior coisa que aconteceu no século XX. Ele também pensa que mulheres pertencem à cozinha e não valem para muito mais, talvez para ter bebês. Frases como essas são muito ditas, você escuta no trem, no ônibus ou apenas na rua. Não é o maior problema no meu país, mas ainda existe, e há muitos radicais principalmente fora da capital. Budapeste é como uma bolha nesse sentido. As cidades rurais pensam diferente, a vida delas é diferente. Eu acho que ainda é intenso, mesmo na minha geração, o pensamento de que mulheres são diferentes. Alguns dos homens ainda fazem piadas sobre as mulheres pertencerem à cozinha ou não serem tão fortes quanto eles. Então nós ainda temos muito a trabalhar, porque eu penso que eu não sou a única mulher se sentindo insegura até na luz do dia.
Holanda Joella Waldman Madrichá Ken Maastricht, Holanda, 2017 Meu nome é Joella Waldman e eu sou madrichá do ken na Holanda. Esse ken é muito pequeno e esteve na iminência de ser fechado. Fica localizado em Maastricht, em uma pequena cidade universitária, no sul. Atualmente, possui seis chanichim, uma madrichá (eu) e uma shelichá. Antes de eu me tornar madrichá, eu sabia pouco ou nada sobre o movimento Hashomer Hatzair. Eu me tornei madrichá em março de 2017 e, antes de mim, havia um madrich homem liderando o ken sozinho por 45
dois anos. Essa responsabilidade de liderar o ken agora foi passada para mim. Nossa kvutzá consiste em seis chanichim homens com idade entre 6 e 9 anos. Muitas pessoas duvidaram da minha habilidade para liderar o ken sozinha, já que eu estava em enorme desvantagem por não saber nada sobre o movimento antes de me tornar madrichá. Tentar fazer seis meninos jovens escutarem uma instrutora desconhecida se provou mais difícil do que eu imaginava. Mas, ser a única madrichá e única mulher no ken fez com que eu continuasse a tentar buscar maneiras novas que fizessem os meninos me escutarem. Eventualmente, com muita paciência e persistência, eu ganhei o respeito deles não só como madrichá, mas também como líder feminina. Essa experiência me mostrou mais do que nunca que é importante ser uma figura de liderança para os chanichim no Hashomer Hatzair e ganhar seu respeito como uma líder em sua educação shômrica. Ser uma mulher no movimento Hashomer Hatzair é algo que eu valorizo muito e continuo lutando como uma figura feminina de liderança. Não havia muitos candidatos para assumir o ken e tornar-se madrichá, mas os candidatos elegíveis eram todos homens. Os que foram eleitos não quiseram essa responsabilidade, por isso eu me voluntariei para ser a nova e única madrichá do ken na Holanda. Como uma jovem mulher, eu tomei uma posição e uma responsabilidade que ninguém mais quis.
Itália Angelica Edna Calo Livne Pós Bogueret Ken Yad Mordechai, Roma, Itália, 2017 Entrei por acaso no ken do Hashomer Hatzair de Roma logo depois do meu Bat Mitzvah. Naquele tempo, era seletiva e solitária. Tinha duas boas amigas com as quais dividia meus segredos e pensamentos. Além disso, tinha muitos primos e guardava comigo uma discreta segurança própria por conta de saber cantar, dançar, recitar, além de ser uma boa aluna. Assim, eu era logo escolhida para participar de espetáculos da escola e 46
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da comunidade hebraica. Porém, era muito consciente de que o fato de ter nascido mulher/feminina me presenteava uma posição de segundo plano no meu quadro familiar. Aquele sábado à tarde, então, praticamente mudou minha vida inteira. Entrei timidamente pelo corredor que conduzia ao grande salão. Jovens de todas as idades corriam, gritavam, riam e se apertavam para chegar ao Mifkad. Fui interrompida por um braço: “Ei!! Por que não vai com a sua kvutzá? Apresse-se.” Olhei meio desnorteada o garoto sorridente que ainda me apertava o braço. “Não, não, só vim chamar o meu irmão!” E continuou falando. “Mas vamos! Quantos anos tem? Esta! Esta deveria ser a sua kvutzá, os Chalutzim. Eu sou Dancik, o teu madrich!” Quis desaparecer... mas fiquei. Voltei também no sábado seguinte. Habituei-me bem rapidamente a todo aquele caos. Aprendi a dar as mãos aos garotos/crianças quando fazíamos a dança israeli depois do Mifkad. Também aprendi a conhecer Byalik, Mordechai Anilewitch; Hanna Senesh e Haviva Reik se tornaram minhas heroínas. Um dia, fui escolhida para dançar “Ginat Egoz” em um grande evento da Wizo e, naquele momento, tornei-me organizadora oficial do ken. Começamos a contribuir com o Karen Kayemet, com o Keren Hayesod e com outras instituições hebraicas com danças israelis, espetáculos e recolhimentos de fundos para Israel. Aos quatorze anos, entrei para o Colégio Rabínico com o Rabino Elio Toaff. Era a única garota do curso que formaria Rabinos chefe de Padova, Milão e Veneza. Era rápida, tinha aprendido a responder olhando meu interlocutor em seus olhos, mas, quando deveria me apresentar para o exame de admissão, aconselharam-me a não contar a Toaff que eu era chanichá do Shomer, porque ele não iria me aceitar. Para mim, era importantíssimo continuar a estudar o hebraico, a Torá, a Mishná. Dessa forma, acertei tudo e minha prova foi perfeita... Exatamente nesse momento, revelei que era do Hashomer Hatzair e que estava virando madrichá. O Rabino, por sua vez, apreciou muito minha sinceridade e continuei tanto no colégio quanto no ken, até minha alyiah. Virei madrichá. O Shomer cria o grupo, aquele grupo de jovens que segue um ideal, que se rebela, que muda e que se renova. Para realizar-se o sonho, há necessidade do conjunto, do debate, do confronto, do trabalho físico que une, que dá força para continuar, para obter a gratificação do sucesso comum. Viramos muitos, e foi formada, então, a Kvutzá dos Maa47
pilim. A união dos Chalutzim e Maapilim foi denominada Gdud Beit Alfa. Cada um de nós vira então o pedaço de um mosaico comum e parte de um desenho maior. O grupo era a nova família. Em um processo comum, nós ajudamos um ao outro a descobrir talentos desconhecidos. Fomos tomados por um espírito novo, mágico, que expandia e acentuava o carisma pessoal desconhecido antes para nós, o senso de coletividade, de ajuda recíproca e de afeição. O ken vira casa, segurança, alegria e realização. O indivíduo tem necessidade de um grupo, e nós, através da nossa kvutzá e das atividades no ken, descobrimos a sensação da caverna platônica, pois remanescem os cegos da luz, mas com o sustento dos chaverim, dos madrichim e, depois, dos chanichim que se tornam companheiros de viagem, testemunhas e cúmplices. Surgiram novas energias. Criou-se uma nova linguagem que era desconhecida até então, fato com novo valor: as trilhas a pé, a natureza, os planos de trabalho, a machané, as noites em barracas. E aqui, nesse ponto, iniciam-se os conflitos com a minha família. Com o meu pai sobretudo, seja a sua memória bendita (Z’L). Os meus pais eram muito ativos na comunidade judaica. Ele, por sua vez, era um dos ativistas do Keren Hayesod e um dos fundadores da defesa hebraica nas escolas e nas sinagogas de Roma. Minha mãe, ativista da Wizo. Eram muito orgulhosos de toda a minha colaboração em todas as instituições hebraicas e do fato de ser sempre escolhida como representante da comunidade judaica jovem da Itália, como quando a Primeira Ministra de Israel, Golda Meir, veio até Roma, em 1972. Porém, improvisadamente/ inesperadamente, eles se deram conta de que a ideologia shômrica era a Allyah. Deixar tudo para viver em Israel. Como poderiam permitir a uma garotinha/menininha de boa família esse escândalo? A discussão tomou forma quando eu tinha quinze anos. “A partir desse momento, deve esquecer o ken! Não posso permitir que vá a um acampamento onde garotos e garotas dormem juntos na mesma barraca. Você é uma senhorita. Teu irmão pode fazer o que bem entender. Você não. Você, não posso permitir”. Meu pai foi categórico. Era véspera da Machané Kaitz. Teria sido em Gragnola no Fringnano, em província de Modena. Eu era madrichá dos Habbonim. Eram tudo para mim. Depois da machané, os bogrim partiriam para o seminário europeu, em Glaubenberg, na Suíça. Foi uma tragédia. Chorei por três meses consecutivos. Os meus pais organizaram uma mega viagem à Sicillia com toda família e eu passei o mês todo de agosto com a 48
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cara de Tisha’ BeAv. Quando voltamos para Roma, fui convocada para Moetzet Madrichim (reunião dos madrichim). Fui escondida (vale a ressalva de que pela primeira vez na minha vida... e também a última porque meu pai tinha proibido de que eu me reaproximasse do ken. Quando entrei na Mazkirut, estavam todos os bogrim e os madrichim. Com uma expressão séria e severa, Orale e Danick me disseram na frente de todos: “Infelizmente, Edna, você demonstrou que há outros interesses e que a kvutzá, na qual é madrichá e seus chaverim, não são tão importantes para você. Você preferiu uma viagem cômoda de turista na Sicíllia do que uma Machané importante e um seminário”. Sabiam tudo da minha luta com meus pais, para educá-los nessa nova linguagem e nos valores que adquiri entrando no ken. Tinha meu coração despedaçado e as lágrimas queriam rolar de meus olhos. Todos me olhavam em silêncio. Alguns com o olhar baixo. “Eu tentei... tentei explicar, rebelar-me...” disse eu, concentrando todas minhas forças para bloquear a lágrima. “É um desprazer. A tua Kvutzá dos Habonim passará a David Gerbi. Ele será o novo madrich. Você, por enquanto, quando voltar ao ken, poderá ser responsável pela Nykkayon da limpeza”. A sichá acaba.Fui para fora. Eram 17h10. Tinha, às 17h, nomeação na sinagoga com meu pai, na outra parte do Tevere (o rio de Roma). Sobre a Ponte Garibaldi, a qual eu deveria atravessar caminhando, havia uma demonstração: estudantes, polícia, gritos... estava desesperada. Recordo-me que pensava: “Ou me mato quando meu pai descobrir que vim ao ken ou me jogo no Tevere... Até porque sem a minha kvutzá e o ken não fazia mais sentido viver”. Tinha apenas quinze anos. Vivia para as peulot, para as sichot com os meus chanichim, para as tardes de dança israeli, pelo pensamento que, em algum dia, iria coroar meu sonho em Israel. Alço meus olhos e vejo meu pai fora do ken. Esperava em pé encostado na nossa Fiat. O rosto escurecido... Foi ali a minha explosão: “Não me importa mais nada, pai. Perdi tudo. Minha kvutzá, meus chaverim. O respeito dos meus madrichim!!” “Suba!”, me disse calmamente. Quando sentamos, sem querer eu o olhei, e encarando a estrada me disse: “Não perdeu nada. Conseguiu me pegar com toda a sua força. Conseguirá tudo o que você quer nessa vida, pode voltar ao ken!!” –“Mas pai, não entende? No máximo serei responsável pela limpeza!” – “Fará bem isso. Não se preocupe!! Em um mês será madrichá novamente. Você verá!”. 49
Voltei ao ken e, após um mês, criei a Kvutzá Yehuda (quase ao destino... depois, realizei minha Alyah e me apaixonei pelo meu futuro marido, Yehuda). Os meus pais e muitas das famílias dos meus chanichim aprenderam uma nova linguagem feita de sionismo, coletividade e ideal. Em 1975, cumpri minha Alyah e, desde então (a parte de quatro anos de shlichut do Hashomer, em Roma), vivo no Kibutz Sasa. Sou muito agradecida ao movimento em que a norma é “positividade”. As dez leis do Shomer (10 Dibrot), os planos de trabalho e a educação não formal criam o Homem e a Mulher novos, em caminhos paralelos, atentos ao sofrimento, à angústia, prontos a reagirem e a contribuírem com a própria potencialidade. O objetivo/linha de chegada é o BEM, a coragem, a dificuldade, o amor às criaturas e à natureza. Sou agradecida pelos valores que possuía até então e sou hoje a resposta hebraica positiva ao antissemitismo, ao materialismo e ao vazio. O Hashomer Hatzair me forneceu seus instrumentos para criar uma nova realidade, para realização de um sonho. O espírito do Shomer permanece sempre impregnado de sensibilidade com o outro, vira parte motora e fundamental da comunidade na qual se escolhe viver. A educação humanista intrínseca no movimento dá a legitimidade para ser positivo, para desejar uma sociedade mais justa e para sustentar o mais fraco, estopim ao ativismo/iniciativa, para a curiosidade e para a coragem de se meter no jogo. Os valores adquiridos na juventude me dão energia para seguir construindo uma realidade fundada na educação, na sociabilidade, no trabalho, no dinamismo e na diligência. O meu teatro multicultural do Arcobaleno, a fundação Bereshet LaShalom com uma educação ao diálogo e os meus cursos de Educação Humanista na Faculdade de Pedagogia são patrimônios imensuráveis que recebi exclusivamente graças ao ken. A propósito, em 1977, envolvida no entusiasmo e na determinação deles de realizar qualquer coisa por Israel, também meus pais fizeram a Alyah deles. E agora repousam em paz em Herzlya. Yehuda e eu iniciamos a nossa bela história depois da Shomria, em 1976, na Galilea. Os nossos quatro filhos foram todos ao Shnat Sherut do Shomer, antes de fazerem o Exército. E, no kibutz, nos dizem que temos uma alma com a Chultzá Shomrit!
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Polônia Barbara Zuzanna Dewora Gregorczyk Mazkirá Ken Tosia Altman, Varsóvia, Polônia, 2017 Como membro do ken de Varsóvia, eu quero começar com o fato de que a maioria dos kenim no mundo possuem um nome de alguém que é homem. Nós, frequentemente, escutamos, por exemplo, ‘’Ken Itzchak Rabin” ou ‘’Ken Mordechai Anilewicz”, mas, raramente, os nomes dos kenim são os de mulheres. E o que eu quero mencionar é que o nosso ken é nomeado Tosia Altman, que foi uma brava jovem, mas que é frequentemente esquecida. Ela trabalhou tão fortemente apenas para lutar pelos direitos que todo o ser humano deve ter. Foi ela que organizou todas as estruturas subterrâneas do Hashomer Hatzair durante a guerra, também foi membro do ŻOB e uma mensageira das armas através do gueto de Varsóvia. Então por que nós devemos lembrar o Mordechai Anilewicz (que também fez algo surpreendente!), e esquecer-se dela? Por que não aprender sobre ambos? A segunda coisa que eu quero dizer é que o Ken de Varsóvia é, em sua maioria, construído por mulheres. Eu acredito que seja por isso que peulot sobre feminismo são tão comuns aqui. Nossas shomrot vêm para encontros e nossa tradição é que todas que queiram dividam histórias sobre os acontecimentos da semana. Muitas mencionam não ter sido permitido pelo professor jogar futebol na escola com outros garotos ou até coisas que nós realmente não prestamos atenção, como piadas estúpidas sobre mulheres e seu “futuro para preparar as refeições”. Também dizem que estão assustados de dizer algo para parar isso, porque têm medo de serem a pessoa da qual todos riem... Mesmo assim, sabem que tais coisas afetam toda mulher neste mundo. Elas sabem que isso as ofende. Elas ignoram isso, porque “vamos lá, é apenas uma piada!”, mas no grupo de pessoas sempre há alguém que não recebe a piada da forma certa. Quanto mais esse tipo de humor é compartilhado, mais as pessoas começam a pensar em mulheres como se elas fossem coisas. E não apenas como parte do movimento Hashomer Hatzair, mas também, 51
como pessoas livres, nós devemos nos posicionar contra isso. Liberdade é efetivamente tudo que nós temos e todas vezes em que nós tratamos alguém de forma desigual, tiramos um pouco de nós e da nossa liberdade. E, apenas como pessoas, nós devemosficar de guarda, então nos tornaremos silenciosos heróis no mundo.
Suíça Silvia Oren Pós Bogueret Ken Yitzchak Rabin, Zurique, Suíça, 2017 Quando eu tinha por volta de 13 anos, comecei a ir ao Hashomer Hatzair e amei as atividades. No tardar dos anos sessenta, a rebelião da juventude do mundo e a europeia tomaram seu lugar, e a ideologia socialista e sionista no Hashomer Hatzair foi uma boa solução para nós. Eu era bastante extremista e radical. Depois de terminar o colégio, fiz aliá em 1972 para o Kibutz Baram e me casei. Em 1974 nos mudamos para o Kibutz Magen: tinham mais suíços que nós conhecíamos de volta a casa. Baram, depois da Guerra de Iom Kipur, em 1973, foi um lugar muito difícil de estar. Desde que eu deixei Magen, cresci em uma amada família e tive uma interessante vida de trabalho. Há muito a contar, mas eu gostaria de salientar as mudanças de cabeça, personalidade e kibutz. Quando era jovem, eu era guiada, convencida a construir uma nova vida e uma sociedade melhor. Enquanto nós fomos bem estabelecidos, os membros do kibutz eram muito diferentes em idade. O mundo mudou. Individualismo e liberdade pessoal estão dominando. A vida do kibutz tem que mudar. Nós temos muita liberdade pessoal, mas muita da responsabilidade ainda é comunal. Nós não fizemos as mudanças das demandas, então nossa comunidade tem muito a desenvolver. Minhas mudanças pessoais são sobre meu ponto de vista e sobre em que consiste a posse. Eu vou com meus sentimentos e de uma forma mais fácil e conveniente de vida. Nós tentamos construir outra sociedade. Ainda temos bons valores 52
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vivos. Nós temos que discutir basicamente quais são os valores que queremos levar para frente e definir nossa divisão de responsabilidades de uma nova maneira.
Rebecca Norton Shlichoná Ken Yitzchak Rabin, Zurique, Suíça, 2017 Pelo “Adivinha quem eu vi na piscina ontem?” Flora perguntou para nós com um sorriso largo. “Quem?” Eu perguntei, olhando para cima. “O gorila que faz Educação Física conosco! A menina da outra sala, aquela com as pernas peludas”, ela disse maliciosamente. “Você quer dizer Melissa?”, eu perguntei. “Eu não sei o nome dela, mas eu sei que ela tem mais do que pernas peludas agora que eu a vi em roupa de banho!” Flora sorriu, as outras meninas ao redor de nós riram. As pernas longas e bronzeadas de Flora brilhavam ao sol. Sua melhor amiga, Gina, acariciou distraída os pontos vermelhos nas suas canelas, remanescentes da depilação que ela fez no dia anterior. Eu cuidadosamente abracei meus joelhos ao meu corpo. Os pelos na minha perna eram pálidos e finos e mesmo assim eu fiz meu melhor para cobri-los com meus braços, esperando que ninguém os tivesse notado ainda. Naquela tarde, eu peguei a gilete da minha mãe no armário de banheiro e depilei todos os meus finos e novos pelos. Nós tínhamos treze anos e, no nosso primeiro ano do ensino médio, eu estava começando a aprender o que significava ser uma mulher. Cabelo foi um tópico intimamente interligado com minha feminilidade, eu logo descobri. Meninas na minha sala comparavam shampoos e condicionadores, falavam de estilo e de cortes de cabelo, pintavam seus cabelos de várias cores e reclamavam de eles se tornarem oleosos tão rapidamente. Uma cabeça cheia de cabelo brilhoso era aparentemente o que toda menina queria e eu iria olhar invejando como Karina, uma menina na minha sala, passava as mãos pelo seu cabelo volumoso a cada poucos minutos, deixando-o cair casualmente nos seus ombros em perfeitos cachos. Eu me lembro do meu desânimo com meu cabelo fino. Foi parcialmente por frustração e parcialmente por desejo de se revoltar que eu decidi cortar meu cabelo quando eu tinha 14 anos. Eu me lembro de sentar lá, olhando 53
para mim mesma no espelho, olhando cada corte do cabeleireiro que faziam minhas longas, finas e negras ondas caírem gentilmente no chão. Meu pequeno ato de rebeldia aconteceu em completo silêncio, salvo “snip, snip” das tesouras. O corte de duende que eu usei para escola no dia seguinte causou tumulto. Todo passo que eu dava no corredor fazia as cabeças virarem. Meninas com quem eu quase nunca tinha falado vieram apressadas escancarar meu cabelo curto e infantil para me dizer, em admiração, quão impressionadas elas estavam com a minha coragem. “Eu nunca poderia cortar meu cabelo ”, disse Alison, seus olhos largos de choque e maravilha, suas mãos acariciando sua própria juba longa e loira. “Você está deslumbrante”, disse Dora, “como uma modelo”, “eu realmente admiro sua coragem. Você parece impressionante”, me disse outra garota. “Você vai ter a atenção de todos os garotos agora”, disse Sandrine, enquanto aparecia uma leve insinuação de ciúmes e admiração em sua voz. Sandrine estava bastante certa. Tobias veio a mim no horário do intervalo: “Você parece um travesti”, ele me disse. Depois de todos os elogios que eu recebi, foi a observação dele que ficou presa em minha cabeça. Pelos próximos sete anos, eu deixei meu cabelo crescer para longo novamente. Eu tenho vinte e um anos hoje e o cabelo na minha cabeça cai pelos meus ombros em finas mechas. Não combina comigo, mas, ao menos, é feminino, eu digo a mim mesma. Eu tive que aprender muito sobre o que é ser uma mulher. Os pelos que eu depilo nas minhas pernas e embaixo dos meus braços deixam pelos curtos por fazer, grossos e pretos. Eu ganhei uma navalha Gillette Vênus e meu creme de barbear tem extrato de aloe vera. Eu raspo minha zona do biquíni, eu pinço minhas sobrancelhas. Uso batom vermelho quando saio à noite e flerto com homens usando colônia. Eu finalmente sinto que sou a mulher que a sociedade me ensinou a ser. Há alguns meses, contudo, conheci uma mulher com pernas peludas. Fiquei fascinada. Eu nunca tinha visto uma perna de mulher assim antes. Eu fui completamente ignorante; eu percebi que o que meu corpo parecia em sua forma mais natural: peluda. Como que barbear e depilar foi o que eu fiz para eu me sentir mulher, quando as mulheres naturalmente têm pelos crescendo por todo seu corpo? Ao longo do mês inteiro de agosto, eu deixei todos os pelos do meu corpo crescerem. No início, eu senti um pouco de repulsa. Minha virilha pinicava, minhas pernas estavam 54
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ásperas. Eu estava fascinada por meus pelos das pernas. Quem saberia que eles poderiam crescer tanto? Eles eram suaves e eu passei horas acariciando eles, olhando para eles fascinada e encantada. A sensação de senti-los erguidos quando eu estava com frio foi uma completa novidade para mim, e eu fiquei discretamente encantada. Ninguém nunca me disse que eu poderia ser desse jeito. Eu aprendi de forma muito rápida sobre as minhas diferentes opções quando eu entrei no mundo dos pelos corporais: máquinas de barbear, cera, creme de remoção de pelos, pinças, tratamento a laser. Ninguém nunca me disse que eu também poderia simplesmente deixar crescer. Eu fui constantemente ensinada sobre o que eu tinha que fazer para ser de uma certa forma, sobre o que era esperado de mim. Mostraram a mim outra e outra vez que não ser daquele jeito significava que iriam rir de mim. Eu queria que alguém tivesse me dito que eu tinha mais do que duas escolhas: feminino ou masculino. Que eu poderia ser feminina com cabelos corporais, que eu poderia ser feminina sem cabelo corporal. Que eu poderia ser uma mulher não importa se meu cabelo da cabeça era curto ou longo. A sociedade coloca padrões e nos esquecemos de que esses padrões não são o que fazem de nós o que somos. Ser uma feminista, eu percebi, significa ser mulher de qualquer maneira que eu escolha ser.
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HASHOMER HATZAIR América anglo-saxônica Dando continuidade ao apresentado sobre o Hashomer Hatzair Europa, seguem os relatos de mulheres nos diferentes kenim do movimento Hashomer Hatzair dos Estados Unidos e do Canadá. Elas são madrichot, roshei ken mulheres ou pós bogrot que fizeram parte de um ken local há alguns anos ou ainda fazem parte dele.
Canadá Brit Asher Bogueret Ken Nir’Oz, Toronto, Canadá, 2017 No Hashomer Hatzair Canadá, nós temos muito orgulho das nossas posturas e ações progressistas, contudo nós, algumas vezes, caímos em hipocrisias com a nossa moral desprezada. Embora nos esforcemos pela igualdade dentro da comunidade Shômrica e na ampla sociedade canadense, há ainda muito espaço para crescimento. Meu nome é Brit Asher. Eu sou uma mulher canadense Shomerol e ingressei no Hashomer Hatzair, em 2009. Essa é minha perspectiva pessoal sobre a presença do machismo e do feminismo no nosso ‘Ken Nir Oz’ e na nossa Moshava ‘Shomria’. Crescendo na Shomriá, eu constantemente vi homens preenchendo uma maioria presencial nos espaços, apesar de que não era realmente algo a que eu dava muita atenção. Se louvados por tomarem posições de liderança, ou sendo destaques pelas suas habilidades de falarem em público ou seu humor, madrichim homens eram grandemente representados. Em retrospectiva, eu percebi que, apesar de eu achar que tinham mais madrichim homens na hadrachá, a maioria na verdade era de mulheres apesar de que a voz feminina estivesse tão pouco representada. O rosh tarbut sempre foi homem (até quando eu consigo lembrar), erevim 56
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consistiam em esmagadoramente modelos dominantes masculinos; mulheres conduziam rikkud enquanto homens, o ‘Basquete para Crianças Grandes’. Apesar de ser sutil e não necessariamente perceptiva naquela época, a dominação masculina estava infiltrada em cenários sociais enquanto membros femininos da hadrachá eram sexualizados ou estereotipados. Quando eu entrei em hadrachá, comecei a ver os caminhos em que o machismo subconsciente infectou a experiência feminina, assim como foi colocado o padrão masculino para aderir a apenas algumas características específicas. Nas nossas sichot noturnas, eu assistia a vozes femininas sendo caladas para abrir espaço para vozes masculinas mais altas e mulheres persistentes sendo referidas como “mandonas” ou “malucas” enquanto homens persistentes eram “apaixonantes” ou “inspiradores”. Foi um grande choque para mim, enquanto eu crescia, ver como nossa cultura era predominantemente masculina. Eu gostaria de acreditar que o máximo presente era puramente subconsciente e não intencional. É difícil sentir que é assim quando você experienciou tratamento desigual repetidamente com pouco reconhecimento do maltrato. Mas então nós começamos a tomar conhecimento e as coisas começaram a mudar. Os homens bem intencionados começaram a perguntar como eles poderiam fazer da hadrachá um espaço mais inclusivo, enquanto mulheres começaram a demandar por representação igual. Apesar do problema e de muita dificuldade com a hadrachá canadense, há muitas mudanças positivas em nossas ações progressivas por igualdade. Por exemplo, nesse verão, a hadrachá elegeu a primeira mulher independente rosh tarbut, Jennie Martow. A comunidade se tornou mais consciente dos espaços e nossas vozes ganharam lugar em conversas enquanto nós verbalmente relembramos uns aos outros para dar um passo atrás se nós dominamos uma conversa ou confiamos no volume das nossas vozes para determinar se nossas opiniões são tão fortes. A crescente presença do feminismo no Hashomer Hatzair Canadá passou a exaurir a cultura machista que, em algum momento, foi tão evidente. Conversas entre madrachim*ot começaram enquanto desbravávamos os caminhos para a criação de espaços seguros e empoderadores para todos. Nossa comunidade tem muito a dizer e, apesar de não sermos aptos para apresentar cada opinião individual sobre o tópico, alguns 57
outros shomrim*ot canadenses podem compartilhar suas experiências e pensamentos sobre como machismo e feminismo existe em Hashomer Hatzair Canadá.
Jennie Martow Bogueret Ken Nir’Oz, Toronto, Canadá, 2017 A falta de inclusão para as variadas orientações sexuais e sexualidades Para mim, uma das mais inválidas experiências na nossa Moshava foi durante as “conversas de garota”. Esse foi um momento em que todas as meninas na kvutzá deveriam sentar-se (algumas vezes com uma madrichá ou duas) e falar sobre quem nós pensávamos que era bonitinho e por quem nós estávamos apaixonadas. Havia, porém, dois problemas principais com essas conversas. O primeiro foi apenas um problema para uma minoria de pessoas. A pergunta era sempre colocada como: “de quais garotos você gosta?” Eu me identifico como pansexual, o que significa que minha atração sexual por alguém não é ditada pelo seu gênero. Eu não tinha esse entendimento sobre minha sexualidade quando eu era chanichá e, enquanto lutava para identificar a mim mesma, eu fui inadvertidamente ensinada tanto pelos companheiros da minha kvutzá e pelas minhas madrichot que eu deveria ser apenas interessada por homens. Durante essas “conversas de garota”, eu compartimentei minha sexualidade e suprimi uma parte de quem eu sou. O segundo problema criado tem a ver com o termo “conversa de garota”. Para nós, isso significava que absolutamente nenhum garoto era permitido dentro dessa conversa. Isso frequentemente deixava os meninos se sentindo afastados por nós, o que criou uma divisão de gênero dentro da minha kvutzá que foi muito difícil de superar. As meninas na minha kvutzá se isolavam em relação aos garotos, assim como nós fomos ensinadas a fazer pelas meninas nas kvutzot acima da nossa. Nós apenas começamos a falar sobre o problema recentemente, mas temos feito progresso. Madrichimot estão sendo cuidadosos com os exemplos dados e com as expressões usadas a fim de criar espaços mais seguros para nossos chanichim*ot do que os que nos foram fornecidos.
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Iris Benedikt Bogueret Ken Nir’Oz, Toronto, Canadá, 2017 Feminismo no Hashomer Hatzair Canadá… Ou não No Hashomer Hatzair Canadá, nós nos orgulhamos de ser um espaço progressista e inclusivo, cheio de jovens, pensadores críticos, interessados em desafiar o status quo e em cuidar de questões do nosso tempo como justiça social e ambiental. Convidamos a juventude de nossas comunidades para discutir problemas que pessoas marginalizadas na nossa sociedade enfrentam. Nós, frequentemente, negligenciamos as formas que não atingimos e, na verdade, somos um produto de realidades mais amplas. Somos, portanto, participantes culpados em perpetuar normas culturais que encorajam visões problemáticas de gênero e de sexualidade. Apesar de nos constituirmos em uma alta porcentagem de feministas, colocar o feminismo na prática, dentro da cultura do nosso movimento juvenil, não é sempre simples quando nós passamos muito tempo avaliando o mundo como um todo sem consistentemente trazer a falta de crítica às nossas próprias ações em micro níveis. Em discussões sérias, nós frequentemente tentamos e direcionamos problemas e tópicos em torno do consentimento às vozes femininas e da exaltação de vozes não masculinas, entendendo gênero como algo complexo e pessoal. Em cenários menos intencionais, ainda é muito comum negligenciar as formas que as vozes masculinas podem ser exaltadas através de conversas, como modelos carismáticos que falam alto e são assertivos em papéis de liderança, e como comediantes e animadores. Assim, conversas sobre sexo e sexualidade acontecem normalmente onde as mais altas vozes masculinas dominam e encorajam um ao outro a ser visto como gladiadores sexuais, enquanto o mesmo tipo de encorajamento e entusiasmo não é garantido para mulheres e para pessoas que não se identificam no binário. Dentro das estruturas das nossas instalações, também há uma constante suposição de uma representação de gênero binário independentemente das muitas discussões sobre diversidade de gênero. Nossa falta de habilidade para reconhecer e para direcionar quem é incluído em 59
certas conversas e quais papéis nós estamos perpetuando entre a juventude, que é parte da nossa comunidade, torna evidente que o feminismo ainda é algo para o qual precisamos criar espaços seguros e receptivos que não perpetuem normas dolorosas e, às vezes, violentas. Enquanto nossas conversas intelectuais levam às ações e ao respeito que os indivíduos concedem para cada um na nossa comunidade, e, por sua vez, ajudam a criar pessoas gentis, é importante continuar a ser auto reflexivo e crítico sobre como nós podemos fazer melhor para estarmos conscientes sobre como afetamos indivíduos e sistemas que queremos que mudem.
Estados Unidos Nehama Dormont Peilá Ken Philadelphia, Estados Unidos, 2017 No movimento norte-americano do Hashomer Hatzair, o feminismo se tornou um tópico de discussão que prevalece nos últimos seis anos. Mais e mais está sendo reconhecido e esforços têm sido feitos para as mulheres sentirem-se incluídas e respeitadas no movimento. Para nossos chanichim mais velhos, no jantar, temos círculos de gênero para homens e mulheres. Foi uma oportunidade para as shomrot mais velhas expressarem frustrações e experiências cercadas por outras que compartilharam desse sentimento. Mesmo sendo imperfeitos e o trabalho estando em progresso, temos a esperança de que estamos mudando e adaptando-nos para fazermos as mulheres mais visíveis. As mulheres da minha kvutzá têm sido sortudas em ter tantos exemplos de modelos femininos das nossas madrichot. Para mim pessoalmente, nos últimos anos, nunca me senti tão confiante. Minhas madrichot fizeram um trabalho maravilhoso para as meninas sentirem-se confortáveis. Elas mostraram para mim que eu posso estar em um papel de autoridade e de liderança sem parecer mandona ou rude; que, quando mulheres lideram, elas merecem tanto respeito quanto os homens; que minha voz não deve ser calada nas peulot; que o que eu estava dizen60
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do tinha mérito e que eu não pertencia somente à cozinha. Até mesmo observar minha irmã tomar esses papéis de liderança com o movimento mundial foi empoderador, foi uma lembrança de que mulheres pertencem a esses espaços e não devem recuar. Mais e mais eu comecei a ver muitas mulheres na nossa Hanagá. Na verdade, em 2017, temos apenas um homem na Hanagá. Com a minha própria kvutzá, eu me sinto respeitada pelos seus membros. Os homens nunca em um milhão de anos sonham em propositalmente ferir uma mulher ou recuá-las devido ao seu gênero. Por conta de toda educação de gênero e feminismo que trabalhamos para fornecer dentro do movimento norte-americano, a maioria deles pode nomear-se feminista e não se sentir envergonhado. Embora as vozes de mulheres sejam afogadas algumas vezes, isso é algo que homens estão trabalhando para mudar e serem melhores em reconhecer quando eles estão interrompendo alguém. Nós todos trabalhamos juntos no final do dia, porque nós somos uma kvutzá coletiva independentemente do gênero de cada um e isso é o que realmente importa. Nos últimos anos, nós começamos a falar mais abertamente sobre consentimento e sobre sentir-se confortável. Coisas como abuso sexual e assédio se tornaram menos tabus, fazendo pessoas sentirem menos medo, além da tentativa de criar um espaço de conforto e de consciência do que acontece ao redor delas. Existiu também uma proposta de colocar para toda kvutzá uma peulá sobre abuso sexual e consentimento, para tornar as pessoas mais atentas. Nós temos sinais nos nossos banheiros relembrando às pessoas que, se alguém está tocando em você e você não está ok com isso, você deve contar isso para alguém. As pequenas mudanças que nós fazemos são as que trazem a diferença. Nós temos um banheiro de gênero neutro que não é especificamente para pessoas não cisgênero; é usado por todos para que ninguém se sinta por fora por usar aquele espaço. Nós esperamos que, com o tempo, todas essas pequenas mudanças ajudem a alterar o conforto das pessoas com tópicos complicados. Todas as mudanças que foram feitas são ótimas, são positivas, mas algo ainda causa muitos problemas para as mulheres do HH América do Norte. Em muitos momentos, mulheres não são vistas como engraçadas assim como seus co-madrichim homens são. Nas nossas atividades no61
turnas, quando usualmente temos pequenas encenações à noite, antes de dormir, as mulheres não são vistas como engraçadas ou não são colocadas em papéis engraçados. Isso incomoda muitas meninas. Além disso, nós também não estamos incluídas em vários esportes. Enquanto estávamos tendo uma peulá sobre gênero, assistimos a um jogo de frisbee que estava acontecendo e só havia duas meninas jogando. Mesmo elas não estando sendo marcadas pela defesa, ninguém estava passando para elas. Quando mencionamos isso, os homens negaram, porque as pessoas não gostam de considerar a ideia de que algo machista pode ter acontecido bem na frente delas. Eles começaram a perceber e a entender que isso foi um problema, que ninguém nem se incomodou com as mulheres que estavam jogando, porque ninguém passaria para elas. Coisas como essa ainda estão presentes no dia a dia das mulheres do Hashomer Hatzair América do Norte. Essas coisas estão sendo combatidas e não são intencionais. São extremamente criadas por uma cultura de fora, de machismo que nós estamos constantemente tentando mudar, constantemente relembrando a nós mesmos. A mudança deve começar em algum lugar e nós decidimos fazer do nosso ken um desses lugares. Os shomrim e shomrot da América do Norte estão empenhandose todos os dias por igualdade de gênero, por um mundo mais aceitável e humanista.
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HASHOMER HATZAIR América Latina Ainda dentro deste espectro de depoimentos pessoais, seguem relatos de mulheres nos diferentes kenim do movimento Hashomer Hatzair latino-americano. Elas são madrichot, roshei ken mulheres ou pós bogrot que fizeram parte de um ken local há alguns anos ou ainda fazem parte dele. Com relação a tais relatos em específico, faço questão de mencionar, sendo criada na tnuá latina, a emoção e a complexidade que me envolvem por poder disponibilizar um meio no qual nosso ideal continental de luta feminista é concretizado. Como atual mazkirá continental latino-americana, posso garantir que o feminismo seguramente representa, cada vez mais, uma bandeira imprescindível para nós, sendo de costume as sichot englobarem gênero e participação em manifestações locais. Com orgulho, conto-lhes que o Hashomer Hatzair latino-americano respira uma realidade feminista diária.
Argentina Andrea Schuster Pós Bogueret Ken Tzavta, Buenos Aires, Argentina, 2017 Não é que o Hashomer Hatzair Buenos Aires fosse machista quando conheci o movimento. Ao contrário, clandestinamente, o debate se dava por um título de igualdade e de não discriminação. Foi mais tarde que começamos a tomar consciência da situação particular e a nos sentir interpelados como pessoas e como movimento (quando o debate começou a aparecer na sociedade argentina devido a toda a raiz de eventos terríveis) pelo feminismo. Porque se éramos um movimento de jovens homens e mulheres lutando pela emancipação, contra todas as formas de opressão e discriminação, tínhamos que nos sentir interpelados pelo feminismo. E assim foi. Sempre disse que o Hashomer Hatzair era um espaço onde as lógicas 63
de funcionamento do resto da sociedade desapareciam. Ali dentro, somos todos mais humanos. O contato passa pelo respeito, pelo carinho, pela ideia de kvutzá. Mas, quando começamos a falar de feminismo, descobrimos que não apenas não era um tema que trabalhamos diretamente como tnuá, mas também descobrimos que não nos resultava um absoluto alheio: éramos presos e reprodutores das mesmas lógicas machistas que todos os demais. Então começamos a tomar consciência disso. Começamos a trabalhar temáticas de gênero, a ir a manifestações e a fazer comunidades. Porém, isso não é suficiente. Faz um ano que já não sou bogueret da tnuá e cada vez mais me dou conta de que existiram muitas coisas de nossas próprias tradições e lógicas que não queríamos questionar. Porque era mais fácil, porque era tradição ou porque não sabíamos como. Na minha experiência pessoal, e fazendo uma retrospectiva, vejo cada vez com mais clareza como o machismo shômrico me afetou em particular. Quando comecei a formar parte da hanagá - por exemplo -, notei que minha voz (e a das mulheres que trabalham comigo) tinha que “parecer com a de um homem” para ser escutada. Tudo o que estava vinculado ao esteriótipo de mulher deveria ser deixado de lado para ser uma boa líder. Não é que não havia mulheres na hanagá, é que as mulheres que estavam ali tinham que atuar como se não o fossem. E o que é atuar como um homem ou como uma mulher? Não é essa categorização por si uma atitude machista? Sinto que de algum modo foi fácil falar de certos temas quando o auge do feminismo chegou ao Shomer. Não foi muito selvagem falar de gêneros (desnaturalizar o gênero binário), de abuso, violação, feminicídio, direitos, igualdade estrutural etc. O mais difícil foi traduzir isso à sua própria manipulação. Podemos ver o machismo em nós mesmos e destacá-lo. Gritá-lo, conhecê-lo e modificá-lo em todos. Estamos em tempos de repensar, refazer, recriar posicionamentos. E somos lutadores pelos ideais que os shomrim e shomrot do mundo, ao passar da história do movimento, sustentaram. Também deveríamos começar a pensar em nós mesmos como feministas. E pensar em si como feminista é ser crítica consigo primeiramente e com os demais depois. Mesmo que seja duro, esse é o momento. 64
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Por que colocamos uma madrichá (mulher) e um madrich (homem)? Como nos comportamos nas festas com nossos chaverim e chaverot? Quais jogos jogamos? Quais músicas cantamos? Temos um protocolo contra a violência de gênero? Quão capacitados estamos em educação sexual integral? Como se relaciona o feminismo e o judaísmo? Os tempos estão mudando e muitos de nossos paradigmas estão em crise. Porém a crise também é tempo de criação e de construção. Talvez, esse seja o momento de começar a sonhar com ser uma tnuá com perspectiva de gênero. E, para tal, primeiro vamos ter que olhar para dentro: somos capazes disso? A semente está plantada, precisamos, apenas, regá-la.
Lai Munduate Peilá Ken Tzavta, Buenos Aires, Argentina, 2017 Mulher é a delicada, a que escuta, a que consola, a que cuida. Com apenas um olhar nos diz tudo
o que precisamos. Sensível, tranquila. Rosa é o que a define. Um dia se cansa, sai, busca, e luta. Mulher é a que luta, a que batalha.
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Nadia Rogovsky Bogueret Ken Tzavta, Buenos Aires, Argentina, 2017 Entrei no ken de Buenos Aires em 2014, com 15 anos. Sempre me repetiram “as paredes do Shomer falam”, e efetivamente o fazem. Você pode surpreender-se muito com o que as paredes sabem e com como são intrometidas. Há vezes em que elas sabem coisas que nem você mesma sabe. Foi poucos meses depois que entrei no Shomer que as paredes falaram de mim pela primeira vez. Descobri por pura casualidade enquanto jantava com a minha kvutzá na casa de um deles. “Chupa pintos” era o que as paredes andavam dizendo de mim. Era mais de uma parede que tinha dito isso e, pelo que parecia, tinham falado com gente da minha kvutzá e da kvutzá de baixo. “Chupa pintos”? De onde as paredes tiraram isso? Ainda que fosse verdade ou mentira, o que tem isso de ruim? Na Machané Choref, em 2015, as paredes falaram sobre mim mais uma vez. Era noite, estava caminhando com um garoto com o qual eu tinha saído algumas vezes. Me parece que as paredes falaram muito sobre nós, porque, quando passávamos por um grupo de chanichim, um deles gritou: “COME ELA” como se fosse uma ordem, e seguiram com risadas, muitas. Quem ele achava que era para dizer o que seu amigo deveria fazer comigo? E se eu não quisesse? Será que isso passou pela cabeça dele em algum momento? Meses depois, as paredes atacaram novamente. Era nossa última peulá como chanichim/ot no ken. Minha madrichá se aproximou de mim e me disse: “Não fique com o primeiro boguer que lhe dê atenção; quando subir a bogrut, tenha cuidado!” Me confundiu muito, não entendi a que ela estava se referindo. Talvez eu tivesse preferido não entender, porque logo ela me explicou que um grupo de bogrim tinha feito uma espécie de “jogo”, aposta, para ver quem conseguia estar com uma das meninas da minha kvutzá, agora que seríamos bogrot. Chorei. Chorei porque nunca tinha me sentido tão usada. Era um objeto frente aos olhos dos bogrim. Qual era a diversão em jogar com a nossa sexualidade? Me vendo chorar, minha madrichá me disse que talvez tivesse sido um erro me dizer aquilo, que não eram todos os bogrim que tinham feito isso. Por que ela se 66
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sentiu culpada por me fazer chorar? Não foi sua culpa. De fato, ela fez o correto em me falar tudo o que as paredes andavam dizendo sobre mim. Na Machané Kaitz do mesmo ano, as paredes nunca tinham sido tão cruéis. Tinham falado tanto, tanto sobre mim, que ficou natural; já nem se preocupavam em dissimulá-lo. Por que era interesse de todos o que acontecia com a pessoa com quem eu saía? Por acaso o fato de ser um chaver da tnuá, isso deve ser assunto de todo mundo? Me tornei a piada da bogrut. Bogrim, com quatro anos e meio a mais que eu, riam na minha cara enquanto me lembravam de que a pessoa com quem eu saía estava me ignorando. Em uma das minhas primeiras festas da bogrut, as paredes não deixaram de falar. Eu estava sentada em uma esquina com um co-boguer, um amigo. Fazia tanto tempo que eu queria ficar com ele. Mas, de repente, ele começou a me dizer coisas sem sentido. Coisas que as paredes tinham dito. Começou a reclamar comigo sobre o porquê de eu ter ficado com um outro boguer antes dele. Quê? Por acaso eu era um prêmio? Um troféu? Por que as paredes falavam de mim como se fosse um troféu? Doía para ele o fato de não ter chegado primeiro? Era essa a aposta que minha ex madrichá me tinha falado? A alguém importa com quem eu quero ficar? O ano continua e as paredes não conseguem calar-se. Começar a namorar é algo falado e discutido durante um tempo no seu ciclo próximo. E, no shomer, não era exceção! Pode-se aceitar que falem sobre seu namoro durante uma semana, duas, três quando muito. Mas por que no momento em que comecei a namorar deixei de ser uma pessoa? Tudo o que me diziam ou perguntavam era sobre meu relacionamento. Tudo o que eu dizia ou fazia tinha que ter, indiscutivelmente, uma conexão com meu namorado. Tudo o que as paredes falavam sobre mim era sobre meu namoro. As pessoas se esqueceram de quem eu era antes? Era como se eu nunca tivesse me relacionado com alguém. Nasci com namorado. Shnat? “Ai, como você vai fazer com seu namorado?” Toda tnuá se esqueceu de todas as outras coisas que se relacionam com a ida para o shnat? Pior do que isso, a notícia tinha virado continental, as pessoas que iam comigo para o shnat falavam sobre meu namoro. Nós apenas vamos para shnat por isso? Não tem nada mais que as pessoas possam tirar de mim? 67
Em 2017, as paredes falam mesmo à distância. Como durante meu namoro eu era isso e nada mais, quando terminou, não existia outro tema do qual podiam falar sobre mim. O pior, as paredes falavam coisas que nem eu sabia e sobre as quais nunca me perguntaram. Que falem da sua vida enquanto não está no mesmo país é bem complicado, você não tem quem desminta os rumores que as paredes inventam. Para Argentina, eu era um monstro. As pessoas se esqueceram de quem eu era antes de quando terminei minha relação. Divulgaram as minhas fotos com outras pessoas e toda minha kvutzá de shnat Argentina era questionada sobre o tema, todos, menos eu. Por quê? E minha vida, por que os demais ficam perguntando sobre ela? Por que as pessoas ficam apenas com a versão que contam as paredes? Às vezes, as paredes me convertem em segredo. Um dia, durante meu shnat, as paredes me eternizaram em forma de segredo. Me fizeram infinita nos ouvidos dos outros. As paredes derramaram minha intimidade mesmo prometendo não fazer isso. Quem garante sua intimidade? Quem garante que o que você fez fica entre você e quem você escolheu? Em que momento minha vida sexual se converteu em piada na roda de amigos? O que acontece quando as paredes deixam de ser paredes? Há vezes que as paredes deixam de ser paredes e olham na nossa cara. Olham fixamente nos olhos e dizem “feminazi” no meio de uma aseifá enquanto você tenta argumentar por que não é válido mandar mais homens do que mulheres para a vanguarda da machané por “serem mais fortes”. Ou lhe dizem “sabe o quê? Não vou segurar a porta para você” quando você tenta explicar que o machista não é que a pessoa abra a porta, mas sim que creia que está obrigado a fazê-lo. Existem ocasiões que nem sequer se importam em olhar para você enquanto você fala com eles e preferem dar as costas e ignorar você. Sobreviver às paredes. Como faz uma pessoa para ser querida pelas paredes? Tem que se comportar como as paredes, saber zoar, saber “aceitar uma piada e não ser exagerada”, ser gente boa, relaxada, deixar de ser histérica, não se importar com nada. Entende? Bem masculina. Ou sempre estar disposta a fazer as coisas: “deixa que eu faço”, “de verdade, não tenho problema”, “não se preocupe, eu me encarrego disso’, como uma boa mulher. Talvez assim consigamos que as paredes nos deixem em paz.
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Nina Saroka Peilá Ken Tzavta, Buenos Aires, Argentina, 2017 Não nos calamos mais Nesse 8 de março, paramos. Paramos e nos manifestamos. Gritamos por nós, por todas: obreiras, amas de casa, professoras, profissionais, desocupadas de qualquer idade, sexo e orientação sexual; pelas que estão e pelas que não; pelas vivas, pelas presas, pelas desaparecidas, pelas mortas. Gritamos porque já não nos calamos mais, porque não é que apenas nos queiramos vivas, nós nos queremos nossas, nós nos queremos plenas. Plenas de direitos, de igualdade de condições, de oportunidades. Aqui e no mundo inteiro, porque, apesar de tudo, na união não temos medo; porque cada mulher que se revolta contra o patriarcado é a revolução; porque somos muitas, estamos organizadas e, se tocam em uma, nos organizaremos em milhares. Se nossas vidas não valem, que produzam sem nós. A revolução será feminista ou não será.
Brasil Iéte Arruda Salomé Facilitadora Ken Florianópolis, Brasil, 2017 Meu nome é Iéte Arruda Salomé, meu marido chama-se Léo Levitan e tenho duas filhas, Déborah Levitan e Cynthia Levitan. Agradeço às jovens do Movimento Juvenil HH do Rio de Janeiro, Mariana Temido, a responsável por esta pesquisa, e Luiza Frajblat pela indicação de meu nome para relatar a história abaixo. Vou trazer ao presente as minhas memórias, lembranças e emoções a partir de uma perspectiva totalmente pessoal. Desde pequena, tive como modelo da minha família o voluntariado. Lembro-me nitidamente das inúmeras vezes que minha mãe tricotava roupinhas de bebê de lã para doar a mães carentes numa maternidade de São Joaquim no interior de SC onde neva todos os anos. Contribuir com o outro e ajudá-lo sempre 69
estiveram presentes na minha vida e sempre o fiz de maneira natural, prazerosa, sem distinção, comprometida e me sentia realizada como pessoa, mãe e mulher. A partir da criação da AIC – Associação Israelita Catarinense, com sede em Florianópolis/SC, nos anos 90, agregaram-se outras instituições como a WIZO e o Movimento Juvenil Hashomer Hatzair à nossa comunidade. Algumas pessoas foram importantes nesse início do movimento, como, por exemplo, Ethel Scliar Cabral, que trouxe o Movimento Juvenil HH para Santa Catarina. Como não tínhamos uma escola judaica em Florianópolis, para além dos pilares ideológicos do movimento, o HH tinha uma função bastante clara de educação judaica não formal para crianças e adolescentes. A partir de um certo momento, eu, que já era voluntária na comunidade e presidente do Centro Wizo de SC, comecei a dar suporte mais diretamente ao Movimento Juvenil. No início, a preocupação era fazer projetos para o HH possibilitando a vinda de jovens preparados pelo HH do RJ e de SP para atuarem em Florianópolis colaborando assim com a comunidade local. O tempo passou, as primeiras crianças que participaram do shomer cresceram e assumiram a Tnuá como madrichim. Foi um momento bastante importante para o movimento que, a partir de 2006, começou a participar do programa Shnat Hachshará, formando um ciclo próprio de madrichim. Assim acontece até os dias de hoje, praticamente a cada dois anos, jovens da nossa comunidade participam de um ano de estudos em Israel. A minha relação com o HH sempre existiu, mas nunca tive um cargo no Movimento Juvenil HH, porém me intitulei como a “Facilitadora do Shomer”. Meu trabalho foi ajudar a dar continuidade, manter, fortalecer e, como sempre, pautado numa visão de futuro, contribuir para o judaísmo local. Quanto mais eu colaborava, mais aprendizado eu tinha e mais amigos conhecia. A missão do HH de acreditar que pode haver um mundo melhor, mais justo, sem distinções, com responsabilidade, respeitando a natureza e apoiando a educação judaica sempre se entrelaçou com as minhas crenças. Por isso não tive dúvidas em estar junto e atuar com os jovens para um bem comum. Nas tardes de sábado inicialmente e depois aos domingos, os madri70
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chim faziam suas atividades na Comunidade sempre em parceria com a AIC, pois ocupavam parte do espaço cedido para o HH. Eu atuava na logística, no suporte financeiro e em qualquer assunto que me fosse solicitado. Além, óbvio, de colaborar, muitas vezes, com o lanche da tarde. Achei uma receita escrita assim: “Bolo de Chocolate do Shomer” e um dizer escrito a mão por mim: “Eu faço para o Shomer o dobro dessa receita e em tabuleiro grande. Fica uma delícia porque tem cobertura de brigadeiro”. Outra receita também muito apreciada era a chalá feita por mim para o shabat, muitas vezes para a Comunidade e outras tantas para o Shomer, quando os jovens faziam o Shabbat comunitário, preparando alguns temas para discussão da corrente do judaísmo humanista bem como o ritual religioso mais holístico. Assim foi a minha contribuição para um objetivo comum durante anos. Em outubro de 2005, atuei junto ao HH Mundial para realizar, em Florianópolis, a Shomria. Vieram pessoas de Israel, do Brasil e da América Latina. Meu amigo Jayme Fucs estava à frente dessa empreitada. Aconteceu no Campeche, em Florianópolis/SC, num lugar de frente para o mar e onde todos compartilharam positivamente tudo que o evento propiciou. Em 2008, eu e meu marido participamos em Israel da celebração dos 95 anos de existência do HH. Foi um dia gratificante desfrutando a companhia da juventude, de amigos brasileiros que viviam em Israel e no Kibutz, e o discurso de Shimon Peres em pessoa naquele evento. Sendo fiel às minhas lembranças, encerro meu depoimento agradecendo a todos os jovens do Movimento Juvenil Hashomer Hatzair de Florianópolis/SC, os do Rio de Janeiro, os de São Paulo e, em especial, às minhas duas filhas Déborah e Cynthia que incorporaram o voluntariado às suas vidas. Lembrando sempre que os jovens do HH Floripa desenvolveram suas atividades com muita dedicação e amor, o que é um grande diferencial e orgulho para qualquer comunidade.
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Tsamiyah Carreño Levi Pós Bogueret Ken Florianópolis, Brasil, 2017 Minha história no Shomer começou quando esse chegou a Florianópolis, em 1996. Dentre as lembranças que tenho dos primeiros anos, Vivian, vinda de São Paulo especialmente para as atividades, é o melhor exemplo de madrichá, divertida e muito querida. Crescer frequentando o Shomer me possibilitou entrar em contato com aspectos muito ricos da vida comunitária, juvenil e judaica e também estabelecer pontes com jovens de São Paulo, do Rio nas machanot e, mais tarde, de Israel, Argentina, Chile, Uruguai, México e outros, em seminários e shomriot. Estar nesse espaço colaborou com o desenvolvimento de capacidades criativas, de improvisação e de argumentação ao estimular sempre o diálogo e a inventividade, tanto como chanichá quanto como madrichá e peilá. A presença constante de jogos e brincadeiras associada a interessantes momentos de discussão permitiram um contato frutífero com diferentes formas de ver o mundo, bem como de agir individualmente e em grupo na comunidade e na sociedade mais ampla. Ser peilá do ken Floripa foi uma oportunidade incrível de aprendizado sobre trabalho comunitário, organização de grupos e eventos e de ter uma enriquecedora relação com peilim de outros kenim da América Latina. Os momentos de planejamento e de atividades foram complexos em alguns aspectos, mas sempre construtivos e instigantes. Ser mulher nesse espaço foi algo desafiador, mas tive como exemplos as mulheres fortes e corajosas que vieram antes de mim e que construíram junto comigo essa história (Natalia, Deborah, Luana, Tsuriel, Cynthia, Laura, Noa, Tamara, Isadora, Deborah e outras). As discussões sobre temas como desigualdade de gênero levaram algum tempo até se estabelecerem enquanto pautas sérias e necessárias, mas seguimos em busca de mais lugares para diálogos e mudanças. Acredito ser muito importante que os espaços do Shomer sejam inclusivos e acolhedores e que colaborem para a formação de jovens meninas e meninos conscientes e capazes de atuar e de transformar os ambientes por onde circulam. Às mulheres e às meninas do presente e do futuro (Iael, Carolina, Ire72
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ne, Amanda, Isabela, Laura, Rafinha, Duda, Debinha, Ana, Flora, Gabrielle e tantas outras!), desejo, com muito carinho, liderança, doçura, força e coragem para seguirem construindo essa história tão incrível e linda!
Esther Kuperman Pós Bogueret Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Ingressei no Hashomer com 10 anos e vivi intensamente tudo o que o Hashomer nos oferece até os 19 anos, de bat Israel a bogueret, machanot, peulot, passeios e uma completa educação judaica laica e progressista. Em 1970, fui ao Shnat e conheci um pouco de Israel do Kibutz e do socialismo. Ao voltar, resolvi que, antes de fazer aliá, deveria estudar, e fui para faculdade. Acabei não fazendo aliá, mas o Hashomer e tudo o que vivi e o que aprendi ficaram em mim. Ainda na faculdade, nos anos 70, passei a fazer parte de um grupo de esquerda. Lutei contra a ditadura, pelo Brasil e por um mundo melhor. Era, também, uma forma de colocar em prática o que tinha absorvido na tnuá. Hoje sou professora e pesquisadora, mas sei que o que ensino e o que escrevo nos meus livros têm uma imensa influência de como fui orientada para viver no Hashomer. O amor a Israel, os valores judaicos humanistas, a valorização da justiça e da solidariedade, um certo olhar para o mundo, os amigos que fiz durante todo o tempo de tnuá, e que ainda são meus melhores amigos, são coisas boas que herdei, passei para minha filha e agora para a neta. Acho que tive a melhor formação que alguém poderia ter. Sou grata ao Hashomer por ser quem sou.
Fernanda Gerchenzon Futer Chanichá Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Tenho 16 anos e entrei no Hashomer Hatzair com 12, sem saber ao certo o que me esperava. Lá conheci o mundo do pensamento crítico e entendi que vivo em uma sociedade homofóbica, preconceituosa, racista e machista. Foi lá também que eu descobri que tenho a opção de não ficar sentada assistindo a tudo e contribuindo para algo em que não acre73
dito e que podia me impor e empoderar-me para mudar essa realidade. Aprendi que tenho o poder da mudança. Além de tudo, foi lá que encontrei espaço para me dizer feminista e, aos poucos, inspirada em muitas shomrot incríveis, ir mudando minhas atitudes e me fortalecendo. Como se já não bastasse, hoje é lá que tenho um espaço para dividir minhas angústias, medos e temores por ser mulher em uma sociedade machista que passa por uma transição lentamente. No Hashomer Hatzair, foi plantada e regada uma semente feminista tão forte em mim, a ponto de me despertar o interesse sobre o assunto e hoje eu estar lendo o livro “Para educar crianças feministas” e ser completamente apaixonada por educação e por feminismo. O melhor de tudo é que essa mágica aconteceu lá, mas me deu embasamento suficiente para eu ser assim em qualquer lugar. E, para mim, Fernanda, só cabe agradecer por ser uma das sementes que germinam seguindo passos das grandes mulheres, cujo exemplo e cuja dedicação estão enraizados no movimento Hashomer Hatzair e cujas ações e atitudes apontam como um farol o caminho que devemos trilhar.
Giovanna Goldrajch de Paula Peilá Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Explicam o que já sabemos nos fazem parecer burras, ingênuas e fracas. Reafirmam suas fragilidades quando temos destaque. A masculinidade de vidro cortando nossos pés que a cada passo são mais resistentes.
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Maika Caner Chanichá Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Hipólitas Nós somos, nos calam. Nós falamos, nos interrompem. Nós rimos, nos olham estranho. Nós criamos opinião, nos ameaçam. Nós defendemos nossos princípios, nos jogam no chão. Nós gritamos, nos pisoteiam. Nós tentamos nos levantar, nos derrubam de novo. Nós enfrentamos, nos despem. Nós choramos, nos batem. Nós pedimos para pararem, nos matam. Nós nos desprendemos do corpo, nos tacam fogo.
Isabella Hisgail D’Aquino Peilá Ken São Paulo, Brasil, 2017 nada ao som do violão cantamos dialogamos descontruímos e construímos com amor aprendemos a ensinar o Shomer também representa um espaço de debate o que significa ser mulher neste mundo feminicida nesta cidade violenta neste movimento juvenil que às vezes também 75
aprisiona e faz sangrar os seus pilares às vezes parece que os homens usam uma máscara é tão lindo encenar fingir que se importa quando, na verdade, reproduzem o Shomer, querendo ou não, faz parte do mundão está inserido no contexto de uma sociedade feminicida e mesmo lutando pela libertação pela educação muitas vezes ultrapassa os limites às vezes os machos do movimento por serem amigos próximos companheiros de luta ao machucarem ferem mais profundamente aquele que você acreditava ser parceiro nos golpeia pelas costas ao violar uma amiga ou até nós mesmas seja através de um comentário gordofóbico, traindo um relacionamento monogâmico, silenciando as mulheres do movimento, impondo a sua opinião masculina como primordial.
Priscilla Karaver Mazkirá Ken São Paulo, Brasil, 2017 Entrei no shomer São Paulo em 2002, no auge dos meus oito anos. Cresci na tnuá, passei por todo o ciclo educativo. Entrei em pehilut em 2010 e fiz shnat em 2012. De 2013 até hoje, ocupo o tafkid de mazkirá desse ken, com a exceção de um semestre em 2016. 76
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Desde que me lembro, esse ken foi formado majoritariamente por homens. Por muito tempo, fui a única mulher da minha shichvá. Nesse período, era tratada pelos meus colegas e pelos meus madrichim como um bibelô, que deveria ser protegido. Quando entrei em hadrachá, ganhei a companhia de mais uma mulher, a Aline, que se tornou uma referência para mim. Ela sempre foi muito forte e se fazia ser ouvida, o que causava uma intensa reação da parte masculina da pehilut, que sempre a colocava no lugar de ‘louca’. Nessa época, eu era muito tímida e, mesmo ficando inconformada, não falava nada. Além disso, quase todos esses homens tinham sido meus madrichim, existia ainda uma relação de admiração. Como era de se esperar, fui a única mulher do meu ken a ir para o shnat (não só em 2012, mas na última década). Nesse ano, em Israel, muitos casos de assédio e de violência contra mulheres aconteceram, inclusive comigo. Todos foram silenciados, causando-me profunda indignação. Quando estava no shnat, sabia que os anos que viriam seriam decisivos, eu faria parte ou do fechamento do ken ou de sua reestruturação já que, na última década, o shomer SP viveu um processo de profunda crise. A responsabilidade pesava. Os anos de 2013, 2014 e 2015 foram muito difíceis, chegamos a parar as atividades para chanichim por um tempo. Mas não deixamos de acreditar, continuávamos nos reunindo semanalmente para nos capacitar e organizar possibilidades de reconstrução. Em muitos momentos, eu ficava esgotada, não aguentava mais. Por um lado, queria desistir, mas, por outro, sabia que não podia. A chegada de uma mulher incrível marcou esse período. Dahlia entrou em 2014 e ficou por um ano como pehilá mekomit. Ela me deu muita força para continuar na luta, éramos as únicas mulheres em pehilut, rolava um sentimento de reciprocidade muito grande. Ela, sem que percebêssemos, fez com que passássemos por um processo de união grupal muito intenso, sem o qual não estaríamos atuando até hoje. Isso se tornou a principal motivação para continuarmos superando todos os desafios e reestruturando esse ken. Em 2015, uma nova shichvá entrou na pehilut, tinha sido madrichá deles em 2011. Era a última shichvá que tínhamos, havia sido construída ainda no ken do Bom Retiro. Essa entrada me deu mais uma motivação para continuar na luta, precisava possibilitar para eles a oportunidade de serem madrichim. Dessa kvutzá, apenas a Bebel permaneceu, menina forte e 77
corajosa, que me ensinou muito desde a época de sua chanichut. É a segunda mulher do shomer SP a fazer shnat nos últimos 15 anos. No final de 2015 e em 2016, as perspectivas começaram a melhorar, iniciamos uma parceria com uma comunidade que estava crescendo e voltamos a ter chanichim. No final desse primeiro ano, fizemos nossos primeiros sábados de atividade depois de mais de um ano. Em dezembro do segundo ano, voltamos a levar (7) chanichim para a machané nacional, momento de extrema emoção para mim. O mifkad final, estar lá na frente novamente, agora com chanichim. Chamei uma menina, a Alice, para baixar a deguel; menina corajosa, foi sozinha, com 9 anos, para sua primeira machané. Este ano, 2017, já estamos encontrando certa estabilidade, com chanichim fixos e um grupo experiente em pehilut. Agora temos a certeza de que nosso trabalho rendeu frutos, está concretizado e crescendo. Na machané de julho, fomos com 18 chanichim. Ainda tenho medo do futuro, ainda não temos uma renovação em curto prazo nem um ken. Mas conseguimos! Fizemos algo em que ninguém acreditava! Sei que eu tive e tenho um papel muito importante dentro desse grupo, fui essencial para a reestruturação e continuo sendo para a sequência do trabalho. Mas é difícil falar de mim (o que é compreensível, já que nós, mulheres dessa sociedade patriarcal, não somos educadas e estimuladas a nos reconhecermos como pessoas relevantes). Forçando-me um pouco a isso, sei que exerci uma liderança fundamental durante todo o processo. Organizei a reestruturação, ela está toda nas minhas agendas, o que tínhamos que fazer, como fazer, quem faria. Além disso, durante todo o processo, por mais difícil que o momento estivesse, conseguia visualizar o futuro, visualizar uma saída e conseguia contagiar o grupo com essa energia. O grupo também sempre me respeitou, mesmo sendo majoritariamente masculino. Sempre me senti muito confortável, sinto que todos eles estão abertos a me ouvir e reconhecem minha luta. Quando acontecem episódios de machismo, já que ninguém consegue fugir disso, todos me escutam, discutimos e resolvemos as questões. Dentro do shomer, não poderia ser diferente. Meu protagonismo e o respeito que rola dentro desse grupo são aspectos que me fortalecem muito como pessoa, o que é importante para que eu tenha forças para me colocar e lutar em outros espaços. Meu empoderamento como mulher e feminista se deu de forma gradual, 78
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não é possível falar de um marco específico. Aos poucos, fui percebendo as diversas opressões que vivia por ser mulher e tudo aquilo que sempre me indignou passou a ter nome. A tnuá teve um papel importante nesse meu processo, ao mesmo tempo que esse processo teve papel importante para a tnuá. O machismo marca o corpo e a subjetividade das mulheres, abaixa a autoestima, nos faz inseguras, e, para mim, o shomer, a bogrut de SP, o nosso grupo me ajudou a lidar com tudo isso, a me fortalecer e a superar as imposições sociais. Com esse fortalecimento, consegui trazer para a tnuá a discussão sobre gênero e sexualidade de forma mais direta e profunda. Já discutimos bastante dentro da pehilut, incluímos esses temas nas tochniot e repensamos algumas atitudes que estavam naturalizadas. Como dito acima, outra questão que atravessa minha vida na tnuá é a sexualidade. Essa discussão entrou de forma enfática mais tarde na minha vida se comparada a do gênero, apenas a partir do momento em que me reconheci mulher lésbica. Assim que isso aconteceu, trouxe para a pehilut a necessidade de falarmos sobre o tema. Se havíamos avançado bastante na desconstrução do machismo, a heteronormatividade era um tema intocado até então. Agora, já começa a ser explorado, mesmo que ainda de forma sútil. Na minha vivência, alguns aspectos são bem conflitantes. Se por um lado, acho importante falar da minha sexualidade abertamente já que ocultar é contribuir para a heteronorma; por outro, pesa o fato de estarmos dentro de uma sinagoga e de estarmos nos reestruturando agora, tenho medo de como as famílias podem reagir. Para finalizar, gostaria de ressaltar que a discussão sobre gênero e sexualidade dentro da tnuá, nos 15 anos em que faço parte dela, avançou de forma colossal. Lembro-me da época de chanichut, as piadas com mulheres e com homossexuais eram constantes, hoje já não passam mais. Porém, ainda falta muito, ainda precisamos de um forte e constante trabalho de desconstrução, para que possamos mudar as formas de pensar e de fazer que estão dadas e naturalizadas. Para que, com isso, nosso movimento, que se pretende transformador da realidade social, realmente o seja. Tenho muito orgulho de fazer parte da história desse movimento e de construir coletivamente os caminhos que serão seguidos por ele! Chazak Veematz.
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Chile O ken do Hashomer Hatzair Chile, em outubro de 2017, decidiu em reunião de bogrut que seu nome passaria a ser Haika Grossman, para honrar essa incrível mulher que nos representou, representa e representará enquanto existirmos, transcendendo o limite do tempo.
Sigal Bogdanic Pós Bogueret Ken Haika Grossman, Santiago, Chile, 2017 Hoje não há fantasia. Divina e plena, assim eu me sinto. Me observo e gosto de mim. Independentemente – dependente, doce, a melhor, a mais tirana. Cresci em dualidade, meu ser interno e minha memória se conectaram e conectam-se hoje com a experiência de fora. 1997: minhas lembranças em um colégio em Santiago, pouco conservador para a época imperante, logo após um Chile silenciado, democracia se assim se pode dizer. As pessoas não falavam muito do que se sentiam, viviam do “que dirão”, mulheres se fantasiavam de mulheres, homens elogiavam sua fantasia. “Você deve utilizar uniforme para o colégio, um “vestido” até os joelhos”. E por que ele não mostra suas pernas e eu devo fazê-lo? Eu cresci em uma família livre, no sentido de que homem e mulher, ambos somos seres humanos e a base disso é o amor. Na minha família, sempre pudemos falar sobre tudo. Pênis, vagina, perna, ombro são partes do corpo e temos que aprender sobre elas. Devido à minha origem, história, memória e ações, hoje me considero já mulher. 1999: sala de aula, meu ser mulher, 11 anos de idade, período pré-adolescência, boom hormonal, desenvolvimento de minha evolução. Contexto: o bullying nas aulas como parte casual de uma história latino-americana abusada, desgastada, pós ditadura, desde as épocas das conquistas. Um homem ferido, ressentido, abusador. Uma mulher com fantasia. Dirão que o bullying não é apenas uma realidade latino-americana, senão que mundial, claro que sim, somos sociedades mundiais divididas 80
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e abusadas, desde que o homem decidiu que esse terreno lhe pertencia e a mulher acreditou nisso. Nesse contexto, conto a vocês que, nesses anos, senti realmente que usava uma fantasia de mulher. Diziam que eu parecia travesti por ser liberal, por ser alta, grande, sobrancelhas frondosas, por ter um corpo desejável. Quem sou eu? Sou tão horrível e distante? Entre crescer e mudar, fui sentindo que minha mulher ia deixando sua fantasia de mulher, já com aceitação por ambas as partes, meu exterior e meu interior. Entendo que há um trabalho muito forte a ser feito, hoje em dia, em respeito ao sagrado do ser humano, sagrado erotismo, emoção que nos deu vida, emoção que nos conecta, emoções que hoje são distorcidas. 2003: caminhando, escuto os passos de alguém, sinto uma energia ruim, não quero virar a cabeça e “boom”! Me intimidaram, violaram. Soube muito bem onde colocar sua mão e escapou, não, não pode ser, maldigo. Me sentei chorando, não me explicou onde ele aprendeu isso nem por quê. Só a dor da minha fragilidade ficou. 2004: primeira vez que aprendo a arte da sedução-compaixão. Levanto a mão e paro um táxi. 17horas. Sigal: “bom dia, preciso chegar a esse endereço”. Senhor do Taxi: “Claro, sente-se na frente”. Coloco o cinto, abro um pouco a janela, sinto um ambiente denso. Ele fala comigo, eu sorrio e tento parecer tranquila. Dois semáforos, mão de homem sobre minha perna esquerda, penso “Okey, nada de ficar louca, respira tranquila”. Faço perguntas sobre a sua vida, indago para ver se gera um ambiente “amigável e de confiança”. Consigo fazer com que me fale de algumas coisas e que se “esqueça” de seu abuso, de seu problema. Perto de descer, ele aperta minha perna com sua mão, eu olho para ele, não me aborreço. Tranquila, tranquila, nada vai acontecer. Pego o dinheiro, ele me pergunta se quero fazer algo. Eu lhe respondo que minha mãe está esperando. Ponho minha mão na sua perna, olho para ele fixamente e digo “isso não se faz assim”. Pago e saio do carro. Coração a mil batidas. Aprendi - conheci a arte da sedução - compaixão. Uma espécie de sedução que traz o essencial da beleza humana, que é a capacidade compassiva. Sou uma mulher eroticamente livre, com um útero compassivo que estabiliza minha essência, isso me dá poder e me 81
empodera. Não existe mau homem, existe NÃO APRENDIZAGEM = FALTA DE AMOR. Sempre senti que vivo em uma sociedade latino-americana do “o que dirão”, muito conservadora com certeza e, na verdade, não me importo muito. Se estou triste, choro na frente de quem seja; se estou sedutora, seduzo, olho, mulher, homem, gato, árvore, penso “que lindo”; se tenho raiva, digo. Logo vamos reflexionar, perdoar, sanar. Se estou feliz, quero ser amor. Ao reflexionar sobre meu corpo e meu ser, “minha mulher” sem tanta fantasia, sinto-me a par com os homens, sei que tenho um lado masculino na minha feminilidade, me sinto plena com ele, me sinto plena com ela, me sinto plena comigo. Vejo que nós, mulheres que trazem muitos anos de submissão, estamos em uma guerrilha. Já não existe tanto ressentimento, começou uma guerra por igualdade, tanta culpa, agora ira, ira por entrar na igualdade, ira de “porque você me olha tanto”, “porque tenho que me depilar”, “porque você está me tocando sem consentimento”, “porque você não pode ser sensível”, “você foi um mau pai: não verá mais nossos filhos”, “manter o meu status”, “não o amo, mas ele paga todos os cheques”, “sinto que me engana”, “eu o engano”, “sou uma má mãe”, “sou uma má mulher”. Mulheres latino-americanas, mulheres do mundo, somos as que gestamos vida, o homem nos dá uma semente, nos dá energia, nós a plantamos em nosso útero e a transmutamos. Plantemos com amor, enraizemos com compaixão e admiremos, com inocência, as crianças no caminho. Não mais fantasia, sejamos belas entre belas, admiremos as outras, criemos com lealdade. Lealdade, palavra chave. Se eu sou leal ao meu ser, criarei com lealdade. Em uma sociedade tão desleal, é necessário voltar à origem e entender a criação como algo fértil e em transformação. Depois das culpas e das vítimas, necessitamos de guerreiros compassivos, leais, sensíveis. Quero agradecer à Mariana Temido por essa experiência. Nós nos conhecemos em um encontro de Hashomer Hatzair no Rio de Janeiro em outubro passado e sua energia mobilizadora me cativou. Obrigada por escrever este livro e nos dar vozes. 82
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Viviana Rojas Peilá Ken Haika Grossman, Santiago, Chile, 2017 Passo pela rua e já é costume que homens com o dobro da minha idade me gritem, me sussurrem e me olhem. Minhas únicas opções são gritar ou ignorá-los e, quando já é noite e estou sozinha, só posso ficar calada e passar rápido. Nunca me passou algo grave, fico apenas com a impotência, mas, na maioria das vezes, não é nada além de uma mera interrupção do meu dia, nem sequer me lembro depois de um tempo. Acho que isso acontece com muitas de nós, as coisas que eles falam tornaram-se costume, até as frases e os insultos se repetem. E como incorporar isso a uma rotina. Dizem que você tem culpa na maioria dos casos, porque você provocou-os. Eles também dizem que você está exagerando e que é normal que isso aconteça. As pessoas tomam consciência quando a agressão deixa de ser verbal. Quando aparecem as batidas, as feridas e o medo que aconteça com você ou com alguém próxima. Somente quando chega à imprensa, o caso se escandaliza, antes não. Se não se denuncia, isso fica como uma história a mais. Se dizem que uma conhecida foi agredida ou violada: quem nunca escutou isso? Ou apenas sabemos de abusos por notícias? As histórias que chegam a nós de forma muito próxima e somente nos centramos no fato pontual, dizemos que é horrível, que se deveria fazer justiça e que se dá todo o apoio à mulher. Mas onde estavam todos antes de que ela tivesse de ser apoiada? Uma vez, eu estava na rua caminhando com um amigo, passou um caminhão e parou no sinal vermelho. No caminhão, havia dois homens de aproximadamente 50 anos. O que estava dirigindo olhou para mim, tocou a buzina e disse que eu estava linda, me irritei e gritei para ele. Estávamos próximos do caminhão e pude ver que ele gostou do fato de eu ter me irritado, senti nojo. Meu amigo se aproximou para discutir e a expressão do homem mudou. Um pouco antes de mudar o sinal para verde, pediu desculpas ao meu amigo e acelerou rápido. Foi nesse momento que me dei conta da forma como o homem vê a mulher. Enxerga-a como uma coisa que tem dono. Se não tem dono, pode ser de qualquer um que a encontre. O homem se desculpou com meu amigo porque eu era dele naquele momento. 83
O homem faz a mulher acreditar que ela é débil, por isso é covarde, só se enfrenta uma mulher quando é certo que ela não pode defender-se. É oportunismo. Só se dirige à mulher quando não está acompanhada; à noite, quando ninguém vai escutar se ela gritar. Desprestigia-se o movimento feminista com ridicularizações penosas e sem fundamento. Se você as escuta uma vez, não pode levar essas críticas a sério, mas se repetem todo dia na sua casa, na sua rua, no seu colégio, no seu trabalho e nos meios de comunicação, vai ficando muito sério. A mim nunca aconteceu nada grave. Devo sentir-me afortunada por isso? Aguentar as coisas que gritam para mim, as vezes que me tratam mal, as diferenças que fazem no meu colégio, só por que poderia estar em uma situação pior? E como eu estou bem de ignorar os estupros, os feminicídios, os prostíbulos, as mulheres morrendo ao abortar, as leis descumpridas e a justiça parcial? As pessoas conseguem nos debilitar, porque não estamos suficientemente unidas e porque muitas vezes nos ignoramos entre nós. Só se nos unirmos, chegaremos a fazer pressão. Já chega desse trato, essa sociedade nos deixa em segundo plano e não temos porque aguentar isso. É uma luta que envolve a todas e a todos, e a mudança mais revolucionária será dada pela educação. Atualmente, a educação é uma maquinaria comprometida com o machismo. Se mudarmos a educação, chegaremos à igualdade. Aí está a chave. Não se pode esperar por mudanças sem educar a população. Nossa voz retumba nas ruas e não serve de nada, porque as pessoas se negam a escutar. Temos que fazer com que nos escutem.
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México O novo ken do Hashomer Hatzair México, em 2017, recebeu o nome de Tosia Altman, representando um marco educativo e político importante na história de nosso movimento.
Natasha Konzevik Peilá Ken Tosia Altman, Cidade do México, México, 2017 Este texto tem dois objetivos, o primeiro é tratar a respeito do machismo no México, além de conhecer figuras e grupos que lutam por um México onde há equidade de gênero. O segundo objetivo é colocar o zoom na câmera e nos centrar em como Hashomer Hatzair México funciona na questão de papéis de gênero. O México é um país sumamente machista, esse é um problema cultural, muitas vezes invisível. O homem tem mais oportunidades e mais direitos. As mulheres vivemos com medo, temos medo de sair à noite sozinhas, de andar em transportes públicos e de, em qualquer momento, sermos perseguidas; temos medo de que nos matem pelo simples fato de sermos mulheres. No México, ocorrem sete feminicídios por dia, sete mexicanas perdem suas vidas, e somente 25% dos casos são investigados como deveriam. Além disso, somos confrontados com a impunidade, as autoridades não respondem como esperado. As investigações são lentas, as famílias passam anos sem saber o paradeiro de seu familiar. O Estado do México fechou 2016 como o estado mais violento, com 263 feminicídios, embora, em 2015, tenha sido ativado o Alerta Violência de Gênero em onze municípios. Em continuação, veremos cifras de machismo no México: - 3 em cada 10 mulheres vivem algum tipo de violência por seu parceiro atual; - 60% das mulheres que frequentam clínicas e hospitais públicos sofrem violência dentro e fora do lugar; - as mexicanas ganham em média entre 13 e 23% menos do que os homens fazendo o mesmo trabalho. 85
Depois de conhecer o panorama geral do machismo no México, vamos ver personagens e organizações feministas. Marta Lamas é um ícone do feminismo no México. Os temas em que ela se concentra são: a discriminação, a prostituição e o aborto. Ela fundou a revista Fem, a primeira revista feminista no país e, anos depois, co-fundou o Grupo de Informação em Reprodução Escolhida (GIRE). Depois de anos de trabalho pelo movimento feminista, conduzido por Lamas, em 2007, a Suprema Corte da Justiça da Nação despenalizou, na Cidade do México, os abortos induzidos nas primeiras 12 semanas de gestação. Mónica Mayer também é uma mulher que teve um papel importante na luta feminista, com um enfoque artístico. Uma das instalações que montou se chama “El Tendedero”. Já foi exposta em diversos lugares ao longo dos anos e consiste em colar papéis respondendo a certas perguntas. No caso do tendedero que foi montado para Semillas (Sociedade Mexicana Pró Direitos da Mulher A.C), os enunciados que buscavam respostas foram os seguintes: “Assim me defendi de um abuso” e “Vou contra o abuso”. Mayer mostra a importância da militância através da arte, a arte política, porque também é através da cultura que se educa e se pode viabilizar um problema, o abuso e a violência contra mulher. “Las Reinas Chulas” é uma companhia de teatro que, através da sátira e da música, faz uma crítica social. Em seu trabalho ativista, centram-se na construção de uma cultura de respeito aos direitos das mulheres. Agora que conhecemos um pouco sobre personagens feministas, vamos passar a discutir sobre a questão de gênero no Hashomer Hatzair México. Ao pensar nesse tema, automaticamente surgem várias questões: somos realmente livres de repetir estruturas machistas, as quais são muitas vezes invisíveis e culturais?; se somos um agrupamento feminista, como fazemos para promover essa ideologia?; na realidade, os homens e as mulheres no movimento são ouvidos e levados em conta?; chaverim se consideram feministas?; como educamos para o feminismo? Há muitas perguntas que não têm respostas, mas sim o objetivo de refletir e repensar situações e coisas que acontecem no HH México. Eu acredito que, no Hashomer Hatzair México, não estamos livres de reproduzir condutas machistas já que estamos imersos em uma cultura em que reina o patriarcado, em que a violência contra as mulheres é totalmente normalizada. Apesar do exposto acima, sim, nós somos uma pequena comu86
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nidade mais consciente; lutamos por um mundo mais justo, e a luta feminista faz parte desse mundo. No shomer, levamos em conta a todos, independentemente do sexo. Os postos da hanagá foram ocupados várias vezes por mulheres, o que mostra que todos nós podemos ter posições de liderança e contribuir para o movimento. Acho que temos vários desafios, um é para gerar um maior interesse sobre esse tema nos madrichim, para que possamos colocar mais ênfase nas tochniot, e, assim, sermos capazes de construir em conjunto com os chanichim um movimento mais feminista. O segundo desafio é participar de marchas pelos direitos das mulheres e fazer atividades em conjunto com grupos feministas dentro e fora do ken. Para concluir, penso que todos de sua trincheira podem colocar um grãozinho de areia para tornar este mundo um lugar mais inclusivo; quer seja pelas artes, pela academia, pelo campo legal, ou de sábado a sábado para educar e educar-nos sobre o feminismo, não deixando que aconteçam desrespeitos ou permitindo que sejamos vistas como inferiores simplesmente por sermos mulheres. É trabalho de todos a conscientização de que o machismo impõe estereótipos prejudiciais a ambos os sexos (ou aos dois espectros que existem), e que não basta apenas não os reproduzir, mas também temos de combatê-los.
Uruguai Sara Lazar Pós Bogueret Ken Negba, Montevideo, Uruguai, 2017 Meu nome é Sara e, com meus 55 anos recentemente completos, posso dizer com orgulho que pertenço ao Hashomer Hatzair há 51 anos! Em outras palavras, não seria “Eu” sem esse pertencimento que é, indubitavelmente, parte inerente do meu ser. Essa vivência conforma a base da minha identidade e dita os caminhos do meu modo de ativar, ver e sentir o mundo, em uma simbiose que me permitiu crescer e me desenvolver no marco do que eu chamo, com um piscar de olhos, nossa divina Trindade: Hashomer Hatzair, HaKibutz Ha’Artzí e MAPAM– desde 87
minha aliá, em 1981. O velho ken da rua Maldonado foi meu refúgio de infância, um lugar acolhedor que me aninhava a cada fim de semana. Foram aqueles os anos mais duros da ditadura militar: os valores e as aprendizagens que absorvia em cada peulá eram o elixir para não perder nem a empatia nem a sensibilidade solidária ante o medo e a injustiça circundantes. Na tnuá, aprendi a “fazer coisas importantes”, não por pensá-las como tais, senão porque assim se conduz um shomer digno. Por isso então (é bastante mais, cronologicamente falando), a ideologia foi para mim meu credo e minha fortaleza. A partir disso, construí a vida que tenho - seja já no âmbito pessoal, familiar, comunitário ou político. Assim foi que, com apenas 16 anos, formei parte da equipe encarregada de nosso programa de rádio e, com 17, integrei a direção da renovada Jativá Martín Buber, junto a Nicolás, meu chaver desde os 15 (pai dos meus filhos e meu companheiro de toda vida). A pouco de fazer aliá, e já integrada ao kibutz Ein Hamifratz, o sentimento de realização pessoal (traduzido em uma entrega total e absoluta à comunidade), levou-me a ser eleita encarregada do trabalho e do planejamento de mão de obra na fábrica de cartões. Com escassos seis meses de ulpan, a persistência de uma idealista e o reconhecimento e apoio de meus companheiros de trabalho, consegui harmonizar o funcionamento interno e elevar a efetividade de produção. Também, depois de eclodir a 1ª Guerra do Líbano e com mais de 2/3 dos chaverim permanentes, alistados! Essas são experiências que me marcam para sempre e me fazem saber que consegui deixar minha marca… Paralelamente, consciente dessa alteridade tão presente na Galileia (refiro-me à população árabe), dei meus primeiros passos em política e mais especificamente no que aqui se faz chamar “convivência”. Desde o início, seduziu-me a ideia de construir pontes de entendimento e de cooperação entre ambas as populações. Entrei em contato com representantes do MAPAM da zona e comecei “embaixo”, sem idioma e com a “novidade” (para mim, que nunca antes tinha sentido a discriminação de gênero) do que implicava ser mulher, judia e ativista em uma sociedade patriarcal em que nem a voz feminina, muito menos a feminista, eram escutadas no âmbito público. Das minhas décadas de ativismo pela convivência na Galileia Central 88
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e Ocidental, podia destacar os cargos diretivos que fui desempenhando (seja nas eleições municipais, sindicais ou nacionais, assim como nos planos diretivos nacionais), mas, novamente, esses sempre foram vistos por mim como um aporte ao esforço político-partidário coletivo. Prefiro então me deter “à diferença” que minha intervenção nessa área alcançou: graças ao meu trabalho com as famílias e ao meu exemplo pessoal, as primeiras mulheres drusas entraram na Universidade de Haifa! O começo foi árduo, mas a permissão finalmente chegou, depois de muitas conversas e visitas recíprocas. O esforço comum de valorosas mulheres que viram no meu ativismo um aliado para abrir espaços até então vedados às mulheres drusas derivou também a abertura do primeiro jardim de infância em uma aldeia drusa e, nos anos subsequentes, a abertura de muitos outros - já em coordenação com o Sindicato de Mulheres Trabalhadoras (NAAMAT). No meu kibutz, Gaaton, desempenhei numerosos cargos e funções, tendo sempre como premissa primeira e principal o bem-estar coletivo sobre qualquer interesse particular. Meu tempo por Tzavta Buenos Aires, em meados dos anos 90, contribuiu para ampliar o impacto do eixo progressista no âmbito comunitário e ajudou a criar alianças com setores da sociedade argentina que logo se traduziram em diversas atividades de ampla ressonância pública. Ao mesmo tempo, estabeleci o precedente de autogoverno institucional, preparando as bases para uma maior autonomia local e para independência econômica. Atuei sempre com respeito, enorme responsabilidade e sincera solidariedade. Creio que nunca me faltou esse toque de inocência que todos os que passamos pela tnuá, em maior ou menor escala, adquirimos. Assim se educaram nossos filhos, hoje são já adultos, que aportam o melhor de si para sociedade. Admito que, com o passar dos anos, grande parte dessa “inocência ideológica” foi transformando-se com o assíduo uso do pensamento crítico (adquirido principalmente nos meus anos universitários e, posteriormente, na docência), mas nunca decaiu nem em cinismo nem em desespero ou desamor porque, no fundo, a idiossincrasia de nossa tnuá, a escala de valores que nos foi passada desde nossa primeira peulá no ken é a que segue regendo meus juízos e todas as minhas ações. Sou sionista, socialista e com muita honra! Chazak Ve’Ematz! 89
Victoria Alonso Zorkraut Peilá Ken Negba, Montevideo, Uruguai, 2017 Dadas as circunstâncias em que o ken sempre viveu, os casos de machismo são reduzidos se comparados a outras tnuot (especificamente as maiores, com muita gente sem tafkidim fixos). Vi tanto mazkirot quanto mazkirim, peilim como pehilot, guizbarim como guizbarot. Tentamos escolher a pessoa adequada para o tafkid por temas de sobrevivência do dia a dia do ken, assim como pelo baixo número de bogrim. A bogrut do Uruguai atualmente trabalha como um grupo de pessoas, todos em condições de igualdade e respeito. Porém, existem sim certas concepções errôneas na hora de tomar responsabilidade de coisas menores, como é a questão de limpar no Yom Avodá (destinamos um dia ao mês para isso), ordenar, organizar eventos entre outros. É uma crença no inconsciente dos bogrim deixar que as bogrot façam coisas sem oferecer ajuda ou a ajuda suficiente, porque acreditam que elas devem fazê-lo e pronto. Hoje em dia, o machismo, que nem é tão grave, manifesta-se em pequenitudes e se resolve entre os bogrim/ot, nunca é ignorado. Sei que, em bogruiot passadas, era mais forte, manifestando-se especialmente em quem deveria exercer coerção na hora de “castigar” um chanich com conduta duvidosa, em quem tomava as decisões importantes e como se via aquilo (se relembrava mais a um mazkir e o que fez do que uma mazkirá, apenas pelo seu sexo, por exemplo). A tnuá era muito mais heteronormativa do que na atualidade, assim como pró- patriarcado. A shomeret podia se sentir mais débil, especialmente com as piadas e com a convivência da bogrut. As atividades contribuíam com o ego do boguer/homem, que se sexualizava e objetivava muito mais o corpo da mulher; a vanguarda tinha sua maioria de homens, e nunca de mulheres. Com o passar do tempo e a mudança de kvutzot na bogrut, somado ao crescente destaque dos movimentos de LGBTTTQI, igualdade de gênero e feminismo, Hashomer Hatzair Uruguai melhora a cada ano e luta cada vez mais.
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Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
Venezuela Tamar Campos Fundadora Ken Nachshon, Caracas, Venezuela, 1954 Nasceu em 1939, em Havana, Cuba. Tamar sempre estudou em um colégio não judaico em Cuba, o que fez com que o Hashomer Hatzair fosse seu contato principal com o sionismo e Israel. Ela conta que, em 1947, enquanto escutava no rádio a criação do Estado de Israel, sentiu um contato muito forte com o sionismo. Para ela, o Hashomer Hatzair foi o local onde conseguia ver, na prática, o que aquele sentimento representava. Quando entrou para a tnuá, sentiu que aquele momento representava um processo de autoconhecimento e identificação consigo mesma. Em 1954, quando Tamar tinha apenas 14 anos de idade, seus pais decidiram mudar-se para a Venezuela. Pelo fato de sentir falta das atividades do Hashomer Hatzair, Tamar , em uma ocasião, levou alguns brinquedos para sinagoga e, vendo que as crianças estavam desocupadas, começou a brincar com elas. No fim da atividade, ela pediu às crianças que voltassem no próximo sábado, e, nesse momento, ela começou as atividades da tnuá. Naquela época, o único marco judaico em Caracas era uma sinagoga, local utilizado por ela como parte do ken do Hashomer Hatzair. Sozinha, organizou o espaço onde as atividades aconteceriam, que era uma quadra de cimento atrás da sinagoga. O nome da primeira kvutzá formada foi Kvutzá Israel, nome escolhido pela própria Tamar. Em 1958, receberam o primeiro sheliach, que deu ao ken o nome de Nachshon - a primeira pessoa que cruzou o Mar Vermelho. Em 1962, ela decidiu fazer aliá e foi para Israel junto com um grupo israelense de teatro que estava na cidade. Quando chegou ao kibutz Carmia, foi escolhida para trabalhar na plantação de bananas, única mulher a exercer esse cargo. Tamar se intitula chutzpá, descarada. Ela conta que sempre soube exatamente no que acreditava e porque, então nunca teve problemas com críticas. Nunca teve que pedir permissão a alguém para realizar o que queria. Em nossa entrevista, eu mesma perguntei à Tamar se alguma vez ela tinha sido diminuída por ser mulher, e então ela me respondeu: “Não, porque eu nunca permitiria que me fizessem isso”. 91
HASHOMER HATZAIR oceania Por fim, compartilho relatos de mulheres no ken australiano. Elas são madrichot, roshei ken mulheres ou pós bogrot que fizeram parte de um ken local há alguns anos ou ainda fazem parte dele.
Austrália Fay Morris Pós Bogueret Ken Beit Aneilewicz, Melbourne, Austrália, 2017 Eu nasci em Chelm, Polônia, em janeiro de 1938. A partir disso, você verá que não era exatamente um bom momento para crianças judias nascerem. Quando o exército de Hitler invadiu a Polônia, minha família escapou para União Soviética onde nós fomos refugiados até a permissão de os cidadãos poloneses poderem voltar para Polônia em 1946. Deixamos a Polônia em 1948 e fomos para Paris, onde esperamos pelo barco para levar-nos para Austrália. Eu sempre tive uma identidade judaica de esquerda muito forte. Em 1953, Hashomer Hatzair Austrália foi formado por um grupo de Bogrim que deixou Habonim. Um grupo de Bogrim de Sydney, que também deixou Habonim, decidiu fazer aliá para o Kibutz Artzi e os dois grupos combinaram de formar o primeiro Garin Shômrico com a intenção de fazer aliá para o Kibutz Nirim no Negev. Em maio de 1953, um amigo me pediu para ir com ele para uma tarde de Achad B’May celebrada pelo novo grupo formado por Shomrim. Apesar de eu ter aproveitado a tarde, não me deixou com muita reflexão. Em dezembro de 1953, decidi me juntar ao Hashomer Hatzair devido à sua ideologia de esquerda e à forte identidade judaica, que me atraíram. Fui ao primeiro acampamento na Hachshara. Nos seus primeiros dias, o movimento era muito pequeno e o momento, difícil. A comunidade de Melbourne sempre ajudou o partido dominante em Israel e lá havia amargura que os Shomrim tivessem saído do 92
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Habonim que era o maior movimento juvenil sionista. Mas, lentamente, nossos números cresceram. Eu fui membro do primeiro grupo de Tzofim Bogrim. Nossa tochnit era principalmente sobre sionismo, o que eu achei interessante. Eu sabia muito sobre a história do Hashomer Hatzair na Polônia porque eu conhecia a história judaica e li muito sobre a história do movimento durante os anos da shoá. No fim de 1954, nosso grupo começou a aprender hadrachá e eu me tornei madrichá. Lentamente, o movimento começou a atrair mais membros. Algumas crianças eram filhas de Shomrim que sobreviveram a shoá e se estabeleceram em Melbourne. Outras eram filhas de israelenses. Em 1956, nós tínhamos dois grupos de Kovshim, um grupo de Tzofim e outro grupo de Tzofim Bogrim. Nós estávamos atraindo mais pessoas jovens porque tínhamos uma ótima ruach e realmente pessoas interessantes no movimento. No fim de 1956, o grupo a que eu pertencia, Lahav, e o grupo de Bogrim se juntaram para formar Gvulot. Muitos dos Shomrim originais fizeram aliá para o Kibutz Nirim e alguns dos Tzofim Bogrim deixaram a tnuá para ir para universidade. O movimento júnior continuou crescendo extremamente por elos e, em 1958, quando as fronteiras polonesas foram abertas e a imigração para Austrália começou, nós tínhamos um grande grupo de jovens que falavam polonês que se juntaram ao movimento. Eu me tornei madrichá e tive que reaprender polonês para que eu pudesse dar sichot. Também havia um grupo, principalmente de jovens, que falava hebraico. Para mim, esse foi um momento muito ocupado porque eu estava com dois grupos no movimento e estudava para me tornar uma professora. Foi uma visão estar em uma noite de domingo, depois das sichot com em torno de cinquenta Shomrim dançando danças israelis no quintal de Beth Weizmann, a sede sionista. Mais pessoas do grupo de liderança fizeram aliá e se tornou difícil ter pessoas seniores para dividir o trabalho. No fim de 1959, nossos primeiros Shlichim, Shoshana e Dov Agmon chegaram à Austrália, mas, nesse momento, eu estava cansada e, em 1960, deixei o movimento. Tantos anos passaram e muitos dos meus amigos não estão mais aqui, mas eu continuo em contato e me sinto próxima àqueles que eram meus amigos no início dos dias do Hashomer Hatzair Austrália. Saudações.
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Lauren Winn Bogueret Ken Beit Aneilewicz, Melbourne, Austrália, 2017 Hashy tem sido um lugar essencial que ajudou a promover e a apoiar o meu feminismo, bem como o de muitos outros no movimento. Hashy Austrália é um movimento orgulhosamente feminista. Para mim, tem sido uma contracultura importante para o mundo exterior que, muitas vezes, desempodera as mulheres. Lembro-me de que desde jovens, tínhamos peulot dedicadas à igualdade de gênero e ao empoderamento das mulheres. Hashy foi provavelmente o primeiro lugar que realmente despertou meu interesse pelo feminismo. Algo que me inspirou ao longo do meu processo na tnuá tem sido as atuais mulheres do movimento. Os últimos cinco mazkirim ot na Austrália foram mulheres. Tem sido importante mostrar ao nosso chanichim_ot que, mesmo que ainda haja uma questão de desigualdade de gênero nas posições de poder na Austrália e no mundo, eles podem vir ao Hashy e sentir-se capacitados e que todos os gêneros são igualmente capazes. Nós também tentamos torná-lo um espaço seguro onde eles podem ser eles mesmos, independentemente de estereótipos ou de expectativas de gênero.
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capítulo III
O “SER MULHER” E COMO SE CONSTITUI
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Este capítulo é dedicado à expressão de mulheres do Hashomer Hatzair e às questões relacionados ao “ser mulher”. A partir disso, entendo que a constituição do feminino ronda espectros diversos e até distantes uns dos outros. Esta compilação serve, portanto, para um entendimento do que, em linhas gerais, pode relacionar-se com o ser mulher. Aqui, trata-se, em especifico, de opressões ao feminino, não só relativamente aos padrões de beleza ou corporais, até as dificuldades que rondam a sexualidade, mas também de sororidade e da necessidade de um ideal de irmandade dentro da luta feminista. A ideia de expor tais temas por relatos pessoais é mostrar que, mesmo que o machismo possua um papel estrutural dentro do Hashomer Hatzair, sua existência afeta cada uma de nós de forma diferente, criando inseguranças, incertezas e remorsos também de forma individual. Faz-se importante que o Hashomer Hatzair realize uma luta estrutural de desconstrução do machismo, mas que seja também realizado o acompanhamento de mulheres de forma individualizada, com o intuito de empoderar cada uma de nós, de apoiar e de facilitar o processo de desconstrução em velocidades diferenciadas, respeitando o momento de cada uma. Além disso, é evidente que a luta da tnuá deve englobar um processo de desconstrução de homens, fazendo do feminismo uma ideologia e uma luta compartilhadas, apesar de obrigatoriamente ser protagonismo de mulheres.
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Hashomer Hatzair e os padrões de beleza Luisa Martins Soares Bergara Chanichá Ken Negba, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Eu vivo em uma sociedade com valores invertidos. Me ensinaram que um corpo perfeito é um corpo sem barriga, com seios grandes, coxas duras, cabelos lisos e loiros, mas ninguém me ensinou a ser assim. Eu encarei essa realidade batendo de frente. A maioria das pessoas que cruzaram meu caminho nunca deram a devida importância ao meu caráter e à minha personalidade, pelo menos quando eu era um pouco menor e o nosso pensamento ainda não alcançava devida maturidade. O que importa é se você tem um IPhone que acabou de ser lançado, um fone que ninguém na escola tem, e claro, o corpo perfeito. Isso não é papo de “coitadinha”, nem mesmo de uma menina que sofreu bullying por ser gordinha, por ter cabelo cacheado, por ser negra. Isso é papo de filha, de amiga, de irmã. Papo de mim, papo de Luisa que nunca foi gorda, tem cabelo liso e nunca sofreu bullying. Nas férias de agosto, em 2016, minha mãe ficou sabendo de uma promoção que daria um super desconto para passar doze dias em um Cruzeiro com destino a Miami. Como minha família é grande e só na minha casa somos seis mulheres, essa era com certeza a chance das nossas vidas de viajarmos juntos e, pela primeira vez na minha vida, em um navio. Quando menstruei e meu corpo começou a mudar, pesava em torno dos 50, 52 quilos. Esse navio era de uma companhia americana, ou seja, todas as comidas e atrativos eram em “estilo americano”. De café da manhã, panqueca. O almoço era hambúrguer. De lanche, máquina de sorvete. No jantar, eles serviam pizza e de ceia, ovo frito, bacon, cheddar... Não tive muito como escapar dessa realidade e comi o que eu gostava. Para não falar que não tinha comida brasileira, dentre os vários restaurantes, um servia arroz e feijão, mas abria e fechava cedo. Não consegui comer lá. Quando voltei para o Rio, senti que algumas roupas não cabiam em mim tão confortavelmente como antes da viagem. Resolvi me pesar. 98
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Estava com 54 quilos. Para a maioria esmagadora, isso não representa quase nada, afinal são dois quilos a mais. Mas eu não consegui encarar dessa forma. Esse número foi mais do que um número. Foi o ponto inicial para eu começar a emagrecer. Nunca fui de ir para a academia, sempre preferi esportes e dança. Eu estava no nono ano, terceiro trimestre e não tinha tempo para malhar. Silenciosamente, desenvolvi um transtorno alimentar chamado anorexia - literalmente aquela foto clássica de uma menina magrinha se olhando no espelho e se vendo muito mais gorda. Vontade incessante de emagrecer, de ter o corpo ideal. Ao mesmo tempo que desenvolvi anorexia, também tive bulimia. Isso foi cruel, foi me cansando e me matando aos poucos, dia após dia. Tudo em um transtorno alimentar é muito intenso. Não é pular uma refeição e pronto. Quem sofre dessa doença pula todas as refeições e, quando não consegue pular todas, carrega uma culpa muito pesada. Não é provocar o vômito uma vez antes de dormir. Quem sofre dessa doença tem olhos e ações velozes para purgar depois de todas as refeições e, quando não consegue, sente como se tivesse engordado muitos e muitos quilos. Vivi nesse dilema durante sete meses. Como diferentes diagnósticos levam a diferentes tratamentos, a melhor forma para eu melhorar foi a internação. Os tratamentos vão desde consultas semanais até o intensivo em uma clínica psiquiátrica. Dia 2 de dezembro de 2016, às 10h25 da manhã, eu já estava sendo introduzida naquele mundo tão diferente. Sem celular, sem minhas irmãs, sem meus pais... Sem amigos, sem notícias, sem férias. E, com acompanhamento clínico todos os dias, fiquei 78 dias ali. Me reconheci, consegui sentir a calmaria agitada de um hospital com um entra e sai de pessoas que, ao mesmo tempo me acolheram como mascote, afinal eu era a mais nova de lá. Dia 21 de fevereiro de 2017, eu ganhei alta hospitalar e pude voltar para a minha casa! Lembro-me do momento exato em que me avisaram que meus pais me esperavam lá fora. O momento em que me despedi de todos os amigos que fiz ali dentro. O momento em que carreguei sacos e sacos de roupas em direção à saída. Lá fora, duas amigas me esperavam de surpresa. Duas amigas do Hashomer Hatzair que fizeram uma enorme diferença durante meu tratamento! E eu estava, com uma alegria indescritível, fora da clínica e ao lado do Ken Beit. Meu dia foi muito intenso, cheio de emoções e com muita alegria, como uma adolescente que 99
tinha acabado de se reencontrar. Ser adolescente é querer ter 18 anos para ter um carro e 10 anos para ganhar um presente no dia das crianças. Eu achava que minha adolescência iria se resumir em poder sentar no banco da frente, usar mochila nas costas, sair para festas e voltar depois da meia noite. Eu já não era mais criança e só percebi isso quando, além de poder sentar na frente, usar mochila nas costas e voltar de madrugada das festas, os padrões sociais surgiram no meu cotidiano. Cabelo dividido no meio não pode, tem que ser jogado para o lado. Calça jeans para escola só se for de marca, se não for, amarra um casaco na cintura para disfarçar. Se você tira notas boas, vira nerd. Se não tira, é burra. Não pode mais gostar de rosa ou lilás, tem que seguir a cor da moda. Ser gorda não pode de jeito nenhum, compra uma balança e vai regular seu peso. É magrinha? Ah, é girafa, é desnutrida, “sua mãe não te dá comida?”. E eu cresci assim. As minhas amigas também cresceram assim. Esses padrões são como regras, algo incontestável e obrigatório. Não me ensinaram a ser adolescente, a aguentar essa pressão. Ninguém me disse que não seria só diversão. Me vi em frente ao espelho, com gorduras a mais e com um olhar confuso. Algo nunca sentido antes. Eu me vi perdida, insegura, com medo. Com muito medo. Enraizaram em mim a obrigação de ser magra e eu, de cara com a juventude, comemorando meus 14 anos, não ia decepcioná-la. Tudo começou com um corta jantar. Depois veio o abdominal, o pule o lanche da tarde, água com gengibre, acorde mais tarde para não dar tempo de tomar café da manhã e a malhação de novo. Fui completamente contaminada pelos padrões de beleza. Entrei para o Shomer no primeiro semestre de 2015. Uma amiga comentou sobre um sábado especial que ia haver com várias novidades e eu, como uma jovem curiosa e acumuladora de bons momentos, fui. Nunca tive algo que me ocupasse os sábados e também nunca estudei em escola judaica, então frequentar o shomer era para mim uma grande novidade. Os sábados foram passando e eu fui ficando cada vez mais interessada pela tnuá e pelos assuntos ali tratados, porque eram tochniot e sichot que eu nunca iria ter na escola e na vida. Dentro do Hashomer Hatzair, eu me formei como uma cidadã melhor e como mulher. Perplexa e sem uma base ou apoio para tirar as dúvidas de como sobreviver na adolescência, me deparei 100% tomada pelo espírito shômrico. Era 100
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lá, em um ken muito verde com corações azuis, que tudo ia se esclarecer. Conheci uma “Luisa” nunca explorada. Uma Luisa com uma visão crítica, com um espírito mais que aventureiro e com um questionamento incansável de saber o porquê das coisas serem como são. Conheci palavras novas, conceitos novos e, no embalo das novidades, um movimento dentro do meu movimento – o Feminismo. Me tornei uma mulher forte, capaz de lutar, sabendo me colocar e me expressar. Vi na prática o que era sororidade, resistência, luta, direitos e mais do que isso, eu me vi dentro de todos os termos e ações. É inexplicável meu sentimento e minha admiração pelo Shomer. Esse movimento é amor para dias bons e refúgio para dias difíceis. Educação de se admirar e história para se orgulhar. O Shomer é meu lar, meu refúgio, minha escola, é paz. Não me preocupo com a roupa que eu estou vestindo ou com a forma que meu cabelo está repartido. Eu só sou felicidade quando sinto o Shomer. Em casa, com minha família de sangue, a escola me consumia, responsabilidades pesavam e eu ficava sem forças por tentar aguentar tudo isso sozinha. Os sábados chegavam e eles traziam alegria, ansiedade, aventuras, descobertas, tochniot, tintas, muita água e muito saber. Foi no Hashomer Hatzair que eu aprendi a ser mulher. No Hashomer Hatzair, eu aprendi a lidar com a adolescência. Fiz dele minha paz, meu incentivo. Sem poder ir ao último mifkad de 2016, meu único pedido era “Mamãe, veja o mifkad por mim. A energia do Shomer é algo surreal. Eu vou ficar bem”.
Hashomer Hatzair e gordofobia Beatriz Saraiva Stolerman Bogueret Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 O Eu gorda: uma identidade a respeito da qual quase ninguém gosta de falar. Certa vez me perguntaram como eu me identificava como mulher e se eu me identificava como tal. Disse que sim. Disse tudo aquilo sobre o que eu já tinha lido, sobre o que eu já havia sido questionada ou sobre o que eu tinha dúvidas: a minha sexualidade, a minha identidade de gênero, a minha identidade cultural. Mas nunca sobre as minhas certezas. 101
Nunca sobre o meu corpo. Nunca sobre o meu peso. Não havia dúvida alguma ali. Talvez só mais um traço que eu preferia ignorar e sobre o qual não queria conversar. Eu atribuo o meu relato ao meu “eu gorda”. Por muitos anos, quis acreditar que eu não era daquele jeito, que eu não poderia ser daquele jeito. O “eu gorda” sempre foi uma qualidade transitória na minha cabeça, pois eu havia de mudar aquilo em algum momento da vida. Era uma meta. Eu não estava feliz com a minha aparência e estava disposta a fazer qualquer coisa para mudar. Por diversos anos, eu fui invisível para muitas pessoas porque eu era a gordinha, que “se emagrecesse ia ficar linda”. Era muito difícil, também, ser uma menina e uma jovem adolescente gorda no Hashomer Hatzair. Era mais um ambiente social em que eu me sentia oprimida, em que eu me sentia completamente avulsa do resto das meninas e, consequentemente, era sempre o alvo das piadas. Afinal, “era só uma brincadeira, não é mesmo?! Por que eu deveria me incomodar com aquilo?!” - eu me perguntava constantemente. Tirar a camiseta e ficar de biquíni? Nunca. Usar short? Também não. Qualquer roupa me incomodaria o bastante para evidenciar todos aqueles quilos que eu tinha a mais e para impedir que eu me sentisse livre para me divertir sem medo da reprovação alheia ou de mais uma brincadeira de alguém. E lá se esvaía toda a minha autoestima. Essa era a minha vida: uma busca incessável pelo reconhecimento das pessoas e uma tentativa de que eu fosse aceita nos espaços públicos e nas relações das quais eu fazia parte. Eu precisava me sentir parte daquele padrão de beleza. Eu precisava dar um jeito de conseguir vestir o número 38, assim como todas as outras meninas. Eu tinha que ser mais magra do que a pessoa com quem eu fosse me relacionar, inclusive se essa pessoa fosse um homem. E, por toda a minha vida, eu neguei algo que estava perfeitamente normal: o meu corpo. Comecei a entender o feminismo então. Comecei a respirar o feminismo. Através da desconstrução de diversos dogmas internos, entendi que há vários aspectos em nossos corpos e em nossas mentes que nos aprisionam. Entendi que tudo aquilo que haviam me dito durante a vida inteira não passava de preconceito, de uma tentativa frustrada da sociedade em esperar que nós, mulheres, vivamos em função de um certo molde. E isso nunca vai acontecer, porque cada uma de nós tem uma essência 102
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somente sua - uma beleza, um jeito de ser, uma graça e um ar próprio. O eu mulher gorda (leia gordinha, cheinha, acima do peso ou do jeito que você quiser) se inspirou em mulheres grandiosas ao longo do mundo, em suas ideias revolucionárias, em seu amor próprio. Amar-se é, sobretudo, um ato revolucionário! É entender a sua essência e se aceitar, se abraçar, se sentir. É se olhar e pensar de você exatamente o que você deve pensar: que você é maravilhosa na sua unidade. Mas, entenda que isso faz parte de um grande processo. É por isso (e por muitas outras coisas) que nós, mulheres, precisamos do feminismo. É por isso que nós, mulheres gordas, precisamos do feminismo. A nossa luta fala sobre o direito de ser, sobre a opressão do “ideal”, sobre a falta de representatividade e sobre a importância da identidade corporal para a auto aceitação e para a autoestima. Fala sobre como é importante se sentir bem dentro de um corpo que é só nosso, e que existe para nós mesmas. Fala sobre como é saudável se amar incondicionalmente e entender que está tudo bem com nós mesmas, e que o nosso corpo pode ter a forma que nós quisermos que ele tenha. Ele só tem que nos fazer felizes. O nosso corpo é o nosso lar. O nosso corpo é nosso. Sejamos revolucionárias! Nós, mulheres gordas, também somos o Hashomer Hatzair. E essa é a nossa luta.
Hashomer Hatzair e negritude Rebeca Regen Ferreira Chanichá Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Meu nome é Rebeca Regen Ferreira, tenho 15 anos e sou preta, filha de mãe branca e pai preto. Quando pequena, a cor da minha pele nunca foi um problema para mim porque, assim como para a maioria das outras crianças, isso não fazia diferença. Eu era perfeita para completar o degradê da minha família. Dentro de casa, eu era a “crioula”, “negritinha”, “nega-preta”, nomes que afirmavam a minha pele. Mas, fora de casa, os nomes receosos como “mulata”, “escurinha” e “morena” começaram a 103
me incomodar. Todo o cuidado que os outros tinham para se direcionar à cor da minha pele me deixavam confusa e o fato de ser uma das poucas pretas na comunidade judaica do Rio complicava mais a situação. Depois de um tempo, eu mesma já tinha dificuldade em me identificar. Um dos primeiros conflitos internos reais aconteceu quando um colega de classe perguntou se eu era dessa cor mesmo ou se era muito sol, porque ele nunca tinha visto uma judia preta. A partir daí, comecei a prestar mais atenção nos detalhes e a me questionar mais. Comecei a entender porque na escola eu era a única preta que estava do lado dos que pagavam, e não dos que (mesmo que pouco) recebiam. Essa reflexão, dentro do shomer, também começou bem tarde, mas foi crucial. De novo, eu era a única preta da shichva e do ken. Esse assunto nunca era discutido, mas eu não achava necessário porque a política contra qualquer tipo de preconceito do shomer tinha criado um espaço seguro ao qual eu estava acomodada. O ponto crucial a que eu tinha me referido antes foi quando convidaram uma militante preta para falar sobre feminismo negro. E, naquele momento, eu não estava mais sozinha. Com essa mulher preta, eu me encantei e me identifiquei. Eu me encantei com o jeito que ela batia no peito e enchia a boca para falar da sua cor e ancestralidade. Me encantei com o brilho nos olhos dela quando ela expressava sua dor e o fardo que ela carregou a vida toda. Me identifiquei porque percebi que a luta dela era a minha luta. A partir daquele momento, eu passei a não só aceitar, mas a amar a cor da minha pele, a textura do meu cabelo e a grossura dos meus lábios. Eu passei a entender que eu representava um papel importante não só dentro da tnuá ou da comunidade judaica. Passei a me identificar e me apresentar como preta, a me pronunciar quando as pessoas hesitavam na hora de me descrever. E passei a valorizar mais meu espaço de fala e os privilégios que eu tinha, de ter um lugar seguro para me expressar e para representar aqueles que não o tinham, e passei a lutar para que tivessem. Se eu não tive um exemplo de mulher preta forte dentro da comunidade judaica por muito tempo, eu seria ela para que outras meninas, assim como eu, não tenham que demorar tanto para aprender a se amar.
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Hashomer Hatzair e Sororidade Eva Tardin Distelfeld, Peilá Ken Beit Mordechai Anilewicz, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 Para o filósofo alemão Martin Buber, as relações sociais são pautadas de duas maneiras: Eu - Isso, quando o Eu vai em busca de experiências e conhecimentos e acaba não se fazendo presente, em totalidade, na relação. E Eu -Tu, referindo-se ao universo da relação, repleto, em essencialidade, reciprocidade e diálogos. Com o decorrer da história, é fácil perceber que, muitas vezes, a conexão Eu -Tu é ignorada; a capacidade empática humana é rara e o egoísmo enaltecido. Assim, entendem-se, desde o micro até o macro-espaço, as interações abusivas que se fazem presentes na vida individual e na coletiva. Embora seja um fenômeno que tangencie a todos, há pessoas que tem o seu Eu tocado por esse mal cotidianamente, as minorias sociais. Encaixo-me em somente duas áreas desse grupo - mulher e judia. É sobre esses âmbitos que ouso falar. Porém, a opressão não se faz passiva, sempre há resistência, palavra cujo significado eu aprendi dentro do Hashomer Hatzair. Quando penso em resistência feminina, o que me vem primeiramente à mente é o conceito - união de mulheres pautada no companheirismo que é essencial em todas as dimensões da vida. Além do significado denotativo, a sororidade é a capacidade empática de uma mulher viver a outra, isso é, a tentativa de compreender ao máximo o lugar na qual a outra se encontra; a construção da relação Eu –Tu; o diálogo isento de críticas desconstrutivas e, principalmente, a troca de força para que ambas se levantem. Escrevendo essas palavras, lembro-me de muitas situações de machismo que presenciei dentro do Hashomer, mas recordo também de resistência que aprendi e que ensinei. Certo dia, em uma sichá, questionamos os chanichim (de 9 anos) se alguma vez já tinham sidos impedidos de serem quem eram por algum motivo. Uma menina contou que, diversas vezes, deixou de brincar e de falar porque sabia que os meninos implicariam com ela. Assim, ao final da sichá, fui conversar com ela para que visse em mim um apoio para qualquer situação, principal105
mente, para essas questões. Conversamos bastante, contou-me ainda mais das opressões que, mesmo tão nova, já tinha passado. Falei para ela que nada poderia calá-la, que nunca poderia deixar de ser quem ela é por ser mulher e que, dessa maneira, nós nos empoderamos. Acredito que, naquele momento, trocamos a mais pura sororidade e foi assim que, finalmente, compreendi que sororidade é, também, resistência.
Hashomer Hatzair e LGBTQ+ Bruna Rubinsztajn Bogueret Ken Negba, Rio de Janeiro, Brasil, 2017 É curioso, e diria até engraçado, escrever sobre questões de identidade em pleno século XXI. Aqui escrevo como mulher judia shômrica da comunidade LGBTQ+ e me pergunto se essa deveria ser uma frase paradoxal. Não é. Mais curioso ainda é o fato de que essas identidades - apesar de simplesmente ser - foram surgindo ao longo da vida e algumas, até hoje, ainda são difíceis de serem afirmadas em voz alta. Há lugares que nos propiciam conforto maior para nos afirmarmos como realmente somos, há outros que nos obrigam a afirmar algo sobre o qual nem pensamos. O quanto realmente refletimos sobre a nossa identidade e a nossa participação em grupos e comunidades? Em uma comunidade judaica, por exemplo, é bastante fácil afirmar “ser judia”, porém quase impossível afirmar “ser gay”. Por mais clichê que essa frase pareça ser, o ponto está aqui. Não há como falar de identidade, sem antes falar de representatividade, e mais além, de opressão. Não dá para se afirmar como pertencente a uma comunidade totalmente oprimida quando se faz parte de uma comunidade totalmente opressora. O “ser mulher” e o “ser LGBTQ+” são identidades oprimidas e negligenciadas pela sociedade, por questões estruturais, históricas e, principalmente, religiosas. Em comunidades conservadoras, como a comunidade judaica, o machismo e a homofobia ficam mais aparentes e a resistência dessas identidades tem de ser ainda maior. Preciso questionar quantos LGBTQ+ conhecemos na comunidade judaica? Mais especificamente, quantos trans conhecemos na comunidade judaica? 106
Nós, mulheres do Hashomer Hatzair
O Hashomer Hatzair, como movimento de vanguarda, é um ponto fora da curva nesse sentido, principalmente hoje em dia, em 2017. Em meio a tanto conservadorismo, o Shomer discute e se põe na luta feminista e LGBTQ+ em um ambiente de conforto e acolhimento para tais assuntos serem abordados, porém ainda há muito o que mudar. Nesse período de emersão de lutas na sociedade como um todo, tem sido bem mais fácil assumir, acolher e representar certas identidades, porém nem sempre foi assim e, portanto, há medos. Quantos madrichim*ot LGBTQ já vimos na tnuá? Quantos deles contaram aos seus chanichim*ot que eram LGBTQ? Por mais que o Shomer esteja em um processo, e, comparado aos outros meios sociais, seja um ambiente mais avançado com relação a esses temas, dentro dele, não é tão fácil quanto parece. Como educadora dentro do Hashomer Hatzair, não consigo, simplesmente, falar da minha orientação sexual com meus chanichim*ot sem ter medo de que eles saiam da tnuá por isso ou que pais venham reclamar. O ponto novamente está aqui. Isso gera um ciclo. Os/As chanichim*ot não veem representatividade total, não veem como algo “normal” e o assunto volta, mais uma vez, a ser tabu. Veem-se todos como héteros até que se prove o contrário, o fenômeno da heteronormatividade. Não há espaço para os/as chanichim*ot se descobrirem, se identificarem como LGBTQ+, simplesmente, porque se põe a heterossexualidade como padrão. Quando me descobri, via o Shomer como refúgio, me sentia segura lá, porém, ao mesmo tempo, tinha um relacionamento homossexual que era visto como a “fofoca da tnuá” e poucos foram aqueles que realmente me ajudaram e me protegeram, muitos não sabiam como agir. A tnuá fala sobre homossexualidade, porém será que está pronta para um casal homossexual dentro dela? Os/as peilim*ot estão prontos para proteger um relacionamento por todo o resto da comunidade? Em suma, retomando o assunto do início do texto, existir é resistir. Para todas as identidades oprimidas, o simples ato de se afirmar como tal é já um ato de resistência e de luta. É importante que pessoas como eu, mulheres, judias, LGBTQ+ (não necessariamente mutuamente), se afirmem, gritem por simplesmente ser. O Hashomer Hatzair está no início de uma luta imensa na qual iremos alcançar o objetivo de ser um movimento juvenil onde há espaço e repre107
sentatividade para todas nós, onde o processo chinuchi, desde o primeiro contato, desconstrua a heteronormatividade, o machismo, a homofobia dentro de cada chanich*a e onde a luta seja eterna. Um movimento de vanguarda, com a ousadia de sonhar, existir e resistir a todos e a todas.
Lutas futuras A partir da análise dos relatos e das críticas acima, faz-se evidente que as mulheres do Hashomer Hatzair vão, pouco a pouco, conseguindo desconstruir estruturas e também detalhes que são representativos do machismo na tnuá. Porém, mesmo coletando todos esses nomes femininos protagonistas no processo tnuati, são extremamente comuns o desconhecimento e a falta de registros. Na maioria das vezes, quando se fala de Hashomer Hatzair e de suas lutas, são nomes de homens que aparecem como os líderes dos processos, além de serem os mesmos que estão presentes falando em eventos e saindo nas fotos. Enquanto as figuras masculinas são escolhidas e estão de forma natural na sua primeira pesquisa no Google, os nomes das mulheres são difíceis de serem achados, mesmo com uma busca extensa. Seria ingênuo demais pensar que esse fato decorre de um mero acaso. É primordial denunciar que foi e é intencional a constante escolha de nomes masculinos para realizar representações, muitas vezes inclusive até quando todo o processo anterior foi construído por uma mulher. Dentro do Hashomer Hatzair, o machismo está presente assim como na sociedade já que nosso movimento é o espelho da relação social maior em que vivemos. Dessa forma, é importante que passemos a exigir que tais ações deixem de acontecer dentro da tnuá e da sociedade. Acredito que, cada vez mais, será difícil silenciar mulheres e impossibilitar seu desenvolvimento e crescimento tnuati, assim como na própria sociedade que nos envolve. Esta compilação visa a fazer com que esses nomes passem a ser citados e lembrados para que saibamos que eles existem, que sempre existiram e que também existirão outros com maior frequência. Como shomrot, temos obrigação, com nosso próprio crescimento pessoal e com o do próximo, de fazer do Hashomer Hatzair um espaço mais inclusivo, onde mais pessoas possam sentir-se representadas, potencializadas e empoderadas. Vejo que, atualmente, o dugmá ishit feminino vem se fortificando e sendo mais publicizado, o que poderá fazer com que, em pouco 108
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tempo, já possamos vivenciar uma tnuá mais autônoma, mais representativa e mais forte. Além disso, é também nossa responsabilidade, como movimento educativo, possibilitar um processo de entendimento e de transformação de agressores e abusadores: o Hashomer Hatzair deve tratar essas pessoas como seres humanos que fazem parte da sociedade, para assim poder assumir um papel de educação em relação a eles. Penso que também faz parte de minha missão como mulher tentar possibilitar, por meio da educação, a desconstrução do ideal de sociedade patriarcal, porém, ao mesmo tempo, respeito meus limites de alguém que foi educada dentro dela. É importante que, como mulheres, saibamos que nosso lugar é tão possível e merecido quanto o de qualquer pessoa que ocupe esse espaço no movimento juvenil. O empoderamento feminino e a desconstrução do machismo já fazem e farão com que, cada vez mais, tenhamos representantes mulheres sendo eleitas para tafkidim o que, na maioria das vezes, acontece só com homens. Deixo o meu desejo de que este livro possa ser potencializador para muitas mulheres no futuro da nossa tnuá, assim como todas as personalidades que conheci com o decorrer deste processo o foram para mim. Acredito que, hoje em dia, eu me identifico como mulher devido ao que as demais foram no passado, às minhas raízes e, assim, espero que muitas busquem, para seu futuro, o que eu sou e tento ser agora. Chaverot*im, chazak! Chazak Veematz! Chizki Veimtzi!
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agradecimentos Faz-se indispensável agradecer às pessoas maravilhosas que possibilitaram que este projeto se realizasse. Primeiramente, a todas as mulheres incríveis que compartilharam suas histórias conosco, permitindo que esta compilação agora exista. Além disso, aos meus grandes companheiros, Arnon Segal Hochman, Asi Garbasz, Bruno Frajblat, Diana Lacs Sichel, Ezequiel Lamdan Pessach, Gabriela Glazman, Michel Zisman Zalis e Rafael Turkienicz, que diariamente me escutavam, apoiavam e traziam as melhores sugestões para realização de um trabalho shômrico coletivo, feito com carinho e amor. Ademais, um agradecimento especial à Loja Albert Einstein da B’nai B’rith e à Patricia Tolmasquim, mulher inspiradora, que me foi trazida pelo processo de elaboração deste livro, quando, de prontidão, decidiu apoiar este projeto. Um obrigada também para Ana Carolina Wrobel de Villeroy, Laura Gryner de Moraes, Lúcia Duarte Soares e, novamente, Michel Zisman Zalis, responsáveis pela ilustração, prefácio, revisão e projeto gráfico deste livro. Uma ressalva com carinho e amor para minha mãe guerreira, Shirlei London, que, diariamente, pensava comigo em como possibilitar a existência deste trabalho.
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Serei também eternamente grata às pessoas e às instituições que possibilitaram a materialização deste livro:
. Eva e Helena Distelfeld . Família Israel . Família Sichel . Ilana e Mariano Zalis e família com Regina Rotenberg Zisman . Jacques, Marcos e Monica Clapauch Motta . Joëlle Rouchou . Liran Levy . Maika Caner . Paulina Hechtman . Rachel Gorayeb . Regina Gutnik Kosminsky . Salomão e Miriam Lacs Z’’L
Por fim, gostaria de agradecer a todos aqueles que, de alguma forma, envolveram-se com este trabalho, seja com algum tipo de informação, com sugestões, preocupações, carinho e com incentivos.
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glossário Achad B’May: “primeiro de maio”. Aliá: “subida”. Imigração para Israel. Hamosad Lealiá Bet: imigração ilegal para Israel entre 1934 e 1948. Aseifá: “reunião”. Discussão realizada dentro do Hashomer Hatzair para debates ideológicos/burocracias do ken. Bat Mitzva: cerimônia na qual se atinge a maioridade no judaísmo para mulheres. Banot: “meninas”. Beit Ha’am: “casa do povo”. Muitos centros (físicos) comunitários em cidades e kibutzim em Israel foram chamados assim. Bereshit LaShalom: “Um começo para Paz”. Fundação de educação para o diálogo através de arte, criada por Angelica Edna Calo Livne. Birkenau: campo de extermínio na Polônia durante o Holocausto. Bitânia Ilit: primeira kvutzá shômrica a realizar aliá em 1921. Bogrut: “maturidade”. Uma kvutzá dentro do Hashomer Hatzair. Boguer e Bogrim/Bogueret e Bogrot/Bogrot*im: “maduro” e plural/“madura” e plural/“maduros” sem distinção de gênero. Chalá: pão comido em cerimônias judaicas. Chalutz e Chalutzim/Chalutzá e Chalutzot/Chalutzot*im: “pioneiro” e plural/”pioneira” e plural/”pioneiros” sem distinção de gênero. Chalutziano: “pioneiro”. Refere-se a objeto. Chanich e Chanichim/Chanichá e Chanichot/Chanichot*im: “educando” e plural/“educanda” e plural/“educando” sem distinção de gênero. Chativá: “divisão”militar ou institucional. Chaver e Chaverim/Chaverá Chaverot/Chaverot*im: “amigo” e plural/“amiga” e plural/“amigo” sem distinção de gênero. Forma como os integrantes do Hashomer Hatzair se chamam.
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Chazak Veematz/Chizki Vemtzi/Chizku Veimtzu: “força e coragem” no masculino/“força e coragem” no feminino/“força e coragem” sem distinção de gênero. Lema do Hashomer Hatzair. Cheder Haochel: “refeitório”. Chinuchi: “educativo”. Chultzá Shomrit: camisa uniforme do Hashomer Hatzair. Declaração Balfour: carta de 1917, de Arthur James Balfour, dirigida ao Barão Rothschild. A carta se refere à intenção do governo britânico de facilitar o estabelecimento do Lar Nacional Judeu na Palestina. Dibrot: “mandamentos”. Aravim: “tardes”. Encontros para atividades dentro do Hashomer Hatzair. Garin: grupo cooperativo. Gdud Tel Amal: shichvá de chanichim no Gueto de Varsóvia. Gdudim: conjunto de Kvutzot da mesma idade no Hashomer Hatzair. Givat Chaviva: instituto educativo fundado pelo Hashomer Hatzair em Israel. Ginat Egoz: música israelense. Guizbar e Guizbarim/Guizbarit e Guizbarot: “tesoureiro” e plural/”tesoureira” e plural. Habo: apelido para Habonim Dror na Austrália. Habonim: derivado de Habonim Dror, Movimento Juvenil Judaico Sionista Socialista, com tradução literal como “construtores da liberdade”. Hachshará: “capacitação”. Hadrachá: “orientação”. Haganá: “defesa”. Organização paramilitar judaica atuante entre 1920 e 1948. Haghshamá: “realização”. Haifa: cidade em Israel. Hanagá: “liderança”. Órgão de direção da tnuá. Hashomer: “guardião”. Grupo anterior ao Hashomer Hatzair que se uniu com o Tzerei Tzion. 113
Hashomer Hatzair: “Jovem Guardião”. Movimento Juvenil Judaico Sionista Socialista. Hashy: apelido para o Hashomer Hatzair na Austrália. Hazorea: kibutz do Hashomer Hatzair em Israel. Histadrut: “organização”, “sindicato”. IDF: “Israel Defense Forces”. Força de Defesa de Israel. Ishuv: “assentamento”. Ken/Kenim: “ninho” e plural. Sedes do Hashomer Hatzair. Keren Kayemet: “Fundo Nacional Judaico”. Keren Hayesod: “Fundo Comunitário”. Kibutz/Kibutzim: estrutura cooperativa em Israel e plural. Kibutz Artzi: federação de kibutzim do Hashomer Hatzair. Kidmá: “progresso”. Kidush: reza do vinho no shabat. Knesset: parlamento israelense. Kol Israel: estação de rádio israelense. Kommando: comando militar. Kovshim: “conquistadores”. Kvutzá/Kvutzot: “grupo” e plural. Divisão por faixa etária dentro do Hashomer Hatzair. Machané Choref/Kaitz: “acampamento de inverno/verão”. Viagem realizada junto com chanichot*im para atividades shômricas. Madrich e Madrichim/Madrichá e Madrichot/Madrichim*ot: “educador” e plural/”educadora” e plural/”educadores” sem distinção de gênero. Mapai: “Partido dos Trabalhadores da Terra de Israel”. Antigo partido político israelense. Mapam: “Partido dos Trabalhadores Unidos”. Antigo partido político israelense. Maapilim: imigrantes ilegais pré-estabelecidos em Israel. Mazkir e Mazkirim/Mazkirá e Mazkirot/Mazkirot*im: “secretário-geral” 114
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e plural/”secretária-geral” e plural/“secretários-gerais” sem distinção de gênero. Mazkirat kibutz: secretária-geral do kibutz. Mazkirut: secretaria executiva. Meretz: “Energia”. Partido político israelense. Mifkad: cerimônia shômrica de finalização ou de abertura de eventos. Mishmar Haemek: kibutz em Israel. Mishná: forma escrita da tradição oral judaica. Moshavá Shomria: forma como é chamado o lugar onde os acampamentos do Hashomer Hatzair Canadá são realizados. Nachshon: kibutz em Israel e nome do ken do Hashomer Hatzair Venezuela. Negba: kibutz em Israel. Neguev: deserto em Israel. Nykkayon: “limpeza”. Ole chadash/olim chadashim/ola chadasha/olot chadashot: “novo imigrante” e plural/”nova imigrante” e plural. Oranim: faculdade em Israel. Palmach: entidade paramilitar de defesa de Israel, criada em 1941. Peil Mekomit/Peilá Mekomit: “ativista local”. Pessoa contratada para ajudar nos kenim do Hashomer Hatzair América Latina. Peilut: grupo de ativistas do Hashomer Hatzair. Peil e Peilim/Peilá e Peilot: ativista homem e plural/ativista mulher e plural. Peulá/Peulot: “atividade” e plural. Discussão, conversa, debate ou atividade no Hashomer Hatzair. Pré Peilut: kvutzá de último ano como chanichot*im. Ratz: “Movimento dos Direitos Civis”. Antigo partido político israelense. Rikud: “dança”. Rosh e Roshei: “coordenador/coordenadora” e plural. Rosh Chinuch e Roshei Chinuch: “coordenador/coordenadora de educação” e plural. 115
Rosh Ken e Roshei Ken: “coordenador/coordenadora do ken” e plural. Secretários/secretárias dos kenim do Hashomer Hatzair na Europa. Rosh Meoravut e Roshei Meoravut: “coordenador/coordenadora de envolvimento” e plural. Rosh Tarbut e Roshei Tarbut: “coordenador/coordenadora de cultura” e plural. Ruach: “vento”. No ken da Austrália, o momento no qual estão todos juntos cantando músicas é apelidado dessa forma. Seder Pessach: jantar de páscoa judaica, quando se relembra o êxodo dos judeus no Egito. Shabat: “sábado”. Dia do descanso no judaísmo. Sheliach e Shlichim/Shelichá e Shelichot/Shelichot*im: “enviado” e plural/”enviada” e plural/”enviados” sem distinção de gênero. Enviado de Israel como responsável por um ken ou conjunto de kenim na diáspora. Shlichoná: pessoa contratada para ajudar nos kenim do Hashomer Hatzair Europa. Shichvá: grupo dividido por faixa etária dentro do Hashomer Hatzair. Shnat: forma de dizer “Shnat Hachshará”. Ano de capacitação para kvutzot de 18 anos, em Israel. Shnat Sherut: “ano de voluntariado”. Voluntariado antes do serviço militar israelense. Shoá: “Holocausto”. Shomerol: pessoa integrante do Hashomer Hatzair sem distinção de gênero no Canadá. Shomerian: pessoa integrante do Hashomer Hatzair na Bélgica. Shomriá: marco educativo do Hashomer Hatzair, muitas vezes seminários. Shômrico/Shômrica: ato/objeto do Hashomer Hatzair no masculino e no feminino. Shomer e Shomrim/Shomeret e Shomrot/Shomrot*im: “integrante homem do Hashomer Hatzair” e plural/“integrante mulher do Hashomer Hatzair” e 116
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plural/“integrantes do Hashomer Hatzair” sem distinção de gênero. Shomrit: algo do Hashomer Hatzair. Sichá/Sichot: “conversa” e plural. Tafkid/Tafkidim: “cargo” e plural. Theodor Herzl: pensador sionista Húngaro. Herzl foi fundador do Sionismo Político e realizou o primeiro Congresso Sionista, em 1897. Tisha’ BeAv: “nove de Av”. Data de luto judaico. Nessa data, ocorreu a destruição do primeiro e do segundo Templo dentro da história judaica. Tnuat Noar/Tnuot Noar: “movimento juvenil” e plural. Tnuati: que faz parte da tnuá. Tochnit/Tochniot: “programa” e plural. Planificação educativa estruturada com um objetivo e grupo específico dentro do Hashomer Hatzair. Torá: livro mais sagrado para a tradição religiosa judaica. Conhecido em português como “velho testamento”, primeira parte da bíblia cristã. Tzavta: sede do ken do Hashomer Hatzair em Buenos Aires. Tzeirim Bet: “jovens bet”. Nome de uma shichvá do Hashomer Hatzair. Tzerei Tzion: “Juventude de Sião”. Movimento que se juntou com o Hashomer para formar o Hashomer Hatzair. Tzevet: “grupo”. Grupo de trabalho do Hashomer Hatzair. Tzofim/Tzofot: “escoteiros”/“escoteiras”. Nome de uma shichvá do Hashomer Hatzair. Tzofim Bogrim/Tzofot Bogrot: “escoteiros maduros”/escoteiras maduras”. Nome de uma schichvá do Hashomer Hatzair. Ulpan: curso de hebraico. Wizo: “Women’s International Zionist Organization”. Organização Sionista Internacional de Mulheres. Yehudá: quarto filho de Jacó e de Léia, parte de relato bíblico judaico. Yom Avodá: “dia do trabalho”. ZOB: “Żydowska Organizacja Bojowa”. Organização da luta Judaica na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial. 117
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SCHOENBERG, P Ruth e GOODMAN, R, Ruth. Israeli Folk Dance Pioneers in North America Jewish Women’s Archive. Disponível em: <https://jwa.org/ encyclopedia/article/israeli-folk-dance-pioneers-in-northamerica > Acesso em 01.07.2017. SHIK, Na’ama. Roza Robota. Jewish Women’s Archive. Disponível em: <https://jwa.org/encyclopedia/article/Robota-Roza> Acesso em 15.07.2017. SHULAMIT Aloni. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Shulamit_Aloni> Acesso em 14.07.2017. STERN, Bat-Sheva Margalit. Beba Idelson. Jewish Women’s Archive. Disponível em: <https://jwa.org/encyclopedia/article/idelson-beba> Acesso em 15.07.2017. TEMIDO, Mariana. Juan Flores. Entrevista. Rio de Janeiro, RJ, 07.10.2017. TEMIDO, Mariana. Tamar Campos. Entrevista. Binyamina. 31.07.2017. FUCS - BAR, Jayme. Slides “Hashomer Hatzair Uma história de vida 19031920”. Acesso em 20.06.2017. TNUA Hakibutzit. Sara Eshel. Disponível em: <http://www.kibbutz.org. il/itonut/2012/dafyarok/121115_sara_eshel.htm> Acesso em 14.07.2017. YARI, Meir. Kehilateinu. [S.l.:s.n]. YARI, Meir. The Birth of Hashomer Hatzair Disponível em: <http://www. jewishgen.org/yizkor/rzeszow/rze172.html > Acesso em 19.07.2017.
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NOTAS 1. Música “Triste, louca ou má” - Juliana Strassacapa. 2. Apresentação “Hashomer Hatzair, Uma história de vida 1903 - 1920” - Jayme Fucs -Bar. 3. Tradução livre do inglês, https://en.wikipedia.org/wiki/Beba_Idelson e https://jwa.org/encyclopedia/article/idelson-beba. 4. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/Rakovsky-Puah. 5. Tradução livre do inglês, apostila ”Ha Masa Le Polin 2013” - Hashomer Hatzair. 6. Livro “Mulheres na Resistência” - Frida Milgrom. 7. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/Grosman-Haika. 8. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/ Reik-Havivah. 9. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/Robota-Roza. 10. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/ Korczak-Marla-Rozka. 11. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/people/altman-tosia, e apostila ”Ha Masa Le Polin 2013” - Hashomer Hatzair. 12. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/ kashariyot-couriers-in-jewish-resistance-during-holocaust. 13. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/Arnon-Yehudit.
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14. Apresentação “Hashomer Hatzair Uma história de vida 1903-1920” Jayme Fucs Bar. 15. Tradução livre do espanhol, “Berta Jazan” - Guivat Chaviva. 16. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/articleLevine-Talmi-Emma e https://en.wikipedia.org/wiki/Emma_Talmi. 17. Tradução livre do inglês, http://www.kibbutz.org.il/itonut/2012/dafyarok/121115_sara_eshel.htm. 18. Tradução livre do inglês, https://en.wikipedia.org/wiki/Shulamit_Aloni e http://www.conexaoisrael.org/obrigado-por-tudo-shulamit/2014-01-26/ joao. 19. Tradução livre do inglês, https://jwa.org/encyclopedia/article/bat-dorishulamit. 20. Tradução livre do hebraico, livro “Kehilateinu” - Meir Yari. 21. Tradução livre do hebraico, “Meguilat hashomrim haveida ha’artzit 2014“ - Merkaz Hadrachá Hashomer Hatzair Israel.
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Ilustração : Ana Carolina Wrobel de Villeroy Projeto gráfico : Michel Zisman Zalis Revisão : Lúcia Duarte Soares
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