Casa Atemporal

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Trabalho Final de Graduação

Casa Atemporal Desenvolvido pela Maria Kathelijne Vrolijk Orientado pelo Antonio Fabiano Jr

Banca examinadora Maria Eliza de Castro Pita Antonio Carlos Barossi

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Pontifícia Universidade Católica de Campinas Campinas, dezembro de 2017


“Tempo é algo que todos usamos enquanto estamos em lugares diferentes” Liceth Andrea Zuluaga, 11 anos



Agradeço primeiramente meu orientador, o Tonho, professor querido e amigo, cuja leveza e entusiasmo transformaram as assessorias em risadas e os desejos em desenhos absurdos. Obrigada aos meus professores, principalmente à Vera Luz, que é uma arquiteta e mulher de força única. Aos amigos da vida, da faculdade, do grupo do TFG e àquelas pessoas que sempre me disseram que tinha cara de arquiteta, mesmo quando eu não acreditava muito, valeu! Aan mijn familie, vooral Miemskie en Geer, want zonder jullie had ik dit gekke architectenbestaan natuurlijk niet lang uitgehouden.



É um ensaio sobre o poder do tempo, tão fugaz quanto presente. Projetar é manusear espaços para a diluição do tempo humano por entre eles. Com conhecimento, reconhecimento, envolvimento e proposição, ações humanas temporais, a pergunta que cabe é: como situar a individualidade da vida em espaços comuns? No resgate da diversidade, nos pontos recorrentes da reconstituição da linha como lugares de troca e na incansável busca da leveza da vida. A procura do sol só é possível por pessoas solares, capazes de criar sensações que nos vinculam a acontecimentos não como fins a si mesmo mas como mediadores de vidas individuais e únicas, concebidos como formas e meios de pensar, registrar e reviver as memórias humanas coletivas. Antonio Fabiano Jr



Índice Introdução As duas pontas da mesma linha O solo Localização Viver, se relacionar e habitar As ruas A arquitetura a planta lógica estrutural fechamentos infraestrutura

Mobiliário Considerações finais Inspirações Bibliografia

11 12 14 16 20 22 26 27 50 56 60 63 68 70 80



casa atemporal

Introdução O projeto acontece onde diferentes escalas de problemas sociais se encontram com diferentes gerações de pessoas. É um desenho que busca, em um só ponto, muitas descobertas. De novos tempos e muitos espaços. A falta de equipamentos educacionais e de apoio é um fato recorrente não só no Jardim Vera Cruz, onde se situa o projeto apresentado, mas de grande parte das periferias brasileiras. A falta de equipamentos de apoio ao idoso é também um fato recorrente não só no Jardim Vera Cruz, mas de grande parte do mundo, dado os altos índices de envelhecimento da população. Em uma ponta, pais se veem obrigados a se deslocar até outros lados de São Paulo para que possam trabalhar, permanecendo muitas horas dentro do ônibus e longe de casa. Na outra, dados de recorrentes de estudos apontam que o Brasil está em franco processo de envelhecimento, tendo já atravessado as etapas iniciais do processo de transição epidemiológica e mesmo (no caso de algumas áreas localizadas em regiões metropolitanas mais desenvolvidas) atingido seu estágio final. Um ponto converge: a falta de espaços – creches e centros de apoio ao idoso – é mais um dado estarrecedor na configuração anti urbana que domina as periferias das cidades. A Casa Atemporal busca juntar esses fatos para criar um espaço que possa ecoar através das gerações enquanto lida com um problema real e local. O projeto se articula em duas urgências: 1. A resolução de um problema de abandono – tanto de crianças quanto de idosos -, propondo um abrigo capaz de configurar novos laços afetivos desenhando e propondo novas relações de criação conjunta e 2. um espaço intergeracional onde idosos e crianças se encontram para passar o dia enquanto trocam experiências e conhecimento. É uma casa. Que busca dar sombra, água, descanso e conhecimento. É um abrigo. Que busca proporcionar um espaço propício para dar e receber afeto. É um lar. Para quem não tem teto ou nada além disso. 11


As duas pontas da mesma linha É interessante destacar os diversos benefícios que se obtêm ao juntar diferentes gerações. É de conhecimento inerente dizer que crianças pequenas precisam de um ambiente sólido e íntimo para se desenvolverem. Enquanto isso, muitos idosos lutam com a solidão devido à perda de amigos e familiares, sensação de inutilidade e confronto da inevitabilidade da morte. São etapas da vida cujos protagonistas, na visão da sociedade atual, têm pouca individualidade. Crianças não têm sua autenticidade valorizada e são apenas preparadas para a vida que ainda não começou. O que importa é o que há por vir. Já os idosos são vistos como aqueles que já passaram pela melhor parte da vida e aos poucos estão apagando sua personalidade para caírem no grupo genérico dos velhos. É importantíssimo que estes preconceitos deixem de existir. A sociedade está envelhecendo e idosos não são somente pessoas frágeis que precisam de constante atenção. São indivíduos com mais experiência e sabedoria que merecem ser apreciados. As crianças também não podem ser tratadas com menosprezo por falta de autonomia. Segundo Hickey e Kalish (1963), crianças adquirem suas atitudes nos anos iniciais de vida e, aquelas que não tem contato com pessoas mais velhas possuem tendências e atitudes mais estereotipadas em relação à terceira idade (apud BERNSTEIN, 1993). Diversos experimentos sociais demonstraram que juntar aqueles que estão no início da vida com os mais experientes funciona bem, porque a vida é um ciclo e todos estão conectados. No entanto é fundamental que o convívio seja real, com contato íntimo, gratificante e agradável e em status igual para igual, para que a convivência obtenha resultados positivos segundo Allport, 1954 e Amir, 1969 (apud BERNSTEIN, 1993). Em discussões sobre envelhecimento também é afirmado que idosos deveriam ser vistos como uma fonte positiva na área de saúde e educação. São pessoas experientes e vividas que sabem como ninguém sobre relações humanas. Numa experiência específica, realizada nos anos 90 nos EUA, um grupo de meninas de aproximadamente 11 anos e mulheres de 67 a 79 anos participaram de diversos encontros após o horário da aula para praticarem diferentes atividades conjuntas. Estas variavam de bordar, cozinhar e falar de atividades voluntárias. Apesar de soar como atividades simples, estas foram as escolhidas por todo grupo e consideradas muito satisfatórias. O projeto mostra que práticas específicas de lazer não precisam ser restritas à determinada 12


idade. Crianças e os adultos mais velhos são pontas da mesma linha, apesar de evoluirmos e crescermos, não deixamos de ser o que já fomos.

É sobre essa troca que trata a casa atemporal. A intenção do projeto é potencializar a individualidade de cada pessoa, sem levar em consideração as respectivas idades, dado que atemporal é aquilo que não se define pelo que já passou ou está por vir.

“O envelhecimento tem sido frequentemente relacionado à sabedoria como um processo evolutivo que nos faz aumentar nosso conhecimento e experiência com o tempo e, eventualmente, tornar-se maduro e completo (Lewis, 2013). Em contraste, a infância muitas vezes foi identificada como uma idade de espontaneidade e imaturidade. As atividades intergeracionais podem questionar esses dois pressupostos, proporcionando aos jovens e às pessoas mais velhas a oportunidade de expressar e experimentar diferentes “eus”, de serem aprendizes ativos a qualquer idade e construírem conexões em vez de disjunções. As relações intergeracionais sugerem uma abordagem holística para as idades e o envelhecimento, bem como uma compreensão mais fluida e processual da produção cultural geracional (Danely, 2013).” (CORTELESSI e KERNAN, 2016 p.9)


Cidade de São Paulo e distrito Jardim Ângela

Fundão e o bairro Jardim Vera Cruz

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O Solo Localizado na Zona Sul de São Paulo, o Fundão, nome que os próprios moradores atribuíram ao extremo sul do distrito Jardim Ângela, faz parte das muitas periferias da cidade. O crescimento da capital no início do século XX fez com que a classe operária fosse cada vez mais afastada do centro infraestruturado – área que, por consequência, sempre sofreu valorização imobiliária – levando a criação e configuração de novas periferias, cada vez mais longe de saneamento, equipamentos, trabalho e lazer. O Fundão carece de infraestrutura básica e o direito de moradia digna para todos está longe de ser exercido. Essas negligências também acontecem quanto aos serviços sanitários, pois, embora locados ao lado da água que abastece parte da metrópole – a represa Guarapiranga -, os moradores não conseguem usufruir dessa água, uma vez que não possuem esgoto, jogando

seus efluentes nos córregos e rios que correm até o grande represamento. É uma parte de São Paulo desprezada. É obrigação deste trabalho se posicionar não só como denúncia desta realidade mas transformá-la como elemento projetual indissociável capaz de reverter tal dinâmica perversa. É uma luta contra a realidade da precariedade da vida em busca de sua defesa. Toda cidade tem potencialidade de mudança social. Nas visitas muito se ouviu “aqui nunca fazem nada”, “só aparecem nas eleições”, “cobrem eles”, “anota ai como as coisas tão aqui”. Porém seria injusto não mencionar a incrível dinâmica do bairro, onde os pequenos comércios, na garagem ou do lado de casa, se abrem para as ruas e pessoas se reúnem para conversar nas suas calçadas. Uma dinâmica de convívio urbano que muitos arquitetos gostariam de ver acontecendo nos seus projetos e que Jan Gehl descreve e almeja tão calorosamente.

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Localização dos projetos do trabalho Fundão 2017 Jardim Vera Cruz, da qual a Casa Atemporal faz parte.




casa atemporal Localização A Casa Atemporal está localizada no bairro Jardim Vera Cruz, dentro do recorte exemplar desenvolvido na etapa urbana deste trabalho de graduação. Sua localização é estratégica levando em conta o papel predicado para os equipamentos guardiões, pois o projeto está exatamente no limite entre o adensamento urbano e a área rural, desempenhando deste modo o papel de vigia em relação ao verde ao seu redor e trabalhando como barreira do avanço da ocupação urbana.

Dado que o projeto busca dar visibilidade aos seus frequentadores muitas vezes esquecidos pela sociedade, sua localização e desenho têm uma força urbana. A casa está diretamente conectada ao Espaço Atravessado, projeto desenvolvido pela aluna Raissa Gattera, um conector urbano, que consiste numa grande linha de deck de madeira, que liga o Jardim Vera Cruz às águas, fortalecendo seu lugar dentro de São Paulo. Este mesmo projeto acaba num porto, Pier do Sol, desenvolvido pela aluna Vivian Helena, no qual, conforme estabelecido na etapa urbana deste trabalho, haverá o transporte de pessoas até o outro lado da represa. Ali foram propostos linhas de VLT e CPTM, estabelecendo assim conexão fácil com a malha ferroviária da cidade. Dado que muitos pais recorrem à creches porque trabalham longe de casa, o local é tático devido a esse fácil acesso e localizado perto destes eixos de transportes. Isto também incentiva os idosos e outros moradores do bairro a frequentarem a casa, e, não menos importante, direcionar o olhar daqueles que estão ali de passagem, indo para outros lugares da cidade.

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Viver, se relacionar e habitar Para viver, relacionar-se é preciso. O espaço que o mundo nos proporciona supre nossas necessidades fisiológicas, como respirar, beber e se alimentar. Partindo desse pressuposto, quando os humanos se apropriam deste mesmo espaço, este deve atender às demais necessidades, assumindo o papel de catalisador das relações humanas como pensar, se expressar, se comunicar, respeitar e amar. Essas funções são imprescindíveis para a vida e por isso é fundamental que estejam em equilíbrio. Seria pretensioso dizer que o arquiteto é aquele responsável por organizar esse equilíbrio tão importante para o mundo e seus habitantes. Lina Bo Bardi já dizia “Acho que o povo deve fazer arquitetura. É importante que o arquiteto comece projetando pela base, e não pela cúpula. Claro que o arquiteto tem que atuar, mas a partir da base, não da cúpula” (apud Perrotta-Bosch, 2014). Portanto talvez o papel do arquiteto seja o de tentar garantir a liberdade para o homem aflorar suas necessidades sociais nos espaços. Arquitetura não é um fim em si mesmo mas um mediador de vidas, como um corpo que propicia a construção de atritos, criando fricção capaz de gerar novos contatos sociais.


As ruas O projeto busca a potencialização das relações e trocas entre pessoas se articulando como uma extensão da rua, com diversos espaços - públicos como praças, íntimos como pátios - ancorados nos eixos de circulação. Não se trata de uma alegoria de rua e sim um resultado de uma arquitetura que busca a dinâmica urbana como base. O lugar da cidade é do desenraizamento. São estes os lugares em que, em primeiro, acontecem os encontros dos que estão passando e em segundo, onde, com mais frequência, estes encontros efetivamente acontecem e geram frutos. Uma vez surgidas, as cidades multiplicam as oportunidades da ocorrência de novos cruzamentos. E quanto maior a cidade, maior o número de cruzamentos que nela se dão. Assim, uma metrópole testemunha o encontro de pessoas que moram nela, de pessoas que moram longe dela com pessoas que moram nela, de pessoas que moram longe dela com pessoas que também moram longe dela (e em longes, muitas vezes também longe entre si). Encontros entre conhecidos e desconhecidos, residentes e passageiros, nacionais e estrangeiros, dotados de diferentes traços, jeitos, cores, vestes, acessórios, aparelhos, línguas, costumes, objetos... Assim, a cidade resultado de um cruzamento, que propicia o encontro ou, melhor dizendo, o movimento, é resultado de, prioritariamente, gente. Ou seja: fazemos e somos a cidade e a recíproca (a cidade somos nós) é verdadeira. Assim, o partido do projeto se dá pelas seguintes questões: O eixo urbano e o eixo local – o projeto criou um grande cruzamento, resultando do desenho de duas linhas que se tocam perpendiculares entre si. A de sentido noroeste-sudeste de caráter urbano liga um pequeno vazio resultado da disposição das construções existentes ao projeto Atravessado, vencendo 24 metros de desnível por rampa e a de sentido nordeste - sudoeste que articula os programas vindouros da problemática atemporal. O público e o privado – a linha entre público e privado é tensionada a ponto das trocas acontecerem em ritmos descompassados. Ora o eixo urbano separa os espaços privados, ora caminhos coletivos conversam com usos íntimos. Acolhimento diário e o abrigo - sua composição é dada por dois programas distintos porém complementares, um núcleo para idosos e crianças e um abrigo para aqueles que não têm onde ficar.

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Considerando as vantagens do abraço entre crianças e idosos, a intenção é que, diferente de creches tradicionais que viraram parte da trajetória educacional, a casa seja um espaço íntimo, onde crianças se desenvolvem da sua própria forma. Já os idosos, interessados em dividir suas vivências e visões assumem o papel de cuidadores, repassando seus conhecimentos e ajudando os pequenos a desenvolverem suas potências. Este contato dá para as crianças sensação de segurança e para os idosos o sentido de responsabilidade. Mesmo que o foco do projeto seja atender idosos e crianças pequenas que ainda não vão para escola e portanto não podem ficar sozinhas, o espaço pode ser frequentado por qualquer interessado a aprender ou partilhar algo com pessoas novas. Sendo eles crianças, adolescentes ou adultos. A casa acolhe a todos. Apesar do projeto ter o almejo de que cada um explore suas potencialidades e adquira novas vivências da forma que desejar, a Casa Atemporal se atreve a imaginar algumas das possíveis atividades que poderiam ocorrer ali no espaço público, tomando como princípio novamente algumas necessidades humanas. Os espaços de aprendizagem se dividem no espaço do corpo, da expressão e da mente: uma sala de dança, um espaço para brincar, uma sala de artes e uma biblioteca, respectivamente, que se distribuem ao longo do eixo local. Já o restaurante-cozinha, que oferece a possibilidade de aulas de culinária está locado ao longo do eixo urbano, com o entendimento que comer é um ato social e necessita do suporte urbano na questão de logística (chegada de alimentos, saída de lixo – reciclado e orgânico – produzido). Na parte privada/íntima do projeto, ficam o berçário, a casa de banho com sauna, a lavanderia, a piscina e a sala de estar. Nesta última estão ancorados as 3 áreas de sono (tocas) que abrigam idosos e crianças. A cobertura que une todos estes espaços pode ser acessado em nível e é um grande espaço público. 24



a arquitetura



Implantação 1:500


1. 2. 3. 4. 5.

aprendizagem logística berçário estar abrigo jardim filtrante evapotrapiração Vortex Mini

Planta baixa 1:500


Corte A-A’ s/e



A Planta O teto-praça

Os acessos

Entendendo a importância do local que a casa está localizada, a cobertura do projeto, elemento que acolhe todos, deve ser público, pela essência do que ele representa. Por isso foi optado por transformá-la em uma praça. Esta pode ser acessado em nível por aqueles que vêm caminhando desde a continuação da rua Ângelo Tarchi. Além disso o local possui uma vista incrível da área verde que a cerca e da represa Guarapiranga ao fundo. A cobertura também conta com um campo de futebol não convencional, inspirado no projeto Unusual Football Pitch (referência no fim deste memorial), pois é triangular e possui três gols. Além disso conta com bancos ao redor da claraboia dos espaços do corpo e de expressão e redes em cima da área lúdica. Na cobertura também estão as passarelas que permitem descer até o nível da casa ou do restaurante e do projeto Atravessado.

A Casa Atemporal pode ser acessada em diversos lugares, no entanto as duas principais entradas são pela escadaria ou pelas rampas. Elas chegam no grande eixo norteador do projeto, denominado de eixo local, no qual os diferentes espaços estão ligados. Uma parte do projeto é levemente enterrado, permitindo o acesso à cobertura em nível. É dela que partem as rampas que utilizam o restaurante como patamar intermediário e por fim se conectam no eixo. Já a escadaria permite um acesso mais direto e também funciona como arquibancada e espaço de permanência. O piso onde acabam os degraus é uma grelha que capta as águas da chuva.

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A Aprendizagem O espaço da mente é uma biblioteca com estantes fixas na parede e módulos móveis no qual podem ser postos livros e se pode sentar. Os fechamentos (explicados mais adiante), permitem fechar a biblioteca caso ocorram aulas, mas também podem ser totalmente abertas, incorporando a biblioteca de forma integral ao eixo local. Na frente da biblioteca, do outro lado do eixo, há uma abertura que dá acesso a um espaço lúdico. No meio dele passa o córrego, sobre o qual foram penduradas redes, e que dessa forma pode ser incluído na brincadeira. Adiante há um muro de gabião que causará o afloramento do rio, assim a água se torna mais visível, no terreno e no imaginário dos moradores do Jardim Vera Cruz.

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Ao lado desta abertura haverá o espaço da expressão, que é composto por grandes mesas na qual poderão ser feitas diferentes atividades artísticas. Ciente da sua inserção entre o meio urbano e o verde, a casa também possui entrâncias verdes que são incorporados aos espaços, como também é feito no projeto urbano. Essa junção dos ambientes com o verde também acontece no espaço do corpo, que é fechado por vidro - para evitar a propagação do som da música - e por dentro possui um rasgo no chão para que o verde possa aflorar. Para garantir que estas plantas façam a fotossíntese, o espaço é coberto por uma grande claraboia que conta com tecidos móveis que podem ser pendurados em dias excessivamente ensolarados. Do lado deste ambiente também há uma praça seca que pode ser incorporada aos demais espaços através da abertura das portas garagem, explicadas mais adiante.


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Corte B-B’ 1:75



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A logística Ao lado da escadaria e de frente para o acesso às rampas, se encontram os espaços de logística. Estão divididos em três módulos que configuram três ambientes separados: a secretaria, a sala de reuniões e um espaço de atendimento de consultas médicas e terapêuticas de cunho psicológico e social. Portanto, quando não há necessidade de fechar estes espaços, eles podem ser integrados, dado que seus fechamentos consistem em painéis móveis.

O Berçário O berçário é composto por dois ambientes fechados, onde estão os berços e o fraldário. Em frente, do outro lado do eixo há também um banheiro infantil. Entre eles há uma ampla passagem na qual estão ancorados dois espaços rebaixados. Estes possuem uma cota de -30 cm e são revestidos por um tatame, possibilitando que os menores brinquem de forma segura. Estes rebaixamentos também

servem para a hora da soneca das crianças. O fim da passagem chega numa varanda com escada que desce até o terreno.

O Relaxar Na porção norte está a parte mais íntima do projeto. Uma grande sala de estar com copa dá acesso à casa de banho unissex - já que as cabines individuais contam com espaço para troca - que possui lavanderia e sauna, à piscina e à rampa que leva até os volumes do abrigo. O eixo da rampa se origina no espaço do varal que é aberto, se estende pela sala e, após passar pelo conjunto do abrigo, se transforma numa ponte para passar sobre o córrego. Hoje, exatamente nessa área há uma pequena ponte para esse atravessamento. A piscina foi pensada como um equipamento lúdico para os moradores do abrigo e para possíveis atividades de fisioterapia. Seu acesso se dá por um deck com chuveirões, que está sobre um muro de gabião.

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O Abrigo Ainda que o foco da Casa Atemporal e seu abrigo seja o acolhimento de idosos e crianças desabrigadas, isto não significa que cidadãos necessitados de outra faixa etária não possam ficar ali. Foi decidido que o abrigo teria que estar pronto para acolher pessoas de diferentes formas. Poderiam chegar crianças sozinhas, um grupo de irmãos, um casal de idosos, uma mãe e seu filho e cada um destes com diferentes desejos que precisam ser respeitados, como, por exemplo, o de formar novos laços ou de se retrair. Por isso as três tocas da área do sono foram projetadas de tal modo que os quartos pudessem ser aumentados e diminuídos por meio de toldos (explicados no tópico “fechamentos”). A disposição destes toldos está sempre de acordo com a malha estrutural de 3,5 m x 3,5 m com a finalidade de encaixá-lo na estrutura existente.

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Corte C- C’ s/e

Toca 3

Toca 2

Toca 1

A toca 3, além de dispor de copa e banheiro PNE e um mezanino, possui um patamar intermediário de camas que podem ser acessados por escada marinheiro e pelo mezanino. Esta parte do desenho traz um aspecto mais lúdico ao espaço e não permite fechamentos, entendendo cada cama como o espaço individual. O volume também conta com uma parte rebaixada em 30 cm, desta forma o piso mais elevado serve de banco para a mesa colocada na parte mais baixa.

A toca 2 possui banheiro PNE e copa no seu pavimento térreo e um mezanino que pode ser acessado externamente.

A toca 1 é o único que possui somente o pavimento térreo, pois recebe, em seu segundo pavimento, as caixas d’água. Ele conta com um banheiro PNE, uma copa, uma beliche e mais 4 módulos cuja disposição dos quartos é livre.



Vista interna da toca 3


O restaurante Cozinhar e comer são atos profundamente sociais. Cada prato possui uma receita com uma história e ingredientes que percorreram muito tempo e alguns espaços. Por isso foi optado por desenhar o restaurante no eixo urbano. Esta localização é estratégica pois facilita a chegada de alimentos e pessoas que vêm de outros lugares, através da cobertura do projeto - o restaurante também serve de patamar intermediário para as rampas de acesso - ou do deck do projeto Atravessado. Do lado deste acesso também há um ponto público de lixo. A cozinha é visualmente aberta e possui bancadas móveis que decidem se a cozinha pode ser acessada ou não. Estas bancadas podem ser utilizadas para aulas e foram pensadas para que pessoas de qualquer altura pudessem utilizá-las. Os fechamentos são grandes portas basculantes que permitem a maior visibilidade do rio. Dado que o restaurante está elevado 50 cm do chão, nas vigas do piso, embaixo dessas portas, foram acoplados mesas, dando a possibilidade de sentar no chão e sentar pra fora.

Desenho da bancada móvel com degraus expansíveis.

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Mesa acoplada Ă viga

Corte D-D’ 1:75

Porta basculante


Lógica estrutural Toda arquitetura foi pensada em cima de uma malha estrutural de 3,5 m x 3,5 m que permite a racionalização do projeto tanto no desenho quanto na execução, não necessitando de grandes equipamentos para sua montagem e execução. A estrutura é composta por vigas, vigotas e pilares de madeira.



O pilar utilizado no projeto é composto, porque isso dá uma maior liberdade projetual, já que as vigas podem ser fixadas em diferentes alturas. No entanto, por isso no meio do pilar há um vão. Este é fechado nas fachadas com molduras de madeira e policarbontato encaixadas entre os sarrafos e pregados, a transparência da peça permite uma leve entrada de luz natural,

Pilar sem fechamento

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Pilar com fechamento

encaixe do fechamento


casa atemporal O vazio do pilar, descrito na página anterior, dentro do projeto pode ser aproveitado para colocar iluminação. A lâmpada será encaixada no vazio e o fechamento será de tecidos presos com parafuso borboleta, permitindo a retirada do fechamento para a limpeza.

Lâmpada encaixada

Vista frontal da iluminação

encaixe da iluminação

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O piso é de madeira e a cobertura de painéis Ecotop - placas de bisnagas e tubos reciclados que possuem desempenho de isolamento térmico – que se apoiam nas vigotas. Sendo estes planos no volume principal e no restaurante. As coberturas das tocas são feitas com painéis ondulados de Ecotop. Para a cobertura da praça e restaurante, acessíveis e, portanto, planas, foi pensado um sistema de calhas abertas que escoassem a água para fora da cobertura através de gárgulas.

Detalhe da calha aberta no encontro dos painéis Ecotop Esc. 1:10

Detalhe de encontro de painéis Ecotop Esc. 1:10

Esquema de disposição dos painéis Ecotop e calhas em relação à estrutura.

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Uma vez que o projeto possui uma parte enterrada, a parede noroeste-sudoeste, que está voltada para a urbe, é de concreto pois grande parte dela tem função como muro de arrimo. Ela se apoia em vigas baldrame de concreto na parte enterrada. O excedente do projeto, na parte suspensa, se apoia em vigas de madeira, como pode ser visto no corte abaixo.

Corte E-E’ 1:75


Fechamentos Os fechamentos do projeto serão de madeira, combinado com outros materiais, como o policarbonato para as janelas e o Ecotop para as áreas molhadas. As vedações de madeira foram divididas em diversas categorias: opaco, transparente, fechado e ventilado. Estas diferenciações são mescladas entre si, resultando em 4 tipos diferentes de fechamento.

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casa atemporal O guarda-corpo projetado está na mesma modulação de 1,00 m X 1,65, igual às vedações e sua estrutura também é de madeira. O fechamento é feito com corda tensionada. O desenho foi pensado de tal modo que a visão de ninguém, independentemente da altura, fosse barrada.

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O projeto conta com diferentes tipos de portas. Além de portas convencionais nas áreas internas e portas de correr de vidro, possui as portas garagem e os toldos para o abrigo. As portas garagem foram desenhadas especificamente para este projeto, pois são inspiradas nas persianas convencionais de enrolar, com a diferença que estes desenhados podem ser abertos dos dois lados e possuem as polias desenhadas especialmente para encaixarem nos pilares da casa. Os toldos foram pensados para que no abrigo diferentes espaços pudessem ser criados. Ele consiste num toldo de tela feito de palha, como as convencionais esteiras de praia que pode ser abaixado até o chão para dividir um determinado espaço, ou abaixado até a metade para criar privacidade entre dois espaços conectados.

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Corte 4 da porta garagem s/e

Detalhes polia s/e

Vista frontal e detalhes do toldo 59 s/e


Infraestrutura Esgoto Dado fato que o projeto está inserido num bairro cuja maior parte não tem acesso à rede de esgoto, foi necessário fazer uso de métodos que não dependessem do sistema convencional. Apesar de locado em frente aos Wetlands predicados no projeto urbano deste trabalho, se optou por utilizar outros tratamentos locados no próprio terreno, para dar visibilidade às diferentes possiblidades de infraestrutura alternativa. Para as águas cinzas é proposto o método de jardins filtrantes. Este processo consiste na depuração da água através da passagem dos efluentes por um tanque com plantas macrófitas, que absorvem os nutrientes e contaminantes. É necessário 1 m2 de jardim filtrante por morador. Como a Casa Atemporal abriga aproximadamente 30 pessoas e além disso ainda recebe pessoas durante o dia, foi predicada uma área de 100 m2 para a filtração de águas cinzas.

entrada de águas cinzas

caixa de retenção de resíduos sólidos

caixa de retenção de gordura

saída dos efluentes tratados

macrófitas aquáticas

camada de pedra britada

tela de nylon

camada de areia fina lavada

nível de água

tela de proteção

desenho de autoria própria baseado no esquema da cartilha de Wilson Lopes Silva - Embrapa

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casa atemporal

terra areia brita pedras e entulho cerâmico entrada de águas negras

O Vortex Mini sustenta 01 residência unifamiliar, dado que no abrigo moram aproximadamente 30 pessoas, o que equivaleria a 6 residências unifamiliares, o abrigo precisa de 6 Vortex Mini. Além disso são implantados mais 4 vórtex para suprir o uso daqueles que apenas frequentam a Casa Atemporal durante o dia.

As águas negras provenientes do projeto serão tratadas com tanques de evapotranspiração. Estes tanques selados são preenchidos com entulho cerâmico e camadas de areia e brita. Sobre estes são plantadas espécies de plantas de folhas grandes, como a bananeira. Ela utiliza os nutrientes provenientes do esgoto e a água para seu crescimento, que será devolvida para o meio ambiente através da evapotranspiração. Para cada morador são necessários 2 m2 de tanque.

Energia A energia utilizada é eólica. Se propõe o uso do Vortex Bladeless, um sistema que capta a energia gerada pelo movimento vórtice do ar e por isso não tem pás. Este fato o torna mais eficiente, pois requer pouca manutenção e tem menor custo de instalação. Além disso o impacto ambiental é bem menor que o de turbinas eólicas convencionais, pois não gera ruído e devido à ausência de pás não há risco da morte de aves. O modelo utilizado é o Vortex Mini, que gera até 4 kW por hora com vento de 12m/s. O vento em São Paulo não chega sempre a essa velocidade, porém a localização próxima à represa Guarapiranga é um potencial e também será feito uso complementar de placas solares. No projeto estão locados 10 Vortex Mini. A água será aquecida através dos aquecedores solares feitos de garrafas PET e caixinhas de leite, cujo sistema foi desenvolvido pelo José Albino Alano. O projeto conta com 6 caixas d'água de 2000L. 61


Tratamento da piscina A piscina será biológica, isso significa que a limpeza da água será feito por plantas aquáticas e pedras, que funcionarão como filtro biológico. Estes ficam numa área separada por uma parede, no entanto a água da parte de natação transborda para este compartimento. Além disso haverá uma pequena bomba para que ocorra sempre a circulação.

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Mobiliário Como a Casa Atemporal foi pensada para atender às diversas gerações, nada mais justo que fazer o mesmo com o mobilíario. Por isso foram pensadas algumas peças versáteis que podem ser usadas por pessoas de diferentes tamanhos em diversas circunstâncias e lugares. Sendo elas: um módulo móvel de biblioteca com espaço para guardar livros e sentar, uma cadeira cuja altura do assento pode ser facilmente ajustada, banquetas empilháveis e uma bancada móvel com prateleiras retráteis (já apresentada na p.48). 63


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Considerações finais O trabalho apresentado, tanto a Casa Atemporal quanto o Fundão 2017 – Jardim Ângela, foi como uma grande aula, aquela última instrução que recebemos antes de começar algo novo. As cidades e sua arquitetura não cumprem seu dever, que é possibilitar a (con)vivência humana. Apesar de ainda torcer que assim que sair dessa banca eu receba a iluminação do arquiteto formado e encontre a solução para todos estes problemas, suspeito que não será assim. No entanto este trabalhou ensinou a mim e aos meus colegas a ser crítico e ter a sensibilidade para atender a estes problemas, olhando e projetando além daquilo que conhecemos e gostamos. E por essa percepção, serei eternamente grata.



Referências e inspirações











Bibliografia Artigos CORTESELLI E KERNAN, Together old and young: how informal contact between young children and older people can lead to intergenerational solidarity. Publicado em Studia paedagogica vol. 21, n. 2, 2016 BERNSTEIN, The effects of an intergenerational social learning group on children’s attitudes toward older people. 1993

Livros NARANJO, JAVIER. Casa das Estrelas - O universo contado pelas crianças. Editora Foz. 2016

Sites *acessados entre agosto e novembro de 2017 https://www.archdaily.com/25748/soe-ker-tie-house-tyin-tegnestue https://www.archdaily.com/878765/house-in-chau-doc-nishizawaarchitects https://www.archdaily.com/8028/children%25e2%2580%2599s-center-for-psychiatric-rehabilitation-sou-fujimoto http://archeyes.com/naked-house-shigeru-ban/ https://www.dezeen.com/2012/01/05/house-in-seya-by-suppose-design-office/ https://www.dezeen.com/2016/09/29/non-rectangular-football-pitches-installed-between-bangkok-slums/ http://www.ecohome.net/guide/natural-ponds-natural-swimming-pools 80


casa atemporal https://images.adsttc.com/media/images/5745/52fb/e58e/ce0d/2800/000c/slideshow/04.jpg?1464161002 https://www.indiegogo.com/projects/vortex-bladeless-a-wind-generator-without-blades--3#/ http://www.organicpools.co.uk/ http://sustentarqui.com.br/dicas/o-que-e-uma-piscina-biologica/ http://saneamento.cnpdia.embrapa.br/downloads/ Jardim filtrante - o que ĂŠ e como funciona - Wilson - pdf http://thegrowingseasonfilm.com/ http://www.toyproject.net/ http://www.vortexbladeless.com/about.php http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.165/5063

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