I S S N
Revista da
1 5 1 6 - 1 2 3 4
FAE v.1 6 , n .1 , j a n . / j u n . 2 0 1 3
Dos 19 cursos da FAE avaliados pelo MEC, 17 receberam a nota 5*, ou seja, a nota máxima. Os outros 2 cursos tiveram nota 4, o que também representa uma avaliação bastante favorável e atesta sua qualidade de ensino. Com isso, a FAE fica, pelo quinto ano consecutivo, posicionada como a melhor instituição universitária privada de Curitiba, incluindo neste cenário todos os centros universitários e universidades locais.
www.fae.edu
*Nota que vai de 1 a 5
FAE, a melhor porque tem os melhores cursos.
Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus
Cleonice Bastos Pompermayer Ciências Econômicas Daniele Cristine Nickel Psicologia Eduardo Saldanha Direito Érico Eleutério da Luz Ciências Contábeis Frei Jairo Ferrandin, ofm Filosofia Gilson Paula Lopes de Souza Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia de Produção e Engenharia Mecânica Lucina Reitenbach Viana Tecnologia em Marketing e Tecnologia em Produção Multimídia Marco Antônio Regnier Pedroso Desenho Industrial Randy Rachwal Comunicação Social: Publicidade e Propaganda Rogério Tomaz Letras Silvia Iuan Lozza Pedagogia Valter Pereira Francisco Filho Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, Tecnologia em Gestão Financeira e Tecnologia em Logística Véra Fátima Dullius Tecnologia em Gestão Comercial
Frei Guido Moacir Scheidt, ofm Presidente Jorge Apóstolos Siarcos Diretor-Geral FAE Centro Universitário Frei Nelson José Hillesheim, ofm Reitor da FAE Centro Universitário Diretor-Geral da Faculdade FAE São José dos Pinhais André Luis Gontijo Resende Pró-Reitor Acadêmico Diretor Acadêmico Diretor de Legislação e Normas Educacionais Coordenador do Núcleo de Educação a Distância Régis Ferreira Negrão Pró-Reitor Administrativo Adriana Pelizzari Assessora da Pró-Reitoria Acadêmica Marcus Vinícius Guaragni Diretor de Campus – Campus Centro, FAE Centro Universitário Elcio Douglas Joaquim Diretor Acadêmico da Faculdade FAE São José dos Pinhais Antoninho Caron Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu José Henrique de Faria Coordenador dos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu Eros Pacheco Neto Secretário-Geral Sérgio Luiz da Rocha Pombo Diretor do Instituto de Ciências Jurídicas Samar Merheb Jordão Ouvidoria Paulo Roberto Araújo Cruz Diretor de Relações Corporativas Editor Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Núcleos e Departamentos Antonio Lázaro Conte Coordenador do Núcleo de Admissão Areta Galat Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais Cleonice Bastos Pompermayer Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica Edith Dias Biblioteca – Campus Centro e Faculdade FAE São José dos Pinhais Nelcy Terezinha Lubi Finck Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente Rita de Cássia Marques Kleinke Coordenadora da Pastoral Universitária Samir Bazzi Coordenador do Núcleo de Empregabilidade Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos Coordenador do Núcleo de Extensão Universitária Soraia Helena F. Almondes Biblioteca – Campus Centro
Coordenação Editorial Cleonice Bastos Pompermayer Revisão Mariana Bordignon Strachulski de Souza (Revisão de Linguagem) Priscilla Zimmermann Fernandes (Revisão de Linguagem) Edith Dias (Normalização) Editoração Ana Maria Oleniki Amália Patricia Valle Brasil Braulio Maia Junior Eliel Fortes Barbosa Mariana Prado Mueller (Coordenação) Coordenadores de Cursos Andrea Regina H. C. Levek Negócios Internacionais Everton Drohomeretski Administração Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos Tecnologia em Sistemas para Internet
Pareceristas
Comitê Editorial
Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Pennsylvania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloisa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamin da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christian Luiz da Silva, Dr. (UFSC).
Indexação CAPES/Qualis Latindex Portal Livre/CNEN GeoDados Distribuição Comunidade Científica: 388 exemplares Permuta: 112 exemplares
Adalberto Pandolfo, Dr. (UPF); Agustin Perez Rodrigues, PhD. (PUS-SP, UPM, FICS, FAAP); Aida Franco de Lima, Ms. (SECAL, PUC-MG); Aléssio Bessa Sarquis, Dr. (Feevale, UNISUL, UNERJ, FCJ); Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE); Anivaldo Chagas, Dr. (IESCAMP); Antonio Cesar Amaru Maximiano, Dr. (USP, FIA); Caterine Vila Fagundes, Dra. (OBREAL, SJT); Denise Rauta Buiar, Dra. (UTFPR); Everton Drohomeretski, Ms. (FAE, PUC-PR, RADIAL, UNINTER); Gilberto Perez, PhD. (UPM, FIT, Anhembi Morumbi, FTS); Gilson Riham Karkotli, Dr. (ULUSOFONA, USJ, UFSC, MEC/INEP, DECISÃO); Heloisa de Puppi e Silva, Ms. (SEPL, FAE); Henriette Mariacy Krutman, Dra. (Froien Farain, JBRJ, INT); Ivam Ricardo Peleias , Dr. (FECAP, PUC-SP, FAP-DF); Joel Souza Dutra, Dr. (FIA, USP); José Augusto Giesbrecht da Silveira, Dr. (USP); José G. Lupoli Junior, Dr. (INPG, USP, ALFA, FIA); José Manoel Pires Alves, Dr. (CEBRAF, FUNP/DF, UCB-DF, RCE, Cardenal Cisneros, IBRADEGE, UBEE, UMBRASIL, UNBEC); José Vicente B. de Mello Cordeiro, Dr. (FAE); Josete Florencio dos Santos , Dra. (UFPE); Josmar Gilberto Cappa, PhD. (PUC-MG); Luis Fernando Hor-Meyll Alvares, Dr. (PUC-RIO); Marinalva da Silva, Dra. (UNICAP); Mario Luiz Soares , Dr. (UNINOVE, UNIVEL, UNIOESTE); Maura Ribeiro Sardinha, Dra. (UFRJ); Miguel Luiz Contani, PhD. (UEL); Míriam de Aguiar Barbosa, PhD. (UFRRJ); Nadia Kassouf Pizzinatto, Dra. (UNIMEP); Sérgio Luiz do Amaral Moretti, Dr. (UNINOVE); Tomas Jose Jane, Dr. (ESJ, ISRI). Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. ilust. 28cm. Semestral ISSN 1516-1234 Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica Administração e Economia 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I. FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica. CDD – 001 Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário. A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu. Endereço para correspondência: FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: pesquisa@fae.edu
Sumário
Summary
A contabilidade e a ordem social: uma abordagem das teorias semióticas e da comunicação José Maria Dias Filho
06
Accounting and social order: a semiotic and communication theories approach José Maria Dias Filho
Contribuições das ciências sociais e humanas no estudo do consumidor André Francisco Alcântara Fagundes, Caissa Veloso e Sousa, Danilo de Oliveira Sampaio, Marlusa Gosling
18
Contributions of social sciences and humanities to consumer study André Francisco Alcântara Fagundes, Caissa Veloso e Sousa, Danilo de Oliveira Sampaio, Marlusa Gosling
36
Relationship marketing: a case study in civil construction Aline Nadalin Velter, Daniel Arenhardt, Clandia Maffini Gomes, Jordana Marques Kneipp, Luciana Flores Battistella, Márcia Zampieri Grohmann
Motivos de compra de produtos de marca própria: estudo com consumidores de Curitiba — PR Barbara Regina Lopes Costa, Dennys Robson Girardi, Gisele Borges Silva Cândido, Michelle Vecchietti Camargo
60
Reasons for buying private labeled products: study with consumers in Curitiba — Paraná Barbara Regina Lopes Costa, Dennys Robson Girardi, Gisele Borges Silva Cândido, Michelle Vecchietti Camargo
O consumo ecológico dos universitários: uma análise de clusters Elizandra da Silva, Geysler Rogis Flor Bertolini, Loreni Teresinha Brandalise
78
University students’ ecological consumption: a cluster analysis Elizandra da Silva, Geysler Rogis Flor Bertolini, Loreni Teresinha Brandalise,
Comércio eletrônico: identificação do perfil do e-consumidor Dayana Carla de Macedo, João Luiz Kovaleski, Mathias Talevi Betim, Simone Nasser Matos
90
E-commerce: identification of the e-consumer profile Dayana Carla de Macedo, João Luiz Kovaleski, Mathias Talevi Betim, Simone Nasser Matos
Difusão de demanda por recursos de fomento a empresas: uma aplicação do modelo de Bass Alex da Silva Alves, José Antônio Pimenta-Bueno, Thaisa de Freitas
104
Demand diffusion for public financial resources for firms: an application of Bass model Alex da Silva Alves, José Antônio Pimenta-Bueno, Thaisa de Freitas
O processo de terceirização nas relações organizacionais Alfredo Rodrigues Leite da Silva, Andreza Sampaio de Mello, Simone de Souza
126
The outsourcing process in organizational relationships Alfredo Rodrigues Leite da Silva, Andreza Sampaio de Mello, Simone de Souza
Seleção de fornecedores em ambiente de inovação em produtos: um estudo de caso em Bio-Manguinhos/Fiocruz Deyves Mendes Paraguassu, Marcelo Alvaro da Silva Macedo
142
Suppliers selection in product innovation environment: a case study in Bio-Manguinhos/Fiocruz Deyves Mendes Paraguassu, Marcelo Alvaro da Silva Macedo
A agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão _ PR Fernanda Giraldello, Jaime Antonio Stoffe, Jandir Ferrera de Lima, Vanderleia Loff Lavall
162
Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão (State of Paraná) Fernanda Giraldello, Jaime Antonio Stoffe, Jandir Ferrera de Lima, Vanderleia Loff Lavall
Impairment nas companhias aéreas internacionais durante a crise financeira mundial de 2008 Jocelino Donizetti Teodoro, Luciano Marcio Scherer
178
Impairment in international airlines companies during the 2008 global financial crisis Jocelino Donizetti Teodoro, Luciano Marcio Scherer
Lealdade e retenção no ensino superior: percepções teóricas sobre construtos Gérson Tontini, Silvana Anita Walter
190
Loyalty and retention in higher education: theoretical perceptions on constructs Gérson Tontini, Silvana Anita Walter
Marketing de relacionamento: um estudo de caso na construção civil Aline Nadalin Velter, Daniel Arenhardt, Clandia Maffini Gomes, Jordana Marques Kneipp, Luciana Flores Battistella, Márcia Zampieri Grohmann
FA E
Cen t ro
U n i ver s i t ár i o
Apresentação Prezados leitores
Consciente da função do ensino superior na transformação e evolução da sociedade por meio da disseminação do conhecimento, a FAE Centro Universitário apresenta à comunidade acadêmica mais uma edição da Revista da FAE. Nesta edição, de cunho multidisciplinar, são trazidos à reflexão e à discussão temas relacionados à cultura e gestão organizacional, desenvolvimento local, inovação, marketing, comportamento do consumidor e educação. Cada um dos artigos apresenta uma contribuição sob a luz das áreas do conhecimento, instigando o leitor no sentido da melhoria da gestão dos processos produtivos e da sua interação com a sociedade. Iniciamos a leitura com um estudo sobre Contabilidade, apoiado nos conceitos da Semiótica e da Teoria da Comunicação. Na sequência, conceitos extraídos de diferentes campos teóricos, tais como Antropologia, Sociologia, História e Psicologia, resultam numa importante discussão sobre o comportamento do consumidor. Permeando os estudos sobre o marketing e o comportamento do consumidor, apresentamos um estudo de caso na construção civil, que defende o marketing de relacionamento como um importante instrumento para a obtenção de satisfação dos consumidores e dos parceiros na cadeia de valor. Também, um estudo com consumidores de Curitiba, Paraná, sobre os motivos de opção de compra de produtos de marca própria e os fatores que impulsionaram o crescimento comercial deste segmento. Ainda voltados para pesquisas sobre o consumo, trazemos uma análise de clusters a fim de caracterizar o consumo ecológico entre estudantes universitários. Encerrando esta temática, apresentamos um estudo a respeito do comércio eletrônico, que identifica e traça o perfil do e-consumidor. Contemplando as contribuições na área de gestão de negócios, encontraremos uma discussão sobre cultura organizacional e processo de terceirização nas empresas. Na sequência, contamos com dois artigos cujo principal foco é a inovação. No primeiro, uma aplicação do Modelo de Bass propicia a previsão de demanda e do comportamento de adoção de um programa público de fomento à inovação em empresas brasileiras. E no segundo, o objetivo é identificar e hierarquizar os critérios relevantes para a seleção de fornecedores de produtos, a fim de desenvolver parcerias para a produção de novos produtos. Diversificando os temas tratados até então, contamos com um artigo que traça um panorama da agroindústria familiar, como geradora de emprego e renda, nos municípios pertencentes à microrregião de Francisco Beltrão, no Paraná, seguido de um artigo cujo objetivo foi detectar possíveis diferenças quanto ao reconhecimento de perdas com a redução ao valor recuperável de ativos nos anos de 2007 a 2009, nas companhias aéreas, em função da crise financeira mundial. Concluindo esta edição, uma análise sobre as variáveis operacionais que garantam a retenção e a lealdade de estudantes nas Instituições de Ensino Superior não públicas. Fazemos votos de que a leitura desses artigos, cada um à sua maneira, atinja seu real objetivo primordial, ou seja, contribuir para uma reflexão individual somada às ideias dos autores, como meio de difusão do conhecimento. Boa leitura! Paz e Bem! Frei Nelson José Hillesheim, ofm Editor
A contabilidade e a ordem social: uma abordagem das teorias semióticas e da comunicação Accounting and social order: a semiotic and communication theories approach
A contabilidade e a ordem social: uma abordagem das teorias semióticas e da comunicação Accounting and social order: a semiotic and communication theories approach
José Maria Dias Filho1
Resumo Este trabalho procura demonstrar que a informação contábil, apoiada em conceitos da semiótica e da teoria da comunicação, pode desempenhar papel de grande importância na construção e manutenção da ordem social. Parte-se do pressuposto de que a finalidade básica da Contabilidade não se resume ao fornecimento de informações destinadas a otimizar decisões de caráter econômico, mas que deve contribuir também para promover o diálogo entre a empresa e os diversos agentes que se relacionam com essa área, estimulando, assim, o exercício da cidadania. Destaca-se que, sob o enfoque sociológico, a Contabilidade é chamada a pôr ordem onde reina o caos, procurando desenvolver e consolidar uma cultura empresarial que privilegie a transparência e permita à sociedade conhecer e avaliar ações que ajudem a conciliar sucesso econômico com os ideais de justiça. Finalmente, entende-se que as teorias semióticas e da comunicação podem contribuir para melhorar as funções da Contabilidade como instrumento de apoio à ordem social, uma vez que essas teorias fornecem metodologias úteis para avaliar a eficácia do ato comunicativo e facilitam a apresentação de informações significativas para os diversos públicos que se envolvem com a empresa. Palavras-chave: Informação Contábil. Semiótica. Teoria da Comunicação.
Abstract This paper demonstrates that the accounting information, based on concepts of semiotics and communication theory, can play a major role in building and maintaining social order. It is assumed that the basic purpose of accounting is not limited to the provision of information to optimize economic decisions, but that it should also help to promote the dialogue between the company and the various agents that are related to it, thus stimulating the exercise of citizenship. It is noteworthy that, under the sociological approach, accounting is called upon to set order where chaos reigns, seeking to develop and consolidate a business culture that favors transparency and allows society to understand and evaluate the actions that help to reconcile economic success with the ideal justice. Finally, it was understood that the semiotic and communication theories can help to improve the functions of accounting as a tool to support the social order, since they provide useful methodologies for evaluating the effectiveness of the communicative act and facilitate the presentation of meaningful information to the various stakeholders who are involved with the company. Keywords: Accounting Information. Semiotics. Communication Theory.
1
Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Professor da Universidade Federal da Bahia. E-mail: zemariadias@uol.com.br.
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
7
Introdução O presente trabalho tem por objetivo estimular reflexões sobre possíveis contribuições que as teorias semióticas e da comunicação têm a oferecer à Contabilidade para que ela possa atuar de forma mais ampla como instrumento de apoio à construção e manutenção da ordem social. Parte-se do entendimento de que, assim como as ordens econômica e jurídica, a contábil também pode contribuir para promover a ordem social, até porque o direito à informação é um dos pressupostos básicos da cidadania. Que a informação é ingrediente de funda mental importância em qualquer processo decisório parece ser fato amplamente aceito. Sob o aspecto econômico, por exemplo, entende-se que ela deve contribuir para permitir a melhor alocação de recursos visando à otimização de resultados. Nesse sentido, seu objetivo é agregar valor às decisões de forma a diminuir a distância entre os resultados planejados e os realizados. No caso de informações contábeis, em particular, considera-se que seu principal objetivo é facilitar decisões de investimentos, créditos, entre outras semelhantes. Sob esse prisma, os agentes que recorrem a informações dessa natureza o fazem esperando encontrar nelas sinais que lhes permitam avaliar riscos, prever fluxos de caixa, elaborar e ajustar planos, entre outras medidas necessárias ao bom desempenho das organizações. Esse tem sido o entendimento predominante quanto aos objetivos básicos da Contabilidade. Apesar disso, pode-se considerar que essa disciplina não deve contribuir apenas para a maximização da riqueza, mas também para satisfazer interesses sociais mais amplos, pelo menos sob a ótica do conceito de accountability. Isso nos leva a questionar que tipo de informação contábil deve ser fornecida em uma sociedade que precisa resgatar valores éticos e morais, a quem deve ser fornecida e sob quais conceitos de evidenciação, ou ainda que tipo de linguagem deve ser adotada para permitir melhor diálogo entre as organizações e os diversos agentes que com ela se relacionam. 8
1
Inter-relações entre Contabilidade, Semiótica e Teoria da Comunicação
A interface entre Contabilidade, Semiótica e Teoria da Comunicação deriva do fato de que a primeira se caracteriza como um pro cesso de identificação, mensuração e comunicação de informações. Além disso, assenta-se na ideia de que é um tipo de linguagem que serve para unir o mundo da empresa a diversos elementos, tais como clientes, fornecedores, acionistas, governo, sindicatos e entidades ambientalistas. Em tese, todos desejam obter informações que lhes permitam conhecer a empresa, avaliar sua atuação e com ela interagir de forma eficaz. Como a Semiótica se ocupa do estudo de todos os tipos de linguagem e a Teoria da Comunicação define parâmetros para avaliar o ato comunicativo, sugere-se que tais disciplinas podem contribuir para aumentar a eficácia da evidenciação contábil. Para facilitar a assimilação desse raciocínio, apresenta-se, a seguir, uma rápida visão da Con tabilidade como linguagem e também como pro cesso de comunicação. Na sequência, formula-se uma resumida caracterização da Semiótica, destacando-se alguns conceitos fundamentais.
1.1 A Contabilidade como Linguagem de Negócios
A percepção da Contabilidade como linguagem resulta do entendimento de que a comunicação é função básica dessa disciplina, haja vista que se as informações contábeis não atingirem seus destinatários tempestivamente e sob forma compreensível, de maneira alguma poderão surtir o efeito desejado. O uso de palavras e técnicas específicas na composição das mensagens contábeis é outro
Como linguagem de negócios, o papel da Contabilidade é facilitar a percepção das carac terísticas relevantes de certos eventos econômicos, levando aos usuários das informações contábeis conhecimentos necessários à otimização de suas decisões.
motivo em que se fundamenta a ideia de que a Contabilidade é uma espécie de linguagem. Essa, pelo menos, tem sido a avaliação de autores que, como Ijiri (1975, p. 14), afirmam textualmente que a Contabilidade tem muito em comum com outros tipos de linguagem, principalmente no que se refere a regras sintáticas, semânticas e pragmáticas. Nessa mesma linha de raciocínio, encontram-se Chambers
Esse autor esclarece que a resposta a cada uma dessas perguntas faz parte do estudo de uma linguagem. A primeira questão se relaciona com a pragmática, que estuda o efeito da linguagem sobre os indivíduos; a segunda, com a semântica, que estuda o significado das palavras; e a terceira se relaciona com a sintaxe, que estuda as conexões lógicas entre as palavras e frases. Como linguagem de negócios, o papel da Contabilidade é facilitar a percepção das carac terísticas relevantes de certos eventos econômicos, levando aos usuários das informações contábeis conhecimentos necessários à otimização de suas decisões. Idealmente, por meio dessa linguagem, os usuários devem ser motivados a adotar as mesmas decisões que adotariam caso estivessem observando os referidos eventos diretamente. Essa desejada reação depende, entre outros fatores, do grau de acurácia com que os símbolos alfanuméricos utilizados na evidenciação contábil representarão os eventos econômicos. De acordo com o Financial Accounting Standards Board _ FASB (SFAC 2), isso depende da fidelidade de representação, que é definida por esse Conselho como a correspondência ou concordância entre uma medida ou descrição e o fenômeno que ela busca representar.
(1966), Belkaoui (2000), Horngren (1974) e Anthony (1975), entre outros. Explorando esse enfoque, Hendriksen (1999, p. 29) confirma que uma das possíveis classificações
1.2 A Contabilidade como Processo de Comunicação
da teoria contábil se apoia no entendimento de que a Contabilidade é uma linguagem, considerada por muitos como linguagem de negócios. Esse autor acrescenta que, sob esse prisma, é possível efetuar os seguintes questionamentos sobre as palavras e frases que compõem a linguagem contábil: 1 Que efeito as palavras utilizadas pela Contabilidade terão sobre os usuários das informações contábeis? 2
Que significado tais palavras terão pa ra eles, se houver algum?
3
As palavras se conectam em sentido lógico?
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Há muito tempo, o conceito de Contabili da de como processo de comunicação tem desper tado o interesse de diversos autores. Chambers (1966), por exemplo, visualiza-a como um processo de comunicação que, como qualquer outro do gênero, deve observar regras sintáticas, semânticas e pragmáticas. De forma semelhante, Littleton e Zimmerman (1962) des tacam que a Contabilidade tem no processo de comunicação um meio fundamental ao cum primento de seus objetivos. Na mesma linha de raciocínio, Most (1982) considera que a Contabilidade é um processo de
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
9
comunicação no qual os contadores têm o papel de observar eventos econômicos, mensurar seus atributos e comunicá-los a diversos estratos de usuários por meio de relatórios contábeis. Esse autor sugere que os princípios da Teoria da Comunicação fornecem subsídios relevantes para identificar e corrigir problemas que prejudicam a comunicação contábil. Iudícibus (1997, p. 26) faz referência à Contabilidade como processo de comunicação, utilizando os seguintes termos: “Este processo de comunicação implica o reconhecimento dos tipos de informação necessária para cada principal usuário da informação contábil e a avaliação da habilidade dos usuários em interpretar a informação adequadamente”. Na mesma obra, o autor considera que esse enfoque parece ser uma base profícua para a Contabilidade, haja vista que essa área realmente “pode ser conceituada como um método de identificar, mensurar e comunicar informação econômica, financeira, física e social, a fim de permitir decisões e julgamentos adequados por parte dos usuários da informação”. Em regra, os autores que assim se manifes tam consideram que a Teoria da Comunicação fornece metodologia para aprimorar a evidenciação contábil, tendo em vista as semelhanças existentes
Este processo de comunicação implica o reconhecimento dos tipos de informação necessária para cada principal usuário da informação contábil e a avaliação da habilidade dos usuários em interpretar a informação adequadamente.
10
entre o processo geral de comunicação e o processo contábil. Sinteticamente, a referida teoria estabelece que o modelo de comunicação é constituído dos seguintes elementos: fonte, emissor, mensagem, canal e receptor. A fonte produz as mensagens a serem comunicadas; a mensagem é o instrumento que une o receptor ao emissor por meio de um sistema de códigos; o canal é o veículo utilizado para transportar as mensagens; e o receptor é o elemento a quem se destina a mensagem. De acordo com Bierman e Drebin (1979), os componentes do modelo geral de comunicação podem ser visualizados num sistema contábil da seguinte forma: os eventos econômicos constituem a fonte básica da informação, o contador atua como transmissor, após observar tais eventos e codificá-los para formar os relatórios contábeis, os quais, por sua vez, representam o canal desse tipo de comunicação. Essa abordagem nos ajuda a compreender que a evidenciação contábil deve ser considerada de forma sistêmica, desde o emissor, a quem cabe identificar, interpretar e codificar os eventos econômicos, até o usuário das mensagens con tábeis. Quando se trata de avaliar a eficácia do ato comunicativo, torna-se necessário considerar todos os fatores que, em cada componente do processo de comunicação, concorrem para aumentar ou reduzir a fidelidade da comunicação. Porém, nesse processo, o usuário da in for mação sempre será o parâmetro de maior importância. Suas características e necessidades devem ser consideradas com muita atenção quando se trata de definir o conteúdo das mensagens, o código utilizado em sua composição, o tipo de canal, entre outras variáveis igualmente importantes. Afinal, é a ele que se dirigem os relatórios contábeis. Em última instância, o usuário é a própria razão da Contabilidade. Daí a afirmação de que ela é uma disciplina essencialmente utilitária. De fato, por mais esmerada que seja a informação, ela não terá qualquer serventia se não for capaz de contribuir para melhorar as decisões de seus destinatários.
1.3 A Interação entre Semiótica e Contabilidade
Assumindo a Contabilidade como um pro cesso de identificação, mensuração e comunicação e que se desenvolve com o apoio de uma linguagem específica, podem-se aproveitar conceitos da semi ótica para melhorar a qualidade da informação contábil. Isso é o que sugerem diversos autores, como Chambers (1966), Mason e Swanson (1981), Etheridge (1991) e Nakagawa (2000). Para melhor entendimento de como se manifesta a relação entre a Contabilidade e a Se miótica, é preciso observar alguns passos fun damentais. O primeiro passo consiste em enten der que a Semiótica é uma ciência que se dedica ao estudo de todas as linguagens, contribuindo para avaliar suas funções sintáticas, semânticas e pragmáticas. De acordo com Morris (1976), a Semiótica funciona como instrumento de todas as ciências, uma vez que fornece uma linguagem geral aplicável a qualquer processo de descrição das propriedades de eventos e objetos. Como a mensuração contábil, em si mesma, nada mais é do que um processo de atribuição de números e palavras a certas propriedades de objetos e eventos econômicos, tem-se aí um ponto de interseção entre as duas disciplinas. O segundo aspecto em que a Semiótica pode contribuir para aprimorar a evidenciação contábil diz respeito à descrição do processo pelo qual as pessoas percebem as características dos eventos e objetos que tocam a sua consciência. Com a Semiótica, aprende-se que os significados não são propriedades das palavras utilizadas para representar os fenômenos que nos cercam, mas elementos que residem em nossa consciência e que nela se instalam em função de determinados referenciais cognitivos, do contexto em que atua mos etc. Por isso, pessoas diferentes podem ter percepções bem distintas de um mesmo objeto ou evento. A Semiótica nos ajuda a compreender que a percepção das características relevantes dos eventos econômicos, e sua subsequente
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A qualidade da informação pode ficar seriamente comprometida quando os indivíduos encarregados da identificação e interpretação dos eventos econômicos não conseguem perceber suas características relevantes.
representação por meio de números e palavras, é influenciada pelas habilidades cognitivas de cada indivíduo, pelas características do contex to, pelos níveis de experiência, entre ou tros elementos. Esse é um fato que precisa ser devi damente considerado, sobretudo na fase de coleta dos dados que alimentam os sistemas contábeis. A qualidade da informação pode ficar seriamente comprometida quando os indivíduos encarregados da identificação e interpretação dos eventos econômicos não conseguem perceber suas características relevantes. Discutindo o problema da percepção no contexto das teorias semióticas, Santaella (1998, p. 66) afirma que nossa vida, em qualquer instante, por mais corriqueiro que seja, está repleta de exemplos de situações em que nossa percepção falha. Julgamos ter visto uma coisa, mas, logo depois, verificamos que incorremos em erro, ou seja, constatamos que não era o que pensávamos ter visto. Essa autora explica que os julgamentos de percepção são inferências lógicas, elementos generalizantes que dependem de esquemas interpretativos variáveis. Baseando-se em estu dos empreendidos por Peirce, pai da Se miótica Moderna, Santaella (1998) explica que todo pensamento lógico e toda a cognição é adquirida por meio da percepção. No âmbito da Contabilidade, os produ tores das informações contábeis focalizam deter
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
11
minados eventos econômicos, abstraem cer tas características a eles associadas e procuram representá-las por meio de símbolos alfanuméricos. A correta percepção dos eventos e de suas ca racterísticas relevantes depende também da interpretação de conceitos e normas contábeis. Sobre o problema da percepção, Beladouni (1966, p. 215-25) assim se manifesta: Perception of accounting events obviously calls for the identification of their discriminable features. In our attempt to identify the discriminable features of an event, we need not and do not try to obtain an exhaustive description of that event. As in the perception of all events, we select only certain features that are critical for the cognitive act.2
A Semiótica pode contribui ainda para reforçar o entendimento de que a interpretação dos eventos retratados nos relatórios contábeis depende do grau de acurácia com que os códigos utilizados na evidenciação contábil despertarão no receptor os significados pretendidos pelo emissor. A teoria dos signos, com sua lógica rigorosa, nos per mite entender por que algo significa o que significa.
2
O Papel da Ordem Contábil na Busca da Ordem Social
2.1 A Contabilidade sob o Enfoque Sociológico
A proposta de utilizar conceitos da Semiótica e da Teoria da Comunicação para aumentar o poder de evidenciação das demonstrações contábeis encontra no enfoque sociológico da teoria contábil uma de suas principais justificativas. A razão é que, sob essa abordagem, a Contabilidade não deve contemplar apenas os interesses dos acionistas,
2
12
mas também os de outros agentes que se relacionam com a empresa e que podem exercer influência sobre o seu desenvolvimento. Esse fato nos leva a considerar, por exemplo, se a linguagem empregada na evidenciação contábil está articulada sob um conjunto de signos que possam ser compartilhados por clientes, empregados, associações de proteção ao meio ambiente, sindicatos, instituições de pesquisa, entre outros atores. Afinal, potencialmente, todos podem precisar de informações contábeis para avaliar a atuação das organizações sob o ponto de vista social. De igual forma, pode-se considerar também a necessidade de outros recursos mais adequados à comunicação das informações contábeis. Hendriksen (1999, p. 26) adverte que a visão microeconômica da Contabilidade não abrange, necessariamente, todos os efeitos que as empresas exercem na sociedade. Em sua avaliação, fica uma lacuna a ser preenchida com informações relativas a custos da poluição ambiental, do desemprego, de condições insalubres de trabalho, entre outros fatores de interesse social. Destaca-se que, nesse sentido, a Contabilidade tradicional, com sua ênfase nos acio nistas, pode ser considerada um subconjunto da Contabilidade social, que busca alcançar interesses de um leque mais amplo de indivíduos. Segundo Iudícibus (1997, p. 25), sob a abordagem sociológica, a Contabilidade é julgada pelos efeitos que os procedimentos contábeis e os relatórios dela emanados exercem sobre a sociedade. Trata-se, pois, de verificar se tais relatórios atendem a finalidades sociais mais amplas, fornecendo informações que permitam, por exemplo, julgamentos acerca do desempenho das empresas e de suas relações com a sociedade. Parte-se do entendimento de que o acionista não é o único destinatário dos resultados das empresas e que a própria continuidade dos negócios não depende apenas dessa categoria de usuários das informações contábeis. Seguindo o mesmo raciocínio, Belkaoui (2000) afirma que, sob a referida abordagem,
A percepção de eventos contábeis, obviamente, exige a identificação de suas características discrimináveis. Em nossa tentativa de identificar as características discrimináveis de um evento, não necessitamos nem tentamos obter uma descrição exaustiva desse evento. Como na percepção de todos os eventos, selecionamos apenas alguns recursos que são críticos para o ato cognitivo. (N.E. tradução literal)
espera-se que os dados contábeis possam contri buir para a promoção do bem-estar social. Esse autor destaca que tal expectativa presume a existência de valores sociais estabelecidos que sejam utilizados como critério na determinação da teoria contábil. Nesse sentido, a sociedade como um todo poderia ser vista como usuário da informação contábil. Kam (1990) manifesta idêntico entendimento, alegando que cada componente da sociedade, de uma forma ou de outra, é afetado por informações dessa natureza. Por isso, esse autor defende a ideia de que pelo menos as empresas de maior porte deveriam publicar informações de cunho social, visto que suas ações tendem a provocar maior impacto sobre a vida dos indivíduos.
2.2 A Responsabilidade Social das Empresas
Com o fortalecimento das democracias, aliado às novas tecnologias da informação, é provável que, de fato, a sociedade passe a exercer maior pressão sobre as organizações, a fim de que elas ampliem evidenciações de interesse social divulgando dados, tais como: volume de demissões, contratações, contribuições tributárias, investimentos em programas de preservação do meio ambiente, nível de satisfação dos clientes, insalubridade e segurança no trabalho. Nesse sentido, a evidenciação contábil deve contribuir para desenvolver e consolidar uma cultura empresarial que privilegie a transparência e permita à sociedade conhecer e valorizar esforços tendentes a conciliar sucesso econômico com impactos sociais e ambientais. Para tanto, a Contabilidade deverá usar recursos de eviden ciação que facilitem o diálogo da empresa com diferentes públicos envolvidos com suas atividades. Algumas manifestações dessa natureza já se encontram em curso, a exemplo da proposta de Balanço Social articulada pelo sociólogo Herbert de Souza (1935-1997). Tais iniciativas partem do princípio de que o progresso tecnológico e o lucro não asseguram a construção de uma sociedade justa e sustentável a longo prazo. De igual forma,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
baseiam-se na premissa de que as condições físicas do Planeta não suportam o enorme impacto de um crescimento econômico desordenado. Isso significa que a lógica do lucro deve encontrar na função social da propriedade uma linha delimitadora. Naturalmente, tudo isso deve exercer reflexos sobre conceitos e diretrizes que norteiam a produção das informações contábeis. Porém, como conhecimento de natureza social, cabe à Contabilidade procurar se ajustar para atender às novas demandas que deverão surgir. A propósito, Hendriksen (1999, p. 165) salienta que a política contábil de um país não pode ficar atrelada a interesses de grupos específicos, tais como investidores individuais, administradores e contadores. Esse autor acrescenta que, por maior que seja a dificuldade de admitir tal fato, a política contábil nacional deve levar em conta o bem-estar social em sentido mais amplo. Santos (1999) também faz referência ao papel que a Contabilidade deve desempenhar no contexto social, explicando que essa disciplina é chamada a colaborar na construção de relações mais saudáveis entre empresa e sociedade. Esse autor considera que, para tanto, um dos possíveis instrumentos de evidenciação pode ser o chamado Balanço Social.
A evidenciação contábil deve contribuir para desenvolver e consolidar uma cultura empresarial que privilegie a transparência e permita à sociedade conhecer e valorizar esforços tendentes a conciliar sucesso econômico com impactos sociais e ambientais.
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
13
Referindo-se à nova relação da Contabilidade com a sociedade, Santos (1999, p. 8) acrescenta as seguintes considerações: Hoje em dia, não se pode mais admitir que a Contabili dade esteja sendo preparada para uso exclusivo dos mesmos usuários de 4 ou 5 décadas atrás. A Contabilida de passou a ter relevância no cenário econômico como um todo, deixando de ser instrumento importante apenas no auxílio prestado no cálculo e identificação dos valores que servem como base para recolhimento de impostos, análise para concessão de crédito ou pagamento de dividendos, e com isso começa a ocupar espaço bastante importante nas relações sociais.
Quanto ao Balanço Social, entre as principais informações que podem ser apresentadas nesse relatório contábil, destacam-se: nível de emprego, re lações profissionais, formação profissional, con dições de higiene e segurança, medidas de proteção ao meio ambiente e distribuição da ri queza gerada pela empresa. Não se trata de uma sim ples peça de marketing empresarial, mas de um autêntico instrumento de apoio à cidadania, na medida em que contribui para a democratização das informações contábeis. Com esse relatório, potencialmente, tanto um investidor sofisticado quanto o mais singelo empregado podem encontrar na Contabilidade meios de exercitar sua cidadania. Segundo De Luca (1998, p. 26), um dos aspectos de maior relevância a ser evidenciado no Balanço Social diz respeito a projetos da empresa relacionados à preservação do meio ambiente. A título de exemplo, essa autora destaca que a avaliação do passivo ambiental pode exercer impactos significativos no valor econômico da empresa. Isso deriva da consciência de que não se pode admitir progresso econômico à custa da degradação ambiental. Assim, não é difícil prever que empresas que apresentem risco potencial ao meio ambiente deverão enfrentar grandes dificuldades de sobrevivência em futuro próximo. A Demonstração do Valor Adicionado (DVA) é outro relatório por meio do qual a Contabilidade pode oferecer relevante contribuição à ordem social. Seu principal objetivo é demonstrar como se deu a distribuição da riqueza gerada pela entidade entre os diversos agentes que concorrem para a sua obtenção: acionistas, empregados, governo e financiadores. Conforme De Luca (1998), a DVA está in ti mamente associada ao conceito de res pon sabili 14
dade social e surgiu para atender às necessidades de informações dos usuários sobre o valor da ri queza criada pela empresa e sua utilização. A autora explica que “o valor adicio nado de uma empresa representa o quando de valor ela agrega aos insumos que adquire num determinado período e é obtido, de forma geral, pela diferença entre as vendas ou produção e o total dos insumos adquiridos de terceiros” (DE LUCA, 1998, p. 32). Discorrendo sobre as vantagens da DVA como instrumento de equilíbrio das rela ções sociais, Santos (1999) salienta que essa demons tração contábil pode servir, inclusive, para auxiliar no cálculo do PIB e definir outros indicadores sociais de grande importância. Iden tificação da carga tributária por setores da economia, informações sobre remuneração de pessoal por segmento econômico ou por regiões e políticas de remuneração de capital de terceiros são alguns exemplos de dados relevantes que podem ser extraídos da referida demonstração.
2.3 Contabilidade e a Transparência da Gestão Fiscal No que se refere às organizações públicas, observa-se que o ordenamento jurídico do País também põe em destaque o papel da Contabilidade como instrumento de apoio à construção da ordem social. Um dos exemplos mais recentes pode ser encontrado na Lei de Responsabilidade Fiscal. Ao tratar da transparência da gestão fiscal, essa Lei estabelece que se dê ampla divulgação a instrumentos de evidenciação, tais como planos, orçamentos, leis de diretrizes orçamentárias, pareceres de prestações de contas e relatórios de gestão fiscal. Quanto aos sistemas de informações contábeis, destaca-se a necessidade de a Admi nistração Pública manter sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial. De igual modo, salienta-se a necessidade de divulgar com clareza todos os eventos de interesse contábil, principalmente os relacionados a compromissos assumidos junto a terceiros. Como se observa, a Lei de Responsabilidade Fiscal contribui para consagrar o relacionamento entre o governo, o público e a informação contábil.
Isso se torna mais evidente quando se conside ra que a referida Lei determina, em seu art. 49, que as contas apresentadas pelo chefe do Poder Executivo deverão ficar disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável por sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade. Com isso, a sociedade é guindada à condição de usuário privilegiado das informações contábeis, e estas, por sua vez, assumem claramente o status de instrumento de cidadania.
Conclusões Sob a abordagem sociológica, a teoria contábil considera que o papel da Contabilidade não deve se limitar ao fornecimento de informações necessárias à otimização de decisões de caráter econômico, mas sim contemplar os interesses da sociedade de forma mais ampla. Desse modo, o bem-estar social passa a ser o critério básico de avaliação dos procedimentos contábeis adotados em determinado ambiente. Um dos meios que a Contabilidade pode utilizar para ajudar a promover o bem-estar social é o chamado Balanço Social, haja vista que nesse tipo de relatório a empresa se abre ao diálogo com os diversos agentes que, direta ou indiretamente, contribuem para o sucesso dos negócios. De modo específico, o referido Balanço pode: contribuir para estimular posturas éticas e transparentes no âmbito corporativo, divulgar a contribuição que a empresa presta ao desenvolvimento de pesquisas e tecnologias, subsidiar negociações com empregados, contribuir para democratizar as relações com os públicos interno e externo, fortalecer as bases de confiança e transparência entre a empresa e os stakeholders e ainda permitir acompanhamento da evolução do processo de responsabilidade social da empresa.
das informações que se pretende veicular. Nesse sentido, recomenda-se evitar o uso de termos excessivamente técnicos e considerar a necessidade de recorrer a outros recursos de evidenciação, tais como gráficos, tabelas etc. Além disso, a Teoria da Comunicação fornece metodologia útil para avaliar a eficácia do ato comunicativo, uma vez que permite identificar os fatores que influenciam a fidelidade da comunicação. Ela possibilita entender como se desenvolve o processo de comunicação e facilita a identificação dos elementos críticos para o êxito do ato comunicativo. No que se refere à Semiótica, sua principal contribuição se expressa nas teorias que evidenciam o processo de construção dos significados. Uma delas é a Teoria dos Signos, segundo a qual os significados não são propriedades das palavras, mas faculdades mentais dependentes do contexto e de outros referenciais cognitivos. Outra importante contribuição da Semiótica é fornecida pela chamada Teoria da Percepção. Com essa teoria, pode-se entender, por exemplo, que as informações contábeis só poderão ser aproveitadas pelos diversos estratos de usuários quando eles se tornam conscientes de sua relevância. Isso exige, por parte da empresa, amplo conhecimento das expectativas e necessidades dos diversos agentes que com ela se relacionam. Dada a influência que a Contabilidade pode exercer em relação ao desenvolvimento e à manutenção da ordem social, recomenda-se que os órgãos de classe e instituições responsáveis pelo desenvolvimento e divulgação do saber contábil continuem estimulando a publicação de relatórios que contemplem informações de natureza social. Além disso, recomenda-se que estudos sejam realizados no sentido de verificar até que ponto as demonstrações contábeis fornecem informações dessa natureza e se são compreensíveis aos diver sos públicos a que se destinam.
A contribuição que a Semiótica e a Teoria da Comunicação podem oferecer para potencializar o papel da Contabilidade como instrumento de construção da ordem social pode se manifestar em diversos aspectos. Um dos principais diz respeito à clareza necessária à informação. A variedade de públicos que poderão fazer uso do Balanço Social, por exemplo, exige que ele seja elaborado com muita clareza, para facilitar o entendimento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 23/05/2012
15
Referências ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, UNICAMP, 1992. AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO SUDOESTE DO PARANÁ. Transição agroecológica em sistemas familiares de produção: construindo desenvolvimento social, econômico e ambiental. Francisco Beltrão, 2008. ALVES, L. R.; FERRERA DE LIMA, J.; PIFFER, M. Dinamismo setorial diferenciado no oeste e no sudoeste do Paraná. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, Recife, PE, v. 3, p. 128-153, 2009. Disponível em: <www.estudosregionais.org.br>. Acesso em: 22 mar. 2012. BATALHA, M. O. (Coord.). Gestão agroindustrial. Ribeirão Preto, Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais; São Paulo: Atlas, 1997. BEDUSCHI FILHO, L. C.; ABRAMOVAY, R. Desafios para o desenvolvimento das regiões rurais. Nova Economia, Viçosa, MG, v. 14, n. 3, p. 35-70, set./dez. 2004. BONAMIGO, C. A.; SCHNEIDER, C. R. Revisitando a história: a revolta dos posseiros de 1957 no Sudoeste do Paraná. Francisco Beltrão: Grafisul, 2007. BUARQUE, S. C. Construindo o desenvolvimento local sustentável: metodologia de planejamento. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. CALLADO, A. A. C. Agronegócio. São Paulo: Atlas, 2006. DALLABRIDA, V. R. O desenvolvimento regional: a necessidade de novos paradigmas. Ijuí: Unijuí, 2000. FERRERA DE LIMA, J. Integração e desenvolvimento regional: elementos teóricos. Ideação: revista do Centro de Educação e Letras, Foz do Iguaçu, PR: Unioeste, v. 12, p. 9-20, 2010. Disponível em: <www.unioeste.br/saber>. Acesso em: 12 mar. 2012. ______ et al. Mudanças estruturais da ocupação da mão-de-obra na economia regional do sudoeste paranaense no início do século XXI. Revista Brasileira de Gestão Urbana (URBE), Curitiba, v. 1, p. 137-150, 2009. Disponível em: <www.pucpr.br/urbe>. FRANCISCO BELTRÃO. Prefeitura. Secretaria da Agricultura, 2010. Disponível em: <www.franciscobeltrao.pr.gov.br>. Acesso em: 23 nov. 2012. GIRALDELLO, F. Análise da agroindústria familiar como alternativa de entrave ao êxodo rural na microrregião de Francisco Beltrão – PR. Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Francisco Beltrão, 2010. IBGE. Censos Demográficos, 2006. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2012.
16
INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Perfil da região geográfica do sudoeste paranaense. Disponível em: <www.ipardes.gov.br>. Acesso em: 21 maio 2012. JOHNSTON, B. F.; KILBY, P. Agricultura e transformação estrutural: estratégias econômicas de países em desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MIOR, L. C. Trajetórias das agroindústrias familiares rurais no estado de Santa Catarina (Brasil). In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE LA RED SIAL, 4., 2008, Mar Del Plata,Argentina. Anais... Mar del Plata, 2008. OLALDE, A. R. Agricultura familiar e desenvolvimento sustentável. 2010. Disponível em: <www.ceplac.gov.br/radar/artigos/artigo3.htm>. Acesso em: 21 maio 2012. OLTRAMARI, S. O administrador e a gestão de agroindústrias: desafios e oportunidades. In: SEMANA DE ADMINISTRAÇÃO E II MOSTRA CIENTÍFICA, 3., 2005, Francisco Beltrão, PR. Anais... Francisco Beltrão: Unioeste, 2005. RUIZ, M. S. et al. Agroindústria familiar de Londrina-PR. 2010. Disponível em: <www.bnb.gov.br/.../Agroindustria%20Familiar%20de%20Londrina-PR.PDF>. Acesso em: 21 maio 2012. SANTOS, R. A. dos. O processo de modernização da agricultura no sudoeste do Paraná. 2008. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/pos/geo/dis_teses/08/roselialves.pdf>. Acesso em: 21 maio 2012. SAQUET, M. A.; SANTOS, R. A. dos. Geografia agrária, território e desenvolvimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010. SAVOLDI, A.; CUNHA, L. A. Uma abordagem sobre a agricultura familiar: Pronaf e a modernização da agricultura no sudoeste do Paraná na década de 1970. 2010. Disponível em: <www.ser.ufpr.br/geografar/Revista Geografar ISSN: 1981 – 089X>. Acesso em: 21 maio 2012. SCHNEIDER, S. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003. SILVA, J. G. da. Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003. STOFFEL, J. A. A viabilidade da agricultura familiar: formas de organização produtiva no oeste do Paraná. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Toledo, 2004. TASCHETTO, P. R.; WALKOWICZ, J. Gestão das unidades artesanais na agricultura familiar: uma experiência no Oeste do Paraná. Cascavel: Edunioeste, 2007. TOMASETTO, M. Z. C.; FERRERA DE LIMA, J.; SHIKIDA, P. F. A. Desenvolvimento local e agricultura familiar: o caso da produção de açúcar mascavo em Capanema-Paraná. Interações, Campo Grande, MS, v. 10, p. 21-30, 2009. Disponível em: <www.ucdb.br>. Acesso em: 21 maio 2012.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 6 - 17, jan./jun. 2013
17
Contribuiçþes das ciências sociais e humanas no estudo do consumidor Contributions of social sciences and humanities to consumer study
Contribuições das ciências sociais e humanas no estudo do consumidor Contributions of social sciences and humanities to consumer study André Francisco Alcântara Fagundes1 Caissa Veloso e Sousa2 Danilo de Oliveira Sampaio3 Marlusa Gosling4
Resumo
O objetivo desta pesquisa é trazer à tona uma discussão teórica acerca do tema comportamento do consumidor, considerando as contribuições de diferentes áreas para o seu estudo. Nesse sentido, abordaram-se campos teóricos distintos, como Antropologia, Sociologia, História e Psicologia. As contribuições da Psicologia relacionam fatores individuais, sociais e de informação como pré-requisitos para as atitudes que influenciam o comportamento do consumidor. De forma diferenciada, a Sociologia considera o comportamento do consumidor como um fenômeno social, além da perspectiva da racionalidade econômica de maximização da produção por meio da destruição da utilidade. Ressalta-se, nesse aspecto, que o consumo constitui um assunto complexo, envolvendo indivíduos e organizações. Na perspectiva da História, o prazer de possuir a mercadoria transforma a vida das pessoas e proporciona percepções diferenciadas de status em relação a outros indivíduos. Se considerada a perspectiva da Antropologia, consumo e comportamento são fatores influenciadores da cultura, entendida como um modo próprio de ser do homem em coletividade, o que, vis-à-vis, constitui os estudos de marketing. Esta pesquisa procurou apresentar uma reflexão em termos de reforço teórico, a partir de autores seminais e contemporâneos. Nesse sentido, entende-se que o conhecimento no marketing tem recebido contribuições de diversas áreas, além de seu próprio desenvolvimento como campo de estudo. Porém, dada a necessidade de delimitação de um escopo de pesquisa, o presente trabalho se limitou a analisar suas interações e interconexões com a Psicologia, a Antropologia, a Sociologia e a História. Palavras-chave: Comportamento do Consumidor. Sociologia. Antropologia. História. Psicologia.
Abstract The objective of this study was to elicit a theoretical discussion on the topic of consumer behavior, considering the contributions of different areas for that topic. With regard to that, we dealt with different theoretical fields such as anthropology, sociology, history and psychology. The contributions of psychology consider individual, social and information factors as prerequisite to the attitudes that influence consumer behavior. Differently, sociology considers consumer behavior as a social phenomenon, beyond the perspective of economic rationality to maximize production through the destruction of utility. In this respect, it is noteworthy that consumption is a complex issue, involving individuals and organizations. From the perspective of history, the pleasure of owning goods transforms people’s lives and provides different perceptions of status in relation to other individuals. If we take the perspective of anthropology, consumption and behavior are factors that influence the culture, understood as a distinct way of being in society, which constitutes the marketing studies for the homogeneous social groups. This research sought to present a reflection in terms of enhancing theoretical discussion, based on seminal and contemporary authors. In this sense, it is understood that knowledge in marketing has received contributions from several areas throughout its own development as a field of study. However, given the need for defining a scope of research, this study was limited to analyzing its interactions and interconnections with psychology, anthropology, sociology and history. Keywords: Consumer Behavior. Sociology. Anthropology. History. Psychology.
Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professor da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia (FAGEN/UFU). E-mail: andrefagundes@fagen.ufu.br. 2 Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professora da Faculdade Novos Horizontes, BH-MG. E-mail: caissaveloso@yahoo.com.br. 3 Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACC/UFJF). E-mail: danilo.sampaio@ufjf.edu.br. 4 Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD/UFMG). Professora da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da UFMG/CEPEAD. E-mail: mg.ufmg@gmail.com. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
19
Introdução Ao falar de consumo, algumas questões podem ser levantadas: o cenário atual da sociedade em relação à demanda de bens e serviços, o incentivo financeiro disponível via crédito bancário, fatores influenciadores da ação do consumidor, influências conscientes e inconscientes do consumo, aspectos simbólicos que permeiam as relações de consumo, diferenças entre valor de uso e valor de troca dos bens, existência de bens substitutos, entre outros. Sob o retrato econômico, o fato é que a sociedade brasileira atravessa um momento oportuno para o consumo das famílias e das empresas. O contexto macroeconômico e as políticas sociais, fiscais e econômicas do Estado têm possibilitado maior poder de compra para a população. Como resultado, presencia-se no Brasil elevação do volume de vendas, principalmente no varejo, que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), apresentou aumento de 0,8% no volume de vendas e 0,6% na receita nominal se comparado o mês de abril de 2012 com o mesmo mês do ano anterior. Outros fatos econômicos que merecem destaque no caso do Brasil são os investimentos produtivos, o comércio interno mais forte e a solidez do sistema bancário, mesmo diante da crise que assola a Europa. Segundo relatório de evolução do crédito, divulgado pelo Banco Central do Brasil (BACEN), o saldo em empréstimos totais, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), vem apresentando crescimento contínuo, saindo de 30,2% em 2006 para 46,4% em 2010 (TAB. 1) (BACEN, 2008, 2010).
Tendo em vista a evolução do crédito total, segundo o BACEN (2008, 2010), justificam-se, por parte das organizações, pesquisas que procuram compreender como o consumidor se comporta em relação às compras, em especial no segmento das classes emergentes, que recentemente aumen tou sua demanda por bens e serviços (PRAHALAD, 2010). Nesse contexto, ressalta-se que entender e pesquisar o comportamento dos con sumidores exige esforço além do entendimento econômico, que, por ora, não faz parte do escopo deste trabalho. Compreender como a cultura interage de forma variada em diferentes locais, descobrir como o indivíduo compra bens e serviços quando está só ou em grupos e entender melhor o comportamento dos consumidores antes da compra (planejamento consciente ou inconsciente), durante a compra (processo de experimentação) e após a compra (resposta, recompra e descarte dos produtos) são preocupações importantes para acadêmicos e gestores de marketing (Engel; Blackwell; Miniard, 2000; ZALTMAN, 2003, 2008). A microeconomia, em específico o campo de estudo do comportamento do consumidor, que discute “como os consumidores tomam suas decisões de compra e como eles enfrentam os tradeoffs e as mudanças no seu ambiente” (CARVALHO, 2009, p. 27), apresenta contribuições fundamentais para o marketing, que permeiam tanto seus estudos seminais quanto as abordagens contemporâneas (DAMODARAN, 2009; HUNT, 2003, 2011; PINDYCK; RUBINFELD, 2004; PINTO; LARA, 2007, 2010; SHETH; GARDNER; GARRET, 1988).
TABELA 1 — Evolução do crédito total Variação (%) Discriminação
2006
2007
2008
2009
2010
R$ (bilhões) t-1 t-5
Total
732,6
936,0
1227,3
1.414,30
1.705,80
20,6
133,0
Recursos livres
498,3
660,8
871,2
954,50
1.116,00
16,9
124,0
Recursos direcionados
234,3
275,2
356,1
459,80
589,80
28,3
152,0
Total PIB
30,2
34,2
41,3
44,4
46,4
Recursos livres/PIB
20,6
24,1
29,3
30,0
30,4
Recursos direcionados/PIB
9,7
10,1
12,0
14,4
16,0
Participação (%)
FONTE: Banco Central do Brasil (2008, 2010)
20
A cultura tem a sua própria lógica e dá ao homem características de comportamento que vão além do comportamento animal. O pensar referente à cultura é articular uma compreensão do mundo por meio da linguagem, individual ou coletivamente. Outro campo do conhecimento que tem apresentado contribuições para os estudos sobre comportamento do consumidor é a Neurociência, que, por meio de experiências inovadoras utilizando técnicas não evasivas de neuroimagem e neurofisiologia central e periférica, demonstra ser possível monitorar quais áreas do cérebro se mostram mais excitadas diante de uma marca, sabor ou conjunto de atributos de um produto (ZALTMAN, 2003). Esse novo campo do conhecimento é denominado Neuromarketing. Ainda, o próprio marketing apresentou avanços importantes na construção do conhe cimento, especialmente na segunda metade do século XX e início do século XXI (HUNT, 2003, 2011; GUMMERSSON, 2010; SHETH; GARDNER; GARRET, 1988). Contudo, dada a necessidade de delimitar o escopo do estudo, optou-se por apresentar uma interconexão considerando a contribuição das seguintes áreas do conhecimento para o marketing: Psicologia, Antropologia, Socio logia e História. O estudo do comportamento do consu midor é uma das escolas de marketing mais tra dicionais e academicamente sedimentadas na área de Administração. Contudo, o seu estudo tem despertado interesse de pesquisadores oriundos de outras áreas acadêmicas, como Sociologia, Psicologia e História, entre outras, o que acaba por estabelecer uma multidisciplinaridade do tema e,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
por consequência, traz diferenças em visões e po sicionamentos (SHETH; GARDNER; GARRETT, 1988). Holbrook (1987, p. 131) discute o significado ontológico da pesquisa do consumidor e chega à conclusão de que ele representa o “[...] estudo dos processos onde há aquisição, uso e disposição de todos os tipos de produtos que têm valor para aquilo que o homem deseja”. O autor comenta que a vida é um contínuo consumo e que envolve atividades que visam a algum objetivo, satisfação de necessidades e desejos. Como forma de contribuir para melhor entendimento da evolução do estudo do comportamento do consumidor, o presente trabalho teve como objetivo explorar diferentes correntes teóricas nas Ciências Sociais e Huma nas como forma de fornecer subsídios e infor mações que sejam relevantes aos estudiosos e pesquisadores da área. Após a apresentação das contribuições da Antropologia, História, Socio logia e Psicologia, nas considerações finais, são apontados os pontos-chave da pesquisa biblio gráfica empreendida. Em relação à metodologia, quanto aos fins, esta pesquisa se caracteriza como descritiva, uma vez que procura interpretar a realidade sem nela interferir (CHURCHILL JR., 1987). Quanto aos meios, a pesquisa se classifica como bibliográfica, a partir do levantamento de obras que trataram do tema em questão, a partir da abordagem de distintas áreas do conhecimento.
1
Contribuições da Antropologia para o Estudo do Comportamento do Consumidor
A Antropologia enquanto ciência, ao contrário da Psicologia, geralmente é utilizada com menor intensidade em estudos sobre o comportamento do consumidor, contudo dispõe de pressupostos teóricos importantes para esse tipo de pesquisa. Um desses pressupostos é o conceito de cultura:
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
21
[...] cultura é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou menos coerente de pensar, agir, fazer, relaciona-se, posicionar-se perante o Absoluto, e, enfim reproduzir-se (GOMES, 2008, p. 36).
Para Gomes (2008), a cultura tem a sua própria lógica e dá ao homem características de comportamento que vão além do comportamento animal. O pensar referente à cultura é articular uma compreensão do mundo por meio da linguagem, individual ou coletivamente. Na Antropologia, reconhece-se a existência de sociedades nas quais o nível social dos indivíduos, incluindo bens materiais e simbólicos, é desigual, caracterizado pelo capitalismo comoclasse social. Para a pesquisa do consumidor, sig nifica que as diferenças entre comportamentos de indivíduos de classes sociais diferentes devem ser tratadas de maneira específica.
mais complexa que passam a governar” (ROCHA; BARROS, 2004, p. 1).
A antropologia do consumo emerge como um novo braço da Antropologia a partir da década de 1970, com os estudos de André Leroi-Gouham e os de Mary Douglas e Edward Hall (PINTO; LARA, 2010).
Nessa perspectiva, destaca-se a afirmação de Douglas e Ishewood (2009, p. 149), de que “o homem é um ser social. Nunca poderemos explicar a demanda olhando apenas para as propriedades físicas dos bens. O homem precisa de bens para se comunicar com os outros e para entender o que se passa à sua volta”. Assim, pode-se considerar, tratando-se de consumo, um comportamento não racional em algumas situações. Corroborando com esse pensamento, Featherstone (1997, p. 31) afirma que “é importante focalizar a questão da proeminência cada vez maior da ‘cultura’ de consumo, e não simplesmente considerar que o consumo deriva inequivocamente da produção”. Tal fato se derivaria dos modos socialmente estruturados de usar bens para demarcar as relações sociais, que o autor chama de “lógica do consumo”, situação análoga à “lógica do capital”, derivada da produção.
Para a Antropologia, o valor do capital não é primordial no comportamento do consumidor, há algo além que influencia e motiva a compra. “O consumo só se reduz a um fato econômico, algo capaz de equalizar a todos pela via da posse do dinheiro, até à fronteira do preço de entrada, pois a partir daí são diferenças de uma ordem
Nos estudos relacionados à Antropologia na área de comportamento do consumidor, propagou-se o método etnográfico. Elliott e Jankel-Elliott (2003) apontam que a etnografia trouxe interesse de acadêmicos de marketing por ter a facilidade de aproximar o pesquisador do consumidor, enten dendo este como um ser social. Rocha e Barros
Veblen (1965) foi um dos responsáveis por inserir o consumo como parte integrante da cultura, e não apenas considerá-lo uma consequência da produção, como ditam os economistas. Migueles (2007), ao estudar as ligações entre Antropologia, Sociologia e Marketing, relata a importância da primeira para os estudos de comportamento do consumidor: A antropologia do consumo nos permite compreender não apenas os atos de compra, mas toda a sociabilidade contemporânea, a motivação do homem no trabalho, os significados que ele cria para a sua vida, a forma como percebe as ameaças à sua família [...] e até mesmo como se manifesta politicamente (MIGUELES, 2007, p. 10).
22
O consumo só se reduz a um fato econômico, algo capaz de equalizar a todos pela via da posse do dinheiro, até à fronteira do preço de entrada, pois a partir daí são diferenças de uma ordem mais complexa que passam a governar.
(2004, p. 14) reforçam a etnografia enquanto método, pois, para os autores, “permite conhecer as formas pelas quais os grupos sociais atribuem significados aos produtos e serviços, dando-lhes sentido diferenciado, incluindo-os ou excluindo-os de suas vidas”.
2
Contribuições da História para o Estudo do Comportamento do Consumidor
Antes de adentrar na abordagem acerca das contribuições da História para o estudo do comportamento do consumidor, é importante justificar sua pertinência. Segundo a Associação Brasileira do Ensino da História (ABEH, 2012), a História é um campo do conhecimento que extrapola o saber histórico, enveredando em um campo epistemológico mais complexo, envolvendo culturas, saberes, relações de poder, tradições, entre outros aspectos. Barros (2004) argumenta que nas últimas três décadas, percebe-se uma fragmentação do estudo da História, a partir de dimensões e abordagens distintas, representando uma invasão de fronteiras, com afinidades e interconexões possíveis. Nessa perspectiva, alguns estudiosos da História adentram em campos do conhecimento como a Sociologia e a Economia. O consumo, interesse deste trabalho, não é privilégio da sociedade contemporânea. Sob o ponto de vista histórico, ele é um aspecto que contribuiu para uma verdadeira mudança social, principalmente a partir do século XVII (MCCRACKEN, 2003). Entretanto, o autor considera que a área acadêmica não deu a devida atenção ao desenvolvimento do consumo, pois a concentração teórica ficou mais nas análises das revoluções legal, econômica e industrial. Nesse sentido, pode-se considerar que o consumo não pos sui, de fato, uma história determinada, mas sim uma história recente, possivelmente pré-paradigmática, de acordo com Kuhn (1987).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
McKendrick Brever e Plumb (1982) apontam o surgimento da revolução do consumo na Inglaterra do século XVIII. O consumo era visto como um mal necessário nessa época, em que os nobres compravam por luxo, e os pobres, para a sobrevivência. Williams (1982) diz que o consumo iniciou na França do século XIX, enquanto Mukerji (1983) destaca o consumo na Inglaterra dos séculos XV e XVI. Esses pesquisadores, independentemente das opiniões formadas a respeito de datas, mostram a importância do consumo frente às mudanças sociais, contribuindo para o entendimento do que venha a ser o consumo moderno. Tendo em vista uma visão histórica mais delineada da revolução do consumo, optou-se em seguir aquilo que McCracken (2003, p. 30) chama de “três momentos da história do consumo”, sendo eles: (i) o boom do consumo na Inglaterra do século XVII; (ii) o consumo no século XVIII; e (iii) o consumo no século XIX. No consumo inglês do século XVII, de acordo com McCracken (2003), a nobreza inglesa gastava em alta escala, nos jantares, no vestuário e nas residências, principalmente motivada pela Rainha Elizabeth I, a qual simpatizava com aqueles que demonstravam lealdade por meio de transferência de recursos. Os nobres ingleses apresentavam um excessivo consumo nas viagens à corte como manutenção de status quo. O fundamental era ostentar o luxo, enquanto o trabalho ficava para as classes inferiores. O objetivo desse novo padrão de despesa era fazer da corte, nas palavras de McCracken (2003, p. 30-31):
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
Uma espécie de desfile, de espetáculo teatral... e, com luxúria, um meio de governar. Confrontada por extraordinárias dificuldades dentro e fora do reino, Elizabeth explorou o poder hegemônico expressivo das coisas que foi usado pelos governantes ingleses desde sempre. Os objetos, especialmente no contexto de uma corte fortemente cerimonial, podem se prestar a comunicar a legitimidade do monarca para governar, aspirações para o governo, qualidades de poder e de majestade e, finalmente, um status divino conforme um indivíduo é visto progressivamente em termos míticos, religiosos e literários. O simbolismo supercarregado da corte monárquica, da hospitalidade e do vestuário converteu-se na oportunidade para a persuasão e a instrução políticas.
23
McCracken (2003) aponta ainda que a nobreza se viu obrigada a consumir bens como símbolo de status e poder, o que a tornou escrava do consumo. Campbell (1983) aponta o consumo voltado para uma definição considerada romântica do self. Assim, o indivíduo é visto como consumidor voraz, e não apenas como aquele integrante que consome aquilo que a família está disposta a ter. A transformação do consumo, de acordo com McKendrick et al. (1982), ocorreu a partir no século XVIII, no qual o autor destaca o nascimento da sociedade do consumo, iniciando, assim, a cultura de consumo moderno. No século XVIII, a competição social foi determinante na Inglaterra, pois a nobreza queria ter uma mobilidade social vertical por meio do consumo e do gasto (SIMMEL, 1904; VEBLEN, 1912). Para esses autores, o consumo e a cultura no ocidente estavam intrinsecamente ligados. McKendrick et al. (1982) observaram um desenvolvimento do marketing devido ao despertar do consumo individualizado, no qual a moda era ajustada e interpretada às classes inferiores, tendo na alta nobreza sua inspiração simbólica.As revistas de moda, os mascates escoce-ses e o comércio varejista de Londres incentivaram o acesso a novos produtos e informações às províncias, segundo McKendrick et al. (1982). Já ocorria a ligação do
O objetivo simbólico da estética do século XIX era demonstrar tudo distante do comum, e assim se observava a arte, a comunicação e a estética tentando passar um mundo de sonhos, o que repercutia na criação de uma nova organização de vida social, antes inimaginável. 24
comportamento do consumidor com o simbolismo, os burgueses das províncias se vestiam como os nobres das grandes cidades, o que lhes conferia status, glamour e poder. O número maior de pessoas aptas a serem consumidoras foi também uma causa do consumo maior no século XVIII, daí a expressão “consumo de massa”. McCracken (2003) destaca no século XVIII mudanças nas propriedades simbólicas dos bens de consumo, assumindo os significados de mobilidade social. O bem de consumo passa a ser nessa época um objeto de moda, o qual, por sua vez, migrou para a categoria de design. Quanto mais o indivíduo possuísse bens de consumo com design, mais ele seria hierarquicamente encaixado em uma classe social elevada. Chegando a revolução e a transformação do consumo ao século XIX, este foi visto como algo já estruturado na vida social. Sociedade e consumo viram-se interligadas no século XIX, conforme destaca McCracken (2003). O boom de consumo dá lugar a uma relação dinâmica, na qual uma mudança social implica uma mudança de consumo, e vice-versa. O consumo moderno é dado em diferentes tipos de arenas, derivados dos diferentes estilos de vida dos indivíduos. Williams (1982) mostra essa transformação do consumo na França, onde ele migrou da nobreza para locais públicos; alfaiates que apenas atendiam os nobres passaram a ter suas lojas próprias em ambientes públicos, e o mesmo ocorreu com os chefs, que abriram seus restaurantes nas cidades. Para Williams (1982), o objetivo simbólico da estética do século XIX era demonstrar tudo distante do comum, e assim se observava a arte, a comunicação e a estética tentando passar um mundo de sonhos, o que repercutia na criação de uma nova organização de vida social, antes inimaginável. McCracken (2003) destaca a posse do meio de comunicação, pois, com essa ferramenta, a linguagem do consumo de massa seria uma técnica-alvo para dar aos consumidores um mundo de sonhos, com as lojas de departamento, as exposições e o cinema como mídias exploradas na França do século XIX.
As mídias exploravam estímulos persuasivos e informativos, o que provocava, segundo Williams (1982), um desejo de participação, e não apenas de compra imediata de bens. O autor traz atenção especial às lojas de departamento na França, que convidam os consumidores a um novo padrão de interação, inclusive com a introdução do crédito, pelo qual o consumidor poderia comprar em prestações aquilo que antes não era possível, realizando um verdadeiro sonho de consumo. Interessante esse fato, pois hoje no Brasil observam-se as classes de menor poder aquisitivo nesse movimento de consumo devido ao crédito mais fácil, conforme visto na introdução deste artigo. Nesse sentido, pode-se citar Bourdieu (1984) no que se refere ao mundo social, no qual o indivíduo está enquanto consumidor representado na forma de espaço, ou seja, na loja de departamento, a qual possui um campo de forças, em que consumidor e varejo definem suas posições. No século XIX na França, a posição do consumidor era vista em desvantagem com relação à barganha com o varejista. Para McCracken (2003), outro fato im portante no século XIX foi observar que os bens vendidos pelas lojas de departamento davam expressão material a valores da burguesia, fornecendo aos consumidores das classes inferiores uma realidade simbólica. Para o autor, a loja de departamento tornou-se um locus físico e um lar institucional. Remete-se aqui ao que Durkheim (2000) alegava, ou seja, a sociedade leva os indivíduos para um lugar antes inimaginável. No caso do consumo moderno, visto sob o ângulo deste artigo, o lugar a que se refere Durkheim (2000) pode ser interpretado como as lojas de departamento e shopping centers, verdadeiras apoteoses do consumo. A afirmação “compro, logo existo (socialmente)” é compreensível do ponto de vista que o autor nos coloca. A partir da metade do século XX, a pós-modernidade vem com o discurso da superação da modernidade, frente às mudanças de caráter tecnológico advindas com a globalização dos mercados e ideias, que fizeram o repensar da
Rev.
FA E ,
C uritiba,
sociedade como um todo. Para Bauman (1999, 2001), a realidade passa a ser ambígua sob várias formatações. O indivíduo torna-se autônomo e livre em uma sociedade fragmentada e na consequente fragmentação do consumo. Surge um novo varejo, o varejo eletrônico, que é “virtual”. Com relação ao consumo pós-moderno, a ele é dado valor por meio da Antropologia do consumo, que, segundo Cova (1997), permite uma ampliação do conceito de conexão de valores – ou link value. Keen (2009) faz uma crítica ao consumo da atualidade, em que o consumidor internauta busca na Web 2.0 (uso da internet de alta velocidade em banda larga que torna e legitima o anonimato total do usuário) relacionamentos, informações e produtos a qualquer custo, independentemente do conteúdo verídico ou não de tais informações. A internet deixou de ser uma ferramenta de geração de conhecimento para ser uma propaganda individual, pela qual os próprios usuários se vangloriam em blogs particulares ou redes sociais, divulgando suas habilidades, notícias e “cultura”. O mesmo autor cita os “cleptomaníacos intelectuais”, ou seja, aqueles que recortam e colam ou copiam e colam de tudo na internet e transformam essas colagens em algo particular, próprio. Para o autor, o culto do amador (amador enquanto consumidor que adquire qualquer produto, mesmo sendo este um produto ilícito) desperta na sociedade uma nova categoria pós-moderna de consumidor.
3
Contribuições da Sociologia para o Estudo do Comportamento do Consumidor
As pessoas vivem em sociedade e mantêm relações entre si baseadas nos valores sociais. O convívio com colegas de trabalho, parentes e vizinhos é uma forma de contato que estabelece experiências cotidianas. No momento da interação
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
25
interpessoal, são estabelecidos papéis e posições sociais de cada indivíduo, que, dependendo do relacionamento, vão estabelecer a formação de um novo grupo com valores específicos. Nesse sentido, Rocha (2009, p. 41) considera que “valores sociais são crenças amplas e duradouras desejáveis para a formação de atitudes e a adoção de estilos de vida com impacto no comportamento”. Rocha (2009, p. 42) sinaliza para o medo da desaprovação social, a qual “faz com que os consumidores se orientem pelas preferências, gostos e tendências aprendidos no convívio social e disseminados pela mídia, que alargou seus círculos sociais para além da família e classe social”. Com a socialização, o marketing tem que apoiar suas estratégias no grupo, e não somente no indivíduo, uma vez que as pessoas consomem porque outros consomem, sendo os valores do grupo e dos outros o motivo de sua compra. A escravização do consumo é um fato preocupante, a mídia e o mercado funcionam como forças maiores, forçando o consumo daquilo que não é desejado individualmente, mas sim coletivamente (ROCHA, 1985). Para Bauman (2008, p. 20), “na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar [...] as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável”. A vida para o consumo transforma as pessoas em mercadorias. O indivíduo necessita e é estimulado pela sociedade a sair da monotonia e integrar-se a um grupo. Nesse contexto, sugere-se que a pesquisa de comportamento do consumidor, mais uma vez, apresente um olhar especial às tendências de grupos sociais e aos objetos e desejo desses grupos. A participação dos indivíduos em grupos sociais que dividem universos simbólicos comuns, conforme apontado por Berger e Luckmann (2002), remete as pessoas a uma visão do consumo pós-moderno, no qual as “tribos”, enquanto novas formas de grupos, são alvos de pesquisas de marketing. Quando alguém compra determinado produto em companhia de outro, este não se vê comprando 26
O estilo de vida de personagens de programas de televisão, novelas, filmes e comerciais aliena as pessoas e formata um consumo baseado na “hiper-realidade” e na “sociedade do espetáculo”.
aquele mesmo produto, mas com o intercâmbio contínuo entre os dois indivíduos, o outro, que não tinha interesse na compra, pode passar a tê-lo. Nos jovens, é mais fácil verificar esse compartilhamento social, resultando na compra e no uso dos mesmos tipos de confecções e marcas de celulares e demais bens que identificam um grupo. De acordo com Baudrillard (1968, 2008), o interesse pelo consumo de bens materiais tem dado lugar ao consumo de representações na sociedade contemporânea. O estilo de vida de personagens de programas de televisão, novelas, filmes e comerciais aliena as pessoas e formata um consumo baseado na “hiperrealidade” e na “sociedade do espetáculo”. A cultura pós-moderna é representada pelos signos, confirmando a desmaterialização das mercadorias. Assim, mar cas globais ditam o padrão de escolha dos consumidores. Levy (1959) aponta que o consumidor compra símbolos, e não apenas um produto ou serviço. Para o autor, o valor simbólico é avaliado pelo consumidor como aquilo que o representa perante a sociedade. O prazer do consumo coloca o indivíduo em um mundo significativo, no qual o grupo social o reveste de simbolismos. Dessa forma, o “habitus
socialmente constituído”, ao qual Bourdieu (1974) se referiu, é plenamente aceito e utilizado com interesses mercadológicos pelas organizações. O habitus, nesse contexto, é o ambiente em que o indivíduo interage com o grupo social e no qual emergem sentimentos e expectativas entre as pessoas. Todos
4 Contribuições da Psicologia para o Estudo do Comportamento do Consumidor
os atores envolvidos no habitus possuem tendência de adquirir os mesmos bens e serviços. Na visão mais pontual do comportamento do consumidor, a dimensão social é entendida quando se segmentam os indivíduos em classes sociais. Sheth, Mittal e Newman (2001) ampliam o escopo do comportamento do consumidor ao referirem que as organizações devem buscar a criação do valor para o consumidor por meio de administração da lealdade e notoriedade de marca. Nesse caso, observa-se na sociedade o signo como sendo a própria marca, a qual traz como valor de troca simbólica aquilo que ela representa para o consumidor. Para Lipovetsky (2005), isso pode se comparar à abordagem de Max Weber aos tipos de legitimidade: racional-legal (representada pelas
organizações,
burocracia),
tradicional
e
carismática. Nesse aspecto, a legitimidade das marcas estaria ancorada na legitimidade tradicional (representando a tradição destas) e na legitimidade carismática (a partir de sua criação). Concomitantemente
à
abordagem
de
Lipovetsky (2005), Barbosa e Cambell (2006) argumentam que Weber favorecia em sua teoria o consumo como algo frugal, respectivo ao conforto básico, e não aquele associado a luxos e desejos, uma vez que, para o sociólogo, o consumo evidenciava um perfil negativo, ameaçador à ética capitalista protestante. Assim, reforça-se novamente a importância da
Sociologia
como
fonte
importante
para
acadêmicos que pesquisam o consumidor, pois é na sociedade que o consumo ocorre, por meio de grupos e espaços sociais, os quais formam estereótipos e simbolismos que, ao final, podem refletir em toda cadeia produtiva.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A contribuição da Psicologia é frequente nos estudos sobre comportamento do consumidor. Calder e Tybout (1987) destacam três tipos de conhecimentos que devem ser entendidos sobre os consumidores nas pesquisas: (i) conhecimento diário; (ii) conhecimento científico; e (iii) conhecimento interpretativo. O conhecimento diário a respeito do consumidor implica o estudo da sua vida social, tanto na convivência com a família quanto com amigos e outros grupos (procura-se por dados). O conhecimento científico envolve a metodologia falsificacionista, conforme visto em Lakatos (1970) e Popper (1959), no qual a observação empírica induz a determinada teoria (dados levam à teoria). Por sua vez, o conhecimento interpretativo implica a metodologia relativista no âmbito social, que, no caso do comportamento do consumidor, pode ser apreciado em contribuições relativas a diversas áreas do conhecimento, como Psicologia, Antropologia, História, Economia, entre outras. O conhecimento interpretativo estuda a semiótica e o simbolismo (dados levam a argumentos) (CALDER; TYBOUT, 1987). Na Psicologia, são estudadas as intenções de compras conscientes e as inconscientes (LINDISTROM, 2007, 2008, 2009; ZALTMAN, 2003). Bargh (2002) acredita que muito do julgamento social e comportamental ocorre sem intenção ou deliberação consciente. Para o autor, há duas formas de influência inconsciente no comportamento: (1) forma subliminar: quando não existe consciência da compra; e (2) forma supraliminar: quando existe consciência da compra, mas não consciência do potencial de influência. No modelo de comportamento do consu midor de Howard e Sheth (1969), são vistas cinco
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
27
relações _ (i) estímulos: de marketing, simbólicos, sociais; (ii) esquemas perceptuais: atenção e viés perceptual; (iii) esquemas de aprendizado: motivos, atitudes, intenção; (iv) compra; e (v) satisfação. Os autores apontam como momento inicial do comportamento do consumidor os estímulos sim bólicos e sociais, os quais vão dar início ao processo de tomada de decisão de compra. Destaca-se que, no marketing, o simbolismo é visto como um elemento emocional associado ao produto. Além do conhecimento, a Psicologia desen volveu estudos relativos sobre a influência das atitudes humanas no comportamento. Para Ajzen e Fishbein (2005), as pessoas agem de acordo com as suas atitudes, destacando-se: (a) atitudes gerais — ocorrem sobre objetos físicos, raciais, étnicos, grupos específicos, instituições, políticas e eventos; e (b) atitudes de comportamentos específicos — ocorrem de acordo com ocasiões, como numa visita a um parque ecológico. A Psicologia social entende que as atitudes influenciam o comportamento individual, con tudo, consideram pouco em relação à busca de informações sobre produtos e serviços. Ao pro curar maiores informações sobre o produto a ser
adquirido, o consumidor tende a interagir com outros indivíduos, nesse contexto, as opiniões po dem levar a um entendimento único promovido por uma cognição social. O comportamento do consumidor se daria em relação às suas atitudes, mas também em relação ao seu envolvimento com dada sociedade (ENGEL; BLACKWELL; MINIARD, 2000). Ajzen (1991) desenvolveu a Teoria do Com portamento Planejado (TCP) ao encontro com a Teoria da Ação Racional (TAR) de Fishbein e Ajzen (1975) para entender melhor o consumidor e seu comportamento. O autor apresentou um modelo fundamentado em quatro pressupostos: (i) a intenção é o antecedente imediato do comportamento; (ii) a intenção é determinada pe la atitude em relação ao comportamento, norma subjetiva e controle comportamental percebido; (iii) esses determinantes são funções de crenças comportamentais, normativas e de controle; e (iv) tais crenças comportamentais, normativas e de controle ocorrem em função de uma gama de fatores. O modelo que aglutina a TAR e a TCP estrutura-se nas crenças individuais, normativas e de controle (Fig. 1).
FIGURA 1 — As teorias da ação racional e do comportamento planejado e fatores de background
FONTE: Ajzen e Fishbein (2005, p. 194)
28
Ajzen (1991) e Ajzen e Fishbein (2005) ligam fatores individuais, sociais e de informação como pré-requisitos para as atitudes que influenciarão o comportamento humano. Na TCP, as pesquisas de comportamento do consumidor conseguem ter boa condição de previsão de resultados comportamentais, pois as crenças e atitudes passadas são ajustadas ao comportamento atual. Tomando como base que a maioria dos comportamentos é condicionada a objetivos, Perugini e Conner (2000) desenvolveram e testaram o Modelo de Comportamento Objetivo Dirigido (MOD). Esse modelo, segundo os autores, serve como uma extensão da TCP de Ajzen (1991). O MOD complementa a TCP para chegar ao comportamento desejado, contudo, incorpora as emoções negativas e positivas antecipadas e o comportamento passado. Os psicólogos Werth e Deutsch (2006) descreveram o modelo do sistema dual (refletivo _ impulsivo) como determinante do comportamento do consumidor. Os autores supõem que todo comportamento humano é uma função de meca nismos refletivos e impulsivos, os quais possuem
diferentes princípios de operação que contribuem para o ato da compra. [...] a relativa contribuição do processo refletivo e impulsivo depende do contexto pessoal e circunstancial [...] e a operação e interação do sistema tem diferentes estágios de processamento de informação e são descritos e aplicados na dinâmica do comportamento do consumidor, com especial ênfase na compra por impulso (WERTH; DEUTSCH, 2006, p. 205).
Assim, considera-se que o consumidor é influenciado pelos grupos sociais e familiares. Para Werth e Deutsch (2006), em cada um desses grupos, os indivíduos apresentam diferentes níveis de influência. Há sujeitos que influenciam mais que outros e que ocupam papéis de destaque no espaço social no qual o consumidor está presente. Para estabelecer uma ligação entre as pesquisas de comportamento do consumidor originadas da Psicologia com as pesquisas na Administração, tendo em vista o marketing, o Quadro 1 apresenta conceitos relativos ao tema, a partir de autores que transitam seus estudos e pesquisas entre esses campos do conhecimento.
QUADRO 1 — Algumas definições de comportamento e pesquisa do consumidor Definições de comportamento e pesquisa do consumidor
Autores
“Comportamento do consumidor é a interação entre afeto e cognição, comportamento e ambiente por meio da qual os seres humanos conduzem na vida atitudes relacionadas à troca”. Mesmo conceito da American Marketing Association (AMA).
Peter e Olson (2009, p. 5)
“Comportamento do consumidor é definido como atividades com que as pessoas se ocupam quando obtêm, consomem e dispõem de produtos e serviços”.
Limeira (2008, p. 8)
“Comportamento do consumidor é definido como atividades com que as pessoas se ocupam quando obtêm, consomem e dispõem de produtos e serviços”.
Blackwell, Miniard e Engel (2005, p. 6)
“Comportamento do consumidor é definido como o estudo das unidades compradoras e dos processos de troca envolvidos na aquisição, no consumo e na disposição de mercadorias, serviços, experiências e idéias”.
Mowen e Minor (2003, p. 3)
“Comportamento do consumidor é o estudo dos processos envolvidos quando indivíduos ou grupos selecionam, compram, usam ou dispõem de produtos, serviços, idéias ou experiências para satisfazer necessidades e desejos”.
Solomom (2002, p. 24)
“Comportamento do consumidor consiste nos processos psicológicos e sociais das pessoas em submeter-se a aquisição, utilização e eliminação dos produtos (p. ex., automóveis), serviços (p. ex., uso de lavanderia externa), idéias (p. ex., crenças espirituais) e práticas (p. ex., auto-exames regulares)”.
Bagozzi, Gürhan-Canli e Priester (2002, p. 1)
“Comportamento do consumidor é o estudo dos processos onde há aquisição, uso e disposição de todos os tipos de produtos que têm valor para aquilo que o homem deseja”.
Holbrook (1987, p. 131)
“Ligam fatores individuais, sociais e de informação como pré-requisito para as atitudes que vão influenciar o comportamento do consumidor”.
Ajzen (1991) e Ajzen e Fishbein (2005)
FONTE: Os autores (2012)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
29
Outro tema explorado na pesquisa do consumidor é a cultura, que na área de Administração aponta para uma definição em forma de processo. Para Peter e Olson (2009, p. 287), “[...] o modelo de processo cultural em uma sociedade de consumo altamente desenvolvida [...] mostra que o significado cultural está presente em três lugares: no ambiente social e físico, nos produtos e serviços, e em cada um dos consumidores”. Para os autores, os rituais movem os significados do produto para o consumidor, sendo que tais rituais são considerados aspectos comuns da vida cotidiana, podendo ser elencados em cinco tipos: ritual de aquisição, posse, troca, embelezamento e despojamento. A cultura é entendida por meio de três defi nições, segundo Mowen e Minor (2003, p. 293-294), que podem ser sintetizadas como “cultura é um modo de vida [...] composta de idéias e valores [...] representando simbolicamente uma sociedade”. Os autores admitem a dificuldade de definir cultura, tendo em vista uma compreensão total. Com a in fluência da sua formação acadêmica em Psicologia, Solomon (2002) destaca a cultura como: [...] um conceito crucial para o entendimento do comportamento do consumidor, e pode ser vista como a personalidade de uma sociedade. Inclui tanto idéias abstratas, como valores e ética, quanto serviços e objetos materiais [...] produzidos ou valorizados por uma sociedade (SOLOMON, 2002, p. 371).
O autor completa afirmando que “a cultura é a acumulução de significados, rituais, normas e tradições compartilhados entre os membros de uma organização ou sociedade” (SOLOMON, 2002, p. 371). Blackwell, Miniard e Engel (2005) veem a cultura, a etnia e a classe social como fatores ambientais que influenciam o consumidor. Os autores são também influenciados pela Psicologia como Solomon (2002) e Mowen e Minor (2003). “Cultura refere-se a um conjunto de valores, idéias, artefatos e outros símbolos significativos que ajudam os indivíduos a se comunicar, a interpretar e a avaliar como membros de uma sociedade” (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005, p. 326). 30
Ao abordar o consumidor brasileiro emergente, Limeira (2008, p. 304) passa pelo conceito de cultura, referindo-o “ao comportamento aprendido, em oposição àquele fornecido pela biologia. A noção de cultura designa tudo o que é produzido pelo ser humano (hábitos, crenças, valores, símbolos, artes e artefatos) e transmitido de uma geração à outra”. A autora apresenta o significado das subculturas no Brasil, destacando as diferenças geográficas, religiosas, aspectos étnicos, entre outros, corroborando com autores que tratam do comportamento do consumidor no marketing (ENGEL; BLACKWELL; MINIARD, 2005; FISHBEIN; AJZEN, 1975; HOLBROOK, 1987; HOWARD, 1969; SOLOMON, 2002). Limeira (2008) apresenta em sua pesquisa características culturais, sociais e demográicas, reforçando que o ato da compra de artigos pessoais é a maior fonte de prazer para o consumidor emergente brasileiro.
Considerações Finais O consumidor e a sociedade são complexos. Não há um caminho teórico único por meio de determinada área da ciência que possa definir e/ou delimitar o estudo do comportamento do consumidor. Portanto, na presente pesquisa, optou-se por destacar a importância de considerar o estudo do comportamento não só como um campo multidisciplinar, mas também transdisciplinar, a partir das diversas áreas de conhecimento aqui analisadas (Psicologia, Sociologia, Antropologia e História). Com o resultado desse compartilhamento de conhecimentos científicos, espera-se levar à administração e ao marketing dados e informações importantes a respeito do consumo, do indivíduo e da sociedade. Quando considerada a perspectiva do marketing, e mais especificamente do estudo do comportamento do consumidor, percebem-se contribuições da Psicologia quando ela se propõe a verificar como o consumo ocorre em relação à personalidade ou à influência de outras pessoas no processo de compra. Dado que os seres humanos
estão imbuídos de influências culturais tanto nas suas ações individuais quanto nas sociais, ressalta-se a importância da disciplina de Antropologia, ao propiciar ao pesquisador de marketing uma imersão no conhecimento relativo ao processo de formação de crenças e valores de dada sociedade. Nesse aspecto, acredita-se ser indissociável a contribuição da Sociologia, destacando-se o argumento de Douglas e Ishewood (2009, p. 149) de que “[...] o homem é um ser social. Nunca poderemos explicar a demanda olhando apenas para as propriedades físicas dos bens. O homem precisa de bens para se comunicar com os outros e para entender o que se passa à sua volta”, enfatizando a importância da dimensão cultural no consumo. Não obstante, e de forma compartilhada, identificar aspectos relativos à evolução do consumo em diversos momentos da humanidade, como proporcionado pelos trabalhos no campo da História, pode constituir parte da compreensão do comportamento do consumidor, especialmente quando provido de pesquisas longitudinais. Pela complexidade dos indivíduos, e diante das contribuições apresentadas pelo presente trabalho, é possível inferir que o estudo do comportamento do consumidor deve abordar um amplo campo do conhecimento, bem como tratar dos mais variados temas de forma compartilhada. Acredita-se que a imersão em abordagens oriundas da Psicologia, Antropologia, Sociologia e História venha a qualificar as pesquisas de comportamento do consumidor. Dado o escopo do trabalho delimitado pe los pesquisadores, este artigo apresenta como limitação a não abordagem de outros campos do conhecimento, possivelmente não menos impor tantes para a compreensão do comportamento do consumidor, tais como: Economia, Filosofia, Direito e, mais recentemente, Neurociências. Portanto, como sugestão para estudos futuros que possibilitem uma evolução desta pesquisa, acredita-se que uma abordagem ampla acerca dessas outras áreas e suas implicações nas relações de consumo seja passível de agregar novos conhecimentos e possibilidades.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 23/05/2012
31
Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA. Nota da Associação Brasileira de História. Disponível em: <anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=30372>. Acesso em: 5 set. 2012. AJZEN, I. The theory of planned behavior: reactions and reflections. Organizational Behaviour and Human Decision Processes, v. 50, n. 2, p. 179-211, 1991. ______; FISHBEIN, M. The influence of attitudes on behavior. In: ALBARRACÍN, D.; JOHNSON, B.; ZANNA, M. (Ed.). The handbook of attitudes. Mahwah, NJ: L. Erlbaum, 2005. BAGOZZI, R. P.; GURHAN-CANLI, Z.; PRIESTER, J. R. The social psychology of consumer behaviour. Buckingham: Open University, 2002. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de economia bancária e crédito. 2008. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/Pec/Depep/Spread/relatorio_economia_bancaria_credito2008.pdf>. Acesso em: 28 maio 2012. ______. Relatório de economia bancária e crédito. 2010. Disponível em: <http://www.bc.gov.br/Pec/Depep/Spread/REBC2010.pdf>. Acesso em: 28 maio 2012. BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. O estudo do consumo nas ciências sociais contemporâneas. In: BARBOSA, L.; CAPMBELL, C. (Org.). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006. BARGH, J. Losing consciousness: automatic influences on consumer judgment, behavior, and motivation. Journal of Consumer Research, Gainesville, FL, v. 29, p. 280-284, 2002. BARROS, J. D´A. Os campos da história – Uma introdução às especialidades da história. HISTEDBR On-line, Campinas, n. 16, p. 17-35, dez. 2004. BAUDRILLARD, J. Le système des objets: la consummation des signes. Paris: Denoel-Gonthier, 1968. ______. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2008. (Arte & Comunicação). BAUMAN, Z. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. ______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ______. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008. BERGUER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2002. BLACKWELL, R.; MINIARD, P.; ENGEL, J. Comportamento do consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson, 2005. BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. ______. Distinction: a social critique of the judgment of taste. London: Routledge & Kegan Paul, 1984.
32
CALDER, B.; TYBOUT, A. What consumer research is? Journal of Consumer Research, Gainesville, FL, v. 14, p. 136-140, 1987. CAMPBELL, C. Romanticism and the consumer ethic: intimations of a Weber style Thesis. Sociological Analysis, Worcerter, MA, v. 44, n. 4, p. 279-295, 1983. CARVALHO, J. E. Neuroeconomia: ensaio sobre a sociobiologia do comportamento. Lisboa: Europress, 2009. CHURCHILL JR., G. A. Marketing research: methodological foundations. Chicago: The Dryden, 1987. COVA, B. Community and consumption: towards a definition of the linking value of products or services. European Journal of Marketing, Bradford, v. 31, n. 3, p. 297-316, 1997. DAHL, D.; MANCHANDA, R.; ARGO, J. Embarrassment in consumer purchase: the roles of social presence and purchase. Journal of Consumer Research, Gainesville, FL, v. 28, p. 473-481, 2001. DAMODARAN, A. Gestão estratégica do risco: uma referência para a tomada de riscos empresariais. Porto Alegre: Bookman, 2009. DOUGLAS, M.; ISHEWOOD, B. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2009. DURKHEIM, E. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ELLIOTT, R.; JANKEL-ELLIOTT, N. Using ethnography is strategic consumer research. Qualitative Market Research: an international journal, v. 6, n. 4, p. 215-223, 2003. ENGEL, J. F.; BLACKWELL, R. D.; MINIARD, P. W. Comportamento do consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 2000. FEATHERSTONE, M. A autonomização da esfera cultural. In: FEATHERSTONE, M. O desmanche da cultura. São Paulo: Studio Nobel, 1997. FISHBEIN, M.; AJZEN, I. Belief, attitude, intention and behavior: an introduction to theory and research. Reading: Addison-Wesley, 1975. GOMES, M. P. Antropologia: ciência do homem, filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2008. GUMMERSSON, E. Marketing de relacionamento total. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010. HOLBROOK, M. B. What is consumer research? Journal of Consumer Research, Gainesville, v. 14, p. 128-132, 1987. HOWARD, J.; SHETH, J. The theory of buyer behavior. New York: J. Wiley, 1969. HUNT, S. D. Controversy in marketing theory: for reason, realism, truth, and objectivity. Armonk, NY: M. E. Sharpe, 2003. ______. Foundation of marketing theory: toward a general theory of marketing. Armonk: M. E. Sharpe, 2011. IBGE. Vendas no varejo crescem 0,8% em abril. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/ noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2156&id_pagina=1&titulo=Vendas-no-varejo-crescem-0,8%-emabril>. Acesso em: 20 jun. 2012.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
33
KEEN, A. O culto do amador. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. LAKATOS, I.; MUSGRAVE, K. (Ed.). Criticism and the growth of knowledge. Cambridge: Cambridge University, 1970. LEVY, S. J. Symbols for sale. Harvard Business Review, Boston, v. 4, n. 7, p. 117-129, July 1959. LIMEIRA, T. M. Comportamento do consumidor brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2008. LINDSTRÖM, M. Brand sense: a marca multissensorial. Porto Alegre: Bookman, 2007. ______. Buy ology: how everything we believe about why we buy is wrong. London: Random House Business Books, 2008. ______. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. MCCRAKEN, G. Cultura e simbolismo: novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. MCKENDRICK, N.; BREWER, J.; PLUMB, J. H. The birth of a consumer society: the commercialization of eighteenth-century England. Bloomington: Indiana University, 1982. MIGUELES, C. (Org.). Antropologia do consumo: casos brasileiros. Rio de Janeiro: FGV, 2007. MOWEN, J.; MINOR, M. S. Comportamento do consumidor. São Paulo: Prentice Hall, 2003. MUKERJI, C. Form graven images: patterns of modern materialism. New York: Columbia University Press, 1983. PERUGINI, M.; CONNER, M. Predicting and understanding behavioral volitions: the interplay between goals and behaviors. European Journal of Social Psychology, Sussex, England, v. 30, p. 705-731, 2000. PETER, J. P.; OLSON, J. C. Comportamento do consumidor e estratégia de marketing. 8. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2009. PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004. PINTO, M. R.; LARA, J. E. A pesquisa na área do comportamento do consumidor; uma análise da produção acadêmica brasileira entre 1997 e 2006. In: ENCONTRO ANUAL DA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007. ______. O marketing de relacionamento no mercado consumidor em uma perspectiva experiencial e simbólica: buscando novas proposições para pesquisas. In: ENCONTRO DE MARKETING DA ANPAD, 4., 2010, Florianópolis (SC). Anais... Florianópolis: ANPAD, 2010.
34
POLANYI, K. The great transformation: the political and economic origins of our time. Boston: Beacon, 1957. POOPER, K. R. The logic of scientific discovery. New York: Harper and Row, 1959. PRAHALAD, C. K. A riqueza na base da pirâmide: como erradicar a pobreza com o lucro. Porto Alegre: Bookman, 2010. ROCHA, E. Magia e capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1985. ______. Culpa e prazer: imagens do consumo na cultura de massa. Comunicação, Mídia & Consumo, v. 2, n. 3, p. 123-138. mar. 2005. ______; BARROS, C. Dimensões culturais do marketing: teoria antropológica, estudos etnográficos e comportamento do consumidor. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 25., 2004, Curitiba-PR. Anais... Curitiba-PR: ANPAD, 2004. SHETH, J. N.; GARDNER, D. M.; GARRETT, D. E. Marketing theory: evolution and evaluation. New York: J. Wiley, 1988. ______; MITTAL B.; NEWMAN, B. I. Comportamento do cliente: indo além do comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2001. SIMMEL, G. F. The International Quarterly, Burlington, Vt., v. 10, p. 130-155, 1904. SOLOMON, M. O comportamento do consumidor: comprando, possuindo e sendo. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002. VEBLEN, T. A teoria da classe ociosa. São Paulo: Pioneira, 1965. WERTH, L.; DEUTSCH, R. Reflective and impulsive determinants of consumer behavior. Journal of Consumer Psychology, Mahwah, NJ, v. 16, p. 205-216, 2006. WILLIAMS, R. Dream worlds: mass consumption in late nineteenth century France. Berkeley: University of California, 1982. ZALTMAN, G. Afinal, o que os clientes querem? O que os consumidores não contam e os concorrentes não sabem? 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. ______; ZALTMAN, L. Marketing metaphoria: what seven deep metaphors reveal about the minds of consumers. Boston: Harvard Business, 2008.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 18 - 35, jan./jun. 2013
35
Marketing de relacionamento: um estudo de caso na construção civil Relationship marketing: a case study in civil construction
Marketing de relacionamento: um estudo de caso na construção civil Relationship marketing: a case study in civil construction
Aline Nadalin Velter1 Clandia Maffini Gomes2 Daniel Arenhardt3 Jordana Marques Kneipp4 Luciana Flores Battistella 5 Márcia Zampieri Grohmann6
Resumo
O marketing de relacionamento apresenta-se como um importante instrumento para a obtenção de satisfação dos consumidores e dos parceiros na cadeia de valor. Este trabalho teve como objetivo identificar a construção de relacionamentos entre uma empresa fornecedora de argamassa industrializada e os seus principais clientes. O estudo caracteriza-se como descritivo, de natureza qualitativa e utiliza como delineamento o estudo de caso. O universo do estudo corresponde aos principais clientes de uma empresa fornecedora de argamassa industrializada localizada na cidade de Caçapava do Sul (RS). O instrumento utilizado para a coleta de dados junto à empresa fornecedora e aos principais clientes foi baseado no roteiro desenvolvido por Toni (2004), a partir da escala de Wilson e Vlosky (1997) e da tradução reversa da escala elaborada por Viana (1999). A partir da análise das respostas da empresa e dos principais clientes e tendo em vista os seis construtos propostos por Wilson e Vlosky (1997), observa-se que a empresa fornecedora possui um relacionamento bastante sólido e promissor junto aos seus principais clientes. A construção desse relacionamento ocorre principalmente em relação à troca de informações, à confiança e ao comprometimento. Assim, constatou-se que a empresa fornecedora analisada consegue construir e manter um bom relacionamento com seus principais clientes, o que confirma o conceito de marketing de relacionamento como um processo de criação de valor, de cooperação, de comprometimento e de confiança entre os parceiros. Palavras-chave: Marketing de Relacionamento. Construção Civil. Fornecedores. Principais Clientes.
Abstract The relationship marketing is presented as an important tool for achieving the consumers and their partners’ satisfaction in the value chain. The aim of this study is to identify rapport built between a mortar supplier and its main customers. This study is characterized as descriptive and has a qualitative nature and the case study method was used. The total study population was limited to the main customers of a supplier of industrialized mortar in the town of Caçapava do Sul - RS. The data collection with the supplier and the main customers was based on the script developed by Toni (2004) based on the scale of Vlosky & Wilson (1997) and on the reverse translation of the scale developed by Viana (1999). From the analysis of the company and its main customers responses and in view of the six constructs proposed by Wilson & Vlosky (1997), it was noticed that the supplier has a very strong and promising relationship with its main customers. This relationship between the main customers and the supplier company is built on information exchange, trust and commitment. Thus, it was found that the company supplier being analyzed can build and maintain a good relationship with its main customers, which confirms the concept of Relationship Marketing as a process of value creation, cooperation, commitment and trust amidst partners. Keywords: Relationship Marketing. Building. Suppliers. Main Customers.
Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: aline.velter@gmail.com. Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Administrativas. E-mail: clandia@smail.ufsm.br. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: d_arenhardt@yahoo.com.br. 4 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: jordanakneipp@yahoo.com.br. 5 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: luttibattistella@gmail.com. 6 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora Adjunta do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: marciazg@gmail.com. 1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
37
Introdução A busca por relacionamentos sólidos e duradouros diante de um ambiente empresarial competitivo consiste em uma forte tendência, devido à aceleração e abertura dos mercados, às novas tecnologias, às exigências dos stakeholders e à concorrência cada vez mais acirrada. No momento atual, as organizações come çam a retomar conceitos praticados em épocas pas sadas, nas quais o volume de negócios era subs tancialmente menor, os limites espaciais eram fronteiras intransponíveis e a variável tempo não se apresentava tão acelerada (Parvatiyar; Sheth, 2000). A fim de que as organizações obtenham maior vantagem nas condições de competitividade da atualidade, a satisfação dos consumidores e dos parceiros na cadeia de valor, por meio do marketing de relacionamento, apresenta-se como um importante instrumento para a retenção e a fidelização não somente de consumidores finais, mas de clientes intermediários (Nickels; Wood, 1999; Crescitelli; Ikeda, 2006). Este estudo teve como objetivo iden tificar a construção de relacionamentos entre uma empresa fornecedora de argamassa indus trializada e os seus principais clientes. Optou-se por esse segmento tendo em vista a sua relevância econômica, uma vez que, segundo a Fundacentro (2009), o ramo da construção civil no Brasil responde por 11,9% do PIB e 7,6 milhões de trabalhadores empregados. Diante da representatividade e do crescimento desse setor, pesquisar e descrever as variáveis representativas das suas práticas de marketing de relacionamento torna este estudo relevante para a prática gerencial das empresas do segmento e da região e se mostra importante na medida em que busca um nicho de estudo. Este artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente, serão abordadas as principais teorias que sustentam o estudo. Após, seguem o método utilizado e a análise e discussão dos resultados. Por fim, apresentam-se as consi de rações finais. 38
1
O Marketing de Relacionamento
O desenvolvimento de relacionamentos com os clientes possui antecedentes históricos que remontam à era pré-industrial, na interação entre os produtores agrícolas e seus consumidores, e também por parte dos artesãos, que muitas vezes desenvolviam produtos personalizados para cada cliente. As primeiras contribuições teóricas relativas à cooperação e interdependência entre os atores de marketing foram realizadas por McGarry no início da década de 1950 e, posteriormente, por Adler, nos anos 1960, abordando a existência de relacionamentos simbióticos entre empresas, além dos tradicionais relacionamentos com os intermediários (SHETH; PARVATIYAR, 1995; Parvatiyar; Sheth, 2000). No entanto, a atenção dos teóricos aumen tou a partir de meados da década de 1980 devido ao relacionamento entre vendedores e compradores em decorrência do sucesso das empresas japonesas nos mercados internacionais e em resposta às mudanças no comportamento do consumidor ocidental. Os desenvolvimentos teóricos seguintes acompanharam e estimularam as preocupações das empresas quanto à melhoria das relações com os clientes, em busca de maior competitividade, e, em meados da década de 1990, consolida-se o reconhecimento do estudo sobre marketing de relacionamento com publicação de edições especiais de revistas científicas de marketing sobre o tema (Rocha; Luce, 2006). O termo marketing de relacionamento surgiu simultaneamente no business-to-business e no marketing de serviços. Leonard Berry, um estudioso da Escola Nórdica, usou o termo em um paper em uma conferência em 1983, exclusivamente para serviços. Bárbara Bund Jackson também utilizou o termo em seu projeto sobre business-to-business, como o oposto de marketing de transação, no começo dos anos de 1980, publicado em um livro inovador e em um artigo da Hardward Business Review, ambos em 1985 (Gummeson, 2005).
As definições de marketing de relacio namento partem de uma abordagem que enfatiza somente as relações entre comprador e vendedor para uma visão mais ampla, que considera todos os relacionamentos com os parceiros da cadeia de valor que possam influenciar na satisfação dos clientes, isto é, relacionamentos com fornecedores, concorrentes, funcionários e clientes (Berry, 1995; Evans; Laskin, 1994; Morgan; Hunt, 1994; Grönroos, 1994; Parvatiyar; Sheth, 2000). Segundo Berry (1995), o marketing de rela cionamento consiste na atração, manutenção e, no caso de organizações multisserviços, no aumento dos relacionamentos com os clientes. Para Evans e Laskin (1994), marketing de rela cionamento é o processo pelo qual a empresa constrói alianças de longo prazo com clientes atuais e potenciais de modo que vendedor e comprador busquem um conjunto específico de objetivos comuns. Para Morgan e Hunt (1994), a visão do marketing de relacionamento é mais ampla e deve abranger todas as atividades de marketing direcionadas para o estabelecimento, desenvolvimento e manutenção de trocas rela cionais bem-sucedidas. Grönroos (1994) descreve o marketing de relacionamento baseado em trocas mutuamente benéficas e a partir do cumprimento de promessas por ambas as partes em uma série de interações, enquanto perdurar o relacionamento. Parvatiyar e Sheth (2000) definem o marketing de relacionamento como um processo contínuo de envolvimento em atividades e programas cooperativos e colaborativos com clientes imediatos e finais para criar ou aumentar o valor econômico mútuo a um custo reduzido. Dessa forma, percebe-se que existem inú meras variações nas definições e na abordagem de marketing de relacionamento. Alguns conceitos consideram apenas o relacionamento entre cliente e fornecedor; outros ampliam a visão e incluem os demais atores da cadeia de valor, porém o marketing de relacionamento sempre possui como premissa a criação de valor para as partes envolvidas. Dentro desse contexto, o marketing de rela cionamento tem se tornado cada vez mais relevante, com as empresas buscando uma orientação de lon
Rev.
FA E ,
C uritiba,
go prazo. As relações se estabelecem sob uma gama de aspectos nem sempre tangíveis, como interesses e convicções comuns, aspectos corporativos, níveis de serviços, grau de colaboração, buscando uma relação do tipo “ganha-ganha”, na qual os parceiros se beneficiam (Groff, 2001). Corroborando com essa temática, Gummesson (2002) procura inserir o marketing de rela cionamento no contexto da Nova Economia, que, segundo a sua visão, envolve diversos fenômenos, tais como a sociedade em rede, o foco nos serviços, o novo papel do cliente, as tecnologias da informação, a globalização, a desregulamentação dos sistemas financeiros e o surgimento dos blocos econômicos. O autor cria a expressão marketing de relacionamento total, baseado em relacionamentos, redes e interações, e incorporado na gestão total das redes de vendas da organização, do mercado e da sociedade. Assim, para Gummesson (2002), o marketing de relacionamento total engloba relações com fornecedores, clientes, intermediários, concorrentes, autoridades públicas, meios de comunicação e outras entidades da sociedade que exercem influência sobre o comportamento do mercado.
O marketing de relacionamento se insere no contexto da Nova Economia, que envolve diversos fenômenos, como a sociedade em rede, o foco nos serviços, o novo papel do cliente, as tecnologias da informação, a globalização, a desregulamentação dos sistemas financeiros e o surgimento dos blocos econômicos.
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
39
De modo geral, os estudos sobre marketing de relacionamento podem ser classificados em duas subáreas: (a) o relacionamento entre organizações e clientes individuais; e (b) o rela cionamento entre duas ou mais organizações, incluídos nesse último o relacionamento en tre membros de canais de distribuição e o rela cionamento entre empresas no marketing business-to-business (Rocha; Luce, 2006). As trocas estabelecidas em qualquer tipo de relacionamento, seja entre organizações e clientes individuais ou somente entre organizações, podem ser classificadas em trocas discretas e trocas relacionais. As trocas discretas são caracterizadas por uma transação puramente econômica, produzindo a permuta de dinheiro por uma mercadoria ou serviço, sem qualquer tipo de elemento relacional entre as partes. As trocas relacionais, ao contrário, vão além da simples compra de um produto, são influenciadas pelas trocas passadas e influenciam as trocas futuras, originam trocas mais pessoais e complexas, satisfação não só econômica e também comprometimento (Dwyer; Schurr; Oh, 1987).
As relações ainda podem ser classificadas como de longo ou de curto prazo. Jackson (1985) apresenta dois modelos de compra distintos, visualizados por meio de um continuum, apresentado na FIG. 1. Em um extremo, a posição denominada always-a-share (baixos custos de mudança) refere-se às transações efetuadas no curto prazo, nas quais, geralmente, não há envolvimento das partes, o exercício do poder torna-se atenuado e o comportamento oportunista ganha espaço, além de a comunicação ser limitada à transação específica. No outro extremo do continuum, a posição lost-for-good (altos custos de mudança) ilustra as relações de longo prazo, que transcendem a simples troca, havendo contínuas interações entre as partes, as quais possuem maior predisposição a estabelecer relações de longo prazo, com vínculos mais sólidos e duradouros. Os altos custos de mudança dificultam o abandono da relação, e elementos como interdependência e ganhos mútuos, advindos da parceria de longo prazo, comunicação intensa e confiança entre as partes tornam-se fundamentais.
FIGURA 1 — Continuum do comportamento relacional entre organizações
Longo Prazo
Curto Prazo
Lost-for-good (Altos custos de mudança)
Always-a-share (Baixos custos de mudança)
Substanciais investimentos específicos
Baixos investimentos específicos
Margens de risco elevadas
Margens de risco reduzidas
Marketing de relacionamento
Marketing transacional
FONTE: Jackson (1985)
40
Para Morgan e Hunt (1994), entender o marketing de relacionamento requer diferenciar uma transação discreta de uma troca relacional. Para tanto, propõem dez tipos de trocas relacionais, envolvendo: 1) parceria entre fornecedores e produtores; 2) trocas relacionais com prestadores de serviços; 3) alianças estratégicas entre firmas e seus concorrentes; 4) alianças entre firmas e organizações não lucrativas; 5) parcerias para pesquisa e desenvolvimento entre firmas e o governo; 6) trocas de longo prazo entre firmas e clientes finais; 7) trocas relacionais entre firmas e seus intermediários; 8) trocas com departamentos funcionais; 9) trocas entre firmas e seus empregados; e 10) trocas internas, ocorridas entre a firma e suas unidades de negócio ou divisões. A FIG. 2 demonstra a proposta de Morgan e Hunt (1994). FIGURA 2 — Trocas relacionais em marketing de relacionamento
Parceiros Fornecedores
Fornecedores de Bens
Fornecedores de Serviços Parceiros Laterais
Unidades de Negócios
Competidores Empregados
Empresas Organizações sem fins Lucrativos
Departamentos Funcionais Governo Parceiros Internos
Cliente Intermediário Cliente Final Parceiros Compradores FONTE: Morgan e Hunt (1994)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
41
Assim, percebe-se que são inúmeras as tentativas a fim de classificar os relacionamentos, estabelecendo características que sejam comuns a cada tipo de troca relacional. Algumas teorias que auxiliam na análise de relacionamentos entre clientes e fornecedores serão apresentadas no próximo tópico.
1.1 Abordagens de Relacionamentos entre Clientes e Fornecedores Muitas teorias, geralmente advindas de outras disciplinas, têm sido adaptadas e apli cadas ao estudo dos relacionamentos entre compradores e vendedores, sendo que o marketing de relacionamento representa a confluência de várias tradições de pesquisa (Cannon, 1992 apud Pereira; Luce, 2009; Spekman; Carraway, 2006). Assim, de acordo com Pereira e Luce (2009), as variáveis relacionais têm sido definidas a partir de ampla variedade de domínios teóricos, tais como: Teoria dos Custos de Transação, Teoria de Contrato Relacional, Teoria da Dependência de Recursos, Teoria de Redes, Paradigma Político-Econômico e Administração Transcultural (no caso de relacionamentos internacionais). A seguir, serão apresentadas as teorias que possuem relevância para este estudo, bem como suas principais características. —— Teoria dos Custos de Transação (TCT): consiste na combinação de econo mia institucional e análises legal e organizacional. Explica os motivos para a existência de diferentes formas de organizar as transações no mercado, as quais levam a diferentes formas de governança pela empresa, explorandose, assim, a troca econômica como um problema de estabelecimento de relações de contrato eficientes (Heide; John, 1992 apud Pereira; Luce, 2009). —— Teoria de Troca Relacional: caracteriza-se como descritiva, foca as características 42
A abordagem de redes vem se destacando, uma vez que a associação entre parceiros da cadeia de valor representa uma forma concreta para sobrevivência e desenvolvimento empresarial para muitas organizações, que encontram estratégias para solucionar problemas estruturais e conjunturais, buscando vantagens em ações coletivas.
situacionais e de processo que variam en tre formas de troca relacionais e discretas (Cannon, 1992 apud Pereira; Luce, 2009). A forma discreta apro xima-se do conceito de mercado da Teoria dos Custos de Transação, abor dando os benefícios econômicos e o comportamento dos atores orientados para o curto prazo. A forma relacional, ao contrário, observa a troca como fenôme no orientado por fatores que extrapolam a visão estritamente econômica. Assim, evidencia-se a existência de normas so ciais como diretrizes de ação para os atores envolvidos (Pereira; Luce, 2009). —— Teoria de Troca Social: de acordo com Pereira e Luce (2009), essa teoria considera que, além das condições econômicas estabelecidas, as normas sociais desenvolvidas pelas partes influenciam o relacionamento. Isso denota que o ponto focal para facilitar e manter as trocas relacionais são os fatores sociais e psicológicos dos
atores individuais. Assim, tais fatores não devem ser negligenciados na aná lise do comportamento dos atores envolvidos em uma relação, bem como as expectativas dos indivíduos ou orga nizações, quanto aos resultados da outra parte em jogo. —— Teoria da Dependência de Recursos e Paradigma Político-Econômico: essa teoria, segundo Pereira e Luce (2009), fun damenta o argumento de que as organizações possuem graus variados de dependência em entidades externas, particularmente para os recursos que elas requerem para operar. —— Abordagem de Redes: os relacio na mentos são formados entre várias uni dades corporativas, organizações in dependentes e empreendedores, que necessitam de vínculos de alto nível de qualidade com parceiros e cli entes, caracterizados por confiança, comprometimento, interdependência e satisfação (Pereira; Luce, 2009). Atualmente, a abordagem de redes vem se destacando, uma vez que a associação entre parceiros da cadeia de valor representa uma forma concreta para sobrevivência e desenvolvimento empresarial para muitas organizações, que encontram nessas relações de parceria estratégias para solucionar problemas estruturais e conjunturais, buscando vantagens em ações coletivas. Para desenvolvimento deste estudo, será considerada a abordagem de redes, a fim de identificar a construção de relacionamentos entre os atores analisados. A partir deste aporte teórico para o en tendimento do marketing de relacionamento, convém apresentar fatores relevantes para a sua identificação.
1.2 Fatores de Identificação do Marketing de Relacionamento
O conceito de marketing de relacionamento tem sido validado pela comunidade científica por meio de diversos construtos/dimensões que
Rev.
FA E ,
C uritiba,
indicam maior ou menor orientação empresarial para manutenção de trocas relacionais, os quais constituem indicadores latentes de marketing de relacionamento e são, por sua vez, mensurados a partir de escalas que contêm variáveis que podem ser diretamente observadas (Fontenot et al., 1998; Viana, 1999). Nesse sentido, Wilson e Vlosky (1997), baseados em detalhada revisão bibliográfica sobre os atributos de marketing de relacionamento e em dados da indústria madeireira e seus derivados dos EUA, propuseram um modelo que, por meio de avaliações quantitativas, estabelece o grau de relacionamento entre comprador e fornecedor, sendo desenvolvido a partir de um conjunto de seis variáveis latentes, mensuradas a partir de 30 itens, numa escala de concordância de cinco pontos, originalmente em língua inglesa. As variáveis analisadas são: dependência, nível de comparação de alternativas, investimentos específicos no relacionamento, troca de informações, confiança e comprometimento. Os autores verificaram que os construtos desenvolvidos eram consistentes com a literatura, e a análise dos resultados indicou que quanto mais intensos os atributos, maior o nível de relacionamento estabelecido entre os parceiros. Esse modelo apresentou bons índices de consistência interna, tornando-se um construto válido e aplicável para mensurar o relacionamento entre firmas parceiras (Meurer, 2007). No Brasil, essa mesma escala foi aplicada inicialmente por Viana (1999) no setor metal mecânico gaúcho, sendo realizada a tradução da escala pelo método de tradução reversa. A partir daí, esse modelo vem sendo utilizado por muitos autores nos mais diversos segmentos econômicos. Toni (2004) desenvolveu um roteiro para diagnóstico do relacionamento dos produtores de vinho com uma vinícola, composto por um conjunto de 28 questões adaptadas e desenvolvido a partir da escala de Wilson e Vlosky (1997) e da tradução reversa da escala elaborada por Viana (1999). Esse roteiro será utilizado como base para analisar o relacionamento neste estudo.
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
43
2
Método de Estudo
Este estudo caracteriza-se como descritivo e adotou a abordagem qualitativa. De acordo com Richardson (1999), geralmente, as investigações de natureza qualitativa possuem como objeto situações complexas ou estritamente particulares, como é o caso da construção de relacionamentos entre as empresas a serem analisadas. Utilizou-se como delineamento o estudo de caso, que para Yin (2001) é uma estratégia de pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e múltiplas fontes de evidência são utilizadas. A preferência por esse método devese ao fato de ser o mais adequado ao problema de pesquisa que envolve estudos organizacionais e gerenciais, possibilitando uma análise aprofundada levando-se em conta o contexto. O universo do estudo foi delimitado aos principais clientes de uma empresa fornecedora de argamassa industrializada localizada no Rio Grande do Sul, denominada, para fins do estudo, como Alpha. A Alpha atua no ramo do agronegó cio e construção civil e oferece os seguintes produtos: argamassa, cal, calcário, rejunte. A seleção da amostra dos entrevistados foi intencional e por conveniência, adotando critérios de disponibilidade de fornecimento das informações, acessibilidade e disponibilidade de tempo dos executivos.
2.1 Instrumento de Coleta de Dados
O instrumento utilizado para coleta de dados junto à empresa fornecedora e aos principais clientes, apresentado no Anexo A, foi desenvolvido a partir da adaptação do roteiro utilizado por Toni (2004) para diagnóstico do relacionamento dos produtores de vinho com uma vinícola, composto por um conjunto de 28 questões. 44
O presente estudo procurou analisar tanto a visão da empresa fornecedora como a dos principais clientes, para que se pudesse obter melhor análise dos dados. A Fig. 3 apresenta o modelo conceitual para desenvolvimento do estudo. FIGURA 3 — Modelo conceitual do estudo
Marketing de relacionamento
Fornecedor
Fornecedor
• Dependência dos principais clientes
• Dependência do fornecedor
• Nível de comparação com clientes alternativos
• Nível de comparação com fornecedores alternativos
• Investimentos no relacionamento
• Investimentos no relacionamento
• Troca de informações
• Troca de informações
• Confiança
• Confiança
• Comprometimento
• Comprometimento
FONTE: Adaptado de Toni (2004)
Nesse sentido, para avaliar como a empresa fornecedora se relaciona com os principais clientes, adaptaram-se as questões para que os clientes fossem o foco, o que constituiu a primeira etapa da pesquisa. A segunda etapa analisa como os principais clientes se relacionam com a empresa fornecedora Alpha.
2.2 Coleta e Análise dos Dados Os dados foram coletados no mês de janeiro de 2010. Para a coleta de dados na empresa Alpha, foi realizada uma entrevista semiestruturada com um dos diretores da empresa, a qual foi gravada e, posteriormente, transcrita. Optou-se por direcionar a análise do relacionamento com os principais clientes de um único produto da empresa: a argamassa industrializada. Na realização da entrevista com a empresa fornecedora, solicitou-se o fornecimento dos cinco principais clientes do produto argamassa que se relacionam com a empresa em um período superior a cinco anos. Os clientes foram contatados a fim
de solicitar a participação na pesquisa, apenas um não atendeu à solicitação. Dessa forma, os principais clientes participantes da pesquisa serão caracterizados a seguir: ——
Cliente A: construtora fundada em 1995, localizada na cidade de Santa Maria (RS), empresa de pequeno porte.
——
Cliente B: empresa de engenharia e empreendimentos imobiliários, atua no ramo da construção civil, fundada em 15 de abril de 1980, estabelecida no município de São Leopoldo (RS), caracteriza-se como de médio porte.
——
——
Cliente C: empresa fundada em 7 de julho de 1986, localizada na cidade de Novo Hamburgo (RS), possui como foco principal a incorporação e a construção de edifícios residenciais e comerciais de alto padrão, caracteriza-se como de médio porte. Cliente D: construtora fundada em 27 de novembro de 1981, localizada na cidade de Porto Alegre (RS), atua no ramo da construção civil, caracteriza-se como de porte médio.
3
Análise e Discussão dos Resultados
Neste tópico será apresentada inicialmente a visão do fornecedor Alpha, a partir de entrevista realizada com um dos diretores da empresa. A seguir, expõe-se a visão dos principais clientes entrevistados. Por fim, serão discutidos os resultados.
3.1 Visão do Fornecedor Alpha Referente ao Relacionamento com os Principais Clientes de Argamassa Industrializada O resumo das principais evidências no que se refere à visão do fornecedor Alpha acerca do relacionamento com os principais clientes de argamassa industrializada é apresentado no Quadro 1.
Na coleta de dados com os principais clientes, foram realizadas entrevistas semiestruturadas. As entrevistas com os clientes A e B foram realizadas pessoalmente, as quais foram gravadas e, posteriormente, trans critas. Os clientes C e D responderam ao roteiro de entrevista por e-mail. Para análise dos dados, foi utilizado o método de análise de conteúdo, que, segundo as proposições de Bardin (2002), trata-se do desvendamento de significações de diferentes tipos de discursos, baseando-se na inferência ou dedução, mas que, simultaneamente, respeita critérios específicos propiciadores de dados em frequência, em estruturas temáticas, entre outros. Dessa forma, a partir das questões definidas a priori serão analisadas as entrevistas, buscando a sua melhor compreensão.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
45
QUADRO 1 — Visão do fornecedor Alpha no que se refere ao relacionamento com os principais clientes
continua Questões
Evidências – Diretor da Empresa Alpha Dependência do cliente
1. Os principais clientes sentem-se dependentes da empresa?
“No ramo da argamassa industrializada, existe essa dependência, porque quando o cliente começa uma obra, deve existir uma confiabilidade muito grande, devido à garantia que tem que se dar para qualquer problema.”
2. A empresa é estrategicamente importante para os principais clientes?
“A argamassa industrializada está na mão de grandes grupos, e estrategicamente somos uma empresa menor, que está realmente fazendo o que o cliente quer em termos de produto.”
3. Seria difícil para os principais clientes obter as vendas e os lucros sem a empresa?
“Não, porque existem alternativas.”
4. Seria difícil para os principais clientes substituir os produtos gerados pela empresa?
“Dificilmente esses principais clientes vão trocar de empresa, em função do serviço que estamos fazendo, nós procuramos diferenciar bastante e acrescentar outras coisas que o mercado não fazia.”
5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com os principais clientes?
“Sim, com certeza.”
Nível de comparação com clientes/fornecedores alternativos 6. Há muitos clientes alternativos para os produtos que a empresa vende aos principais clientes?
“Tem nichos, nós nos especializamos muito no consumidor direto, nós fomos direto nas construtoras.”
7. O melhor substituto para os principais clientes teria o mesmo valor para a empresa?
“Esse é o nicho que a empresa poderia atingir e dificilmente substituiria.”
8. Comparado com outros clientes, o relacionamento da empresa com os principais clientes é melhor?
“Existe um trabalho muito técnico, pois tem que haver um acompanhamento constante [...]. Assim, em muitos produtos que desenvolvemos, vimos a necessidade in loco, nós questionávamos por que o cliente estava fazendo aquele produto diferenciado, e trouxemos e industrializamos esse produto.”
9. Há muitos clientes alternativos que têm o mesmo valor para a empresa?
“Sempre o cliente para nós é muito importante.”
Investimentos no relacionamento
46
10. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar o relacionamento comercial com esses clientes?
“A dependência é grande, mas nós procuramos focar em três segmentos para não ter a dependência de nenhum.”
11. O investimento que a empresa tem feito para implementar uma parceria com os principais clientes é significativo?
“É muito significativo, montamos uma estrutura grande e significativa em termos de recursos.”
12. O custo total de mudança para clientes alternativos seria muito grande?
“Se esse segmento das construtoras, porventura desenvolvesse produtos alternativos, [...] nós teríamos como migrar para outro segmento, mas seria uma revolução, nós estaríamos atentos para todas as mudanças.”
13. Os mecanismos que a empresa estabelece para este relacionamento comercial tornariam difícil encerrar o relacionamento com estes clientes?
“Sim, é bastante difícil, tendo em vista que o trabalho desenvolvido é muito bom. A empresa acreditou nesse mercado e se especializou, e muito com o feedback direto dos clientes.”
QUADRO 1 — Visão do fornecedor Alpha no que se refere ao relacionamento com os principais clientes
conclusão Questões
Evidências – Diretor da Empresa Alpha Troca de informações
14. Como é a comunicação com os principais clientes?
“[...] existem contatos periódicos com a visita dos vendedores, existe o contato por e-mail, no site temos um canal.”
15. A empresa troca muitas informações com os principais clientes?
“Nós estamos permanentemente em contato com os clientes, e esse segmento requer isso.”
16. A empresa compartilha mais informações com os principais clientes do que com outros clientes?
“Sim, porque esses principais clientes são o principal mercado nosso [...].” Confiança
17. A empresa se preocupa com os interesses dos principais clientes?
“[...] Esse foi um dos motivos que nos fez crescer, foi uma das vantagens de termos acompanhado e escutado muito, o primeiro cliente que levantou isso foi na Europa e viu esse sistema, ele trouxe [...] e conseguimos realizar.”
18. Os negócios com os principais clientes não precisam ser supervisionados detalhadamente?
“Requer uma atenção muito especial, nesse ramo requer.”
19. A empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe dos principais clientes?
“Sim, temos.”
20. A empresa entrega produtos a esses clientes sem conferir a precisão das quantidades?
“A empresa investiu muito em automação e também em conferência desses dados [...].”
21. Esses clientes têm merecido a confiança da empresa?
“Nossa inadimplência é praticamente zero, é um mercado em que existe muita seriedade”. Comprometimento
22. A empresa espera que o relacionamento com esses clientes continue por longo tempo?
“A empresa não trabalha com curto prazo, está sempre atenta, [...] buscando novas tecnologias, sempre atenta ao que está acontecendo, mas sempre buscando relacionamentos a longo tempo [...].”
23. A empresa espera que o relacionamento com esses clientes se fortifique ao longo do tempo?
“Sim, com certeza.”
24. A empresa espera aumentar as vendas junto a esses clientes no futuro?
“É isso que a empresa está fazendo para esses clientes, está reservando a capacidade de produção que ainda resta da fábrica.”
25. A empresa dispõe de um considerável esforço e investimento no fortalecimento do relacionamento comercial com esses clientes?
“[...] Tem feito bastante, atualmente ampliou um Centro de Distribuição em Porto Alegre, adquiriu mais caminhões para entrega e dobrou a área, tudo isso para atender melhor, na hora certa. [...] A empresa automatizou [...].”
26. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com estes clientes?
“Muito.”
27. A empresa está comprometida com os principais clientes?
“Sim, é um comprometimento muito grande.”
28. O relacionamento comercial com os principais clientes poderia ser descrito como sendo uma parceria?
“Nesse segmento existe a palavra parceria, [...] é um comprometimento muito grande, [...] vendemos o produto, mas se dá um problema, [...] eles chamam a nós [...]”.
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
47
Evidenciou-se na visão do diretor que os principais clientes no ramo de argamassa in dustrializada se sentem dependentes da empresa Alpha. O diretor considera que a empresa é muito importante estrategicamente para os principais clientes. Por outro lado, acredita que não seria difícil para os principais clientes obter as vendas e os lucros sem a empresa Alpha, porque existem alternativas. Contudo, devido ao sistema oferecido pela empresa e por todo o serviço prestado, seria difícil para os principais clientes substituir os produtos da Alpha. Assim, o diretor entende que a empresa Alpha possui uma parceria equilibrada com os principais clientes.
permanentemente em contato com os clientes e que a Alpha compartilha mais informações com os principais clientes do que com os demais.
Quando analisou o nível de comparação com clientes alternativos, o diretor explica que para esse segmento existem nichos, e a Alpha se especializou nas grandes construtoras, enquanto muitas empresas comercializam para a rede varejista. No tocante ao relacionamento da empresa com os principais clientes comparado aos demais, o diretor acredita que a Alpha se especializou bastante em atender às necessidades e particularidades de cada um. Quando questionado acerca da existência de clientes alternativos com o mesmo valor para a empresa, o diretor afirma que o cliente é sempre muito importante para a Alpha.
A empresa Alpha espera que o rela cio namento com os principais clientes continue por longo tempo e se fortifique com o passar dos anos. Também pretende aumentar as vendas junto aos principais clientes no futuro e acredita que tem disposto considerável esforço e investimento no fortalecimento do relacionamento comercial com esses clientes. O diretor afirma que a Alpha está comprometida e tem se empenhado muito no relacionamento com os principais clientes, que pode ser descrito como uma parceria.
Avaliando os investimentos que o forne cedor Alpha tem feito no que se refere ao relacionamento com os principais clientes, o diretor coloca que nessa área a dependência é grande, porém a empresa atua em três segmentos, para não haver a dependência de nenhum. Afirma também que o investimento que a empresa tem feito para implementar uma parceria com os principais clientes é muito significativo. Porém, o custo total de mudança para clientes alternativos não seria muito grande. Os mecanismos que a Alpha estabelece para o relacionamento comercial com os principais clientes tornam bastante difícil que estes encerrem o relacionamento com a empresa. Analisando a troca de informações do fornecedor Alpha com os principais clientes, o diretor explica que a comunicação é feita pessoalmente por meio dos vendedores, por e-mail e pelo site. Salienta que a empresa está 48
Ao avaliar a confiança existente no rela cionamento com os principais clientes, o dire tor acredita que a empresa se preocupa com os interesses dos clientes. Ressalta que os negócios com os principais clientes requerem atenção especial e a empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe. Enfatiza que conferir a precisão das quantidades na entrega dos produtos é uma questão de honra. E, ainda, destaca que esses principais clientes têm merecido a confiança da Alpha.
Tais fatos demonstram que a empresa se empenha bastante para construir um rela cio namento sólido com os principais cli entes de argamassa industrializada, buscando relacionamentos de longo prazo, oferecendo um serviço diferenciado, produtos de qualidade, estando sempre atenta às necessidades dos clientes. No próximo tópico, será exposta a visão dos principais clientes entrevistados referente ao relacionamento com a empresa Alpha.
3.2 Visão dos Principais Clientes sobre o Relacionamento com a Empresa Fornecedora Alpha
A partir das entrevistas com os principais clientes, foram extraídas as evidências apresentadas a seguir, considerando as seis dimensões da escala de Wilson e Vlosky (1997).
3.2.1
Dependência do fornecedor
O Quadro 2 resume as principais evidências no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimensão dependência do fornecedor. QUADRO 2 — Visão dos principais clientes no que se refere à dependência do fornecedor Clientes
Evidências Dependência do fornecedor 1. Nós nos sentimos dependentes desse fornecedor?
Cliente A
“Não.”
Cliente B
“[...] temos uma relação de fornecimento, mas não dependemos. O que estabelece a relação é a capacidade que esse fornecedor tem de nos atender, a qualidade. Ele está atento sempre aos problemas decorrentes desse fornecimento, isso faz com que nos vinculemos a ele, não necessariamente somos dependentes, podemos deixar de comprar dele e passar a comprar de outro fornecedor que tenha as mesmas características.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não, pois existem similares.” 2. Este fornecedor é estrategicamente importante para a empresa?
Cliente A
“O produto deles, o sistema de entrega e o relacionamento são muito bons.”
Cliente B
“Com certeza, porque eles possuem produtos que atendem e têm uma variedade de produtos bons também.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, pois nos entrega o produto dentro do prazo e nos locais das obras.” 3. Seria difícil para a empresa gerar vendas e lucros sem esse fornecedor?
Cliente A
“Não.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não.” 4. Seria difícil para a empresa substituir os produtos fornecidos por esse fornecedor?
Cliente A
“Não seria difícil. O produto deles é bom e a parceria é legal, mas se eles deixassem de existir nós não iríamos deixar de continuar com nossos negócios.”
Cliente B
“Há vários fornecedores, eu acho que não teríamos problemas.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não.” 5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com esse fornecedor?
Cliente A
“Acredita.”
Cliente B
“Uma coisa neles é extremamente importante, a preocupação com o cliente. Estão atentos à nossa necessidade e em busca sempre de uma melhoria, isso faz com tenhamos essa relação boa, isso é o diferencial deles.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Acreditamos que sim”.
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
49
Analisando a dependência dos principais clientes em relação ao fornecedor Alpha, evidenciou-se que em sua maioria os entrevistados não se sentem dependentes da empresa. Apenas o cliente C afirmou ser dependente do fornecedor Alpha. Todos os principais clientes avaliaram o fornecedor Alpha como estrategicamente importante. Também não seria difícil gerar vendas e lucros sem o fornecedor Alpha ou substituir os produtos fornecidos pela empresa. Todos os clientes acreditam que possuem uma parceria equilibrada com o fornecedor Alpha. Assim, constata-se que a maior parte dos clientes não se sente dependente da empresa Alpha,
porém ela é estrategicamente importante, devido aos produtos e serviços oferecidos.
3.2.2 Nível de comparação com fornecedores alternativos
O Quadro 3 resume as principais evi dências no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimen são nível de comparação com fornecedores alternativos.
QUADRO 3 — Visão dos principais clientes no que se refere ao nível de comparação com fornecedores alternativos Clientes
Evidências Nível de comparação com fornecedores alternativos 1. Há muitos fornecedores alternativos para os produtos que a empresa compra desse fornecedor?
Cliente A
“Muitos, não.”
Cliente B
“Sim, mas não com o mesmo nível.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim.” 2. O melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor para a empresa?
Cliente A Cliente B
“Não, para nós o melhor fornecedor é o fornecedor Alpha.” “Teria dificuldade de trocar, porque temos uma relação muito forte. Mas acho que existem outras empresas no mercado que atendem.”
Cliente C
“Sim, teria o mesmo valor.”
Cliente D
“Depende, pois compro exclusivamente desse fornecedor.” 3. Comparado com outros fornecedores, o relacionamento da empresa com esse fornecedor é melhor?
Cliente A
“É uma das melhores.”
Cliente B
“Não, a gente tem vários fornecedores com o mesmo perfil.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Atualmente acreditamos que sim.” 4. Há muitos fornecedores alternativos que têm o mesmo valor para nossa empresa?
Cliente A
“Alguns existem, mas não teriam o mesmo valor, porque a Alpha tem a questão do relacionamento, que é muito boa.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não diria muitos, pois tem que se avaliar a qualidade, prazo de pagamentos e prazo de entrega.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
50
atribuem à empresa Alpha, os clientes A e B afirmam que até existem, mas não com o mesmo valor, e os clientes C e D asseveram que não existem muitos.
Quando os principais clientes comparam o fornecedor Alpha com fornecedores alternativos, a maioria afirma que existem muitos fornecedores alternativos para os produtos que a empresa Alpha oferece. E quando questionados se o melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor, a maioria dos clientes acredita que encontraria dificuldades em encontrar um fornecedor com o mesmo valor.
Assim, constata-se que, embora existam fornecedores alternativos no mercado, a empresa Alpha possui um valor considerável para a maioria dos entrevistados.
A maioria dos entrevistados afirma que o relacionamento que mantém com a empresa Alpha é melhor do que com outros fornecedores, apenas o cliente B coloca que possui vários fornecedores com o mesmo perfil.
3.2.3 Investimentos no relacionamento O Quadro 4 resume as principais evi dências no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimensão investimentos no relacionamento.
Quando questionados sobre a existência de clientes alternativos com o mesmo valor que
QUADRO 4 — Visão dos principais clientes no que se refere aos investimentos no relacionamento Clientes
Evidências Investimentos no relacionamento 1. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar o relacionamento comercial com esse fornecedor?
Cliente A
“Não, mas não gostaríamos.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Com obras em andamento sim, iniciando, não.” 2. O investimento que esse fornecedor tem feito para implementar uma parceria é significativo?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Mas é claro que sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Diria que sim.” 3. O custo total de mudança para outro fornecedor seria muito grande?
Cliente A
“Não teria custo.”
Cliente B
“Não.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Considerando obras em andamento e com orçamento de custo feito em valores utilizados por esse fornecedor, complicaria.” 4. Os mecanismos que o fornecedor estabelece para esse relacionamento comercial tornariam difícil encerrar o relacionamento com ele?
Cliente A
“Não gostaríamos, mas se ocorrer buscaremos alternativas.”
Cliente B
“Sim, pela parceria estabelecida.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não acredito.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
51
seja finalizado. E o cliente D acredita que os
Avaliando os investimentos que a empresa Alpha tem feito no relacionamento, a maior parte dos clientes entrevistados diz que não seria um transtorno encerrar o relacionamento comercial com o fornecedor Alpha. Os clientes A, B e D concordam que o investimento que o fornecedor Alpha tem feito para implementar uma parceria é significativo, e apenas o fornecedor C diz não ser significativo. Quando avaliam se o custo total de mudança para outro fornecedor seria muito grande, os clientes A, B e C consideram que não. O cliente D coloca que deveria ser levado em conta se há obras em andamento.
mecanismos estabelecidos não tornam difícil encerrar o relacionamento. Dessa forma, essa dimensão deve servir de alerta para o fornecedor Alpha, já que as opiniões divergiram bastante, e para a maioria dos principais clientes não seria um transtorno encerrar o relacionamento comercial com a empresa e o custo total de mudança não seria muito grande.
3.2.4 Troca de informações
Avaliando se os mecanismos que o fornecedor Alpha estabelece para o relacionamento comercial tornariam difícil encerrá-lo, os clientes B e C avaliam que sim. Já o cliente A enfatiza que teria que encontrar alternativas caso o relacionamento
O Quadro 5 resume as principais evidên cias no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimensão troca de informações.
QUADRO 5 — Visão dos principais clientes no que se refere à troca de informações Clientes
Evidências Troca de informações 1. Como é a comunicação com esse fornecedor?
Cliente A
“É muito boa.”
Cliente B
“Por meio de reuniões, telefone, e-mail.”
Cliente C
“Boa.”
Cliente D
“Ótima.” 2. A empresa troca muitas informações com esse fornecedor?
Cliente A
“Troca.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não, somente o indispensável.”
Cliente D
“Sim.” 3. A empresa compartilha mais informações com esse fornecedor do que com outros?
Cliente A
“Trocamos bastante.”
Cliente B
“É lógico, pela relação.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Não, pois a empresa mantém um padrão.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
52
Analisando a troca de informações com o fornecedor Alpha, no que se refere à comunicação com a empresa, o cliente A avalia como muito boa, o cliente B diz que ocorre por meio de reuniões comerciais, por telefone, e-mail, o cliente C analisa como boa, e o D, como ótima.
troca em virtude da relação mantida, os clientes D e E asseveram que a troca de informações não é maior com a empresa Alpha. Assim, constata-se que a troca de infor mações é avaliada como eficiente pela maioria dos principais clientes.
A maioria dos principais clientes diz que troca muitas informações com o fornecedor Alpha,
3.2.5 Confiança
apenas o cliente C diz que não. Quando avaliam se o compartilhamento de informações com esse fornecedor é maior que com os demais, o cliente A afirma que troca muitas informações com o fornecedor Alpha, o cliente B diz que ocorre essa
O Quadro 6 resume as principais evidênci as no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimensão confiança.
QUADRO 6 — Visão dos principais clientes no que se refere à confiança Clientes
Evidências Confiança 1. A empresa sente que esse fornecedor se preocupa com seus interesses?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, existe a preocupação.” 2. Os negócios com esse fornecedor não precisam ser supervisionados detalhadamente?
Cliente A
“Não precisam.”
Cliente B
“Não precisam, eles estão preocupados em atender bem o cliente.”
Cliente C
“Não precisam.”
Cliente D
“Pela parceria eu diria que não.” 3. A empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe desse fornecedor?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Atualmente, sim.” 4. A empresa aceitaria produtos desse fornecedor sem conferir a precisão das quantidades?
Cliente A
“Sim, confiamos que o saco de 40 kg tem 40 kg.”
Cliente B
“Não. Isso é uma coisa natural que tem que ser feita.”
Cliente C
“Não. Indiferentemente do fornecedor.”
Cliente D
“Sim, mas como é norma, conferimos.” 5. Esse fornecedor tem merecido a confiança da empresa?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
53
Quando analisam o nível de confiança que mantêm com o fornecedor Alpha, todos os clientes sentem que essa empresa se preocupa com seus interesses. Afirmam que, pela parceria estabelecida, os negócios com a Alpha não precisam ser supervisionados detalhadamente e todos dizem possuir plena confiança na veracidade das informações que recebem desse fornecedor. Quando questionados se aceitariam produtos desse fornecedor sem conferir a precisão das quantidades, a maioria dos clientes, por norma da empresa, diz que realiza a conferência. Por fim, todos os clientes afirmam que o fornecedor Alpha tem merecido a sua confiança. Dessa maneira, percebe-se que o nível de confiança estabelecido é bastante elevado, uma vez que todos os clientes sentem que a empresa Alpha se preocupa com seus interesses.
3.2.6 Comprometimento O Quadro 7 resume as principais evidências no que se refere à visão dos principais clientes de argamassa industrializada na dimensão comprometimento. QUADRO 7 — Visão dos principais clientes no que se refere ao comprometimento Clientes
continua
Evidências Comprometimento 1. A empresa espera que o relacionamento com esse fornecedor continue por longo tempo?
Cliente A
“Claro.”
Cliente B
“Claro, tem o maior interesse.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Esperamos que sim, o produto é bom.” 2. A empresa espera que o relacionamento com esse fornecedor se fortifique ao longo do tempo?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Depende muito do que o mercado vier a oferecer.” 3. A empresa espera aumentar as compras junto a esse fornecedor no futuro?
Cliente A
“Sim, se aumentarem as obras.”
Cliente B
“Com certeza.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Depende do mercado.” 4. A empresa está disposta a despender um considerável esforço e investimento no fortalecimento do relacionamento comercial com este fornecedor?
54
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Também, por tudo que nós já falamos.”
Cliente C
“Não. Esperamos que o fornecedor faça esses esforços e investimentos.”
Cliente D
“Na atual circunstância, sim.”
QUADRO 7 — Visão dos principais clientes no que se refere ao comprometimento Clientes
conclusão
Evidências Comprometimento 5. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com esse fornecedor?
Cliente A
“Eu acho que normal.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Não.”
Cliente D
“Dado o bom relacionamento que temos, não precisamos nos empenhar tanto.” 6. A empresa está comprometida com esse fornecedor?
Cliente A
“Sim.”
Cliente B
“Sim.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Não existe o comprometimento, existe sim o bom relacionamento.” 7. O relacionamento comercial com esse fornecedor poderia ser descrito como sendo uma parceria?
Cliente A
“Sim, eles têm um produto que nos satisfaz, a entrega deles é boa, o atendimento deles é bom.”
Cliente B
“[...] Existe uma satisfação com esse fornecedor, pelo que vem apresentando. Temos fornecedores com um relacionamento mais estreito, especificamente esse é um parceiro nosso.”
Cliente C
“Sim.”
Cliente D
“Sim, certamente é uma parceria.”
FONTE: Dados da pesquisa (2010)
Ao analisar o comprometimento existente no relacionamento com o fornecedor Alpha, todos os clientes esperam que esse relacionamento continue por longo do tempo. A maioria espera que o relacionamento se fortifique ao longo do tempo, apenas o cliente D avalia que a fortificação da relação depende muito do mercado.
relacionamento por parte do fornecedor Alpha. A maioria dos clientes afirma estar comprometida com o fornecedor Alpha, com exceção do cliente D, que diz que existe apenas o bom relacionamento.
Os clientes A, B e C esperam aumentar as compras com esse fornecedor no futuro. E o cliente D é mais cauteloso, dizendo que a questão depende do mercado.
Por fim, ao avaliar se o relacionamento comercial com o fornecedor Alpha poderia ser descrito como uma parceria, todos os clientes afirmaram que sim. Então, constata-se que existe compro metimento no relacionamento entre os principais clientes e a empresa Alpha, uma vez que todos avaliam o relacionamento como uma parceria.
Quando questionados se disporiam de um considerável esforço e investimento no for talecimento do relacionamento comercial com a empresa Alpha, os clientes A, B e D afirmam que sim, apenas o cliente C salienta que não, pois espera que o fornecedor faça esses esforços e investimentos. Apenas o cliente B acredita que há empenho no
A partir da análise das respostas da empre sa e dos principais clientes e tendo em vista os seis construtos propostos por Wilson e Vlosky (1997), pode-se constatar que, com relação ao construto dependência, a empresa acredita que os principais clientes se sentem dependentes dela, porém apenas um cliente afirma isso. O fornecedor também
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
55
acredita que seria difícil para os principais clientes substituir os produtos gerados pela empresa em virtude do sistema desenvolvido, porém todos os clientes demonstram que não seria, mas eles todos os clientes concordam que a empresa fornecedora Alpha é estrategicamente importante e acreditam ter uma parceria equilibrada, o que vai ao encontro da visão da empresa. Quanto à comparação com clientes alter nativos, a empresa Alpha enfatiza que esse foi o nicho de mercado em que optou por trabalhar e que todos os clientes são muito importantes; se, porventura, precisasse migrar para outro segmento de mercado, isso seria possível, mas seria uma grande revolução. Quando os clientes comparam o fornecedor Alpha com fornecedores alternativos, demonstram que existem fornecedores alter nativos para os produtos oferecidos pela empresa Alpha, porém não teriam o mesmo valor em decorrência do nível de serviço oferecido pelo fornecedor Alpha. Destaca-se também que todos os clientes avaliaram que mantêm um dos melhores relacionamentos com a empresa Alpha, se comparado com os demais fornecedores. Em relação ao construto investimento no relacionamento, a empresa fornecedora Alpha demonstra que possui uma dependência grande desses principais clientes, mas optou por atuar em três segmentos, a fim de garantir melhores condições de sobrevivência. Considera que tem feito um investimento significativo para implementar uma parceria com esses clientes e que os mecanismos desenvolvidos contribuem para que seja mais difícil encerrar o relacionamento estabelecido, tendo em vista o nível de especialização da empresa e a atenção para as necessidades dos clientes. A maioria dos clientes entrevistados confirma a visão da empresa, de que o investimento que esse fornecedor tem feito para implementar uma parceria é significativo, e também considera que os mecanismos desenvolvidos pelo fornecedor tornam difícil encerrar o relacionamento. A empresa fornecedora Alpha acredita que troca muitas informações com os principais clientes e que está permanentemente em contato 56
com eles. A maioria dos clientes entrevistados também avalia como positiva a troca de informa ções com a empresa. Todos os entrevistados avaliam que o fornecedor Alpha tem merecido a sua confiança e se preocupa com os seus interesses, eles confiam plenamente nas informações recebidas do fornecedor. Isso corrobora o colocado pelo diretor da empresa Alpha, que afirma que a preocupação com o interesse dos clientes foi um dos fatores-chave para o sucesso da empresa. Quanto ao comprometimento, a maioria dos clientes espera que o relacionamento continue e se fortifique ao longo do tempo, também espera aumentar as compras junto ao fornecedor caso o mercado permita, e também possui disposição para investir no fortalecimento desse relacionamento. Todos veem o relacionamento com o fornecedor Alpha como uma parceria, destacando a preocupação deste em atender e satisfazer às necessidades do cliente. Quando a empresa fornecedora Alpha avalia esse construto, confirma que está bastante comprometida com os principais clientes. Essa visão de ambos os atores confirma a ideia de Groff (2001), ou seja, de que o marketing de relacionamento tem ocupado posição cada vez mais relevante, com as empresas buscando uma orientação de longo prazo. As relações se estabelecem sob uma gama de aspectos, como interesses e convicções comuns, aspectos corporativos, níveis de serviços inclusos no fornecimento, grau de colaboração, de forma que o objetivo é buscar uma relação do tipo “ganha-ganha”, na qual ambos os parceiros se beneficiam.
Considerações Finais Diante do ambiente complexo e instável da atualidade, as organizações têm buscado estar à frente de seus concorrentes. Para isso, estabelecer relações de parceria com seus clientes, fornecedores e demais atores da cadeia de valor, por meio de um relacionamento sólido e de longo
prazo, apresenta-se como um fator promissor e diferencial no mundo dos negócios. Este trabalho, que procurou identificar a construção de relacionamentos entre uma empresa fornecedora de argamassa industrializada e seus principais clientes, constatou que o fornecedor analisado consegue construir e manter um bom relacionamento com seus principais clientes. Tendo em vista os seis construtos propostos por Wilson e Vlosky (1997), pode-se constatar que, com relação ao construto dependência, todos os clientes concordam que a empresa fornecedora Alpha é estrategicamente importante e acreditam ter uma parceria equilibrada com ela, o que corrobora com a visão da empresa. Os clientes demonstram que existem for necedores alternativos para os produtos oferecidos pela empresa Alpha, porém não teriam o mesmo valor em decorrência do nível de serviço oferecido pela empresa. E mais, todos os clientes avaliaram o relacionamento com a Alpha como um dos melhores relacionamentos que mantêm comparado aos demais fornecedores.
fortifique ao longo do tempo, considerando-o uma parceria. A empresa fornecedora Alpha também demonstra estar bastante comprometida com os principais clientes. Essa visão de ambos os atores confirma o conceito de marketing de relacionamento como um processo de criação de valor, de cooperação, de comprometimento e de confiança entre os parceiros (Grönroos, 2000; Parvatiyar, 2000; Tinsley, 2002; Berry, 2002). Dessa forma, constata-se que a empresa fornecedora Alpha possui um relacionamento bastante sólido e promissor junto aos seus principais clientes. A construção desse relacionamento ocorre principalmente em relação à troca de informações, confiança e comprometimento. Como limitação deste estudo, ressalta-se o fato de que, devido à distância física, algumas entrevistas foram realizadas por e-mail, o que pode limitar as possibilidades de maior aprofundamento na análise. Sugere-se, para trabalhos futuros, que esta temática seja abordada em outros setores.
Em relação ao construto investimento no relacionamento, a empresa Alpha demonstra que os mecanismos desenvolvidos para atender às necessidades dos clientes dificultam o término do relacionamento estabelecido, tendo em vista o nível de especialização da Alpha e a atenção para as necessidades dos clientes. A maioria dos clientes entrevistados confirma a visão da empresa, ao avaliar que o investimento feito por esse fornecedor para estabelecer uma parceria é significativo e que os mecanismos desenvolvidos dificultam o encerramento do relacionamento. A troca de informações é avaliada de forma positiva tanto pela empresa fornecedora Alpha como pelos principais clientes. Além disso, todos os entrevistados avaliam que o fornecedor tem merecido confiança. Isso corrobora a visão da Alpha, ao afirmar que a preocupação com o interesse dos clientes consiste em um dos fatores-chave para o sucesso da empresa.
•
Recebido em: 21/09/2012
•
Aprovado em: 01/10/2012
Quanto ao comprometimento, a maioria dos clientes espera que o relacionamento continue e se
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
57
Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução sob a direção de A. Reto e A. Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2002. BERRY, L. Relationship marketing of services: growing interest, emerging perspectives. Journal of Academy of Marketing Science, Thousand Oakes, Calif., v. 23, n. 4, p. 236-245, 1995. CRESCITELLI, E.; IKEDA, A. A. Marketing de relacionamento entre fabricantes e varejistas. Revista de Gestão, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 55-65, abr./jun. 2006. DWYER, R.; SCHURR, P.; OH, S. Developing buyer seller relationship. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v. 51, n. 2, p. 11-27, apr. 1987. EVANS, J. R.; LASKIN, R. L. The relationship marketing process: a conceptualization and application. Industrial Marketing Management, New York, v. 23, p. 439-452, 1994. FONTENOT, R. J. et al. A model of buyer-seller relationship structure effects on firm performance. In: AMA WINTER EDUCATOR’S CONFERENCE, 1998, Austin, TX. Proceedings... Austin, TX: American Marketing Association, 1998. p. 206-207. FUNDACENTRO. Notícias. Recuperado em 22 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/dominios/ctn/noticias.asp?Cod=934>. Acesso em: 20 abr. 2011. GROFF, R. Adequação da escala de Wilson & Vlosky para mensuração de marketing de relacionamento no mercado de bens de capital: um estudo exploratório. 2001. 164 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 2001. GRÖNROOS, C. From marketing mix to relationship marketing: towards a paradigm shift in marketing. Management Decision, Helsingfors, Finland, v. 32, p. 4-20, 1994. GUMMESSON, E. Marketing de relacionamento total: gerenciamento de marketing, estratégias de relacionamento e abordagem de CRM para economias de rede. Porto Alegre: Bookman, 2005. ______. Relationship marketing in the new economy. Journal of Relationship Marketing, Binghamton, NY, v. 1, n. 1, p. 37-57, 2002. JACKSON, B. B. Winning and keeping industrial customers. Lexington, Mass.: Lexington Books, 1985. MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing: metodologia e planejamento. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MEURER, A. M. Serviços ao cliente e marketing de relacionamento: um estudo nos mini-mercados de Passo Fundo – RS. 2007. 131 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, 2007. MORGAN, R. M.; HUNT, S. D. The commitment-trust theory of relationship marketing. Journal of Marketing, Chicago, Ill., v. 58, p. 20-38, 1994. NICKELS, W. G.; WOOD, M. B. Marketing: relacionamento, qualidade, valor. Rio de Janeiro: LTC, 1999. PARVATIYAR, A.; SHETH, J. N. The domain and conceptual foundations of relationship marketing. In: ______; ______. (Ed.). Handbook of relationship marketing. Thousands OAKS: Sage Publications, 2000. PEREIRA, R. de C. de F.; LUCE, F. B. Até que os custos os separem: por que clientes e fornecedores estabelecem práticas relacionais para o desenvolvimento conjunto de projetos de software? Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 13, n. 4, p. 545-563, out./dez. 2009. RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. ROCHA, A. da; LUCE, F. B. Relacionamentos entre compradores e vendedores: origens e perspectivas no marketing de relacionamento. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 46, n. 3, p. 87-93, jul./set. 2006. SHETH, J. N.; PARVATIYAR, A. The evolution of relationship marketing. International Business Review, Oxford, v. 4, p. 397-418, 1995. TINSLEY, D. B. Relationship marketing’s strategic array. Business Horizons. Bloomington, Ind., v. 45, n. 1, p. 70-76, 2002. TONI, D. de. O relacionamento entre uma vinícola e seus fornecedores de uva: um estudo de caso. In: SLONGO, L. A.; LIBERALI, G. (Org.). Marketing de relacionamento: estudos, cases e proposições de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2004. VIANA, D. A. A proposição de um modelo sobre marketing de relacionamento no contexto business-to-business: avaliação inicial na indústria metal-mecânica do Rio Grande do Sul. 1999. 125 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. WILSON, E.; VLOSKY, R. Partnering relationship activities: building theory from case study Research. Journal of Business Research, Athens, GA, v. 39, p. 59-70, may 1997. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. 58
Anexo Categorias de análise
Fornecedor
Dependência do cliente/fornecedor
Nível de comparação com clientes/ fornecedores alternativos
Investimentos no relacionamento
Troca de informações
Confiança
Comprometimento
Rev.
FA E ,
1. Os principais clientes sentem-se dependentes da empresa? 2. A empresa é estrategicamente importante para os principais clientes? 3. Seria difícil para os principais clientes obter as vendas e lucros sem a empresa? 4. Seria difícil para os principais clientes substituir os produtos gerados pela empresa? 5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com os principais clientes? 6. Há muitos clientes alternativos para os produtos que a empresa vende aos principais clientes? 7. O melhor substituto para os principais clientes teria o mesmo valor para a empresa? 8. Comparado com outros clientes, o relacionamento da empresa com os principais clientes é melhor? 9. Há muitos clientes alternativos que têm o mesmo valor para a empresa? 10. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar o relacionamento comercial com estes clientes? 11. O investimento que a empresa tem feito para implementar uma parceria com os principais clientes é significativo? 12. O custo total de mudança para outros clientes alternativos seria muito grande? 13. Os mecanismos que a empresa estabelece para este relacionamento comercial tornariam difícil encerrar o relacionamento com estes clientes? 14. Como é a comunicação com os principais clientes? 15. A empresa troca muitas informações com os principais clientes? 16. A empresa compartilha mais informações com os principais clientes do que com outros clientes? 17. A empresa se preocupa com os interesses dos principais clientes? 18. Os negócios com os principais clientes não precisam ser supervisionados detalhadamente? 19. A empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe dos principais clientes? 20. A empresa entrega produtos a estes clientes sem conferir a precisão das quantidades? 21. Estes clientes tem merecido a confiança da empresa? 22. A empresa espera que o relacionamento com estes clientes continue por longo tempo? 23. A empresa espera que o relacionamento com estes clientes se fortifique ao longo do tempo? 24. A empresa espera aumentar as vendas junto a estes clientes no futuro? 25. A empresa dispõe um considerável esforço e investimento no fortalecimento do relacionamento comercial com estes clientes? 26. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com estes clientes? 27. A empresa está comprometida com os principais clientes? 28. O relacionamento comercial com os principais clientes poderia ser descrito como sendo uma parceria?
C uritiba,
Clientes 1. Nós nos sentimos dependentes deste fornecedor? 2. Este fornecedor é estrategicamente importante para a empresa? 3. Seria difícil para a empresa gerar vendas e lucros sem este fornecedor? 4. Seria difícil para a empresa substituir os produtos fornecidos por este fornecedor? 5. A empresa acredita que tem uma parceria equilibrada com este fornecedor? 6. Há muitos fornecedores alternativos para os produtos que a empresa compra deste fornecedor? 7. O melhor fornecedor substituto teria o mesmo valor para a empresa? 8. Comparado com outros fornecedores, o relacionamento da empresa com este fornecedor é melhor? 9. Há muitos fornecedores alternativos que têm o mesmo valor para nossa empresa? 10. Seria um transtorno para as operações da empresa encerrar o relacionamento comercial com este fornecedor? 11. O investimento que este fornecedor tem feito para implementar uma parceria é significativo? 12. O custo total de mudança para outro fornecedor seria muito grande? 13. Os mecanismos que o fornecedor estabelece para este relacionamento comercial tornariam difícil encerrar o relacionamento com o mesmo? 14. Como é a comunicação com este fornecedor? 15. A empresa troca muitas informações com este fornecedor? 16. A empresa compartilha mais informações com este fornecedor do que com outros? 17. A empresa sente que este fornecedor se preocupa com seus interesses? 18. Os negócios com este fornecedor não precisam ser supervisionados detalhadamente? 19. A empresa tem plena confiança na veracidade das informações que recebe deste fornecedor? 20. A empresa aceitaria produtos deste fornecedor sem conferir a precisão das quantidades? 21. Este fornecedor tem merecido a confiança da empresa? 22. A empresa espera que o relacionamento com este fornecedor continue por longo tempo? 23. A empresa espera que o relacionamento com este fornecedor se fortifique ao longo do tempo? 24. A empresa espera aumentar as compras junto a este fornecedor no futuro? 25. A empresa dispõe um considerável esforço e investimento no fortalecimento do relacionamento comercial com este fornecedor? 26. A empresa tem se empenhado muito no relacionamento com este fornecedor? 27. A empresa está comprometida com este fornecedor? 28. O relacionamento comercial com este fornecedor poderia ser descrito como sendo uma parceria?
v. 16, n. 1, p. 36 - 59, jan./jun. 2013
59
Motivos de compra de produtos de marca prĂłpria: estudo com consumidores de Curitiba _ PR Reasons for buying private labeled products: study with consumers in Curitiba â&#x20AC;&#x201D; ParanĂĄ
Motivos de compra de produtos de marca própria: estudo com consumidores de Curitiba — PR Reasons for buying private labeled products: study with consumers in Curitiba — Paraná
Barbara Regina Lopes Costa1 Dennys Robson Girardi2 Gisele Borges Silva Cândido3 Michelle Vecchietti Camargo4
Resumo O presente estudo apresenta uma visão geral dos produtos de marca própria, considerando o histórico, os fatores que impulsionaram seu crescimento comercial, os motivos de decisão de compra e o comportamento de consumidores desses produtos. O trabalho foi desenvolvido com o objetivo de mensurar os padrões de atratividade dos produtos com marca própria no ramo alimentício das redes supermercadistas para os consumidores curitibanos. Para essa avaliação descritiva, foi realizado um levantamento de campo, por meio da aplicação de questionários quantitativos, a uma amostra representativa, averiguando alguns comportamentos desse público consumidor. Entre esses indicadores, a pesquisa relevou que a grande maioria dos consumidores de Curitiba-PR conhece os produtos de marca própria, entretanto, um dos principais motivos que os levam a não consumir tais produtos é a falta de conhecimento sobre a sua procedência. Por outro lado, aqueles que os adquirem tendem a justificar a inclinação ao consumo de congêneres com base no preço mais acessível em relação aos produtos de marcas reconhecidas e se declaram satisfeitos com os produtos de marca própria das redes supermercadistas. Verificou-se, ainda, que as marcas próprias são mais facilmente identificadas pelos consumidores quando carregam consigo o nome da rede supermercadista. Palavras-chave: Produtos de Marca Própria. Comportamento do Consumidor Curi tibano. Marketing de Varejo. Redes Supermercadistas. Fatores de Decisão de Compra.
Abstract This study presents an overview of a company´s own labeled products, taking into consideration the company history, the factors that have boosted its commercial growth, and the reasons which led the consumers to purchase these products and their behavior towards them. The study was developed in order to verify what are the reasons that attract consumers from Curitiba to buy a company´s own labeled products in supermarket chains. For this descriptive evaluation, a field survey of a random sample was conducted by using quantitative questionnaires, which showed that the vast majority of consumers from Curitiba know labeled products. However, one of the main reasons that lead them not to consume these labeled products is the lack of knowledge of their origin. In contrast, consumers of private labeled products justify their purchasing based on the lower price of these products compared to well-known brands and they were satisfied with the private label products from supermarket chains. In addition, Private Labels are more easily identified by consumers when they carry the name of the supermarket with them.
pio3 /Shutterstock.com
Keywords: Private Labels. Behavior Characteristics of Curitiba’s Consumers. Supermarket Chains.
3 4 1
2
Doutoranda em Administração pela Universidad de la Empresa (UDE) _ Uruguai. E-mail: babhy@terra.com.br. Mestre em Tecnologia em Saúde pela PUC-PR. E-mail: dennys.girardi@live.fae.edu. Pós-Graduada em desenvolvimento gerencial pela FAE Centro Universitário. E-mail: gborgessilva2@yahoo.com.br. Pós-Graduada em Gestão em Mercado Financeiro pela FAE Centro Universitário. E-mail: michellevmkt@hotmail.com.
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
61
Introdução Dada a diversidade das profundas transformações de modelo social, cultural e comportamental, além daquelas mudanças tomadas pelos meios que gerem a política e o acesso ao mercado da tecnologia, enlaçando com eles todo um padrão de vida econômica, é natural que se observe agora uma afetação maciça nos hábitos de consumo da sociedade contemporânea. Para Costa et al. (2009), a crescente exposição dos consumidores a certo contexto de informações e a uma infinita variedade de bens e serviços disponíveis torna-os cada vez mais exigentes em suas escolhas, consagrando o poder de decisão na mão do consumidor. Em parte, esse foi o resultado de um processo extenso de emancipação do indivíduo consumidor, livre dos constrangimentos anteriores do acesso à mercadoria graças ao processo chamado de autosserviço, que inaugura uma era de consumo completamente singular (LIPOVETSKY, 2007)5. E isso mesmo sem esquecer a reserva que deve ser dada à identificação desse poder de decisão, evidentemente idealizado na perspectiva de um consumidor que, em verdade, deve muito aos esquemas de receptividade mercadológica, ali onde está o fetiche da marca e o motor de todo ideal capitalista. No mesmo lugar em que aparece o “hedonismo consumidor”, vislumbrado por Gilles Lipovetsky, também surge o mito do sujeito autônomo situado pelo individualismo liberal. Da perspectiva de quem cria essas ne cessidades, surgem algumas regras importantes para que se conheçam as formas mais eficientes de estimular um público consumidor em crescimento. Aqui é necessário considerar algum diferencial
As redes supermercadistas perceberam nos produtos de marca própria a possibilidade de reduzir seus custos, pois não precisam fazer uso de suas estruturas para produzir determinados produtos.
competitivo que permita se sustentar no mercado, e é nesse ponto que a marca exerce seu papel de diferenciação, ou seja, a marca será aquela que promoverá a distinção de uma empresa em relação a outras que apresentam o mesmo portfólio de produtos em determinado segmento (seja alimentício, eletrônicos, têxtil etc.). Hoje, mais do que nunca, a marca se tornou a identificação visual das empresas modernas, sendo algumas vezes a grande responsável pelo sucesso do negócio, como oferecimento de uma sinonimização de qualidade, segurança e estilo de vida. É a partir dessa nova concepção que surgem os produtos de marca própria. As empresas de diversos segmentos também oferecem em suas lojas os produtos com suas próprias embalagens e com o seu nome/marca designado, tornando-se, enfim, novas concorrentes para marcas tradicionais e prestigiadas. No ramo varejista, principalmente, isso acaba se mostrando como estratégia destinada a manter e/ou ampliar a
Na definição feita pelo autor, o autosserviço passa a conjugar todo “o processo de despersonalização da relação comercial iniciado pelos grandes magazines. Mas não é menos verdade que, com o auto-serviço, uma nova estratégia de sedução foi ativada pela grande distribuição, uma sedução baseada não mais na mise-en-scène feérica dos produtos e do local de venda, mas na autonomia do consumidor. A sedução da fase II não se limita ao mito eufórico do consumo, ao espetáculo da profusão, à ambiência de prodigalidade festiva e de solicitude cercando as mercadorias [lembrando que esta fase II coincidiria com o advento da produção fordista e um novo marco nos próprios hábitos de consumo], depende também de dispositivos que, ao eliminar diversos constrangimentos comerciais, abriram o espaço da independência e da mobilidade individuais. Pelo auto-serviço, a grande distribuição tornou possíveis práticas e um imaginário de liberdade individual, um universo de compra marcado pelo princípio de livre disposição de si; ela não apenas funcionou como um agente de democratização do consumo, mas também contribuiu, em seu nível, para a individualização das práticas de compra, dos gostos e das exigências”. LIPOVETSKY, 2007, p. 101-102.
5
62
competitividade da empresa, fortalecendo sentido de identificação pela marca.
o
As redes supermercadistas perceberam nos produtos de marca própria a possibilidade de reduzir seus custos, pois não precisam fazer uso de suas estruturas para produzir determinados produtos. Ao mesmo tempo, esse mecanismo de adoção da marca própria não mais as torna reféns dos preços impostos pelas fabricantes das marcas reconhecidas e detentoras de alto poder de barganha nas negociações, podendo ainda oferecer ao consumidor um produto de boa qualidade e com valor de aquisição mais atraente. Com essa iniciativa, as redes supermercadistas oferecem maior opção de escolha aos seus clientes e acabam por conquistar maior espaço no mercado setorial. A fim de conhecer um pouco mais do perfil do consumidor, e diante das inferências, indaga-se: quais são os motivos que atraem os consumidores a adquirir produtos de marca própria das redes supermercadistas? Por razões operacionais, a abordagem deste estudo terá foco nos consumidores de produtos alimentícios da cidade de Curitiba, capital do Paraná, já que nela se podem encontrar os exemplos das grandes redes supermercadistas e uma linha de consumidores já definidos, conforme padrão de alta exigência — segundo os levantamentos feitos pelo Procon-PR (2001) e por Menshhein (2007), Ávila (2009) e Colombo (2009). O sujeito da pesquisa é o consumidor curitibano, ou seja, aquele que efetivamente compra e reside nessa cidade, indiferentemente de sua naturalidade. Desse modo, toma-se o referencial metodológico apontado por Blackwell (2005), que compreende o comprador como aquele agente que atua indo à loja, ligando para fornecedores, preenchendo cheques, trazendo produtos para casa, consumindo, e assim por diante. Ao final, este estudo pretende propiciar referências para aqueles que se interessarem pelo assunto ou que desejarem implantar marca própria em suas lojas, mas que não dispõem de conhecimento especializado sobre o assunto.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
1
Trajetória das Marcas
Para entender o papel desempenhado pela marca própria, é necessário conhecer um pouco mais sobre a trajetória das marcas ao longo do tempo, embora o conceito de marca registrada seja tão antigo quanto a ideia de comércio. Segundo Oliveira (2005), foi somente na Baixa Idade Média que as sociedades comerciais passaram a utilizar um primeiro formato das marcas registradas, de modo a oferecer aos consumidores um diferencial frente aos diversos genéricos espalhados pelas feiras livres. Desse momento em diante é que se ajuízam as primeiras marcas registradas, chamadas trademarks (TM). No entanto, oficialmente, a marca foi reconhecida como um sinal distintivo apenas no final do século XIX, na convenção de Paris de 1883, em que foi instituída a União da Propriedade Intelectual. Mesmo assim, há até pouco tempo, por volta da metade do século XX, muitos produtores e intermediários ainda vendiam seus produtos embalados sem qualquer tipo de identificação. Os compradores dependiam da honestidade do vendedor, pois nem sempre existia a garantia de qualidade do que estavam comprando. Apenas mais tarde, com o incremento capitalista do pós-Segunda Guerra, a crescente competitividade dos setores industriais tornaria a presença da marca fator indispensável do mercado concorrencial: daí em diante, não é mais no vendedor que se fia o consumidor, mas na marca, sendo a garantia e a qualidade dos produtos transferidas para o fabricante [...] julgando os produtos a partir de seu nome mais que a partir de sua composição, comprando uma assinatura no lugar de uma coisa (LIPOVETSKY, 2007, p. 30).
Costa e Jensen (2010) observam que atualmente, com raras exceções, a maioria dos produtos tem uma marca que os distingue dos demais. A cabo, a marca é tratada como elemento exclusivo de diferenciação (PINHO, 1996). O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI, 2011) define marca como “todo sinal
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
63
distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços de outros análogos, de procedência diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas”. Para Kotler e Keller (2006), uma marca é essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. Além disso, eles complementam dizendo que uma marca é um símbolo de relativa complexidade, pois carrega significados intrínsecos que são percebidos pe los consumidores. Outro conceito correlato ao tema é o de patrimônio de marca (brand equity), que nada mais é do que o valor atribuído à marca. O conceito de brand equity lida com o valor, normalmente definido em termos econômicos, e para determiná-lo, todos os atributos da organização e da marca são considerados, tanto os tangíveis como os intangíveis, isto é, tudo que está por trás da marca: vendas, atendimento, qualidade do produto ou do serviço, facilidade de compra etc. (COSTA; JENSEN, 2010). Assim, todo esse valor atribuído à marca tem alguma influência na forma como o
Uma marca é essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. Além disso, é um símbolo de relativa complexidade, pois carrega significados intrínsecos que são percebidos pelos consumidores. 64
consumidor pensa, sente e age em relação a ela, bem como dele se espera proceder na demarcação dos preços, na parcela de mercado (market share) e na lucratividade proporcionada pela marca às empresas que o controlam.
2
Marca Própria
Os produtos de marca própria surgiram quando os donos das mercearias adquiriram produtos em grande quantidade ou em largo volume, rompendo sua embalagem original e fracionando o conteúdo que era colocado em outros recipientes, com uma etiqueta colada, a qual levava o nome da loja. Esses produtos não davam nenhum tipo de garantia de qualidade para os seus consumidores, pois não existia uma origem definida e nada que averiguasse os processos de qualidade contidos em sua fabricação. Foi na Europa, na década de 50 do século XX, o momento em que varejistas começaram a vislumbrar oportunidades estratégicas para mudar a percepção dos consumidores com relação à credibilidade desses produtos. Contudo, houve, ainda, grande resistência, pois as pessoas continuavam a desconfiar de que fossem sobras dos produtos originais e que ali não houvesse as mesmas garantias dessa procedência (RABELO, 2005). Conforme Rabelo (2005), a segunda geração dos produtos de marca própria ficou marcada como aqueles produtos de primeiro preço ou alternativa econômica. Não possuíam a mesma qualidade que as marcas líderes, mas atendiam aos tabelamentos das legislações em vigor. Na sequência, é com a terceira geração, ou geração do “me too”, que os produtos de marca própria tentavam “clonar” a qualidade das marcas líderes. Surge então a possibilidade de sucesso no negócio devido, principalmente, aos investimentos na melhoria da qualidade e da padronização dos produtos de marca própria. Atualmente, é possível encontrar esses produtos mais diferenciados, os quais receberiam investimentos maciços em qualidade e padronização da produção. Mas é a
partir da quarta geração que alguns fabricantes proporiam uma superação dos níveis de qualidade das marcas líderes atacando diretamente os produtos ditos premium. Acompanhando o fenômeno de hoje, per cebe-se o quanto os varejistas vêm transformando a essência de suas marcas, antes vistas como itens depreciados pela falta de qualidade, para convertê-las em sinônimo de preço baixo e alto valor de atração. Essa transformação está fazendo com que os fabricantes de marcas reconhecidas passem a disputar espaço nas prateleiras com os produtos de marca própria. Segundo Kumar e Steenkamp (2008, p. 70), mais da metade dos consumidores mundiais já considera a marca própria de supermercado uma boa opção de compra. “A transformação da Marca Própria não passou despercebida pelos consumidores. O aprimoramento das marcas de loja fez delas uma alternativa de compra aceitável para grandes grupos de consumidores”. Assim, tem-se clara remodelação da ideia tradicional de marca própria: A marca própria caracteriza-se por ser um produto vendido ou comercializado exclusivamente pela orga nização que detém o controle (registro) da marca e que, normalmente, não possui unidade produtora. Uma marca própria pode levar o nome da empresa ou utilizar uma outra marca não associada ao nome da organização. Possuem identidade própria, sendo fornecidos sob encomenda e atendendo especificações definidas pelo detentor da marca (OLIVEIRA, 2005, p. 7).
Para os varejistas, os produtos de marca própria apresentam vantagens, visíveis pela maior promoção da sua forma-marca — o que acresce na possibilidade de recorrência do público à marca (share of mind) —, pela fidelização do cliente e sua lucratividade, também pela oferta de mais opções de escolha ao cliente, diferenciando-se da concorrência, que possui apenas os produtos de marcas reconhecidas. A existência de produtos com marca própria faz com que o varejista tenha melhores condições de negociar junto aos fabricantes das marcas reconhecidas. Em contrapartida, os varejistas devem ter cuidado ao gerir um portfólio com uma variedade de produtos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Mais da metade dos consumidores mundiais já considera a marca própria de supermercado uma boa opção de compra. O aprimoramento das marcas de loja fez delas uma alternativa de compra aceitável para grandes grupos de consumidores.
de marca própria, pois um fracasso em um único produto da linha pode afetar toda a imagem do varejista (KUMAR; STEENKAMP, 2008). Desse modo, as redes varejistas devem decidir se o produto receberá o nome da rede ou se terá uma nova marca, especialmente desenvolvida para ele (TOLEDO; GIRALDI; PRADO, 2007). Afinal, seguindo a observação já destacada por Kotler e Keller (2006, p. 515), “muitas categorias de produtos não são praticáveis ou atraentes se oferecidas em marca própria”. Em face da crescente participação de produtos com marca própria, os fabricantes das marcas reconhecidas são tentados a se tornar também produtores de marca própria, uma vez que a capacidade de produção exclusiva de itens das marcas reconhecidas viria a se tornar um segmento ocioso. Kumar e Steenkamp (2008) defendem que um fabricante de marca reconhecida também pode se engajar na produção de marca própria para dominar a categoria. A produção de marca própria por um fabricante de marca reconhecida também pode ser usada como uma ferramenta competitiva para manter ou conquistar mercado, ou ainda para gerenciar a qualidade da marca própria e assegurar que ela não prejudique suas marcas já reconhecidas.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
65
Avaliando o presente cenário consumidor, seria ainda de se esperar que as redes varejistas pudessem optar por fabricar e vender seus produtos de marca própria ou apenas por vender esses produtos, adquirindo-os de outros fabricantes, que os venderiam com a embalagem e a marca da rede supermercadista. É inegável que, para os consumidores comprarem produtos de marca própria, é necessário que haja uma economia real na hora da compra, logo, quanto maior for a diferença de preço entre um produto de marca reconhecida e um produto de marca própria, maior tenderá a ser o sucesso do produto dessa última marca.
2.1 Marca Própria no Brasil
Hoje, os produtos de marca própria estão dividindo espaço com os itens das marcas reconhecidas, a trazer consigo, muitas vezes, o mesmo nome da rede varejista. Percorre-se, a seguir, essa progressão no cenário mercadista brasileiro. No Brasil, a marca própria surgiu na década de 1960 com os supermercados Sendas e Paes Mendonça e, mais tarde, na década de 1970, com as redes Bom Preço, Pão de Açúcar e Carrefour
O mercado brasileiro conta com mais de 65 mil itens de marca própria, incluindo diversos segmentos, dos quais se contam aqueles com maior participação entre os setores de alimentos, higiene e limpeza, bebidas, eletrônicos, têxtil e bazar.
66
(MARCELINO; MESTRINER, 2007). Segundo Rabelo (2005), em meados de 1975, o Carrefour trouxe da França o conceito de segunda geração da marca própria, e mais tarde outras redes copiariam o modelo europeu. Devido à maior exigência do mercado, logo as redes começavam a migrar para a terceira geração. Atualmente, existem algumas redes que já se encontram na quarta geração, mas nada que possa ser tomado como exemplo muito representativo. Pode-se dizer que nos últimos anos o conceito de marca própria foi redesenhado, mas sua transformação não foi apenas de imagem, uma vez que as principais redes varejistas iniciariam um movimento de lançar novos produtos em diversas categorias. De acordo com Nielsen (2010), o consumo de produtos de marca própria vem crescendo anualmente, confirmando a sua aceitabilidade por parte dos consumidores. Esse crescimento só é possível pelo fato de que tais produtos têm apresentado o conhecido binômio de exigências — “bom e barato” — recorrente entre o grande público. Assim, atento a essa crescente, o mercado brasileiro conta com mais de 65 mil itens de marca própria, incluindo diversos segmentos, dos quais se contam aqueles com maior participação entre os setores de alimentos, higiene e limpeza, bebidas, eletrônicos, têxtil e bazar. Considerando essas informações, os varejistas brasileiros geralmente posicionam os produtos de marca própria entre os produtos líderes e as marcas de desconto. Outro fator a considerar quando se delineiam as características do mercado brasileiro de marca própria é a concorrência, muito disso se dá por conta da alta competitividade de todo o setor varejista de alimentos. Em resposta, nos últimos anos, surgiram grandes conglomerados, a partir da fusão de supermercados menores ou mesmo da compra destes por grandes redes estrangeiras, dispostas a aumentar sua participação no mercado brasileiro. Embora tenha ocorrido uma redução no número de participantes, existe hoje uma tendência de criar novos produtos e expandir as linhas já existentes, estimulando o surgimento de novos fornecedores dispostos a criar novos produtos de marca própria no setor varejista (SPINELLI; GIRALDI, 2004).
2.2 O Comércio Supermercadista Curitibano e a Marca Própria
Apesar de os produtos de marca própria serem ofertados pelo setor supermercadista há mais de cinco décadas, ainda é possível manter a expectativa de novos negócios para a aplicação da marca própria. Como apontam Lima e Dalla Costa (2005), o setor supermercadista de Curitiba só teve sua expansão a partir da década de 1990. Entre as empresas que ingressaram nesse mercado (marca própria) em Curitiba, destacam-se: O Grupo Sonae Distribuição Brasil, de ori gem portuguesa. Ele chegou ao Brasil em 1990, quando se associou com a empresa rio-grandense Josapar, originando a Companhia Real de Distribuição. De 1997 a 1999, o grupo adquiriu várias redes de supermercados, entre elas, as regionais Mercadorama e Coletão (LIMA; DALLA COSTA, 2005). Assim, o Sonae deu início a um processo de concentração jamais visto antes na cidade de Curitiba, culminando com a criação do supermercado Big. No Paraná, em 2005, o grupo Sonae tinha 36 unidades: 9 lojas Big, 24 lojas Mercadorama, 2 lojas Maxxi Atacado e 1 centro de distribuição, empregando, com isso, cerca de 8 mil pessoas (SAIKI, 2005). Já o grupo estadunidense Walmart, grande rede de varejo supermercadista do mundo, iniciou suas atividades na década 1960 e começou o processo de internacionalização nos anos 1990. A empresa, que atua hoje em países da América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, chegou ao Brasil no ano de 1995, instalando lojas no estado de São Paulo. Em Curitiba, no ano de 1998, inaugurou o Sam’s Club Atuba e o Walmart Supercenter Torres. O primeiro produto de marca própria da rede foi lançado em 1991. Great Value, a marca própria de maior destaque da rede, foi criada em 1993. Atualmente, a rede possui oito marcas próprias e mais de 1.500 produtos. Em 2004, adquiriu a rede Bompreço (MUNDO DAS MARCAS, 2010). Com a aquisição
Rev.
FA E ,
C uritiba,
do Sonae Distribuição Brasil, uma das empresas que ingressaram no mercado de marca própria nos anos 1990, o grupo se tornou maior no setor de varejo supermercadista de Curitiba (SAIKI, 2005). A empresa possui as seguintes bandeiras em todo Brasil: Walmart Supercenter, Sam’s Club, Todo Dia, Bompreço, Hiper Bompreço, Nacional, Mercadorama, Hipermercado Big e Maxxi Atacado. Outro grupo importante é a Companhia Brasileira de Distribuição, conhecida como Grupo Pão de Açúcar, e que também fez frente a todo esse processo. O grupo iniciou suas atividades como supermercado no ano de 1959, quando inaugurou o primeiro supermercado Pão de Açúcar, na cidade de São Paulo. Ao longo desses últimos anos, ele foi crescendo e diversificando suas atividades em vários ramos. Durante a década 1970, foi o responsável pela abertura dos primeiros hipermercados no Brasil. Foi baseado nesse modelo que o grupo chegou a Curitiba, em 1972, inaugurando o primeiro hipermercado da cidade, o Jumbo. Em 1977, ele recebeu o Prêmio Clio, pela embalagem do Palmito Pap’s, um dos produtos de sua linha de marca própria. Diversas aquisições de outras redes supermercadistas aconteceram na trajetória do Pão de Açúcar. Entre as marcas próprias do grupo destacam-se: a Taeq, criada em 2006, e a Qualitá, lançada em 2008, ambas possuindo produtos com qualidade superior, que podem ser encontrados nas lojas das bandeiras Pão de Açúcar, Extra, CompreBem, ABC CompreBem e Sendas (GRUPO PÃO DE AÇUCAR, 2011). O Carrefour, grupo francês que chegou ao Brasil em 1975, foi um dos pioneiros a comercializar produtos com marca própria nos supermercados brasileiros. Sua primeira marca foi a Produits Libres, lançada em 1976, mas as marcas mais conhecidas da rede, no Brasil, são a Garantia de Origem, a linha Viver e a própria Carrefour (MUNDO DAS MARCAS, 2010). Segundo os dados divulgados pelo grupo Carrefour, “atualmente são mais de 14 mil produtos distribuídos entre onze Marcas Próprias Carrefour”, sendo “líderes de marca própria alimentar no Brasil (Nielsen) com mais de 40% de market share”. No Brasil, o grupo também possui o supermercado Dia% e o atacadista Atacadão.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
67
O Supermercado Condor Ltda, fundado em 1974, é natural de Curitiba. Atualmente, o Condor Super Center é formado por 29 lojas, sendo 12 hipermercados e 17 supermercados distribuídos pelo estado do Paraná. Seus produtos de marca própria recebem o mesmo nome da rede Condor. Segundo Pesch (2002), duas grandes redes regionais entraram no mercado curitibano no ano de 2002, o Super Muffato, que nasceu em 1970, em Cascavel, interior do Paraná, e a catarinense Angeloni. O Super Muffato, assim como o Condor, emprega seu nome - Muffato - em seus produtos de marca própria. As marcas próprias do Angeloni são Dona Helena e Super A. Esses e outros dados reforçam o elevado potencial de atração que o mercado curitibano representa no setor. Para a Associação Paranaense de Supermercado (Apras apud Pesch, 2002), a expansão do comércio supermercadista em Curitiba se deu pela aposta no crescimento demográfico da capital paranaense. Em vista dessa atratividade, o estudo ganha níveis interessantes para uma análise do mercado consumidor contemporâneo, com o que apresenta a seguir, dando ênfase agora ao perfil do consumidor e sua interação com a marca própria.
3
Decisão de Compra do Consumidor
Desde a infância, as pessoas começam a demonstrar suas preferências, seus desejos e seus gostos. Seja por uma marca de cereais ou por um brinquedo, cuja publicidade lhe tenha chamado a atenção ou por meio de uma cor ou sabor que se tomou como predileto. São diversas variáveis que influenciam a tomada de decisão, atuando mediante as motivações, a personalidade ou mesmo pelas percepções, experiências anteriores, opiniões de outras pessoas ou ainda havendo experiências negativas, a forma como o problema foi ou não solucionado. Para Gade (1998), o comportamento do consumidor se reflete nas atividades físicas, mentais e emocionais realizadas pelo ato de 68
seleção, compra e uso dos produtos e serviços para satisfação de suas necessidades e desejos. Algumas variáveis possuem grande in fluência na tomada de decisão dos consumidores no momento da compra, por exemplo, aquelas de afinidade social, cultural ou de sentido meramente individual. Para Costa (2010), um indivíduo é influenciado pelos vários grupos com os quais interage. Dessa forma, o comportamento de uma pessoa (consumidor) é a resultante da interação social, das influências recebidas de outras pessoas e também de pequenos grupos existentes dentro da sociedade. Bem colocado, isso justificaria o fato de que algumas pessoas usam apenas determinadas marcas, com as quais se identificam mais, sem arriscar uma experiência utilizando outra marca de produto similar. Quanto às variáveis culturais, elas podem justificar a resistência de alguns consumidores em adquirir itens de marca própria, uma vez que tais produtos são demasiado desconhecidos para o conjunto de valores que orientam a noção de consumo vulgar. A apreciação da nova marca deverá ser submetida a mediações de gosto, assim como a uma internalização de fatores estéticos que fazem do novo aceitável ao ajuste social. Segundo Kotler e Keller (2006), entre os fatores psicológicos, a motivação, a percepção, a aprendizagem e a memória influenciam na reação dos consumidores aos vários estímulos trazidos pelos canais de mídia projetados nas campanhas de marketing. Ainda, segundo os autores, o marketing enquanto efeito pode ser visto como processo que garante aos consumidores a experiência do produto e do ser viço apropriados, para que as estruturas de certas marcas sejam criadas e mantidas em sua memória. Isso tudo se ajusta a fatores mais concretos na percepção daquele que consome. Entre os fatores pessoais (idade, estágio no ciclo de vida, ocupação, circunstâncias econômicas, estilo de vida, valores, personalidade e autoimagem), a principal vantagem oferecida pelos produtos de marca própria — a vantagem do preço — se torna relevante para a decisão de compra. Karsaklian (2000) explica que cada pessoa tem a sua própria imagem de mundo, derivada do somatório de variáveis próprias e exclusivas do indivíduo, como
sua história passada, o ambiente em que vive (físico e social), sua personalidade, sua estrutura fisiológica e psicológica, seus valores e crenças. Acrescenta-se a isso a avaliação de Cobra (2009), quando observa que cada consumidor reage de forma diferente sob estímulos iguais. Cada consumidor possui um perfil diferente, e são essas diferenças que identificarão as necessidades e servirão como fatores decisivos no ato da compra. Por isso, qualquer atuação no varejo só pode ser feita após a definição de quem é o consumidor, sua realidade, sua situação, seu comportamento, suas expectativas e seus valores. Nesse contexto, é preciso notar que o consumidor brasileiro está mudando seu padrão de consumo devido a diversos fatores, como o conhecimento de seus direitos, o acesso às mídias, a prática do consumerismo, a estabilidade econômica, a grande possibilidade de escolhas de produtos e serviços, entre outros. Diante desse cenário, a marca própria de varejistas é mais uma opção de escolha que vem se apresentando ao mercado. Qualquer estratégia de varejo deve incluir a compreensão de como o consumidor processa informações e efetua suas compras. Além disso, é necessário, antes de qualquer decisão, que seja conhecido o que cada consumidor busca no mercado para a satisfação de suas necessidades. O consumidor, cada vez mais exigente e atento às mudanças, demanda que os varejistas desen volvam produtos com atrativos a mais, como embalagens atraentes e ergonômicas, preços acessíveis, funcionalidade e que ainda detenham reconhecido padrão de qualidade.
populacional realizado pelo IBGE (2010), são 1.746.896 habitantes no município de Curitiba— PR. Devido a um grande número de habitantes, e para a viabilização da pesquisa, foi utilizada uma margem de erro de +/- 8%. Com isso, passa-se ao tratamento quantitativo apropriado, em que se tem o cálculo para a definição da amostra utilizando a fórmula proposta por Barbetta (2003): n0 =
n0 =
1 , em que: (E0)2
1
= 156
N = Tamanho da população E0 = Erro amostral n0 = Primeira aproximação do tamanho da amostra n = Tamanho da amostra
(0,08)2 n = N x no n = 1746896 x 156
n= 155,98
1746896 + 156
N + no
A amostra foi estipulada em 156 entre vistados. Para a coleta de dados, utilizou-se como instrumento o questionário estruturado, no
qual
se
facultava
ao
respondente
a
possibilidade de manter-se anônimo. Quando rigorosamente selecionada, a amostra resulta em levantamentos bastante parecidos com os que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar todos os elementos do universo (GIL, 2009). Também vale ressaltar que não foi adotado nenhum outro critério de seleção que considere classe social, local de moradia, sexo etc. Dessa forma, as demais características inerentes ao perfil dos entrevistados foram levantadas após a análise
4 Procedimentos Metodológicos
dos dados, a partir das informações coletadas. Os entrevistados foram obtidos em locais de fluxo intenso de público: Praça Tiradentes, o Marco Zero da cidade, e Praça Rui Barbosa, que
Em termos metodológicos, este estudo tem caráter descritivo e apresenta um plano para definir a amostra consultada.
possui o terminal central dos ônibus do município.
Antes de proceder à amostragem, é ne cessário adotar alguns números relevantes para a ilustração deste estudo. Seguindo o censo
Em cada praça, 26 pessoas foram entrevistas a
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Em ambos os pontos centrais transitam indivíduos de todos os segmentos da população curitibana. cada período (manhã, tarde e noite), no dia 14 de março de 2011.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
69
5
Análise e Discussão dos Resultados
Para conhecer um pouco mais do perfil dos consumidores e responder à questão acerca dos motivos que atraem os consumidores de Curitiba — PR a adquirir os itens de marca própria das redes supermercadistas, tornou-se necessário um levan tamento de campo. Com base nos resultados obtidos por esta pesquisa, foi possível realizar uma comparação dos aspectos teóricos levantados nas referências bibliográficas. Os resultados da pesquisa de campo se dividem em duas etapas. A primeira etapa da análise considerou o total de entrevistados, 156 pessoas. Na segunda etapa, a análise considerou apenas os entrevistados que consomem produtos de marca própria das redes supermercadistas, 80 pessoas, ou seja, 51% do total dos entrevistados.
5.1 Perfil dos Clientes das Redes Supermercadistas de Curitiba A amostra quantitativa, conforme previsto na metodologia, constituiu-se de 156 pessoas avaliadas com os seguintes aspectos: 62% são do sexo feminino, sendo 63% solteiras, com idade entre 22 a 35 anos (57%), sem filhos (76%) e possuem grau de instrução em ensino superior, incompleto ou cursando (76%). A razão de mais mulheres terem respondido ao questionário, mesmo com uma amostragem obtida por tráfego, em local onde transitam todos os segmentos da população curitibana, faz convergir às constatações feitas pelos estudos do IBGE (2004), nos quais se aponta que: As proporções entre a população masculina e feminina vêm diminuindo paulatinamente no Brasil. Em 1980, havia 98,7 homens para cada cem mulheres, proporção que caiu para 97% em 2000 e será de 95% em 2050. Em números absolutos, o excedente feminino, que era de 2,5 milhões em 2000, chegará a seis milhões em 2050.
Quando questionados sobre o número de pessoas residentes em sua casa, apenas 4% 70
indicaram viver sozinhos e 24% do contingente entrevistado disseram viver em duas pessoas na residência, 30% moram em três pessoas, 28% em quatro pessoas, e 14% em cinco ou mais pessoas. Segundo o IBGE (2011), a média brasileira é de 3,3 moradores por residência. A classificação econômica da amostra se deu por meio do sistema de codificação e pontuação recomendado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2011). Utilizando esse método e considerando isoladamente a renda média familiar, as classes sociais predominantes foram A1 e A2, com 30% da amostra, e B1, com 29% dos entrevistados. Em contrapartida, com base nas quantidades dos itens que os consumidores possuem em casa e no grau de instrução do chefe da família, constatou-se que 45% dos entrevistados pertencem à classe C1, 34% pertencem à classe B2 e 12% pertencem à classe B1. Apesar da divergência identificada entre as propostas existentes de classificação econômica para um mesmo grupo de pessoas, tais dados se assemelham à pesquisa realizada pelo Instituto Ethos em parceria com o Jornal Gazeta do Povo, em 2009 (SÁnchez, 2009), que apontou mais de 50% da população de Curitiba ser pertencente à classe C. Do total de entrevistados, 57% são naturais de Curitiba; dos 43% que não são, 41% são paranaenses, o que demonstra que a migração dentro do estado é bastante significativa. Um resultado próximo ao das pesquisas feitas pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) (Carvalho, 2007) constatou que 47,7% dos habitantes de Curitiba não são naturais da cidade, enquanto o Instituto Ethos e a Gazeta do Povo (Albuquerque, 2009) mostraram que 55% da população de Curitiba nasceu em outra cidade do Paraná ou em outro estado. Quando questionados sobre os hábitos de compras nas redes supermercadistas, os resultados obtidos foram os seguintes: 35% dos entrevistados costumam frequentar o supermercado uma vez por semana, e 22% preferem ir às compras de duas a três vezes por semana. A maioria (57%) realiza suas compras aos finais de semana, sempre
acompanhada por familiares. Os períodos da noite (46%) e da tarde (36%) são mais apontados para a realização de compras em supermercado. GRÁFICO 1 — Frequência ao supermercado
FONTE: Os autores (2012)
Sobre as redes supermercadistas escolhidas pelos consumidores, observa-se a maior preferência, por parte dos moradores de Curitiba, pelas redes supermercadistas paranaenses. As regionais Condor (27%) e Mercadorama (17%) estão entre as preferidas. GRÁFICO 2 — Supermercado preferido
FONTE: Os autores (2012)
Entre os motivos que levam os consumidores a frequentar um supermercado, conta bastante a proximidade à sua casa e/ou ao seu local de trabalho, além da facilidade de acesso e da disponibilidade das marcas procuradas pelos entrevistados, e, por fim, o diferencial de oferecer promoções. Os principais motivos que fazem com que os consumidores não frequentem determinadas redes supermercadistas podem ser elencados: a distância de sua casa e/ou local de trabalho, acessos dificultados por filas demoradas, ambiente muito cheio e ausência das marcas buscadas pelos consumidores, além das dificuldades apontadas com o trânsito, que obstrui a chegada ao estabelecimento.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
71
GRÁFICOS PARALELOS 3 e 4 — Motivos para não frequentar um supermercado e motivos para frequentar um supermercado
FONTE: Os autores (2012)
Da amostra, 54% afirmaram conhecer produtos de marca própria das redes super mercadistas. Quando solicitado para relacionar os supermercados com suas marcas próprias, a mais lembrada nesse quesito foi a rede Walmart, com suas marcas Equate e Great Value.
5.2 Perfil dos Consumidores Curitibanos que Adquirem Produtos de Marca Própria das Redes Supermercadistas
Da amostra de 156 entrevistados, 51% costumam adquirir produtos de marca própria e apresentam o seguinte perfil: jovens entre 22 a 35 anos (30%) e do sexo feminino (64%); mais da metade se declara solteiro (62,5%) e possui ensino superior incompleto ou em curso (74%). Residem com familiares, dos quais 21% dividem a moradia com outra pessoa, 34% com outras duas, e somente 23% com outras três. Desse contingente, apenas 72
13% possuem filhos. A maioria é paranaense e 56% são naturais de Curitiba. Utilizando a classificação econômica da ABEP (2011), aponta-se um número expressivo de consumidores curitibanos que adquirem produtos de marca própria pertencentes às classes B1 (23%), B2 (33%) e C1 (29%), contestando a ideia de que esses análogos sejam majoritariamente destinados aos consumidores de baixa renda. Esse resultado mostra que os consumidores não compram produtos de marca própria exclusivamente pelo seu preço baixo, e sim por outros benefícios que oferecem. Observando o perfil identificado pelo estudo realizado por Nielsen (2010) — concentrado no estado de São Paulo —, definiu-se um padrão de consumidores com nível socioeconômico alto, faixa etária entre 41 e 50 anos, residentes em lares com quatro a cinco pessoas. Embora seja possível identificar com ele algumas semelhanças, ainda é preciso distinguir os estudos realizados no território nacional com a análise pontual de apenas
um município do porte de Curitiba e com suas particularidades de configuração socioeconômica. Em relação aos hábitos de compras nas redes supermercadistas, envolvendo questões como frequência, dia da semana e horários de preferência de compra, pessoas que acompanham nas compras, entre outros dados, os resultados obtidos com as 80 pessoas que adquirem produtos de marca própria se assemelham ao resultado do total da amostra (156 pessoas). Entre aqueles que adquirem produtos de marca própria, 36% costumam frequentar os supermercados uma vez por semana, e dentro desse percentual, a maioria prefere realizar suas compras nos finais de semana (57%), no horário da noite (47%) e acompanhada da família (53%). A preferência pelas redes supermercadistas paranaenses é ainda maior pelos compradores de marca própria. GRÁFICO 5 — Supermercado preferido pelos consumidores de marca própria
atentar a marcas e apenas 23% afirmam que reconheceriam um produto de marca própria sem o nome fantasia da rede supermercadista. Isso demonstra que as pessoas, de modo geral, associam ainda a marca própria com o nome da rede supermercadista que a oferece, o que também pode ser um indicador de que as pessoas podem estar consumindo diversos produtos de marca própria sem saber, pelo simples fato de não saber identificá-las quando não estão com embalagens contendo o nome da rede supermercadista. Tal desconhecimento pode ocorrer pela ausência de divulgação desses produtos por parte das redes supermercadistas. Outro resultado semelhante ao obtido com o total de entrevistados foi quanto à questão de relacionar os supermercados com suas marcas próprias. Walmart, com suas marcas Equate e Great Value, mais uma vez demonstrou ser a mais reconhecida quando não possui em suas embalagens o nome da rede.
5.3 Motivos que Atraem os Consumidores a Adquirir Produtos de Marca Própria das Redes Supermercadistas
FONTE: Os autores (2012)
Entre os motivos que levam os consumidores a optar por um supermercado, somente um quesito difere. Os entrevistados que totalizam a amostra (156) dão maior preferência ao estabelecimento que possui estacionamento em vez da facilidade de encontrar os produtos nas gôndolas/prateleiras indicado pelos consumidores de produtos de Marca Própria (80). Os mesmos motivos para não frequentar uma rede supermercadista foram citados por ambos os grupos de consumidores.
Os 80 entrevistados que declararam comprar produtos de marca própria afirmaram que os motivos predominantes dessa atitude foram, respectivamente, preço, qualidade, curiosidade e confiança/credibilidade da marca. Em contrapartida, os 49% de entrevistados que não costumam adquirir produtos de marca própria apresentaram a seguinte justificativa: falta de conhecimento da procedência, falta de confiança na marca e sentimento de qualidade inferior se comparados com produtos de marcas reconhecidas.
Quando questionado aos que adquirem produtos de marca própria se, em um supermercado, saberiam reconhecer um produto de marca própria caso ele não contivesse o nome fantasia do mercado, 47% disseram que não saberiam, 30% declaram que não costumam
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
73
GRÁFICOS PARALELOS 6 e 7 — Motivos para não comprar produtos de marca própria e motivos para comprar produtos de marca própria
FONTE: Os autores (2012)
Os gêneros de produtos de marca própria adquiridos pelos consumidores são laticínios e panificação (43%), produtos de higiene e limpeza (37%), enlatados (19%), chocolates e bolachas (1%). Sua compra não acontece regularmente, já que 39% adquirem produtos de marca própria esporadicamente, e 35% adquirem-nos somente algumas vezes em que vão ao supermercado. GRÁFICO 8 — Frequência de compra de produtos de marca própria
FONTE: Os autores (2012)
Os benefícios esperados pelos entrevistados que adquirem esses produtos são: encontrar a mesma qualidade que um produto de marca reconhecida e economia em relação ao preço. Diante da expressiva satisfação (78%) dos consumidores quanto aos produtos de marca própria ofertados pelas redes supermercadistas, torna-se claro que tais expectativas vêm sendo atendidas. A pesquisa ainda buscou sugestões de melhoria para os produtos de marca própria, e os consumidores dos análogos apontaram: maior quantidade de opções/variedade de produtos, de oferta de degustação para os clientes e melhor divulgação.
74
designados produtos de marca própria. E tendo
Conclusões
em vista o seu potencial de expansão, ainda há um vasto filão de mercado a ser explorado nessa
O levantamento de campo corrobora com a literatura, apontando que o principal motivo do consumidor para adquirir um produto de marca própria é o preço, contudo, esses congêneres precisam oferecer outros atributos além de um preço baixo. A carência de qualidade na hora da compra pode ser decisivamente negativa na opinião do cliente, levando até a comprometer a credibilidade da rede supermercadista e dos demais produtos da linha. Considerando todo o exposto, este estudo permite concluir que os produtos das redes super mercadistas oferecem uma razão custo/benefício capaz de melhor atender às necessidades e aos desejos de seus consumidores, já que 78% dos entrevistados que adquirem esses produtos afirmaram sentir-se satisfeitos com seu consumo. Outro resultado importante identificado foi a preferência feminina aos análogos. Este estudo, assim como outros que o nortearam, aponta que há consumidores de todas as classes sociais propensos à aquisição dos
Rev.
FA E ,
C uritiba,
linha, de modo a conectar-se mais eficientemente com seu público-alvo. Já os indivíduos não consumidores declararam manter receio sobre a procedência de tais produtos e não reconhecem um produto de marca própria, a menos que ele apresente em sua embalagem o nome da rede supermercadista. Aqui, surge a necessidade de fazer um reparo importante: um dos motivos que pode justificar o desconhecimento e o receio da procedência é a falta de divulgação, que também foi
mencionada
nas
sugestões
de
melhoria
para os produtos de marca própria. Eliminado o desconhecimento, a reação tende a ser mais satisfatória e receptiva. As redes supermercadistas precisam, en fim, estar atentas, pois essa nova estratégia mer cadológica modifica o relacionamento entre os fabricantes e os varejistas e também delega aos varejistas a responsabilidade de divulgar seus produtos, o que é diferente de uma simples in termediação comercial de um produto entre fabricante e consumidor final.
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 03/04/2012
•
Aprovado em: 19/06/2012
75
Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA (ABEP). CCEB: critério de classificação econômica Brasil. 2011. Disponível em: <http://www.abep.org/novo/Utils/FileGenerate.ashx?id=197>. Acesso em: 9 jul. 2011. ALBUQUERQUE, Vivian. Maioria não é da capital. Gazeta do Povo, Curitiba, 25 mar. 2009. Retrato da Grande Curitiba Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/retratocuritiba/quemsomos/conteudo. phtml?tl=1&id=870460&tit=Maioria-nao-e-da-capital>. Acesso em: 12 dez. 2009. ÁVILA, Paula. Pizza Hut lança pizza due em Curitiba. Paran@Shop, 24 jul. 2009. Disponível em: <http://www.paranashop.com.br/colunas/colunas_n.php?op=gastronomia&id=21004>. Acesso em: 23 nov. 2009. BARBETTA, Pedro A. Estatística aplicada às ciências sociais. 5. ed. Florianópolis: UFSC, 2003. BLACKWELL, Roger D.; Miniard, Paul W.; Engel, James F. Comportamento do consumidor. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. CARREFOUR. Trajetória grupo Carrefour. Disponível em: <http://www.grupocarrefour.com.br/grupo-carrefour-brasil/trajetoria-grupo-carrefour/>. Acesso em: 9 jul. 2011. CARVALHO, Joyce. Invasão de estrangeiros em Curitiba. Paraná Online, Curitiba, 22 abr. 2007. Disponível em: <http://www.paranaonline.com.br/editoria/mundo/news/237217/?noticia=INVASAO+DE+ESTRANGEIROS+EM +CURITIBA>. Acesso em: 12 dez. 2010. COBRA, Marcos. Administração de marketing no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. COLOMBO, Renan. As pequenas e familiares são as mais respeitadas. Gazeta do Povo, Curitiba, 27 mar. 2009, Retrato da Grande Curitiba. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/retratocuritiba/ valores/conteudo.phtml?tl=1&id=871290&tit=As-pequenas-e-familiares-sao-as-mais-respeitadas>. Acesso em: 12 dez. 2010. COSTA, Barbara Regina Lopes et al. A construção de marca em três empresas de administração pública do estado do Paraná: o marketing social e o marketing societal como ferramentas. Revista da FAE, Curitiba, v. 12, n. 1, p. 45-54, jan./jun. 2009. ______. Fundamentos de marketing. 2. ed. Curitiba: Aymará, 2010. ______; JENSEN, Anelise. Marketing aplicado à gestão. Curitiba: Aymará, 2010. GADE, Christiane. Psicologia do consumidor e da propaganda. São Paulo: EPU, 1998. GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2009. GRUPO PÃO DE AÇÚCAR. Linha do tempo. Disponível em: <http://www.grupopaodeacucar.com.br/o-grupo/historia/linha-do-tempo/>. Acesso em: 9 jul. 2011. IBGE. Brasil já tem mais de 180 milhões de habitantes. Comunicação Social, 30 ago. 2004. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=207>. Acesso em: 26 out. 2009. ______. Censo 2010: população do Brasil é de 190.732.694 pessoas. Comunicação Social, 29 dez. 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766>. Acesso em: 16 fev. 2011. ______. Primeiros resultados definitivos do Censo 2010: população do Brasil é de 190.755.799 pessoas. Comunicação Social, 29 abr. 2011. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_ visualiza.php?id_noticia=1866&id_pagina=1>. Acesso em: 16 jun. 2011. INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI). O que é marca? Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/portal/acessoainformacao/artigo/marca_1351691433930#1>. Acesso em: 10 jan. 2013.
76
KARSAKLIAN, Eliane. Comportamento do consumidor. São Paulo: Atlas, 2000. KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. KUMAR, Nirmalya; STEENKAMP, Jan-Benedict E. M. Estratégia de marcas próprias: como enfrentar o desafio da marca de loja. São Paulo: Mbooks, 2008. LIMA, Rodrigo Cardoso; DALLA COSTA, Armando João. A estrutura concorrencial no setor supermercadista: o caso curitibano a partir da década de 90. In: EVENTO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA UFPR, 13., 2005, Curitiba, PR. Resumos... Disponível em: <http://www.pet-economia.ufpr.br/textos.html>. Acesso em: 10 jan. 2013. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Marcelino, Rosilene M. A.; MESTRINER, Fábio. Carrefour: marca própria e design de embalagem. São Paulo: ESPM. Central de Cases, 2007. MENSHHEIN, Rafael M. Mercados de teste em marketing. Portal do Marketing, 20 mar. 2007. Disponível em: <http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos1/Mercados_de_teste_em_Marketing.htm>. Acesso em: 23 jul. 2010. MUNDO DAS MARCAS. Carrefour. 23 nov. 2010. Disponível em: <http://mundodasmarcas.blogspot. com/2006/05/carrefour-avec-carrefour-je-positive.html>. Acesso em: 9 jul. 2011. _______. Walmart. 16 nov. 2010. Disponível em: <http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/05/wal-mart-ocanibal.html>. Acesso em: 9 jul. 2011. NIELSEN COMPANY. 16o estudo de marca própria. Curitiba, 2010. OLIVEIRA, Roberto Nascimento A. Marca própria. Rio de Janeiro. Brasport, 2005. PESCH, Olavo. Curitiba ganhou sete novos supermercados. Paraná Online, Curitiba, 7 nov. 2002, Polícia/Notícias. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/editoria/policia/news/30498/>. Acesso em: 9 jul. 2011. PINHO, José Benedito. O poder das marcas. 3. ed. São Paulo: Summus, 1996. PROCON/PR. Relatório da pesquisa sobre o perfil do consumidor curitibano. Disponível em: <http://www.procon.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=222>. Acesso em: 10 jan. 2013. RABELO, Fábio Freire. Você sabe o que é marca própria? Scripton, 4 nov. 2005. Disponível em: <http://www.scripton.com.br/2.asp?id=571&cat=artigos&gr=Neg%F3cios&acao=1>. Acesso em: 14 jun. 2010. SPINELLI, Paula Bulamah; GIRALDI, Janaina de Moura Engracia. Marca própria varejista: conceitos, estratégias e evolução. In: CONVIBRA – CONGRESSO VIRTUAL BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO, 1., 2004. Disponível em: <www.convibra.com.br/2004/pdf/150.pdf>. Acesso em: 6 jul. 2011. SAIKI, Lyrian. Walmart deve assumir controle da Sonae. Paraná Online, Curitiba, 1 out. 2005, Cidades/Notícias. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/editoria/cidades/news/142091/>. Acesso em: 9 jul. 2011. Sanchez, Mariana. A cidade da classe média. Gazeta do Povo, Curitiba, 25 mar. 2009, Retrato da Grande Curitiba. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/retratocuritiba/quemsomos/conteudo. phtml?tl=1&id=870462&tit=A-cidade-da-classe-media>. Acesso em: 28 out. 2010. TOLEDO, Geraldo Luciano; GIRALDI, Janaina de Moura Engracia; PRADO, Karen Perrotta Lopes de Almeida. Mapa perceptual de marcas próprias: uma investigação das principais marcas de grandes redes supermercadistas no Brasil. Revista de Gestão, São Paulo, v. 14, n. 4, p. 77-92, out./dez. 2007.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 60 - 77, jan./jun. 2013
77
O consumo ecológico dos universitários: uma análise de clusters University students’ ecological consumption: a cluster analysis
O consumo ecológico dos universitários: uma análise de clusters University students’ ecological consumption: a cluster analysis
Elizandra da Silva1 Geysler Rogis Flor Bertolini2 Loreni Teresinha Brandalise3
Resumo O objetivo deste artigo é apresentar uma categorização dos principais grupos que caracterizam o consumo ecológico entre estudantes universitários utilizando a análise de clusters (agrupamentos). Para a realização dessa análise, utilizou-se o software SPSS 16.0. Como base de dados, foram utilizados os dados inicialmente coletados por Brandalise (2008) como parte de sua tese de doutorado, que consiste em uma população de 575 concluintes de graduação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), sendo a amostra definida em 224 estudantes dos 15 cursos do campus de Cascavel, em 2006. A conclusão da análise aponta a existência de três principais grupos, os quais, pelas características que apresentam em relação ao consumo consciente, foram denominados Consumidores Não Conscientes, Consumidores Conscientes e Consumidores Econômicos Pouco Conscientes. Verificou-se que o último grupo indica um perfil diferente dos tradicionais, em que os consumidores se preocupam com as questões ambientais especialmente quando trazem economia de recursos próprios. Palavras-chave: Consumo Ecológico. Universitários. Análise de Clusters.
Abstract The aim of this paper is to categorize the main groups which characterize the ecological consumption amidst university students by using the cluster analysis. For this analysis, the SPSS 16.0 software was used, and as data base was used the data initially collected by Brandalise (2008) as part of its-her-his doctoral thesis. The data was collected from 575 graduating students of the State University of West of Paraná and the sample being defined in 224 students from 15 courses in the city of Cascavel — PR, in 2006. The conclusion of this analysis indicates the existence of three main groups, which by its characteristics in relation to conscious consumption were identified as ‘Non-Conscious Consumer’, ‘Conscious Consumer’ and ‘Little Conscious Economical Consumers’. It was found that the last group shows a different profile from the traditional, where these consumers are concerned about environmental issues especially when using their own personal savings. Keywords: Ecological Consumption. University Students. Cluster Analysis.
Doutoranda em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Docente Assistente do curso de Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). E-mail: elizandra.silva@unioeste.br. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente Adjunto do curso de Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). E-mail: geysler.bertolini@unioeste.br. 3 Doutora em Engenharia de Produção (UFSC). Docente Adjunta do curso de Administração da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). E-mail: loreni.brandalise@unioeste.br. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
79
Introdução A conscientização das pessoas quanto aos problemas ambientais é um fator determinante para que haja sensibilização e, consequentemente, um comportamento ecológico, fazendo com que elas prefiram os produtos considerados ecologicamente corretos. Essa escolha, como afirmam Garcia et al. (2003), torna os indivíduos consumidores ecológicos.
O consumidor ecológico tem a atitude de selecionar os produtos que compra e usa em casa, preferindo os que menos contaminam e privilegiando as empresas que investem na preservação ambiental.
tadas à disseminação do consumo ecológico.
O consumidor ecológico, de acordo com Raposo (2003), tem a atitude de selecionar os produtos que compra e usa em casa, preferindo os que menos contaminam e privilegiando as empresas que investem na preservação ambiental. Esse consumo ecológico pode ser fo mentado pelas universidades mediante a dis cussão de valores de sustentabilidade com a comunidade interna, a pesquisa de tecnologias e saberes sustentáveis e a disseminação para a comunidade externa, com a extensão, de práticas que contribuam para a conscientização da socie dade em relação à sustentabilidade ambiental e ao consumo consciente. Jacobi, Raufflet e Arruda (2011) reforçam o papel da educação superior num momento em que se observa um aumento da preocupação dessas instituições em formar estudantes com conhecimentos e habilidades necessários para co locar a sustentabilidade no centro de suas futuras atividades. Em razão disso, considerando o importante papel das universidades na formação de indivíduos com esse perfil de consumo, este estudo objetiva analisar a existência de diferentes perfis de consumo ecológico entre os estudantes universitários, sendo, para tal, apresentada uma categorização realizada com a técnica de análise de clusters (agrupamentos), bastante útil para identificar os subgrupos mais significativos e que naturalmente se destacam em dado conjunto de respondentes. O conhecimento dessas diferentes catego rias é útil para um possível direcionamento de ações futuras das universidades para a cons cientização de cada grupo identificado, bem como para o desenvolvimento de políticas públicas vol 80
Para realização da análise, inicialmente, é apresentada uma revisão teórica sobre consumo ecológico, seguida dos procedimentos metodológicos utilizados, culminando com os resultados encontrados e a conclusão.
1
Consumo Ecológico: Revisão Teórica
Com o resultado da redefinição da crise ambiental como um problema de estilo de vida e consumo e com o surgimento de expressões como consumo verde, consumo ecológico e consumo sustentável, verificam-se pesquisas que associam a análise da sociedade de consumo aos estudos ambientais. Consumir de forma consciente é satisfazer as necessidades individuais sem perder de vista a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento humano. O consumidor cons ciente busca informações para fazer suas escolhas, informando-se sobre o impacto da produção, uso e descarte de produtos e serviços sobre a sociedade e o meio ambiente. Dessa forma, valoriza o papel determinante que tem na cadeia de consumo e transforma o ato de consumo em
um ato de cidadania, o que é tanto mais verdade quanto mais a sociedade assimila e respalda esse comportamento em toda a comunidade (INSTITUTO AKATU, 2002, p. 1). De acordo com Mourão (2005), um consumidor é considerado consciente quando: valoriza e divulga empresas socialmente res ponsáveis; preocupa-se com o impacto ambiental gerado pela produção e consumo; atua junto às empresas para que estas aprimorem seus processos e suas relações com a sociedade; e mobiliza outras pessoas para a prática do consumo consciente. Isso remete à afirmação de Layrargues (2000), de que o simples ato da compra determina uma atitude de predação ou de preservação ambiental, transferindo o ônus da responsabilidade à sociedade, e não mais ao mercado ou ao Estado. É necessário que o consumidor desenvolva uma consciência sobre a interdependência como atributo do sistema econômico, social e ambiental, que o leve a ser protagonista — em seus atos de compra, uso e descarte de produtos — de uma atitude individual de consumo e de mobilização de outros consumidores que influencie sobre a sustentabilidade do Planeta. Ao mesmo tempo em que dão forma aos problemas atuais, suas ações cotidianas de escolha de consumo podem conter a semente de sua solução, desde que busquem o menor impacto negativo sobre o meio ambiente dos processos de produção e consumo (MATTAR, 2001). Nas palavras da gerente de mobilização social do Instituto Akatu (2002, p. 1), Maluh Barciotte, o Instituto é o maior representante do movimento pelo consumo consciente e trabalha na linha de ‘pequenos gestos, grandes transformações’, [...] buscando mostrar para as pessoas que elas são protagonistas. Uma ação pequena feita durante muito tempo por alguém já tem um efeito fantástico.
Quando é feito por muitas pessoas, o impacto é maior ainda. De acordo com Mantovani (2005, p. 1), “todos os dias fazemos escolhas ao comprar um produto ou serviço e ao decidir a forma de usá-lo ou descartá-lo temos responsabilidades.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O consumidor consciente valoriza o papel determinante que tem na cadeia de consumo e transforma o ato de consumo em um ato de cidadania, o que é tanto mais verdade quanto mais a sociedade assimila e respalda esse com portamento em toda a comunidade. até o fim. Para isso, precisamos de informação séria e fundamentada”. O caminho ideal para reduzir os impactos ambientais do consumo seria consumir menos, entretanto, Bentley (2004) aponta como alternativa consumir de maneira diferente, reutilizando, reci clando, adquirindo produtos fabricados com consideração ambiental. A relação de produção e consumo considerando o meio ambiente deveria ser interligada, interconexa e transparente. Indivíduos que têm considerações ambientais no consumo são aqueles que se comportam com a intenção de produzir resultados ambientalmente favoráveis, independentemente de produzirem ou não esses resultados (HALKIER, 1999). Indivíduos que modificam seu consumo para não prejudicar o meio ambiente voluntariamente e por sua própria iniciativa, devido às suas crenças éticas, são considerados consumidores conscientes. Se as escolhas de consumo têm um efeito significativo no meio ambiente, têm no mínimo um potencial para remediar problemas ambientais (PAAVOLA, 2001). Há, portanto, a necessidade de uma mudança mais expressiva da consciência do con sumidor no sentido de valorizar empresas que
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
81
tenham um padrão de produção sustentável e de alteração de seu próprio padrão de consumo (LASZLO, 2001). Segundo Roberts (1996), entende-se como conscientização ambiental a mudança de com portamento dos indivíduos em relação ao meio ambiente, a qual se dá por meio da educação ambiental e da percepção individual. Possuir cons ciência ambiental é utilizar os recursos naturais sem prejudicar o ambiente para as gerações futuras (DIAS, 1994), e essa consciência é demonstrada pelo comportamento de compra e consumo. É preciso informar, sensibilizar, instrumentar, mobilizar e animar o consumidor para que mudanças de comportamentos se estabeleçam. Segundo Laszlo (2001), isso é possível com a educação para o consumo consciente, envolvendo a capacitação e a instrumentação de líderes comunitários, os quais são multiplicadores em suas comunidades. A United Nations, Human Development, Poverty Report (UNDP, 2000) recomenda a inclusão do consumo consciente como tema nas escolas. É preciso ainda, conforme Mattar (2001), um forte envolvimento das mídias para a divulgação de resultados das experiências comunitárias e para um processo de educação e exemplaridade do consumo consciente ou consumo responsável. Igualmente importantes são as pressões exercidas pelos consumidores sobre a comuni dade empresarial. “O consumo responsável trata da responsabilidade do ato do consumo e, por conseguinte, das pessoas na condição de consumidores” (ASHLEY, 2000, p. 32). O movi mento em que os consumidores e outros agentes da sociedade utilizam seu poder de compra para garantir seus direitos e equilibrar forças com as empresas fornecedoras de produtos e serviços é chamado de consumerismo. Tal movimento tentou ampliar o direito em suas relações de troca com qualquer tipo de organização, por meio de políticas e atividades traçadas. Na definição de Assael (1992), consumerismo são determinadas atividades de organizações de consumidores independentes e ativistas designados a proteger o consumidor, inicialmente 82
O movimento do consumerismo fortaleceu-se a partir da década de 1960, quando o presidente dos EUA, John Kennedy, formulou os direitos do consumidor, que devem garantir: o direito de escolher livremente; o direito de ser informado; o direito de ser ouvido; e o direito de estar seguro.
concebido para assegurar que o direito do consumidor no processo de intercâmbio seja protegido. É a ação social destinada a proteger os consumidores, exercendo pressões legais, morais e econômicas sobre a comunidade empresarial. O movimento do consumerismo fortaleceu-se a partir da década de 1960, quando o presidente dos EUA, John Kennedy, em 1962, formulou os direitos do consumidor, que devem garantir: o direito de escolher livremente; o direito de ser informado (sobre o produto); o direito de ser ouvido; e o direito de estar seguro. Ralph Nader foi um grande influenciador na defesa dos direitos do consumidor, buscando elevar seu nível de conscientização (CHURCHILL; PETER, 2000). O consumerismo pode ser visto como um credo econômico e social que encoraja a aspiração do consumo, acena Ashley (2000), que classifica o consumerismo em verde e ético. O consumerismo verde induz ao consumo de bens ou serviços não agressivos ao meio ambiente, enquanto o consumerismo ético considera questões mais amplas, monitorando o comportamento das orga nizações em relação a apoio a regimes opressores, exploração nas relações de trabalho, corrupção e comércio de armas.
Para a autora, a cultura do consumerismo é hegemônica em nosso cotidiano, configurando uma mercantilização das relações sociais presentes e futuras dos seres humanos, inserida onde o cidadão interage e constrói seus espaços sociais, seja na família, nas escolas, nos espaços de lazer, nas empresas, nas políticas públicas, nos programas de auditório, nas agências de viagem e nas funerárias. Às vezes, o consumidor pode não ser adequadamente informado, ou induzido, ou ter escolha restrita de alternativas, ou ainda, ter oferta de produtos inseguros, e ter poucos caminhos para reparar-se desses enganos (ASSAEL, 1992). Tais enganos são a exceção em vez de regra, mas eles ocorrem com bastante regularidade a fim de promover o que se conhece como consumerismo, ou seja, ações de grupos de consumidores, agên cias governamentais e até organizações empre sariais para proteger os consumidores. Três tipos de organizações constituem o movimento de consumidores: grupos de consumidores orien tados com crescente consciência de consumo e provimento de informações para melhorar suas bases de escolha; governo, mediante legislação e regulação; e empresas, por meio de competição e autorregulação. Para Engel, Blackwele e Miniard (2000, p. 9), “[...] os direitos são absolutos, invioláveis e inegociáveis”. A baixa qualidade de produto, a falta de resposta a queixas legítimas, poluição e outros atos nada mais são do que violação de direitos legítimos e devem ser vistos como tal. Houve uma mudança na consciência das pessoas, levando ao aumento de exigências de comportamento moral e ético nos negócios, profissões e política. As indústrias enfrentam cada vez mais protestos quando suas ações vão contra o consenso social. O consumerismo tem promovido certas questões, como o ambientalmente limpo, e esse aumento de consciência ambiental tem levado muitas empresas a ser mais conscientes dos efeitos de suas ações no ambiente. Como resultado, Assael (1992) lembra que empresas começaram a usar plástico reciclado nas embalagens de seus produtos e investiram na redução de poluentes e na busca de soluções pela preservação ambiental — a ecoeficiência.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
No universo escolar, Serrano (2003) afirma que o problema ambiental é visto como um desequilíbrio produzido pelo estilo de vida da sociedade atual. As razões analisadas sob o ângulo do tipo de desenvolvimento econômico e do tipo de racionalidade envolvida remetem à necessidade da construção de outro estilo de vida e de uma nova racionalidade. Essa nova racionalidade implicaria nova ética de respeito à diversidade biológica e cultural, que estaria na base da sociedade sustentável. Para a autora, a ênfase nas ações educativas justifica-se pela necessidade de formar um cida dão com novas perspectivas da sua inserção na natureza. Diante desse panorama, constata-se a crescente necessidade de mudanças não apenas nas estruturas econômica e política, mas também nos fundamentos socioculturais que sustentam essas relações dominantes. Uma das expectativas quanto à efetividade da educação ambiental é a adoção do consumerismo ambiental pelos educandos. No entanto, a educação ambiental concorre com os apelos ao consumo veiculados pelos meios de comunicação de massa, em que prevalece o apelo ao consumismo, embora tam bém veiculem campanhas ambientalistas. Por essa razão, é necessário conhecer como o jovem se posiciona, enquanto consumidor, diante dos dife rentes discursos e o que ele considera ao escolher determinado produto ou marca.
A ênfase nas ações educativas justifica-se pela necessidade de formar um cidadão com novas perspectivas da sua inserção na natureza. Assim, constata-se a crescente necessidade de mudanças não apenas nas estruturas econômica e política, mas também nos fundamentos socioculturais que sustentam essas relações dominantes.
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
83
Sem uma mudança de valores e atitudes, adequando-os ao consumerismo ambiental, os indi víduos, em geral, não se comprometem com os objetivos comportamentais da educação ambiental, o que resulta em um consumo de produtos ambien talmente incorretos, comprovando a existência de um descompasso entre teoria e prática. Para Serrano (2005), a variável ambiental possui influência irrelevante na decisão de compra e consumo, quando comparada a outras variáveis. As principais justificativas para a não adoção do consumerismo ambiental são o desconhecimento sobre as principais questões ambientais e a propaganda, que exerce influência no padrão de consumo. Dessa forma, esses jovens que também são formadores de opinião e podem contribuir para minimizar a poluição ambiental mudando seu comportamento de compra não incorporaram a questão ambiental ao seu cotidiano. Diante disso, é marcante a necessidade de orientação e incentivo aos jovens, em especial a estudantes universitários, que podem atuar como formadores de opinião nos meios familiar e comunitário em que vivem, de maneira a promover o consumo ecológico e, por conseguinte, a participação ativa nas mudanças necessárias no contexto ambiental da sociedade moderna.
2 Procedimentos Metodológicos Os dados foram originalmente coletados em 2006 e publicados por Brandalise (2008) como parte de um modelo elaborado em sua tese de doutorado, que visou identificar o grau de percepção do consumidor a respeito da variável ambiental na cadeia produtiva, na ótica da redução, reutilização e reciclabilidade dos recursos. Conforme apresentado por Brandalise (2008), a população foi constituída de univer sitários dos 15 cursos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) campus Cascavel, matriculados no quarto ano, totalizando 575 84
elementos. O parâmetro estimado para o nível de confiança foi 95%, admitindo uma margem de erro máxima de 5% para mais ou para menos sobre o resultado total da amostra, e o tamanho de amostra foi de 224 elementos. Em cada uma das questões, as respostas apontavam a intensidade de preocupação do res pondente com os aspectos relacionados à Percepção Ambiental, ao Consumo Ecológico e às Etapas da Análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV). Para os objetivos dessa análise, foram consideradas apenas as questões relacionadas ao Consumo Ecológico. A escala de resposta consistiu em cinco níveis de intensidade de preocupação com a variável ambiental: 1 — forte preocupação, 2 — frequente preocupação, 3 — média preocupação, 4 — fraca preocupação, 5 — nenhuma preocupação. A partir dessa base de dados, a análise foi realizada usando a técnica de análise multivariada denominada análise de agrupamentos. A análise de agrupamentos, ou análise de clusters (do original em inglês), é uma das técnicas de análise multivariada de dados, pois possui “múltiplas variáveis em um único relacionamento ou conjunto de relações” (HAIR JR. et al., 2005, p. 23), e é utilizada para “desenvolver subgrupos significativos de indivíduos ou objetos” (Ibid., p. 33). Assim, o objetivo da análise é classificar uma amostra de indivíduos em um pequeno número de grupos que sejam mutuamente excludentes, o que é feito a partir das similaridades identificadas entre os indivíduos que compõem cada grupo. Nessa análise, os grupos não são predefinidos e surgem como resultado da utilização da técnica. Logo, essa técnica de análise é útil por permitir que se reconheçam os diferentes grupos que compõem a população pesquisada, tratando-se de consumo consciente, apresentando especificidades que possam ser utilizadas para incentivar comportamentos ambientalmente sustentáveis em conformidade com cada diferente perfil de público-alvo.
Assim, a análise tomou por base as orientações contidas na obra de Hair Jr. et al. (2005), que sugerem para a realização da análise de agrupamentos os seguintes passos essenciais:
a confiabilidade com base na consistência interna dos dados, indicando que o conjunto de itens utilizados para a medição de um dado conteúdo está medindo um mesmo conceito/atributo.
a) Medir alguma forma de similaridade ou associação entre as entidades ou os indivíduos para que se determinem quantos grupos existem de fato na amostra pesquisada;
Como resultado, para todos os 33 itens referentes à Percepção Ambiental, ao Consumo Ecológico e às Etapas da Análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV), apresentou-se um coeficiente de 0,909, indicando que esses componentes estão suficientemente integrados para a avaliação do conceito medido. Para o Consumo Ecológico, foco deste estudo, o coeficiente foi de 0,827, também considerado suficiente.
b) Realizar o processo de agrupamento, nos quais as entidades ou os indivíduos são divididos em grupos; c) A partir dos grupos encontrados, estabelecer o perfil que caracteriza sua composição.
3 Resultados Para a execução da análise de agrupamentos, foram seguidas as etapas sugeridas por Hair Jr. et al. (2005), conforme descrito em procedimentos metodológicos. Na primeira etapa, como medida de simi laridade, foram utilizadas as características de consumo ecológico coletadas em 2006 por Brandalise (2008). Inicialmente foi realizada uma revisão da base de dados na busca de erros, por meio da opção de Lista de Estatística Descritiva do SPSS 16.0, que apresentou como resultado dois dados de respostas fora dos limites máximo e mínimo dos padrões de resposta, os quais foram excluídos totalmente da base de dados por não ser possível identificar a resposta correta assinalada (não havia disponibilidade dos questionários respondidos). Dessa forma, a base de dados passou a ter 222 questionários, sendo válidos apenas 202, que não possuem nenhum valor faltando (missing cases).
Posteriormente, foi realizado o processo de agrupamento, sendo os dados tratados com a utilização do SPSS 16.0. Foram simulados agrupamentos em números de dois a seis, e, a partir deles, realizou-se a análise de frequência para identificar o número adequado de grupos a ser considerado, utilizando da Tabela de Frequência dos Agrupamentos geradas pelo software. Dessa análise, resultou como mais adequado o número de três agrupamentos, em que cada um representa de forma equivalente um terço do conjunto de respostas (cluster 1 — 31,7%, cluster 2 — 35,6%, cluster 3 — 32,7%), e observa-se nessa divisão que as similaridades presentes em cada grupo os caracterizam como diferentes entre si. Na última etapa, buscou-se estabelecer o perfil que caracteriza a composição de cada grupo. Para identificar as características dos três agrupamentos definidos, utilizou-se a Análise de Variância — One-Way ANOVA, considerando o comportamento de médias dos grupos em cada uma das variáveis analisadas. O primeiro cluster, identificado como grupo 1, apresentou as médias de grupo expostas na TAB. 1.
Em seguida, verificou-se a confiabilidade de construto da escala, utilizando-se para tal o coeficiente Alpha de Cronbach, que, segundo Ledesma, Ibañez e Morantre (2002), é um dos mais aplicados pelos investigadores para estimar
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
85
TABELA 1 — Médias do grupo 1 Variáveis analisadas
TABELA 2 — Médias do grupo 2 Médias
24
Mudaria a marca pela preservação do ambiente
1,92
21
Verifica consumo de energia na compra
2,00
25
Pagaria mais por caderno reciclado
2,03
18
Valoriza o fabricante ecológico
2,08
20
Compra produtos reciclados ou recicláveis
2,52
22
Compra produtos biodegradáveis
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
Variáveis analisadas Compra produtos biodegradáveis
3,41
24
Mudaria a marca pela preservação do ambiente
3,45
16
Influência da propaganda, amigos e família
3,47
21
Verifica consumo de energia na compra
3,53
25
Pagaria mais por caderno reciclado
3,95
2,58
15
Variável ambiental na compra
3,97
2,72
18
Valoriza o fabricante ecológico
3,99
15
Variável ambiental na compra
2,78
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
4,14
19
Verifica rótulo se é ecológico
2,98
20
4,15
16
Influência da propaganda, amigos e família
3,17
Compra produtos reciclados ou recicláveis
19
Verifica rótulo se é ecológico
4,38
17
Pesquisa ações do fabricante
3,42
17
Pesquisa ações do fabricante
4,48
FONTE: Os autores (2011)
FONTE: Os autores (2011)
Observa-se que a maior parte das variáveis está no nível de frequente ou média preocupação (entre 2 e 3). São aspectos marcantes as quatro variáveis de maior preocupação do grupo: mudariam de marca em benefício do meio ambiente, verificam o consumo de energia quando realizam suas compras, pagariam mais um caderno reciclado (produto objeto da pesquisa) e valorizam o fabricante que pratica ações ambientais.
Esse grupo apresenta na maior parte das variáveis pesquisadas médias superiores a 3,4 ou 4, sendo que todas indicam menor preocupação que os demais grupos, aproximando-se mais de uma postura de fraca ou de nenhuma preocupação com o consumo consciente.
As variáveis que se apresentaram no nível de média preocupação foram a influência de propaganda, amigos ou família na decisão de compra e a pesquisa das ações ambientais do fabricante, o que pode indicar que a decisão de consumir com responsabilidade ambiental é postura do consumidor, não ocorrendo em razão do que os fabricantes divulgam ou do que os outros fazem, mas sim em função da análise que ele faz do produto em si. Sob essa perspectiva, o grupo 1 pode ser identificado como grupo dos Consumidores Conscientes. O segundo cluster, identificado como grupo 2, apresentou as médias de grupo expostas na TAB. 2.
O grupo 2, então, pode ser identificado como o grupo dos Consumidores Não Conscientes. O terceiro cluster, identificado como grupo 3, apresentou as médias de grupo expostas na TAB. 3. TABELA 3 — Médias do grupo 3 Variáveis analisadas
Médias
21
Verifica consumo de energia na compra
1,76
24
Mudaria a marca pela preservação do ambiente
2,58
22
Compra produtos biodegradáveis
2,67
25
Pagaria mais por caderno reciclado
2,99
16
Influência da propaganda, amigos e família
3,19
18
Valoriza o fabricante ecológico
3,36
23
Dispõe a pagar mais por ecológicos
3,40
20
Compra produtos reciclados ou recicláveis
3,43
15
Variável ambiental na compra
3,55
19
Verifica rótulo se é ecológico
3,75
17
Pesquisa ações do fabricante
4,03
FONTE: Os autores (2011)
86
Médias
22
Esse grupo apresenta a maioria das variáveis entre média e fraca preocupação, porém, uma variável que se destaca é a da verificação do consumo de energia do produto quando da sua compra, que atingiu um nível entre frequente e forte preocupação, o melhor entre os três grupos. A preocupação do grupo com os aspectos ambientais pode ser classificada como pequena, e o único aspecto de maior preocupação que se apresenta tem relação com um interesse de recursos próprios, uma vez que o consumo de energia acarreta custos diretos ao consumidor. Dessa forma, pode-se identificar esse grupo como o dos Consumidores Econômicos Pouco Conscientes.
Conclusões A literatura que fundamenta o consumo ecológico ou consciente caracteriza os consu midores como possuidores ou não dessa pos tura. Na prática, porém, entre esses extremos, apresentam-se gradações que poderiam apontar posturas intermediárias voltadas mais para uma ou outra característica do consumo ecológico. Isso pôde ser identificado neste estudo, uma vez que, entre os estudantes concluintes de graduação da universidade pesquisada, os níveis de preocupação com o consumo ecológico apresentam características diferentes do binômio ser ou não ser consumidor ecológico.
tem inserido a preocupação com a sustentabilidade nos planos pedagógicos dos diversos cursos, possibilitando direcionamentos que favoreçam a disseminação dessas práticas. Além disso, a análise de clusters foi útil para identificar um comportamento representativo de cada grupo, que pode ser utilizado, por exemplo, como base para direcionamento de divulgação de ações ou práticas ambientais: os Consumidores Conscientes são mais suscetíveis à essência da preservação ambiental; os Não Conscientes são mais resistentes, e para estes o esclarecimento poderia focar a educação am biental para desenvolver os primeiros passos; enquanto para os Econômicos Pouco Conscientes, a edu cação ambiental deveria focar os resultados em termos de economia para todas as formas de ações ambientais, possibilitando uma ampliação da preocupação com os demais aspectos. Assim, as atividades de ensino, pesquisa e extensão das universidades que tenham foco a sustentabilidade podem ser direcionadas levando-se em conta também essa nova perspectiva. Como sugestão de estudos futuros, diversas análises poderiam ser realizadas, identificando ou tras características marcantes em cada grupo, tais como gênero, idade, curso ou renda, entre outras.
A principal contribuição da análise feita em relação aos estudos já existentes aponta para o perfil do grupo 3, dos Consumidores Econômicos Pouco Conscientes, característica que indica um perfil diferente dos tradicionais, em que os consumidores se preocupam com as questões ambientais quando estão ligadas à economia de recursos próprios. Embora este estudo não tenha por objetivo identificar qualquer relação de causa e efeito entre os esforços da universidade e o perfil dos estudantes, o resultado aponta para avaliações necessárias quanto à forma como a universidade
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 06/05/2011
•
Aprovado em: 25/06/2012
87
Referências ASHLEY, Patrícia Almeida (Coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2000. ASSAEL, Henry. Consumer behavior and marketing action. 4th ed. Boston: PWS-KENT Publishing , 1992. BENTLEY, Matt. Consumir menos, mais ou de outro jeito? Akatu – Consumo consciente para um futuro sustentável, 2004. Disponível em: <http://www.akatu.org.br/Temas/Consumo-Consciente/Posts/Consumir-menos-mais-ou-de-outro-jeito>. Acesso em: 6 jan. 2013. BRANDALISE, Loreni T. A percepção do consumidor na análise do ciclo de vida do produto: um modelo de apoio à gestão empresarial. Cascavel: Edunioeste, 2008. CHURCHILL, Gilbert A.; PETER, J. Paul. Marketing: criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2000. DIAS, G. F. Atividades interdisciplinares de educação ambiental. Manual do Professor. São Paulo: Global/Gaia, 1994. ENGEL, James F.; BLACKWELL, Roger D.; MINIARD, W. Paul. Comportamento do consumidor. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000. GARCIA, M. S. A. et al. El consumidor ecológico: un modelo de comportamiento a partir de la recopilación y análisis de la evidencia empírica. Distribución y consumo, Madrid, v. 13, n. 67, p. 41-53, enero/feb. 2003. HAIR JR., Joseph F. et al. Análise multivariada de dados. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. HALKIER, Bente. Consequences of the politicization of consumption practices. Journal of Environmental policy and Planning, New York, v. 1, p. 25-41, 1999. INSTITUTO AKATU PELO CONSUMO CONSCIENTE. A gênese do consumidor consciente. São Paulo, 2002. (Diálogos Akatu, n. 1). JACOBI, Pedro R.; RAUFFLET, Emmanuel; ARRUDA, Michelle P. Educação para a sustentabilidade nos cursos de Administração: reflexão sobre paradigmas e práticas. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 21-50, maio/jun. 2011. Edição Especial. LAYRARGUES, Philippe Pomier. Sistemas de gerenciamento ambiental, tecnologia limpa e consumidor verde: a delicada relação empresa-meio ambiente no ecocapitalismo. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 40, n. 2, p. 80-88, abr./jun. 2000.
88
LASZLO, Ervin. Macrotransição: o desafio para o terceiro milênio. São Paulo: Axis Mundi, Antakarana, 2001. LEDESMA, Rubén; IBAÑEZ, Gabriel M.; MORANTRE, Pedro V. Análisis de consistencia interna mediante Alfa de Cronbach: un programa basado en gráficos dinámicos. Psico-USF, Bragança Paulista, SP, v. 7, n. 2, p. 143-152, jul./dez. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141382712002000200003&lng=en&tlng=es. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-82712002000200003>. Acesso em: 23 jul. 2012. MANTOVANI, Flávia. Consumo consciente começa na compra do produto. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 mar. 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u3889.shtml>. Acesso em: 19 dez. 2012. MATTAR, Helio. Os novos desafios da responsabilidade social empresarial. Ethos Reflexão, São Paulo, v. 2, n. 5, jul. 2001. MOURÃO, Erica. Guia do consumo consciente. Núcleo BRDE Responsabilidade Social, coordenado por Denise Weinréb. Disponível em: <http://www.brde.com.br>. Acesso em: 22 dez. 2005. PAAVOLA, Jouni. Towards sustainable consuption: economics and ethical concerns for the environment in consumers choices. Review for Social Economy, Milwaukee, Wis, v. 59, n. 2, p. 207-248, june 2001. RAPOSO, S. Consumo consciente: economizar água e energia e comprar produtos ecológicos são algumas maneiras de contribuir com a preservação ambiental. Disponível em: <www.salveoplaneta.com.br/art_01.htm>. Acesso em: 30 ago. 2003. ROBERTS, J. A. Green consumers in 1990s: profile and implications for adversiting. Journal of Business Research, Athens, GA, v. 36, p. 217-231, 1996. SERRANO, Climene Maria Lopes. Educação ambiental e consumerismo em unidades de ensino fundamental de Viçosa-MG. 2003. 91 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, 2003. SERRANO, Daniel P. Percepção e o processo de compra. 2000. Disponível em: <http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Percepcao.htm>. Acesso em: 17 out. 2005. UNITED NATIONS, HUMAN DEVELOPMENT, POVERTY REPORT. Overcoming human poverty. New York, 1999-2000.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 78 - 89, jan./jun. 2013
89
Comércio eletrônico: identificação do perfil do e-consumidor E-commerce: identification of the e-consumer profile
Comércio eletrônico: identificação do perfil do e-consumidor E-commerce: identification of the e-consumer profile
Dayana Carla de Macedo1 João Luiz Kovaleski2 Mathias Talevi Betim3 Simone Nasser Matos4
Resumo Esta pesquisa foi realizada objetivando identificar o perfil do e-consumidor entre os acadêmicos de Administração da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no estado do Paraná. Em um mercado de acelerada competição e de consumidores cada vez mais exigentes, traçar o perfil do consumidor para adotar melhores estratégias de negociação pode fazer toda a diferença, na medida em que aumenta a satisfação do cliente. A internet faz parte do cotidiano das pessoas, logo, as organizações devem adotar melhores estratégias de negociação para oferecer produtos e serviços a um nível distinto, de acordo com as necessidades e desejos dos e-consumidores. Nesse contexto, realizou-se a pesquisa bibliográfica acerca do tema, e para a pesquisa de campo utilizou-se questionário. Ao analisar os dados, verificou-se que, dos entrevistados, 65,34% já efetuaram compras na internet, e 34,65% ainda não. Dos compradores, a maior parcela possui renda entre R$ 260,00 e R$ 1.300,00, e idade entre 16 e 25 anos, estando diariamente na internet de 1 a 6 horas, com o objetivo de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. Os itens mais consumidos foram livros, eletrônicos e produtos de informática. O critério de mais relevância na decisão de compra foi o preço, seguido da confiança dos compradores em relação ao sítio de compra. Com relação aos problemas indesejáveis ao acessar um sítio, os entrevistados que efetuaram compras apontaram a falta de clareza do processo de compra e a ausência de uma ferramenta de busca. Dos acadêmicos que não efetuaram compra, verificou-se que os maiores fatores impeditivos são a insegurança e a visualização da qualidade do produto. Palavras-chave: Comércio eletrônico. E-consumidor. Marketing. Perfil.
Abstract This study was conducted in order to gain knowledge of the e-consumer profile of the attendants of the State University of Ponta Grossa, Paraná. In a market of accelerated competition and demanding customers, tracing the customer profile helps improving negotiation strategies, which can make a big difference, while increasing customer satisfaction. The Internet is part of everyday life, in which knowledge is seen as an emerging factor of production, so organizations must adopt better strategies in order to offer products and services of distinct level, according to the needs and desires of e-consumers. In this context, theoretical review was performed on the subject, as well as a survey (field research using a questionnaire). By analyzing the data, we found that 65.34% of respondents have already made purchases on the internet whereas 34.65% have not. Most buyers have income ranging from R$ 260.00 to R$ 1,300.00, and are aged between 16 and 25. They use the Internet every day for 1 to 6 hours, in order to obtain personal information, do research and have fun. The items which were consumed more often are books, electronics and computer/technology products. The most important criterion for the decision to purchase was the price, followed by the confidence of buyers in relation to the site. In relation to problems to access sites, buyers have pointed out that the purchasing process can be confusing and the lack of a search tool. As for the university attendants who have not made any purchase, we found that insecurity and difficulty in viewing product quality were the most hindering factors. Keywords: E-commerce. Knowledge Management. Customer Profile. Doutoranda em Engenharia de Produção. E-mail: dayanamacedo@yahoo.com.br. Doutor em Instrumentação Industrial pela Universite de Grenoble I (Scientifique Et Medicale — Joseph Fourier). E-mail: kovaleski@utfpr.edu.br. 3 Mestre em Engenharia de Produção. E-mail: pgmathiasbetim@gmail.com. 4 Doutora em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. E-mail: snasser@utfpr.edu.br. 1
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
91
Introdução Atualmente, a internet faz parte do cotidiano das pessoas, tornando-se uma ferramenta potencial para a área de marketing das empresas. Segundo Pinheiro e Bittencourt (2009), as organizações que sabem utilizar essa ferramenta de maneira correta podem obter frutos. Contudo, há necessidade do conhecimento do perfil do consumidor virtual e entendimento do mercado. Em um mercado de acelerada competição e de consumidores cada vez mais exigentes, traçar o perfil do consumidor para adotar melhores estratégias de negociação pode fazer toda a diferença, na medida em que aumenta a satisfação do cliente. Logo, as organizações devem procurar entender quais são os desejos, as necessidades e as expectativas de seus clientes em relação aos seus produtos. Então, a partir do conhecimento do perfil do consumidor, as organizações podem efetuar um atendimento estratégico, oferecendo produtos e serviços a um nível distinto de acordo com as necessidades e os desejos dos clientes. O objetivo deste artigo é identificar o perfil do e-consumidor dos acadêmicos de Administração da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no estado do Paraná, bem como efetuar o aporte teórico da temática comércio eletrônico. A partir de uma pesquisa de campo, entre 240 alunos do curso, a amostra calculada foi de 101 alunos. Ou seja, esse foi o montante que respondeu ao questionário abordando essa temática. Nesse contexto, a presente pesquisa abor dará a temática no aporte teórico, tanto quanto a literatura a respeito do comércio eletrônico, do relacionamento com o e-consumidor, e a questão do alinhamento estratégico com o marketing, a fim de aprofundar esses temas para melhores correlações com os resultados apresentados entre a teoria e a prática. A seguir, na primeira seção, será apresentada uma abordagem sobre o comércio eletrônico, na segunda seção, é discutida a questão do relacionamento com o e-consumidor, e a terceira seção trata de uma abordagem com relação ao alinhamento estratégico e o marketing. As
92
seções quarta e quinta retratam a metodologia de pesquisa utilizada para o desenvolvimento deste trabalho e analisam os resultados dos dados. Por fim, a última seção reporta as considerações finais deste trabalho.
1
Comércio Eletrônico
O comércio eletrônico é um sistema que inclui transações de compra e venda de bens e serviços com o intuito de gerar receitas, transações que se referem ao suporte voltado à geração de receitas, bem como a questão de geração de demanda desses bens e serviços, a oferta de suporte de vendas e serviço ao cliente e a facilidade de comunicação entre negócios e parceiros (KOSIUR, 1997). Já para Martin (1999), o comércio eletrônico é o processo de compra e venda de produtos, serviços e informações pela internet, na qual a questão do comércio on-line possui características de trocas entre os vendedores e compradores, sendo a estrutura da rede um fator de existência. Na visão de Cabral e Yoneyama (2001), a expressão comércio eletrônico é o processo de utilização de meios eletrônicos para efetuar a realização de trocas. Assim, para o acesso a esse tipo de comércio, é necessário o uso da internet, sendo uma ferramenta de relacionamento entre os envolvidos nesse processo, ou seja, os proprietários dos sítios que efetuam o comércio eletrônico e seus consumidores. Segundo Reichheld e Schefter (2000, p. 113): a internet é uma poderosa ferramenta para fortalecer os relacionamentos, mas as leis básicas e as recompensas de se construir lealdade não se alteram. Ao encorajar compras repetitivas entre um núcleo de clientes lucrativos, as empresas podem iniciar uma espiral de vantagens econômicas. Este efeito da lealdade lhes permite compensar seus empregados de maneira mais generosa, prover aos investidores maiores fluxos de caixa e reinvestir mais agressivamente para aprimorar ainda mais o valor entregue aos clientes.
A expressão comércio eletrônico é o processo de utilização de meios eletrônicos para efetuar a realização de trocas.
Segundo Porter (2001), a tecnologia de internet deve ser utilizada mais como um complemento do que como uma forma de canibalismo dos meios de competição. Nesse contexto, há três dimensões básicas para o comércio eletrônico, segundo Choi, Whinston e Stahl (1997): 1.
Produto: os profissionais de marketing necessitam do entendimento que o seu produto pode ser negociado também na forma digital.
2. Loja: estabelecimento ou lugar onde o cliente pode adquirir o produto ou serviço. A loja pode ser virtual, hos pedada em um computador conectado à internet em qualquer lugar do mundo. 3. Entrega do bem adquirido: na forma tradicional, a entrega é feita dentro da loja ou na residência do cliente. De acordo com a natureza do produto ou serviço, há possibilidade de fazer a entrega digital, a exemplo do envio de um arquivo pela internet. Dessa forma, para firmar um relacionamento entre o e-consumidor e o respectivo estabe lecimento, devem ser consideradas essas três dimensões. Além disso, a conveniência oferecida nesse tipo de comércio emerge uma solução para o varejo virtual.
melhor qualidade e preços. Takahashi (2000) enumera que para o comércio eletrônico obter sucesso, deve seguir alguns fatores: ——
Massa crítica: aumento do número de internautas e de empresas que oferecem seus serviços e produtos na rede.
——
Segurança, confiabilidade e velocidade: relacionados à questão de transmissão de dados e processo de entrega rápido.
——
Autorregulamentação: refere-se a ques tões como validações de transações eletrônicas, proteção da privacidade de pessoas e instituições, adoção de padrões para os serviços eletrônicos e regulamentação referente à arrecadação de transações eletrônicas.
Assim, o detentor de um comércio eletrônico precisa atentar a aspectos como o crescimento de acessibilidade por parte das pessoas, questões relacionadas à confiabilidade, velocidade e credibilidade do sítio a ser acessado, e também à autorregulamentação. É evidente o crescimento da acessibilidade da internet na maior parte das regiões do Brasil, mas ainda algumas questões são relevantes a esse assunto. Para Balboni (2008), há fatores socioeco nômicos e regionais com relação ao acesso à internet. Em 2007, cerca de 17% do total de domi cílios brasileiros já tinham acesso à internet; habitualmente, 45 milhões de pessoas utilizam a internet, impactando 34% da população. Ainda, segundo o autor, houve um crescimento de compras pela internet, contando com 45% dos brasileiros que utilizam a internet para pesquisas de preços. Segundo Yamashita (2008), há perspectivas animadoras para o e-commerce, em face da inclusão social, do aumento do número de lares com acesso à internet e do crescimento no volume de compras eletrônicas.
Segundo Ladeira (2000), a oferta da con veniência vem como uma solução do varejo virtual, no qual possui maior número de informações,
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
93
O detentor de um comércio eletrônico precisa atentar a aspectos como o crescimento de acessibilidade por parte das pessoas, questões relacionadas à confiabilidade, velocidade e credibilidade do sítio a ser acessado, e também à autorregulamentação.
2 Relacionamento com o E-consumidor Com a manutenção de relacionamentos lucrativos e duradouros, as empresas têm como principal intuitivo a aplicação de muitas abordagens para aproximar e manter seus clientes (YAMASHITA, 2003). A chave para atingir um valor excepcional perante os clientes é um alto nível de qualidade percebida pelos consumidores. Logo, muito se discute acerca do valor oferecido ao cliente on-line, segundo Venetianer (2001), e levantam-se alguns aspectos sobre a questão do valor para esses clientes: ——
——
94
Preço: nem sempre o fator decisivo de compra é o preço, todavia, comodidade, segurança na transação, variedade de escolha, rapidez na execução e serviços on-line também têm relevância na decisão de compra de um consumidor on-line. O consumidor on-line: a compra realiza-se somente quando há a percepção do real valor na oferta, embora essa questão seja óbvia, nem sempre é trabalhada pelas organizações.
——
Branding (marca): é um dos fatores mais importantes, até mais que o preço, pois há muitas empresas de reputação discutível na internet.
Os ambientes virtuais com a inserção de comércio eletrônico iniciam o processo de criação de valor, em que os aspectos apon tados anteriormente são considerados por seus detentores. Com a criação de valor para o e-consumidor, o comportamento, ou a modi ficação, deste ocorre com a aquisição de expe riência. Para Yamashita (2003), a modificação do comportamento na web ou internet ocorre à medida que os consumidores adquirem expe riência. Para os compradores on-line, os benefícios das compras pela internet podem ser classificados em três categorias: menores preços, conveniência e personalização. Segundo Reichheld e Schefter (2000), os e-consumidores têm desejo de efetuar negócios com um local ou ambiente digital que torne suas vidas fáceis, pois a maioria dos clientes bus ca prioritariamente conveniência, não preço. A atração de determinados tipos de cliente tem relação com a forma de projeção e inserção do meio digital no mercado, pois aqueles clientes que procuram lealdade normalmente chegam a esses sítios por meio de indicação. Contudo, clientes que procuram preço geralmente são atraídos por descontos promocionais ou propagandas. Logo, organizações que despendem tempo com banners e com cupons on-line, mas não focam em criações de comunidades e promoções de indicações, poderão sofrer danos sobre o relacionamento com seus clientes em longo prazo. Para Martin (1999), o processo de utilização de serviços mais complexos inicia-se com o acesso à internet, pois o comportamento do con sumidor não muda da noite para o dia, envolve a familiaridade do indivíduo com a internet. Dessa forma, faz-se necessário o uso e o alinhamento de estratégias para promover e alavancar as vendas desses ambientes digitais comerciais, criando rela cionamento de credibilidade e de longo prazo.
Para os compradores on-line, os benefícios das compras pela internet podem ser classificados em três categorias: menores preços, conveniência e personalização.
3
Alinhamento Estratégico x Marketing
Segundo Rodrigues e Fernandez (2006), a competitividade global está obrigando as or ganizações a reavaliar constantemente suas es tratégias de atuação, com o intuito de garantir me lhores resultados, sejam eles financeiros ou pela participação de mercado. Para Churchill e Peter (2000), a internet é útil em todo o processo de marketing, pois per mite acesso a uma grande quantidade de dados demográficos e outras informações referentes aos ambientes interno e externo da empresa. Além disso, é um poderoso meio de comunicação com clientes existentes e potenciais, no qual há possibilidade de as organizações oferecerem informações sobre si e seus produtos, a fim de cultivar relacionamentos comerciais de longo prazo. Um serviço considerado bem-sucedido pelo cliente necessita que a organização olhe para os produtos, empresa e métodos de serviço de acordo com os olhos do cliente (STERNE, 2000). Para o cliente, não interessa se a organização está estruturada por unidades de negócios, linhas de produtos ou esferas de influência política, ele apenas deseja que suas questões sejam respondidas, e seus problemas, resolvidos.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Para Boone e Kurtz (2001), a internet oferece as atividades de marketing para facilitar a compra de bens e serviços, ampliação do mercado e redução de custos. Quando a questão se refere aos clientes, o foco é estabelecer relacionamentos baseados no aprendizado de suas necessidades e desejos, oferecendo produtos certos e manutenção dessa relação ao longo do tempo para a obtenção da identificação com a marca e garantia da lealdade por parte dos clientes (GAVA et al., 2005). Existe também a necessidade de que ocorra um alinha mento entre as estratégias da organização e a tecnologia da internet para que ela se mantenha competitiva. Atualmente, o posicionamento de mercado exige estratégias baseadas em co nhecimento, o qual constitui uma vantagem com petitiva (EDWARD et al., 2003). A vantagem competitiva é a posição pela qual a empresa se faz competitiva no mercado em que está inserida, assim, essa questão deve ser mantida no nível operacional e no posicionamento estratégico.
A competitividade global está obrigando as organizações a reavaliar constantemente suas estratégias de atuação, com o intuito de garantir melhores resultados, sejam eles financeiros ou pela participação de mercado.
Segundo Yamashita (2003), a escassez de foco no sítio resulta em uma dificuldade para o desenvolvimento da manutenção do consumidor,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
95
pois quanto maior a quantidade de clientes que uma organização tenta servir, maior é a dificuldade com relação à adequação e à veiculação desse sítio para que atenda às expectativas de todos. Para que ocorra esse alinhamento estratégico, segundo Pinheiro e Bittencourt (2009), os profissionais de marketing possuem como tarefa colocar ordem no processo, em que a definição de estratégica de marketing eletrônico deve estar de acordo com os 4 Ps de Marketing (Produto, Preço, Promoção e Praça). Nesse contexto, há alguns atributos básicos com relação à forma com que os sítios são executados (GIANFORTE, 2001; FORBES, 2002): 1. Certificar-se de que o sítio possa perceber mensagens explícitas e im plícitas dos e-consumidores. 2. Oferecer aos e-consumidores o que eles desejam, de forma rápida. 3.
Facilitar a localização de recursos de serviços eletrônicos.
4.
Oferecer múltiplos canais de contato.
5.
Possuir apoio interno forte.
6.
Manter e automatizar a base de dados.
A organização necessita atentar a esses as pectos relacionados à forma com que seus ambien tes digitais estão sendo construídos e/ou modela dos, para que os e-consumidores os interpretem de maneira correta e ocorra o processo de criação de valor. Nesse contexto, há um papel importante de alinhamento estratégico, bem como das ações promocionais que envolvem o marketing da empresa. Para Vilha e Di Agustini (2002), a orga nização deve possuir o entendimento de práticas de marketing para que possa construí-las de forma correta, efetuando a adequação do planejamento da utilização do canal internet às necessidades dos consumidores, com o intuito de estabelecer objetivos, determinar segmentos de mercado a serem atendidos e identificar alternativas de comunicação. 96
Os profissionais de marketing possuem como tarefa colocar ordem no processo, em que a definição de estratégica de marketing eletrônico deve estar de acordo com os 4 Ps de Marketing (Produto, Preço, Promoção e Praça).
4 Metodologia O objetivo principal deste trabalho foi identificar o perfil do e-consumidor dos acadê micos de Administração da UEPG (Paraná). A me todologia utilizada para desenvolver este trabalho teve a finalidade de descrever as técnicas utilizadas para a realização do aporte teórico, bem como a pesquisa prática. Inicialmente, realizou-se um estudo biblio gráfico da temática abordada na presente pesquisa, para que, posteriormente, o estudo prático pudesse ser realizado. A revisão bibliográfica é um apanhado geral dos principais trabalhos relevantes e capazes de fornecer dados relacionados ao tema escolhido. A pesquisa prática, por sua vez, enquadra-se em uma pesquisa de campo, na qual o pesquisador define os seus objetivos, as hipóteses, o meio de coleta de dados, o tamanho da amostra e como os dados serão tabulados e analisados (MARCONI; LAKATOS, 1996). A pesquisa foi aplicada nas turmas do curso de Administração da UEPG, totalizando 240 alunos. A primeira etapa foi a elaboração do questionário composto de 13 questões abertas e fechadas, em que se utilizou uma linguagem simples e clara, com breve apresentação do tema, com o intuito de obter as informações para traçar o perfil dos alunos. O questionário encontra-se disponível ao fim do artigo.
Para definir a amostra correta para a pesquisa dessa população, a seguinte fórmula foi utilizada (BARBETTA, 2002):
n0 =
1 E02
n=
N . n0 N+ n0
Em que n0 é a primeira aproximação da amostra, E0 é o erro amostral tolerável, N é número de elementos da população e n é o tamanho da amostra. A partir da população de 240 alunos, com um erro amostral de 7,6% e com o uso de três casas decimais, obtivemos uma amostra n igual a 100 alunos (100,576).
5
Análise e Resultados
O questionário foi respondido por 101 acadêmicos do curso de Administração. Do total de entrevistados, 65,34% já efetuaram compras na internet, e 34,65% nunca utilizaram a internet para tal fim. Nesse contexto, será efetuada a análise de dados para identificar o perfil dos acadêmicos que já efetuaram compras na internet. Do total dos acadêmicos entrevistados que já efetuaram compras na internet, é possível observar no GrAf. 1 os percentuais em relação à idade e renda. A partir daí, obteve-se como resultado que as maiores porcentagens de compra estão na menor faixa etária e com as menores rendas. GRÁFICO 1 — Acadêmicos que efetuam compras na internet X Renda e idade
FONTE: Os autores (2011)
Do total de compradores, 42% efetuam compras anualmente; 27%, trimestralmente; 23%, somente quando há necessidade de comprar um produto; e 8% compram mensalmente. Nesse sentido, identificou-se que a compra rotineira na internet é uma cultura a ser desenvolvida, pois do total dos compradores, a maior parcela efetua compras anualmente ou somente quando há necessidade. Dos meios de pagamentos, verificou-se que 65% utilizaram cartão de crédito; 24% utilizaram boleto; 9%, depósito; e 2%, reembolso, ou seja, o meio mais utilizado pelos acadêmicos de Administração é o cartão de crédito.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
97
Questionados sobre qual foi o critério de decisão para efetuar as compras em um sítio, é possível verificar (GrAF. 2) que os mais impactantes foram: preço (59%), confiança (36%) e formas de pagamento (18%). Assim, verifica-se que os acadêmicos levam em consideração o preço dos produtos para decidir se efetuam a compra ou não. Dos compradores, 9% responderam como critério de decisão outros, em que todos alegaram comprar nesse sítio porque era o único local para aquisição de determinado produto. GRÁFICO 2 — Critérios de decisão de compra
Preço Confiança Prazo de entrega Forma de pagamento Visualização do produto Frete Outros FONTE: Os autores (2011)
Segundo Venetianer (2001), um dos aspectos levantados com relação à questão do valor para os e-consumidores foi o preço, sendo que muitas vezes o preço não é fator decisivo. Porém, pelos dados obtidos, observa-se que o preço foi um dos critérios decisivos seguido da confiança, ou seja, refere-se à marca, outro aspecto apontado pelo autor, visto que há muitas empresas de reputação discutível na internet. Os produtos mais consumidos pelos acadêmicos que efetuaram compras na internet são: livros, eletrônicos e produtos de informática, conforme ilustra o GrAF. 3. A questão dos produtos consumidos ficou aberta aos entrevistados, pois há a possibilidade de que eles tenham comprado mais de um item na internet. GRÁFICO 3 — Produtos consumidos
Artigos Livros Prod. Informática Eletrônicos Roupas Outros
FONTE: Os autores (2011)
A partir dos dados acima, foi verificado que, com relação aos produtos consumidos, os mais susceptíveis à venda são livros (48%), eletrônicos (38%) e produtos de informática (33%). Logo, os profissionais de marketing devem atentar a esse nicho de mercado e minimizar os problemas que os respondentes apontaram ser os mais impactantes na pesquisa.
98
Posteriormente ao assunto dos principais produtos consumidos, os alunos foram questionados sobre os objetivos de uso da internet. Dos acadêmicos que efetuam compras na internet, foi verificado que a maior parcela utiliza a internet com o intuito de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. Com base nos resultados obtidos, pode-se afirmar que 59,09% dos compradores utilizam a internet com o objetivo de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. O GrAF. 4 ilustra as porcentagens com relação ao objetivo de uso da internet dos compradores. GRÁFICO 4 — Objetivos de uso da internet Obter informações pessoais Procurar livros e artigos Pesquisa Ler jornais e revistas Diversão Comunicação/amigos
FONTE: Os autores (2011)
Com relação ao total do tempo diário dedicado à internet, dos acadêmicos que a utilizam para fins de compra, foi identificado que 30% gastam de 1 a 2 horas; 29%, de 2 a 4 horas; 23%, de 4 a 6 horas; e os demais, de 6 a 10 horas na internet. Ou seja, é possível perceber que a maioria desses acadêmicos usa a internet diariamente de 1 a 6 horas, sendo que, desse tempo, a maior parte é destinada a obter informações pessoais, pesquisa e diversão. Quanto aos problemas que os acadêmicos não gostariam de encontrar ao acessar um sítio, verificase que a maior parcela deles aponta a dificuldade do processo de compra, quando não é simples (64%), a falta de uma ferramenta de busca de produtos (58%), as animações e propagandas desnecessárias (45%). Dessa forma, os profissionais de marketing devem atentar para tais aspectos ao desenvolver um sítio com o intuito de minimizar esses problemas. O GrAF. 5 ilustra os percentuais dos problemas que os acadêmicos compradores não gostariam de encontrar ao acessar um sítio. GRÁFICO 5 — Problemas que os compradores não gostariam de encontrar ao acessar um sítio Layout Estrutura do site não é simples Falta de uma ferramenta de busca Não aceita pagamento com cartão de crédito Processo de compra não é simples Não há facilidade em abandonar um processo de compra Não há facilidade em cancelar um processo de compra Site não apresenta mecanismos de segurança (SSL) Animações e propagandas desnecessárias
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
99
Do total de acadêmicos de Administração, observou-se que 34,65% não efetuaram compras, sendo que os principais motivos de inibição foram fatores relacionados com insegurança e visualização da qualidade do produto. No GrAF. 6, podem ser identificados os percentuais dos motivos de inibição de compra dos acadêmicos respondentes que não efetuaram compras na internet. GRÁFICO 6 — Motivos de inibição de compra Insegurança Formas de pagamento Falta de conhecimento Viabilidade Tempo de envio Visualização de qualidade Outros FONTE: Os autores (2011)
Com base nos dados levantados para estimular os e-consumidores que não efetuam compras na internet, os profissionais de marketing devem trabalhar a questão da insegurança (57%) e visualização da qualidade dos produtos (31%). Devem adotar estratégias para minimizar esse impacto de insegurança e disponibilizar nos sítios uma melhor visualização da qualidade dos produtos oferecidos. De acordo com os principais pontos levantados no aporte teórico, foram encontradas algumas correlações entre a teoria e o resultado obtido. Na teoria, abordou-se que o comércio eletrônico gera receitas a partir de bens e serviços oferecidos entre vendedores e compradores. Porém, as leis básicas de construir lealdade não se alteram, fato evidenciado nos resultados, pois um dos critérios mais impactantes na decisão de compras usando o meio digital foi a confiança. O consumo on-line ocorre quando há percepção real do valor da oferta, levando-se em consideração critérios como a confiança e/ou a credibilidade em um sítio. Outro fato que retrata esse assunto é a questão da insegurança ao realizar compras pela internet. Dos alunos que não efetuam compras, os resultados evidenciam que os principais motivos 100
são a insegurança em um sítio e a visualização da qualidade. Também é importante salientar que não é do perfil dos alunos efetuar compras rotineiras, de acordo com os resultados. Dessa forma, para reverter essa realidade, a construção de valor e lealdade para com os clientes necessita levar em consideração as três dimensões abordadas na teoria, sendo: produto, loja e entrega do bem adquirido. Além da oferta de conveniência, os detentores dos sítios precisam trabalhar questões relacionadas à segurança, confiabilidade, velocidade. É necessário ressaltar que os principais problemas encontrados no processo de compra são: quando o processo não é simples, falta de uma ferramenta de busca, animações e propagandas desnecessárias. Esse fato evidencia o que a teoria aborda: a construção do sítio deve observar a importância de o processo de compra ser efetuado com facilidade. A questão da velocidade igualmente precisa ser considerada nesse processo, além da localização de recursos eletrônicos. A falta de ferramenta de busca também foi apontada como indesejável. A partir dos resultados obtidos, foi possível identificar uma divergência entre a teoria e o resultado. A teoria aborda o preço como não sendo
um fator decisivo de compra, mas nesta pesquisa o fator mais impactante como critério adotado na realização da compra foi o preço.
Considerações Finais Por meio desta pesquisa, foi possível obter o entendimento do funcionamento do comércio eletrônico, bem como as relações entre a organização e o e-consumidor, destacando a relevância do alinhamento estratégico. Quando se faz referência a e-consumidores, é necessário focar para estabelecer relacionamentos duradouros calcados no conhecimento desses clientes para satisfazer suas necessidades e seus desejos. A partir dos resultados obtidos com a pesquisa, identificou-se que a faixa etária dos acadêmicos de Administração da UEPG que efetuam compras na internet se enquadra entre 16 e 25 anos, e a renda, entre R$ 260,00 e R$ 1.300,00. A maior parte deles efetua compras anualmente ou somente quando há a necessidade de uso do cartão de crédito.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Os produtos mais consumidos são livros, eletrônicos e produtos de informática. Dos compradores, a maior parcela utiliza a internet entre 1 e 6 horas diárias, com o objetivo de obter informações pessoais, pesquisa e diversão. O critério mais decisivo na compra foi o preço, contradizendo o que foi abordado no referencial teórico de que muitas vezes os e-consumidores não levam em consideração o preço. Com relação aos problemas indesejados ao acessar um sítio, verificou-se que o processo de compra que não é simples, a ausência de uma ferramenta de busca e animações e propagandas desnecessárias são os mais impactantes. Dos acadêmicos que não compram na internet, identificou-se que os motivos de inibição de compra estão relacionados a fatores como insegurança e visualização da qualidade do produto. Logo, os profissionais de marketing que atuam no comércio eletrônico devem atentar ao perfil de compra dos e-consumidores e alinhar suas estratégias. Dessa forma, será possível estabelecer e manter relações de lealdade e de longo prazo.
•
Recebido em: 11/08/2011
•
Aprovado em: 18/07/2012
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
101
Referências BALBONI, M. R. Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil: TIC Domicílios e TIC Empresas. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2008. BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. 5. ed. Florianópolis: UFSC, 2002. BOONE, L. E.; KURTZ, D. L. Contemporary marketing. 10th ed. Orlando: Harcourt, 2001. CABRAL, A. S.; YONEYAMA, T. Economia digital: uma perspectiva estratégica para negócios. São Paulo: Atlas, 2001. CHOI, S-Y.; WHINSTON, A. B.; STAHL, D. O. The economics of electronic commerce. Indianapolis, IN: Macmillan Technical Publications, 1997. CHURCHILL, G. A.; PETER, J. P. Marketing: criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2000. EDWARD, J. F. et al. Knowledge management research & practice: visions and directions. Knowledge Management Research & Practice, Hampishire, England, v. 1, p. 49-60, July 2003. FORBES, S. Best prectives for online self-service. Norwalk, CT, 4 apr. 2002. GAVA, V. L. et al. Comércio eletrônico: aspectos que devem ser considerados em sua análise/implementação e avaliação no mercado brasileiro. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 25., 2005, Porto Alegre, RS. Anais... Porto Alegre, 2005. GIANFORTE, G. Insider’s guide to delighting the internet age customer: how today’s most successful marketing managers out-service their competition online. Bozeman: MT, 2001. KOSIUR, D. R. Understanding electronic commerce: how online transactions can grow your business, Redmond, WA: Microsoft, 1997. LADEIRA, Rodrigo. Razões que levam consumidores brasileiros a comprarem pela internet. São Paulo, 2000. 347 p. Tese (Doutorado em Administração) _ Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, São Paulo, 2000.
102
MARTIN, F. N. Pesquisa de marketing. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. MARCONI, M. D. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996. PINHEIRO, A. P. B. A.; BITTENCOURT, E. Comércio eletrônico: o perfil do consumidor do curso de Engenharia de Produção da UDESC – Joinville. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 29., 2009, Salvador, BA. Anais… Salvador, 2009. PORTER, M. E. Strategy and the internet. Harvard Business Review, Boston, v. 79, n. 3, p. 63-78, mar. 2001. REICHHELD, F. F.; SCHEFTER, P. E-loyalty: your secret weapon on the Web. Harvard Business Review, Boston, v. 78, n. 4, p. 105-113, July/Aug. 2000. RODRIGUES, L. C.; FERNANDEZ, M. J. Alinhamento estratégico da tecnologia de informação e inteligência competitiva. Revista Gestão Industrial (On-line), Ponta Grossa, PR, v. 2, n. 1, p. 131-146, 2006. STERNE, J. Customer service on the internet: building relationships, increasing loyalty, and staying competitive. 2nd ed. New York: J. Wiley, 2000. TAKAHASHI, T. Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. VENETIANER, T. E-commerce na corda bamba. Rio de Janeiro: Campus, 2001. VILHA, A. M.; DI AGUSTINE, C. A. E-marketing: para bens de consumo durável. Rio de Janeiro: FGV, 2001. YAMASHITA, S. S. Internet e marketing de relacionamento: impactos em empresas que atuam no mercado consumidor. 2003. 288 f. Dissertação (Mestrado) _ Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2003.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 90 - 103, jan./jun. 2013
103
Difusão de demanda por recursos de fomento a empresas: uma aplicação do modelo de Bass Demand diffusion for public financial resources for firms: an application of Bass model
Difusão de demanda por recursos de fomento a empresas: uma aplicação do modelo de Bass Demand diffusion for public financial resources for firms: an application of Bass model
Alex da Silva Alves1 José Antônio Pimenta-Bueno2 Thaisa de Freitas3
Resumo
Experiências adquiridas do estudo de inovações mostram que a difusão de um novo conceito ou método no mercado pode ser, aproximadamente, caracterizada pela fórmula de Bass, a qual descreve o processo de adoção de uma novidade como uma interação entre usuários e potenciais usuários. Neste trabalho, aplica-se o modelo de difusão elaborado por Frank Bass no estudo da previsão de demanda e do comportamento de adoção de um programa público de fomento à inovação em empresas brasileiras. A maior dificuldade em estimar os coeficientes do modelo de Bass é superada por meio da adoção da metodologia trazida por Daisuke Satoh e de dados provenientes da Pintec, os quais permitem uma análise do cenário de adoção do programa até 2015, assim como a antecipação de soluções estratégicas que, a partir da análise elaborada neste trabalho, julgam-se necessárias para a sua continuidade. A análise realizada é trazida tanto numa perspectiva nacional do programa de fomento quanto por região geográfica. Palavras-chave: Modelo de Bass. Modelo de Satoh. Previsão de Demanda. Difusão de Inovação em Empresas.
Abstract This paper applies the Frank Bass demand diffusion model in the study and prediction of the adoption of financial resources from a public program to boost innovation in Brazilian companies. The main difficulty in estimating the coefficients of the Bass model are overcome by adopting the methodology brought by Daisuke Satoh and on data from PINTEC, a Brazilian innovation survey, which allows both a scenario analysis of adoption of the program until 2015 and the anticipation of strategic solutions believed to be necessary for its continuation. The analysis brings about both national and geographical perspectives of the development program. Keywords: Bass Model. Satoh Model. Demand Forecasting. Innovation Diffusion in sempre Companies.
Doutor pela Università di Milano-Bicocca. Professor do Departamento de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF) — Campus de Rio das Ostras (RJ). Professor dos cursos de Pós-graduação Lato Sensu do Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Ambiente (LATEC) da UFF e do Programa de Mestrado em Sistemas de Gestão do Departamento de Engenharia de Produção da UFF. E-mail: alexds.alves@gmail.com. 2 Mestre em Industrial Engineering e em Engineering-Economic Systems pela Stanford University. Professor do Departamento de Engenharia Industrial da PUC-Rio. E-mail: japb@puc-rio.br. 3 Graduanda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF) — Campus de Rio das Ostras (RJ). E-mail: thaisa.freitas@yahoo.com.br. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
105
Introdução O estudo da inovação não é recente. Desde os trabalhos pioneiros de Schumpeter (1934), Solow (1979) e Denison (1962), entre outros, inovações tecnológicas são, reconhecidamente, vistas como um importante insumo no processo de crescimento econômico. No entanto, tal reconhecimento não é uniforme entre as mais importantes escolas do pensamento econômico. Na abordagem neoclássica, a inovação tecnológica é considerada um fator exógeno ao processo de crescimento, sendo trabalho e capital os fatores endógenos explicativos dos modelos de crescimento segundo essa visão. Tal abordagem começou a sofrer duras críticas, sobretudo a partir do surgimento da chamada escola evolucionária. Os “evolucionistas” mudaram o foco de análise da esfera macro para a microeconômica, atribuindo um caráter endógeno ao fenômeno da inovação por meio de seus modelos econométricos (AGHION; HOWITT, 1998; NELSON; WINTER, 1982; ROMER, 1986). Uma teoria endógena do crescimento econômico, portanto, leva em consideração o processo de aprendizagem, de acumulação e de disseminação de conhecimento novo. A criação e a difusão da inovação em um sistema social resultam de externalidades positivas (ANTONELLI, 2001), mostrando-se condição essencial para o crescimento econômico. Assim, o conhecimento da trajetória e dos estágios de absorção de inovações por seus potenciais “adotantes”, ou usuários, apresenta benefícios consideráveis para os agentes do mercado — os quais, junto a universidades e centros de pesquisas, são os maiores geradores de inovações — em termos da avaliação de sua efetividade, assim como das instituições que estabelecem o arcabouço legal e institucional para os sistemas de inovação cujo foco é a promoção e a difusão de conhecimento novo no tecido econômico e social de uma cidade, região geográfica e até mesmo de um país. Partindo desses pressupostos, os quais atribuem caráter essencial aos determinantes da inovação segundo a perspectiva evolucionista, a inovação e a velocidade de lançamento de 106
novos produtos no mercado tornam-se fatores fundamentais para a competitividade das empresas. Entretanto, é importante salientar que o simples fato de lançar produtos novos não se traduz em garantia de sucesso e competitividade no mercado (CROUCH et al., 2004), é também necessário que as empresas sejam capazes de traçar estratégias bem definidas para acompanhar o desenvolvimento de seus novos produtos (ANTONELLI, 2001). Para traçar estratégias eficazes, as orga nizações devem ter conhecimento inicial sobre o ciclo de vida de seus produtos — conceito vastamente utilizado em marketing. Segundo Wind (1982), o ciclo de vida do produto é caracterizado por estágios de lançamento, crescimento, matu ridade e declínio, assemelhando-se ao ciclo de vida de um organismo biológico. Mahajan, Muller e Bass (1990) afirmam que é fundamental que as organizações tenham conhecimento de seu mercado de atuação, sendo estritamente indispensável traçar estratégias de marketing, visando conhecer melhor o mercado em que atuam. Dada a relevância de conhecer o com portamento das vendas de determinado produto, as empresas desenvolvem, cada vez mais, estudos de planejamento de demanda baseados em diversos modelos de difusão existentes. Segundo Mahajan e Muller (1979), o objetivo de um modelo de difusão da demanda é retratar o comportamento de adoção de um produto, dado o potencial do mercado. Para esses autores, prever o desenvolvimento de um processo de difusão já é, por si, um importante progresso. Assim, a difusão se destaca como importante ferramenta no auxílio da definição de estratégias visando prever adequadamente a demanda de novos produtos (MAHAJAN; MULLER, 1979). A difusão da inovação é definida por Rogers (2003) como o processo pelo qual uma inovação é compartilhada por meio de certos canais de comunicação entre os membros de um sistema social. É constituída por quatro elementos centrais:
a inovação, os canais de comunicação, o tempo e o sistema social. Shaikh, Rangaswamy e Balakrishnan (2005) observam que a adequada modelagem da difusão de um novo produto é importante tanto para as empresas que introduzem novos produtos como para as empresas que oferecem produtos complementares ou substitutos. Por exemplo, conhecer o tempo de adoção de um aparelho de video game é importante para a empresa fabricante, para as empresas concorrentes e também para as empresas produtoras de bens complementares, como os jogos eletrônicos. Um dos modelos de difusão da demanda mais utilizados é o proposto por Frank Bass (1969), o qual considera aspectos como a propaganda de massa, a propaganda de seus usuários e o tamanho do mercado na previsão de novos produtos. Como será visto adiante, esse modelo tem sido o mais utilizado na análise da difusão de produtos inovadores. Assim como novos produtos, programas públicos de fomento à inovação em empresas também podem ser uma novidade para as empresas demandantes dos recursos financeiros, uma vez que a decisão por parte de uma empresa de apresentar uma primeira proposta para atender aos requisitos de um edital é análoga à decisão da primeira compra de um produto novo. Dessa forma, surge o problema para o formulador de política de como planejar adequadamente a distribuição desses recursos escassos, sendo de fundamental importância conhecer antecipadamente o comportamento dessa demanda, e seus determinantes, para melhor planejar o uso e a alocação dos recursos de fomento. O objetivo deste estudo é, portanto, apresentar uma abordagem para a avaliação da difusão da demanda por recursos de fomento à inovação utilizando o modelo de Bass e avaliar a projeção do ingresso de novos usuários (demandantes) no programa. Isto é, o trabalho prevê como o uso do programa poderá difundir-se entre novos usuários que tomarem conhecimento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de sua existência — por verem outras empresas participarem ou pela mídia — e se dispuserem a apresentar uma primeira proposta. O trabalho é divido em cinco seções. A primeira, esta introdução, traz um resumo das principais questões relacionadas à difusão da inovação. A próxima seção mostra o modelo proposto por Bass utilizado para previsão de demanda. A terceira traz uma breve apresentação do modelo proposto por Satoh para estimação dos coeficientes requeridos no modelo. Na quarta, caracteriza-se o programa de fomento, objeto do estudo, e aplica-se o modelo para a previsão da difusão de seus demandantes. Por fim, a última seção dedica-se às considerações finais.
1
O Modelo de Frank Bass
Os primeiros estudos realizados sobre difusão de inovação remontam do início da década de 1960 e foram introduzidos por Fourt e Woodlock (1960), os quais consideravam que as oscilações de demanda por novos produtos eram induzidas somente pela ação da propaganda. Posteriormente, Mansfield (1961) identificou que a principal influência no processo era a comunicação interpessoal, popularmente conhecida como “boca a boca”. Partindo de ambas as premissas, Frank Bass desenvolveu um modelo de difusão considerando as duas concepções propostas por Fourt e Woodlock (1960) e por Mansfield (1961), ponderando que os consumidores potenciais de novos produtos são influenciados por dois aspectos: a comunicação de massa e a comunicação interpessoal. O impacto do modelo desenvolvido por Bass foi tão significativo que seu uso se estendeu por diversas áreas, passando pelo estudo da difusão de novos bens ou serviços em tecnologia industrial, agricultura, educação, indústria farmacêutica, mercado consumidor de bens duráveis, entre outros (MAZZON; GUAGLIARDI; FONSECA, 1983).
vem
O modelo de Bass (BASS, 1969) também sendo bastante difundido no Brasil.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
107
Alguns exemplos de sua aplicação no País são apresentados, por exemplo, no trabalho de Scarpel e Rocha (2007), em que se mostra uma aplicação à indústria automobilística, e no de Figueiredo (2011), que o aplicou à indústria de motocicletas. Um aspecto marcante do modelo está no comportamento de seus resultados, os quais se mostram, até os dias atuais, bastante consistentes com diversos estudos no campo das ciências sociais, como atestam Wright e Chariett (1995). Como mencionado anteriormente, o modelo de Bass considera dois aspectos, os quais formam dois grupos de consumidores. O primeiro grupo diz respeito aos inovadores, que adotam o produto, motivados por fontes externas, como a propaganda. O segundo é constituído pelos imitadores, influ enciados pelo relacionamento interpessoal. Com base nesses dois aspectos, o modelo de Bass reflete todos os esforços de comunicação vindos da organização interessada. O modelo parte da premissa de que a probabilidade de um cliente efetuar a primeira compra, em determinado instante t, é função linear do total de usuários que já adotaram o produto, representada pela seguinte expressão: (1)
108
m, que é o Potencial do Mercado; p, representando o Coeficiente de Inovação; e, finalmente, q, refletindo o Coeficiente de Imitação. O coeficiente de inovação (p) é também chamado de influência externa ou efeito propaganda. O coeficiente de imitação (q), por sua vez, é também conhecido por influência interna ou efeito “boca a boca”. Como N(t) representa o total de compradores no instante t, então, sua derivada, dN(t)/d(t), representa a taxa de novos consumidores a cada instante, ou seja: (2)
Concordando a equação (1) com a equação (2) e substituindo m-N(t) por U(t), teremos: (3)
A solução da equação (3) representa uma curva em formato de S, na qual a assíntota do gráfico gerado a partir da equação é a capacidade máxima do mercado, ou seja: o parâmetro m, o potencial do mercado. Substituindo N(t)/m por Z(t), chega-se à representação mais conhecida do modelo de Bass, que é uma equação diferencial de primeira ordem:
N(t) representa o total de adotantes no instante t, e m representa o total de possíveis consumidores no mercado. Dado que o modelo leva em consideração a propagação do novo produto desde a realização da primeira compra, considera-se o tempo t = 0, em que se tem N(0) = 0, visto que ainda não existem adotantes. Portanto, P(0) = p, o que indica a probabilidade da primeira compra. O valor de p considera a iniciativa dos primeiros compradores. Por outro lado, q aumenta à medida que o número de pessoas já adotantes do produto aumenta, representando a força na difusão exercida pela imitação.
Uma das vantagens associadas ao modelo de Bass é a capacidade de explicar o início do processo de difusão da inovação por considerar o grupo dos pioneiros, os quais adotam a inovação assim que é lançada. Tais pioneiros, reconhecidamente, desempenham um importante papel na difusão de inovações, como salientam Rogers (2003), que chama esse grupo de primeiros adotantes, e Lazarsfeld e Katz (1995), os chamam de “líderes de opinião”.
Fundamentalmente, como mostrado na expressão (1), são três os parâmetros que definem a aparência da curva do modelo de difusão de Bass:
O aspecto subjacente à lógica do modelo de Bass reflete-se na crença de que a comunicação eficaz contribui para a difusão de uma inovação.
(4)
Ou seja, o modelo leva em consideração a contribuição do sistema social no processo de difusão. Esse princípio é muito usado, por exemplo, por epidemiologistas na previsão da difusão de epidemias, uma vez que os processos endêmicos ocorrem mediante contágio interpessoal. Vale ressaltar que o processo de difusão da ino vação também é fortemente influenciado pelo comportamento da imitação. Trata-se, obviamente, de um assunto que não é novo. Autores como Tarde (1890) já haviam considerado tais aspectos há mais de cem anos. A maior novidade trazida pelo modelo de Bass foi a formalização matemática das considerações de que uma inovação é uma condição necessária para a mudança, mas a mudança real só ocorre quando um grande número de pessoas inicia o processo de adoção de determinado produto. Tal aspecto é reforçado por vários autores, como Wright e Chariett (1995). Resumindo, o sucesso de uma inovação é impactado tanto por fatores externos quanto internos à organização responsável pelo lan çamento de um novo produto, e o modelo de Bass nos permite estudar tais impactos previamente ao seu lançamento no mercado. Tal consideração possibilita aos gestores traçar estratégias eficazes para suprir as necessidades do mercado com certa antecedência, o que, como aponta Guseo (2004), faz do modelo um importante aliado das empresas no contexto da inovação. No entanto, apesar de sua efetividade, o sucesso da implementação do modelo está atrelado a uma correta estimativa dos efeitos “propaganda” e “boca a boca”, assim como do tamanho do mercado, apresentados na expressão (1). Ou seja, o uso apropriado do modelo depende de estimar adequadamente os coeficientes p, q e m. Segundo Bernhardt e MacKenzie (1972), os modelos de difusão funcionam bem em alguns casos, mas em outros os resultados não são satisfatórios. Esses autores sugerem que o sucesso pode ser resultante da escolha tendenciosa da inovação, da população, da situação e do tempo. Mahajan, Mason e Srinivasan (1985) apontaram que uma possível razão poderia estar no procedimento
Rev.
FA E ,
C uritiba,
utilizado para estimar os parâmetros dos modelos de difusão. Segundo Mahajan, Muller e Bass (1990), o levantamento dos parâmetros é altamente influenciado pela quantidade de dados disponíveis. Diversos estudos comprovam que quando os dados disponíveis abrangem o período de pico, as estimativas são mais confiáveis. Mahajan, Mason e Srinivasan (1985) com pararam três procedimentos de estimação: estimativa dos mí nimos quadrados ordinários (OLS), estimativa de máxima verossimilhança (MLE), estimativa dos mínimos quadrados não lineares (NLS). Eles concluíram que o procedimento NLS proporciona melhor estimativa para os parâmetros. Entretanto, esse método é mais sofisticado que os demais, não sendo de fácil aplicação. Vale ressaltar também que o método OLS, apesar de ser mais simples, pode apresentar deficiências, como a multicolinearidade e a produção de parâmetros de sinal negativo. Dadas tais dificuldades, muitas vezes são utilizados parâmetros obtidos em fontes externas. Segundo Sultan, Farley e Lehmann (1990), p e q assumem valores médios próximos de 0,03 (geralmente menores que 0,01) e 0,38 (geralmente
O sucesso de uma inovação é impactado tanto por fatores externos quanto internos à organização responsável pelo lançamento de um novo produto, e o modelo de Bass nos permite estudar tais impactos previamente ao seu lançamento no mercado.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
109
entre 0,30 e 0,50), respectivamente. Entretanto, quando se trata de um produto ou serviço inovador, não se pode escapar da estimativa desses parâmetros, recomendando-se usar novas estimativas em vez de valores já disponibilizados.
2
A Proposta de Daisuke Satoh
Praticamente, uma medida fácil e rápida de estimar parâmetros no modelo de Bass não existe. Isso acontece porque, como se nota nas expressões (1), (2) e (3), o modelo de Bass é um método em tempo contínuo. Para efeitos de estimação dos parâmetros do modelo, isso pode trazer algumas dificuldades, pois os dados históricos necessários para a estimação são essencialmente discretos. Uma solução para esse problema foi proposta por Satoh (2001), o qual apresentou um modelo discreto que mantém as propriedades do modelo contínuo de Bass. O modelo de Satoh (2001) é descrito por uma equação diferencial que tem solução exata. Os resultados apresentados são equivalentes aos resultados obtidos a partir do modelo de Bass quando o intervalo de tempo se aproxima de zero, sendo a solução pelo modelo de Satoh uma boa aproximação da solução pelo modelo de Bass convencional quando o intervalo de tempo é suficientemente pequeno. Assim, pode-se utilizar o modelo de Satoh para estimar os parâmetros por meio de uma equação de regressão, conforme sugerida pelo autor. Satoh desenvolveu um método para estimar os parâmetros baseando-se tanto no método dos mínimos quadrados ordinários (OLS) quanto no método dos mínimos quadrados não lineares (NLS), chegando à conclusão de que o melhor método é o NLS. Segundo o autor, isso se dá devido a algumas falhas no método OLS, incluindo a mencionada tendência para produzir parâmetros com sinal negativo, ou seja, probabilidades negativas. O método utilizado neste trabalho foi 110
o NLS, no qual se estimaram os parâmetros p e q tanto no âmbito nacional do programa de fomento quanto no regional. Os resultados dos parâmetros são apresentados ao longo das próximas seções. A derivação do modelo de Satoh é demasiado complexa e não se enquadra no escopo deste trabalho, devendo o leitor interessado acompanhar as etapas de derivação dos parâmetros no trabalho de Satoh (2001). Aqui nos limitaremos a mostrar a proposta do autor para a estimação dos parâmetros p e q a partir do método NLS, a qual consiste na estimativa dos parâmetros p e q utilizando o seguinte conjunto de expressões para o número de adotantes Xn no tempo n:
Em que: µn representa um componente de erro, normalmente distribuído; δ é uma constante relativa à diferença entre um instante de tempo e outro. No modelo discreto de Satoh, δ pode assumir valores como 1, 2, 3... Neste trabalho, utilizou-se δ = 1, pois os períodos são anuais, variando de um ano para outro. Supondo n e m conhecidos, têm-se, resol vendo as expressões (5) e (6), conforme proposta de Satoh (2001), os seguintes resultados para os parâmetros de interesse:
Os valores de p e q assumidos neste trabalho foram obtidos a partir das expressões (7) e (8).
O método proposto por Daisuke Satoh não sugere um mecanismo para estimativa do parâmetro m, que é considerado um fator exógeno. A proposta desenvolvida pelos autores deste trabalho para estimação do parâmetro m é apresentada na próxima seção.
3
Evolução e Projeção do Programa de Fomento à Inovação
O trabalho que motivou o desenvolvimento deste artigo dá sequência aos estudos promovidos pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), sob encomenda da Financiadora de Es tudos e Projetos (Finep), a respeito do uso do novo instrumento de fomento à inovação no ambiente empresarial, conhecido por Programa de Subvenção Econômica à Inovação. A modalidade de apoio financeiro, que caracteriza o programa, permite a aplicação de recursos públicos não reembolsáveis diretamente nas empresas. Nesta seção, dividida em duas partes, apre sentamos a caracterização do referido programa para, em seguida, explicar como o modelo de Bass se aplica à estratégia de previsão de sua evolução.
3.1 Caracterização do Programa de Fomento
O programa, que tem seu marco legal na Lei da Inovação, iniciou com a chamada de 2006 (CH06), a qual foi objeto do primeiro estudo rea lizado pelos autores.4 O presente estudo trata das chamadas 2007 e 2008 (CH07 e CH08) do programa, que tentaram inovar certos procedimentos de sub missão e análise de propostas de modo a fazer frente ao grande volume de propostas atraí das pela iniciativa pública de fomento (CGEE,
2009). Mais importante entre essas tentativas foi o experimento com os conceitos de proposta simplificada e proposta detalhada, que dividiram o processo seletivo em duas fases sequenciais. A cobertura de análise das chamadas, entretanto, não foi uniforme devido às restrições na disponibilidade de dados da chamada de 2008. Em que pesem essas restrições, o estudo atual apresentou novas linhas de análise que alargaram o espectro de apreciações feitas sobre o instrumento governamental, relativamente ao estudo anterior. As duas chamadas aqui contempladas foram muito semelhantes entre si, mas distintas da anterior. Os recursos orçados foram 50% maiores, as áreas temáticas prioritárias foram diferentes e houve inovações no processo de apresentação de propostas, tendo em vista o expressivo número de propostas esperadas, resultante do processo de difusão do programa na comunidade empresarial. Nas chamadas de 2007 e 2008, o programa destinou R$ 1,1 bilhão a projetos de 441 proponentes (empresas) distintos, frente a uma demanda de 4.125 proponentes (distintos), uma mesma empresa poderia participar de mais de uma proposta. A Tab. 1 apresenta estatísticas básicas do programa, em termos dos recursos envolvidos, das propostas apresentadas e de sua tramitação pelo processo seletivo e dos proponentes novos e recorrentes. No que diz respeito às áreas temáticas, a principal mudança foi a eliminação do chamado Tema Geral, que dava guarida às prioridades dos próprios proponentes. A experiência colhida na CH06 mostrou que o instrumento de subvenção adotado não acomodava adequadamente esse grau de flexibilidade; para o atendimento desses propósitos, por exemplo, seria mais eficiente um instrumento de apoio mais automático, como os incentivos fiscais. Se o tema genérico não se adéqua ao instrumento, o tema muito específico também não. Isso porque, em várias áreas tecnológicas, o tema
Apreciação da Chamada 2006 do Programa de Subvenção Econômica à Inovação. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2007.
4
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
111
permite a identificação, ex ante, dos proponentes ou de um grupo muito restrito deles. Nesses casos, instrumentos como encomendas poderiam ser mais coerentes às necessidades dessas empresas. Temas muito específicos ensejam um trade-off do tipo concentração versus dispersão: de um lado, orientam a subvenção para conquistas tecnológicas importantes; de outro, restringem o seu impacto sobre a capacitação para inovação das empresas para apenas algumas delas. Por exemplo, como mencionado, o universo até agora atingido pelo R$ 1,1 bilhão alocado pelo programa nas três chamadas limita-se a 441 proponentes (distintos), entre os 4.125 (distintos) que apresentaram propostas. TABELA 1 — Proponentes e propostas por chamada do Programa de Subvenção Econômica à Inovação — chamadas 2006, 2007 e 2008
(*) Contém a Finep como proponente (teste), com sete propostas apenas em 2007. (**) Contém duplicidade, já que o proponente pode aparecer com proposta em mais de uma categoria. (***) Não inclui resultados dos pedidos de recurso à decisão da Diretoria. FONTE: Os autores, com base em dados fornecidos pela Finep (2012)
112
Os dois estudos mencionados dividiram-se em três frentes: análise da con sulta direta promovi-da pelo CGEE junto aos par ticipantes das chamadas, de modo a conhecer a opinião dos clientes sobre uma série de questões operacionais de interesse da agência de fomento à inovação; apreciação dos demandantes pelo apoio público, buscando conhecer sua origem geográfica, seu porte e os aspectos da sua localização que possam influir no seu desempenho; apreciação pormenorizada do processo seletivo em si. Este artigo foi elaborado a partir de considerações advindas do segundo aspecto do estudo referente às chamadas de 2007 e 2008.
3.2 Aplicação do Modelo de Bass na Previsão de Demanda por Recursos de Fomento à Inovação A teoria econômica e a de gestão empresarial trazem um espectro considerável de abordagens visando definir, de modo coerente e funcional, o conceito de inovação (DRUCKER, 2003; FREEMAN et al., 1982; KOTLER et al., 2000; SCHUMPETER, 1942). A definição mais conhecida, e popular, sobretudo no âmbito das políticas públicas — e de certa forma também derivada das anteriormente citadas —, é a da OCDE, segundo a qual inovação é a implementação de produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou processo, ou um novo método organizacional, de marketing, ou até mesmo novas práticas de gestão das empresas e das relações com atores externos, como fornecedores (OECD, 2004). Essa definição, calcada no ponto de vista do produtor, salienta os aspectos mais prementes da inovação, i.e., o aspecto de novidade e o componente da mudança na característica dos processos, produtos e métodos organizacionais. Ampliando esse ponto de vista para incorporar também a perspectiva do consumidor, inovação pode significar qualquer produto, serviço ou ideia percebido por alguém como uma novidade (KOTLER, et. al., 2000). Esse último aspecto, a perspectiva do consumidor ou usuário, apresenta-se como o elemento de interesse para o estudo objeto deste trabalho.
Inovação é a implementação de produto novo ou significativamente melhorado, ou processo, ou um novo método organizacional, de marketing, ou até mesmo novas práticas de gestão das empresas e das relações com atores externos, como fornecedores.
de proponentes. Esses novos entrantes tomam conhecimento do programa (inovação) por meio de fontes externas (a mídia) ou internas (usuários). Os três parâmetros de interesse, explicitados nas expressões (1), (2), (3) e (4) e contextualizados para aplicação em programas de fomento, são os seguintes: m = potencial do mercado ou, no caso, público-alvo do programa; p = coeficiente de influência externa, isto é, a probabilidade de uma empresa ainda não usuária vir a tornar-se usuária por efeito externo, como, cobertura da mídia ou efeito de propaganda; q = coeficiente de influência interna, isto é, a probabilidade de uma empresa não usuária vir a tornar-se usuária pela influência de algum usuário (efeito imitação ou transmissão oral).
O Programa de Subvenção Econômica à Inovação é uma novidade para muitas empresas. Tendo como base as definições apresentadas no parágrafo anterior, pode-se dizer que sua inserção no tecido empresarial já é, por si, uma inovação. De fato, a decisão por parte de uma empresa de apresentar uma primeira proposta para atender aos requisitos de um edital no âmbito do programa de fomento (ingressar no programa) é análoga à decisão da primeira compra de um produto novo. Afinal, a apresentação de uma primeira proposta tem custos e riscos. Os custos não são pequenos, eles decorrem da aquisição do know-how para elaborar uma boa proposta, da contrapartida requerida e dos custos de adequação às regras do jogo da subvenção pública (relatórios, visitas técnicas etc.). Os riscos, por conseguinte, estão mais associados à incerteza jurídica que acompanha uma nova ação governamental. Logo, pode ser apropriado, por parte do órgão de fomento que promove a ação, tratar da difusão do programa utilizando as mesmas ferramentas empregadas para prever a difusão de inovações em geral. A difusão do programa de fomento se dá pelo ingresso de novas empresas à sua lista
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Nesta seção do estudo, portanto, objetiva-se prever a evolução da entrada de novos usuários no programa da subvenção, de modo a antecipar a evolução da população atraída pela iniciativa gover namental de apoio à inovação. Busca-se, ainda, conhecer as regiões geográficas mais demandantes do programa. Com as duas novas chamadas, nos anos de 2007 e 2008, surge uma nova figura de interesse que não estava presente na primeira chamada do programa, ocorrida em 2006 (CH06): a figura do proponente recorrente aos recursos do programa. Do ponto de vista da política pública, interessa conhecer o grau de difusão do programa, bem como seu grau de atratividade. Conhecer essa dimensão de novos e recorrentes é importante, porque, conforme apresentado a seguir, a competição entre esses proponentes pelos recursos do programa não é igual. Os coeficientes relativos aos proponentes recorrentes (q) e aos novos (p) foram estimados seguindo o protocolo sugerido por Satoh (2001). O potencial de mercado (m) foi o parâmetro mais crítico para estimar devido à dificuldade de identificar o grupo de empresas potencialmente alvo do programa.
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
113
Tal parâmetro é crítico pela sua influência no modelo de previsão, sendo de difícil estimação por conta do problema de explicitar o público-alvo do programa. Esse público-alvo não identifica as empresas por seu segmento industrial, nem por seu porte ou outro atributo objetivo, mas pela disposição de inovar em determinadas áreas temáticas ditas prioritárias pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indús tria e Comércio Exterior (MDIC). A dificuldade em delimitar o público-alvo é agravada por dois fatores: primeiro, pelo fato de que, dentro das áreas prioritárias, há, ainda, temas prioritários, alguns bem específicos. O segundo agra vante é derivado do objeto que está sendo apoiado, segundo a política de fomento do programa. Alguns exemplos de propostas submetidas na chamada de 2007 ilustram essas dificuldades: ——
——
Desenvolvimento de sistema de navegação e controle para satélite de monitoramento da região amazônica, estabilizado em três eixos, incluindo hardware completo do computador de bordo (com interfaces para os sensores e atuadores), sistema operacional de tempo real, software de navegação e software de gerenciamento do sistema de controle. Desenvolvimento, implementação e tes tes de terminais de acesso (set-top-box e receptores) com implementação do middleware GINGA para TV digital (compatíveis com as especificações estabelecidas para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD)) e para outras aplicações de vídeo digital.
Na interpretação da agência executora, no âmbito desse programa de fomento, a atividade inovadora objeto do apoio é a atividade de P&D associada à inovação, e não a inovação em si. Isto é, a subvenção dirige-se ao custeio da P&D necessária para alcançar o novo produto ou processo, e não ao custeio do esforço de inserção do novo produto/processo no mercado. Assim, além de interesses muito específicos, o público-alvo deve apresentar interesse e capacidade de inovar a partir de atividades próprias de P&D. 114
Visando contornar tais dificuldades, o número potencial de participantes foi extraído a partir de uma análise realizada sobre dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec) 2003/2005, ajustado para as áreas temáticas abrangidas pelo programa. O GrAf. 1 ajuda a visualizar os balizamentos pro postos. Realizou-se um extrato da população da Pintec, em que foram retirados setores industriais que, à primeira vista, pareciam menos afetos às áreas prioritárias do programa. Essa extração, a princípio, não necessita de critérios mais aprofundados, pois a intenção principal foi estabelecer um limite inferior para o público-alvo. Os GrAf. 2 e GrAf. 3 formam um extrato da população da Pintec, em que foram retirados setores industriais que, à primeira vista, pareciam menos afetos às áreas prioritárias do programa. Como exemplos de tais setores, podemos mencionar a fabricação de produtos de fumo, de madeira, de couro e calçados, de borracha e plástico. O GrAf. 1 mostra o número de empresas que desenvolveram atividades inovadoras em diferentes graus de especificidade, segundo a metodologia da Pintec, as quais apresentam as seguintes características: ——
Empresas que implementaram ativi dades inovadoras;
——
Subconjunto do item anterior, segre gando as empresas que logram im plementar inovação de produto ou processo;
——
Subconjunto do item anterior, segre gando as empresas que realizaram dis pêndios em atividades inovadoras;
——
Subconjunto do item anterior, segregando as empresas que realizaram dispêndios com atividades de P&D próprio.
O gráfico mostra ainda o número de empresas que desenvolveram atividades inova doras em di ferentes graus de especificidade, fornecendo dois números balizadores do público-alvo do programa: o número de empresas da população da Pintec, visto como limite (bem) superior, e o número de empresas do recorte feito para refletir as áreas industriais mais afetas ao programa, visto como limite inferior.
Cabe notar que a diferença percentual entre esses dois balizadores decresce rapidamente com o aumento da especificidade — isto é, no final da cadeia, a população do recorte é quase igual à população da Pintec. GRÁFICO 1 — Público-alvo do programa de balizamentos da Pintec
FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
Com isso, parece claro que, impondo a restrição mais forte de haver feito gasto com P&D próprio no ano, o limite inferior do público-alvo, em 2005, seria próximo de 6 mil empresas. A fixação do limite superior é mais controversa. Com o incentivo da subvenção, algumas empresas que desenvolveram atividades inovativas, sem gastos com P&D próprio, poderiam passar a realizar a atividade de P&D próprio com recursos da subvenção. Isto é, se o incentivo for eficaz, o número de empresas praticantes da atividade de P&D se elevaria. Como o programa teve início somente em 2006, pode-se afirmar que as estatísticas da Pintec 2003/05 não refletem, ainda, os efeitos do programa. Logo, deve-se admitir que o público-alvo do programa se espalhe para a categoria anterior, das empresas que, em geral, realizaram dispêndio em atividades inovativas.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
115
TABELA 2 — Estimativa de demanda potencial do programa (2001-2003) Pintec 2001 - 2003 Atividades selecionadas da indústria e dos serviços
Implementaram atividades inovativas
Implementaram Iinovações de produto / processo
Realizaram dispêndios em ativ. inovativos
Realizaram dispêndios em P&D próprio
61.323
28.036
20.599
4.941
Indústrias extrativas
1.008
415
325
76
Indústrias de transformação
60.315
27.621
20.274
4.865
-
-
-
-
27.542
14.047
10.977
3.685
45%
50%
53%
75%
-
-
-
-
27.542
14.047
10.977
3.685
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
7.210
3.563
2.560
479
Fabricação de produtos têxteis
2.434
1.111
727
163
Fabricação de papel, embalagens e artefatos de papel
1.195
482
364
113
Petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção
137
64
51
16
Fabricação de produtos químicos
2.710
1.529
1.292
646
Fabricação de produtos de metal
5.163
2.453
2.010
460
Fabricação de máquinas e equipamentos
4.094
2.354
1.834
695
Escritório e equipamentos de informática
175
143
141
130
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
1.381
699
598
274
de aparelhos e equipamentos de comunicação
513
348
307
165
Instrumentação médico-hospitalar, instrumentos de precisão e ópticos
704
384
299
202
Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias
1.419
772
671
277
Fabricação de outros equipamentos de transporte
408
145
122
64
-
-
-
-
Telecomunicações
-
-
-
-
Atividades de informática
-
-
-
-
Pesquisa e desenvolvimento
-
-
-
-
(Fonte: Tabela 1.1.1 da Pintec 2005)
Total Pintec
Serviços TOTAL ÁREAS DE SUBV. ECON. % da Amostra da Pintec Indústrias extrativas Indústrias de transformação
Serviços
FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
116
TABELA 3 — Estimativa de demanda potencial do programa (2003-2005) Pintec 2001 - 2003 Atividades selecionadas da indústria e dos serviços (Fonte: Tabela 1.1.1 da Pintec 2005)
Implementaram atividades inovativas
Implementaram inovações de produto / processo
Realizaram dispêndios em ativ. inovativos
Realizaram dispêndios em P&D próprio
69.399
32.796
21.966
6.168
1.083
427
330
18
Indústrias de transformação
65.287
29.951
19.621
5.028
Serviços
3.028
2.418
2015
1122
35.135
18.103
12.890
5.120
51%
55%
59%
83%
-
-
-
-
30.889
15.685
10.875
3.998
Fabricação de produtos alimentícios e bebidas
7.923
3.771
2.412
449
Fabricação de produtos têxteis
3.164
1.382
807
164
Fabricação de papel, embalagens e artefatos de papel
1.277
551
287
50
Petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção
163
103
68
29
Fabricação de produtos químicos
3.030
1.900
1.383
964
Fabricação de produtos de metal
5.712
2.668
1.873
390
Fabricação de máquinas e equipamentos
4.611
2.282
1.790
767
Escritório e equipamentos de informática
199
146
115
60
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
1.491
865
608
362
Fabricação de aparelhos e equipamentos de comunicação
523
367
307
181
Instrumentação médico-hospitalar, instrumentos de precisão e ópticos
878
627
488
319
Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias
1.547
819
559
189
372
205
176
74
4.246
2.418
2.015
1.122
334
180
146
66
2.652
2.197
1.829
1.015
42
41
41
41
Total Pintec Indústrias extrativas
TOTAL ÁREAS DE SUBV. ECON. % da Amostra da Pintec Indústrias extrativas Indústrias de transformação
Fabricação de outros equipamentos de transporte Serviços Telecomunicações Atividades de informática Pesquisa e desenvolvimento FONTE: Os autores, com base em dados da Pintec (IBGE, 2005)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
117
Admitindo, portanto, que o limite superior esteja nessa categoria de empresas, o teto do programa estaria entre 12 mil e 22 mil empresas, se o incentivo fosse eficaz com todas. Tal margem de erro na estimativa do limite superior (e inferior) pode ser reduzida pela observação da representação gráfica da curva de difusão, mostrada no GrAf. 2, utilizando os dados históricos das quatro primeiras chamadas realizadas nos anos de 2006 a 2009. GRÁFICO 2 — Evolução e previsão do número de proponentes novos com base no modelo de difusão de Bass
FONTE: Os autores (2012)
O GrAf. 2 apresenta a evolução e a previsão dos novos usuários do programa até 2015, utilizando o modelo de Bass, com parâmetros estimados com base nos dados históricos do programa. As previsões seguem três hipóteses sobre o tamanho do público-alvo potencial no ano 2010: a) O limite inferior a 7.600 empresas: que resulta da atualização do limite de 6 mil identificado na Pintec (2005) pela taxa anual de crescimento observada na população que realiza dispêndio com P&D próprio; b) Um valor intermediário de 8.500 empresas: que reproduz, em 2010, o mesmo número de novos proponentes de 2009; c) Um limite superior a 10 mil empresas: de natureza mais provocativa, visando observar suas possíveis implicações. Os elementos acima sugerem que, ao continuar a política vigente de fomento do programa, de cunho mais restritivo, parece improvável alcançar um limite superior a 10 mil empresas. De fato, esse limite inverteria a concavidade da curva no ano 2010 e, como consequência, promoveria uma inversão numa tendência que se observa desde 2007, isto é, o decréscimo sistemático do número de novas empresas que aderem ao programa. Essa inversão seria consistente apenas com uma mudança expressiva na política de fomento. Por sua vez, o limite inferior a 7,6 mil parece promover um decréscimo um pouco mais acelerado. Sua probabilidade de ocorrência se eleva à medida que a política de fomento continua a enfatizar a atividade de P&D em detrimento das demais atividades inovativas (da Pintec) e, ainda, eleva a exigência de contrapartida. 118
Portanto, a leitura dos dados da Pintec sugere o teto de 7,6 mil proponentes, a se manter três premissas básicas dessa estimativa: primeira, a manutenção da política de apoio à inovação em áreas temáticas restritivas; segunda, a política de fomento a innovation research, e não ao conjunto das atividades potencialmente inovadoras; e, terceira, a nítida preferência ao apoio às empresas que já realizam dispêndios com P&D próprio. Com essas premissas, o ingresso de novos proponentes deve acompanhar, a partir de 2010, a curva do GrAf. 3. GRÁFICO 3 — Evolução e projeção da difusão do programa em uma perspectiva nacional
FONTE: Os autores (2012)
Em tal hipótese, o programa já terá atendido, em 2009, cerca da metade da demanda potencial, embora só tenha até então contemplado 441 (6%) proponentes com a subvenção econômica.
3.3 Evolução e Projeção do Programa por Região
O estudo traz ainda uma primeira tentativa de projetar a difusão do programa nas diferentes regiões do País para os próximos cinco anos. Para tanto, utilizou-se o modelo de difusão de Bass em cada região, o que exigiu estimar os parâmetros regionais. O GrAf. 4 traz os resultados desse esforço. Por esses resultados, as regiões Sudeste (SE) e Nordeste (NE) se assemelham em termos das propriedades de difusão, enquanto as demais exibem características mais singulares. Por exemplo, a difusão no Centro-Oeste (CO) parece ser mais influenciada pelo “boca a boca” do que pela mídia, e o oposto parece ocorrer na região Sul (S).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
119
GRÁFICO 4 — Parâmetros de difusão regional do programa
FONTE: Os autores (2012)
Um exemplo do efeito desses parâmetros sobre cada região é ilustrado no GrAf. 5 para o caso do Nordeste (NE). Observa-se, primeiro, a evolução do número de novos proponentes nas diferentes chamadas até 2009; em seguida, observa-se a previsão feita pela função de Bass, cobrindo o período 2010 a 2015. Essa previsão fundamenta-se, claramente, na manutenção das mesmas políticas do Programa de Subvenção que vigoraram até 2009. GRÁFICO 5 — Evolução e projeção da difusão do programa na perspectiva da região Nordeste
FONTE: Os autores (2012)
120
Agregando-se as projeções feitas para cada região, obtém-se o GrAf. 6, o qual aponta as participações regionais finais previstas pelo modelo. GRÁFICO 6 — Evolução e projeção da difusão do programa por região geográfica
FONTE: Os autores (2012)
Como se pode observar no GrAf. 6, há poucas mudanças no período, mesmo com a desagregação dos usuários por região, conforme se nota detalhadamente na Tab. 4.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
121
TABELA 4 — Estimativa da difusão do programa por região geográfica
(1) Estimativa feita com base nos valores históricos, utilizando método proposto por: SATOH, Daisuke, A discrete Bass model and its parameter estimation, Journal of the Operations Research Society of Japan, v. 44, n. 1, mar. 2001. FONTE: Os autores (2012)
Pelos dados apresentados, há uma tendência de que, nos próximos três anos a partir de 2010, haveria redução no número de proponentes novos, o que aconteceria em todas as regiões.
122
Conclusão Baseando-se nas análises realizadas neste trabalho, em que se traçou a evolução de um importante programa nacional de fomento até 2015, acredita-se que um maior esforço de divulgação do programa, sobretudo em regiões como a CentroOeste, pode contribuir com o aumento do potencial de demandantes qualificados. Maior esforço de divulgação (propaganda) pode atrair novos entrantes e aumentar a intensidade do esforço daqueles que lançaram propostas sem ainda ter logrado êxito na aprovação. Como observado neste trabalho, tal aspecto pode reverter a tendência de queda do número de proponentes novos. Com base em tais aspectos, deve-se examinar a conveniência de adotar chamadas distintas para proponentes novos e recorrentes, uma vez que os recorrentes podem beneficiar-se do forte efeito de aprendizado, o qual aumenta as chances de propostas aprovadas nas chamadas sucessivas do programa. Seguindo experiências amplamente difundidas na Europa para qualificação dos demandantes de recursos de fomento dos chamados Programa-Quadro (Framework Programmes) da Comissão Europeia, é importante pensar na estruturação de esforços de treinamento em formulação de propostas dirigidas para a massa de proponentes que desistem do programa por não lograrem qualificar suas propostas. Como proposta para trabalhos futuros, sugere-se uma análise mais aprofundada dos efeitos da difusão do programa em cada região específica, levantando-se estudos sobre a geografia da inovação no País. Igualmente, uma vez que o mercado potencial das empresas aqui considerado foi estimado a partir de dados da Pintec 2006, sugere-se a confrontação dos resultados deste trabalho com a Pintec 2008, visando verificar se a introdução do Programa de Subvenção Econômica à Inovação contribuiu com o aumento do esforço de P&D próprio das empresas.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
A liberação dos dados das chamadas de 2010 e de 2011, por parte da agência executora, ajudaria na avaliação da efetividade do modelo de previsão, uma vez que poderiam ser comparados os dados previstos e realizados para esses respectivos anos. Nesse âmbito, uma vez disponibilizados os dados, seria possível verificar se a tendência de redução de proponentes novos nos três anos subsequentes a 2010 estaria de fato se materializando. Por fim, o trabalho buscou salientar a importância e as principais dificuldades de modelos matemáticos para descrever o ciclo de vida de um produto inovador no mercado, como pode ser o caso da introdução de um novo programa de fomento à inovação destinado a empresas usuárias do recurso de fomento. As maiores dificuldades verificadas no modelo utilizado dizem respeito ao dimensionado do mercado e à estimativa dos demais coeficientes necessários. Esses últimos, em particular, têm sua efetividade fortemente dependente de uma série histórica atualizada. Conforme o programa evolui, acredita-se que os novos dados obtidos — caso sejam disponibilizados pela agência executora — possam contribuir para um entendimento mais amplo da sua efetividade, de modo a subsidiar a continuidade de propostas de ações estratégicas para correção de problemas encontrados.
•
Recebido em: 14/02/2012
•
Aprovado em: 06/05/2012
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
123
Referências ABRAMSON, D.; Giddy, J.; KOTLER, L. High performance parametric modeling with Nimrod/G: Killer application for the global grid? In: PARALLEL AND DISTRIBUTED PROCESSING SYMPOSIUM, 14th., 2000, Cancun, Mexico. Proceedings... Cancun, México, 2000. AGHION, P.; HOWITT, P.; GARCÍA-PEÑALOSA, C. Endogenous growth theory. Cambridge: MIT, 1998. ANTONELLI, C. The microeconomics of technological systems. Oxford, England: Oxford University, 2001. BASS, F. M. A new product growth for model consumer durables. Management Science, Providence, v. 15, n. 5, p. 215-227, may 1969. BERNHARDT, I.; MACKENZIE, K. D. Some problems in using diffusion models for new products. Management Science, Providence, RI, US, v. 19, n. 2, p. 187-200, Feb. 1972. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Programa de Subvenção Econômica à Inovação. Apreciação das chamadas 01/2007 e 01/2008. Brasília, DF, 2009. CROUCH, C. et al. Changing governance of local economies: responses of European local production systems. Oxford, England: Oxford University, 2004. DENISON, E. F. The sources of economic growth in the United States and the alternatives before us. New York: Committee for Economic Development, 1962. DRUCKER, P. F. The new realities. New Brunswick, USA: Transaction, 2003. FIGUEIREDO, J. C. B. Modelo de difusão de Bass: uma aplicação para a indústria de motocicletas no Brasil. In: SIMPÓSIO DE ADMINISTRAÇÃO DA PRODUÇÃO, LOGÍSTICA E OPERAÇÕES INTERNACIONAIS, 14., 2011, São Paulo, SP. Anais. São Paulo: Fundação Getulio Vargas, 2011. FOURT, L. A.; WOODLOCK, J. W. Early prediction of market success for new grocery products. The Journal of Marketing, Chicago, v. 24, n. 1, p. 31-38, jan./mar. 1960. FREEMAN, B. A. et al. Biology of disease: free radicals and tissue injury. Laboratory investigation; a journal of technical methods and pathology, Hagertown, v. 47, n. 5, p. 412, may 1982. GUSEO, R. Interventi strategici e aspetti competitivi nel ciclo di vita di innovazioni. Padova: University degli Studi di Padua, 2004. (Working Paper Series). IBGE. Pesquisa de inovação tecnológica [Pintec 2005]. Rio de Janeiro, 2007. LAZARSFELD, P. F.; KATZ, E. Personal influence: the part played by people in the flow of mass communications. New York: The Free, 1955. MAHAJAN, V.; MASON, C. H.; SRINIVASAN, V. An evaluation of estimation procedures for new product diffusion models. Palo Alto, Calif., Stanford University. Graduate School of Business, 1985. ______; MULLER, E. Innovation diffusion and new product growth models in marketing. The Journal of Marketing, Chicago, v. 43, n. 1, p. 55-68, jan./mar. 1979. ______; ______; BASS, F. M. New product diffusion models in marketing: a review and directions for research. The Journal of Marketing, Chicago, v. 54, n. 1, p. 1-26, jan./mar. 1990. ______; WIND, Y.; DEPT, W. S. M. Innovation diffusion models of new product acceptance: a reexamination. Philadelphia, PA: University of Pennsylvania. Wharton School. Marketing Department, 1985.
124
MANSFIELD, E. Technical change and the rate of imitation. Econometrica: journal of the Econometric Society, Chicago, v. 29, p. 741-766, 1961. MAZZON, J. A.; GUAGLIARDI, J. A.; FONSECA, J. S. Marketing: aplicações de métodos quantitativos. São Paulo: Atlas, 1983. NELSON, R. R.; WINTER, S. G. An evolutionary theory of economic change. Cambridge: Harvard University, 1982. ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO -OCDE. Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. Tradução da Financiadora de Estudos e Projetos, Brasília: FINEP. Paris: OCED, 2004. ROGERS, E. M. Diffusion of innovations. New York: The Free, 2003. ROMER, P. M. Increasing returns and long-run growth. The Journal of Political Economy, Chicago, v. 94, p. 1002-1037, 1986. SATOH, D. A discrete bass model and its parameter estimation. Journal of the Operations Research Society of Japan, Tokyo, v. 44, n. 1, p. 1-18, jan.-mar. 2001. SCARPEL, R. A.; ROCHA, R. R. Previsão de vendas e do potencial de mercado de produtos novos: um caso na indústria automobilística. In: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 14., 2007, Bauru-SP. Anais... Bauru, 2007. SCHUMPETER, J. A. The theory of economic development: an inquiry into profits, capital, credit, interest and business cycle. Cambridge, MA: Harvard University, 1934. (Harvard Economic Studies, v. 46). ______. Socialism, capitalism and democracy. Oxford: Harper and Bros., 1942. SHAIKH, N. I. RANGASWAMY, A.; BALAKRISHNAN, A. Modeling the diffusion of innovations through small-world networks. University Park, PA: Penn State University, 2005. (Working Paper). SOLOW, R. M. Another possible source of wage thickness. Journal of Macroeconomics, Detroit, v. 1, n. 1, p. 79-82, jan./mar. 1979. SULTAN, F.; FARLEY, J. U.; LEHMANN, D. R. A meta-analysis of applications of diffusion models. Journal of Marketing Research, Chicago, v. 27, n. 1, p. 70-77, jan.-mar. 1990. TARDE, G. Les lois de l’imitation: étude sociologique. Paris: F. Alcan, 1890. WIND, Y. J. Product policy: concepts, methods, and strategy. Reading: Addison-Wesley, 1982. WRIGHT, M.; CHARIETT, D. New product diffusion models in marketing: an assessment of two approaches. Marketing Bulletin, Washington, DC, v. 6, p. 32-41, 1995.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 104 - 125, jan./jun. 2013
125
O processo de terceirização nas relações organizacionais The outsourcing process in organizational relationships
O processo de terceirização nas relações organizacionais The outsourcing process in organizational relationships
Alfredo Rodrigues Leite da Silva1 Andreza Sampaio de Mello2 Simone de Souza3
Resumo Nesta pesquisa objetivou-se discutir como o processo de terceirização é contextualizado nas culturas, nas relações de poder e no clima organizacional das empresas. As questões culturais, as relações de poder e o clima organizacional são fatores ligados a diferentes níveis de desempenho e estão presentes nas relações cotidianas das organizações. Para legitimar empiricamente essa discussão, os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas aplicadas aos funcionários de uma empresa líder na produção de papel e celulose. Foi possível concluir que os aspectos culturais, as relações de poder e o clima organizacional estão relacionados à forma como os funcionários encaram as mudanças trazidas pela terceirização. O processo de mudança desencadeado pelas terceirizações pode ser facilitado ou dificultado em função de como são tratadas as questões ligadas à cultura, ao poder e ao clima organizacional. Palavras-chave: Cultura Organizacional. Relações de Poder. Clima. Terceirização. Papel e Celulose.
Abstract This paper discusses how the process of outsourcing is contextualized in different cultures, in power relations and in organizational climate of companies. Cultural issues, power relations and the organizational climate factors are linked to different levels of performance and are present in everyday relationships in organizations. To legitimize this discussion empirically the data were gathered from semi-structured interviews with employees of a leading company in the production of pulp and paper. The results suggest that cultural aspects, power relations and organizational climate are related to the way employees face the changes brought by outsourcing. The process of change caused by outsourcing can be facilitated or hampered according to the way matters are linked to culture; power and organizational climate are treated. Keywords: Organizational Culture. Power Relations. Business Climate. Outsourcing. Pulp and Paper.
Doutor em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto do Departamento de Administração da UFES e pesquisador do NEOS/UFMG e do NETES/UFES. E-mail: alfredoufes@gmail.com. 2 Doutoranda em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsista pela Capes). E-mail: andreza_sampaio@yahoo.com.br. 3 Mestre em Administração de Empresas pela Fundação Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade, Economia e Finanças (fucape). Professora — Campus Guarapari, coordenadora do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão Estratégica de Negócios e Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação no IFES. E-mail: simones@ifes.edu.br. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
127
Introdução A terceirização de atividades empresariais é caracterizada como o processo de deixar de produzir internamente um bem ou serviço para adquiri-lo de outra empresa (PINHEIRO, 1999; REZENDE, 1997). O processo de terceirização pode gerar vantagens, como a redução de custos e a possibilidade de manter o foco no seu core business (atividade-fim), mas também pode gerar desvantagens, como a insegurança quanto ao suprimento de produtos e a perda de sinergia interna (PINHEIRO, 1999; REZENDE, 1997). O certo é que esse processo trará mudanças para a organização, e a maioria dessas mudanças refletirá na redução de pessoal e nas novas relações que surgem com as empresas que prestam os serviços terceirizados. Cabe, então, dizer que as mudanças trazidas pela terceirização podem afetar diretamente as pessoas ligadas à organização e as relações existentes entre elas. Portanto, os impactos causados pelo processo de terceirização podem estar conectados a fatores como cultura e clima organizacional, e também às relações de poder existentes. Autores como Fleury e Sampaio (2002) e Santos (1999) defendem que as questões culturais, as relações de poder e o clima organizacional são fatores ligados a diferentes níveis de desempenho das organizações. Ao recuperar a ideia de Schein (1985), ouseja, a de que não existe uma cultura ideal, e que cada empresa cria a sua própria cultura, é válido pensar que os impactos de qualquer mudança irão variar de organização para organização, dependendo da cultura desenvolvida em cada uma. Além da cultura, as relações de poder instituídas em cada organização podem vir a determinar o comportamento dos indivíduos em face dos processos organizacionais (BERTERO, 1996). Outro aspecto que deve ser considerado ao analisar mudanças organizacionais causadas pela terceirização, ou por qualquer outro processo, é o clima organizacional presente na empresa. O clima organizacional não pode ser confundido com cultura da organização, pois a cultura está relacionada às origens da organização e aos seus valores, ao passo que o clima reflete uma situação 128
O clima organizacional não pode ser confundido com cultura da organização, pois a cultura está relacionada às origens da organização e aos seus valores, ao passo que o clima reflete uma situação momentânea, que pode inclusive ser alterada, vivida entre a pessoa e a empresa.
momentânea, que pode inclusive ser alterada, vivida entre a pessoa e a empresa (FLEURY; SAMPAIO, 2002). Diante da complexidade dos temas relacionados com cultura, poder e clima, e suas relações com os processos de mudanças por que passam as organizações, são válidas as tentativas para melhor compreender essas situações tão presentes no cotidiano das empresas. Nesse contexto, apresenta-se o objetivo do presente artigo, que é discutir como o processo de terceirização é contextualizado nas culturas, nas relações de poder e no clima organizacional das empresas. O estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a contextualização de diversos aspectos organizacionais na ótica da cultura, do clima e das relações de poder. Em relação ao foco deste artigo, buscou-se desenvolver um referencial teórico considerando diferentes visões sobre os temas cultura, poder e clima nas organizações e sobre o processo de terceirização. A parte empírica da discussão foi realizada por meio de um estudo de caso na empresa Papelório (nome fictício adotado a fim de preservar o nome da empresa), uma empresa líder mundial na produção de celulose. Na coleta dos dados, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas, apoiadas num roteiro estabelecido a priori, aplicadas aos funcionários dos níveis gerencial e operacional. As entrevistas foram transcritas, e, logo após, as falas foram agrupadas em categorias predefinidas, de acordo com a técnica de Análise do Conteúdo (BARDIN, 1977) em uma abordagem temática. Para desenvolver a discussão, este artigo está organizado em sete tópicos: o primeiro é esta introdução; o segundo trata da articulação entre cultura, poder e clima nas organizações; o terceiro discute o processo de terceirização e sua contextualização nas empresas; o quarto apresenta o percurso metodológico do estudo de caso; o quinto é um breve histórico da empresa investigada no estudo de caso; o sexto corresponde à análise dos dados; e o sétimo apresenta as considerações finais do artigo.
1
Cultura, Poder e Clima nas Organizações
O termo cultura, no sentido antropológico, foi definido por Tylor (1958, p. 1, tradução nossa) como “[...] um conjunto complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e qualquer outra capacidade e hábitos adquiridos pelo homem como um membro de uma sociedade”. Hofstede (1997) corrobora essa ideia ao afirmar que cultura é adquirida e não herdada, que é um fenômeno coletivo, vivenciado por pessoas de um mesmo ambiente social. Esse autor afirma que ela é distinta da natureza humana e da personalidade. Por divergir em muitos aspectos com Hofstede (1997), Aktouf (1994) também afirma que não existe cultura sem que os atores sociais sejam identificados seus pares e com locais de socialização reconhecidos. É comum aos autores a visão de cultura antropológica como algo socializado entre indivíduos de um mesmo ambiente, assim a polêmica está na possibilidade de gerenciar ou não esse processo e em como fazer isso (AKTOUF, 1994). Nessa concepção, cabe dizer que as organizações também constituem ambientes nos quais nascem
Rev.
FA E ,
C uritiba,
e se consolidam as culturas organizacionais, ou seja, as culturas vivenciadas nas empresas. Dessa forma, vários pesquisadores começaram a estudar a cultura organizacional. Surge, então, a definição de Schein (1985, p. 4), que traz um corte funcionalista de cultura organizacional, ao defini-la como “um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu [...] e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros”. Para o autor, não existe um tipo certo de cultura que seja melhor ou pior, uma vez que cada empresa tem a sua própria cultura que pode ser administrada pelos gestores de acordo com os interesses da organização. Aktouf (1994), por sua vez, critica a visão de cultura organizacional como a suposta capacidade dos gestores, utilizando ritos, cerimônias, símbolos e mitos, de despertar, reforçar ou alterar valores, atitudes e crenças, ditas apropriadas para os membros da organização. Sobre essas críticas, o próprio Aktouf (1994) reconhece que a abordagem funcionalista tende a ser predominada em seu viés gerencialista, com classificações específicas para facilitar o ma peamento cultural. Um exemplo disso é o trabalho de Trompenaars (1994) sobre cultura organizacional, no qual o autor propõe um modelo com dimensões que permitem definir quatro tipos de culturas empresariais, que variam de empresa para empresa: 1. A família: um tipo de cultura voltado para o poder; 2. A Torre Eiffel: um tipo de cultura voltado para função; 3. O míssil guiado: um tipo de cultura voltado para o projeto; 4. A incubadora: uma cultura voltada à satisfação. Ao discutir cultura organizacional, é necessário também considerar os valores organizacionais. Tamayo (1997) argumenta que pode haver uma dis crepância entre os valores da alta administração, chamados de valores organizacionais, e os valores dos indivíduos que nela trabalham. A respeito desse argumento, Junquilho e Leite-da-Silva (2004, p. 150) sugerem que, em vez dos valores organizacionais, o que existe, na verdade, são os valores na organização, pois esses valores são “construídos socialmente — e não, a priori, pelos desejos da alta administração”.
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
129
Afastando-se do viés funcionalista para uma visão mais crítica, deve-se considerar que a cultura nas organizações está associada, ainda, às relações de poder que permeiam as atividades orga nizacionais. As relações de poder são expressas a todo o momento no dia a dia das empresas, seja de forma explícita ou embutida nas atitudes cotidianas das pessoas envolvidas nos processos. Trabalhos sobre o poder nas organizações têm gerado uma variedade de conceitos dentro de diversas abordagens. Hardy e Clegg (2001) resgataram os trabalhos de Marx e Weber que enfocaram o poder por meio da propriedade, meios de produção e estruturas organizacionais e exploraram a linha funcionalista e crítica acer ca do tema. Apesar de o poder ser visto por di ferentes ângulos, os autores acreditam que o estudo do poder é direcionado para um foco com portamental, mas ele deve ser entendido na sua diversidade de visões. Entre essas diferentes visões, Foucault (2003) investigou os mecanismos do poder com um triângulo: poder, direito e verdade; de um lado, as regras de direito delimitando o poder, e, do outro, a produção da verdade que esse poder produz. Analisando a matéria sob outra perspectiva, surge o estudo de Galbraith (1989), que questiona o uso da palavra poder. Para o autor, o poder tem um significado ligado ao senso comum de submissão a algum tipo de autoridade. Nessa ótica, ele buscou conhecer o que diferencia os que exercem o poder daqueles que são submetidos a essa autoridade, analisando três fontes de poder: personalidade, propriedade e organização. Tendo como foco a perspectiva organizacional, Bertero (1996), por exemplo, explora as dimensões poder e cultura. O autor analisa o poder, a priori, centrado na figura do proprietário, em seguida, explica o desdobramento desse poder por meio dos influenciadores internos, defendendo que o poder é um elemento modelador, podendo influenciar no comportamento e nos processos organizacionais. Os trabalhos sobre poder nas organizações influenciaram estudos específicos dentro de 130
determinadas áreas da organização. Nesse contexto, Pagés, Bonatti, Degaulejac et al. (1987) analisam as práticas de poder na gestão dos recursos humanos. Os autores mostram como o poder é exercido por meio de vários procedimentos utilizados nas políticas de recursos humanos, os quais ele denomina de dispositivos, além de demonstrar os diversos símbolos utilizados nesses processos para disfarçar as práticas do poder. No entanto, não é apenas na área de recursos humanos que se observam as relações de poder existentes em uma organização. Damasceno e Carvalho (2004) analisaram as mudanças nas relações de poder por meio da implementação dos sistemas Enterprise Resource Planning (ERP) e descreveram que o poder organizacional está intrínseco em princípios, como cultura, ideologia, valores e crenças, e que tais princípios influenciam o poder nas relações sociais. Outro aspecto que deve ser levado em consideração, quando se quer abordar o impacto de certas mudanças nas organizações, é o clima organizacional. As pesquisas de clima organizacional são práticas comuns nas organizações, por serem meios para o monitoramento do comportamento humano e para analisar as percepções das pessoas sobre o ambiente de trabalho. Nesse sentido, têm-se elaborado instrumentos para as análises de dados. Porém, Santos (1999) critica alguns especialistas no assunto, por não criarem medidas de clima organizacional que demonstrem um significante grau de confiabilidade e validade. Veloso, Nakata, Fischer et al. (2007) enfatizam que, para um instrumento de pesquisa ser confiável, é extremamente importante um embasamento teórico sólido e atualizado em gestão de pessoas. Fleury e Sampaio (2002) atentam para a diferenciação entre conceito de cultura como sinônimo de clima organizacional, pois o aspecto cultural remete às origens das organizações, à definição de seus valores e ao enquadramento dos padrões culturais. Em contrapartida, o clima organizacional remete a uma fase momentânea, da percepção e interação entre a pessoa e a empresa, podendo ser alterado. Nesse sentido,
Denison (1996) defende que, a despeito de existirem elementos comuns aos conceitos de clima e cultura em organizações, eles não devem ser tratados nem como sinônimos nem como elementos indissociáveis. Para o autor, há uma contribuição para o campo dos estudos organizacionais ao assumir os dois conceitos como complementares, em uma relação entre compreensão aprofundada (cultura) e mensuração ampla (clima). A ideia também defendida neste artigo é ultrapassar o embate entre abordagens qualitativas e quantitativas e oferecer espaços para articular diferentes visões existentes dentro dos campos de estudo da cultura e do clima em organizações. Dentro dessa diversidade no campo dos estudos sobre clima em organizações, Santos (1999) compreende o clima por meio de duas unidades de análise, uma sobre o atributo do indivíduo e a outra sobre o atributo da organização. Para a autora, existem dois tipos de medidas organizacionais que orientam pesquisas em clima: as medidas objetivas, em que o indivíduo é apenas um informante do instrumento apresentado; e as medidas subjetivas, em que o participante é o respondente de afirmações. Porém, é importante ressaltar que, dependendo dos interesses e objetivos da pesquisa, essas medidas podem ser uma o complemento da outra. Portanto, percebe-se que para uma pesquisa de clima organizacional ser eficaz, ela deve ser objetivada por conceitos, embasada teoricamente e utilizar um poderoso instrumento metodológico, além de ter um caráter sistêmico e contínuo (SANTOS; BEDANI, 2004). Diante de todas as abordagens sobre cultura, poder e clima nas organizações apresentadas neste artigo, percebe-se que tais temas fazem parte do dia a dia das organizações. Essas rela ções são intrínsecas ao ser humano, e sendo as organizações compostas por seres humanos, é válido dizer que esses temas também são intrín secos a qualquer organização. Os aspectos culturais, de poder e de clima nas organizações produzem efeitos sobre, praticamente, todas as
Rev.
FA E ,
C uritiba,
medidas adotadas nas empresas. No entanto, talvez eles sejam mais explícitos quando rela cionados às mudanças organizacionais, ou seja, às mudanças que eventualmente ocorrem nas organizações, seja por decisões estratégicas ou por circunstâncias de mercado. A mudança organizacional adotada como objeto de estudo deste artigo é a terceirização, processo pelo qual a empresa deixa de produzir internamente um bem ou serviço para adquiri-lo de um fornecedor externo. Como será mostrado, na visão de diversos autores, a terceirização é um processo que apresenta vantagens e desvantagens para a empresa, as quais possuem, muitas vezes, relação direta com a cultura, as relações de poder e o clima predominante na empresa.
2
O Processo de Terceirização e sua Contextualização nas Empresas
Rezende (1997) defende que a terceirização é uma opção que pode resolver uma série de situações enfrentadas pelas empresas, caracterizando-se como o processo de deixar de produzir internamente um bem ou serviço para adquiri-lo de terceiros. Bernstorff (1999) complementa esse entendimento ao afirmar que a terceirização é uma alternativa que oferece para as empresas a formalidade. Segundo o autor, nos contratos são especificados todos os detalhes da negociação, ao mesmo tempo, eles permitem flexibilidade ao processo, pois possuem prazos estabelecidos, em que podem ser incluídas cláusulas sobre renovação e reajustes, por exemplo. Valença e Barbosa (2002) destacam os propósitos que devem ter as empresas que deci dem terceirizar, são eles: a minimização dos custos diretos e indiretos; a melhor eficiência na exe cução da atividade terceirizada, visto que esta é uma empresa especialista no assunto; e um nível aceitável de lealdade à empresa.
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
131
A terceirização é uma opção que pode resolver uma série de situações enfrentadas pelas empresas, caracterizando-se como o processo de deixar de produzir internamente um bem ou serviço para adquiri-lo de terceiros.
Para Bernstorff (1999), as empresas que buscam os possíveis propósitos da terceirização podem ter qualquer tipo de estrutura, pois o processo teria a capacidade de se moldar às estruturas empresariais, sejam elas burocráticas ou orgânicas. Para o autor, a terceirização constitui uma forma de gestão capaz de congregar e permite às organizações ganhar eficiência com a estrutura, ou, até mesmo, com a estratégia oposta. Outra vantagem da terceirização, na visão de Valença e Barbosa (2002), é a possibilidade de a empresa centrar os seus esforços no seu core business (atividade-fim) para alcançar melhores resultados. Essa visão é corroborada por Pinheiro (1999, p. 145), ao afirmar que “as demais atividades, não integrantes da sua core competence (competência essencial), devem ser externalizadas para as empresas cuja razão de ser seja a busca da excelência sobre tais competências”. Leite (1997) confirma essa posição, ao constatar em sua pesquisa realizada com 125 empresas no Brasil, em 1995, que, entre os principais resultados alcançados com a terceirização, em 80% das empresas estudadas houve focalização dos esforços em atividades-fim, em 62% houve previsibilidade dos gastos, em 58% houve objetividade na análise, em 58% houve agilidade na implementação de soluções, em 55% houve objetividade na definição de prioridades, em 52% houve redução de custos, e em 38% houve previsibilidade de prazos. 132
Porém, se existem fatores favoráveis à terceirização, existem também os desfavoráveis. O processo de deixar de integrar a empresa ver ticalmente e optar pela terceirização pode trazer desvantagens. Nesse aspecto, Rezende (1997) destaca algumas vantagens que a integração vertical pode ter sobre a terceirização: a segurança quanto ao suprimento e escoamento, a redução de custos, a apropriação do lucro, a proximidade com o cliente, a sinergia interna, a simplificação tecnológica, os laços técnicos e econômicos, a complementaridade e a falta de opção. Todos esses fatores, segundo ele, motivam a integração vertical em detrimento da terceirização. Valença e Barbosa (2002) ressaltam ainda que a terceirização impacta na cultura organizacional das empresas, afetando os valores organizacionais. Como todo processo de mudança organizacional, ela tende a gerar conflitos, re sistências e articulações de poder em torno de determinados interesses. Essa visão pode ser confirmada observando-se outros resultados da pesquisa realizada por Leite (1997). O autor constatou que os principais problemas enfrentados no processo estão relacionados com aspectos culturais, quais sejam: em 42% das empresas estudadas, houve resistência interna do pessoal técnico; em 32%, os funcionários não sabiam lidar com os terceiros; em 31%, houve resistência interna dos usuários dos serviços terceirizados;
A terceirização, como todo processo de mudança organizacional, tende a gerar conflitos, re sistências e articulações de poder em torno de determinados interesses.
e em 27%, a cultura do parceiro não se adaptou à cultura da organização. É possível notar por meio dos números da pesquisa que, em primeiro lugar, estão os fatores interpessoais, ou seja, os problemas seriam originados, em sua maioria, nas equipes internas da contratante e da contratada. Isso reforça a ideia de que é difícil esperar uma previsibilidade do comportamento humano dos internos e dos externos, esses últimos com um distanciamento ainda maior, pois não se inserem na típica relação empresa-empregado. Para compreender melhor essas implicações do comportamento humano no processo de terceirização, este artigo buscou pesquisar as relações envolvendo cultura, poder e clima em uma organização submetida a esse processo.
3
Percurso Metodológico
O presente estudo é orientado por uma abordagem interpretativista. O interpretativismo surge como um paradigma alternativo e ques tionador da doutrina funcionalista, pois para os interpretacionistas “as organizações são processos de representações, interpretações, in terações, de visão compartilhada dos aspectos objetivos e subjetivos que compõem a realidade das pessoas” (VERGARA; CALDAS, 2007, p. 230). Além disso, Fine (2007) ressalta que a abordagem interpretativista pretende desenvolver uma ciência de conduta humana, com uma abordagem da realidade social e fundamentada em critérios científicos naturais. Nesse sentido, o processo de coleta de dados se deu por meio de entrevistas semiestruturadas, apoiadas em um roteiro prévio composto por 12 itens para o nível operacional e 16 itens para o nível gerencial. As entrevistas foram gravadas, posteriormente transcritas e, por fim, tabuladas numa grade de categorias. Segundo Veloso, et al. (2007), o uso de categorias é uma tendência identificada na literatura contemporânea, pois norteia a elaboração do instrumento, facilitando a análise dos dados.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Após a conclusão das entrevistas, os dados foram tratados por meio da Análise do Conteúdo (BARDIN, 1977), na abordagem temática. Para tanto, foi definida uma grade fechada para organizar os temas oriundos das entrevistas de acordo com os critérios de recorrência e coerência entre os temas. A grade foi composta por 13 temas em formato de categorias, que são: 1) Aprendizagem/preparação profissional; 2) Contratação/socialização de novos membros organizacionais; 3) Implantação e monitoramento de mudanças por parte da organização; 4) Relações informais das pessoas com as mudanças; 5) Valores desejados pela empresa e por seus membros; 6) Gestão da cultura na organização; 7) Controles da empresa sobre o funcionário; 8) Qualidade de vida no trabalho; 9) União dos funcionários com a empresa; 10) Conflitos organizacionais; 11) Relações hierárquicas e de liderança; 12) Relações de gênero na organização; 13) Aspectos organizacionais valorizados pelas pessoas. A organização dos dados foi facilitada pela divisão das entrevistas em categorias, permitindo, assim, uma análise mais complexa dos temas desejados nas considerações feitas pelos respondentes da pesquisa. Esse procedimento propiciou a abordagem dos aspectos relevantes para a pesquisa e a análise dos resultados que serão apresentados com o intuito de alcançar o objetivo do estudo proposto. A investigação delimitou-se pela análise de dois níveis: operacional e gerencial; o nível operacional abrange os analistas, especialistas, assistentes e operadores, e o nível gerencial engloba os gerentes e coordenadores. Portanto, o foco nos diferentes níveis, em distintas áreas, não prejudicou a delimitação da pesquisa, ao contrário, proporcionou uma visão ampla da organização. Os grupos de sujeitos foram assim organizados: 1) Gerencial: 12 entrevistados e 2) Operacional: 52 entrevistados. Os sujeitos serão identificados no texto mediante codificação: Gerencial 01 até o Gerencial 12 e Operacional 01 até o Operacional 52.
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
133
4 Papelório — Breve Histórico
identidade com a empresa você pode sair, a empresa pode dispensar, porque não adianta. É gostar de fazer o que faz e querer fazer também o que gosta. Isso aí é fundamental. Não adianta você falar que está legal, [...] tem que ser prazeroso [...].
A Papelório é uma empresa líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto. Responde por 27% da oferta global do produto, destinado à fabricação de papéis de imprimir e escrever, papéis sanitários e papéis especiais de alto valor agregado. Sua capacidade nominal de produção é de, aproximadamente, 3,2 milhões de toneladas anuais de celulose branqueada de fibra curta de eucalipto. A empresa opera um complexo industrial constituído de três fábricas de celulose, totalmente integrado aos plantios e a um porto privativo especializado, por meio do qual exporta grande parte da sua produção de 2,3 milhões de toneladas anuais. A empresa é uma grande geradora de empregos e responsável pelo desenvolvimento econômico de toda a região onde está inserida. Com relação aos aspectos ambientais que envolvem as suas atividades, o controle ambiental das fábricas é assegurado por modernos sistemas de tratamento de emissões, efluentes e resíduos sólidos.
5
A Contextualização da Terceirização na Papelório
A investigação das questões relacionadas à cultura, relações de poder e clima na Papelório revelou, a princípio, uma cultura de comprometimento muito forte. O Gerencial 10 destaca essa cultura ao dizer que “a coisa tem que ser íntegra, clara, o pessoal aqui é muito comprometido, tem que vir final de semana, no carnaval, não se discute, não se dá desculpa para não vir, a pessoa vem”. O Operacional 40 também destaca aspectos que, de certa maneira, remetem a esse valor cultural, ao afirmar: [...] a empresa mostra o caminho que ela quer a essa rapaziada nova que está chegando [...] é vestir a camisa, realmente se dedicar a empresa, se você não tiver
134
O aspecto da transmissão dos valores e da cultura organizacional, no qual a “empresa mostra o caminho”, destacado pelo Operacional 40, é convergente com o conceito de Schein (1985, p. 4) de que cultura é “um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu [...] e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros”. No entanto, deve-se destacar que o entendimento do autor de que a empresa, a partir dos gestores, gerencia a cultura dos seus funcionários, nesse caso, remete a um questionamento em torno do fato de que alguns são “dispensados”. Os “dispensados”, supostamente, são “imunes” ao gerenciamento cultural, ou não seria necessário afastá-los definitivamente. Isso revela os limites do gerenciamento da cultura das pessoas por parte da organização. Ainda dentro dessa ótica, é possível perceber, por meio de outras falas dos entrevistados discutidas mais à frente, que, além dos valores que a empresa espera de seus funcionários, existem outros, que eles manifestam e defendem no cotidiano. Nesse contexto, confirmam-se os estudos de Junquilho e Leite-da-Silva (2004), os quais asseveram ser mais coerente dizer que existem nas empresas as “Cartas de Intenções” em vez das “Cartas de Valores”, visto que os valores expostos nas “Cartas” refletem o posicionamento da organização e das suas intenções em termos de valores, e não dos funcionários como um todo homogêneo. Dentro dessa visão de que as organizações têm intenções culturais, uma característica da Papelório diz respeito às mudanças organizacionais, ilustrada na fala do Operacional 15: “a empresa nos incentiva ao enfrentamento de nossos paradigmas e também a criação de novos pontos de vista que nos permitam melhor e maior adaptabilidade às mudanças que acontecerão”. Dessa forma, é
possível perceber que a empresa entende que a adaptação às mudanças é um processo cultural que deve ser trabalhado junto aos funcionários. A percepção dos respondentes sobre o resultado desse processo fica evidenciada na fala do Operacional 10: “é natural que nos momentos de mudança as pessoas fiquem com receio do ‘novo’, e no primeiro momento a reação é de dúvida, tensão, insegurança. Com o tempo as pessoas se acostumam, os ânimos se acalmam, o clima volta ao normal”. Nesse contexto de mudanças, a Papelório, em determinado momento, decidiu pela ter ceirização de algumas atividades, até então realizadas internamente. Esse processo gera mudança na organização, e, como qualquer outra mudança organizacional, pode não ser aceita por questões culturais dos que já estão na empresa. De acordo com o relato dos entrevistados, ini cialmente, todas as atividades de manutenção (elétrica, mecânica, instrumental, civil) foram terceirizadas, ficando a cargo dos funcionários internos as atividades operacionais de produção. Atualmente, a terceirização foi estendida para outras áreas da empresa, conforme o seguinte relato: “a Papelório tem hoje em média 50 empresas que prestam serviços permanentes na empresa, em todas as áreas. Só na área industrial a produção não é terceirizada” (Gerencial 01). O processo de terceirização na Papelório, de acordo com os entrevistados em todos os níveis hierárquicos, foi um processo “doloroso”, mas que se consolidou de acordo com o esperado pela direção. Porém, antes de o processo se consolidar, é possível perceber o impacto negativo que causou nos funcionários, reproduzindo as palavras do Gerencial 02: “na época eu era funcionário da manutenção, e nós víamos o processo de terceirização como um vírus”. Os principais problemas relatados pelos níveis operacionais foram as demissões ocasionadas pela terceirização. Muitos funcionários que exerciam internamente as atividades que entraram na lista de terceirização foram absorvidos pelas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
empresas terceirizadas, mas, ainda assim, uma grande quantidade foi demitida, gerando um clima de insegurança, conforme relata o Operacional 20: “na época da terceirização o processo de demissão era barra, porque chegava de tarde, final do dia, às vezes no final de semana, chamava o funcionário da sala do gestor pra ser comunicado da demissão”. De acordo com as falas de diversos entrevistados do nível Operacional, a empresa não os preparou adequadamente para a transformação que ocorreria no quadro de pessoal em função da terceirização. Embora as questões relativas às mudanças organizacionais sejam bem trabalhadas na Papelório, conforme relatado por alguns entrevistados, o aspecto das demissões que iriam ocorrer em função das terceirizações não foi comunicado de forma adequada, seja em relação aos setores que mais seriam afetados ou em termos de quantidades. Assim, é possível dizer que, se a empresa comunicasse aos funcionários, antecipadamente, o que iria ocorrer, poderia ter evitado alguns dos problemas no seu clima organizacional. Sobre esse aspecto, é importante destacar que, dentro da cultura na organização, ficou evidente o valor da estabilidade. De diferentes maneiras, os entrevistados afirmaram que era muito difícil sair da empresa e atualmente eles retomaram esse discurso. Entretanto, na época em que a terceirização se disseminava, como mencionado, as demissões eram corriqueiras e sem preparação prévia, o que entra em confronto com esse valor, provocando questionamentos, insatisfações e tendência de queda nos indicadores de clima organizacional. No entanto, na visão dos níveis gerenciais, os problemas gerados pelo processo de terceirização são outros. Em relação à cultura na organização, esse grupo enfatizou, nas entrevistas, o valor da qualidade do trabalho do funcionário e revelou que o seu grande temor é com relação à manutenção da qualidade dos profissionais, agora não mais treinados, preparados e controlados pela Papelório, mas sim pelas terceirizadas. Esse aspecto se caracteriza na fala do Gerencial 01:
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
135
[...] no nosso trabalho aqui, a terceirização impacta
acredito que essa parte de terceirização não tenha sido
bastante,
formas
tão complicada assim aqui na empresa, pelo fato de
de trabalhar com um universo muito grande de
muitos funcionários, ex-funcionários terem aberto as
colaboradores. Uma coisa é trabalhar com 15.000
próprias empresas, nesse momento que foi terceirizado,
funcionários próprios da Papelório que você tem acesso
e retornaram para dentro da empresa prestando
e supervisão direta, pode treinar, colocar numa sala de
serviços. Então, você tem funcionários parceiros que
aula, conversar com o gestor, tirar da sala de aula. Outra
você já conhece. Aqui na empresa tem um quadro de
coisa é você trabalhar com 10.000 terceiros, o controle é
funcionários, bastante antigo, e isso proporciona uma
muito mais complexo [...].
integração melhor, porque além de ser um profissional
porque
temos
que
desenvolver
Um aspecto a se destacar é o alinhamento das proposições de Schein (1985) com a con cepção dos gestores de que eles, por meio de determinadas práticas de gestão sobre seus funcionários, disseminariam a qualidade na empresa. Um processo, segundo os mesmos gerentes, dificultado na medida em que os fun cionários que atuam na empresa agora não são mais “deles”, mas dos terceirizados. Outro aspecto observado é que as mudanças geram percepções diferentes nos níveis hierárquicos da empresa. Essa diferença de per cepções entre os níveis operacional e gerencial pode estar relacionada ao fato de que a maioria das demissões ocorreu nos setores operacionais, o que levou os gerentes a não questionarem o valor da estabilidade, também reforçado por esse grupo. Por outro lado, esse mesmo valor se associa ao da qualidade, na medida em que a estabilidade pode ser vista como uma consequência da qualidade com a qual o funcionário atua. Ao analisar que os níveis gerenciais foram preservados durante as demissões, observam-se as relações de poder existentes na Papelório. É possível notar que nos níveis gerenciais a fala dos entrevistados é solidária com os problemas vividos pelos funcionários do mesmo nível hierárquico que eles. No entanto, os funcionários dos níveis gerenciais não manifestaram em suas falas terem dado grande importância às demissões, mas priorizam questões que afetam diretamente as suas atividades administrativas.
que você já conhece os serviços, para eles o fato de ser parceiro, ou de ser funcionário da empresa, não vai fazer muita diferença pelo serviço que está prestando.
Talvez a melhor tradução dos impactos da terceirização na Papelório tenha sido dada pelo Gerencial 08, ao relatar que “as mudanças causaram reações negativas para aqueles empregados que foram demitidos devido à terceirização e muito positivas para aqueles que ficaram na empresa, que puderam e podem participar do crescimento da Papelório”. O Gerencial 03 abordou o processo de terceirização por outro prisma, considerando os impactos internos e externos, positivos e negativos que ela trouxe. Pode-se notar ainda, na fala dele, a preocupação explícita com o clima organizacional, até então não abordado dessa maneira por outros entrevistados. Esse processo de terceirização chacoalha a empresa no sentido de que era uma companhia que tinha oito mil funcionários, e reduz pra três mil funcionários no período de um ano a um ano e meio. No momento que a terceirização da empresa privilegiou as atividades que nós tínhamos, e que não estavam diretamente relacionados para os nossos negócios, cada uma dessas atividades foram avaliadas. A gente, por exemplo, na área industrial terceirizou cem por cento da manutenção, terceirizou cem por cento do insumo principal, cem por cento do transporte deste e assim por diante. Essa terceirização teve um impacto com a sociedade, no entorno, muito grande. Primeiro o impacto da redução, segundo impacto que parte dessas pessoas que foram demitidas serem aproveitadas pelos terceiros. Troca de camisa. Ficou um clima muito difícil de ser administrado dentro da companhia.
Apesar dos problemas causados pela terceirização, que afetam os níveis operacionais ou gerenciais, reproduzindo a fala do Operacional 26, é possível notar que a terceirização também foi vista como um processo positivo: 136
Os três últimos fragmentos de entrevista e o apresentado a seguir corroboram com autores como Valença e Barbosa (2002), Pinheiro (1999), Rezende (1997), pois revelam que as percepções
internas sobre a terceirização podem ser positivas ou negativas, assim como o próprio processo de terceirizar atividades também possui vantagens e desvantagens. Na Papelório, essa última premissa se confirma na fala do Operacional 37: A terceirização é um modelo interessante, em alguns casos ela deixa a desejar, nós temos problemas com manutenção que eram menores antes da terceirização, mas ela serve bem aos propósitos da Papelório de se manter focada no seu próprio negócio, que é produzir celulose.
Ainda em relação aos problemas causados pela terceirização, o Gerencial 02 ressalta a falta de comprometimento dos terceiros em relação aos funcionários e também as diferenças culturais: “nós tivemos sim um impacto forte no início pela questão cultural que é diferente. O terceiro em relação aos empregados, o comprometimento principalmente no início era muito menor”. A existência desses problemas causados pela terceirização confirma-se quando alguns respondentes em nível operacional indicam que a empresa tomou medidas com o objetivo de minimizá-los: A primeira terceirização ocorreu com a parte de mecânica — instrumentação e elétrica — manutenção. No começo houve muitas dificuldades em termos de adaptação e relacionamentos, pois as pessoas não sabiam como agir com os parceiros, em situação de emergência no sentido de saber a quem procurar. Isso foi se adequando, através de treinamentos e direcionando melhor as atividades e hoje somos exemplos em terceirização em algumas áreas. No começo também houve problema de comprometimento por parte dos parceiros, para resolver isso a empresa passou a oferecer benefícios quando atingiam as metas. Isso fez melhorar o comprometimento deles (Operacional 28).
Todavia, apesar dos problemas relatados sobre as diferenças entre o trabalho dos funcionários e dos terceiros, a pesquisa de clima realizada na Papelório, nos anos 2005 e 2007, ou seja, logo após o processo de terceirização, revela que existe alto índice de favorabilidade no indicador que contempla a relação de cooperação entre os funcionários próprios e os terceiros. No entanto, é válido considerar que, se a pesquisa de clima fosse realizada durante o processo de terceirização, os problemas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
gerados por ela poderiam ser percebidos nos resultados, pois, de acordo com Fleury e Sampaio (2002), o clima organizacional reflete uma fase momentânea da vida da organização. Pode-se concluir, portanto, com a análise dos dados coletados, que a Papelório conseguiu implantar o processo de terceirização, embora tenha enfrentado problemas. Alguns deles poderiam ter sido evitados com a adoção de estratégias de comunicação interna. Porém, no geral, a cultura de comprometimento e envolvimento dos funcionários com a organização facilitou todo o processo, uma vez que souberam encarar aquele momento como algo importante para o crescimento da empresa.
Considerações Finais O objetivo deste artigo foi discutir como o processo de terceirização é contextualizado nas culturas, nas relações de poder e no clima organizacional das empresas. Nesse sentido, foi possível observar que, como qualquer mudança, a terceirização gera impactos nas pessoas envolvidas no processo e na organização como um todo. Esses impactos podem ser positivos ou negativos, dependendo do momento em que se faça a análise e também das pessoas envolvidas. A variação das percepções pessoais observadas nesta pesquisa sobre a terceirização ocorreu de acordo com o nível hierárquico que ocupam na organização. Também foi possível identificar que, no início do processo de terceirização, os funcionários não estavam preparados para isso. Entretanto, surgiram evidências de que atualmente a organização prepara-os continuamente para adaptação às mudanças que podem vir a acontecer no dia a dia, o que foi apontado como um fator positivo para a continuidade do processo. Isso remete à disseminação de valores mais convergentes com esse processo, porém, fica o questionamento de como o valor da estabilidade vai se configurar em relação a essa nova lógica. O que se observou, conforme relatado por alguns funcionários, é que atualmente eles sempre esperam por
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
137
mudanças, uma vez que a empresa prega a ideia de inovações constantes. Dessa forma, como contribuição, cabe destacar a aparente coerência em preparar antecipadamente os funcionários para as mudanças, em termos de valores culturais e de disponibilidade de informações e conhecimentos. Tal concepção deveria orientar as ações dos gestores de organizações submetidas a mudanças, como o processo de terceirização. Ou seja, no caso estudado, a estratégia de trabalhar continuamente os funcionários na direção de uma cultura predisposta às mudanças contribuiu para a aceitação do processo da terceirização, após um início mais problemático. Pôde-se perceber também que as relações de poder não sofreram grandes impactos em função da terceirização. Ao analisar as falas dos entrevistados, ficou claro que a ordem estabelecida em torno da hierarquia organizacional foi preservada sem questionamentos. O único ponto ao qual se deu atenção por parte dos entrevistados foi a “liberdade” que os terceirizados têm em relação aos funcionários da empresa, ao não serem submetidos às mesmas práticas de gestão de pessoas do que esses últimos. Tal aspecto foi destacado apenas pelos níveis gerenciais, que o apresentam como um problema capaz de dificultar, por exemplo, a disseminação do valor da qualidade do trabalho. Foi possível observar ainda que as preocupações e inseguranças em relação à terceirização são bem distintas entre os níveis operacionais e gerenciais. Os últimos possuem preocupações sobre como gerenciar o processo e suas implicações, enquanto aqueles demonstraram insegurança em relação à manutenção do seu emprego, principalmente no início do processo de terceirização. Com relação ao clima organizacional que existe na Papelório, foi possível perceber, nas falas dos entrevistados, que ele sofreu um impacto negativo no início do processo, em função da insegurança gerada pelas ameaças de demissões, mas voltou ao normal assim que o processo foi sendo consolidado. Dessa forma, pode-se notar que existe, de acordo com o relatado nas entrevistas, 138
um grande sentimento de comprometimento dos funcionários em relação à empresa, o que gera um clima favorável o suficiente para vencer os problemas causados pela mudança. Dessa forma, é possível colocar o clima favorável existente na Papelório como um facilitador no processo de terceirização. Entretanto, deve ficar claro que há aqui uma relação de dualidade entre o clima e a cultura na organização. Caso exista uma cultura receptiva à mudança, a empresa tenderia a um clima mais favorável do que em uma cultura oposta à mudança. Por sua vez, um clima mais favorável contribuiria para o processo de implantação da mudança e reforçaria a cultura. Há, portanto, uma relevância distinta para o elo inicial, a contextualização cultural. A partir dele cabe gerenciar o clima organizacional. Esse entendimento oferece as bases para que os gestores voltem suas ações à construção de um clima organizacional favorável, complementando a pesquisa de clima com o entendimento da contextualização cultural dos membros organizacionais. A partir dessa contextualização, aumenta-se a relevância dos próprios resultados da pesquisa de clima, pois podem ser confrontados com uma compreensão aprofundada da organização, ao mesmo tempo em que oferecem uma visão ampla da percepção de todo o universo de funcionários sobre determinados aspectos organizacionais. Essa preocupação com a contextualização tende a contribuir para que o processo de gestão das pessoas na organização não tenha os indicadores do clima como um fim em si mesmo, mas uma parte da abordagem que o pesquisador ou gestor deve assumir para compreender diferentes aspectos obtidos de abordagens distintas na organização. Como contribuição deste artigo, fica o melhor entendimento das relações cotidianas exis tentes entre as culturas, as relações de poder, o clima organizacional e o processo de terceirização. As evidências da relação entre a cultura e o clima organizacionais na composição de um contexto propício à terceirização corroboram com esse entendimento. Cabe então aos gestores mediação desses contextos por meio do seu processo
gerencial, para que eles atendam às necessidades da organização. É preciso ressaltar que este estudo se limita a uma análise de caso específico, realizada em uma única empresa. Dessa forma, as conclusões não são generalizadas, ou seja, não são aplicadas a qualquer empresa que tenha passado por um processo de terceirização. Como sugestão para futuras pesquisas, cabe estender este trabalho para outras empresas, a fim de aumentar o conhecimento sobre terceirização e relações organizacionais. Nesse sentido, sugerese que sejam investigadas questões relacionadas a cultura, clima, relações de poder da organização; questionamentos sobre os processos de mudanças e seus impactos; e, principalmente, questões sobre o processo de terceirização na organização. Cabe também estudar de que maneira outros tipos de mudanças são contextualizados nas culturas, nas relações de poder e no clima organizacional das empresas, tendo em vista que este artigo estudou apenas as mudanças relacionadas ao processo de terceirização.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
•
Recebido em: 18/05/2012
•
Aprovado em: 19/06/2012
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
139
Referências AKTOUF, O. O simbolismo e a cultura de empresa: dos abusos conceituais às lições empíricas. In: CHANLAT, Jean François (Org.). O indivíduo nas organizações: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1994. p. 39-79. v. 2. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BERNSTORFF, V. H. Terceirização: problema ou solução? In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL PROGRAMAS DE POS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 23., 1999, Foz do Iguaçu, PR. Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD, 1999. BERTERO, C. O. Cultura organizacional e instrumentalização do poder. In: FLEURY, Maria Tereza Leme; FISCHER, Rosa Maria (Coord.). Cultura e poder nas organizações. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 29-44. DAMASCENO, C. S.; CARVALHO. L. C. S. Os sistemas ERP e as relações de poder nas organizações. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 24., 2004, Curitiba, PR. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2004. DENISON, D. R. What is the difference between organizational culture and organizational climate? A native’s point view on a decade of paradigm wars. The Academy of Management Review, Amherst, v. 21, n. 3, p. 619-654, 1996. FINE, G. A. O melancólico declínio, o misterioso desaparecimento e o glorioso triunfo do interpretacionismo simbólico. In: CALDAS, M. P.; BERTERO, C. O. (Coord.). Teoria das organizações. São Paulo: Atlas, 2007. p. 257- 288. FLEURY, M. T. L.; SAMPAIO, J. Uma discussão sobre cultura organizacional. In: FLEURY, Maria Tereza Leme (Org.). As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002. p. 283-294. FOUCAULT, M. Genealogia e poder. In: MACHADO, R. (Org.). Microfísica do poder. 18. ed. São Paulo: Graal, 2003. p. 167-177. GALBRAITH, J. K. Anatomia do poder. São Paulo: Pioneira, 1989. HARDY, C.; CLEGG, S. R. Alguns ousam chamá-lo de poder. In: CALDAS, Miguel; FACHIN, Roberto; FISCHER, Tânia (Org.). Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 2001. p. 260-289. v. 2. HOFSTEDE, G. Culturas e organizações: compreender a nossa programação mental. Lisboa: Silabo, 1997. JUNQUILHO, G. S.; LEITE-DA-SILVA, A. R. Carta de valores versus carta de intenções: uma reflexão sobre a abordagem integrativa da dimensão cultural em organizações. Organização & Sociedade, Salvador, v. 11, n. 31, p. 135-152, set./dez. 2004.
140
LEITE, J. C. Terceirização em informática no Brasil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 68-77, jul./set. 1997. PAGÉS, M. et al. As práticas de poder na gestão dos recursos humanos. São Paulo: Atlas, 1987. p. 97-141. PINHEIRO, I. A. A externalização de atividades: fundamentos e experiências no setor de autopeças gaúcho. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 3, n. 2, p. 137-165, maio/ago. 1999. PESQUISA de clima institucional da “Papelório”. Revista de Divulgação Interna da Aracruz, Espírito Santo, 2008. REZENDE, W. Terceirização: a integração acabou? Revista de Administração de Empresas, Curitiba, v. 37, n. 4, p. 6-15, out./dez. 1997. SANTOS, N. M. B. F. Clima organizacional: pesquisa e diagnóstico. Lorena: Stiliano, 1999. ______; BEDANI, Marcelo. Investigação e diagnóstico do clima organizacional: o desvendar na atividade turística. In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 2., 2004, Atibaia, SP. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2004. SCHEIN, E. Organization cultures and leadership: a dynamic view. San Francisco: Jossey-Bass, 1985. p. 1-26; 70-96. TAMAYO, A. Valores organizacionais. In: TAMAYO, A.; BORGES-ANDRADE, J. E.; CODO, W. (Org.). Trabalho, organizações e cultura. São Paulo: Cooperativa de Autores Associados, 1997. p. 175-193. TROMPENAARS, F. Nas ondas da cultura. São Paulo: Educator, 1994. TYLOR, E. B. The origins of culture. In: ______. Primitive culture. New York: Harper Torchbooks, 1958. VALENÇA, M. C. A.; BARBOSA, A. C. Q. A terceirização e seus impactos: um estudo em grandes organizações de Minas Gerais. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 6, n. 1, p. 163-185, jan./abr. 2002. VELOSO, E. F. R. Pesquisas de clima organizacional: o uso de categorias na construção metodológica e análise de resultados. In: ENCONTRO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2007. VERGARA, S. C.; CALDAS, M. P. Paradigma interpretacionista: a busca da superação do objetivismo funcionalista nos anos 1980 a 1990. In: CALDAS, M. P.; BERTERO, C. O. (Coord.). Teoria das organizações. São Paulo: Atlas, 2007. p. 223-234.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 126 - 141, jan./jun. 2013
141
Seleção de fornecedores em ambiente de inovação em produtos: um estudo de caso em Bio-Manguinhos/Fiocruz Suppliers selection in product innovation environment: a case study in Bio-Manguinhos/Fiocruz
Seleção de fornecedores em ambiente de inovação em produtos: um estudo de caso em Bio-Manguinhos/Fiocruz Suppliers selection in product innovation environment: a case study in Bio-Manguinhos/ Fiocruz Deyves Mendes Paraguassu1 Marcelo Alvaro da Silva Macedo2
Resumo Com o aumento do acesso a informações, tecnologias e mercados, as opções de fornecimento são ampliadas, tornando necessária a seleção de um fornecedor que melhor contribua para o sucesso organizacional. Nesse sentido, selecionar o fornecedor certo pode significar a diferença entre o sucesso e o insucesso. Este trabalho tem por objetivo identificar e hierarquizar os critérios relevantes para a seleção de fornecedores com o intuito de auxiliar Bio-Manguinhos no desenvolvimento de parcerias para produção de novos produtos. Para tanto, foram realizadas duas etapas de entrevistas com a diretoria de Bio-Manguinhos: a primeira com os vice-diretores, em que foram identificados os critérios relevantes para a seleção de fornecedores para novos produtos; a segunda etapa foi realizada com o diretor, na qual os critérios da primeira etapa foram confirmados, sendo utilizado um método de análise multicriterial, Análise Hierárquica (AHP), para atribuir pesos a tais critérios. Os resultados mostram que os critérios relevantes e sua ordem são os seguintes: nível de desenvolvimento do produto, compatibilidade com o parque industrial, cumprimento de exigências regulatórias, rendimento do produto, solidez da empresa e custo. Isso mostra que critérios mais próximos à estratégia organizacional possuem uma representatividade maior. Palavras-chave: Seleção de Fornecedores. Inovação. Parceria. Desenvolvimento de Novos Produtos. AHP.
Abstract With the increased access to information, technologies and markets, the supply options are magnified making the selection of a supplier which best contributes to the organizational success necessary. Therefore, selecting the right supplier may lead a company to succeed or fail. This work aims to identify and hierarchize the relevant criteria for the suppliers selection for the purpose of assisting Bio-Manguinhos in partnerships developing new products. For this, two stages of interviews were conducted with the Bio-Manguinhos board: the first with the vice-directors, in which the relevant criteria were identified in order to select the right suppliers for new products; the second stage was conducted with the director, where the criteria identified by the vice-directors were confirmed and a multicriteria analysis method, AHP was used — Analytic Hierarchy Process, to assign weights to these criteria. The results show that the relevant criteria and their order are: level of product development, compatibility with the industrial park, compliance with regulatory requirements, product performance, company solvency and cost. This shows that the criteria closest to organizational strategy have a greater representation. Keywords: Supplier Selection. Innovation. Partnership. New Products Development. AHP.
Mestre em Gestão e Estratégia em Negócios — PPGA/MPGE/UFRuralRJ. E-mail: deyvesmendes@bio.fiocruz.br. 2 Pós-Doutor em Controladoria e Contabilidade. Professor do Mestrado em Ciências Contábeis da FACC/ UFRJ. E-mail: malvaro.facc.ufrj@gmail.com. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
143
Introdução É cada vez mais importante para as organizações o rápido desenvolvimento de competências em áreas diversas, criando um contexto propício para a formação de alianças e parcerias de longo prazo. Assim, no caso de ambientes de inovação com o desenvolvimento de novos produtos, a inserção de outras organizações nesse processo passa a ser um grande desafio, pois a obtenção da complementaridade das competências entre os participantes é fun damental; caso contrário, essa parceria tende ao insucesso a longo prazo. Nesse contexto, o presente estudo faz uma análise do processo de seleção de fornecedores de uma instituição pública: Bio-Manguinhos/Fiocruz. A instituição foi criada com o objetivo de ofertar produtos para prevenção, identificação e tratamento de doenças, por meio de vacinas, reativos para diagnóstico e biofármacos. Bio-Manguinhos é uma instituição total mente voltada para a inovação, pois atua constantemente no desenvolvimento de novos produtos. Contudo, desenvolver um produto dessa magnitude pode levar, em diversos casos, mais de 20 anos, requerendo alto volume de recursos financeiros, recursos humanos capacitados e tecnologia disponível. Diante desse cenário, a busca por parcerias para minimizar o tempo de desenvolvimento de um produto e compartilhar os custos de investimento se mostra interessante, visto que o Brasil possui pouca capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento de produtos e plataformas tecnológicas capazes de atender à demanda da população do País. Aliados ao baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento do país, o alto custo, o tempo requerido para desenvolver um produto e as progressivas mudanças no ambiente de negócios desafiam continuamente a gestão da empresa. Em virtude dessa maior complexidade e dinamismo do ambiente externo, Bio-Manguinhos enfrenta situações muitas vezes incertas e busca, de maneira intensiva, meios para reagir e se adequar às constantes mudanças. Nessa perspectiva, uma das 144
formas de acelerar o processo de desenvolvimento de novos produtos é ter fornecedores capazes de contribuir com esse desenvolvimento, transferindo conhecimento e tecnologia suficientes para atender às necessidades de Bio-Manguinhos e do País. Todavia, quando existem diversos forne cedores para um mesmo produto, a seleção se torna complexa, pois aspectos além dos comumente utilizados devem ser levados em consideração. Aspectos tecnológicos, grau de inovação, possi bilidade de novos produtos, facilidade de apren dizado, custo do produto, investimento requerido, uso de tecnologia existente, entre outros, terão de ser avaliados para selecionar o fornecedor que melhor atenda a esse conjunto de objetivos. Em face de toda essa complexidade, tem-se o seguinte problema de pesquisa: como Bio-Manguinhos selecionará seus fornecedores para lhe apoiar na introdução de novos produtos? Este artigo tem como objetivo identificar e hierarquizar, com a utilização da AHP, os critérios relevantes para a seleção de fornecedores com o intuito de auxiliar Bio-Manguinhos no desenvolvimento de parcerias para a produção de novos produtos. Isso é feito tendo como base as características estratégicas da instituição sob análise, que é voltada para pesquisa, desenvolvimento e inovação em produtos volta dos ao mercado de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças.
1
Seleção de Fornecedores para o Desenvolvimento de Novos Produtos
1.1 Inovação e Desenvolvimento de Novos Produtos Concorrência, mudanças de demanda, aumento do acesso à tecnologia e a informações têm obrigado as organizações a desenvolver capacitações para o desenvolvimento de produtos capazes de atender às novas necessidades (URDAN; OSAKU, 2005). De acordo com Drehmer, Cruz e Medeiros (2005), a competência em desenvolver produtos constantemente define o futuro de uma organização. Consideram que a primeira organização a ofertar determinado produto ao mercado terá grande vantagem competitiva. Esse fato obriga as demais organizações a desenvolver produtos melhores e com menores custos na tentativa de atrair os consumidores.
O ciclo de vida de um produto — lançamento, crescimento, maturidade e declínio — obriga as organizações a aumentar sua carteira de produtos e a substituir os produtos que estão na fase de declínio, evitando a obsolescência.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Segundo Slack, Chambers e Johnston (1999), o próprio ciclo de vida de um produto — lançamento, crescimento, maturidade e declínio — obriga as organizações a aumentar sua carteira de produtos e a substituir os produtos que estão na fase de declínio, evitando a obsolescência. Nesse sentido, se desejarem sobreviver no mercado, elas devem desenvolver continuamente novos produtos. Para Kotler (1991), as organizações que não desenvolvem novos produtos estão se colocando em grande risco. Os produtos estão vulneráveis às mudanças de necessidades, a novas tecnologias, a menores ciclos de vida e a maiores concorrências. Para Pereira (2002), o fato de a organização possuir novos produtos lhe traz vantagem competitiva, pois apresenta aos clientes a diferenciação da organização em relação aos concorrentes. Segundo Cardoso (1995), as pessoas adqui rem produtos com o objetivo de resolver problemas, nesse sentido, o autor considera que são ferramentas de resolução. Dessa forma, um novo produto deveria ser capaz de solucionar problemas existentes. Toni e Boehe (2006) acrescentam que a sustentabilidade organizacional está associada à capacidade em desenvolver novos produtos, mantendo a organização competitiva e rentável. Como resultado do esforço organizacional, em que a sobrevivência depende da geração de receitas, Kotler (1991) considera que “produto é algo que pode ser oferecido a um mercado, para sua apreciação, aquisição, uso ou consumo, que pode satisfazer um desejo ou uma necessidade”. Para Toni e Boehe (2006 e Crawford, 1997), existem seis categorias de novos produtos em termos de novidade para a organização e para o mercado: • Produtos novos para o mercado: produtos que criam um mercado totalmente novo; •
Novas linhas de produtos: produtos que levam a organização a entrar em uma nova categoria para si, mas não para o mercado;
•
Acréscimos às linhas de produtos já existentes;
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
145
•
Melhorias de produtos existentes: produtos que são aperfeiçoados e criam um novo produto;
•
Reposicionamento: produtos existentes que são colocados em um novo mercado e implicam novo uso ou aplicação; e
•
Reduções de custo: novos produtos que apresentam desempenho semelhante a produtos já existentes a custos mais baixos.
Drehmer, Cruz e Medeiros (2005) apud Kotler (1991) acrescentam que um fator fundamental para o sucesso de um novo produto é a existência de estruturas eficientes para gerenciar o seu processo de desenvolvimento. Essas estruturas devem abrigar conhecimentos e tecnologias de engenharia, marketing, pesquisa e desenvolvimento, fabris, entre outros capazes de gerar uma visão sistêmica e integrada sobre um novo produto e seus impactos na organização. Para Liboni e Takahashi (2003), o processo de desenvolvimento de um produto consiste em um fluxo de atividades que, em conjunto, são capazes de transformar uma ideia em um produto a ser comercializado, o produto final. O processo se inicia com a criação do conceito, ou seja, a ideia do que se quer produzir para satisfazer determinada demanda; a próxima etapa é o plano do produto, o qual identifica as funções e os pré-requisitos que o produto deve possuir; em seguida, são realizados os projetos tanto do produto quanto do processo, definindo-se o protótipo do produto e o processo produtivo necessário para industrializá-lo; após, é realizado o processo de produção do produto para ser ofertado ao mercado, conforme FIG. 1. FIGURA 1 _ Desenvolvimento de produtos
FONTE: Adaptado de Liboni e Takahashi (2003)
Para Toni, Boehe e Milan (2007), a interação entre as pessoas e as áreas envolvidas no processo de desenvolvimento de um novo produto aumenta a possibilidade de sucesso. Essa possibilidade de sucesso pode ser ainda maior quando existe a participação de outras organizações, pois serão somadas e compartilhadas experiências, tecnologias, conhecimento e visões sobre o produto que será desenvolvido. Urdan e Osaku (2005) consideram que a definição clara dos objetivos, a disseminação das informações a todos os níveis da organização e a rapidez na resolução de conflitos contribuem de forma efetiva para o desenvolvimento de um novo produto. Para Assumpção (2003), quanto mais cedo for estabelecida a interação entre as organizações no desenvolvimento de um novo produto, mais efetiva será a redução do tempo necessário ao desenvolvimento e nos custos associados. 146
Liboni, Takahashi e Mauad (2004) acre ditam que a inserção de outras organizações no desenvolvimento de um produto é um grande desafio, pois a obtenção da complementaridade das competências entre os participantes é fundamental. Quando alcançada essa complementaridade entre as organizações, há benefícios mútuos; caso contrário, essa parceria tende ao insucesso a longo prazo.A complementaridade implica a possibilidade de existência de diferenças significativas em tecnologia, mercado, produto, estrutura e objetivos das organizações. Segundo os autores citados acima, essas seriam as grandes dificuldades na introdução de outras organizações no desenvolvimento de um novo produto. Para que haja sucesso, deve existir compatibilidade entre as organizações. Para Assumpção (2003), um mecanismo para elevar a possibilidade de sucesso das organizações envolvidas no desenvolvimento
de um novo produto é a existência de uma estrutura capaz de gerir as responsabilidades de cada uma e as mudanças tecnológicas que esse desenvolvimento trará a elas. Toni, Boehe e Milan (2007) salientam que as incertezas mercadológicas e tecnológicas acom panham o processo de desenvolvimento de novos produtos, devendo a organização criar mecanismos para avaliar continuamente a viabilidade técnico-econômica de seus projetos. Diversas variáveis podem ser alteradas durante o desenvolvimento de um novo produto, como o surgimento de novos conhecimentos, lançamento de produtos pela concorrência, alteração das necessidades do consumidor, entre outras. Essas variáveis deveriam ser avaliadas pela organização para decidir sobre a continuidade, alteração ou interrupção do produto que está sendo desenvolvido. A introdução de um novo produto exige que a organização se prepare de forma a disponibilizá-lo ao mercado. Nesse sentido, é necessário o alinhamento entre a estratégia organizacional, suas campanhas de marketing e suas operações, pois o produto deve representar a estratégia organizacional, atender às necessidades do mercado e ainda ser tanto técnico quanto economicamente viável de ser produzido.
A introdução de um novo produto exige que a organização se prepare de forma a disponibilizá-lo ao mercado. Nesse sentido, é necessário o alinhamento entre a estratégia organizacional, suas campanhas de marketing e suas operações.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Toni, Boehe e Milan (2007) acrescentam ainda que a dimensão mercadológica busca a criação de algo novo, diferente do que é ofertado pela concorrência aos clientes; a dimensão estratégica busca a integração entre os recursos, habilidades e competências da organização; e a dimensão organizacional busca a melhoria do processo de desenvolvimento de novos produtos, tornando esse processo mais efetivo. Por fim, Toni e Boehe (2006) destacam que o esforço organizacional para a introdução de um novo produto é medido pela melhora nos índices de lucratividade, retorno sobre o investimento, geração de caixa, receita, participação de mercado, e outros. A análise deve ser feita levando-se em conta não apenas o produto que foi introduzido, mas toda a organização, pois considera que esta é um conjunto de produtos.
1.2 Desenvolvimento de Parcerias e Seleção de Fornecedores em Ambiente de Inovação e Desenvolvimento de Novos Produtos
De acordo com Furtado (2005), a ne cessidade do desenvolvimento de competências em áreas diversas a prazos cada vez menores leva as organizações a se unir e formar alianças e parcerias de longo prazo. Assim, segundo Braga (2003), quando os objetivos de selecionar fornecedores estão alinhados à estratégia organizacional, há obten ção de vantagens, como redução de custo, desenvolvimento de tecnologia e redução do tempo de introdução de um novo produto. Nesse sentido, Lambert, Emmelhainz e Gardner (1996) introduzem e definem o termo parceria como sendo um relacionamento de negócios que tem por objetivo melhorar a competitividade e o desempenho organizacional, com base em confiança mútua, compartilhamento de riscos e recompensas, sendo maiores dos que as alcançadas individualmente.
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
147
Também se destaca a importância do
fornecedores variam em função da estratégia, há
processo de seleção de fornecedores. Fornecedo
necessidade de desenvolver métodos flexíveis de
res impróprios às finalidades estratégicas das
seleção que reflitam as estratégias corporativas,
organizações pode ter como consequência a
considerem as restrições de compradores e
necessidade de futura substituição, o que implica
fornecedores e envolvam variáveis tangíveis e
custos de mudança (AMARAL; DEMARI, 2006).
intangíveis (GHODSYPOUR; O’BRIEN, 1998 apud
Aymard e Brito (2003 apud Furtado, 2005)
FURTADO, 2005).
detalharam alguns desses custos de mudança, relacionando-os em categorias, como recursos humanos (custos de treinamento, desgaste com o pessoal da empresa e gerenciamento da mudança), recursos (custos
físicos, de
econômicos
novos
e
equipamentos,
tecnológicos perdas
de
sinergia e estabelecimento de novos arranjos logísticos), percepção de risco (familiaridade de marca, confiança e economias de comunicação), garantias contratuais e perdas de clientes. Para que a etapa de seleção de fornecedores seja eficaz, originando uma parceria de sucesso entre comprador e fornecedor, é necessário determinar os critérios de seleção a serem considerados em cada processo (MOTWANI et al., 1999). Como as políticas de relacionamento com
Os critérios de seleção irão determinar quais pontos devem ser confrontados entre os fornecedores interessados na parceria ofertada. Embora exista uma diferença de critérios de seleção a serem considerados em cada atividade, as empresas devem se basear em critérios corporativos, válidos para todas as atividades, de modo a criar uma identidade junto ao mercado de fornecedores e tornar claras suas prioridades e exigências (LIU; DING; LALL, 2000). Na
seleção
de
fornecedores,
não
se
consideram mais apenas critérios básico, ou seja, o preço pelo qual o fornecedor oferece o produto, a qualidade do produto, que deveria atender à especificação mínima requerida pela empresa, e a velocidade de entrega do produto pelo fornecedor. O custo total de aquisição, que leva em conta todos os custos associados à aquisição do produto; a qualidade total oferecida pelo fornecedor (não somente a qualidade mínima necessária); o serviço
Como as políticas de relacionamento com fornecedores variam em função da estratégia, há necessidade de desenvolver métodos flexíveis de seleção que reflitam as estratégias corporativas, considerem as restrições de compradores e fornecedores e envolvam variáveis tangíveis e intangíveis. 148
prestado pelo fornecedor, que além da velocidade de entrega passou a considerar a confiabilidade, o custo de transporte, a consistência e frequência de entregas; e a flexibilidade do fornecedor estão entre os novos critérios tomados como indispensáveis (GOFFIN et al., 1997 apud MARTINS, 2005). Furtado (2005) e Faria e Vanalle (2006) acrescentam que além dos critérios básicos listados anteriormente, a capacidade de desenvolvimento de novos produtos, a capacidade tecnológica, a performance econômica, as políticas de garantia e de serviços pós-venda, o atendimento à legislação, a compatibilidade gerencial e outros aspectos relativos à segurança e ao meio ambiente são outros fatores a serem avaliados na seleção de um fornecedor.
2 Metodologia
declaram
que
a
análise
da
distribuição
de
frequência é a maneira mais simples de entender a distribuição empírica da variável. Além disso, Segundo Yin (2001), o estudo de caso é uma
também detecta a presença de valores extremos
pesquisa empírica que investiga um determinado
ou atípicos. Em síntese, uma distribuição de
fenômeno dentro de seu contexto real. No entanto,
frequência é uma forma conveniente de analisar
deve considerar o desenvolvimento prévio de
os diferentes “valores ou possibilidades” de uma
proposições teóricas para conduzir a coleta e a
variável ou pergunta.
análise de dados.
Para a análise dos resultados do segundo
Murakami e Almeida (2003) afirmam que
instrumento, utilizou-se um método de análise
o estudo de caso necessita de julgamentos sobre
multicritério,
o que assistir e o seu significado. Nesse sentido,
Process ou Análise Hierárquica (AHP), que se
as capacidades de interpretação e julgamento do
fundamenta na comparação de alternativas de
pesquisador são de extrema importância, bem
escolhas, duas a duas, em que o decisor realiza
como suas percepções sobre o significado do
pares de comparações relativas a duas alternativas
fenômeno pesquisado.
da estrutura de decisão, questionando qual
Neste trabalho, o estudo de caso teve como foco entrevistas realizadas com o diretor e com os vice-diretores de Bio-Manguinhos (totalizando cinco
participantes),
buscando
identificar
os
pontos ou critérios importantes para a seleção de fornecedores, como custo, grau de tecnologia etc. Segundo Oppenheim (apud Roesch, 1995), como a entrevista é um processo social em que existe contato, é essencial planejar as questões que serão abordadas e realizar um estudo piloto para verificar tanto o instrumento quanto a habilidade do pesquisador.
denominado
Analitic
Hierarquic
elemento satisfaz mais e quanto mais (ABREU; CAMPOS, 2007). Saaty (1990) argumenta que a grande vantagem do AHP é permitir aos seus usuários atribuir pesos relativos para múltiplos atributos, ou múltiplas alternativas para um dado atributo, ao mesmo tempo em que realiza uma comparação par a par entre eles. Segundo Belderrain e Silva (2005), o mé todo AHP, após a divisão do problema em níveis hierárquicos, é determinado por meio da síntese dos valores dados pelos agentes de decisão, uma medida
Para a coleta dos dados, foram desen
global para cada uma das alternativas, priorizando-
volvidos dois instrumentos. O primeiro possui
-as ou classificando-as ao final do método.Para os
o objetivo de identificar os critérios relevantes à
autores, logo após a construção da hierarquia,
seleção de fornecedores para novos produtos;
cada decisor deve fazer uma comparação, par a
o segundo instrumento pretende atribuir pesos
par, de cada elemento em um nível hierárquico
a esses critérios por meio de uma comparação
dado, criando-se uma matriz de decisão quadrada.
par a par entre eles. Tanto o primeiro roteiro de
Nessa matriz, o decisor representará, a partir de
entrevista, que foi aplicado aos quatro vice-
uma escala definida, sua preferência entre os
-diretores, quanto o segundo, aplicado ao diretor, encontram-se nos anexos.
elementos comparados, sob o enfoque do nível imediatamente superior. A comparação par a par
Para examinar as respostas do primeiro
das alternativas é utilizada realizando uma escala
instrumento, utiliza-se a análise de frequência.
que varia de 1 a 9, a qual é denominada Escala
Nesse sentido, Aaker, Kumar e Day (2004)
Fundamental de Saaty (Quadro 1).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
149
QUADRO 1 — Escala de Saaty Pesos
Descrição
1 - Igual importância
Duas atividades contribuem igualmente com o objetivo.
3 - Importância moderada
Experiência e julgamento favorecem levemente uma atividade sobre a outra.
5 - Forte importância ou importância essencial 7 - Importância demonstrada 9 - Importância absoluta
Experiência e julgamento favorecem fortemente uma atividade sobre a outra. Uma atividade é fortemente favorecida e sua dominância é demonstrada na prática. Há evidência que favorece uma das atividades sobre a outra, é clara e inquestionável.
2, 4, 6 e 8 - valores intermediários FONTE: Adaptado de Saaty (1990)
Chan, Kwok e Duffy (2004) destacam que na parte final da AHP é importante testar a consistência dos julgamentos; se não for satisfatória, deve-se refazê-los. Segundo Saaty (1991), o teste de consistência tem que ser de tal ordem que se possa testar ao mesmo tempo não só a violação de transitividade (A é preferível a B; B é preferível a C; logo, A tem de ser preferível a C) como também a de proporcionalidade (A é duas vezes preferível a B; B é três vezes preferível a C; logo, A tem de ser seis vezes preferível a C).
A mesma estratégia foi usada na década de 1980, em que foi transferida de uma universidade japonesa para Bio-Manguinhos a tecnologia para produção da vacina contra o Sarampo e a Poliomielite.
De acordo com Saaty (1990), o benefício do método é que, como os valores dos julgamentos das comparações paritárias são baseados em experiência, intuição e também em dados físicos, a AHP pode lidar com aspectos qualitativos e quantitativos de um problema de decisão. Contudo, é preciso reconhecer as suas limitações. Uma delas é a sua aplicação inadequada, isto é, em ambientes desfavoráveis, nos quais a aplicação é percebida como simplificação excessiva ou desperdício de tempo (GRANDZOL, 2005).
Após um período de crescimento, ao final da década de 1980 e início da década de 1990, que permitiu a projeção de uma imagem tanto nacional quanto internacional de uma instituição capaz de grandes realizações, Bio-Manguinhos passa a enfrentar grandes dificuldades de ordens econômica, financeira e gerencial, explicadas pela estrutura rígida e limitada de administração, que a levou a permanecer em uma posição muito aquém de suas expectativas e potencial.
3
Apresentação do Caso
Quando de sua criação, em 4 de maio de 1976, Bio-Manguinhos herdou as instalações de produção de vacinas existentes na Fiocruz. Ainda nesse ano, por intermédio de um instituto francês, obteve a tecnologia para produção da vacina contra a Meningite Meningocócica para os sorotipos A e C, de acordo com a necessidade da época. 150
De acordo com Leal (2004), esses proces sos de transferência de tecnologia com acesso toda a tecnologia necessária para a nacionaliza ção de produção de uma vacina possibilitaram a Bio-Manguinhos criar competências indispen sáveis ao processo de desenvolvimento de uma nova vacina.
Esse contexto gerou a falta de motivação, a redução do quadro de pessoal e a obsolescência do parque industrial. A lógica de distribuição do orçamento da Fiocruz não considerava as necessidades de uma unidade fabril, na qual os recursos destinados eram insuficientes e não permitiam a manutenção adequada das instalações e dos equipamentos. Em decorrência dos frequentes atrasos no repasse dos recursos e da inflação, que corroía os recursos disponíveis, a situação se agravava ainda mais. Por maiores que tenham sido os esforços na tentativa de recompor o quadro de pessoal e
Essa busca se dá, principalmente, por inter médio de acordos de transferência de tecnologia. Esses processos de transferência de tecnologia de vacinas mais modernas e com maior valor agregado demonstram mais uma vez a capacidade técnica do Instituto, pois, segundo Gadelha (1990), eles constituem uma importante ferramenta para diminuir a defasagem tecnológica entre instituições, mas também uma aposta com alto risco inerente. Se não houver esforço para a absorção e implantação da tecnologia, existe a possibilidade de que a fronteira do conhecimento já tenha se deslocado, retornando à situação de dependência.
estabelecer um planejamento estratégico, a crise atinge seu auge em 1996. Diante desse cenário, um grupo formado por profissionais de Bio-Manguinhos e da Fiocruz elaboraram uma proposta de um novo modelo de gestão para Bio-Manguinhos diferenciado do restante da Fiocruz, tendo como base o estabelecimento de contratos de gestão para busca da autossustentabilidade, e o Instituto teria seu orçamento formado a partir dos produtos vendidos ao governo brasileiro e da exportação do excedente de produção. Esse modelo é aprovado e implantado em 1997 (GADELHA, 1997).
Para Guimarães, Araujo e Erever (1985), a transferência de tecnologia pode ser um importante instrumento de aprendizado, desde que articulado com algum grau de investimento em pesquisa e desenvolvimento interno. Não é a importação de tecnologia que caracteriza a dependência, e sim o não aprendizado interno. Dessa forma, é preciso avaliar se a instituição está preparada para receber determinada tecnologia. O fato de optar por transferência de tecnologia, desenvolvida e testada por alguém, torna maior a possibilidade de sucesso.
A base filosófica desse modelo foi que as atividades produtivas seriam geridas e sustenta das com os resultados do Instituto. Desde então, Bio-Manguinhos funciona por esse modelo. A sua criação gerou um ganho significativo para os demais institutos da Fiocruz, pois a parcela destinada a Bio-Manguinhos foi distribuída entre esses institutos. Após adoção do novo modelo de gestão, Bio-Manguinhos busca a ampliação de sua car teira de produtos, com vacinas mais modernas e com valor agregado maior, garantindo sua sustentabilidade e a possibilidade de inves timentos em pesquisa e desenvolvimento interno (LEAL, 2004).
A trajetória e história de Bio-Manguinhos são marcadas por diversas parcerias, mostrando que os parceiros escolhidos lhe trouxeram grande sucesso. Essas parcerias são demonstradas na figura a seguir.
FIGURA 2 — Histórico de parcerias para produção de novos produtos
Teste Rápido HIV 1/2: Chembio
Meningite A e C Polissacarídica:
Poliomielite:
Instituto 1976
JPRI 1984
Mèrieux
1937
1982
Alfainterferona 2b
Rotavírus:
DTP + Hib:
Humano Recombinante:
Glaxo Smithkline
Instituto
Heber Biotec
2002
2004
Butantan
1999
Alfaepoetina Humana 2007 2003
2008 DPP Leishmaniose, Leptospirose e HIV: 2009
Vacina contra a
Sarampo:
Hib:
ChembioPneumococos, Meningite A e C Sarampo, Dengue: Recombinante:
Febre Amarela:
Instituto
Glaxo
Caxumba e Cimab
Polissacarídica:
Glaxo Smithkline
Fundação
Biken
Smithkline
Rubéola:
Finlay
NAT: Qiagen
Glaxo
Instituto
Imunoblot HIV:
Rockefeller FONTE: Bio-Manguinhos (2008)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
151
O crescimento de Bio-Manguinhos é resultado de esforços em ampliação e qualificação tanto de funcionários quanto de seu parque produtivo. Entre 2003 e 2008, o número de funcionários aumentou de 580 para 1.102, demonstrando um incremento de 90%. Se analisado de forma individual de cada grau de qualificação será visualizado um aumento de 114% de doutores, 171% de mestres, 91% com especialização lato sensu, 85% com nível superior e 79% com segundo grau. Nesse mesmo período, a área construída saiu de 21.193 m para 51.787 m, demonstrando um incremento de 144%. Todo esse esforço também é refletido na evolução da receita, tendo como incremento de 179%, como demonstra o gráfico a seguir. GRÁFICO 1 — Evolução da Receita (em reais)
FONTE: Bio-Manguinhos (2008)
Para sustentar esse crescimento, a estrutura de Bio-Manguinhos está divida conforme a FIG 3. Cabe a cada vice-diretor apoiar ao diretor na tomada de decisão, cada qual dentro de sua especialidade. Dessa forma, a coleta de dados será com os vice-diretores e com o diretor.
FIGURA 3 — Estrutura de Bio-Manguinhos
Diretora
Vice-diretoria de Desenvolvimento Tecnológico
Vice-diretoria de Gestão e Mercado
Vice-diretoria de Qualidade
Vice-diretoria de Produção
FONTE: Bio-Manguinhos (2008)
Atualmente, Bio-Manguinhos conta com uma carteira de 29 produtos disponíveis para venda e 33 projetos para desenvolvimento de novos produtos. Como missão, busca contribuir para a melhoria dos padrões da saúde pública brasileira, por meio da pesquisa e produção de imunobiológicos, para atender às demandas geradas pelo quadro epidemiológico nacional e mundial (BIO-MANGUINHOS, 2008). Sua visão é fazer parte da base tecnológica do Estado brasileiro para apoiar as políticas públicas, ofertando produtos de interesse epidemiológico e sanitário, mediante parcerias e pesquisa e desenvolvimento (BIO-MANGUINHOS, 2008). 152
4 Análise dos Resultados
de exigências regulatórias; custo; nível de desenvolvimento do produto; e solidez da empresa. A vice-diretora de qualidade elencou estes: compatibilidade com o parque industrial; cumprimento de exigências regulatórias; custo; nível de desenvolvimento do produto; e solidez da empresa. Por sua vez, o vice-diretor de produção elencou tais critérios: cumprimento de exigências regulatórias; custo; nível de desenvolvimento do produto; registro do produto no país de origem; e uso da plataforma em outros produtos. Por fim, a vice-diretora de gestão e mercado elencou os critérios a seguir: custo; histórico de parcerias; nível de desenvolvi mento do produto; rendimento do produto; e solidez da empresa.
Na busca pelos critérios mais relevantes à seleção de determinado fornecedor para novos produtos, a coleta de dados foi dividida em três etapas. A primeira examina quais são os critérios relevantes para a seleção de um fornecedor, a segunda busca selecionar os cinco critérios mais relevantes e, por fim, a terceira pretende uma hierarquização entre eles, ou seja, demonstrar o grau de importância dos cinco critérios, do maior ao menor. O vice-diretor de desenvolvimento tec no lógico elencou os seguintes critérios re le van tes para a seleção de um fornecedor: com petência em transferência de tecnologia; cumprimento
Baseado nos critérios apontados como os mais importantes pelos respondentes, obteve-se dez critérios distintos, conforme Quadro 2.
QUADRO 2 — Dez critérios para seleção de fornecedores Critérios Compatibilidade com o parque industrial
Nível de desenvolvimento do produto
Competência em transferência de tecnologia
Registro do produto no país de origem
Cumprimento de exigências regulatórias
Rendimento do produto
Custo
Solidez da empresa
Histórico de parcerias
Uso da plataforma em outros produtos
FONTE: Os autores(2011)
Para reduzir essa quantidade para cinco critérios, objetivo dessa coleta de dados, realizaram-se três análises: 1) análise de frequência simples, considerando o critério independente da hierarquia apontada pelos respondentes; 2) frequência com que os critérios aparecem em primeiro; e 3) frequência com que os critérios aparecem em segundo lugar, conforme a tabela a seguir.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
153
TABELA 1 — Análise de frequência dos dez critérios para seleção de fornecedores Critérios
Frequência simples
Frequência como
Frequência como 2º
1º critério
critério
Compatibilidade com o parque industrial
1
0
1
Competência em transferência de tecnologia
1
0
0
Cumprimento de exigências regulatórias
3
0
1
Custo
4
0
1
Histórico de parcerias
1
0
0
Nível de desenvolvimento do produto
4
4
0
Registro do produto no país de origem
1
0
0
Rendimento do produto
1
0
1
Solidez da empresa
3
0
0
Uso da plataforma em outros produtos
1
0
0
FONTE: Os autores (2011)
Diante da tabela acima, é possível verificar que quatro critérios aparecem com frequência simples superior a um; foi unânime o apontamento do critério mais importante; e com frequência considerada como segundo critério mais importante, aparecem quatro critérios. No entanto, como são análises distintas, os critérios aparecem em mais de uma análise de frequência. Ao consolidar os critérios apontados por cada análise de frequência, obtêm-se nível de desenvolvimento do produto, custo, cumprimento de exigências regulatórias, solidez da empresa, compatibilidade com o parque industrial e rendimento do produto como os critérios mais relevantes para a seleção de um fornecedor, conforme quadro a seguir. QUADRO 3 — Seleção dos seis critérios mais relevantes para a seleção de fornecedores Frequência simples Nível de desenvolvimento do produto Custo Cumprimento de exigências regulatórias Solidez da empresa Frequência como 1º critério Nível de desenvolvimento do produto Frequência como 2º critério Compatibilidade com o parque industrial Cumprimento de exigências regulatórias
Critérios Nível de desenvolvimento do produto Custo Cumprimento de exigências regulatórias Solidez da empresa Compatibilidade com o parque industrial
Custo Rendimento do produto
Rendimento do produto
FONTE: Os autores (2011)
Pode-se notar que foram evidenciados seis critérios, e não cinco, como o esperado inicialmente. Isso aconteceu em virtude de haver um empate entre dois critérios na listagem dos cinco mais importantes. Por conta disto, serão utilizados esses seis critérios, apresentados a seguir: —— Nível de desenvolvimento do produto: é relacionado ao nível de desenvolvimento tecnológico tanto do produto quanto da plataforma de produção, e ao selecionar um fornecedor que detenha um produto com maior grau de desenvolvimento, esperam aprender a partir de uma tecnologia mais moderna. 154
do produto é relevante, pois é afetado diretamente pelo processo de produção adotado, e não ne cessariamente pelo tamanho dos equipamentos, dessa forma, não adianta possuir grandes equipamentos se o processo não reproduzir condições ideais para crescimento e reprodução desses organismos.
—— Custo: não é apenas o custo de aquisição, mas todos os custos envolvidos, de compra, transporte, processamento, implantação, treinamento etc. —— Cumprimento de exigências regu latórias: relacionado com o atendimento das normas regulatórias brasileiras ou de países com normas semelhantes à brasileira.
De acordo com a literatura utilizada neste trabalho, os critérios elencados pelos vice-diretores, em sua essência, não são novos, já foram mencionados anteriormente por outros pesquisadores. Dessa forma, as variáveis existem. No entanto, cabe a cada organização selecionar um conjunto dessas variáveis que lhe auxilie na tomada de decisão.
—— Solidez da empresa: é um critério relevante, pois, como as parcerias são de longo prazo, superiores a 15 anos, é importante que a empresa parceira mantenha os objetivos da parceria e que principalmente sobreviva durante esse período.
Com base nas variáveis, e nos critérios identificados pelos vice-diretores, foi solicitado que o diretor fizesse comparações par a par atribuindo relações entre esses critérios, de acordo com a escala de nove níveis de Saaty.
—— Compatibilidade com o parque industri al: relacionado à utilização do parque industrial atual, apesar de buscar novas tecnologias, também são essenciais tec nologias que possam ser incorporadas ao parque industrial, e não que sugiram descartar o parque atual para criação de outro.
Antes de realizar as comparações par a par dos critérios, o diretor confirmou que os critérios iden tificados pelos vices são os realmente importantes para a seleção de um fornecedor para novo produto. Conforme orientação para comparação par a par, foi respondido primeiro qual o critério mais importante e depois atribuído peso conforme escala
Como a empresa trabalha com produtos biológicos e organismos vivos, o critério rendimento
de Saaty. Os dados são demonstrados na Tab. 2. TABELA 2 — Resultado para comparação par a par Critérios Coluna 1
Nível de desenvolvimento do produto
Custo
Cumprimento de exigências regulatórias Solidez da empresa Compatibilidade com o parque industrial
Coluna 2
Critério mais importante (Coluna ?)
Escala
X X X X X X X X X X X X X X
Custo Cumprimento de exigências regulatórias Solidez da empresa Compatibilidade com o parque industrial Rendimento do produto Cumprimento de exigências regulatórias Solidez da empresa Compatibilidade com o parque industrial Rendimento do produto Solidez da empresa Compatibilidade com o parque industrial Rendimento do produto Compatibilidade com o parque industrial Rendimento do produto
1 1 1 1 1 2 2 2 2 1 2 1 2 2
9 4 6 3 5 5 2 6 4 4 3 3 5 3
X
Rendimento do produto
1
4
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
155
De acordo com a metodologia AHP, os dados foram transcritos em uma matriz seis por seis, sendo preenchidas também as relações contrárias correspondentes, ou seja, quando foi respondido que o critério 1 é mais importante que o 2 e atribuído peso 3, a relação contrária correspondente é 1/3, ou seja, o critério 2 em relação ao 1. Em outras palavras, quando é dado peso 3 à relação de importância entre os critérios 1 e 2, ou seja, o critério 1 é moderadamente mais importante que o critério 2, é dado o peso 1/3 para a importância do critério 2 em relação ao critério 1. Cabe ressaltar que a partir desses resultados foi realizada a análise de consistência considerando Índice Randon (IR) de 1,24, valor de referência para seis variáveis, e o resultado obtido foi dentro do limite aceitável (a razão de consistência obtida foi de 0,059, sendo menor que 0,10, que é considerado como valor limite para consistência), demonstrando que o julgamento foi coerente em seu conjunto. Após a aplicação da metodologia AHP, foi obtida a hierarquia entre os critérios e principalmente o grau de importância de cada critério. Ao mesmo tempo em que reflete o que Bio-Manguinhos considera importante para selecionar determinado fornecedor, gera uma ferramenta de análise para a tomada de decisão. Os pesos e os critérios são demonstrados a seguir (Tab. 3). TABELA 3 — Estatísticas descritivas das principais variáveis da pesquisa Critério
Peso
Hierarquia
Nível de desenvolvimento do produto
0,42596
1
Compatibilidade com o parque industrial
0,24640
2
Cumprimento de exigências regulatórias
0,15228
3
Rendimento do produto
0,09352
4
Solidez da empresa
0,04994
5
Custo
0,03191
6
Total
1,00000
FONTE: Os autores (2011)
Como é observado, a representatividade de cada critério é bem distinta, alguns possuem grande representatividade, e outros, pequena. O critério mais relevante representa quase a metade do total dos pesos representados na tabela acima. Ao somar a representatividade dos três critérios mais relevantes, obtém-se uma representatividade de 82% do total, enquanto os três últimos critérios representam apenas 18%. Dessa forma, as empresas que desejarem fornecer a Bio-Manguinhos devem possuir, princi palmente, bons índices nos três primeiros critérios, visto que são 4,5 vezes mais importantes que os outros três critérios. Os critérios identificados vão ao encontro de Braga (2003), Resende, Mendonça e Araújo 156
(2005) e Pereira, Tontini e Silveira (2004), quando afirmam que a seleção de fornecedores deixa de avaliar apenas custos para se tornar uma área que apoia a estratégia da organização. Conforme a hierarquia e os pesos dos critérios considerados relevantes por Bio-Manguinhos, critérios mais próximos da estratégia organizacional possuem uma representatividade maior que custos, como é o caso do nível de desenvolvimento que o produto possui e do atendimento a exigências regulatórias. Ao considerar o critério solidez da empresa, Bio-Manguinhos busca se resguardar de futuras substituições prematuras de um fornecedor, dificultando a implantação da estratégia deter minada. Esse fato está relacionado com Amaral
e Demari (2006), quando dizem que a seleção de fornecedores impróprios às finalidades estratégicas da organização gerará a necessidade de substituição desse fornecedor.
Considerações Finais O aumento do portfólio de produtos e, consequentemente, de suas vendas é o objeto de busca de muitas organizações. No entanto, para que a organização consiga cumprir esse papel, é necessário que possua produtos capazes de atender às necessidades de seus clientes. Nos últimos anos, Bio-Manguinhos vivencia esse cenário, necessitando então desenvolver continuamente novos produtos para sustentar esse crescimento. Porém, no mercado em que atua, o tempo necessário ao desenvolvimento de um produto é, em muitos casos, superior a 20 anos, requerendo grande volume de investimento, não somente financeiro, mas em áreas físicas com tecnologia que atenda às demandas, recursos humanos capacitados, rede de fornecimento que oferte produtos de boa qualidade etc. Bio-Manguinhos, visando amenizar os pro blemas com a sua sustentabilidade financeira, elaborou um mecanismo diferenciado de rela cionamento com o governo brasileiro, que é seu principal cliente, em que sua receita é formada com base na comercialização de seus produtos, não mais dependendo apenas de repasse desse governo. Apesar desse novo modelo de rela cio namento com o governo, Bio-Manguinhos ainda compartilha com o restante da máquina pública dificuldades em investir o volume necessário ao seu crescimento desejado.
são os critérios relevantes para selecionar determinado fornecedor em detrimento de outros. Bio-Manguinhos elegeu nível de desen volvimento do produto, compatibilidade com o parque industrial, cumprimento de exigências regulatórias, rendimento do produto, solidez da empresa e custo como seus critérios relevantes para comparar os fornecedores e, por fim, selecionar apenas um, e cada critério mencionado possui uma representatividade diferenciada.
Os critérios identificados por Bio-Man guinhos, em sua essência, não são novos, mas conhecidos e mencionados por outros pes quisadores. No entanto, como em toda tomada de decisão, especialmente as multicriteriais, cada organização busca identificar as variáveis/os critérios importantes para determinada tomada de decisão, e essa escolha não necessariamente é a melhor para outras organizações. Além de cada organização identificar suas variáveis ou critérios relevantes para a tomada de decisão, o grau de importância de cada critério ou variável pode também ser diferente entre as organizações. Desde 1937, Bio-Manguinhos utiliza parcei ros para lançar novos produtos. Esses fornecedores realmente contribuem para o sucesso, o que demonstra que o processo de escolha desses fornecedores tem sido bem sucedido. Como não foi objeto deste estudo testar os resultados obtidos, ou seja, os critérios relevantes com seus respectivos pesos, sugere-se que trabalhos futuros verifiquem se os resultados de decisões tomadas no passado seriam os mesmos ao utilizar os pesos e os critérios identificados neste trabalho como base para a tomada de decisão.
Associando o fato do elevado tempo ne cessário ao desenvolvimento de um produto com a capacidade restrita de financiamento, Bio-Manguinhos busca parceiros capazes de minimi zar essa dificuldade. Com base nesse contexto, a presente pesquisa teve o objetivo de identificar quais
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
•
Recebido em: 08/12/2011
•
Aprovado em: 23/05/2012
157
Referências AAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, G. S. Pesquisa de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. ABREU, A. O.; CAMPOS, R. O método AHP/ABC aplicado em uma indústria de serviços. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 27., 2007, Foz do Iguaçu- PR. Anais... Foz do Iguaçu, PR., 2007. AMARAL, D. S. do; DEMARI, E. C. Classificação e avaliação do desempenho dos fornecedores dos itens A da curva ABC do programa de medicamentos excepcionais pelo método de análise de gastos do ICHC – FMUSP. 2006. Monografia (Especialização em Farmácia Hospitalar) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006. ASSUMPÇÃO, M. R. P. Reflexão para gestão tecnológica em cadeias de suprimentos. Gestão & Produção, São Carlos, v. 10, n. 3, 2003. BELDERRAIN, M. C. N.; SILVA, R. M. Considerações sobre métodos de decisão multicritério. In: ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E PÓS-GRADUAÇÃO DO ITA, 11., 2005, São José dos Campos, SP. Anais... São José dos Campos, 2005. v. 1, p. 1-7. BIO-MANGUINHOS. Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos. Relatório de Atividades 2008: gestão, produção, qualidade e inovação. Rio de Janeiro, 2008. BRAGA, A. Evolução estratégica do processo de compras ou suprimentos de bens e serviços nas empresas. Rio de Janeiro: Coppead, 2003. CARDOSO, O. R. Foco da qualidade total de serviços no conceito do produto ampliado. 2005. 2 v. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Santa Cataria. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Florianópolis, 1995. CHAN, A. H. S.; KWOK, W. Y.; DUFFY, V. G. Using AHP for determining priority in a safety management system. Industrial Management & Data Systems, Wembley, England, v. 104, n. 5, p. 430-445, 2004. CRAWFORD. C. M. New product management. 5th ed. Chicago: Irwin, 1997. DREHMER, C. A.; CRUZ, C. M. L.; MEDEIROS, J. F. Desenvolvimento de novos produtos com ênfase nas etapas de geração e seleção de idéias: o estudo em uma indústria de implementos agrícolas. In: ENCONTRO DA ANPAD, 29., 2005, Brasília, DF. Anais... Brasília, 2005. FARIA, P. O.; VANALLE, R. M. Critérios para seleção de fornecedores: uma análise das práticas de grandes empresas industriais do estado do Espírito Santo. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 26., 2006, Fortaleza, CE. Anais... Fortaleza, 2006. FURTADO, G. A. P. Critérios de seleção de fornecedores para relacionamentos de parcerias: um estudo em empresas de grande porte. 2005. Dissertação (Mestrado em Administração). Departamento de Administração – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. GADELHA, C. A. G. Biotecnologia em saúde: um estudo da mudança tecnológica na indústria farmacêutica e das perspectivas de seu desenvolvimento no Brasil. 1990. 356 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – UNICAMP. Instituto de Economia, Campinas, 1990. ______. Reforma, fortalecimento e legitimidade social: proposta de um novo modelo de gestão para BioManguinhos. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997.
158
GOMES, L. A. M.; ARAYA, M. C. G.; CARIGNANO, C. Tomada de decisões em cenários complexos. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. GRANDZOL, J. R. Improving the faculty selection process in higher education: a case for the analytic hierarchy process. IR Applications, v. 6, n. 24, 2005. GUIMARÃES, E. A.; ARAUJO, J. T.; ERBER, F. A política científica e tecnológica: Brasil os anos de autoritarismo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1985. IAÑES, M. M.; CUNHA, C. B. Uma metodologia para a seleção de um provedor logístico. Produção, São Paulo, v. 16, n. 3, p. 394-412, set./dez. 2006. KOTLER, P. Administração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle. São Paulo: Atlas, 1991. LAMBERT, D.; EMMELHAINZ, M. A.; GARDNER, J. T. Developing and implementing supply chain partnerships. The International Journal of Logistics Management, Oxfordshire, England , v. 7, n. 2, p. 1-17, 1996. LEAL, M. L. F. Desenvolvimento tecnológico de vacinas em Bio-Manguinhos/Fiocruz: uma proposta de gestão. 2004. 169 p. Dissertação (Mestrado). ENSP, Rio de Janeiro, 2004. LIBONI, L. B.; TAKAHASHI, S. Análise comparativa baseada em capacidades e competências no processo de desenvolvimento de novos produtos: estudo de caso em empresas brasileiras líderes em inovação. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 27., 2003, São Paulo, SP. Anais... São Paulo, 2003. ______; ______; MAUAD, T. M.; Alianças estratégicas para o desenvolvimento de novos produtos. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 28., 2004, Curitiba, PR. Anais... Curitiba, 2004. LIU, J.; DING, F.Y.; LALL, V. Using data envelopment analysis to compare suppliers for supplier selection and performance improvement. Supply Chain Management: an international journal, Bradford, England. v. 5, n. 3, p. 143-15, 2000. MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. MARTINS, R. Estratégia de compras na indústria brasileira de higiene pessoal e cosméticos: um estudo de casos. 2005. 138 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração, Rio de Janeiro, 2005. MATTAR, F. N. Pesquisa de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. v. 2. MOTWANI, J.et al. Supplier selection in developing countries: a model development. Integrated Manufacturing Systems, Bradford, England., v. 10, n. 3, p. 154-162, 1999. MURAKAMI, M.; ALMEIDA, M. Decisão estratégica em TI: um estudo de caso. 2003. 154 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Paulo, 2003.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
São
159
PEREIRA, A. R. Modelo de gestão de portfólio para alinhar os projetos de novos produtos às estratégias corporativas. 2002. 113 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Florianópolis, 2002. PEREIRA, R.; TONTINI, G.; SILVEIRA, A. Funções, atividades e responsabilidades da administração de compras: comparação entre empresas catarinenses e norte-americanas. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 28., 2004, Curitiba, PR. Anais... Curitiba, 2004. RESENDE, P. T. V.; MENDONÇA, G. D.; ARAÚJO, B. B. Estratégias de formação de ambientes colaborativos com fornecedores no gerenciamento das cadeias de suprimento no Brasil. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 29., 2005, Brasília, DF. Anais... Brasília, 2005. ROESCH, S. M. A. Projetos de estágio e de pesquisa em administração: guia para estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de caso. São Paulo: Atlas, 1995. SAATY, T. How to make a decision: the analytic hierarchy process. European Journal of Operational Research, Amsterdam, NL, v. 48, p. 9-26, 1990. ______. Método de análise hierárquica. São Paulo: McGraw-Hill-Makron, 1991. SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSON, R. Administração da produção. São Paulo: Atlas, 1999. TONI, D.; BOEHE, D. M. Fatores que contribuem para o melhor desempenho com um novo produto: um instrumento para avaliação do processo de desenvolvimento de novos produtos. In: SIMPÓSIO DE GESTÃO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 24., 2006, Porto Alegre, RS. Anais... Porto Alegre, 2006. ______; ______; MILAN, G. S. Fatores mercadológicos, estratégicos e operacionais e sua influência no desempenho do processo de desenvolvimento de novos produtos. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007, Rio de Janeiro, RJ. Anais... Rio de Janeiro, 2007. URDAN, A. T.; OSAKU, W. A. Determinantes do sucesso de novos produtos: um estudo de empresas estrangeiras no Brasil. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, 29., 2005, Brasília, DF. Anais... Brasília, 2005. YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. São Paulo: Bookman, 2001.
160
Anexo Primeiro instrumento: Bio-Manguinhos possui vocação científica e industrial para prevenir, identificar e tratar doenças por meio de vacinas, reativos para diagnóstico e biofármacos. Contudo, desenvolver um produto dessa magnitude pode levar, em diversos casos, mais de 20 anos, requerendo alto volume de recursos financeiros, recursos humanos capacitados e tecnologia disponível. Por ser uma instituição pública, compartilha com o restante da máquina pública toda a dificuldade em obter recursos, e, quando obtém, em sua maioria são insuficientes. Diante desse cenário, a busca por parcerias externas tem se mostrado interessante, visto que o Brasil possui pouca capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e consequentemente de novas plataformas tecnológicas capazes de suportar não só a produção de novos produtos mas atender à demanda da população do país. Ao buscar parcerias, Bio-Manguinhos pode se deparar com situações em que existam mais de um fornecedor para o mesmo produto, fazendo com que selecione um em detrimento de outro. O presente estudo vem ao encontro dessa questão, visando contribuir para a seleção desse fornecedor. Com base nisso, responda: na busca por parcerias para geração de um novo produto, quais os cinco fatores/critérios mais importantes para selecionar um entre vários fornecedores? Segundo instrumento: A MESMA INTRODUÇÃO DO ROTEIRO DE ENTREVISTA ANTERIOR... Foi feita uma entrevista com cada vice-diretor e identificado quais seriam os critérios relevantes para seleção de um fornecedor. Diante dos critérios apontados pelos vice-diretores, atribua relações e compare-os par a par utilizando a tabela de nove níveis de Saaty. Para realizar essa comparação par a par, primeiro responda qual dos dois critérios é mais importante e depois atribua o grau de importância de acordo com a escala de nove níveis. Foram apresentados, então, o quadro com os critérios listados ao final da análise do primeiro instrumento e o quadro com a escala de Saaty.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 142 - 161, jan./jun. 2013
161
A agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão (PR) Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão (State of Paraná)
A agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão (PR) Family agribusiness in the microregion of Francisco Beltrão (State of Paraná)
Fernanda Giraldello1 Jaime Antonio Stoffe2 Jandir Ferrera de Lima3 Vanderleia Loff Lavall4
Resumo Este estudo traça um panorama da agroindústria familiar nos municípios pertencentes à microrregião de Francisco Beltrão — sudoeste do Paraná. Essa atividade contribui na geração de emprego e renda, como também na melhoria das condições de vida das famílias. Os resultados evidenciam a importância da agregação de valor aos produtos agrícolas por meio das agroindústrias familiares que, consequentemente, impulsionam o desenvolvimento local. Palavras-chave: Agroindústria Familiar. Desenvolvimento Local. Êxodo Rural. Economia Rural.
Abstract This study presents an overview of agribusiness in the counties belonging to the microregion of Francisco Beltrão, in the southwest of Paraná. This activity contributes to the generation of employment and income, but also in improving the living conditions of families. The results show the importance of adding value to agricultural products through family agribusiness, which consequently boosts the local development. Keywords: Family Agribusiness. Local Development. Rural Exodus. Rural Economy.
Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR. E-mail: fernandagiraldello@hotmail.com. 2 Doutorando em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Unioeste/Campus Toledo _ PR. Professor-assistente no curso de Ciências Econômicas, Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR. E-mail: jaimestoffel@hotmail.com. 3 Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec. Professor Adjunto do Colegiado do curso de Ciências Econômicas e do Mestrado/Doutorado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Unioeste/Campus Toledo _ PR. E-mail: jandir@unioeste.br. 4 Bacharel em Ciências Econômicas pela Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR _ 1
Professora Colaboradora no Curso de Ciências Econômicas, Unioeste/Campus de Francisco Beltrão _ PR. E-mail: vanderleia4@hotmail.com.
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
163
Introdução O final do século XX, particularmente os últimos 30 anos, foi um período significativo no que diz respeito a transformações so cioeconômicas em todo o Sul do Brasil, que acabaram marcando as economias regionais. A rapidez das modificações tecnológicas e a aceleração do processo de inovação, associadas à flexibilização das formas de produção, alteraram a distribuição das atividades econômicas no espaço dos territórios tornando uns mais dinâmicos que outros e, consequentemente, desiguais na acumulação de capital e nos indicadores sociais (ALVES; FERRERA DE LIMA; PIFFER, 2009). Desse modo, as diferentes formas de desenvolvimento da agricultura no Brasil levaram à formação de distintos modelos da pequena produção agrícola familiar nos mais diversos segmentos produtivos agrícolas e regiões do País. Esse desenvolvimento teve desdobramentos significativos a partir da década de 1960, principalmente como consequência do processo de modernização das atividades agropecuárias. Assim, no Sul do Brasil, em boa parte das microrregiões, ocorreu uma considerável integração vertical com as agroindústrias e o desenvolvimento de uma pequena produção agrícola familiar altamente tecnificada e mercantil. Contudo, com o desenvolvimento da dernização na agricultura, a relativa homo mo
A necessidade de exploração intensiva das propriedades rurais exigiu a modificação das técnicas de produção, baseadas até então na rotação de culturas e em períodos de pousio das terras.
164
geneidade social que predominava entre a pequena produção agrícola familiar no Sul do Brasil entrou em crise. O aumento da demanda por produtos agrícolas e os novos papéis da agricultura no mercado e nas políticas governamentais estimularam a diversificação das suas formas de organização produtiva. Ou seja, a necessidade de exploração intensiva das propriedades rurais exigiu a modificação das técnicas de produção, baseadas até então na rotação de culturas e em períodos de pousio das terras (STOFFEL, 2004). Tudo isso afetou a pequena produção agrícola familiar. Até então, produziam-se, na maior parte das propriedades rurais, além dos bens de consumo, os instrumentos de produção e os insumos intermediários, tais como rações, sementes, fertilizantes e parte dos implementos necessários. Além disso, o conhecimento técnico aplicado à agricultura campesina era resultado de experiência local, acumulada durante gerações (JOHNSTON; KILBY, 1975). Em decorrência dessas várias mudanças no cenário das localidades e propriedades rurais, além das exigências cada vez maiores no que tange à prática da agricultura, uma parcela significativa da população rural, em especial, os pequenos agricultores e trabalhadores rurais, sentiu-se estimulada a trocar o meio rural pelos centros urbanos, caracterizando o êxodo rural (OLTRAMARI, 2005). É nesse contexto que surge a necessidade de alternativas de emprego e renda para esses pequenos produtores que compõem a agricultura familiar. Entre as opções, a agregação de valor aos produtos agrícolas, por meio da implantação de pequenas agroindústrias familiares, é um instrumento para aumentar a renda das pro priedades, mantendo, dessa forma, essas famílias no campo, e, consequentemente, participando do processo de desenvolvimento local nos municípios que comportam essas atividades. Para tal, fez-se um estudo junto aos municípios do sudoeste do Paraná, em particular na microrregião de Francisco Beltrão. Os pro cedimentos metodológicos são explicados na sequência, bem como os resultados e as discussões.
1
Procedimento Metodológico, Fonte de Dados e Caracterização da Área de Estudo
O presente estudo tomou como base a pesquisa de campo, viabilizada por meio da formulação e aplicação de questionários junto aos proprietários de agroindústrias rurais nos municípios que abrangem a microrregião de Francisco Beltrão, pertencente à mesorregião Sudoeste do Paraná. A figura a seguir mostra a localização da microrregião de Francisco Beltrão, foco deste estudo. FIGURA 1 — Mapa de mesorregiões do Paraná e microrregião de Francisco Beltrão
FONTE: Ipardes (2012) — Base cartográfica, IBGE (2010)
Procurou-se identificar, por meio das abordagens realizadas com os produtores, se a prática agroindustrial nos municípios abrangidos pela pesquisa está de alguma forma impedindo o abandono dos moradores do campo em direção à zona urbana, bem como analisar a realidade da agroindústria familiar, as principais dificuldades enfrentadas e o papel socioeconômico que desempenha na vida das famílias agricultoras. Dados relevantes sobre o número de agroindústrias existentes nos municípios (conforme Quadro 1) foram coletados junto às Secretarias Municipais de Meio Ambiente e Agricultura de cada município. Outras importantes informações
Rev.
FA E ,
C uritiba,
a respeito da atividade agroindustrial exercida na região foram buscadas em várias entidades locais, como na Agência de Desenvolvimento Regional do Sudoeste do Paraná (Agência) e na Cooperativa de Comercialização da Agricultura Familiar Integrada do Sudoeste (Coopafi), e no Projeto de Extensão Tecnológica Empresarial, intitulado “Desenvolvimento de inovações tecnológicas dos produtos alimentícios e agroecológicos da pequena agroindústria familiar”, do programa Universidade sem Fronteiras, financiado pela Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia (SETI) e executado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
165
QUADRO 1 — Número de agroindústrias familiares por município na microrregião de Francisco Beltrão – Paraná Município Barracão Boa Esperança do Iguaçu Bom Jesus do Sul Cruzeiro do Iguaçu Dois Vizinhos Enéas Marques Flor da Serra do Sul Francisco Beltrão Manfrinópolis Marmeleiro Nova Esperança do Sudoeste Nova Prata do Iguaçu Pinhal de São Bento Renascença Salgado Filho
Número de Agroindústrias Familiares 4 unidades agroindustriais Nenhuma unidade agroindustrial 5 unidades agroindustriais 1 unidade agroindustrial 26 unidades agroindustriais 2 unidades agroindustriais 1 unidade agroindustrial 54 unidades agroindustriais 1 unidade agroindustrial 8 unidades agroindustriais Nenhuma unidade agroindustrial 5 unidades agroindustriais 1 unidade agroindustrial Nenhuma unidade agroindustrial 25 unidades agroindustriais
Salto do Lontra
2 unidades agroindustriais
Santo Antonio do Sudoeste
11 unidades agroindustriais
São Jorge d’Oeste
11 unidades agroindustriais
Verê
10 unidades agroindustriais
Total
167 unidades agroindustriais
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
1.1 Caracterização da Região Sudoeste do Paraná
A região sudoeste do Paraná é constituída por 42 municípios, os quais demonstram ter entre si características bastante comuns, de ordens econômica, social e cultural, caracterizando-se basicamente por proprie dades rurais de pequeno porte voltadas para a agricultura familiar. 166
Conforme dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), a mesorregião do sudoeste do Paraná está localizada no Terceiro Planalto Paranaense e abrange uma área de 17.060,444 km, correspondendo a 8,6% do território do estado do Paraná. Faz divisa ao sul com o oeste catarinense, a oeste com a Argentina, a leste com a mesorregião centro-sul paranaense, e a norte, sua principal fronteira é com o Rio Iguaçu. Historicamente, apesar de o movimento da população do Sudoeste ser marcado por um processo de expansão seguida de retração, a população continua dispersa no espaço regional, marcada pela agricultura familiar e um número significativo de pequenas cidades (FERRERA DE LIMA, 2009).
Atualmente, a região sudoeste do Paraná é constituída por 42 municípios, os quais demonstram ter entre si características bastante comuns, de ordens econômica, social e cultural. A região caracteriza-se basicamente por propriedades rurais de pequeno porte voltadas para a agricultura familiar, cuja renda tem papel significativo para a economia local. Tal fato se justifica pelo relevo acidentado, dificultando a mecanização da agricultura em grande escala, dando lugar, dessa forma, à agricultura manual e familiar. Conforme dados da Tab. 1, pode-se observar que a quantidade de estabelecimentos rurais, nos quais o processo de produção está ancorado na agricultura familiar, é superior ao número de estabelecimentos rurais não familiares. TABELA 1 — Estabelecimento e área da agricultura familiar, segundo as unidades da Federação, mesorregiões, microrregiões e municípios Municípios
Agricultura familiar Estabelecimentos
Não familiar
Área (ha)
Estabelecimentos
Área (ha)
Barracão
666
8.622
56
6.881
Boa Esp.do Iguaçu
525
8.833
67
4.767
Bom Jesus do Sul
703
9.491
47
7.464
Cruzeiro do Iguaçu
416
6.255
71
7.719
Dois Vizinhos
1.616
20.811
318
11.669
Enéas Marques
843
11.586
108
4.090
Flor da Serra do Sul
640
11.324
67
6.873 16.652
Francisco Beltrão
2.805
37.481
373
Manfrinópolis
643
9.396
65
12.225
Marmeleiro
1.215
19.979
189
15.567
Nova Esp.do Sud.
970
15.078
87
4.575
Nova Prata do Iguaçu
1.196
17.927
139
9.557
Pinhal de São Bento
353
5.354
26
3.190
Renascença
777
13.174
145
19.076
Salgado Filho
617
9.770
121
6.642 13.571
Salto do Lontra
1.557
19.786
204
St. Antônio do Sudoeste
1.894
20.557
238
8.975
São Jorge d’Oeste
964
13.591
178
20.157
Verê
1.188
18.855
113
9.097
19.588
277.870
2.612
188.747
Total microrregião
FONTE: IBGE _ Censo Agropecuário (2006)
Nota-se que na maioria dos municípios a agricultura familiar representa mais de 50% do total da área ocupada pelos estabelecimentos rurais, chegando próximo a 90% da área em alguns municípios analisados. Francisco Beltrão, Marmeleiro, Verê, Dois Vizinhos, Nova Prata do Iguaçu, Salto do Lontra e Santo Antônio do Sudoeste
destacam-se
pelo
número
elevado
(acima de mil) de propriedades que fazem parte da agricultura familiar.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Outro fato relevante que pode ser constatado nos dados da Tab. 1 é o tamanho médio das propriedades que fazem parte da agricultura familiar (14,19 ha), bem como a área total utilizada (277.870 ha) por esses estabelecimentos rurais, justificando o predomínio das pequenas propriedades agrícolas na microrregião de Francisco Beltrão. Dessa maneira, ainda de acordo com dados da Tab. 1, verifica-se que a produção agrícola da
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
167
região sudoeste do Paraná, mais especificamente a microrregião de Francisco Beltrão, mantém a sua base produtiva ligada à produção familiar.
2
Caracterização da Agroindústria Familiar
Inicialmente, no período de colonização, a produção de alimentos estava principalmente destinada para o consumo das famílias. Os agricultores familiares enfrentavam sérios problemas em relação à deficiência de transportes e estradas adequadas para distribuição, bem como à ausência de um comércio eficiente para comercialização dos excedentes (TASCHETTO; WALKOWICZ, 2007). A fim de assegurar o sustento e a sobrevivência da unidade familiar, as famílias passaram a praticar, juntamente com os trabalhos diários da propriedade rural, determinada espécie de indústria caseira, transformando os excedentes, mesmo de forma rudimentar, para prolongar sua vida útil. Dessa forma, deu-se origem às agroindústrias familiares. Baseado em Bonamigo e Schneider (2007), é possível traçar algumas características comuns na maioria das unidades agroindustriais.
168
•
As agroindústrias utilizam pouco espaço físico para a fabricação dos produtos.
•
A produção das unidades agroartesa nais está direcionada, sobretudo, a mercados locais.
•
Os membros da família, na maioria dos casos, estão envolvidos na produção, mostrando que a mão de obra geral mente é familiar.
•
Os fatores de produção são baseados na prática agropecuária.
•
Os conhecimentos agroartesanais fo ram adquiridos mediante experiências e práticas deixadas pelos antepassa dos, transmitidos e aper feiçoados a cada nova geração.
Com o passar dos anos, o trabalho na agroindústria passou a ser encarado como alternativa de incremento de renda, possibilitando melhorias nas condições de vida, ou seja, “para o agricultor familiar o artesanato produzido auxiliava no trabalho agrícola e, muitas vezes, significava renda extra” (TASCHETTO; WALKOWICZ, 2007, p. 27). Há dois fatores que levaram ao surgimento da agroindústria familiar: o primeiro é de ordem econômica, o qual busca agregar valor aos produtos por meio da sua transformação, geralmente de forma artesanal ou semiartesanal, quando não é cabível ao produtor comercializá-los in natura. O segundo fator é de ordem social, pois está associado ao desejo do produtor de permanecer no campo junto aos familiares, buscando o envolvimento de todos os membros da família na produção, até mesmo das donas de casa, as quais desempenham um importante papel dentro desse tipo de agroindústrias (RUIZ et al., 2010). A agroindústria familiar rural é uma forma de organização na qual a família rural produz, processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou pecuária, visando, sobretudo, à produção de valor de troca que se realiza na comercialização. A agroindústria familiar rural constitui um novo espaço e em um novo empreendimento social e econômico de desenvolvimento local e de integração regional (MIOR, 2008).
A agroindústria familiar rural é uma forma de organização na qual a família rural produz, processa e/ou transforma parte de sua produção agrícola e/ou pecuária, visando à produção de valor de troca que se realiza na comercialização.
Em relação ao desenvolvimento local, muitas áreas rurais têm reforçado suas ligações e coerência, focalizando seus projetos de desenvolvimento nos elementos de identidade local. Buscam identificar algo que as torne únicas, o que acaba contribuindo também para modificar a forma como os próprios habitantes enxergam a sua própria região. Além disso, o fato de se apoiarem no poder da identidade local torna os produtos dessas regiões mais desejáveis no mercado (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2004). A identidade local torna-se uma das bases centrais da economia da qualidade, capaz de projetar internacionalmente produtos regionais, conhecidos e apreciados por reunirem características objetivas (paladar, padrão estético) com traços organizacionais que lhe são sempre associados. A identidade de uma área é, portanto, composta de todas as percepções coletivas do passado dos seus habitantes, de suas tradições e seu know-how, sua estrutura de produção, sua herança cultural, seus recursos materiais, enfim, seu futuro. Essa identidade plural não é estática; ao contrário, ela pode mudar, tornar-se mais forte, modernizar-se (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2004). A discussão da integração como elemento importante no processo de desenvolvimento regional, de acordo com Ferrera de Lima (2010), exige reflexões sobre dois prismas: a primeira, a integração intrarregional, ou seja, os fatores e as mudanças econômicas e sociais que ocorrem internamente na região e fortalecem a sua coesão territorial; a segunda, a integração inter-regional, ou seja, os fatores e as mudanças econômicas e sociais que ocorrem na posição geopolítica e econômica da região em relação aos territórios vizinhos ou além das suas fronteiras. Como ambos estão atrelados a questões sociais e econômicas, eles podem ser conduzidos de forma conjunta, pois esses prismas têm importância crucial na mudança do perfil do desenvolvimento regional. Nesse sentido, a agricultura familiar exerce papel importante, principalmente por meio das agroindústrias familiares, no uso de seus conhecimentos adquiridos com seus antepassados para a produção/fabricação de produtos que mantenham as características locais e a identidade
Rev.
FA E ,
C uritiba,
regional. A importância da dinamicidade da agricultura familiar não está associada apenas à produção de fibras e alimentos, também possui outras importantes funções, as quais estão associadas à segurança alimentar, aos papéis socioeconômico e ambiental e de desenvolvimento local que ela desempenha. Além disso, de acordo com Olalde (2010), a agricultura familiar está associada à dimensão espacial do desenvolvimento, por permitir uma distribuição populacional mais equilibrada no território. Essa distribuição privilegia a reprodução de um modo de vida local, com raízes históricas e culturais, que respeita e valoriza as necessidades da família, os relacionamentos locais, o meio ambiente, a cooperação e a criatividade. De acordo com Ruiz et al. (2010), as unidades agroindustriais englobam desde micro a pequenos produtores, sobretudo de alimentos (moinhos, embutidos, destilados, fermentados, panificação, confeitos) de origem animal e/ou vegetal, e, em alguns casos, atividades artesanais (cestos, bordados, calçados, acolchoados, ferramentas). Esses produtos apresentam pouca sofisticação tecnológica, estão intimamente arraigados à cultura local e se destinam a diversos tipos de consumidores (RUIZ et al., 2010; TASCHETTO; WALKOWICZ, 2007). Reforçando a ideia dos produtos carac terísticos das agroindústrias familiares, Batalha (1997, p. 51) afirma que eles demonstram ser “[...] essencialmente bens de primeira necessidade e de baixo valor unitário”, por esse fato, pode-se dizer que a demanda por esse tipo de produto reflete pequena variação quando o seu preço sofre um aumento, por exemplo. São as experiências de transformação e agregação de valor aos produtos, envolvendo um número significativo de agricultores familiares, que estão na origem das chamadas agroindústrias familiares na região sudoeste do estado do Paraná, principalmente a partir de 1990. Nesse período, a agroindústria familiar rural teve que vencer vários obstáculos para se firmar como uma forma de organização da produção, processamento e industrialização de alimentos na região sudoeste.
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
169
Nesse contexto, as agroindústrias familiares despontam como uma alternativa importante na participação do desenvolvimento local, por meio da geração de emprego e renda para os agricultores familiares envolvidos nesse processo.
2.1 As Agroindústrias Familiares no Sudoeste
O ramo de agroindústrias familiares na região sudoeste do Paraná é praticado geralmente por descendentes de poloneses, alemães e italianos e está profundamente atrelado ao processo de ocupação desses povos durante a colonização da região, bem como à fixação das culturas e hábitos dos respectivos povos colonizadores ao longo dos anos (SAQUET; SANTOS, 2010). Com referência à modalidade das agroindústrias, existem as unidades de fabricação de produtos de origem animal, as quais compreendem as agroindústrias de beneficiamento do leite, as fábricas de queijo, os abatedouros e as indústrias de embutidos, os abatedouros de frangos e suínos, as granjas de ovos, as unidades de fabricação de mel e os estabelecimentos de filetagem de peixe (de acordo com informações da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão, 2010). Outras unidades de produção elaboram a transformação de produtos de origem vegetal e podem ser definidas como fábricas de açúcar mascavo e/ou melado e rapadura, vinícolas/cantinas, unidades produtoras de doces e/ou geleias, unidades fabricantes de cachaça artesanal e estabelecimentos que trabalham com polpa de frutas. Existem ainda as unidades ligadas à panificação, as quais englobam as agroindústrias de bolachas, biscoitos, pães e massas (PREFEITURA..., 2010). Para operar dentro das normas higiênico-sanitárias legais, as agroindústrias produtoras de alimentos de origem animal precisam ser constantemente inspecionadas e fiscalizadas por técnicos capacitados, que trabalham geralmente junto às prefeituras municipais ou ao Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A fim de que os estabelecimentos
170
agroin dustriais de produtos de origem animal pudessem passar por essas vistorias, garantindo ao consumidor um produto que siga um padrão de normas necessárias e que não ofereça riscos à sua saúde, foi criado o Selo de Inspeção Municipal (SIM). Segundo Saquet e Santos (2010), as unidades produtivas cadastradas no SIM são delimitadas a comercializar seus produtos a nível municipal. Porém, o cadastro junto ao SIM protege as agroindústrias da concorrência das que trabalham sem o registro e, ao mesmo tempo, valoriza os produtos das unidades que possuem o selo de inspeção no momento da comercialização. Nesse caso, são considerados clandestinos os estabelecimentos agroindustriais que trabalham com produtos de origem animal e não possuem cadastro no SIM, os quais estão sujeitos a multas e recolhimento dos seus respectivos produtos. A instituição do SIM/POA surgiu da necessidade de garantir ao consumidor que a fabricação dos produtos coloniais, muito apreciados e consumidos, cumprisse todas as normas sanitárias adequadas, visto que antes da criação do SIM era grande a quantidade de produtores que fabricavam e vendiam seus produtos sem controle algum, colocando em risco a saúde dos compradores. Portanto, torna-se necessário que os órgãos competentes efetuem um trabalho de fiscalização e ao mesmo tempo deem orientação às unidades artesanais, para que elas possam se enquadrar nas normas sanitárias, a fim de que a produção e a comercialização de seus produtos sejam realizadas da maneira correta.
2.2 Agroindústrias Familiares e Desenvolvimento Local
O grande desafio colocado em pauta no mundo contemporâneo é buscar alternativas capazes de enfrentar os problemas econômicos, sociais e ambientais da atualidade frente à sobrevivência da humanidade no Planeta. Diante desse desafio, é preciso que se busquem ou se formulem novas concepções
É necessário que um projeto de desenvolvimento seja baseado no princípio da sustentabilidade. Entende-se que esta “deve compreender, no mínimo cinco dimensões: a físico-natural, a social, a cultural, a científico-tecnológica e a econômica”.
a produção de bens e serviços que atendam às reais necessidades humanas; e a sustentabilidade econômica implica crescimento econômico.
de desenvolvimento procurando assegurar a permanência e a continuidade, a médio e a longo prazo, dos avanços e melhorias na qualidade de vida, na organização econômica e na conservação do meio ambiente. Isso se dá mediante uma proposta de desenvolvimento sustentável, voltado para dentro da região (endógeno), focando principalmente o desenvolvimento humano e criando oportunidades locais de desenvolvimento.
Com isso, cada região ou município deve procurar espaços de competitividade de acordo com suas condições e potencialidades, levando em consideração, principalmente, o seu entorno, e investir nos setores em que a capacidade e a vantagem locacional sejam comparativamente melhores. Ou seja, investe-se no potencial das aptidões de cada região ou município.
Nesse sentido, Dallabrida (2000, p. 49) traz algumas contribuições com a finalidade de apontar aspectos do desenvolvimento regional, no sentido de sustentabilidade e de endogenização. Segundo ele, é necessário que um projeto de desenvolvimento seja baseado no princípio da sustentabilidade. Entende-se que esse princípio “deve compreender, no mínimo, cinco dimensões: a físico-natural, a social, a cultural, a científico-tecnológica e a econômica”. A sustentabilidade físico-natural implica a manutenção do nosso suporte de vida; a social manterem e incrementa a qualidade de vida de toda a população, assim como contribui para a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais; a cultural implica respeito às diferenças étnicas e culturais; a científico-tecnológica envolve
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Dallabrida (2000) e Buarque (2002) acreditam que alavancar o desenvolvimento de uma região, com base nos princípios da sus tentabilidade e da endogenização, talvez seja a única oportunidade possível de potencializar os recursos humanos, materiais e não materiais. O empreendedorismo endógeno e local demanda certa organização e mobilização da sociedade, a fim de buscar e explorar as suas capacidades e potencialidades próprias, cami nhando para um processo autossustentável, con sorciando seus conhecimentos com os recursos naturais existentes, de modo a criar raízes efetivas na matriz socioeconômica e cultural da localidade (BUARQUE, 2002).
Assim, a partir da década de 1990, desen cadearam-se na região sudoeste paranaense iniciativas voltadas à constituição de agroindústrias familiares rurais como diversificação da economia agrícola e promoção do desenvolvimento local. Nesse cenário, conforme Tomasetto, Ferreira de Lima e Shikida (2009), destaca-se a união de forças e recursos em novos arranjos com o objetivo de criar empregos e impulsionar o desenvolvimento local. Isso ocorre porque os produtores recebem assistência de diversas entidades governamentais e não governamentais, e essa parceria se tornou indispensável para proporcionar aos produtores maior competitividade na comercialização dos produtos, além de fomentar o desenvolvimento da agricultura, o desenvolvimento local sustentável e a promoção da cidadania e da qualidade de vida dos produtores rurais.
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
171
3
Resultados e Análise dos Dados
Nas agroindústrias familiares pesquisadas, notou-se a predominância de algumas modalidades, como é o caso das unidades de fabricação de queijos e das agroindústrias de açúcar mascavo, melado e outros derivados da cana-de-açúcar, uma vez que cada uma representa 19,23% em relação ao total das agroindústrias entrevistadas. Em seguida, as indústrias de panificação aparecem com 15,38%, demonstrando também a forte presença da modalidade na atividade agroindustrial da microrregião. As unidades de fabricação de embutidos e defumados, bem como as indústrias de transformação de doces e geleias, também estão entre as modalidades agroindustriais que mais se destacam no setor agroindustrial regional, representando 11,54% cada. As demais modalidades alcançaram menos de 8% cada, demonstrando, portanto, menor predominância dentro do cenário abordado. A Tab. 2 apresenta o percentual de participação das principais atividades desenvolvidas pelas agroindústrias familiares na microrregião de Francisco Beltrão. TABELA 2 — Principais modalidades de agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão — Paraná Principais modalidades de agroindústrias familiares Agroindústria de leite e queijo
Porcentagem 19,23%
Agroindústria de açúcar mascavo; melado; rapadura; garapa
19,23%
Agroindústria de panificação (biscoitos/bolachas e/ou pães e massas)
15,38%
Agroindústria de embutidos e defumados
11,54%
Agroindústria de doces e geleias
11,54%
Agroindústria de vinho e/ou vinagre
7,69%
Agroindústria de mel
7,69%
Agroindústria de cachaça
3,85%
Outros (Agroindústria de filetagem de peixes)
3,85%
Total
100,00%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
Os dados da pesquisa também revelam os principais obstáculos encontrados quando da implantação das agroindústrias familiares. Destacam-se, por parte dos entrevistados, como principais fatores a baixa disponibilidade de recursos financeiros (27%), a ausência de mão de obra (15%), as exigências em se enquadrar nos padrões higiênicos sanitários exigidos, a formação de mercado consumidor, bem como a burocracia no momento de constituição e implantação da agroindústria (9%), a falta de experiência no ramo de fabricação de produtos agroartesanais, as dificuldades técnicas no processo produtivo, além da inexperiência em administração de empresas (6%). Para 18% dos entrevistados, nenhuma dificuldade relevante no começo dos trabalhos na unidade de produção foi encontrada.
172
TABELA 3 — Principais dificuldades encontradas pelas agroindústrias familiares da microrregião de Francisco Beltrão quanto à administração e sobrevivência no mercado Principais dificuldades das agroindústrias
Porcentagem
Falta de mão de obra
43,33%
Clima ou entressafra
13,33%
Concorrência e/ou concorrência desleal
10,00%
Falta e alto custo de equipamentos direcionados para a pequena produção/transformação
6,67%
Falta de capital de giro
6,67%
Pouco acesso ao crédito (custeio/investimento)
6,67%
Ausência de assistência técnica profissionalizada
3,33%
Espaço físico
3,33%
Impostos
3,33%
Nenhuma dificuldade
3,33%
Total
100,00%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
De acordo com os dados apresentados na Tab. 3, 13,33% dos entrevistados afirmaram serem os fatores climáticos e a entressafra dos produtos agrícolas as maiores dificuldades enfrentadas diariamente pela agroindústria familiar. Quanto aos fatores climáticos, as agroindús trias de fabricação de queijos, por exemplo, de acordo com relatos dos proprietários, afirmam que, no inverno, as vacas produzem menos leite, principal matéria-prima para geração do produto, fazendo com que a produção e os rendimentos diminuam. A falta de pastos ocasionada pelos períodos de seca faz com que os animais tenham que ser alimentados com vários tipos de sais e rações, tornando mais elevado o preço dos insumos. Esse aumento é repassado para a produção e para o produto final. As safras e entressafras também são caracterizadas como forte elemento que merece atenção dentro da agricultura e, consequentemente, da transformação e comercialização dos produtos agroindustriais, uma vez que a safra dos produtos agrícolas acontece em determinados períodos do ano, épocas em que os preços são mais baixos. Nas entressafras, ocorre exatamente o contrário, ou seja, por serem menos acessíveis, os produtos agrícolas tornam-se mais caros, elevando o custo da aquisição de matérias-primas por parte das unidades agroindustriais. As unidades artesanais
Rev.
FA E ,
C uritiba,
de transformação de frutas em doces e geleias são exemplos dessa sazonalidade. A concorrência e/ou a concorrência desleal, a falta de capital de giro e o pouco acesso ao crédito, além dos elevados custos dos equipamentos, são apontados como algumas das principais dificuldades encontradas pelas unidades agroindustriais. Mas, para 43,33% dos entrevistados, a principal dificuldade que as agroindústrias familiares enfrentam no dia a dia está relacionada à ausência de mão de obra. De fato, a falta de pessoas disponíveis para trabalhar nas unidades tem se tornado o principal obstáculo enfrentado pelas agroindústrias, as quais ficam subordinadas a produzir determinada quantidade, sendo que, se possuíssem mais funcionários, poderiam aumentar a produção e os rendimentos. Outro importante fator para o desen volvimento da agroindústria familiar é a análise do mercado consumidor. Para Batalha (1997, p. 54), “conciliar uma demanda relativamente estável com uma oferta agrícola que flutua sazonal e aleatoriamente é o principal desafio da comercialização de produtos agroindustriais”. Os principais canais de comercialização dos produtos advindos das agroindústrias familiares na área de análise são as feiras livres, os supermercados
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
173
(destacando-se como o principal canal de comercialização, conforme dados da pesquisa), a venda direta ao consumidor de porta em porta ou na própria propriedade e nas cooperativas que representam o setor. Na Tab. 4, estão contidas as principais vantagens atribuídas pelos entrevistados em relação à implantação das agroindústrias familiares. TABELA 4 — Principais vantagens atribuídas à implantação da agroindústria familiar na microrregião de Francisco Beltrão — Paraná Principais vantagens atribuídas à implantação da agroindústria
Porcentagem
Aumento da renda familiar e consequente melhoria das condições de vida da família no campo
44%
Possibilitou obter, com a venda diária ou semanal dos produtos, um acesso mais frequente aos
23%
recursos financeiros
15%
Tornou o trabalho no campo mais leve e animador
13%
Obter uma profissão satisfatória pela abertura do próprio negócio
5%
Possibilitou que a família permanecesse junta por várias gerações Total
100%
FONTE: Dados primários, Giraldello (2010)
O estabelecimento da agroindústria familiar dentro das propriedades rurais não tem contribuído apenas para o aumento da renda das famílias no campo. A agroindústria tem proporcionado às famílias proprietárias melhor qualidade de vida. Atualmente, graças às inovações tecnológicas e aos rendimentos alcançados, os moradores do campo possuem um padrão de vida semelhante ao de muitas famílias que moram na zona urbana dos municípios.
174
Conclusão A implantação de agroindústrias familiares na região sudoeste do Paraná, em especial na microrregião de Francisco Beltrão, tem se tornado uma prática cada vez mais frequente, visto que os pequenos agricultores buscam, por meio da agregação de valor aos produtos de origem agrícola, fontes alternativas de renda para suas famílias. Observou-se que em todas as famílias entrevistadas houve aumento dos rendimentos após a instalação das agroindústrias familiares no estabelecimento rural. De acordo com os entrevistados, ocorreram melhoras não só no campo econômico, mas também nos aspectos físicos e sociais da família, por exemplo, a possibilidade de reformar ou mesmo construir uma nova residência, a fim de se acomodar confortavelmente, comprar um novo automóvel ou adquirir novas áreas de terras para a propriedade. Por outro lado, pode-se deduzir que mesmo a atividade agroindustrial familiar proporcionando inúmeras vantagens às famílias agricultoras não pode ser caracterizada como principal elemento de entrave ao êxodo rural nos municípios abordados pela pesquisa, haja vista que 76% dos entrevistados afirmaram que permaneceriam no campo, mesmo com a ausência da agroindústria familiar na propriedade. Isso se dá pelo fato de a maioria dessas famílias exercer outras atividades, além da prática agroindustrial, em seus estabelecimentos, como, no caso, o cultivo de lavouras de grãos, a pecuária, a bovinocultura leiteira, a produção de hortaliças, entre outras.
Por fim, é preciso que haja um empenho contínuo por parte dos órgãos representativos do setor na busca de novos programas de políticas públicas nas diferentes esferas governamentais, não só no que tange ao incentivo à produção nas agroindústrias familiares, mas também nas infraestruturas básicas, como escolas, transporte, serviços, que possam motivar os produtores agroindustriais a permanecer nas suas regiões e contribuir efetivamente para que o desenvolvimento local sustentável a médio e longo prazo.
•
Recebido em: 01/03/2012
•
Aprovado em: 16/08/2012
Dessa forma, percebe-se que a instalação de agroindústrias familiares na microrregião de Francisco Beltrão está contribuindo para maior interação entre os meios rural e urbano, corroborando, nesse sentido, o desenvolvimento local, evidenciando os valores regionais e mantendo a identidade da população, por meio da aplicação de seus conhecimentos passados de geração a geração, na confecção dos produtos agroartesanais.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
175
Referências ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, UNICAMP, 1992. AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO SUDOESTE DO PARANÁ. Transição agroecológica em sistemas familiares de produção: construindo desenvolvimento social, econômico e ambiental. Francisco Beltrão, 2008. ALVES, L. R.; FERRERA DE LIMA, J.; PIFFER, M. Dinamismo setorial diferenciado no oeste e no sudoeste do Paraná. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, Recife, PE, v. 3, p. 128-153, 2009. Disponível em: <www.estudosregionais.org.br>. Acesso em: 22 mar. 2012 BATALHA, M. O. (Coord.). Gestão agroindustrial. Ribeirão Preto, Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais; São Paulo: Atlas, 1997. BEDUSCHI FILHO, L. C.; ABRAMOVAY, R. Desafios para o desenvolvimento das regiões rurais. Nova Economia, Viçosa, MG, v. 14, n. 3, p. 35-70, set./dez. 2004. BONAMIGO, C. A.; SCHNEIDER, C. R. Revisitando a história: a revolta dos posseiros de 1957 no Sudoeste do Paraná. Francisco Beltrão: Grafisul, 2007. BUARQUE, S. C. Construindo o desenvolvimento local sustentável: metodologia de planejamento. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. CALLADO, A. A. C. Agronegócio. São Paulo: Atlas, 2006. DALLABRIDA, V. R. O desenvolvimento regional: a necessidade de novos paradigmas. Ijuí: Unijuí, 2000. FERRERA DE LIMA, J. Integração e desenvolvimento regional: elementos teóricos. Ideação: Revista do Centro de Educação e Letras, Foz do Iguaçu, PR: Unioeste, v. 12, p. 09-20, 2010. Disponível em: <www.unioeste.br/saber>. Acesso em: 12 mar. 2012 ______ et al. Mudanças estruturais da ocupação da mão-de-obra na economia regional do sudoeste paranaense no início do século XXI. Revista Brasileira de Gestão Urbana (URBE), Curitiba, v. 1, p. 137-150, 2009. Disponível em: <www.pucpr.br/urbe>. FRANCISCO BELTRÃO. Prefeitura. Secretaria da Agricultura, 2010. Disponível em: <www.franciscobeltrao.pr.gov.br>. Acesso EME: 23 nov. 2012. GIRALDELLO, F. Análise da agroindústria familiar como alternativa de entrave ao êxodo rural na microrregião de Francisco Beltrão – PR. Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Francisco Beltrão, 2010. IBGE. Censos Demográficos, 2006. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 mar. 2012.
176
INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL. Perfil da região geográfica do sudoeste paranaense. Disponível em: <www.ipardes.gov.br>. Acesso em 21 maio 2012. JOHNSTON, B. F.; KILBY, P. Agricultura e transformação estrutural: estratégias econômicas de países em desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. MIOR, L. C. Trajetórias das agroindústrias familiares rurais no estado de Santa Catarina (Brasil). In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE LA RED SIAL, 4., 2008, Mar Del Plata,Argentina. Anais... Mar del Plata, 2008. OLALDE, A. R. Agricultura familiar e desenvolvimento sustentável. 2010. Disponível em: <www.ceplac.gov.br/radar/artigos/artigo3.htm>. Acesso em: 21 maio 2012. OLTRAMARI, S. O administrador e a gestão de agroindústrias: desafios e oportunidades. In: SEMANA DE ADMINISTRAÇÃO E II MOSTRA CIENTÍFICA, 3., 2005, Francisco Beltrão,PR. Anais... Francisco Beltrão: Unioeste, 2005. RUIZ, M. S. et al. Agroindústria familiar de Londrina-PR. 2010. Disponível em: <www.bnb.gov.br/.../Agroindustria%20Familiar%20de%20Londrina-PR.PDF>. Acesso em: 21 maio 2012. SANTOS, R. A. dos. O processo de modernização da agricultura no sudoeste do Paraná. 2008. Disponível em <http://www4.fct.unesp.br/pos/geo/dis_teses/08/roselialves.pdf>. Acesso em: 21 maio 2012. SAQUET, M. A.; SANTOS, R. A. dos. Geografia agrária, território e desenvolvimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010. SAVOLDI, A.; CUNHA, L. A. Uma abordagem sobre a agricultura familiar: Pronaf e a modernização da agricultura no sudoeste do Paraná na década de 1970. 2010. Disponível em: <www.ser.ufpr.br/geografar/ Revista Geografar ISSN: 1981 – 089X>. Acesso em: 21 maio 2012. SCHNEIDER, S. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003. SILVA, J. G. da. Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003. STOFFEL, J. A. A viabilidade da agricultura familiar: formas de organização produtiva no oeste do Paraná. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Toledo, 2004. TASCHETTO, P. R.; WALKOWICZ, J. Gestão das unidades artesanais na agricultura familiar: uma experiência no Oeste do Paraná. Cascavel: Edunioeste, 2007. TOMASETTO, M. Z. C.; FERRERA DE LIMA, J.; SHIKIDA, P. F. A. Desenvolvimento local e agricultura familiar: o caso da produção de açúcar mascavo em Capanema-Paraná. Interações, Campo Grandes, MS, v. 10, p. 21-30, 2009. Disponível em: <www.ucdb.br>. Acesso em: 21 maio 2012.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 162 - 177, jan./jun. 2013
177
Impairment nas companhias aĂŠreas internacionais durante a crise financeira mundial de 2008 Impairment in international airlines companies during the 2008 global financial crisis
Impairment nas companhias aéreas internacionais durante a crise financeira mundial de 2008 Impairment in international airlines companies during the 2008 global financial crisis
Jocelino Donizetti Teodoro1 Luciano Marcio Scherer2
Resumo Este estudo tem como objetivo detectar possíveis diferenças quanto ao reconhecimento de perdas com a redução ao valor recuperável de ativos (impairment) nos anos de 2007 a 2009, em função da crise financeira mundial ocorrida nesse período. Para tanto, foi realizada pesquisa descritiva com abordagem quantitativa do problema. A amostra é composta por 66 companhias aéreas de abrangência internacional. O setor foi selecionado por ter sofrido maiores impactos com a crise financeira mundial. Os resultados da pesquisa permitem concluir que houve o reconhecimento de perdas com impairment nas companhias aéreas internacionais de forma mais intensa em 2008, em relação a 2007 e a 2009, fato explicado pelo ápice da crise financeira. Concluiu-se que o reconhecimento de perdas por impairment efetivamente ocorreu com maior intensidade nos momentos em que se fez necessário, sugerindo que o reconhecimento do ajuste a valor recuperável é utilizado conforme as condições e expectativas do ambiente econômico. Ou seja, o ambiente econômico influenciou a prática contábil. Palavras-chave: Crise Financeira Mundial. Redução ao Valor Recuperável de Ativos. Companhias Aéreas Internacionais.
Abstract This study aims to detect possible differences in the recognition of losses on impairment of assets from 2007 to 2009, due to the global financial crisis which occurred in this period. For this purpose, a descriptive research with quantitative approach was performed. The sample consists of 66 international airlines. The sector was selected on the assumption that it suffered major impacts from the global financial crisis, and also due to data availability. The research results allow to conclude that the recognition of impairment losses in the international airlines companies was more intense in 2008 compared to 2007 and 2009, a fact explained by the climax of the financial crisis. The conclusions are that the recognition of impairment losses actually occurred with greater intensity at times when it was necessary, suggesting that the recognition of adjustment to the recoverable value is used according to the conditions and expectations of the economic environment. This means that the economic environment influenced the accounting practice. Keywords: Global Financial Crisis. Impairment. International Airlines Companies.
1
Mestre em Contabilidade pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: jocelinodonizetti@hotmail.com. Doutor em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Mestrado em Contabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordenador do curso de graduação em Ciências Contábeis da Universidade Federal do Paraná. E-mail: lmscherer@ufpr.br.
2
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
179
Introdução Nos anos de 2008 e 2009, diversas nações sofreram os impactos da crise financeira iniciada a partir do desequilíbrio do sistema financeiro dos Estados Unidos, que ocasionou a quebra de tradicionais bancos norte-americanos e, posteriormente, a instabilidade do ambiente econômico mundial. Como resultado da crise financeira, bem como da recessão que atingiu muitos países, observou-se um cenário de desemprego crescente e crédito restringido, o que impactou consideravelmente as expectativas econômicas de várias empresas, limitando a realização de novos investimentos e comprometendo a expectativa de real recuperação quanto aos valores que já haviam sido investidos. Os impactos da crise foram significativos no setor de aviação civil. As expectativas para o setor para o ano de 2008 indicavam perdas previstas de US$ 5 bilhões para as companhias aéreas norte-americanas e uma queda nos lucros de US$ 1,8 bilhão entre 2007 e 2008 nas companhias europeias. Para as companhias aéreas latino-americanas, a expectativa era de perdas totais de US$ 300 milhões. Adicionalmente, dados da International Air Transport Association (IATA) projetavam queda na demanda de 1,9% acompanhada de um aumento de capacidade de 3,8% para 2008 (GLOBAL financial..., 2008). De acordo com Harvey e Turnbull (2009), o setor de aviação civil é um dos mais importantes da economia mundial, representando direta e indiretamente cerca de 7,5% do PIB mundial. Um ambiente recessivo e as expectativas daí advindas podem impactar diretamente a prática contábil, especialmente em relação à mensuração de ativos de longo prazo, que estão mais sujeitos a mudanças no ambiente econômico em que operam. Esses ativos têm sua mensuração normalmente baseada no custo ou no valor recuperável, dos dois o menor, sendo este último apurado a partir do teste de recuperabilidade de valor (impairment test), conforme disposto na International Accounting 180
O principal objetivo do impairment test é garantir que os ativos, principalmente os de longo prazo, não sejam mensurados por um valor maior do que aquele passível de recuperação.
Standards (IAS) 36, emitida pelo International Accounting Standards Board (IASB). No Brasil, o teste de recuperabilidade de valor foi instituído pelo pronunciamento técnico CPC 01 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). O principal objetivo do impairment test é garantir que os ativos, principalmente os de longo prazo, não sejam mensurados por um valor maior do que aquele passível de recuperação. Entre outros fatores, a apuração do valor recuperável deve levar em conta os riscos inerentes ao ambiente econômico. Assim, presume-se que em ambientes econômicos recessivos, tal como o vivenciado nos anos de 2008 e 2009, o ajuste para redução ao valor recuperável dos ativos, principalmente aqueles de longo prazo, seja significativamente maior em comparação aos períodos cujo ambiente econômico encontra-se, no mínimo, estável. Como o valor a ser testado está relacionado diretamente a dois elementos, o mercado e as expectativas de retorno em função do uso do ativo, é indispensável que as condições e expectativas do ambiente econômico sejam levadas em consideração na apuração do valor recuperável. Considerando os ambientes econômicos de 2007, 2008 e 2009, caracterizados, res pectivamente, pelos indícios de início da crise, seu ápice e sua desaceleração, surge a seguinte questão
de pesquisa: existe diferença no reconhecimento de perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos por parte das companhias aéreas internacionais entre os períodos de 2007 a 2009? O presente estudo tem por objetivo analisar se houve diferença estatisticamente significativa no reconhecimento de perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos por parte das companhias aéreas internacionais nos anos de 2007, 2008 e 2009. Mais especificamente, com base no histórico da crise, objetiva-se analisar se, em 2008, o reconhecimento de perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos foi maior do que em 2007, e se em 2009 essas mesmas perdas foram menores em comparação a 2008. Ademais, este estudo pretende destacar a importância do reconhecimento de perdas decorrentes da redução ao valor recuperável de ativos, promovendo seu maior entendimento no ambiente contábil brasileiro. Por fim, permite atestar a importância percebida pelas empresas quanto ao emprego do impairment test, uma vez que, considerando que esse procedimento reflete as expectativas de recuperabilidade do valor de investimentos em ativos, a fim de resguardar o usuário de informações enganosas, oscilações no ambiente econômico devem refletir-se em oscilações no valor dos ativos, sob pena de não atender plenamente aos objetivos da contabilidade. Resultados e constatações desta pesquisa podem inspirar estudos posteriores em outros setores da economia, bem como despertar o interesse em relação ao tema impairment, possibilitando o aumento de estudos e do conhecimento acerca desse procedimento, consideravelmente importante quando da necessidade de sua utilização.
1
A Crise Financeira Mundial
A crise financeira mundial, cujo ápice se deu entre os anos de 2008 e 2009, apresentou seus primeiros traços já no final do ano de 2007, com base na desestruturação do mercado imobiliário e do sistema financeiro dos Estados Unidos. Segundo Shomberg (2008), nos primeiros meses de 2008, além de expectativas negativas
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Apenas no segundo semestre de 2009 surgiram informações positivas em relação à recuperação do crescimento econômico de algumas nações, principalmente nos países emergentes.
por parte do Banco Mundial a respeito do cenário econômico dos Estados Unidos, prevendo o risco de uma recessão em função da restrição no mercado de crédito, os países europeus também começaram a sofrer desequilíbrios em seus mercados financeiros, com quedas acentuadas em suas bolsas de valores. Na Europa, o desemprego britânico havia subido para 5,7%, o maior em oito anos, e as previsões de crescimento da economia alemã eram praticamente zero (PARSONS, 2008). No mês de novembro, falava-se em recessão em alguns países, a exemplo do Japão, seguido de outras grandes economias da zona do euro (KIHARA, 2008). O ano de 2008 encerrou-se com a economia global significativamente deteriorada e com expectativas econômicas consideravelmente pessimistas para o ano seguinte. Apenas no segundo semestre de 2009 surgiram informações positivas em relação à recuperação do crescimento econômico de algumas nações, principalmente nos países emergentes (GUIMARÃES; LEITE, 2009). No setor de aviação civil, as previsões para 2008 eram sombrias. As expectativas iniciais eram de perdas de US$ 5,2 bilhões para o setor, particularmente em função do aumento dos custos com combustível. Também havia expectativa de queda na demanda de 1,9% para 2008, combinada com um aumento na oferta global de assentos de 3,8%. Mesmo para o mercado chinês, em 2008, a previsão era de uma
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
181
queda na demanda de 0,5% comparativamente a 2007 (GLOBAL Financial..., 2008). Entretanto, os dados de 2008 foram piores do que as expectativas iniciais. O prejuízo somado das 150 maiores companhias aéreas do mundo em 2008 foi de US$ 15 bilhões, contra um lucro de US$ 29 bilhões em 2007 (HARVEY; TURNBULL, 2009). Em relatório de setembro de 2009, a IATA projetou as perdas totais das companhias aéreas para o ano de 2009 em US$ 11 bilhões, com uma redução de US$ 80 bilhões nas receitas em relação a 2008, o que equivaleria a uma queda de 15% (IATA, 2009). A partir de 2010, entretanto, fatores como o aumento no número de passageiros nos países emergentes, a diminuição da oferta global de assentos e o aumento do preço das passagens fizeram com que houvesse uma recuperação no setor, especialmente nas companhias aéreas asiáticas e da América Latina. Em março de 2010, a IATA reviu suas previsões quanto ao desempenho do setor aéreo para o ano de 2009, diminuindo as estimativas de perdas de US$ 11 bilhões para US$ 9,4 bilhões. Também as projeções de perdas para o ano de 2010 foram revistas, passando de US$ 5,6 bilhões para US$ 2,8 bilhões. Apesar desse cenário de recuperação no início de 2010, a IATA acredita
A partir de 2010, fatores como o aumento no número de passageiros nos países emergentes, a diminuição da oferta global de assentos e o aumento do preço das passagens fizeram com que houvesse uma recuperação no setor. 182
que o setor necessitará de dois a três anos para se recuperar totalmente dos efeitos da crise (PLIMMER, 2010). Além de prejuízos, a crise trouxe o fechamento de empresas e o corte de vagas de trabalho. Nos Estados Unidos, apenas em 2008, 13 companhias aéreas foram à falência. Entre maio de 2008 e maio de 2009, foram cortados 22.500 postos de trabalho nas seis maiores companhias aéreas dos Estados Unidos. Também na Europa várias companhias aéreas cessaram suas atividades, como a britânica XL Airways e a russa Dalavia. As companhias aéreas Aer Lingus, da Irlanda, a franco-holandesa AirFrance-KLM e a Scandinavian Air Services (SAS) anunciaram cortes de 1,5 mil, 3 mil e 9 mil postos de trabalho, respectivamente. Já a australiana Qantas demitiu 1.750 colaboradores (HARVEY; TURNBULL, 2009).
2
O Teste de Recuperabidade de Valor — Impairment Test
A Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 36 trata dos ajustes de valor de ativos, para que não fiquem registrados por valor superior àquele passível de recuperação pelo seu uso nas operações ou pelo valor por que poderiam ser vendidos. No Brasil, o pronunciamento técnico que trata desse tema é o CPC 01 — redução ao valor recuperável de ativos. Santos, Schmidt e Fernandes (2006, p. 207) afirmam que “[...] o teste de Impairment consiste na comparação entre o valor contábil do ativo e o seu valor recuperável”. Embora a IAS 36 e o CPC 01 tratem de todos os ativos de longo prazo, com critérios específicos de definição quanto à sua aplicabilidade, a literatura tem destacado principalmente a aplicação desse teste em relação ao goodwill, em função da obrigatoriedade de realização anual do teste para esse intangível específico. O pronunciamento técnico CPC 01 determina que o valor recuperável dos ativos de longo prazo pode ser obtido a partir de seus respectivos valores
de venda, líquido dos custos inerentes a esse processo, ou a partir do valor em uso, dos dois, o maior. Se o valor recuperável de um ativo for inferior ao seu valor contábil, a entidade deverá contabilizar o ajuste decorrente da redução ao valor recuperável. Os critérios para aplicação do teste, bem como os critérios de apuração do valor em uso e valor líquido de venda, são apresentados nas próximas seções.
2.1 Critérios de Mensuração do Valor Recuperável
O pronunciamento técnico CPC 01 aborda os critérios de mensuração do valor recuperável de ativos entre os itens 17 e 22. O pronunciamento determina que “[...] as entidades devem avaliar pelo menos ao final de cada exercício social se existe alguma indicação de que um ativo tenha perdido valor.” (IUDÍCIBUS et al., 2010, p. 235). Essa observação deve ser realizada levando em consideração, além dos fatores internos à empresa, fatores externos, tais como variações do valor de mercado dos ativos; mudanças relativas ao ambiente tecnológico, de mercado, econômico ou legal em que a entidade ou o ativo operam; taxas de juros praticadas no mercado e variações dessas taxas (MAGALHÃES; Santos; COSTA, 2010, p. 349).Utilizando tais critérios, se houver indicação de que o ativo possa ter apresentado perda quanto ao valor registrado, o teste de impairment deve ser empregado; se confirmada a perda de valor, o valor contábil do ativo deverá ser ajustado ao valor efetivamente recuperável (IUDÍCIBUS et al., 2010). Além dessa determinação geral, existem três situações em que o teste deve ser realizado, no mínimo, anualmente, independentemente de existência de expectativa de perda de valor: ativos intangíveis de vida útil indefinida; ativos intangíveis ainda não disponíveis para uso; ágio gerado por uma combinação de negócios, cujo fundamento econômico seja a expectativa de rentabilidade futura (goodwill) (MAGALHÃES; SANTOS; COSTA, 2010).
Rev.
FA E ,
C uritiba,
2.2 Valor Líquido de Venda e Valor em Uso do Ativo
Os valores que devem ser apurados para a realização do teste de impairment são o valor líquido de venda e o valor em uso do ativo. O primeiro diz respeito à diferença entre o valor pelo qual o ativo poderia ser vendido menos as despesas necessárias para tal venda, enquanto o segundo diz respeito ao valor presente dos fluxos de caixa esperados decorrente de seu emprego ou uso nas operações (IUDÍCIBUS et al., 2010). De acordo com Magalhães, Santos e Costa (2010, p. 350): “A melhor evidência de um valor líquido de venda é um contrato de venda firmado entre partes independentes, menos os custos diretos atribuídos à venda”. Não havendo contrato de venda firme entre as partes, porém sendo o ativo negociado em mercado ativo, o CPC 01 define o preço de mercado do ativo menos as despesas que ocorrem com a venda como a melhor alternativa. O cálculo do valor em uso do ativo envolve a estimação do valor presente dos fluxos de caixa futuros por ele gerados até o fim de sua vida útil. Nesse caso, a taxa de desconto a ser utilizada deve refletir, além do valor do dinheiro no tempo, as incertezas do ambiente macroeconômico em que a entidade opera.
A melhor evidência de um valor líquido de venda é um contrato de venda firmado entre partes independentes, menos os custos diretos atribuídos à venda.
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
183
3 Metodologia Este estudo tem como objetivo analisar se houve diferenças no reconhecimento de per das decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos por parte das companhias aéreas internacionais de 2007, a 2009. Mais especificamente, pretende-se testar a possível existência de dife rença estatisticamente significativa entre 2007 e 2008, período intermediário entre o início e a consolidação da crise, e nos anos de 2008 e 2009, períodos intermediários entre o ponto principal da crise e sua desaceleração. Para atender a esse objetivo, foi desenvolvida pesquisa descritiva com abordagem quantitativa do problema, empregando técnicas de estatística descritiva, a fim de apresentar os aspectos e as características dos elementos envolvidos na pesquisa, bem como de estatística inferencial, para atestar se a diferença entre os períodos é estatisticamente significativa. A redução ao valor recuperável de um ativo origina-se da diferença entre o seu valor recuperável e seu o valor contábil, quando este é maior. Sendo o valor recuperável diretamente relacionado às expectativas inerentes ao ambiente econômico em que a entidade opera, ele tende a ser menor em períodos recessivos, apresentando muitas vezes valor inferior ao valor contábil, exigindo da empresa o ajuste do valor do ativo, cuja contrapartida é uma despesa reconhecida no período do ajuste. Assim, as hipóteses deste estudo são as seguintes: 1º Teste: H0 As perdas decorrentes de redução ao valor recuperável dos ativos no ano de 2008 foram iguais em comparação com as de 2007 H1 As perdas decorrentes de redução ao valor recuperável dos ativos no ano de 2008 foram significativamente maiores em comparação com as de 2007.
184
2º Teste: H0 As perdas decorrentes de redução ao valor recuperável dos ativos no ano de 2009 foram iguais em comparação com as de 2008; H1 As perdas decorrentes de redução ao valor recuperável dos ativos no ano de 2009 foram significativamente maiores em comparação com as de 2008.
3.1 Variável em Análise
A variável a ser analisada consiste no quociente entre a despesa com perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos de um período t em relação à receita operacional desse mesmo período t:
QI jt =
I jt RO jt
(1)
Em que: Qljt representa o quociente entre a despesa com perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos de uma empresa j no período t em relação à receita operacional dessa empresa j no período t; ljt
representa a perda decorrente de redução ao valor recuperável de ativos de uma empresa j no período t;
ROjt representa a receita operacional de uma empresa j no período t.
3.2 Critérios de Amostragem A amostra de empresas deste estudo foi obtida por meio de procedimento de amostragem por conveniência, portanto, amostragem não probabilística. Como a formação da amostra estava condicionada à acessibilidade dos dados,
optou-se pelo setor de aviação civil, que, dadas as suas características, apresentou impactos significativos por conta da crise financeira mundial. Assim, foram selecionadas para compor a amostra de estudo companhias aéreas internacionais que operam o transporte de passageiros e/ou cargas, sendo observados três critérios. O primeiro critério consistiu em selecionar as companhias aéreas que fazem parte das três alianças aéreas internacionais, a saber: Star Alliance, Sky Team e Oneworld. O segundo critério foi a seleção das maiores companhias aéreas por continente, desde que não selecionadas no primeiro critério. O terceiro critério consistiu na seleção das maiores companhias aéreas que operam exclusivamente no transporte de cargas.
3.3 Estatística-Teste
Para selecionar o teste estatístico que melhor reflita a possível existência de diferença significativa entre os períodos, foi necessário realizar testes que revelam a existência ou não dos pressupostos que permitem a aplicação de testes paramétricos. Os testes utilizados foram o Kolmogorov-Smirnov (K-S), a fim de atestar a normalidade de distribuição dos dados da amostra, e a Estatística de Levene, a fim de atestar a homogeneidade de variância. Os resultados do primeiro teste podem ser observados na Tab. 1: TABELA 1 — Teste de normalidade de distribuição dos dados Kolmogorov-Smirnov
Ano
Estatística
Graus de Liberdade
Significância
2007
0,372
66,000
0,000
2008
0,358
66,000
0,000
2009
0,351
66,000
0,000
FONTE: Os autores (2011)
Os resultados do teste indicam que a significância obtida no teste K-S foi consideravelmente menor que a significância aceitável, para que não fosse rejeitada a hipótese de normalidade, ou seja, o valor indica um desvio de normalidade. Para atestar se esse foi o único pressuposto violado com relação aos dados da amostra, foi realizado o teste de homogeneidade das variâncias, apresentado na Tab. 2: TABELA 2 — Teste de homogeneidade das variâncias Critério Com base na média
Levene Estatística 11,763
Graus de Liberdade 1
Graus de Liberdade 2
2,000
195,000
Significância 0,000
Com base na mediana
4,099
2,000
195,000
0,018
Com base na mediana com
4,099
2,000
88,434
0,020
6,597
2,000
195,000
0,002
Grau de liberdade ajustado Com base na média ajustada FONTE: Os autores (2011)
Os resultados apontam que a variância entre os períodos é significativamente distinta, o que, por fim, determina a possibilidade de imprecisão nos resultados caso seja aplicado algum teste paramétrico. Dessa forma, pela impossibilidade quanto à aplicação de um teste paramétrico, a estatística considerada adequada para atestar a possível diferença significativa entre os períodos analisados foi o Teste não Paramétrico
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
185
de Wilcoxon, em função de ser “[...] utilizado em situações em que existem dois conjuntos de escores a serem comparados, [...] provenientes dos mesmos participantes” (FIELD, 2009, p. 484).
4 Resultados da Pesquisa
As estatísticas descritivas em relação à variável QIjt, ou seja, o quociente entre a despesa com perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos de um período t em relação à receita operacional desse mesmo período t, podem ser visualizadas na Tab. 5: TABELA 5 — Estatísticas descritivas da variável QIjt Descrição/ Ano Média
4.1 Perfil da Amostra
Variância Desvio
A amostra para a realização do estudo foi inicialmente formada por 97 companhias aéreas internacionais, reduzidas a 66 em função da acessibilidade aos dados, com distribuição geográfica apresentada na Tab. 3: TABELA 3 — Distribuição da amostra por continente Continente
Quantidade
Percentual
Ásia
22
33%
Europa
20
30%
América do Norte
14
21%
África
4
6%
América do Sul
3
5%
Oceania Total
3
5%
66
100%
FONTE: Os autores (2011)
Além da distribuição entre os continentes, outra característica importante a ser destacada consiste na distribuição das companhias aéreas em relação aos critérios de seleção dos elementos da amostra, conforme apresentados na Tab. 4:
Padrão
2007
2008
2009
0,0027780
0,0169256
0,0068718
0,000725
0,0021758
0,0003224
0,0085124
0,0466457
0,0179565
FONTE: Os autores (2011)
Considerando esses dados, é possível observar que, entre os três anos, aquele que apresentou maior média da variável QIjt foi 2008, enquanto o ano de 2007 apresentou a menor média, confirmando que 2008 foi, de fato, o ano de pior desempenho durante a crise financeira mundial. Entretanto, resta saber se a existência de uma média superior no ano de 2008, indicando um crescimento na prática de reconhecimento de perdas por impairment, é de fato estatisticamente significativa ou se possivelmente surgiu em função de oscilações normais entre os períodos ou advindas do processo de amostragem. Outro aspecto apresentado na Tab. 5 é a existência de um desvio padrão consideravelmente superior à média, fato indicativo de que a amostra não segue uma distribuição normal, conforme comprovado anteriormente pela realização dos testes estatísticos de Kolmogorov-Smirnov e Levene.
TABELA 4 — Distribuição da amostra em função dos critérios de seleção Critério Maiores compahias aéreas Alianças
Percentual
25
38%
Star Alliance
18
27%
Oneworld
11
17%
Sky Team
9
14%
3
5%
66
5%
Cargas exclusivamente Total FONTE: Os autores (2011)
186
4.2 Análise dos Dados
Quantidade
Para a realização do teste de Wilcoxon, com a finalidade de verificação do primeiro teste de hipóteses, inicialmente foram extraídas as diferenças quanto às observações da variável QIjt entre os anos de 2008 e 2007, sendo tais diferenças organizadas em ordem crescente, independentemente do sinal, e numeradas em
função de seu posicionamento entre os dados ordenados (1º, 2º, 3º...). A seguir, foi efetuado o somatório dos números atribuídos ao posicionamento das diferenças, de forma segregada entre as diferenças positivas ou negativas. Esses resultados, bem como a aplicação das demais etapas do teste de Wilcoxon, podem ser observados na Tab. 6: TABELA 6 — Resultado do teste: 2007-2008 Somatório
Pontos Positivos
Pontos Negativos
781
165
Tmínimo
165,000
µT σT
473,000 82,826 -3,72
Zcalculado FONTE: Os autores (2011)
Considerando que a diferença entre os postos é obtida entre o período mais recente e o período anterior (QI2008 — QI2007), um somatório maior observado na coluna de Postos Positivos indica maior intensidade do quociente entre a despesa com perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos em relação à receita operacional no período mais recente, ou seja, 2008. Com base na aplicação da fórmula para a obtenção de Zcalculado, chegou-se ao valor de 3,72. Considerando que Ztabelado é 1,96, rejeita-se, em relação ao primeiro teste, H0, ou seja, as perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos em 2008 não foram estatisticamente iguais às de 2007, o que leva à aceitação de H1. Em relação ao segundo teste de hipóteses, seguindo os mesmos passos para aplicação do teste de Wilcoxon entre os anos de 2009 e 2008, chegou-se aos seguintes resultados: TABELA 7 — Resultado do teste: 2008-2009 Somatório
Pontos Positivos
Pontos Negativos
464
699
Tmínimo
464,000
µT σT
588,000 97,499 -1,27
Zcalculado FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Nesse caso, os Postos Positivos apre sentaram somatório inferior aos Postos Negativos, apontando que no período anterior (2008) o quociente entre a despesa com perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos em relação à receita operacional foi superior ao período mais recente (2009). Contudo, considerando que Zcalculado de 1,27 é inferior a Ztabelado de 1,96, não se pode afirmar a existência de diferença estatisticamente significativa entre os períodos de 2008 e 2009, não se rejeitando, dessa forma, H0. Esses resultados indicam que, em relação às companhias aéreas internacionais, nos períodos analisados neste estudo, o reconhecimento de perdas decorrentes de redução ao valor recuperável de ativos seguiu as expectativas do ambiente econômico vivenciado nos respectivos momentos, sugerindo que, em períodos recessivos, as empresas realmente tendem a reconhecer maiores perdas relacionadas ao valor recuperável de seus ativos. Em suma, o ambiente econômico vivenciado nos respectivos períodos influenciou a prática contábil.
Conclusões e Recomendações A redução ao valor recuperável de ativos, também conhecida como impairment, é uma ferramenta contábil que busca resguardar o usuário da informação de valores de ativos registrados a maior do que o verdadeiro potencial de benefícios futuros a ele associados. Em suma, trata-se do ajuste do valor contábil de um ativo ao seu valor recuperável. Sendo, pois, uma ferramenta que busca proteger o usuário de informações incoerentes, é de suma importância que nos momentos em que a expectativa do ambiente econômico seja negativa, os ativos afetados significativamente sejam ajustados, a fim de atestar a preocupação e a responsabilidade com a evidenciação (disclosure) para com seus stakeholders.
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
187
Com base nos resultados obtidos a partir da análise da diferença entre os períodos de 2007, 2008 e 2009, relativa à razão entre a perda com impairment e a receita operacional, é possível observar que em 2008 foram reconhecidas perdas em maior escala, comparativamente a 2007 e 2009. Observando-se o histórico da crise financeira mundial, em 2007, embora houvesse acentuado desequilíbrio no ambiente financeiro norte-americano, a crise financeira ainda não havia se instalado em termos globais, o que pode explicar a diferença significativamente das perdas com impairment em relação ao ano de 2008. Por sua vez, o fato de, principalmente nos últimos meses de 2009, a economia mundial apresentar relativa melhora e reestruturação, porém ainda limitada, provavelmente explica o menor nível de impairment em relação ao ano de 2008, que, no entanto, não foi estatisticamente significativo. Sempre existe o receio de que, embora disponíveis, as ferramentas que garantem o atendimento dos principais objetivos da contabilidade não sejam utilizadas na prática, a exemplo do impairment, permanecendo apenas na teoria e não contribuindo para a reflexão da essência econômica dos fatos contábeis. A presente pesquisa, porém, traz indícios de que o reconhecimento de perdas por impairment efetivamente ocorreu com maior intensidade nos momentos em que se fez necessário, sugerindo que o reconhecimento do ajuste a valor recuperável é utilizado conforme as condições e expectativas do ambiente econômico em que a empresa está inserida. Por fim, cabe destacar que os resultados obtidos podem ser atribuídos aos elementos do segmento específico utilizado na pesquisa, selecionado em função das condições mencionadas. Dessa forma, é interessante o desenvolvimento desta pesquisa em outros setores da economia que também tenham sido afetados de forma significativa pela crise financeira mundial, a fim de atestar se nestes também estão sendo devidamente praticados conceitos que visam garantir a transparência e a relevância das informações contábeis para seus usuários.
188
•
Recebido em: 17/08/2011
•
Aprovado em: 27/03/2012
Referências COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (CPC). Pronunciamento técnico CPC 01: Redução ao valor recuperável de ativos. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/pdf/CPC01R1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013. ERNST & YOUNG; FIPECAFI. Manual de normas internacionais de contabilidade: IFRS versus normas brasileiras. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. FIELD, Andy. Descobrindo a estatística usando SPSS. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. GLOBAL financial crisis hits the airlines hard. Tourism Review, 14 out. 2008. Disponível em: <http://www.tourism-review.com/global-financial-crisis-hits-the-airlines-hard-news1154> Acesso em: 10 nov. 2010. GUIMARÃES, Lidia; LEITE, Paula. ‘Herança’ da crise será sentida até 2010, dizem economistas. G1, 12 set. 2009. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/ 0,MUL1301552-9356,00-HERANCA+DA+CRISE+SERA+SENTIDA+ATE+DIZEM+ECONOMISTAS.html>. Acesso em: 6 jun. 2010. HARVEY, Geraint; TURNBULL, Peter. The impact of the financial crisis on labour in the civil aviation industry. Genève: International Labor Organization, 2009. (Working Paper).Disponível em: <http://www.ifatca.org/docs/ito_141109.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2010. INTERNATIONAL AIR TRANSPORT ASSOCIATION (IATA). Deeper losses forecast – falling yields, rising fuel costs. Disponível em: <http://www.iata.org/pressroom/pr/Pages/2009-09-15-01.aspx>. Acesso em: 10 jan. 2013. INTERNATIONAL ACCOUNTING STANDARDS BOARD (IASB). International Accounting Standards 36: impairment of assets. Disponível em: <http://ec.europa.eu/internal_market/accounting/docs/consolidated/ ias36_en.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2013. IUDÍCIBUS, Sérgio de et al. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010. KIHARA, Leika. Crise leva Japão à primeira recessão em sete anos, G1, 17 nov. 2008. Disponível em: <http://www.abril.com.br/noticias/economia/crise-leva-japao-1a-recessao-sete-anos-3o-trimestre-185611. shtml>. Acesso em: 6 jun. 2010. MAGALHÃES, Fernando Alberto Schwartz de; SANTOS, Roberto Cesar; COSTA, Fabio Moraes da. IAS 36 – Redução ao valor recuperável de ativos. In: ERNST & YOUNG; FIPECAFI. Manual de normas internacionais de contabilidade: IFRS versus normas brasileiras. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 301-310. PARSONS, Claudia. Mercados despencam com temor de recessão. O Globo, 15 out. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/geral,mercados-despencam-com-temor-de-recessao,260539,0.htm>. Acesso em: 10 jan. 2013. PLIMMER, Gill. Airlines recovering more quickly, says Iata. Financial Times, 12 mar. 2010. Disponível em: <http://www.ft.com/cms/s/0/b2b3ccca-2d62-11df-a262-00144feabdc0.html#axzz1Gxa8muXy> Acesso em: 10 nov. 2010. SANTOS, José Luiz dos; SCHMIDT, Paulo; FERNANDES, Luciane Alves. Contabilidade internacional: equiva lência patrimonial. São Paulo: Atlas, 2006. SCHULTZE, Wolfgang; WEILER, Andreas. Goodwill accounting and performance measurement. Managerial Finance, Bradford, England, v. 36, n. 9, p. 768-784, 2010. Disponível em: <http://www.emeraldinsight.com/ journals.htm?issn=0307-4358&volume=36&issue=9&articleid=1876307&show=html> Acesso em: 15 set. 2010. SHOMBERG, William. Banco Mundial vê risco de recessão nos EUA. Estado de São Paulo, São Paulo, 16 mar. 2008. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/economia,entrevista-banco-mundial-ve-risco-derecessao-nos-eua,141184,0.htm>. Acesso em: 17 maio 2010.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 178 - 189, jan./jun. 2013
189
Lealdade e retenção no ensino superior: percepções teóricas sobre construtos Loyalty and retention in higher education: theoretical perceptions on constructs
Lealdade e retenção no ensino superior: percepções teóricas sobre construtos Loyalty and retention in higher education: theoretical perceptions on constructs
Gérson Tontini1 Silvana Anita Walter2
Resumo Retenção e lealdade de estudantes são fundamentais para a sobrevivência das Instituições de ensino superior (IES) não públicas. Assim, este estudo objetivou verificar, por meio da análise de suas variáveis operacionais, a validade de conteúdo desses construtos, bem como propor definições operacionais para eles. Para tal, realizou-se uma pesquisa bibliográfica com 19 pesquisas nacionais e internacionais. Os resultados apontam que a retenção é mensurada pelas intenções de permanência e por índices reais em um período de tempo e que a lealdade é mensurada por meio de variáveis, como recomendação, escolha da IES para outros serviços, recompra e retenção. Conclui-se que há uma ausência de definições claras para esses construtos na literatura. Propõem-se, portanto, definições operacionais para os conceitos retenção e lealdade e sugerem-se questões para sua mensuração em estudos futuros. Palavras-chave: Lealdade. Retenção. Instituições de Ensino Superior.
Abstract Retention and loyalty of students are crucial to the non-public Higher Education Institutions survival (HEI). Thus, this study aims to verify through its operational variables analysis these constructs content validity, as well as to propose operational definitions for them. For that, a bibliographic research with 19 national and international researches was performed. The results point out that the retention is measured by the students´ intentions to remain in a HEI and real rates over a period of time and that loyalty is measured by variables such as recommendation, HEI choice for other services, re-purchase and retention. It is concluded that there is a lack of clear definitions for these constructs in the literature. Therefore, operational definitions are proposed for both concept of retention and concept of loyalty and ways to measure them in future studies. Keywords: Loyalty. Retention. Higher Education Institutions.
Pós-doutor em Administração. Professor visitante na California State University. Professor Titular da Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: gersontontini@yahoo.com.br. 2 Doutora em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Regional de Blumenau (FURB). E-mail: silvanaanita.walter@gmail.com. 1
Rev.
FAE,
Cu r it iba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
191
Introdução Retenção e lealdade de estudantes no ensino superior, por serem determinantes fundamentais de sobrevivência, têm ganhado cada vez mais a atenção das instituições de ensino superior (IES) não públicas. Não obstante o exposto, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, no período de 1994 a 2004, apenas 59,97% dos alunos matriculados em IES brasileiras se formaram (INEP, 2004), revelando que 40,03% de todos os alunos que ingressaram em IES deixaram o ensino superior antes de colar grau. Os percentuais apresentados permitem afirmar que, com os alunos que deixaram o ensino superior antes de colar grau, as instituições não conseguiram estabelecer uma relação duradoura, deixando, consequentemente, de serem ampla mente beneficiadas com essa retenção e lealdade. Entre os benefícios dessa relação, podem-se citar a permanência na instituição (LIU; LIU, 2000; LEPPEL, 2005; LOHFINK; PAULSEN, 2005; KREIE; HEADRICK; STEINER, 2007; LEPPEL, 2001), a colaboração (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001), o comprometimento (RODIE; KLEINE, 2000) e o retorno à instituição para atualização de conhecimentos (MARZO-NAVARRO; PEDRAJA-IGLESIAS; RIVERA-TORRES, 2005). Não obstante a relevância apontada sobre a retenção e a lealdade de estudantes no ensino superior, não há um consenso quanto à definição de ambas e às variáveis que podem ser empregadas em sua mensuração (NGUYEN; LEBLANC, 2001). Dessa forma, observa-se uma lacuna teórica nas pesquisas da área no tocante à definição operacional dos construtos de lealdade e retenção. Nesse sentido, Freire (2005) destaca que, apesar de muitos trabalhos utilizarem os termos lealdade e retenção como sinônimos, existe uma distinção conceitual entre eles. Por essa razão, esses termos no ensino superior necessitam ser definidos e diferenciados sistematicamente, visto que a ausência dessa definição e distinção pode dificultar a realização de pesquisas, a elaboração adequada de instrumentos para mensuração da retenção e 192
da lealdade de estudantes no ensino superior, bem como gerar resultados divergentes entre estudos sobre esses construtos. Isso representa um possível obstáculo para o desenvolvimento do tema e para a definição dos antecedentes e de estratégias que as instituições podem utilizar para obter um índice maior de lealdade e de retenção entre seus alunos. Diante do contexto exposto, o estudo apresentado procurou responder à seguinte pergunta: quais as definições operacionais dos construtos lealdade e retenção de alunos em IES? Assim, o objetivo é verificar, por meio da análise de suas variáveis operacionais, a validade de conteúdo desses construtos, bem como propor definições específicas para a sua mensuração. Para tal, realizou-se uma revisão teórica sobre como ocorre a mensuração desses dois conceitos em pesquisas da área de ensino aplicadas a IES. Assim, este trabalho poderá contribuir com a área por apresentar um estudo teórico que forneça subsídios a futuras pesquisas, visto que se observa uma carência de estudos desse tipo no Brasil. Cabe ressaltar que se empregaram os termos retenção e persistência como sinônimos, em virtude de ambos os construtos serem utilizados com essa terminologia na literatura revisada para mensurar o mesmo conceito (DOWN; COURY, 2006; EVANS, 2007; JOHN, 2000; LEPPEL, 2001, 2005; LIU; LIU, 2000; LOHFINK; PAULSEN, 2005; MAYO; HELMS; CODJOE, 2004; TITUS, 2004). Quanto à organização, este estudo, sem ter a pretensão de esgotar o assunto, se apresenta da seguinte forma: na segunda seção, faz-se uma síntese dos principais resultados encontrados na literatura sobre a retenção e a lealdade de estudantes em IES; na terceira, descrevese a metodologia utilizada para obtenção dos resultados; na quarta seção, realizam-se as análises sobre os modos de mensuração da retenção e da lealdade; e, na quinta seção, tecem-se as considerações finais, bem como se apresentam uma proposição de definição constitutiva e as sugestões para futuras pesquisas.
1
Revisão de Literatura
Um construto é um conceito geral que não pode ser observado ou mensurado diretamente, sendo sua definição descrita a partir de um embasamento teórico (ASENDORPF, 2004). Assim, nesta seção, apresenta-se a literatura revisada sobre a retenção e a lealdade de estudantes em IES para elaboração de uma definição operacional para os dois construtos.
1.1 Retenção
A literatura revisada indica que a retenção é influenciada positivamente pela integração acadêmica (LIU; LIU, 2000), pelo contexto institucional (características semelhantes entre os estudantes, estrutura institucional e clima) (TITUS, 2004), pelo desejo de fazer uma pós-graduação (TITUS, 2004), pela satisfação geral com a instituição (LIU; LIU, 2000), pela aprendizagem em equipe (KREIE; HEADRICK; STEINER, 2007), pela escolha ou tamanho da IES — em virtude, possivelmente, do valor da mensalidade e do convívio com os demais alunos (TITUS, 2004) —, ao menos para estudantes de primeira geração,
A retenção é influenciada positivamente pela integração acadêmica, pelo contexto institucional, pela satisfação geral com a instituição, pela aprendizagem em equipe, pela escolha ou tamanho da IES e pelo envolvimento e compromisso institucional.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
aqueles cujos pais não possuem ensino superior (LOHFINK; PAULSEN, 2005), e pelo envolvimento e compromisso institucional (intenção de se formar na instituição) (TITUS, 2004). Além dos antecedentes de impacto mencionados, desempenho acadêmico também é apontado como um influenciador positivo da retenção de estudantes em IES (DOWD; COURY, 2006; LIU; LIU, 2000; TITUS, 2004). No entanto, contrariando esse resultado, Leppel (2001) encontrou índices de persistência mais baixos em cursos nos quais os estudantes tiveram melhor desempenho, denotando que o motivo da desistência poderia ser outro. Ainda a respeito da influência positiva sobre a retenção, apesar de Liu e Liu (2000) indicarem que a integração social não impacta a retenção dos estudantes em IES, Lohfink e Paulsen (2005) afirmam que a participação frequente em clubes escolares é significante positivamente para a persistência dos estudantes de segunda geração, ou seja, estudantes cujo pai e/ou a mãe possui ensino superior. Quanto aos antecedentes que afetam negativamente a retenção dos estudantes, en contra-se a indecisão do aluno em relação à escolha do curso, às suas habilidades ou à sua vocação (DOWD; COURY, 2006; LEPPEL, 2001), o que, para Leppel (2001), é consequência de um menor compromisso desses estudantes com sua educação. A importância da afinidade com o curso supera, inclusive, o desejo do sucesso financeiro, visto que, segundo Leppel (2005), estudantes que consideram muito importante ser financeiramente bem-sucedidos apresentam menores índices de persistência, porque, ao escolher um curso motivados pela possibilidade de obtenção de sucesso financeiro, acabam por considerar o curso não apropriado em virtude de outros fatores, como afinidade ou motivação. Outro fator apontado como influenciador negativo da retenção dos estudantes em IES são os assuntos familiares (DOWD; COURY, 2006; MAYO; HELMS; CODJOE, 2004). Também como influência
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
193
negativa sobre a retenção de estudantes em IES, estudos apontam assuntos financeiros (DOWD; COURY, 2006; MAYO; HELMS; CODJOE, 2004), tanto que estudantes dependentes financeiramente têm maior probabilidade de obtenção de grau (DOWD; COURY, 2006). Esse resultado igualmente pode estar relacionado ao apontado por Mayo, Helms e Codjoe (2004), isto é, de que responsabilidades, que, no caso, poderiam ser financeiras, afetam negativamente a retenção dos estudantes. Tratando-se, ainda, de aspectos financeiros, estudos indicam que os auxílios financeiros exercem influência positiva sobre a retenção dos estudantes (EVANS, 2007; JOHN, 2000; TITUS, 2004) — ao menos para os de primeira geração (LOHFINK; PAULSEN, 2005) —, diferentemente dos empréstimos, que apresentam influência negativa sobre a retenção (DOWD; COURY, 2006; NORA; BARLOW; CRISP, 2006), principalmente em estudantes com rendas mais baixas (DOWD; COURY, 2006). Essa distinção entre a influência dos auxílios financeiros e a dos empréstimos sobre a retenção dos estudantes deve-se ao fato de que os empréstimos necessitam ser reembolsados após a formatura, situação que causa insegurança nos estudantes diante da incerteza da obtenção do grau (DOWD; COURY, 2006), visto que menos de 40% dos alunos conseguem obtê-lo no tempo normal do curso (DOWD; COURY, 2006; NORA; BARLOW; CRISP, 2006) e que os salários futuros podem não garantir essa devolução (DOWD; COURY, 2006; NORA; BARLOW; CRISP, 2006). Nesse sentido, Nora, Barlow e Crisp (2006) ressaltam que as mulheres e os estudantes de primeira geração são os que confiam mais na possibilidade de obtenção de recursos financeiros para devolver seus empréstimos após a formatura. Outro aspecto influenciador da retenção de estudantes em IES evidenciado em alguns estudos se refere ao gênero, à idade e à etnia. Nessa direção, enquanto Liu e Liu (2000) apontam que gênero, idade e etnia não impactam a retenção, Dowd e Coury (2006) indicam que mulheres persistem mais do que homens do primeiro para o segundo ano e que estudantes mais velhos têm maior
194
probabilidade de obtenção de grau. Além disso, Leppel (2001) destaca que homens e mulheres apresentam diferenças em relação ao tipo de curso no qual mais persistem e que mudança em atitude pessoal impacta a probabilidade de a mulher deixar a faculdade ou de persistir, fato que não ocorre com os homens. Também nesse sentido, Lohfink e Paulsen (2005) ressaltam que estudantes de primeira geração possuem menor persistência se forem hispânicos ou do sexo feminino, bem como se possuírem renda mais baixa. Lohfink e Paulsen (2005) igualmente des tacam a existência de diferenças entre estudantes de primeira e de segunda geração no que se refere à persistência, aos comportamentos e às experiências, sendo que os estudantes de segunda geração persistiram mais. Os mesmos autores também apontam que estudantes de primeira geração se conectam mais aos ingredientes e aspectos ambientais locais, diferentemente dos estudantes de segunda geração, que apresentam uma visão mais cosmopolita da faculdade. Os autores realizaram essa observação com base nos motivos indicados pelos estudantes para a escolha da IES: reputação da instituição e possibilidade de viver em casa, razões apontadas pelos estudantes de primeira geração; reputação da instituição e nível de instrução, mencionados pelos estudantes de segunda geração.
Estudantes de primeira geração se conectam mais aos ingredientes e aspectos ambientais locais, diferentemente dos estudantes de segunda geração, que apresentam uma visão mais cosmopolita da faculdade.
A revisão de literatura apresentada nesta seção permitiu verificar que muitos estudos apresentam resultados em comum no que se refere à retenção de estudantes em IES, da mesma forma que existem várias divergências em relação aos resultados encontrados. Essas divergências podem não estar somente relacionadas às diferentes amostras estudadas, mas também à falta de consenso no que concerne à definição de retenção e à forma de mensurá-la, ou seja, que o construto retenção esteja sendo mensurado de maneira equivocada, acarretando possíveis resultados contraditórios.
por Nguyen Leblanc (2001), Anjos Neto e Moura (2004) e Walter (2006) não constataram, em seus estudos, que a confiança seja uma influenciadora da lealdade de estudantes em IES.
1.2 Lealdade
Como variáveis de impacto negativo na lealdade de estudantes em IES, a literatura apresentou o compromisso cognitivo (uso da razão) (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001) e a insatisfação (LIN; TSAI, 2006). O apontamento da insatisfação como antecedente de impacto negativo na lealdade de estudantes corrobora o resultado de Alves (2003), Gonçalves Filho, Guerra e Moura (2003), Helgensen e Nesset (2007) e de Walter (2006), que indicaram a satisfação como uma variável com impacto positivo na lealdade.
A revisão de literatura apresentou como influenciadores positivos da lealdade de estudantes em IES os benefícios da marca (ANJOS NETO; MOURA, 2004), o comprometimento do aluno com a IES (ANJOS NETO; MOURA, 2004), o compromisso dos alunos com suas próprias metas (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001), o compromisso emocional dos alunos com a instituição (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001; WALTER, 2006), a confiança dos estudantes na instituição (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001), a imagem institucional (NGUYEN; LEBLANC, 2001), a qualidade dos serviços de ensino (HENNIG-THURAU; LANGER; HANSEN, 2001; LIN; TSAI, 2006; WALTER, 2006), a reputação da instituição (HELGENSEN; NESSET, 2007; NGUYEN; LEBLANC, 2001), a retenção dos alunos com a IES (LIN; TSAI, 2006) e a satisfação do aluno com o curso ou com a instituição (ALVES, 2003; GONÇALVES FILHO; GUERRA; MOURA, 2003; HELGENSEN; NESSET, 2007; WALTER, 2006). Apesar de Nguyen e Leblanc (2001) indicarem que a imagem institucional consiste em um antecedente positivo da lealdade de estudantes em IES, verificou-se que o estudo de Walter (2006) não observou a influência da imagem sobre a lealdade dos estudantes. Contrariando outro resultado obtido
Rev.
FA E ,
C uritiba,
Outro resultado contraditório ao obtido por Nguyen Leblanc (2001) se refere à qualidade dos serviços de ensino, conforme destacado por Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001), Lin e Tsai (2006) e Walter (2006), que apontam a qualidade como um antecedente da lealdade de estudantes em IES. Cabe ressaltar, porém, que, no estudo de Anjos Neto e Moura (2004), a hipótese sobre o impacto positivo da qualidade do serviço edu cacional na lealdade dos estudantes foi rejeitada.
Cabe ressaltar que a retenção de estudantes em IES e a lealdade apresentam-se como conceitos altamente relacionados, uma vez que, como destacado, Lin e Tsai (2006) apontam a retenção como influenciadora da lealdade, além de afirmarem que, se o estudante tiver um alto nível de lealdade, é possível que se retenha na instituição, indique-a para outras pessoas e fale bem dela. Outro estudo que também avalia conjuntamente a retenção e a lealdade de estudantes em IES é o de Nguyen e Leblanc (2001). Eles apontam, como já destacado, a imagem institucional e a reputação como antecedentes da lealdade e características extrínsecas do serviço, como preço, contato com o departamento pessoal e ambiente físico, como influenciadoras da decisão de retenção do cliente. Outra constatação que se fez, por meio da revisão de literatura, foi que os estudantes sofrem influência de outros estudantes e de pessoas
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
195
quanto à sua retenção e lealdade. Nesse sentido, Lin e Tsai (2006) assinalam que os estudantes leais à instituição sofrem influência de outros estudantes para que sejam leais, bem como que a percepção dos outros a respeito da retenção é um fator que determina o fenômeno da imitação na sociedade (chamada de teoria das cascatas), fazendo com que a saída de muitos estudantes da instituição acarrete um modismo de desistência (LIN; TSAI, 2006). Foi possível constatar que, assim como verificado nos estudos sobre retenção, tanto existem consonâncias de resultados quanto divergências entre os estudos revisados sobre lealdade dos estudantes em IES. Isso mostra a importância de deixar clara a definição de lealdade, da mesma maneira que a de retenção, bem como sua forma de mensuração, na tentativa de minimizar possíveis diferenças observadas entre os resultados dos estudos, ocasionadas pela utilização desses construtos de forma equivocada. Outra constatação efetuada foi que alguns estudos avaliam tanto a lealdade quanto a retenção dos estudantes em IES, confirmando que essas definições estão fortemente atreladas.
Os estudantes leais à instituição sofrem influência de outros estudantes para que sejam leais, e a percepção dos outros a respeito da retenção é um fator que determina o fenômeno da imitação na sociedade, fazendo com que a saída de muitos estudantes da instituição acarrete um modismo de desistência. 196
2
Metodo da Pesquisa
Para alcançar o objetivo proposto, optou-se pela realização de uma pesquisa bibliográfica. Segundo Jung (2004, p. 160), o estudo biblio gráfico objetiva “conhecer as diversas formas de contribuições científicas existentes que fo ram rea lizadas sobre determinado assunto ou fenômeno”. Para a seleção dos trabalhos revisados, efe tuaram-se buscas de trabalhos publicados no período de 2000 a 2007 nas bases de dados Blackwell, Emerald, Ebsco, ProQuest e Science Direct Online e nos CD-ROMs do Encontro da Associação Nacional de Programas de Pós-Gra duação em Administração (EnANPAD). As palavras-chave utilizadas nas buscas nas bases de dados foram: student loyalty, loyalty, student retention, retention, persistence, higher education, university, college, lealdade, retenção, ensino superior, universidades, faculdades e estudantes. Na sequência, fez-se a leitura de 98 artigos que contemplavam as palavras-chave utilizadas, dos quais 19 foram selecionados, que tratavam, especificamente, de retenção e de lealdade em instituições de ensino superior. Após a leitura dos estudos revisados, realizou-se a análise para verificar se os trabalhos revisados apresentavam validade de conteúdo, a qual, segundo Hair Jr. et al. (2005), consiste na avaliação sistemática da capacidade de os itens da escala medirem o construto ou conceito. Para tanto, consultaram-se as variáveis utilizadas para medir a lealdade e a retenção nos estudos revisados e comparados entre si. Com a intenção de averiguar a frequência das ocorrências, procedeu-se, com o auxílio do software Atlas.ti 5.0, à análise de conteúdo de tais variáveis. Para Hair Jr. et al. (2005), a análise de conteúdo consiste na observação e na análise da frequência de temas e palavras presentes em textos escritos. Por sua vez, para Moraes (1999), por meio da análise de conteúdo técnica, podem-se categorizar as frases e descrever a estrutura lógica das expressões.
3
Análises da Revisão de Literatura
Nesta seção, realizam-se as análises a respeito da forma por meio da qual a retenção e a lealdade foram mensuradas nos artigos revisados.
3.1 Retenção
A revisão de literatura a respeito da retenção de estudantes em instituições de ensino superior identificou, entre os 19 estudos selecionados, 12, que utilizaram, basicamente, duas formas para mensurar a retenção. A maioria dos estudos avaliou a efetiva retenção ou não retenção de estudantes enas IES em um período de tempo por meio de dados das próprias instituições, de bancos de dados ou de pesquisas realizadas a esse respeito. A minoria das pesquisas avaliou a intenção de estudantes de permanecer ou não na instituição e os motivos que os levariam a tal por meio de consulta direta a eles, utilizando questionários de pesquisa. No Quadro 1, apresentam-se as variáveis utilizadas nos estudos para mensuração da retenção dos alunos nas instituições de ensino superior. QUADRO 1 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção Autores
Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção - Considerar a permanência como melhor decisão quanto à transferência
Lin e Tsai (2006)
- Considerar a permanência como boa opção - Considerar a continuação dos estudos na instituição como decisão inteligente - Considerar a transferência como decisão adequada
Liu e Liu (2000)
- Permanência dos alunos na instituição após o primeiro trimestre
Leppel (2005)
- Permanência do estudante na mesma instituição do primeiro para o segundo ano
Lohfink e Paulsen (2005)
- Permanência do aluno do primeiro para o segundo ano na mesma instituição
Kreie, Headrick e Steiner (2007) Leppel (2001)
- Permanência dos estudantes no curso durante os dois semestres de realização do estudo - Permanência dos calouros na faculdade no segundo ano - Estar matriculado ou ter completado um programa universitário de curta duração
Titus (2004)
depois de três anos, antes de se matricular na mesma instituição em um programa de quatro anos
Dowd e Coury (2006)
- Rematrícula do estudante no segundo ano (1990) - Obtenção do grau pela conclusão do curso até 1994
Nora, Barlow e Crisp (2006)
- Rematrícula dos estudantes para os anos seguintes
Mayo, Helms e Codjoe (2004)
- Não persistência: motivos que fariam com que o estudante deixasse a instituição
John (2000)
- Revisão de literatura sem determinação de um conceito - Apesar de se propor a avaliar um possível antecedente da retenção, não mede
Evans (2007)
a retenção de alunos por meio de instrumento de coleta de dados ou índices de permanência, por exemplo
FONTE: Os autores (2011)
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
197
Dois dos estudos destacados no Quadro 1 mensuraram a retenção por meio de consulta direta aos alunos: o de Lin e Tsai (2006), realizado mediante quatro variáveis relacionadas à intenção de permanecer, e o de Mayo, Helms e Codjoe (2004), que, por meio de uma pergunta semiestruturada, verificou os fatores que, na opinião dos estudantes, fariam com que eles deixassem a instituição. Nota-se que os demais estudos verificaram a efetiva permanência de estudantes na instituição ou no curso em um período de tempo. No GrAf. 1, apresentam-se os dados do Quadro 1 com a frequência das variáveis. GRÁFICO 1 — Frequência das variáveis de mensuração da retenção
6 5
4
4
3
3
2 2
1
1
1
1
1
1
1 0
a
b
c
d
e
f
g
h
i
Legenda: a. Permanência após o primeiro trimestre na IES
f. Matrícula em anos subsequentes
b. Permanência durante dois semestres no curso
g. Obtenção do grau pela conclusão do curso.
c. Permanência do primeiro para o segundo ano
h. Intenção de transferência para outra IES (*)
d. Permanência no curso após três anos
i. Motivos de não persistência (**)
e. Intenção de permanência
(*) Questões com escala inversa (**) Questionário semiestruturado.
FONTE: Os autores (2011)
Verifica-se, no GrÁf. 1, que a variável mais utilizada para a mensuração da retenção foi a permanência do primeiro para o segundo ano, com quatro indicações, que correspondem a 26,7%, seguida de variáveis a respeito de intenções de permanência, com três indicações (20%), e do critério de obtenção de grau pela conclusão do curso, com duas indicações (13,3%). As demais seis variáveis apresentaram uma indicação, o que corresponde a 6,7% cada. Ressalta-se que todas as 198
variáveis de intenção de permanência são oriundas do estudo de Lin e Tsai (2006). Observa-se, também, a ocorrência de diferentes períodos de tempo — que vão de três meses a três anos — como critério para constatação da permanência. Outro aspecto a ser indicado é que, no estudo de Lin e Tsai (2006), a variável intenção de transferência para outra instituição é utilizada em ordem inversa para mensurar a retenção.
Em resumo, nota-se, por meio da análise das formas de mensuração da retenção, que a maioria dos estudos verifica a real permanência dos estudantes durante um período de tempo, mas que, contudo, esses períodos variam bastante, sendo o mais utilizado o de permanência do primeiro para o segundo ano.
3.2 Lealdade
Os estudos revisados sobre lealdade somam oito. A pesquisa de Nguyen e LeBlanc (2001), apesar de se propor a avaliar a retenção, foi incluída entre as análises de lealdade em virtude da constatação, por meio da análise da validade de conteúdo, de que avalia lealdade de estudantes no ensino superior. Apresentam-se, no Quadro 2, as variáveis utilizadas nos estudos para mensuração da lealdade dos alunos nas instituições de ensino superior. QUADRO 2 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção
continua Autores
Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção - Recomendação do curso - Recomendação da universidade
Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001)
- Manutenção do contato com a universidade - Reescolha do curso - Reescolha da universidade - Tornar-se membro de uma associação de bacharéis da universidade Lealdade: - Reescolha da universidade - Escolha de uma pós-graduação da universidade
Alves (2003)
- Intenção de não transferência da universidade Recomendação: - Orgulho da universidade - Recomendação da universidade - Propensão à matrícula em um novo curso da instituição - Propensão à divulgação de imagem positiva da instituição e de seus cursos
Gonçalves Filho, Guerra e Moura (2003)
- Propensão à recomendação da instituição - Propensão à matrícula em um curso de graduação ou pós-graduação da instituição - Propensão à matrícula em cursos de outra instituição - Falar positivamente da instituição - Recomendação da instituição a quem solicita opinião
Lin e Tsai (2006)
- Indicação da instituição a amigos e parentes - Intenção de permanência na instituição - Intenção de transferência da instituição - Reescolha do curso - Escolha de outro curso da instituição
Walter (2006)
- Escolha da instituição para um curso de pós-graduação - Recomendação do curso
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
199
QUADRO 2 — Variáveis e critérios para mensuração da retenção
conclusão Variáveis e critérios empregados para mensuração da retenção conclusão
Autores
- Recomendação da faculdade a amigos ou conhecidos Helgensen e Nesset (2007)
- Escolha da mesma faculdade, no caso de iniciar o curso novamente - Realização de um novo curso ou formação complementar na mesma instituição Apesar de se propor a avaliar retenção, o questionário utilizado avalia lealdade: - Considerar a faculdade como primeira opção na área de educação
Nguyen e LeBlanc (2001)
- Intenção de continuar na faculdade - Recomendação da instituição a amigos e parentes - Recomendação como a melhor instituição na área
Anjos Neto e Moura (2004)
Reaplicação do questionário de Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001)
FONTE: Os autores (2011)
O Quadro 2 permite observar que, para mensuração da lealdade de estudantes em ensino superior, os autores utilizaram diferentes variáveis. Outra verificação possível diz respeito às variáveis utilizadas para mensuração da lealdade: consiste no fato de que Alves (2003) separou os construtos lealdade e retenção. No estudo de Alves (2003), em virtude da análise da validade de conteúdo, tomar-se-á a recomendação como integrante do construto lealdade, como ocorre nos demais estudos aqui revisados. Apresentam-se, no GrÁf. 2, os dados do Quadro 2, categorizados a partir da análise de conteúdo, com a frequência das variáveis ou critérios. Ressalta-se que as variáveis do questionário de Hennig-Thurau, Langer e Hansen (2001) foram citadas duas vezes no GrÁf. 2 em virtude de sua reaplicação no estudo de Anjos Neto e Moura (2004). GRÁFICO 2 — Frequência das variáveis de mensuração da lealdade
10 9
9
8 7 6 5 4
3
3
2
2
1
1
200
3
3
3
0
4
4
a
b
c
1
1
d
2
e
f
g
h
1
i
j
k
l
2
1
m
1
n
o
p
Legenda: a. Recomendação da IES
j. Intenção de filiação a uma associação de bacharéis da IES
b. Recomendação do curso c. Recomendação a quem solicita opinião
k. Intenção de permanência na IES
d. Divulgação da imagem positiva da IES e de seus cursos e. Reescolha da IES
l. Intenção de transferência (*) m. Matrícula em cursos de outra IES (*) n. Considerar a IES como primeira opção na área de educação
f. Reescolha do curso g. Escolha de uma pós-graduação da IES
o. Orgulho da IES
FONTE: Os autores (2011)
Nota-se, por meio do GrÁf. 2, que, entre as variáveis utilizadas para mensuração da lealdade de estudantes no ensino superior, destaca-se a recomendação da instituição. Agruparam-se as variáveis utilizadas nos estudos revisados em quatro dimensões: as variáveis que se referem à recomendação e divulgação da instituição ou do curso somam 14 indicações, correspondendo a 34,1%; as variáveis sobre a escolha da instituição para obtenção de outro serviço de ensino ficam na segunda colocação, com 10 indicações (24,4%); em seguida, encontra-se a reescolha da instituição ou curso, com 7 indicações (17,1%); e, finalmente, têm-se as duas variáveis das intenções de permanência em escala inversa (transferência e matrícula em outra IES), com 5 indicações (12,2%). Três variáveis não foram agrupadas em dimensões, correspondendo a 5 indicações, ou seja, 12,2%. A análise dos modos de mensuração da lealdade de estudantes no ensino superior permitiu verificar que recomendação e divulgação, escolha ou intenção de escolha da instituição para obtenção de outro serviço de ensino, reescolha e retenção foram as principais variáveis utilizadas para esse fim. Observa-se, assim, que o conceito de retenção, discutido anteriormente, foi tomado como um dos indicadores da lealdade dos estu dantes no ensino superior.
Considerações Finais Por meio da revisão de 19 estudos, nacionais e internacionais, que versam sobre a retenção e a lealdade de estudantes do ensino superior, foi possível verificar a forma pela qual estão sendo mensurados esses dois conceitos. Uma das possíveis explicações para as divergências encontradas nos resultados dos estudos revisados sobre a retenção e a lealdade de estudantes é o fato de que esses dois construtos podem estar sendo mensurados de forma equivocada, acarretando tais resultados contraditórios.
Essa
constatação
aponta
a
importância da definição do conceito e sua forma de mensuração para IES e seus cursos.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
O fato de o estudo de Nguyen e LeBlanc (2001) se propor a avaliar a retenção e medir a lealdade, como foi observado, atentando-se aos critérios de validade de conteúdo, comprova a ausência e também a necessidade de definição dos conceitos retenção e lealdade e de distinção entre eles. A separação entre os construtos lealdade e recomendação, realizada por Alves (2003), indica, também, a ausência de uma definição clara sobre o conceito lealdade. A revisão dos estudos sobre a retenção permitiu constatar que ela pode ser mensurada de duas maneiras: por índices reais de persistência e por consulta aos estudantes sobre suas intenções de permanência e sobre fatores influenciadores da permanência. O número restrito de estudos, entre os aqui analisados, que medem a retenção pelo segundo modo indica uma área a ser desenvolvida
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
201
e uma oportunidade para realização de pesquisas. Consultar os alunos anteriormente à sua saída da instituição poderá possibilitar a identificação dos antecedentes da permanência e da não permanência. Outro resultado se relaciona à divergência referente ao período de permanência do estudante na instituição para mensuração da retenção: encontraram-se, nas pesquisas, desde períodos de três meses até períodos de três anos e, ainda, até a obtenção de grau. Esse fato indica a falta de um consenso a esse respeito. Sugere-se a possibilidade de se considerar a existência de retenção em períodos menores de tempo. Contudo, ressalta-se a importância de observar a retenção até a obtenção de grau para que as instituições encontrem ferramentas para manter um número considerável de alunos, inclusive no último ano do curso. Ressalta-se, igualmente, o reduzido número de estudos sobre a retenção em longo prazo durante o curso, o que se considera indicativo de outra opção para pesquisas. A análise das variáveis utilizadas para mensuração da lealdade permitiu constatar que a retenção é uma das medidas utilizadas para avaliar lealdade de estudantes no ensino superior. Esse resultado pode explicar, em parte, o motivo da confusão estabelecida entre as definições de retenção e de lealdade. Recomenda-se cuidado em relação às pesquisas, principalmente sobre a lealdade de estudantes de ensino superior, pois se verificou que alguns estudos utilizam tanto variáveis relacionadas ao curso quanto relacionadas à instituição. Esse processo pode gerar um problema de validade, caso ambas as variáveis sejam utilizadas para mensurar a lealdade de estudantes com a instituição ou com o curso, uma vez que um mesmo estudante pode se sentir propenso a recomendar somente seu curso ou somente sua instituição, por exemplo. Conclui-se, por meio deste estudo, que os conceitos retenção e lealdade são distintos. Essa diferença ocorre tanto pela forma de mensuração — a retenção pode ser medida por índices reais de persistência, enquanto a lealdade não — 202
quanto pelas variáveis utilizadas para mensuração desses conceitos, visto que a lealdade pode ser considerada um construto mais abrangente que envolve variáveis não utilizadas para mensuração da retenção. Diante das variáveis encontradas como as principais para a mensuração da lealdade, pode-se propor uma definição operacional da lealdade de estudantes no ensino superior, qual seja: a lealdade de estudantes no ensino superior abarca a retenção/permanência de alunos, bem como a recomendação e divulgação da instituição ou do curso, a escolha ou intenção de escolha da instituição para obtenção de outro serviço de ensino e a reescolha da instituição ou do curso. Se for tomada a definição operacional men cionada como representativa, observar-se-á que todos os estudos revisados avaliaram recomendação ou divulgação; que Lin e Tsai (2006) e Nguyen e LeBlanc (2001) não mensuraram escolha da instituição para obtenção de outros serviços de ensino; que Gonçalves Filho, Guerra e Moura (2003), Lin e Tsai (2006) e Nguyen e LeBlanc (2001) não utilizaram a reescolha; e que Walter (2006) e Helgensen e Nesset (2007) não mensuraram a retenção. Diante dessas observações e com base na literatura revisada sobre o tema, considera-se importante sugerir algumas questões que poderiam ser utilizadas para mensuração da lealdade de estudantes no ensino superior alinhadas à definição constitutiva proposta neste estudo. Na TaB. 1, apresenta-se um exemplo de questionário que pode ser utilizado para mensuração da lealdade de estudantes com a IES.
TABELA 1 — Sugestão de questionário para mensuração da lealdade com a instituição Discordo totalmente
Lealdade de estudantes com o curso
Concordo totalmente
Não sei avaliar
Eu recomendaria a instituição X para outras pessoas que desejam fazer uma graduação.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu divulgo uma imagem positiva da instituição X para as pessoas com quem convivo.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu escolheria a instituição X para realizar outro curso de graduação.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu escolheria a instituição X para realizar uma pós-graduação ou outro curso de formação complementar.
1
2
3
4
5
6
7
0
Se eu fosse recomeçar o curso de graduação hoje, escolheria a instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu pretendo continuar estudando durante este ano (ou semestre) na instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
Eu pretendo me formar na instituição X.
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
Visto que a maioria das afirmativas sugeridas para lealdade com a instituição também pode ser utilizada para mensuração da lealdade dos estudantes com o curso, apresenta-se, na Tab. 2, um exemplo de questionário que poderia ser utilizado para a mensuração da lealdade com o curso, caso esse seja um objetivo da pesquisa a ser realizada. TABELA 2 — Sugestão de questionário para mensuração da lealdade com o curso Discordo totalmente
Lealdade de estudantes com a instituição Eu recomendaria a instituição (ou o curso) X para outras pessoas que desejam fazer uma graduação. Eu divulgo uma imagem positiva da instituição (ou do curso) X para as pessoas com quem convivo. Se eu fosse recomeçar o curso de graduação hoje, escolheria a instituição (ou o curso) X. Eu pretendo continuar estudando durante este ano (ou neste semestre) na instituição (ou no curso) X. Eu pretendo me formar na instituição (ou no curso) X.
Concordo totalmente
Não sei avaliar
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
As duas últimas perguntas dos questionários apresentados na Tab. 2 e Tab. 3 podem ser utilizadas para mensuração da retenção. Assim, na Tab. 3, apresenta-se uma sugestão de questionário para mensuração da retenção de estudantes no ensino superior com o acréscimo de uma afirmativa. Esse questionário pode ser empregado para a mensuração da retenção com a instituição e com o curso, dependendo do objetivo da pesquisa.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
203
TABELA 3 — Sugestão de questionário para mensuração da retenção Discordo Totalmente
Retenção Eu pretendo continuar estudando na instituição X durante este ano (ou este semestre). Eu pretendo continuar estudando na instituição X no próximo ano (ou no próximo semestre). Eu pretendo me formar na instituição X.
Concordo Totalmente
Não sei avaliar
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
1
2
3
4
5
6
7
0
FONTE: Os autores (2011)
A partir do exposto, a definição operacional do construto retenção pode ser apresentada como: desejo de permanecer na IES durante um período de tempo ou até a formatura. Ressalta-se que esse construto também pode ser mensurado por índices reais de evasão e permanência. Nas sugestões de questionários para mensuração da lealdade e da retenção apre sentadas nas Tab. 1, Tab. 2 e Tab. 3, a lealdade e a retenção são avaliadas por meio de afirmativas com as quais os respondentes podem concordar ou discordar em uma escala de 1 a 7, bem como com a opção “Não sei avaliar”. Ressalta-se que os questionários expostos são sugestões e que a escala é ilustrativa, podendo ser alterada para a realização do estudo. Outra possibilidade é a adaptação das afirmativas para perguntas semiestruturadas ou para utilização de perguntas em escala inversa, por exemplo.
validade de construto das definições constitutivas empregadas na retenção e na lealdade de estudantes do ensino superior. Outra sugestão para pesquisas a serem realizadas, tanto sobre a retenção e a lealdade quanto sobre outros temas, é que apresentem, como a maioria dos artigos analisados encontrados nas bases de dados estrangeiras, as perguntas utilizadas nos questionários ou que incluam uma descrição sistemática do método de mensuração dos construtos, incluindo as variáveis utilizadas. Isso porque se encontrou, neste estudo, difi culdade para identificar as variáveis utilizadas nos estudos para mensuração dos construtos.
Sugere-se que as questões indicadas nas Tab. 1, Tab. 2 e Tab. 3 sejam avaliadas em piricamente em estudos sobre a lealdade e a retenção de estudantes no ensino superior, pois se encontram alinhadas à literatura da área e refletem os conceitos lealdade e retenção nela identificados por meio deste estudo. Para futuras pesquisas, sugere-se ampliar o número de artigos revisados, desenvolver estudos sobre a retenção que realizem consulta direta aos estudantes, bem como realizar pesquisas longitudinais sobre a retenção por períodos maiores de tempo durante o curso e análise da 204
•
Recebido em: 21/10/2011
•
Aprovado em: 04/06/2012
Referências ALVES, H. M. B. Uma abordagem de marketing à satisfação do aluno no ensino universitário público: índice, antecedentes e conseqüências. 2003. 285 f. Tese (Doutorado em Gestão) – Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2003. ANJOS NETO, M. R.; MOURA, A. I. Construção de um modelo teórico de marketing de relacionamento para o setor de educação. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 28., 2004, Curitiba, PR. Anais... Curitiba: ANPAD, 2004. 1 CD-ROM. p. 1-16. ASENDORPF, J. B. Psychologie der Persönlichkeit. Berlin: Springer, 2004. DOWD, A. C.; COURY, T. The effect of loans on the persistence and attainment of community college students. Research in Higher Education, New York, v. 47, n. 1, p. 33-62, fev. 2006. EVANS, B. C. Student perceptions: the influence of a nursing workforce diversity grant on retention. Journal of Nursing Education, New York, v. 46, n. 8, aug. 2007. FREIRE, K. de M. A influência do envolvimento com o produto e do comprometimento com a marca na lealdade à marca. 2005. 141 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Escola de Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005. GONÇALVES FILHO, C.; GUERRA, R. S.; MOURA, A. Mensuração de satisfação, qualidade, lealdade, valor e expectativa em instituições de ensino superior: um estudo do modelo ACSI através de equações estruturais. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 27., 2003, Atibaia, SP. Anais... Porto Alegre: ANPAD, 2003. HAIR JR., J. F.; BABIN, B.; MONEY, A. H.; SAMOUEL, P. Fundamentos de métodos de pesquisa em administração. Porto Alegre: Bookman, 2005. HELGESEN, O.; NESSET, E. What accounts for students’ loyalty? Some fiel study evidence. International Journal of Education, Las Vegas, v. 21, n. 2, p. 126-143, 2007. HENNIG-THURAU, T.; LANGER, M. F.; HANSEN, U. Modeling and managing student loyalty: an approach based on the concept of relationship quality. Journal of Service Research, Thousand Oaks, Calif, v. 3, n. 4, p. 331-344, may 2001. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Resumo técnico do censo 2004. 2004. Disponível em: <http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 11 fev. 2008. JUNG, C. F. Metodologia para pesquisa e desenvolvimento: aplicada a novas tecnologias, produtos e processos. Rio de Janeiro: Axcel Books, 2004. KREIE, J.; HEADRICK, W. R.; STEINER, R. Using team learning to improve student retention. College teaching, Washington, US, v. 55, n. 2, 2007. LEPPEL, K. College persistence and student attitudes toward financial success. College Student Journal, Chula Vista, Calif, v. 41, p. 223-238, 2005. ______. The impact of major on college persistence among freshmen. Higher Education, Washingtron, DC, v. 41, p. 327-342, 2001. LIN, C.; TSAI, Y. H. Modeling educational quality and student loyalty: a quantitative approach based on the theory of information cascades. Quality & Quantity, Amsterdam, NL, 2006. LIU, R.; LIU, E. Institutional integration: an analysis of Tinto’s theory. In: ANNUAL FORUM OF THE ASSOCIATION FOR INSTITUTIONAL RESEARCH, 40., 2000, Cincinnati. Proceedings… Cincinnati, 2002. p. 2-24.
Rev.
FA E ,
C uritiba,
v. 16, n. 1, p. 190 - 206, jan./jun. 2013
205
LOHFINK, M. M.; PAULSEN, M. B. Comparing the determinants of persistence for first-generation and continuing-generation students. Journal of College Student Development, Alexandria, VA, v. 46, n. 4, p. 409-428, july/aug. 2005. MARZO-NAVARRO, M.; PEDRAJA-IGLESIAS, M.; RIVERA-TORRES, M. P. Measuring customer satisfaction in summer courses. Quality Assurance in Education, Bradford, UK, v. 13, n. 1, p. 56-65, 2005. MAYO, D.; HELMS, M. M.; CODJOE, H. M. Reasons to remain in college: a comparison of high school and college students. The International Journal of Educational Management, Norwich, v. 18, n. 6, p. 360-367, 2004. MORAES, R. Análise de conteúdo. Educação: Revista da Faculdade de Educação, Porto Alegre: PUCRS, v. 22, n. 37, p. 7-31, mar. 1999. NGUYEN, N.; LEBLANC, G. Image and reputation of higher education institutions in students retention decisions. The International Journal of Educational Management, Norwich, v. 15, n. 6, 2001. NORA, A.; BARLOW, L.; CRISP, G. Examining the tangible and psychosocial benefits of financial aid with student access, engagement, and degree attainment. American Behavioral Scientist, Princeton, NJ, v. 49, n. 8, p. 1636-1651, aug. 2006. RODIE, A. R.; KLEINE, S. S. Customer participation in services production and delivery. In: SWARTZ, T. A.; IACOBUCCI, D. (Ed.). Handbook of service marketing and management. Thousand Oaks, Calif.: Sage, 2000. p. 111-125. ST. JOHN, E. P. The impact of student aid on recruitment and retention: what the research indicates. New directions for student services, San Francisco, n. 89, p. 61-75, sep. 2000. TITUS, M. A. An examination of the influence of institutional context on student persistence at 4-year colleges and universities: a multilevel approach. Research in Higher Education, New York, v. 45, n. 7, p. 673-699, nov. 2004. WALTER, S. A. Antecedentes da satisfação e da lealdade de alunos de uma instituição de ensino superior. 2006. 167 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Regional de Blumenau, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Blumenau, 2006.
206
Orientaçþes aos Colaboradores da Revista da FAE
Histórico e Missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Ad ministração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Edu cação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o de senvolvimento local. Por sua missão ser a de fomentar a produção e a dis seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das orga nizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empre sas públicas e privadas.
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o ob jetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política. Além de trabalhos puramente teóricos, serão acei tos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam ex periências fundamentadas teoricamente e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista. Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate. Todos os artigos estão disponíveis para download, ex ceto a última edição.
Objetivo Focos O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local. A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreender o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das organizações. Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam temas contemporâneos da gestão de negócios.
O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma con tribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos: •
O tema tratado deve ser relevante e pertinente ao contexto e ao momento e, preferencialmente, pertencer à orientação editorial.
•
O referencial teórico-conceitual deve refletir o estado da arte do conhecimento na área.
•
O desenvolvimento do artigo deve ser consis tente, com princípios de construção científica do conhecimento.
•
A conclusão deve ser clara e concisa e apon tar implicações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa.
Orientação Editorial Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacio nadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local. Com o tema gestão de negócios, visa-se contri buir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciên cias Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Econo mia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).
208
Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas esta belecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
Escopo
A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023). •
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes com relação à gestão de negócios e à interação das organizações no desenvolvimento local. Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzida, e adequadamente analisadas.
Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser numerados sequencialmente, apresentar título e fonte, bem como ser referenciados no corpo do artigo.
Permuta
A Revista da FAE faz permuta com as principais faculdades e universidades do País.
Notas para Colaboradores Assinatura A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil a 8 mil palavras). A aceitação e publicação dos textos implicam a transferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos direitos autorais.
Periodicidade: Anual Valor: R$ 65,00 •
Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone (41) 2105-4093 ou pesquisa@fae.edu.
Envio de Artigos
Os textos enviados para publicação são apreciados por pareceristas pelo sistema blind review. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características: •
Rev.
Na folha de rosto deverão constar o título do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s) de um breve cur rículo, relatando experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do fax e e-mail.
•
A primeira página do artigo deve conter o tí tulo (máximo de dez palavras), o resumo em português (máximo de 250 palavras) e as pa lavras-chave (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title, abstract, keywords).
•
A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento 1,5 linha.
•
As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As
FA E ,
Curitiba,
Os artigos deverão ser encaminhados para: FAE Centro Universitário Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 80230-080 Curitiba/PR E-mail: pesquisa@fae.edu Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195 Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e espera mos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
v. 16, n. 1, p. 207 - 210, jan./jun. 2013
209
210
I S S N
Revista da
1 5 1 6 - 1 2 3 4
FAE v.1 6 , n .1 , j a n . / j u n . 2 0 1 3
Dos 19 cursos da FAE avaliados pelo MEC, 17 receberam a nota 5*, ou seja, a nota máxima. Os outros 2 cursos tiveram nota 4, o que também representa uma avaliação bastante favorável e atesta sua qualidade de ensino. Com isso, a FAE fica, pelo quinto ano consecutivo, posicionada como a melhor instituição universitária privada de Curitiba, incluindo neste cenário todos os centros universitários e universidades locais.
www.fae.edu
*Nota que vai de 1 a 5
FAE, a melhor porque tem os melhores cursos.
Para enfrentar com êxito a gestão de empresas, é necessária uma perspectiva global e internacional.
A ESADE e a FAE Business School oferecem uma moderna e exclusiva proposta de educação empresarial voltada a executivos que sabem que não podem superestimar os próprios conhecimentos ou subestimar a imprevisibilidade do mercado. A parceria da FAE, uma das principais escolas de negócios do país, com a ESADE, a melhor escola de negócios da Europa e uma das melhores do mundo, disponibiliza e facilita aos executivos brasileiros a mesma formação utilizada pelos principais CEOs das mais importantes empresas do mundo.
Um dos principais programas de Educação Executiva direcionado para a gestão empresarial, que prioriza o intercâmbio, a troca de experiências e a discussão dos novos cenários da economia global.
Oferece um conhecimento global e integrado sobre os processos da gestão moderna de vendas, além das principais técnicas, ferramentas e metodologias que são aplicadas pelas companhias e empresas líderes.
Voltado para executivos de marketing, vendas, comercial ou relação com o cliente, para atuar em diversas vertentes que o conduzem com sucesso ao lançamento de iniciativas 2.0.
N ú c l e o d e P e s q u i s a A c a d ê m i c a / N PA Rua 24 de Maio, 135 Cep 80230 - 080 Curitiba / PR Caixa Postal 1447 Fone 41 2105 - 4093 F a x 4 1 2 1 0 5 - 4 0 8 0 w w w. f a e . e d u