Jackie weger o natal de sophie (super julia 20)

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Super Julia nº 20

O Natal de Sophie (It Happened One Christmas)

Jackie Weger Querido Papai Noel Tudo que eu quero no Natal é uma mãe. Adoro meu pai, mas quero ter uma mãe, como todas as crianças. Meu pai contratou essa moça bonita, Annalise, para decorar a nossa casa, e ela vai morar com a gente at é terminar o trabalho. Vi os dois se beijarem, quando pensavam que eu não estava olhando... Sou adotada e Annalise gostaria de ter uma filha como eu. Gosto muito dela e todos dizem que somos bastante parecidas. Papai Noel, eu estava pensando... Será que você já trouxe o meu presente antes da hora? Annalise é a minha verdadeira mãe? Sophie

Disponibilização:Cássia Digitalização: Simoninha Revisão: Edna Fiquer


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O Natal de Sophie

Querida leitora, É sabido que Papai Noel adora receber cartas de crianças. Essa que ele recebeu de Sophie, então, deve tê-lo deixado mais emocionado do que nunca! E você também vai se emocionar a valer com este magnífico romance de Jackie Weger: uma história para pessoas sensíveis e românticas. PS.: Em breve, nas bancas, a minissérie Laços de Família. Não perca. Roberto Pellegrino Editor

Copyright © 1995 by Jackie Weger Originalmente publicado em 1995 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: It Happened One Christmas Tradução: Sílvio Deutsch EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. - Rua Paes Leme, 524 - 10 Q andar CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 1997 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

CAPÍTULO 1 — Trinta dias? Você quer mesmo que a casa esteja pronta em trinta dias? O olhar de Annalise passou rapidamente pelo rosto de Robert Davenport antes de subir para o teto. O lustre imenso achava-se coberto por teias de aranha, com todas as lâmpadas queimadas, exceto duas. — Sim, eu quero. No dia vinte e quatro de dezembro, para ser exato. Veja, sei que a casa está uma bagunça e preciso de alguém que aceite o desafio. Deixei isto claro para Marta Ingasoll quando ela me recomendou você. Preciso de uma decoradora que resolva meus problemas, e não que apenas os aponte. Já sei quais são eles. Enquanto Robert movia a mão indicando os restos de um século de Projeto 2

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estragos em paredes e assoalhos, observava atentamente Annalise Owens. Havia algo de diferente naquela mulher. Marta lhe dissera sobre algo ter ocorrido no passado que a afetara profundamente, mas que agora ela já superara. O que seria. O comentário o deixara intrigado. Um problema? Tudo que podia perceber é que a moça sentia uma apreensão crescente enquanto examinava a sala. Annalise observou atentamente ao redor, tentando avaliar o estado da casa. A sala estava cheia de materiais de construção. Havia uma pilha de lenha num canto, um par de cavaletes cobertos por uma lona, banquetas para os pés sobre o que ela estava certa ser um sofá cabriolé e latas de tinta alinhadas sob uma mesa inglesa de pinho de 1880. Os móveis eram uma mistura de estilo vitoriano com peças do Exército da Salvação. — O restante da casa está nas mesmas condições que esta sala? — A maior parte, sim. — Então, preciso de uma equipe de limpeza, para começar. Robert sorriu brevemente. — Você está olhando para ela. Annalise não conseguiu esconder um ar de desânimo. — Pelo jeito você não gostou da idéia, não é mesmo? — ele falou, sedutoramente. — Charme é um de seus atributos, não é? Com essa indagação Annalise reagia tanto ao modo como ele a olhava quanto ao comentário a respeito de sua expressão desanimada. — Costumo guardá-lo num cofre de banco, mas retirei um pouco para você. Afinal, é nosso primeiro encontro, não é mesmo? — Tem certeza de que pode gastar seu charme desse jeito? Os olhos dele se apertaram, enquanto parecia fazer força para não cair na risada. — Você sempre inicia um novo trabalho trocando insultos com o cliente? — Não. Aliás, quem está mal-humorado é você. — Sim. Mas eu sorria quando abri a porta para você? — Não. Tinha a testa franzida. — Eu lhe disse "bem-vinda"? — Não. Você disse "Annalise?", e eu disse "Sim?". Aí, você disse "Onde diabos você estava? Eu a esperava mais cedo!" — Aí está. A culpa foi minha. Ela virou-se, abrindo caminho até uma porta francesa. O puxador achavase quebrado e amarrado com um barbante ao outro puxador. Abriu-a e saiu para a varanda, onde ficou olhando, através da chuva, a passagem de pedras e a calçada onde sua perua ficara estacionada; uma mancha cinza-escura num cenário cinza. — Está decidindo se fica ou se vai? — As palavras ricochetearam às costas de Annalise. Não estava pronta para responder a essa pergunta. — Estou olhando para minha perua. Tudo de importante que possuo está 3 Revisoras

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nela. O restante da sua vida, sua vida emocional, ou o que restava dela, achavase espalhado entre Atlanta e Savannah. Guardara em um depósito os móveis e objetos, meras coisas que podia dispensar para sempre, se necessário. Ficar ou ir? A quem ela estava enganando? Não havia nada para o que retornar. — É seguro estacionar na rua? — indagou de súbito. — Isso quer dizer que você vai ficar? Annalise voltou-se para Robert. — Aceito o trabalho. Não quero voltar atrás na minha palavra. — É seguro se for por pouco tempo, mas a rua está no guia de turismo Cidade Antiga, por isso temos maior movimento por aqui do que nos bairros ao redor. Dê-me as chaves, vou estacionar a perua na parte de trás da casa. Não há passagem pela frente, o espaço que dava para as antigas cocheiras foi usado para acrescentar alguns cômodos. É preciso ir até a esquina, junto ao lago, e entrar pela lateral. — Quantas dependências a casa tem? — perguntou Annalise, enquanto procurava as chaves na bolsa. — Dezesseis. Ela parou por um momento o que estava fazendo e indagou, perplexa: — Dezesseis? Dezesseis dependências em trinta dias? Sr. Davenport, parece-me que é um grande otimista! — Bem, eu não disse que seria um trabalho fácil. Só não quero ouvir a palavra impossível. Annalise deu um longo suspiro, então indagou: — Bem, começamos agora ou... — Acho que amanhã cedo estará bem... Outra coisa, sou Robert para os amigos. E muito pior para os inimigos, claro. — Posso imaginar — assentiu ela. — Você não tem inimigos? Annalise esfregou os braços rapidamente. Um vento frio de novembro invadira a grande sala. Sim, tinha inimigos. Dois. — Pelo jeito, sou minha pior inimiga ou nem mesmo pensaria em decorar dezesseis dependências. — O tom de Annalise era um tanto ácido. — Devo estar querendo me penitenciar. — Vou lembrá-la disso quando estivermos combatendo nas trincheiras. Então, dirigindo-lhe um sorriso, falou: — Vamos para a cozinha. Lá é mais quente. Farei um café e, enquanto você se aquece, irei estacionar sua perua. Depois falaremos do trabalho. Gosto de estabelecer uma base quando estou reformando uma casa para que o decorador saiba de onde parti, o que preciso e... — E também o que vai tolerar e o que não? Ela passou por Robert em direção ao imenso hall de entrada cheio de escadas, rolos de lona, uma serra desmontada e todo tipo de mobília empilhada nos cantos. Projeto Revisoras 4


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— Luz — prosseguiu, não dando a ele oportunidade de responder. — É disto que esta casa mais precisa. — Concordo. Marta me falou que você era a pessoa ideal para perceber o que precisa ser mudado ou não na casa. — Ele apontou para o fundo da casa, onde ficava a cozinha e disse: — A última porta à direita. Seguiu atrás dela, na melhor posição para observar o ondular felino dos quadris sob a saia de algodão. Os cabelos escuros de Annalise estavam presos com uma fita azul em um rabo-de-cavalo. A blusa de algodão tricotada era de um tom mais claro de azul. Simples, elegante e prática. Robert tratou de conter os pensamentos. A máquina de café expresso era a única peça de equipamento moderno na grande cozinha. Estava sobre um largo balcão, entre uma pilha de pratos e um suporte para bolo. Pendurando a bolsa no espaldar de uma cadeira, Annalise foi examinar o suporte para bolo. — E uma bela peça — disse. — Do começo do século passado. — Você deve estar certa — assentiu ele. — Os Pettigrew, antigos proprietários, eram colecionadores inveterados. Há muitas maravilhas espalhadas por aí. — Você conhece a história da casa? Ela examinou uma peça egípcia para tempero em uma prateleira repleta de outras peças. A peça de porcelana era esculpida em baixo-relevo, com motivos florais. — Bastante. Foi construída por Samuel Pettigrew em 1850, e é da família desde então. A cozinha, a parte de trás no segundo andar e a pequena ala lateral, foram acrescentadas em 1906 para acomodar uma família crescente e permitir instalações pluviais mais modernas. — Ela tem toques muito interessantes. — Annalise indicou o relevo feito a mão no teto alto. — Sem dúvida. Tive sorte de consegui-la. Havia vários compradores interessados. A sra. Pettigrew, antes de vendê-la, separou apenas alguns itens que ela vai levar. Eu não ofereci o preço mais alto, mas fui o único que concordou com a condição de que ela pode passar mais um Natal aqui. Ela está planejando uma grande festa de Natal. E por isso que temos de estar com tudo pronto a tempo. Annalise ergueu os olhos para ele, surpresa. — Ela ainda está na casa? — Sim, e está hospedada onde antes era a sala de jantar. Não precisa temer que atrapalhe. Ela e uma amiga estão arrumando a suíte que vai ocupar na casa de repouso. Assim que estiver pronta, a sra. Pettigrew se muda, mas sem dúvida virá fazer visitas. Robert fez uma pausa e prosseguiu: — E devo dizer também que se a casa não estiver terminada no prazo, ela será entregue ao pessoal do leilão. E, acredite, eles a venderiam com facilidade. É um imóvel de primeira. Annalise ficou perplexa. — Mas, então, a casa ainda não é sua? 5 Revisoras

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— Não. Será minha às dez da manhã do dia vinte e quatro de dezembro. — Se não ficar pronta, você perderá o que pagou e o que tiver gasto na reforma? — Vou aprontá-la a tempo. Ou melhor, nós vamos. A casa é boa. Vou tirar uma parede para fazer uma suíte principal. Teria de refazer esta parede, mesmo porque houve um vazamento do telhado há alguns anos. — Mas e o restante da casa? — Annalise perguntou, para depois completar: — Acho que você está muito confiante quanto ao prazo da reforma? — Marta me disse que você é muito competente. — Você contou a ela que a casa tem dezesseis cômodos? Robert fez um ar de bom-moço e falou: — Sinceramente, não, não falei. Mas tenho certeza de que você vai conseguir. Annalise respirou fundo. Em que enrascada estava metida! — Sabe quais foram as palavras de Marta para mim: "Não se preocupe. É um trabalho fácil". — Marta é muito bem-intencionada. — Ele voltou a atenção para a máquina de café expresso. Apoiando-se em um dos balcões, de braços cruzados, Annalise observou-o abertamente enquanto ele moía os grãos de café e colocava o leite para ferver. Tinha mãos grandes, que usava com eficiência. Ele era muito atraente, teve de admitir. Sentiu-se surpresa por estar reparando em Robert Davenport. Fazia anos desde que olhara pela última vez um homem sem temer que... Exatamente neste momento ele ergueu a cabeça e seus olhos se encontraram. Apanhada desprevenida, Annalise sentiu-se corar. Ele mantinha os olhos fixos nos dela deliberadamente, esperando que dissesse alguma coisa, porém Annalise não conseguia falar. Com um imperceptível tremor, começou a mover-se pela cozinha. Sentia as pernas bambas. Tocou os armários, abriu gavetas e passou os dedos sobre a confusão de talheres, remexendo-lhes o conteúdo. Precisava romper a magia que ameaçava envolvê-la. Robert colocou o cappuccino no balcão e encostou-se na pia. Annalise pegou o café, servido numa caneca com o desenho de um crocodilo da Flórida. Olhou para o crocodilo sorridente, depois tomou um gole. — Que tal? — ele perguntou, imaginando por que ela estava tão pensativa. — Seu cappuccino é mesmo bom. — O segredo é usar creme de leite de verdade. Mas eu estava me referindo a mim. O que pensou enquanto me olhava? — Quer que eu diga o que estou pensando? — Foi o que acabei de pedir. Ela fitou-o com um brilho de desafio nos olhos. — Gosto de cozinhas. Minha avó mantinha uma cadeira de balanço na dela, e algumas de minhas melhores lembranças são de estar em seu colo, junto ao calor do fogão, nas noites frias de inverno. — Não há cadeira de balanço nesta cozinha. — Eu poderia colocar. — Ela ergueu o queixo. — São boas para o estresse. Projeto Revisoras 6


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— E o que a deixa com estresse? Clientes intratáveis como eu? — Geralmente trabalho muito bem com as pessoas. Geralmente. — Anotado. Ele deu um breve sorriso, puxou uma cadeira e, sentando-se ao contrário, abraçou o encosto. Só então tomou um gole do cappuccino. — Sente-se, se quiser — convidou. — Prefiro ficar em pé. Estive sentada, dirigindo, o dia todo. Foram doze horas na estrada, de Atlanta até St. Augustine. Consertos em quase todo o trajeto e um carro tombado. Para não falar do tráfego do feriado. — Foi o que imaginei. Eu a esperava mais cedo. — Desculpe. Eu devia ter parado no caminho e ligado. — Você está tremendo — notou ele. — Ainda sente frio? — Estou me aquecendo. O cappuccino ajuda bastante. Ela baixou os olhos e Robert assentiu. Nunca tinha visto uma mulher tão contraditória em suas reações. Lembrou-se da conversa que tivera com Marta: — Você me deu sua palavra, Marta, disse que faria esta casa. Já investi muito dinheiro neste trabalho. Muito, mesmo. — Não posso passar um mês em St. Augustine agora, Robert. Vou me casar. — Mas você pode se casar depois. — Não, na minha idade. — Nós dois temos trinta e seis anos, Marta. — Meu querido Robert, trinta e seis para um homem não é o mesmo que trinta e seis para uma mulher. — Por que as mulheres gostam de complicar tudo? — Por que os homens sempre acham que é tudo simples? — Eu tenho um contrato a cumprir nesta casa, Marta. — Não se preocupe, Robert. Tenho alguém que pode fazer a decoração para você. Ela conhece muito bem casas antigas e é especialista em estilo vitoriano. Ganhou uma bolsa na faculdade e usou-a na Inglaterra, estudando as casas antigas de lá. Ficou um ano como aprendiz no National Trust, para ajudar na restauração da abadia. Confiei-lhe meia dúzia de casas em Savannah e ela tem muitos clientes satisfeitos aqui em Atlanta. — Estou ouvindo, Marta. E o preço dela é muito alto ou apenas alto? — Não. Acho que é um preço razoável. — Se ela é tão boa, como está disponível? Marta hesitou. — Ela quer sair de Atlanta. E, por incrível que pareça, falou de St. Augustine. A avó dela veio daí. — Por que ela quer sair de Atlanta? Outra hesitação. — Um problema. — E o que isso significa? —Significa que se quiser Annalise Owens, eu a mandarei. — Você é boa demais, Marta. — Vou ficar com dez por cento por ter arrumado o trabalho para ela. Continuo adorando dinheiro, como você vê. Talvez quinze por cento, já que ela 7 Revisoras

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estará trabalhando com um dos mais interessantes solteiros deste lado do Mississipi. — Não ponha idéias na cabeça dela, Marta. Estou falando sério. Este trabalho será apertado e o preço não me inclui. — Certo, querido. Meus lábios estão selados. Mas, por falar nisso, como está aquela adorável casa na Cedar Street? — Tornou-se uma hospedaria tipo cama e café da manhã, já faz uns dois anos. — Não! Você adorava aquela casa, Robert. Está me dizendo que a vendeu? — Nina morreu naquela casa, Marta. Eu não podia ficar com ela. — Robert, sinto muito... — Não tem problema. Quanto a Annalise, diga para ela vir no dia seguinte ao Dia de Ação de Graças. E com muita disposição, pois terá de trabalhar doze horas por dia. — Annalise é incansável, Robert, você vai ver. Mas o que ele estava vendo era Annalise tremer. Que ótimo para acabar com minhas preocupações, pensou. — Quer ver agora o resto da casa? — perguntou. Annalise olhou para fora pela janela da cozinha. Já estava escuro lá fora. — Se não se importa, prefiro ver a casa sozinha, amanhã cedo, à luz do dia. Quero senti-la, tomar notas, ver o que cada aposento requer e o que posso mudar de lugar. Calculo que não vamos fazer cortinas nem forrar móveis grandes. — Tenho alguém que pode fazer isso bem depressa, se tiver o tecido em estoque e se a peça merecer a despesa. — Isso ajuda. Ele colocou sua caneca vazia na mesa e levantou-se. — Vou trazer sua perua e depois levá-la ao seu quarto. — Não seria melhor eu ficar em um hotel? — Nem pensar, Annalise. Meu acordo com Marta foi de que a decoradora ficaria no local. Não posso ter alguém no trabalho que apareça ao meio-dia e suma às duas horas da tarde. — Mas... — As chaves? — pediu ele, interrompendo qualquer protesto que ela fosse fazer. A relutância de Annalise era evidente ao colocar o chaveiro na palma da mão de Robert. — Volto em um minuto. Ela sorriu, desanimada. A última coisa de que precisava era ficar sob o mesmo teto com um homem que exalava charme por todos os poros. — Vou esperá-lo lá atrás. Preciso pegar minhas malas. — Pode deixar que eu as trago. O perfume de Annalise atingiu Robert assim que ele abriu a porta da perua. Uma onda quente percorreu-lhe o corpo. Fazia muito tempo que uma mulher não lhe despertava tantas sensações quanto Annalise. "E ela vai trabalhar ao meu lado nos próximos trinta dias, dormirá em um quarto próximo ao meu, dividirá todas as horas do dia comigo", pensou. Projeto Revisoras 8


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De repente, lembrou-se da pequena Sophie. A menina acreditava que o mundo como o encontrara era um bom lugar para se viver. Com uma exceção: queria uma mãe. E dizia isto com todas as letras. Portanto, qualquer mínimo interesse que demonstrasse em Annalise seria o suficiente para lhe causar problemas. Quando estacionou, Annalise o esperava à entrada dos fundos e correu para abrir a porta traseira da perua, antes mesmo que ele saísse. Alguns momentos depois ela o seguia na direção do segundo andar. — Marta disse que sua avó nasceu em St. Augustine — comentou Robert. — Isso quer dizer que você tem família aqui? — Não. Nenhuma família. — Ninguém? — Não, ninguém. Sou uma completa órfã. Era a verdade até certo ponto. Havia uma pessoa que poderia ter sido sua família, mas... O que ela poderia ter feito para mudar o que acontecera no passado? — Até agora eu não conhecia uma pessoa que não tivesse ninguém — comentou Robert. — Você não vai voltar para Atlanta quando este trabalho terminar? — Não. — Qualquer lugar menos Atlanta, pensou Annalise. — Vou fazer um trabalho magnífico nesta casa, que enriquecerá meu porta-fólio, vou insistir em que você me elogie para todos e, então, vou esperar sentada que os clientes apareçam aos montes. — Tudo isso em trinta dias? — Estou citando as palavras de Marta. — O que mais ela disse? — perguntou, ainda subindo as escadas, imaginando o que mais Marta falara. Nada de entregar os pontos agora, Annalise. O que está feito está feito. Esqueça Luther Chandler e a mãe dele para sempre. Um dia desses ele será governador, ou senador, em campanha pela reeleição. Aí, você o terá em sua mira. Ele não vai querer que fiquem sabendo do modo terrível como se comportou. Será o momento de você conseguir as respostas às suas perguntas. — Ela disse para você não se esquecer de lhe mandar um presente de casamento. — A boa e velha Marta. Annalise percebeu ironia na voz dele, mas não disse nada O corredor do segundo andar era longo, escuro. Apenas uma das luminárias da parede estava acesa. E, como no lustre da sala, faltavam muitas lâmpadas. Robert parou no meio do corredor, abriu uma porta, estendeu a mão para acender a luz, colocou a mala de Annalise no chão, pôs-se de lado e convidoua para entrar. — Se não gostar deste quarto, você pode mudar para o que escolher. O meu é do outro lado do corredor. O banheiro fica para lá, em cima da cozinha. O quarto era enorme, com as paredes avançando e estreitando um pouco até a parede externa, onde ficavam as janelas, ocultas por pesadas cortinas. Uma espetacular cama de dossel dominava o quarto. Havia, também, uma 9 Revisoras

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magnífica escrivaninha e um antigo sofá com pernas recurvas, além de tapetes descorados. Annalise colocou a valise e a bolsa no sofá. A casa estava cheia de tesouros. Talvez o trabalho não fosse tão difícil como imaginara a princípio. Já havia muito com o que trabalhar ali mesmo. — Esta peça servirá maravilhosamente — comentou, mas Robert Davenport não estava mais à porta. Ela foi até o corredor a tempo de vê-lo descendo a escada. Ficou olhando-o por um momento e voltou para o quarto. Estremeceu e espirrou. O aposento era frio e tinha cheiro de mofo. Após uma inspeção mais detalhada, viu que havia muita poeira sobre os móveis, mofo cobrindo o papel de parede e umidade por toda a parte. Olhou ao redor, desanimada. Não. Não ia admitir que errara. Não agora. Estava iniciando um novo capítulo de sua vida. Tinha muito prazer em trabalhar com casas antigas, e aquele não era o momento de se deixar dominar pelas lembranças do passado. Depois de anos ouvindo sua avó contar histórias sobre St. Augustine, ali estava. Usaria todo o tempo livre para conhecer a cidade, para andar pelas ruas onde a avó andara. E se não tivesse tempo até o Natal... Bem, haveria depois do Natal. Um banho quente. Era do que precisava para aliviar o cansaço. Depois, arrumaria o quarto e então desceria até a cozinha para comer alguma coisa. Em seguida, iria enfiar-se na cama, para um merecido descanso. O banheiro era mantido quente por um pequeno aquecedor a gás na parede. Não havia chuveiro, mas sim uma imensa banheira com pés em forma de garras e duas toalhas usadas jogadas a um canto. No tampo da pia de mármore havia creme dental, aparelho de barba, loção após barba e sabonete. Coisas de homem. Deu-se conta de que o clima que surgira quando os olhos de ambos se haviam encontrado na cozinha permanecia até aquele momento. Assustava-a pensar que voltava à vida após tanto tempo no vazio. Precisava ter cuidado. Muito cuidado. Pagara um preço alto por amar, por confiar, por acreditar. Um preço terrível. Robert tinha um ar nobre, que cheirava a classe alta, com dinheiro. E se havia uma coisa que aprendera na vida era que os ricos faziam as coisas de forma diferente. Os ricos faziam as coisas do seu próprio modo: casavam com ricos e passavam entre si suas heranças de sangue azul. Eles não se casavam com as Annalise Owen da vida, resultados de casos com um homens casados, que tinham nascido de mães solteiras com quarenta anos. Os ricos tinham seus comportamentos e rituais. E possuíam advogados — dúzias deles. Enquanto se ensaboava, Annalise passou as mãos pelo ventre. A cicatriz era quase invisível agora, como se nunca tivesse tido uma criança. Ela fechou os olhos por um momento, cedendo à dolorosa e emocional turbulência de seu coração. Os ricos tinham lhe tirado seu bebê. Haviam-na enganado. Ela lutara, lutara e lutara, até esgotar todos os Projeto Revisoras 10


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recursos. Até esgotar a si mesma. Certa manhã da semana anterior, havia acordado e descobrira que oito anos se haviam passado. Então, soubera que precisava parar de pensar naquele assunto antes que sua mente sucumbisse à demência. Annalise saiu da banheira e secou-se com vigor até deixar de sentir-se pesada e cada centímetro de seu corpo ficar vermelho. Vestiu um abrigo azul, calçou meias e tênis para manter os pés aquecidos, cobriu os longos cabelos castanhos com um lenço. Só então retirou a colcha empoeirada da grande cama e arrumou-a com lençóis de linho que encontrara em um espaçoso armário no corredor. Mesmo com a cânfora que exalava da roupa de cama, o quarto continuava cheirando a mofo. É melhor um pouco de frio do que isso, pensou e foi até uma das janelas cobertas por cortinas espessas. Quando puxou uma das cortinas, o pano pesado desabou. — Droga! Pegou a maior parte do pano, que se desintegrava em suas mãos. Espirrou. — Saúde. Voltou-se. Uma garota com cerca de sete anos achava-se parada à porta, com as mãos para trás ou enfiadas nos bolsos traseiros do macacãozinho desbotado. Seus cabelos eram longos, castanhos, cacheados e totalmente despenteados. Os olhos tinham um brilho intenso, que chamavam a atenção. Olhos imensos, que pareciam iluminar Annalise como poderosos holofotes. Jamais se sentira sob observação mais profunda! Nos segundos seguintes percebeu uma sensação estranha que fez a adrenalina jorrar no sangue. Uma sensação misteriosa que levou algum tempo para reconhecer: enlevo, deleite. Só então notou que estava sorrindo. — Oi, meu bem. Quem é você?

CAPÍTULO 2 — Eu sou Sophie. — É? — Annalise sorriu. — Sophie Thingmajig? Sophie Whirlybird? Ou Sophie, a Garota da Selva? Sophie riu. — Não. Sophie Davenport. Filha de Robert, deduziu Annalise. Certo. Então, havia uma sra. Davenport. Sentiu-se uma tola. Interpretara os olhares dele de forma errada. Ou talvez não fora de forma errada, o que a tornava mais tola ainda. — Seu nome é Annalise Owens. — Exatamente. Sophie passou pela porta e se aproximou. Parou diante de Annalise e olhou-a candidamente nos olhos. — Para mim, você não parece enfeitiçada. 11 Revisoras

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— O quê? — Robert disse a Pettigrew que seus olhos eram enfeitiçados. Mas eles são castanhos, iguaizinhos aos meus. Ele exagera tudo. Mas pode ser... Você está usando lentes de contato? Annalise achava aquilo muito curioso. Primeiro o pai, agora a filha. Audaciosos, os dois! — Não, não estou usando lentes de contato, mas estou um pouco cansada. Dirigi o dia todo. — Eu sei. De Atlanta. — Você parece saber muito. — Sim, sei sim. — Sophie tirou as mãos das costas e mostrou uma boneca bem estragada. — Você quer conhecer a Nellie? Ela é a minha melhor amiga e tem muita saudade de mim quando estou na escola. Annalise apertou a mão de pano e algodão da boneca. Com esse tipo de infantilidade ela sabia lidar. — Oi, Nellie! Prazer em conhecê-la. — Ela não vai falar com você, porque é muito tímida, só fala comigo. — Entendo... Mas Nellie escuta o que eu digo? — Oh, sim! Nellie escuta tudo. Mas ela não é tão esperta quanto eu e não se lembra direito das coisas. Preciso sempre ficar lembrando ela de tudo! — E que coisas você faz Nellie lembrar? — Hum... Você sabe. Como a gente nasce e coisas assim. — Ah! — Annalise sorriu. Que resposta! — Bem, se você não se importa de eu dizer, vocês duas são muito charmosas. — Eu não me importo. Gosto quando as pessoas dizem coisas boas de nós. Mas é melhor a gente ir. Vim para levar você até a cozinha. Pettigrew quer que vá lá se apresentar para ela, quer ver você. Ela não suporta a idéia de ter uma estranha em casa. E é bom você ter fome. Pettigrew está fazendo sanduíches de peru, de novo! Foi o que almoçamos, também. — Pelo que entendi, você repetiu o que alguém disse, não? — É, a Pettigrew disse. — Sophie deu de ombros. — Mas como estou morrendo de fome, sanduíches de peru me parecem ótimos. Sophie mostrou o caminho, uma das mãos no corrimão e a outra segurando Nellie ao descerem a larga escada. — Por que você não tem família? — perguntou Sophie. — Robert também contou isso? — Você disse que é uma completa órfã. — Ah! Estava escondida em algum lugar, Sophie? Não é educado espionar os outros. Sophie parou e olhou firme para Annalise. — Não me escondi e não espionei. Só não falei nada e escutei. As pessoas não notam as crianças quando elas ficam quietas. Por que você não tem família? Por Deus, a menina era ainda mais direta do que o pai! — Eu tinha minha mãe e minha avó. Mas elas morreram. — Minha mãe também morreu — contou Sophie. — O nome dela era Nina. Projeto Revisoras 12


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Agora só tem eu e o Robert. Annalise ficou surpresa. Então, não havia sra. Davenport. Eram apenas Robert e Sophie. Não esqueça a casa, lembrou a si mesma. Era importante manter a perspectiva das coisas. — Você chama seu pai de Robert? — É o nome dele. Ele me chama de Sophie. Annalise ergueu uma sobrancelha. Precoce era uma definição conservadora demais de Sophie. — Você é diferente, Sophie. A maioria das crianças mio chama os pais pelo primeiro nome. — Como seus filhos chamam você? Annalise conteve a respiração. Sentiu a garganta apertar e as lágrimas fizeram seus olhos arderem. — Eu... eu não tenho filhos. Não sou casada. — Oh! E como você chamava seu pai? Annalise piscou depressa e soltou o ar. Agora estava em terreno mais seguro, mas não muito. — Eu não o chamava de forma nenhuma. Não o conheci. — Por que não? Porque minha mãe teve um caso com um homem casado e ele morreu pouco depois de eu nascer. Por isso. — Sophie, você sabe o que quer dizer xereta? — Sim. A vovó Davenport diz que Xereta é meu nome do meio, mas não é verdade. Meu nome do meio é Lynn. Você não quer me dizer porque é segredo? — Não é segredo. Apenas prefiro não falar nisso. — Então, é um segredo. O seu segredo. Quando as pessoas não querem falar sobre alguma coisa, é segredo. Ou é um escândalo. Minha avó entende de escândalos. Robert diz que ela adora e que sabe escândalos de todo mundo. Mas eu prefiro segredos. Tenho alguns segredos realmente bons. — Eu adoraria ouvir um dos seus segredos. Sophie parou novamente e olhou para Annalise. — Eu só conto meus segredos para a Nellie. Mas nós podemos trocar segredos. Se você tiver um realmente bom. — Trocar segredos? Assim como se trocam figurinhas de coleção? — É como trocar qualquer coisa. Você se sentiu mal quando sua mãe morreu? — Sim, muito. Você não? Annalise mordeu o lábio. Não deveria ter feito aquela pergunta. Sophie perguntava tudo apenas por curiosidade infantil, mas ela era adulta. E quem poderia saber que emoções uma pergunta como aquela poderia despertar em uma criança? — Acho que senti. — Sophie continuou a descer. Annalise suspirou. — Este é um dos seus segredos? — Fica bem perto de um deles. — Sophie tornou-se cautelosa. — Não lembro se me senti mal ou não. Eu só tinha quatro anos. Robert diz que Nina 13 Revisoras

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me adorava. Neste momento Annalise imaginou que Sophie poderia ter sido adotada por Robert porque sua mãe de verdade morrera; mas esperava que não fosse o caso. — Quantos anos você tem, Sophie? — Oito. Vou fazer nove. Oito. A filha dela teria a mesma idade, pensou Annalise e fechou os olhos, torcendo para as lágrimas não virem. Faça com que ela seja feliz, Deus. Que tenha amor e segurança. Uma imagem passou por sua mente. Sua filhinha, de touquinha cor-de-rosa, ligada a um monitor cardíaco, um respirador, com soro no pequeno tornozelo... E saudável. Deus, não esqueça de fazê-la ter boa saúde. — E você, quantos anos tem? — perguntou Sophie. — Ei, você não devia me perguntar isso. Não é educado. — E foi educado você perguntar a minha idade? Annalise olhou surpresa para as costas de Sophie, os cabelos castanhos despenteados, os ombros estreitos, tão reta dentro do macacãozinho desbotado. Sentiu vontade de passar os dedos por aqueles cabelos, prendê-los em um rabo-de-cavalo. Impulso maternal. — Vou contar, mas esse é um dos meus segredos, então você fica me devendo um dos seus. Tenho vinte e nove anos. Sophie assentiu. — Robert está com trinta e seis. Ele é mesmo velho! Assim, elas terminaram o corredor e entraram na cozinha. — Aqui está Annalise — anunciou Sophie para a sra. Pettigrew. Se Sophie achava um homem de trinta e seis anos velho, Annalise ficou curiosa de saber o que ela achava que a sra. Pettigrew era. A velha senhora era pequena, muito magra e tinha os cabelos grisalhos presos num coque. Ela cumprimentou Annalise com um sorriso e comentou: — É ótimo conhecer a mágica que vai salvar Robert de uma situação inviável. — Não sou exatamente uma mágica. — Annalise retribuiu o sorriso. — Pelo menos, deve ser ótima decoradora. Vai negar isso também? Annalise riu. — Não posso, sra. Pettigrew. Poderia ser despedida. — Pode me chamar apenas de Pettigrew, sem o senhora, senhorita ou o que for. Sou uma velha. Pode me chamar de velha pelas costas. Na minha frente, sou Pettigrew. Com isso esclarecido, eu teria ido buscá-la lá em cima, meu bem, mas a umidade entrou nos meus quadris e não me permite subir a escada. Na verdade, estive lá em cima apenas duas vezes em muitos anos. Imagino que esteja tudo uma bela confusão. — Há um pouco de poeira e mofo — informou Annalise. - Mas será fácil de tirar. Pude ver que no passado alguém dedicou muito carinho e amor a esta casa. — É verdade. Ela era maravilhosa. Tinha uma espécie de glamour que não dá para explicar. — Vai ter novamente — garantiu Annalise. Projeto Revisoras 14


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It happened one Christmas

Os olhos de Pettigrew fixaram-se por um instante na jovem. — Hummm... Gosto de você. E seus olhos são tão brilhantes e inteligentes como jamais vi. — Obrigada! — Annalise riu outra vez. — Mas por que este interesse por mim? — Desculpe, meu bem. Sou tão velha que às vezes sinto o desejo de expressar meus pensamentos, só para ter certeza de que ainda os tenho e não estou afundando na demência. Robert está muito ansioso. Eu o coloquei em uma situação difícil. Ele prefere trabalhar bem mais lentamente do que estou lhe pedindo. Mas, enquanto prepara seu sanduíche, meu bem, conte o que achou da minha casa até agora. Como sabia o que Pettigrew queria ouvir, Annalise ficou feliz por poder dizê-lo. — É uma bela... — Mas superlotada — interrompeu Pettigrew. — Eu sou como um ratinho, está nos meus genes. Não consigo jogar nada fora e as tralhas se amontoaram. Há coisas aqui suficientes para decorar quatro casas. — Conheço alguns comerciantes de antigüidades que dariam o braço direito para conhecer a sua casa. — Esses sanguessugas! Esqueça. Eu nasci nesta casa, e seria bastante difícil vê-la ser desfeita. Como Robert a está comprando, não vai ser mesmo desfeita. Poderei dizer adeus à minha velha casa com estilo. — Com a festa de Natal. — Sim. — Pettigrew suspirou. — Convidei os meus amigos. Os poucos que restaram, claro. Parece que estão todos ficando pelo caminho. Você e Robert podem convidar os seus, também. Se não, será apenas o "grupo geriátrico". Quero que a casa cheire como nos antigos Natais, que o Natal pareça mesmo um Natal. Muitos pinheiros, fitas e velas. E música. Pode fazer isso para mim, Annalise? — Esta será a parte fácil — assentiu Annalise. Com o canto dos olhos, notou Sophie sentada em uma banqueta perto do balcão. A garotinha estava toda contraída, apertando as mãos contra o corpo e balançando Nellie entre as pernas. — Sophie, você está bem? — Meu estômago está doendo. — Você deve ter comido demais — contestou Pettigrew. — Havia um pedaço de torta de maçã do almoço. Agora, só restam farelos. — Eu não comi! Foi o Robert. Sophie saltou da banqueta e fugiu da cozinha. Pouco depois Annalise ouviu a distância o barulho dos pequenos pés subindo a escada. Pettigrew balançou a cabeça. — Essa criança é só excitação e drama. — Ela parece ter o seu jeito próprio de viver... — comentou Annalise. Assim que Sophie chegou ao alto da escada, parou, colocou Nellie sentada no assoalho e encostou-se no corri mão para ver se alguém vinha atrás dela. 15 Revisoras

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Imaginara que Annalise viria. — É assim que são os adultos, Nellie. Eles nunca fazem o que você quer que façam. Desapontada, esperou mais um pouco. Robert, ela sabia, tinha ido até o depósito pegar algumas ferramentas, necessidade que adiara e dia inteiro esperando que Annalise chegasse. — Bem, o que você quer fazer, Nellie? Não, não podemos subir no sótão e brincar com aqueles brinquedos gozados. Tenho certeza de que há fantasmas lá em cima. E está escuro lá fora e os fantasmas aparecem no escuro. Um deles pode saltar de um daqueles troncos velhos e nos assustar. E você não pode correr tão depressa quanto eu. Um fantasma pode pegar você e eu ficaria a noite inteira preocupada. Sophie curvou-se, encostada no corrimão. — Oh, meu estômago. Fique feliz por não ter nenhum problema no estômago, Nellie. O meu parece que está pegando fogo. E ele começou a doer quando eu estava olhando para Annalise. Você notou que os olhos dela e os meus são da mesma cor? E nosso cabelo também. Você não acha isso interessante? Depois de um momento Sophie se endireitou e, depois de outro momento de indecisão, pegou Nellie. — Vamos, sei o que podemos fazer. Na primeira noite que Sophie e Robert haviam passado ali, a pequena descobrira uma abertura no chão do banheiro que permitia que o calor subisse da cozinha para ele. Deitando-se no chão e olhando pela grade de metal, podia ver o canto da cozinha com a mesa, onde Robert e Pettigrew sempre sentavam. E podia ouvi-los também. Muito melhor do que ficar escondida na despensa, junto à cozinha. — Nellie, veja. O banheiro está todo arrumado e cheirando bem Agora havia uma pequena mesa ao lado da pia. Nela encontravam-se a bolsinha de cosméticos de Annalise, seus sabonetes e perfumes. Sophie leu o rótulo do talco. — Ela usa rosa, Nellie. Veja, vou jogar um pouquinho em você e um pouquinho em mim. Annalise não vai se importar. Hummm. Eu gosto do cheiro de rosas. Deitou-se no chão e olhou pela grade. — Posso ver quase toda a Pettigrew — sussurrou para Nellie. — Mas só o braço de Annalise. Ela está colocando açúcar no chá frio. Arg! Não estão falando. Nesse momento, a colher de Annalise hesitou em seu giro no chá. — Sophie me disse que a mãe dela morreu. A menina contraiu-se toda. — Nellie, psiu! Elas estão falando de mim. — É... — confirmou Pettigrew. — Uma verdadeira tragédia. Nina teve câncer, e passou por uma cirurgia antes de casar-se com Robert. Pensou que estivesse curada, mas a doença voltou. Ah, que moça adorável! Robert era muito devotado a ela. — Deve ser difícil para ele criar Sophie sozinho. Projeto Revisoras 16


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— Sophie bem que precisava de alguma influência feminina. É só ficar dois minutos com ela para perceber isso. Robert se sai bem, mas claro que é muito permissivo. Ele deixa a menina fazer o que quer. — Ele não deixa não! — protestou Sophie baixinho. — Ela é muito independente — comentou Annalise — É encantadora. — Você ouviu isso, Nellie? Annalise acha que eu sou encantadora. Não, ela não disse nada sobre você. — Eu não diria isso ao Robert. — Pettigrew baixou a voz. — Espero que Sophie não atrapalhe o seu trabalho. — Oh, tenho certeza de que isso não vai acontecer. — Imagino que Robert tenha lhe dito os termos de nosso contrato. Annalise assentiu. — Vou trabalhar do nascer ao pôr-do-sol. Sophie notou que havia um tom de brincadeira nessas palavras. — É melhor eu lavar essa louça... — disse Pettigrew. — Twyla vem amanhã cedo para ajudar, mas ela é tão Velha e reclamona que eu... — Por que não me deixa cuidar da louça? — ofereceu Annalise. — Vai me dar uma boa chance de me familiarizar com a cozinha. Robert disse que estou por minha conta no que diz respeito às refeições. — Não, não. Você deve estar cansada depois da viagem. — Ainda estou agitada e não adiantaria me deitar. Alem disso, é cedo demais para dormir. — Você é uma jovem muito gentil, Annalise. Gosto disso. Então, vou para o meu quarto. — Pettigrew, espere um instante. Quantos quartos há aqui em baixo? — Nenhum. Transformei a sala de jantar e o lavabo social em aposentos para o meu uso. — Nenhum? Nem mesmo na ala que foi acrescentada? — Não. Deixe-me pensar. Há três salas na ala descendo a escada. A sala de costura de mamãe, nossa sala de brinquedos, um banheiro entre essas duas salas e a sala de estar da família no fim. Há quatro quartos lá em cima, eu acho. Fechei essa parte da casa há muitos anos. Estou prestes a ir para uma casa de repouso, onde viverei bem, tenho certeza. Vou ter uma enfermeira e haverá jogo de bingo toda terça. Annalise riu e começou a tirar a mesa. O corpo de Sophie doía de ficar imóvel, mas ela continuou olhando enquanto Annalise entrava e saía de seu campo visual, levando a louça para a pia. Depois de tirar a mesa, a moça desapareceu. Sophie suspirou e se espreguiçou. — Elas saíram, Nellie. Acho que podemos ir ver televisão. Não acha que foi muito interessante? Você não adora quando eles falam de mim? Enquanto Sophie se ajoelhava, Annalise apareceu de novo. — Psiu! Annalise está de volta. Uma cesta com peras e maçãs foi colocada no centro da mesa. Então, Annalise moveu a cesta mais para um lado e colocou dois potes de tempero junto dela. Em seguida, vieram dois pires, dos pequenos, com o padrão azul e 17 Revisoras

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branco. Annalise sumiu de novo e logo retornou com um candelabro com uma vela verde. A vela era do mesmo tom das peras, observou Sophie. — Você viu isso, Nellie? É assim que a gente vira decoradora. É fácil. É uma coisa que nós podemos fazer. Por alguns segundos Annalise ficou parada, com as mãos no espaldar da cadeira que Pettigrew ocupara. De súbito, ela ergueu as mãos e cobriu o rosto. Sophie viu seus ombros sacudindo-se rapidamente. O coraçãozinho da menina bateu apressado. Seu estômago entrou em ação, contraindo-se e tornando a respiração difícil. — Nellie, Annalise está chorando! — Por que ela está chorando, Nellie? Sophie virou-se e ficou deitada de costas no chão. — É culpa do Robert, eu acho. Ele estava bravo com Annalise antes de ela chegar. Foi grosseiro com ela na porta da frente. Depois, disse-lhe que não queria ouvir a palavra impossível. Deu um pequeno suspiro e continuou falando com a boneca: — E quando ele falou isso foi do mesmo jeito que me diz para fazer a lição de casa... Eu queria já ter nove unos, Nellie! Aí, seria mais velha, mais esperta e saberia o que fazer. Sophie virou-se de bruços e olhou pela grade outra vez. A cozinha estava escura, Annalise saíra de lá. Levantando-se rápida, a menina cobriu a grade com o tapetinho. Quando bateram à porta, ela abriu. Era Robert. O coração de Sophie bateu acelerado, enquanto o pai a olhava com atenção. — Por que está com esse ar culpado? O que andou fazendo? Estava tentando depilar suas pernas de novo? De onde você tira essas idéias? — Eu não estava tentando me depilar — protestou Sophie. — Está vendo? As toalhas estão todas penduradas direito agora. E eu endireitei o tapete. Enquanto Robert reparava que a menina falara a verdade, Sophie saiu para o corredor. — Boa noite, papai. Robert ergueu uma sobrancelha. Papai? Outra fase, pensou. Ela está entrando em outra fase. Ele mal se acostumava com uma fase e lá vinha ela com outra. — Sophie? — Sim? — Pettigrew não pegou você espionando no quarto dela outra vez, não é? — Não. — Não, ela não pegou você ou não, você não estava espionando? — Eu não estava espionando o quarto dela — garantiu a menina. — Jantei com a Pettigrew. Ela fez sanduíches de peru. — E Annalise? — Ela comeu um sanduíche, também, e lavou a louça para Pettigrew. — Sophie queria que ele soubesse que havia sido injusto e mau com Annalise, então, da forma mais casual possível, disse: — Depois que lavou os pratos, Projeto Revisoras 18


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Annalise chorou. Robert olhou preocupado para o quarto de Annalise. A porta estava fechada. Ele voltou a olhar para a filha. — Ponha seu pijama e vá para a cama. — Você vai perguntar a ela por que estava chorando? — Não. Não é da minha conta. — Pode ser. Mas será que então você deixa que seja da minha conta. — Prefiro que não. E onde você estava enquanto ela chorava Sophie não podia dizer. Ele a acusaria de estar espionando e poderia tapar a grade para sempre. Ainda assim, ficou satisfeita com as rugas de preocupação na testa do pai. — Eu a vi, mas ela não me viu. — Certo. Você já escovou os dentes? — Já. Isso não era uma mentira. Ela escovara, de manhã. — Então, está bem, vá para a cama. E não esqueça suas preces. — Está bem, papai. Tenho muitas coisas para pedir nas preces. — Eu simplesmente não acredito! — murmurou Annalise, exasperada. Estava muito cansada, mas sem um pingo de sono. A chuva havia parado, estrelas surgiam no céu e o quarto estava tranqüilo. Uma brisa leve passava pela janela aberta e uma luz suave entrava também, já que a cortina estava aberta. Sentiu um arrepio ao jogar as cobertas para o lado o sentar-se na cama. Puxou o roupão para cobrir-se. Droga! Era claro que não podia ficar ali sentada a noite toda, pensando coisas que iam gerar pesadelos. Quando ficara a sós na cozinha, cedera à autopiedade e chorara. Resultado do peso da solidão, garantiu. Mas não ia acontecer de novo. Odiava a autopiedade, tanto em si mesma quanto nos outros. Considerava-a uma fraqueza. Uma desculpa, mas compreendia por que aquilo acontecera, por que se deixara levar de forma tão súbita. Sophie. A adorável e preciosa Sophie. Sophie lhe trouxera mais do que qualquer advogado ou juiz haviam conseguido proporcionar-lhe. A pequenina lhe trouxera a alegria que perdera por não ter a filha consigo. Annalise jamais vencera sequer uma discussão contra a riqueza de Luther Chandler e a mãe dele, Rita, que colocava seu impecável pedigree em primeiro lugar. Apenas a esperança lhe dera apoio. Ela lutara contra as horas, sabendo que cada dia, cada semana, cada ano que passava longe de Chloe, era um tempo que não voltaria. No fim, havia algumas semanas apenas, o juiz decidira contra ela mais uma vez. Durante aqueles poucos minutos na cozinha ela compreendera de uma vez por todas que nunca mais teria a filha de volta, nunca deixaria de sentir sua falta e nunca conversaria com ela como conversara com Sophie. Podia querer essas coisas, mas seria apenas isso: querer. 19 Revisoras

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De súbito, a curiosidade da pequena Sophie Davenport a fizera perceber que o tempo estava do seu lado. Um dia sua filha iria perguntar sobre a mãe, e a curiosidade de uma criança é inesgotável. Elas se encontrariam. Um dia. Essa foi a esperança que Sophie acabava de dar a Annalise, que ficara pensativa, sentada na beira daquela cama estranha e envolta num roupão cheirando a mofo. Só isso bastava para ela achar que valera a pena ter ido para St. Augustine. Chega de lágrimas, chega de autopiedade!, exigiu de si mesma. Pettigrew não errara por muito ao chamar Annalise de mágica. Ela podia fazer mágicas naquela casa, mas não sem dormir um pouco antes. Leite quente, com gosto de açúcar e baunilha, resolveria o problema. Na cozinha, não teve dificuldade para achar o leite na geladeira e o açúcar num açucareiro Staffordshire. Mas teve de procurar a baunilha em todos os armários. — Não consegue dormir? Annalise soltou um grito e levou a mão ao pescoço. O cabelo de Robert estava molhado, penteado para trás, e a barba feita. A cozinha encheu-se com o cheiro da colônia dele. — Você me assustou. — Desculpe... Ele examinou o rosto dela à procura de indícios das lágrimas que Sophie dissera ter visto, mas não havia nenhum. Annalise parecia-lhe atraente com os cabelos soltos, caídos por cima de um dos ombros, o que atraiu o olhar dele para o restante do corpo vestido de azul, um azul forte. E não havia mais nada sob o azul. Os seios eram claramente visíveis sob o tecido macio. Daquele momento em diante, azul seria a cor predileta dele — Pare com isso! Robert olhou, rápido, para o rosto dela. — Parar com o quê? — De me olhar deste jeito! Você me deixa nervosa. — Acontece que não posso evitar. — Oh, pare! — Já disse. Há algo em você que atrai meus olhos. — Algo, o quê? Estou ficando careca ou algo parecido? Minhas orelhas estão ficando pontudas? Foi difícil para Robert conter o riso. — Ora, Annalise! Você sabe que é deslumbrante. — Sei que sou bonita, porém não deslumbrante. — Se você acredita nisso, não sei se devo confiar em seu gosto para decorar a casa. — Então, obrigada pelo cumprimento. — Há mais. — Não sei se posso suportar. — Você é enigmática. Não consigo definir como. Pensei nisso enquanto ia ao depósito e percebi que não parava de pensar em você. Parece que já a Projeto Revisoras 20


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conheço. — Deixe sua mente descansar, Robert. Nunca nos encontramos antes. Pelo menos, não nessa vida. Vim aqui apenas para esquentar leite na sua máquina de café expresso. Robert não conseguia parar de olhá-la. — Droga! — exclamou Annalise. — Não consigo fazer essa máquina funcionar. No mesmo instante Robert estava ao lado dela. — Eu a desliguei. A instalação elétrica da cozinha é antiga. — Estendeu o braço por trás da máquina e ligou-a. Sem querer, esbarrou levemente em Annalise e sentiu-a enrijecer. Ele, porém, preferiu fingir que nada acontecera. — Trouxe um microondas do depósito. Vou instalá-lo de manhã, mas para usá-lo teremos de esperar até segunda-feira, depois que os eletricistas tiverem trocado a fiação. Robert foi até a geladeira, pegou o que restava do peru e cortou fatias de peito e coxa. Colocou o prato com as fatias na mesa e voltou para a geladeira, à procura de cerveja. Ofereceu uma a Annalise. — Não, obrigada. Vou ficar com meu leite quente com açúcar e baunilha. Receita da minha avó. Faz dormir como um bebê. — Então, está com problemas para dormir? — Cama desconhecida... Por favor não faça nenhuma piada com isso! — Estamos tendo um momento mais leve? — Possivelmente. Enquanto o leite fervia, Robert pegou uma fatia do peru e comeu-a, alternando as mordidas com goles da cerveja. — Eu lhe devo desculpas — disse, de repente. — Para mim? Por quê? — Prefiro não dizer. Apenas aceite. — Agora quem é que está sendo enigmático? — Não sou bom em confissões. — Isso não é justo. Foi você quem começou. — Pragmatismo acima de tudo. O que virá em seguida? — Vou dizer-lhe boa-noite e tomar meu leite na cama. — Não seja ruim! Faça-me companhia enquanto como. — Fazer companhia para você não faz parte do contrato. — Talvez não, mas não vai nos matar se conhecermos um ao outro. Você me intriga. — Por que o pedido de desculpas? Ele pegou uma maçã da cesta e esfregou-a na camisa, enquanto comentava: — A mesa está bonita. Foi um toque seu? — Sim. Você gostou? — Muito. — Está bem, então, até amanhã. — Oh, que droga! Sente-se. Eu lhe digo por que o pedido de desculpas, se prometer não usar isso contra mim. 21 Revisoras

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— Vou tentar. — Assim que a conheci, achei que você devia ter algum problema... — É? Você achou que meus olhos pareciam enfeitiçados? — Eu sabia! Quem contou? — Aceito seu pedido de desculpa, mas só porque você é fantástico em fingimento. Ele deu uma mordida na maçã. — Por outro lado, um passarinho me contou que você esteve chorando. Ela riu. — Pareço ter estado chorando? Depois de observá-la por um instante, ele falou: — Se houve um problema, eu gostaria de saber. — Aprecio sua preocupação. — Então, é só? — É só. — Parece que o passarinho estava enganado. Annalise mordeu o lábio inferior. E se o passarinho fosse Sophie? Robert ia achar que ela havia mentido e talvez castigá-la por mentir? — Pensando bem, eu posso ter tido um breve momento de... Bom, é que feriados sempre me deitam sentimental. Sinto muita falta da minha família, mais ainda no Dia de Ação de Graças e no Natal... Claro, ela tinha dito que era órfã! Robert fez uma careta. — Sinto-me um idiota. Annalise também se sentia uma idiota, mas não ia admitir. Então, sorriu. Robert olhou para o pescoço dela, depois para os ombros. Mais baixo não, ordenou a si mesmo. — Vamos trabalhar extremamente bem juntos, não acha? — disse ele. — Isso é uma indireta? — Annalise curvou-se para a frente, molhando os lábios. — Posso lhe garantir que intimidades com o cliente sempre destrói uma boa relação de trabalho. E nós ainda nem começamos. Robert olhou-a com maior atenção. — Não, não começamos. Annalise terminou de beber o leite, sabendo que havia dois níveis de conversa acontecendo. Escolheu um tópico mais seguro. — Conheci Sophie — contou. — A luz da minha vida! — exclamou ele. — Ela a incomodou? Ele desejava poder ler a mente dessa mulher. Era bom em interpretar sinais, linguagem corporal, mas Annalise escondia bem suas emoções. — Incomodar-me? Claro que não. Ela é adorável. Muito brilhante. — Sim, ela é mesmo. A resposta confundiu Annalise, que esperara acalmá-lo mencionando Sophie, mas não conseguira nada disso. A expressão súbita de dureza que apareceu em seu rosto revelou que ela, de algum modo e sem querer, cruzara a fronteira de um terreno proibido. Foi pôr o copo na pia. — Bem, foi um longo dia. Vou dormir. Robert seguiu-a, jogou o resto da maçã no lixo e colocou o prato na pia. Projeto Revisoras 22


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Então, segurou-a por um braço, enquanto dizia: — Você se importa se eu for bem direto? Ela recuou, sentindo-o frio e distante. — Peço que o faça. — Sophie está além do limite. — Além do limite? — Annalise tentou proteger-se com a armadura que usava há muito tempo, mas parecia tê-la perdido em algum ponto e sentiu-se exposta. — Não entendi. — Você é inteligente o bastante para conseguir uma bolsa para a faculdade, mas não entende quando digo que minha filha está fora do limite? — A única coisa totalmente óbvia para mim é que Marta deve ter-lhe enviado meu currículo. Enquanto dizia isto ela entendeu. Sentiu-se fraca e apoiou-se na pia. Marta fizera mais do que enviar o currículo. Depois de ter jurado que nada revelaria sem sua permissão, devia ter contado a Robert sobre Chloe. O que ele estava pensando? Que por ter perdido a própria filha ela ia pegar a dele e sair correndo? Bem, o fato é que tudo que dissesse para esclarecer os fatos iria parecer um protesto. Os olhos dela fixaram-se nos dele por um momento tenso. — Talvez eu compreenda, afinal de contas — disse Annalise, com uma voz que não parecia dela. — Boa noite. Saiu da cozinha, sentindo as pernas pouco firmes, deixando Robert em luta contra o impulso de pedir-lhe que voltasse, para tirar a expressão de dor e choque do rosto dela. Ele balançou a cabeça. Não. Eles estariam trabalhando lado a lado por um mês. A química já atuava entre eles, a não ser que estivesse atribuindo a ela o que apenas ele sentia. Aquela mulher tinha uma vitalidade e um carisma indefinível que o atraíam muito. Com certeza o que Annalise despertara nele era apenas a coisa mais antiga do mundo. Desejo. Mas o carisma dela devia ser algo bem diferente para Sophie. Ele sabia que sua filha era adorável e esperta, que ansiava por ter uma mãe, que não compreendia a morte de Nina. Tudo que Sophie sabia era que a mãe morrera e quando soubera que não ia voltar ficara devastada. O coração de Robert doera por ela, e essa dor Cora maior que a dele mesmo. Depois, por dois anos ela inventara histórias sobre uma mãe imaginária e ele achara que não era problema. Agora não tinha tanta certeza. O desejo dela por uma mãe ("Eu quero uma, pai. Todas as crianças na escola têm mãe!") estava se tornando uma obsessão. E se ele fora cativado por Annalise, por que Sophie também não seria? Por um momento seus pensamentos vaguearam, mas no por um momento, porque sabia com absoluta certeza que as emoções de Sophie 23 Revisoras

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tinham que ser protegidas.

CAPÍTULO 3 Annalise saiu para a varanda e ergueu o rosto para o sol que se esgueirava entre os ramos das copas das árvores. Não era de admirar que as pessoas viessem para a Flórida no meio do inverno, pensou. Ainda estavam no final de novembro. Só mais vinte e nove dias de compras até o Natal... apenas vinte e nove dias até a data em que a casa teria que estar pronta. Franziu a testa, desanimada. Passar um ou dois minutos ao sol não fará nenhuma diferença, decidiu, sentando-se nos degraus da varanda para saborear seu café e aquecer-se. Atrás dela a grande porta de tela rangeu ao ser aberta. Por reflexo, virouse, dando com o sorriso de Robert e o mar verde de seus olhos. Ele sorria como se não tivesse sido um perfeito idiota ao falar da filha no dia anterior. — Vou ter de colocar óleo na dobradiça — comentou, fechando a porta. — Você dormiu bem? — Você acha que dormi? — Quer dizer que o famoso leite com baunilha da sua avó não funcionou? — Robert — ela fazia tudo para conter a fúria —, se houvesse um modo de deixar este trabalho sem comprometer meu nome como profissional, eu o faria. Daria o fora em um segundo. Isto lhe diz se dormi bem ou não? O momento de silêncio que se seguiu foi pesado e repleto de entrelinhas. — Não tem a menor graça, Annalise. — A verdade geralmente não tem graça — retrucou ela, ríspida. A fúria de Annalise estendeu-se até Marta, que sem querer provocara o desencadeamento das suas emoções mais dolorosas. — Seu nome estará em lugar bem pior do que a lama, se me abandonar agora. O abatimento de Annalise não passou despercebido para Robert, enquanto ela dava de ombros e dizia: — De que adiantam palavras e ameaças agora? Estou aqui e vou ficar. Robert desejou ser capaz de ler os pensamentos dela. Era uma mulher feita para a alegria e a felicidade, mas não deixava que aflorassem. Não, Annalise as mantinha bem trancadas.. — Vou fazer ovos fritos para o café da manhã. Você quer? — Não, obrigada. Não estou com fome. É cedo demais para mim. — A manhã está radiante, Annalise. Veja esse céu. Está maravilhoso. — Já notei. — Notou... — Ele pensou por um momento. — Então, ceda um pouco. Pare de ser teimosa. Sempre fica tão sensível depois de uma noite mal dormida? Espere aí! Aconteceu alguma coisa errada hoje? O que foi? Conteme. Annalise fez que não com a cabeça, de modo veemente. O sol refletia nos cabelos escuros e lisos. Projeto 24

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— Pettigrew disse algo que a ofendeu? Você pegou Sophie espionando em seu quarto? Ela mexeu na sua maquiagem? — Nenhuma dessas coisas. — Será que eu disse... — A surpresa surgiu nos olhos verdes. — Você acha que fui muito duro ontem à noite... sobre Sophie. É isso? — Você não tem de me dar explicações. Bingo! — Eu sei que não, mas quero dar. Não quero que Sophie seja magoada. Ela é muito viva, esperta, como você disse. Às vezes fico assustado com o quanto ela é esperta... Como não tem mãe, Sophie costuma apegar-se às pessoas. Eu não quis dizer que você estava... Oh, diabos! Sou o pai de Sophie. Tenho obrigação de protegê-la. Por que você é tão sensível quanto a isso? Não é como se eu tivesse dito algo de terrível do seu trabalho. Ele apoiou-se na grade da varanda e de repente um pensamento passou por sua cabeça: um problema... Marta havia dito que a moça era emocionalmente instável? Era esse o problema? Tinha de descobrir. Annalise ergueu os olhos para Robert, atenta. Ele não falara como se Marta houvesse traído sua confiança. Ao longo dos anos aprendera a confiar em Marta, que sempre fora compreensiva e importava-se muito com o que se passava com ela. Sempre. Marta não teria dito a Robert nada que o deixasse preocupado. Claro que não. Analisou a situação por mais um instante e continuou a fitá-lo. — É duro criar uma criança sozinho. Não sei como pude me esquecer. Minha mãe vivia repetindo isso. Robert foi cuidadoso para não dar muita força à compaixão de Annalise. Mas não pôde evitar de notar que à luz do sol ela parecia frágil. Devia ser por causa do modo delicado como movia a cabeça, da suavidade do torso e do jeito gracioso de mover as mãos. No momento em que ela lhe dirigiu um meio-sorriso, ele viu de novo aquela tristeza profunda no franzir da testa, no brilho significativo dos olhos cor de mel. Também havia naquele sorriso uma reunião de emoções: revolta, medo e uma espécie de frustração. Ele piscou, percebendo que Annalise retribuía diretamente seu olhar. — Eu estava nas nuvens... — tentou explicar, afastando os pensamentos. — O que você disse? — Perguntei se você se importaria se eu lhe dissesse como é cuidar de um filho sozinho. — A julgar pelo seu olhar determinado, não creio que me faria bem se o fizesse. Você vai me gelar de qualquer forma. Seja boazinha, não sou tão grosso quanto parece. — Presunção é o ponto-chave, não? De qualquer forma, a verdade é que eu gosto muito mais de Sophie do que de você. — Ah... — E faço questão de nunca me envolver com meus clientes. — O café esfriara e Annalise despejou-o num canteiro. — Me dá licença? Tenho uma montanha de trabalho a fazer e só vinte e nove dias pela frente. Levantou-se e, enquanto ele a olhava, saiu andando muito ereta. 25 Revisoras

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Robert apreciou-lhe os movimentos e, depois que ela desapareceu, ficou ali, imóvel, gravando na mente a imagem dela. Esguia no jeans, uma camisa de flanela amarrada na cintura, os cabelos escuros presos e os olhos cor de mel. Olhos que, apesar de toda a tristeza que espelhavam, podiam ver através dele quando queriam. — Sophie, você está escutando? Robert colocou o prato com ovos e torradas diante dela. — Eu sempre escuto. — Sophie torceu o nariz. — Esses ovos estão moles. Não gosto de ovos moles. — Coma. — Mas vou vomitar, se comer. — Não, não vai. — Os ovos enchem as artérias da gente de colesterol. Meu coração não pode suportar isso. Você está tentando me matar. Eu quero Coco Puffs, por favor. — Coco Puffs têm açúcar demais. Vão estragar seus dentes. — Você diz isso sobre tudo que eu gosto. Há alguma coisa na terra que crianças possam comer? Robert suspirou. — Oh, céus, pegue seus Coco Puffs. Ela olhou-o e sorriu. — Oh, céus — repetiu, imitando-o com perfeição. — Você está abusando da sorte, Sophie. Estou na idade em que é fácil perder a paciência. Ele comeu os ovos que fizera para si e os dela também. — Já descobriu por que Annalise estava chorando? Ao ouvir essa pergunta, Robert voltou-se para a filha. — Não perguntei. Falei com ela depois que você dormiu e vi que estava perfeitamente bem. Nada de lágrimas. Tornei a vê-la, não faz dez minutos, na escada da varanda, e ela pareceu-me muito feliz. — Tenho certeza de que ela chorou. Deve ter magoado seus sentimentos, e Annalise não quis que você soubesse. — Se ela não quer que eu saiba, não é uma boa idéia perguntar-lhe, certo? Não quero que perturbe Annalise. Ela está aqui para trabalhar, não para ser a sua babá. — Ela gosta de mim. Eu sei. Temos a mesma cor de olhos. Uma luz vermelha de alerta acendeu-se na mente de Robert. Lá vamos de novo!, pensou. Sophie está iniciando outra campanha de procura por uma mãe. Ele conversara em particular com a pediatra sobre isso, temendo que Sophie estivesse desenvolvendo uma obsessão. Mas a médica afirmara que era apenas curiosidade provocada pela morte de Nina e pelo fato de Sophie saber de que fora adotada. — Você tem de lembrar — dissera a médica — que do ponto de vista de Sophie, ela perdeu duas mães. Projeto Revisoras 26


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Como se ele pudesse esquecer! A pediatra sugerira que Robert respondesse às perguntas da menina do modo mais gentil e honesto que pudesse. As respostas tinham de ser simples e ele não devia dizer mais do que ela perguntasse. As perguntas de Sophie, afirmara a médica, eram um pedido de segurança. Esse problema o deixava com o coração apertado. — Eu também gosto de você, Sophie — declarou, fugindo da questão sobre a cor dos olhos. — Se quer incomodar alguém, pode me incomodar. Sophie pescou os últimos pedaços de Coco Puffs que II atuavam no leite. — Não, isso não. Você vai ficar bravo e me dizer para largar do seu pé. — É, pode ser, mesmo. E se você não largar, vou ficar perneta como um morcego. — Morcegos não são pernetas — esclareceu a pequena. Negou a boneca e ajeitou o vestidinho dela. — Nellie passou mal a noite toda. É o coração dela que dói. Tive de pôr uma bandagem nele. — Oh, pobre Nellie! — exclamou Robert, já sabendo qual era seu papel nesse jogo. — Como ela está agora? — Bem melhor. Mas passou horas muito mal. — E como você está se sentindo? — Está me doendo aqui — Sophie indicou um lado do corpo. — Humm. Então, hoje deve ser sua vesícula biliar... — Parece. — Bem, acha que sua dor pode suportar que seus cabelos sejam penteados? — Não! — Que pena! — Hoje é sábado, Robert, e não vou sair. Não! Não e não! Annalise estava na sala de estar quando ouviu os gritos. Seu coração bateu muito rápido enquanto corria pelo corredor. Robert subia a escada de dois em dois degraus e Sophie, jogada como um saco de farinha no ombro dele, batia braços e pernas. — Robert! — gritou Annalise, adicionando sua voz a gritaria. Ele girou na escada. — O quê? — O que está havendo? Por que Sophie está gritando desse jeito? Sophie! O que houve? — Ela não quer que eu penteie seus cabelos. É normal. — Você puxa meu cabelo! — bradou a menina, parecendo acalmar-se um pouco. Pettigrew saiu do quarto dela. — O que está acontecendo? — Eu só vou pentear os cabelos de Sophie, Pettigrew. — Você não pode esperar até a segunda-feira? — implorou a senhora. — Eu já estarei na casa de repouso então. Robert riu. — Bem que eu queria! 27 Revisoras

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— Deixe Annalise pentear meu cabelo, Robert. Eu não vou mais gritar se você deixar. Robert olhou para Annalise, que sentiu seu estômago se contorcer, porém demonstrou-se impassível. A decisão tinha de ser dele. — Você se importa? — perguntou Robert. — Não, claro que não. Vai levar só alguns minutos. Ele colocou Sophie no chão e a garotinha correu rapidamente até em cima, parando junto do corrimão. Então, olhou para Annalise e piscou. — Obrigado, Annalise — agradeceu Robert. — Fale comigo depois que terminar de tomar suas notas e fotos. — Claro. — Sophie, comporte-se. — Eu vou me comportar, papai. Ele fez uma pausa, apertou os lábios, então desceu. Annalise foi para o banheiro com Sophie. — Muito bem, vamos ver o que se pode fazer com esses seus cabelos. — Você pode fazer ficar como o seu? Tentando passar os dedos pelos cabelos embaraçados, Annalise sorriu. — Bem, se tomarmos algumas providências... O que acha de lavarmos seus cabelos, passar condicionador para tirar os nós e depois ver o que fazemos? Levou vinte minutos. Sophie enfrentou o pente e a escova com impressionante bravura. Annalise fez duas tranças de cada lado do rostinho, para impedir que os cabelos caíssem sobre ele, depois afastou-se para admirar sua obra. Enquanto olhava, fios começaram a se arrepiar. Escovou os cabelos de novo, assentando-os. — Você está linda, Sophie. Parece um quadro de Mary Cassatt. A pequenina sorriu para o reflexo de Annalise no espelho pendurado na porta do banheiro. — Tenho de ir falar com a Nellie. Espero que ela me reconheça. — Por que não reconheceria? Sophie abraçou-a. — Você pode me pentear todo dia, se quiser. Annalise sentiu o cheirinho quente e doce da menina. Oh, Deus, que comentários desagradáveis Robert faria sobre isso? — Quero, sim, mas só se o seu pai deixar. — Ele deixa! Robert prefere lutar com um urso a pentear meus cabelos. — Mesmo? A menina passou as mãos pelas trancas, gostando do que sentia. — Annalise, você acredita em Papai Noel? — Sim, claro que sim. — Não acha que o Papai Noel do shopping é, mesmo, um homem de roupa vermelha e barba? E agora?, pensou Annalise. — Tenho certeza de que há muitas imitações de Papai Noel, mas há apenas um de verdade. Projeto Revisoras 28


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— E esse é o que mora no Pólo Norte? — É no que acredito — Annalise respondeu, cautelosa. — Bem, não sei... Não entendo como ele sozinho consegue entregar todos os presentes em uma só noite. — Ele tem de entregá-los. É muito caro mandar pelo correio. — Oh! Eu não tinha pensado nisso. — Vamos descer. Seu pai já deve estar pensando que nos aconteceu alguma coisa. Annalise ficou tão absorta no trabalho que se esqueceu de parar para almoçar. Primeiro tirou fotos com a Polaroid e, em seguida, com slides de trinta e cinco milímetros, tendo o cuidado de notar onde se posicionava em cada sala, para que as fotos que tirasse depois da reforma fossem feitas dos mesmos locais. Fez desenhos e inventário de todas as peças importantes em cada cômodo, anotou lembretes para si mesma. Hesitou antes de entrar no quarto que Robert ocupava. Mas só por um instante. A primeira coisa que viu foi a cama imensa com dossel, desfeita, e arrepiou-se inteira. Focalizou a cama através da objetiva da câmara, porém foi a imagem de Robert que viu na ocular. Imaginou o rosto dele perto do seu nos travesseiros, tentou imaginar como seria ser beijada por ele, tocada por ele, estar na cama com ele. Abaixou a câmara, mas isso não apagou as imagens de sua mente. O desejo, há muito tempo enterrado, atingiu-a em cheio. Annalise fechou os olhos com força. Meu Deus, pensou. Como vou lidar com isto? Conte até dez e siga trabalhando. E assim que vai lidar com isso, ordenou a si mesma. Aos pés da cama com dossel havia uma outra cama pequena, também desfeita. Um grande baú de tampa plana, de cerca de 1870, fora empurrado contra a parede. Sobre ele havia malas abertas. A maior e mais arrumada era a de Robert; a outra, de Sophie, e achava-se numa verdadeira confusão de roupas e brinquedos. Tomou notas, mas fotografou apenas o buraco na parede que Robert fizera para unir seu quarto ao do lado. Aí, sentiu que seu estômago roncava, chamando-lhe a atenção. Desceu. Robert estava na cozinha abrindo uma garrafa de refrigerante dietético. O impulso dela foi dar meia-volta, mas se conteve. Ele não podia ler sua mente. Tudo que tinha a fazer era agir com naturalidade. Colocou o caderno e as canetas na mesa. — Bem? — inquiriu ele, erguendo uma sobrancelha. — Eu vim fazer um sanduíche. A casa, Annalise, a casa! — Ah. Robert notou o início do franzir na testa dela, coisa que acontecia muito, e decidiu que nem isso era capaz de diminuir o magnetismo dos olhos cor de 29 Revisoras

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mel. — Acho que decidi quanto à cor. Marfim rosado. — Annalise pegou fatias de presunto, pão e maionese na geladeira. — Acetinado e lavável nas paredes, a não ser nos locais em que se possa conservar o papel, esmalte nas portas e janelas. Por sinal, o papel de parede é francês. Depois que tirarmos o mofo, vai ficar magnífico. Você é que é magnífica! — Quer refrigerante? — Sim, obrigada. Sabe, Robert, as pessoas que construíram esta casa tinham estilo. E os móveis! — Será que estou percebendo um pouquinho de entusiasmo? Annalise passou maionese no pão. — Admito que meu coração está batendo mais depressa. De costas para Robert, ela deu uma mordida no sanduíche. A comida ajudou a diminuir a tensão no estômago. Tomou um gole do refrigerante e sentiu-se quase recuperada. — Tem alguma idéia de por onde começar? — Aqui em baixo. Na sala grande, de portas francesas para a varanda. E o saguão, claro. Os assoalhos estão bem conservados. Uma raspada e uma boa camada de cera vão ajudar. Vou fazer uma lista de pequenas coisas que você não pode esquecer, como fechaduras que não funcionam direito e batentes a substituir, coisas assim. Ela pegou o bloco de notas e virou as páginas. — Não há uma só cortina em toda a casa que possa ser salva. Pode tirar todas. Vamos ter de conversar sobre que fazer com as janelas, mas isso pode ser depois, apesar de eu sugerir que façamos tudo o mais simples possível. — Gosto das coisas simples. — Bom. O único problema é... Ainda não escolhi um tema para a decoração. — Que tal um tema de Natal? — Pode ser. Mas a casa terá de continuar depois que as decorações de Natal forem retiradas. Uma pessoa indo de uma sala para a outra não deve ficar chocada com a mudança. Tem de haver um fluxo. Deixarei a decoração de Natal para o final. Quanto tempo você levará para pintar a sala de estar, a biblioteca, a sala de jantar e o hall? — A tinta deverá ser entregue na segunda e o pessoal estará aqui na terça. — Você vai contratar pintores? — Pintores, eletricistas, jardineiros... — Então, quero uma equipe de limpeza. — Eu disse que posso ajudar... — Robert, esta casa está cheia de poeira e sujeira. Annalise não ocultava a impaciência. — Todos os cômodos precisam ser esvaziados, limpos e arrumados. É preciso lavar cadeiras e sofás com xampu. Você já entrou na biblioteca? Há duas paredes inteiras cobertas por livros. E Pettigrew disse que não vai levar nenhum deles, exceto os álbuns da família. E mais uma coisa: ratos. Eles fizeram ninhos na biblioteca, sob as camas e nos cantos dos sofás. — E só? — indagou Robert. Projeto Revisoras 30


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— O quê? — Você terminou? — De jeito nenhum. Estou só começando! — Ela virou outra página do bloco de notas. — Temos três lareiras. Uma na sala grande, uma na sala de jantar que Pettigrew está usando e uma na sala de estar da família, no final da ala nova. Precisam ser limpas. Há tanto resíduo nelas que a casa poderia se incendiar caso você acendesse uma das lareiras. — Vou acrescentar limpadores de chaminés na minha lista. Ela sorriu. — Ótimo. Quanto ao grupo de limpeza... — Deixe-me pensar sobre isso. — Claro. Annalise afastou o bloco e pegou debaixo da pia o balde de plástico que sabia estar ali. Assobiando Jingle Bells, encheu o balde com água quente, acrescentou meia xícara de vinagre, uma pitada de sal, jogou dentro uma esponja e colocou o balde diante de Robert. — Enquanto pensa, pode ir tirando o mofo do papel de parede dos quartos. Comece com o meu, o cheiro está terrível. Se me arranjar uma escada, eu desmonto os lustres, lavo e guardo os prismas, até havermos terminado a limpeza da sala. São Tiffany, caso não tenha notado. Por um longo minuto Robert ficou olhando para o balde, então ergueu o rosto e viu desafio no sorriso e nos olhos que agora enfrentavam os seus, sem sinal de tristeza. — Tenho de concordar, Annalise; você realmente sabe como chamar a atenção! — Já viu bem o que há nessa casa, Robert? Além dos lustres, dois divãs e vários sofás Chippendale? Há nove abajures Tiffany de cúpula vitral. Nove! E não são réplicas. São autênticos! Estou falando de Louis Comfort Tiffany, de Nova York! — Não me surpreende. Tiffany foi o decorador de interiores de Henry Flagler quando ele construiu o Hotel Ponce de León, em 1887. Tenho certeza de que isso influenciou muito os ricos da região. — Minha avó foi camareira no Hotel Ponce de León. — Agora é uma faculdade particular, mas pode-se fazer visitas — explicou,Robert. — Você deveria ver também o Museu Lightner, onde há uma sala só de vitrais. Você vai adorar. Não. Nunca. Agir desse modo seria como dar um tiro no próprio pé. Era cisma dele, resultado de uma variação de humor. Ia passar quando começasse a trabalhar de verdade. — São coisas que podem esperar. Mas diga, o quanto de sua atenção consegui chamar? — Você não desiste, não é? — Só estou tentando fazer meu trabalho. — Vai ter sua equipe de limpeza — suspirou Robert. — Quando? — No máximo até o final da próxima semana. 31 Revisoras

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— Certo — assentiu Annalise. — Há cola de Elmer por aí? Depois que você limpar os papéis de parede vou colar as beiradas soltas. Ah, ia me esquecendo! Vou me instalar na antiga sala de costura. Posso organizar melhor as coisas lá do que na cozinha, onde acabo sempre lavando pratos. — Segunda. — Segunda? O quê? — A equipe de limpeza. — Está combinado. Annalise colocou o bloco de notas embaixo do braço e pegou o balde. — Bem, não há sentido em jogar isto fora. Se precisar de mim, estarei no meu quarto, limpando as paredes. — Mais alguma coisa? — perguntou ele. — Já que pergunta... Quero uma retirada de dinheiro contra meu pagamento. Quinhentos por semana. — Considere feito. — Obrigada. — Ela dirigiu-se para a porta da cozinha. — Ora, eu é que agradeço, Annalise! Annalise já havia passado por ele quando permitiu-se dar um luminoso sorriso.

CAPÍTULO 4 — Por favor, papai — implorou Sophie, com os olhos fixos nos dele. — Eu me comportei maravilhosamente bem hoje. — Mesmo? Parece que me lembro de algo diferente no café da manhã. — Eu quis dizer que me comportei bem depois disso. Ajudei Pettigrew e Twyla a colocar as coisas no carro e esvaziei baldes de água suja para Annalise. Fiz algo de útil, como você sempre me diz para fazer. — Estou impressionado. Ouça, mundo, Sophie Davenport se comporta bem um dia em cada sete! — Sou uma criança adorável. — Ela ergueu o queixo, indignada. — Você sabe, não existe outra igual a mim. Robert sorriu. — Acho que devo encarar isso como um dos pequenos favores que a vida me prestou. Ele se espreguiçou, apoiou as duas mãos nos quadris e arqueou o corpo um pouco para trás, depois observou a enorme sala. Os móveis maiores teriam de esperar pela ajuda que chegaria segunda de manhã. Mas tinha feito progresso. As paredes já estavam nuas, as mesas e cadeiras menores tinham sido levadas para a biblioteca, seu equipamento, escadas e serras achavam-se na varanda dos fundos. Mas, apesar disso, ainda tinha a estranha sensação de que seu mundo fora virado de cabeça para baixo. O impulso imediato foi correr atrás de Annalise e acusá-la de ter causado o caos que arrasava seu íntimo. Sophie puxou-o pela manga. Projeto 32

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— Você parou de me escutar. — Esta é uma reclamação universal das mulheres, meu bem. — Ao ver a indecisão da pequena, ele riu: — Não se preocupe. Ela parecia tão adorável de macacão, com a camisa de flanela saindo pelos lados, a cabeça erguida, os cabelos tão bem penteados agora, apenas com alguns cachinhos caindo no rosto. Era uma boa menina, mesmo quando virava uma peste. — Pode continuar — disse Robert, por fim. — Tem toda minha atenção. — Eu estava dizendo que vou me comportar maravilhosamente bem amanhã também. Prometo tomar um café da manhã certinho e não perturbar você quando estiver lendo o jornal de domingo. Como se ele fosse ter tempo para ler jornal entre aquele momento e o Natal! — Vou pensar no seu caso... Ele notou que os lábios rosados tremiam. Por um momento desejou que Nina estivesse ali para ver como o tempo deixara a filha deles linda! Antes da morte de Nina, ele não pensara muito na mãe biológica de Sophie. Mas recentemente começara a ter algumas dúvidas. A mãe dela devia ser uma beleza para ter passado para a pequena aqueles olhos grandes e o queixinho perfeitamente oval. E os cabelos? Fartos, sedosos, brilhantes e cheios de vida. Era impressionante vê-los domados na forma da trança que Annalise fizera naquela manhã. Talvez ela o ensinasse a fazer trancas... — Não gosto quando você fica aí, pensando — declarou Sophie —, porque sempre acaba dizendo não. Por favor. Vou manter minha promessa de ser boa. Robert suspirou. Sabia perfeitamente bem que acabaria cedendo. Desde o começo aquela feiticeirazinha mexera com sua sensibilidade. — Você está com os dedos cruzados atrás das costas? — indagou, desconfiado. Sophie mostrou-lhe as duas mãos. — Humm, acho que isso aí no seu dedo mindinho sou eu. — Não é, não, pai! É sujeira. — É verdade. Está bem. Lave as mãos e pegue o gorro e o casaco. Dois minutos depois Sophie entrava a toda na sala de costura e parava com estardalhaço junto à longa mesa de cortar sobre a qual Annalise espalhara suas anotações, fotos e desenhos. — Annalise, pegue seu casaco. Depressa! Robert vai nos levar para ver as luzes de Natal, na praça. Corra, antes que ele mude de idéia. — Sophie! Você me assustou. — Depressa, Annalise! — Espere aí! Fale tudo de novo. — Os enfeites de Natal na praça! Os colares de luzes já foram colocados nas árvores. Robert vai nos levar lá. É como no conto de fadas. É o começo do Natal. Você vai ver. Annalise levantou, tomando o cuidado de não afastar muito a cadeira. Junto da parede, às suas costas, alinhara todos os abajures Tiffany para mantê-los a salvo dos trabalhadores que iam invadir a casa. Seu corpo estava 33 Revisoras

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doído por causa das horas que passara lavando as paredes dos quartos. — Eu bem que gostaria de dar uma caminhada... — Sorriu, hesitante. — Tem certeza de que fui convidada? Sophie assentiu enquanto colocava o gorro ,de tricô na cabeça. —Mas corra. Robert está esperando na varanda da frente. — Tenho um minuto para me arrumar? — Não. Temos de ir já. — Não vou sair parecendo uma mendiga, Sophie. Encontro você lá na frente, em dois minutos. Robert virou-se quando a porta de tela rangeu. A surpresa foi evidente no rosto dele ao ver Annalise com Sophie. Ficou claro que nada tinha a ver com o convite. — Annalise vai junto! — apressou-se a dizer a menina, ao ver a cara que os adultos faziam. — Estou mais cansada do que imaginava, Sophie — Annalise acrescentou enquanto tentava dominar o embaraço. — Da próxima vez eu vou. — Annalise, por favor, venha com a gente! Robert não se importa, não é, pai? Ele olhou da filha para Annalise e compreendeu a hesitação dela. Assentiu, dizendo: — Eu posso não ter feito o convite, mas o apoio. — Não quero interferir na vida familiar de vocês — esquivou-se Annalise. — Sei como esses momentos são importantes para os pais solteiros. — Sophie e eu passamos muito tempo juntos. Ela praticamente mora no meu bolso. Sophie achava que não morava no bolso de Robert, pois fazia muitas coisas sozinha. Mas contradizê-lo agora poderia fazer Annalise ficar e queria que ela os acompanhasse. Gostava dessa moça mais do que de qualquer outra pessoa que conhecera recentemente. Talvez até gostasse mais dela do que gostava de Nina. Não se lembrava do quanto gostava de Nina, nem se gostava. De qualquer forma, Nina não estava mais com eles e Annalise estava! — Você disse que gostaria de dar uma caminhada lembrou ela. — Para sair, Sophie prometeu que se comportará direito amanhã — explicou Robert. — Se você for, talvez eu arranque outra promessa dela. O timbre persuasivo da voz dele e seu jeito afetuoso de provocar Sophie convenceram Annalise a ir. O coração dela apertou-se diante da certeza de que o pai da sua filha jamais sentira afeição pela criança. Era o oposto. Luther Chandler, o Terceiro, a convencera a assinar papéis que davam seu bebê à mãe dele e a mãe dele dera a criança para outra mulher. Depois, ele tentara convencê-la de que havia feito aquilo por eles dois. Oh, Deus, aquela aflição de novo! Pensava que havia se livrado dela. — Annalise — havia alarme na voz de Robert. Ela se assustou. — O que foi? — Você ficou branca. Está se sentindo mal? O tal problema misterioso, pensou ele. — Oh, não. Foi uma cãibra na perna. Com toda essa movimentação de Projeto Revisoras 34


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hoje... — Mais uma razão para sair um pouco. — Ele pegou o casaco de suas mãos e ajudou-a a vesti-lo. — Bem, se acha, mesmo... — Achamos, sim! Atenta, Sophie procurou guardar na memória a expressão de Annalise para estudá-la depois. Ao ajudá-la a vestir o casaco Robert não a tocou, apesar da proximidade do adorável pescoço. Um pescoço perfeito para beijar... Voltou à realidade e indagou: — Todo mundo pronto? Com Sophie correndo à frente, sem notar o frio, Annalise e Robert caminharam lado a lado, a um passo bem mais tranqüilo, com os ombros às vezes se tocando. Annalise sabia um pouco sobre St. Augustine e as várias culturas que se havia misturado no decorrer dos mais que quatrocentos anos da cidade. Mas se Don Pedro Menéndez de Avilés, da Espanha, não houvesse desembarcado ali no dia oito de setembro de 1565 para fundar a primeira colônia permanente na América do Norte, se o magnata do petróleo Henry M. Flagler não houvesse passado sua segunda lua-de-mel em St. Augustine, se a avó de Annalise não houvesse nascido na antiga cidade e se as ruas estreitas não fossem ladeadas por casas vitorianas ela e Robert teriam que procurar outros assuntos para conversar. Coisas estranhas e pessoais, pensou Annalise ao checarem à praça onde cada árvore fora coberta por fios com lâmpadas brancas. O pequeno largo tinha uma igreja de cada lado, a Casa do Governador num extremo e a super decorada Ponte dos Leões sobre o cinza-azulado rio Matanzas do outro. A distância via-se as ondas provocadas pelo vento. — Olha! — exclamou Sophie. — Você já viu coisa mais maravilhosa? Annalise já tinha visto coisas "mais maravilhosas", mas não ia decepcionar Sophie. — Não, acho que não — sorriu. Robert ergueu uma sobrancelha, mas sorriu também. Annalise desviou os olhos rapidamente, mas não antes de ele perceber que ela possuía o tipo de boca que fazia um homem pensar em excessos sexuais. Meu Deus, a confusão que seria se ela soubesse no que estava pensando! — Tudo bem com você? — perguntou Robert. Ficou evidente no rosto de Annalise que não sabia do que ele falava. — Você disse que estava cansada... — lembrou ele. — Ah, sim! Tudo bem. Uma rajada de vento percorreu o parque. Ela ergueu a gola do casaco e acrescentou: — Fico feliz por ter me convencido a vir. A praça está mesmo maravilhosa. Preciso de algo que me faça entrar no espírito natalino. Os sinos da igreja bateram assinalando a hora cheia, fazendo-a voltar-se para a catedral católica e sua impositiva torre do sino. — Você ficou pensativa de repente... — comentou Robert, notando como o 35 Revisoras

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sorriso dela esmaecia. — Pensativa? Estava apenas recordando. — Recordando o quê? — Outras igrejas, outros Natais... E presentes. Presentes que deveriam ter sido dados ano após ano, mas que ainda estavam embrulhados dentro de uma caixa, na sua van. Oito anos de presentes de Natal. Oh, coração tolo, pare de doer! — Você não parece estar recordando coisas boas. Ela tratou de sorrir. Admito que me sinto meio melancólica. Minha avó costumava vir à missa nessa catedral. Ela me contou que depois do trabalho ia à igreja e acendia uma vela para o amor de sua vida. — Seu avô? —Não, um amor que não se realizou... Ela e meu avô eram felizes juntos, mas no dia em que ele morreu, vovó começou a usar uma jóia que ganhara do admirador secreto antes de conhecer vovô. Ela encorajou minha mãe e a mim a aceitarmos o amor onde quer que o encontrássemos, dizia que não devíamos deixá-lo escapar por causa do que os outros pensam ou por causa das regras da sociedade. — E você seguiu o conselho? O tom amigável e o sorriso leve insinuavam que a pergunta, na verdade, era "E quantos casos você teve?" Annalise havia tirado Luther do coração. Era como se ele não tivesse existido, porém, ela sabia que ele era o motivo de não ter se apaixonado por mais ninguém. — Minha mãe seguiu — respondeu, em tom bem-educado. — Eu não tive tempo. Nunca fui do tipo agressivo. E de qualquer forma, estudei numa escola de freiras, onde me ensinaram sobre pecados mortais e dignidade feminina... Essas duas coisas estão ainda penduradas em meu pescoço, como melancias. Robert riu e disse: — Tomei a decisão certa. — Sobre o quê? — Sophie vai para uma escola de freiras. Quero que ela aprenda sobre pecados mortais e dignidade feminina. Não creio que eu possa agüentar garotos com espinhas na cara correndo atrás dela ou ela atrás deles. Quer entrar na catedral? — Outra hora. Aí vem Sophie. A praça estava se enchendo. Grupos de pessoas apinhavam-se pelo labirinto de ruelas estreitas. Uma caravana de carruagens puxadas a cavalo, iluminadas com lanternas e cheias de turistas contornou uma esquina. Sophie puxou Annalise pela mão. — Venha ver a árvore de Natal, Annalise. É de verdade e tem cheiro de Natal! Não vejo a hora de montarmos a nossa! Robert foi deixado para trás. Annalise riu de algo que Sophie disse quando subiam no coreto. O som de sua risada alcançou os ouvidos de Robert e ele quis guardá-lo, quis que ela risse novamente para ele. Um homem aproximou-se delas no coreto e falou com Annalise, que lhe Projeto Revisoras 36


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sorriu. Algo retesou-se no íntimo de Robert; surpreso, ele descobriu que era ciúme. Annalise pegou a mão de Sophie e as duas distanciaram-se do homem, indo admirar a árvore imensa cheia de luzes. Só aí ele voltou a respirar. Observou que o verniz profissional que recobria Annalise ia aos poucos se diluindo, suavizando-se e permitindo que emergisse uma Annalise que ele não conhecia: tranqüila, que ria com facilidade e tinha um olhar alegre. Era delicioso vê-la tão descontraída! Mas a Annalise sem máscara existia apenas para Sophie. Não para ele. Teve um súbito desejo de ver através de todas as superfícies e proteções de Annalise. Queria alcançá-la, física e emocionalmente. Queria conhecê-la, compreendê-la. Queria acabar com o tal problema misterioso, fosse qual fosse, que a fazia tão triste e vulnerável quando pensava que ninguém prestava atenção nela. Esse impulso tornou-o irrequieto. Era absurdo: os dois não conseguiam ficar juntos por mais de dez minutos sem que um começasse a ser agressivo com o outro. Encostou-se em um dos canhões espanhóis e ficou olhando Sophie, que corria de uma árvore iluminada para outra. Com crescente interesse, reparou na gentileza e suavidade com que Annalise brincava com a menina. Bem que gostaria de ter um pouco daquela atenção para si. Besteira! Annalise deixara claro que não se interessava em ter casos com clientes. Uma onda de choque pareceu atingir-lhe o corpo quando uma possibilidade veio-lhe à mente. Sophie queria uma mãe,precisava de uma mãe. Adoraria ter uma mãe... E ele? Do que precisava? De uma esposa. Uma amante. Uma companheira. Precisava de tudo. Seu olhar foi de Sophie para Annalise. Percebeu, então ele precisava se controlar, manter a mente atenta e não permitir que os pensamentos dessem saltos para o futuro. Já tinha bastante que fazer no presente! — Esta é uma noite incrível! — Sophie respirava ofegante ao chegar correndo. Abraçou Robert pela cintura. — Posso começar minha lista de Natal agora? — Começar? — Robert soltou-se do abraço. — Você está trabalhando nela desde o dia 26 de dezembro passado. Deve ter uma lista do tamanho de um livro. Onde está seu gorro? Não me diga que perdeu mais um! — Está aqui! Annalise aproximou-se deles, sua expressão suavizou-se por uma fração de segundo e houve um rápido brilho nos olhos cor de mel quando lhe entregou o gorro. Robert mais sentiu do que viu esse brilho que lhe deu esperança. Em seguida o olhar dela tornou-se escuro outra vez, quando recuou para dentro de si mesma de novo. — Ponha o gorro, Sophie — mandou ele. — Só falta você ter um resfriado! — Está na hora de irmos? — perguntou Annalise. — Só se você estiver cansada e com frio. 37 Revisoras

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— Eu não estou com frio! — anunciou Sophie. — Quero um sorvete. Ela apontou para o outro lado da praça onde havia uma sorveteria e um restaurante grego, ambos cheios de gente. Annalise esperou, não querendo interferir, enquanto Robert suspirava. — Certo. Sorvete para todos e depois, para casa! Sei que Annalise está cansada. Ela teve um dia difícil hoje. — Estou estragando o passeio de vocês? — Claro que não. — Ele abaixou a voz para que Sophie e os demais que estavam junto do balcão não ouvissem. — Não quero que ela abuse de você. Vai haver dezenas de atividades aqui na praça até o Natal e ela vai querer vir a todas. — Eu também! — exclamou Annalise. Começou a sorrir, mas ficou séria de repente. — Está dizendo que prefere que eu não aceite os convites de Sophie? — Não, se quiser vir conosco. Só estou tentando ter consideração por você. Fez-se um breve silêncio. — Admiro muito isso em um homem — replicou ela. — E um grande atributo. Annalise inclinou-se sobre o balcão de vidro para fazer o pedido, um pequeno cone de sorvete de baunilha com pedacinhos de chocolate O sarcasmo da resposta não passara despercebido para Robert, fora admoestado, não cumprimentado. Está vendo?, disse para si mesmo, é um sonho absurdo. Vendo Robert pensativo, Sophie calculou que era a hora certa de pedir um grande sorvete de chocolate com cobertura. — Sophie! — advertiu ele. — Pode deixar — garantiu ela, cheia de inocência —, eu como inteirinho! — É isso que me preocupa. — Papai, está dormindo? Robert virou-se e afofou o travesseiro. — Estou tentando... Sophie sentou-se na caminha dela. — Posso dormir com você? — Eu sabia! — O olhar dele era acusador. — Está com dor de estômago. — Não, são meus nervos. Robert suspirou. — Onde estão seus nervos agora? — Na minha cabeça. A respiração dele acelerou. Quando os nervos de Sophie, reais ou imaginários, subiam para a cabeça, ela sempre pedia para ouvir a história do começo dos tempos. — Então, venha. — Ele afastou as cobertas. Sophie, com Nellie no braço, subiu pelos pés da cama e se deitou. Robert ajeitou as cobertas ao redor dela. — Está bem, assim? — Claro. Projeto Revisoras 38


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Ele deitou-se de lado, apoiou a cabeça na mão e respirou fundo. — Você está usando perfume? — Não. São sais de banho. — De quem? — mas ele sabia. — Annalise disse que eu podia usar, então não fique bravo. — Ela sentouse. — Você está bem coberto? — Como poderia? Você está puxando tudo! Sophie ajeitou as cobertas sob o queixo dele. — E agora? — Agora está ótimo, obrigado. Ela se deitou de novo e suspirou. Robert franziu a testa no escuro. Não ia ajudá-la; sempre havia a possibilidade de Sophie cair no sono antes de terminar o ritual. Robert estava quase dormindo quando ela o cutucou. — Papai, você gosta da Annalise? Os olhos dele se abriram rapidamente e respondeu: — Acho que ela vai fazer um trabalho espetacular na nossa casa. — Mas você gosta dela? — O que há nela para não gostar? — Eu gosto da voz dela. É suave como música, Annalise diz que é porque veio do sul. Ela garantiu que a minha voz também é boa, quer dizer que eu também devo ter vindo do sul. Robert não disse nada e virou de costas, com as mãos sob a nuca. — Annalise tem um segredo, sabe? — Por que vem com essa, agora, Sophie? Andou mexendo nas coisas dela? — Claro que não! Eu não mexo, nem fuço. Eu investigo — Xereta! — Eu presto atenção, é só isso. Quando Annalise acha que ninguém está olhando, ela pensa em coisas tristes Pessoas que têm segredos ficam tristes. — Mesmo? E como você concluiu isso? — Porque tenho segredos e às vezes fico triste porque quero tanto contar a alguém! Mas não posso, porque se o fizesse não seria mais segredo ou... eu poderia me meter numa encrenca. — É, acho que você está certa. — Sei que estou! A pequena falava com uma certeza que ia bem além da sua pouca idade. Ela se meteria numa boa encrenca se Robert soubesse que vivia procurando a mãe. Teria de manter esse segredo para sempre ou pelo menos até estar bem velha, com uns dezoito ou vinte anos. — É por isso que você tem problemas na escola. Sophie usou a tática de ficar quieta, enquanto ajeitava Nellie no travesseiro. — Nellie quer que você conte para ela como me conseguiu. — Sophie, é tarde e a Nellie já escutou essa história uma dúzia de vezes. — Mas ela esquece. Você sabe como ela esquece tudo. Robert passou uma das mãos no rosto e colocou-a sob a nuca outra vez. Depois da morte de Nina ele começar a contar essa história acreditando que 39 Revisoras

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fazia Sophie sentir-se especial, amada e menos assustada. Mas agora apesar do quanto a menina adorava ouvi-la, ele desconfiava que à medida que crescia ela a usava para consegui pistas do seu passado. Robert não queria essa busca, não queria a dor que causaria. Sophie aproximou mais dele. — Estamos escutando. — Quando eu vi você pela primeira vez... — Não é assim que começa. — Quem está contando a história? Você ou eu? Ela suspirou com ênfase. — Esqueceu a parte de você e Nina tomando café da manhã quando a moça da adoção ligou, Robert! — Ah, é mesmo! Agora me lembro. Isso foi no dia em que aprendi que os peixes têm penas. Sophie riu. — Eles não têm não. — Num instante Nina e eu pegamos o carro, voamos para Atlanta, fomos ao hospital e lá estava você. — E você levou duas multas por excesso de velocidade no caminho. — Isso aí. Você já estava me custando caro antes mesmo de eu a conhecer. — E quando você me viu eu parecia um amendoim e era muito magrinha. — Você já tinha os cabelos espetados, como agora. Eles ficavam espetados para todos os lados, apesar de as enfermeiras terem tentado dar um jeito prendendo-o com clipes. — Não são clipes, são grampos de cabelo! Sophie ainda os tinha guardados em sua caixa do tesouro. — Obrigado. De qualquer forma, você parecia um cruzamento entre a peruca de alguém e um girino. — Você nunca tinha me dito isso antes. — Acabo de me lembrar como você se contorcia. Os girinos vivem se contorcendo. — Foi isso que fez você querer sair dali e voltar correndo para casa? — Foi, mas se eu dissesse qualquer coisa Nina teria acabado comigo! Na verdade, ele ficara assombrado ao ver o bebê e seu coração de imediato passou a amá-la. Sempre tentara contar a Sophie sobre essas emoções, mas ela preferia que a história fosse centrada em si mesma. — E eu tinha uma terrível cicatriz no peito onde os médicos tinham operado para consertar os buracos no meu coraçãozinho. Essa era a parte que Sophie adorava e ele odiava. — Eu não gostava de olhar para a cicatriz. Fazia meu estômago ficar todo esquisito. Mas sabia que os médicos tinham realizado um milagre. — Eu era tão pequena que cabia na palma da sua mão e você tinha medo de me segurar. — E verdade. As suas unhas eram minúsculas e dava para a gente ver através delas. Eu queria colocá-la novo na incubadeira e voltar direto para casa. — Sem mim... Projeto Revisoras 40


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— Pois é. Mas aí suas pálpebras se ergueram e você me fitou com esses seus grandes olhos castanhos. Você, era uma conquistadora naquele tempo. Você disse "Oi, pai" e eu soube que tinha de ficar com você para sempre. Sophie riu. — Eu não disse isso. Bebês não falam. Robert sorriu. — Mas você falou, sim, e nunca mais ficou calada até este momento! — Então, você guiou para casa bem devagar porque tinha medo que eu parasse de respirar. — E fim da história! — encerrou Robert, com firmeza. Desta vez não houve protesto. Ele saiu da cama, pegou Sophie e Nellie no colo e as colocou na cama delas, acrescentando: — Amanhã, você pode escolher um quarto e vamos pedir a Annalise que o decore. Sophie sentiu os nervos girarem e comprimirem seu coração. — Não quero um quarto só para mim. — Mas vai ter. — Nellie vai ficar com medo... — Vamos dar um jeito para você não sentir medo. — Não sou eu — disse Sophie resoluta, parecendo preocupada. — Eu não tenho medo de nada! A não ser dos fantasmas de crianças no sótão, pensou ela. E se eles acordassem de noite descobrissem que ela estava sozinha no quarto? — Então, você é mais corajosa do que eu — reconheceu Robert, beijandoa. — Não acho. — Sophie esqueceu que estava jogando seus medos em Nellie. — Na verdade, tenho certeza de que não sou. — Agora você vai dormir. Amanhã vamos conversar com Nellie sobre isso. Cansadíssimo, Robert sentou-se na beirada da cama e ficou escutando a respiração de Sophie se acalmar. Droga. Cansado ou não, agora estava totalmente desperto. Annalise acendeu um dos abajures atrás da longa mesa, ligou o aquecedor elétrico de cerâmica que Robert lhe arrumara e sentou-se com a intenção de continuar de onde parará quando Sophie a interrompera. Mas não pegou a caneta, não fez outro desenho, não avaliou cores ou fotos nem consultou as anotações. Em vez disso, apoiou o queixo nas mãos e tentou conter os pensamentos. Tinha ignorado Robert no retorno para casa. O problema era que ele sabia que ela o estava ignorando. Ao chegar a casa, tratara de incluí-lo no boa-noite que dera a Sophie. E, agora, estava com medo de ir para a cama. Se com os olhos bem abertos podia imaginar a suave carícia dos lábios de Robert em sua boca e pescoço, a palma das mãos dele em seus mamilos enrijecidos, o que aconteceria se fechasse os olhos? A lógica feminina sussurrava que era a coisa certa a fazer. 41 Revisoras

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Ela não quis escutar. Durante anos não sentira o menor desejo sexual. Agora achava-se imersa neles e não podia deixar que Robert percebesse. Estava tão concentrada nos pensamentos que não percebeu a presença de Robert até que ele bateu suavemente na beirada da mesa. Ela emitiu um gritinho. — Estou perturbando você? — perguntou ele. — Não, claro que não! — As mãos dela ajeitaram uma das pilhas de papéis. — Eu já havia terminado, mesmo. — Você não precisa fazer isso, Annalise. Não espero que trabalhe doze horas por dia. — Mas é necessário, se quisermos cumprir o prazo. Os dois ficaram em silêncio diante da lógica do raciocínio. Annalise percebeu que ele não estava totalmente composto. Conseguia ver o pijama na cintura da calça e sob a malha, nos pulsos. Os cabelos estavam despenteados, mas isso não diminuía sua boa aparência. Ele foi até a janela, enfiou as mãos nos bolsos de trás e ficou olhando para fora. Ela sabia que Robert podia ver pouco mais que o próprio reflexo com a luz acesa ali dentro. Passado um longo momento, ele voltou-se e olhou ao redor da pequena sala, observando a mesa improvisada, os desenhos e as fotos pendurados nas paredes, a fileira de abajures. — Foi uma boa idéia sua essa de montar um escritório. — Aprendi há muito tempo que ajuda muito. Tira-me do caminho dos trabalhadores, me protege da poeira e do barulho. Nós precisamos sentar juntos e fazer uma lista do que esperamos... Quer dizer, do que queremos fazer. — Cuidaremos disso no momento certo. Uma das coisas que quero é que Sophie tenha seu próprio quarto, e ela está resistindo. Cometi o erro de colocá-la no meu quarto depois que minha esposa morreu e agora ela acha que isso é o normal. Você poderia me ajudar? — Vou tentar... Annalise queria perguntar sobre a esposa dele, mas não ousou. Queria e não queria saber. Robert poderia ainda estar loucamente apaixonado por ela ou talvez comparasse todas as mulheres que conhecia com a imagem que guardava dela, com sua personalidade, a risada, o estilo. E, sem dúvida, a imagem da esposa tinha que ser a mais perfeita. Que mulher viva poderia competir com isso? A voz dele despertou-a. — Talvez fosse melhor eu lhe contar que Nina morreu em casa. Não foi exatamente uma experiência agradável. Nem para mim, nem para Sophie, que na época tinha apenas quatro anos. Mas era o que Nina queria e eu não pude negar. — Claro que não — Annalise concordou com empatia. — Mas imagino que deve ter sido assustador para uma menina de quatro anos. Ele deu um sorriso triste. — Foi assustador para mim também. Fiquei apavorado e também aliviado. Projeto Revisoras 42


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Nunca tinha visto alguém com tantas dores. Annalise não disse nada por vários momentos. O ar parecia estar mais rarefeito e precisou respirar fundo para conseguir oxigênio. Robert suspirou. — Você é uma boa ouvinte, Annalise. Jamais havia contado isto a ninguém, até agora. — Os homens não gostam sequer de pensar que são vulneráveis. Ele observou longamente o rosto dela, como se quisesse decorá-lo. — Acho que não gostamos, mesmo — concordou por fim. Aí, deu aquele seu sorriso diabólico. — Mas quando o assunto é Sophie, tenho de pensar nisso e não posso deixar que ela vença essa batalha, porque é preciso que tenha seu próprio quarto. — Posso envolvê-la pedindo-lhe que me ajude a decorar seu quarto, se você achar que pode ajudar. Por Deus, onde ia arrumar tempo para isso? Daria um jeito, Sophie era especial. — Uma outra coisa... — Robert apoiava uma das mãos na porta, pronto para correr se ela o achasse tolo ou pior. — Será que você pode me ensinar a trançar os cabelos de Sophie? Os olhos cor de mel tornaram-se maiores. — Olha, pode recusar... — os olhos verdes mantinham-se frios — não vou me zangar. — Não, não tem problema. Posso alocar tempo para isso. Alocar? Robert sorriu. — E o que mais admiro em você, Annalise... É totalmente profissional. Boa noite. — Boa noite... Claro que ela era totalmente profissional. O trabalho era sua única segurança. Annalise foi até a prateleira onde estavam as amostras de materiais e pegou um álbum de fotos, que era precioso demais para ser deixado na van. Em seguida, acomodou-se à mesa e o abriu, conseguindo alguma tranqüilidade ao ver as fotos de sua mãe, da avó, de si mesma quando criança e adulta. No final do álbum havia uma série de fotos do seu bebê. Ela tocou cada uma delas com suavidade. Uma fotografia de sua filha no dia em que nascera, outra na UTI neonatal, depois da cirurgia. Seus dedos deslizaram, suaves, sobre a pequena imagem enquanto lembrava do medo e do choque quando vira todos os tubos e monitores. Uma simpática enfermeira da noite havia tirado duas de suas fotos preferidas. Uma delas com a filha, ambas olhando para a câmara, e outra dela trocando a fralda do bebezinho com uma expressão intensamente consternada no rosto. Ergueu a cabeça e viu o próprio reflexo na janela. Velhas emoções, velhos sentimentos demoravam a morrer e por um 43 Revisoras

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momento um caudaloso rio de dor arrastou-a. As ameaças de Luke Chandler não importavam mais. O que importava era que lembrava da filha com amor, que precisava permitir que esse amor se expandisse e englobasse os outros. Com gesto lento, fechou o álbum.

CAPÍTULO 5 A sra. Pettigrew apoiou-se no andador, olhou ao redor na cozinha e suspirou. — Bem, já que tenho mesmo de ir, é melhor antes do que depois. Não é como se eu tivesse uma vida inteira a frente para lamentar. — Eis um modo perfeito de colocar os sentimentos — comentou Annalise. — Talvez seja. Pelo menos vou deixando a pia cheia de louça! Annalise riu. — Não havia nenhum prato sujo na pia ontem quando fui dormir. Quem faz o café da manhã nesta casa é especialista em bagunça. — Pegou a chaleira e tirou a tampa. — Vou tomar chá quente e suco. Há o bastante para duas. Aceita uma xícara? — Não, obrigada, querida. Twyla já deve estar chegando. Vamos à igreja, depois iremos encontrar com dois amigos do retiro, para almoçar. No caso de você não ter notado, Twyla é louca por homens. Foi casada por mais de quarenta anos, até o marido morrer. Você deve estar pensando que ela teve sua parte mais do que suficiente de homens, não é? Nada disso... Não pode ver um homem, que esquece seus setenta e sete anos e começa a fazer charme. E o mais incrível é que os homens se interessam por ela. É assustador. — Para mim parece divertido. Pettigrew fez um som de reprovação muito pouco feminino. — Concordo que os homens são necessários, mas na m parte das vezes só complicam a vida da gente! — Ajeitou a gola do casaco e pôs as luvas. — Então, como estou? — Muito chique. — E meus olhos? Coloquei máscara nos cílios. Está muito ruim? — Seus olhos estão ótimos. Piscinas azuis. Você vai arrasar. — Que besteira! Foi o que a velha senhora disse, mas Annalise viu que ela gostara do elogio. — Não sei onde o Robert se meteu neste domingo de sol — continuou Pettigrew —, mas lembre-o que precisa levar o resto das minhas coisas e a televisão para o retiro. Está tudo empacotado e com etiquetas. A sala de jantar é toda dele. — Darei o recado. — Não pense que não vai mais me ver, Annalise. Vou passar por aqui de vez em quando, sempre que Twyla esteja disposta a me trazer. A coisa que Projeto 44

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mais odeio em ser velha é que me tiraram a carteira de motorista. E o juiz velhusco que fez isso deve ter amassado mais pára choques do que eu. — Ela olhou pela janela acima da pia. — Aí está Twyla. Annalise adiantou-se para abrir a porta da cozinha. Assim que passou pela porta, Pettigrew parou. — Diga ao Robert que se ele não levar minha televisão antes do programa "Assassinato por Escrito" vou colocá-lo na minha lista negra! — Isso é muito ruim? — O pior possível, minha menina. Diga-lhe para não se arriscar. — Vou dizer, mas não sei como ele vai aceitar esse ultimato vindo de mim. — Se o modo como os olhos dele se iluminam quando você está por perto for algum indício, eu diria que vai aceitar muito bem qualquer coisa que você diga. — Pettigrew sorriu diante da expressão de surpresa de Annalise. — E não finja que não ouviu o que acabo de dizer. — Não é isso. Só creio que está enganada. — Até posso estar — concordou Pettigrew, sem qualquer culpa. Twyla buzinou. — Ô, mulherzinha impaciente! — resmungou Pettigrew, apoiando-se no corrimão e pendurando o andador de alumínio no braço. — Deixe-me ajudá-la a descer — ofereceu Annalise. — Não, eu desço sozinha. Mas Annalise desceu a escada ao lado dela assim mesmo. Twyla acenou e ela acenou de volta. Ao chegar embaixo, a velha senhora voltou-se para Annalise. — Não vai esquecer, não é? — apontou para a casa. — Grandiosa. Eu a quero grandiosa. — Não vou esquecer. Nem por um minuto. Annalise ficou por momentos na escada, ao sol que conseguia passar pela folhagem. Tocou o cabelo. Estava penteado para trás, sem qualquer preocupação com estilo, e não usava qualquer maquiagem. Os olhos de Robert se iluminam quando estou por perto 1? Talvez devesse cuidar-se um pouco e quem sabe usar uma roupa melhorzinha aos domingos... Não. Não havia dias de folga. Domingo ou não, precisava estar com os lustres desmontados antes de escurecer. Queria lavar pessoalmente os delicados prismas. Fechou os olhos e cobriu o rosto com as mãos, Esforçando-se para livrarse da imagem de Robert. A distância, os sinos da igreja badalaram. Tempo. Trabalho. Encontrou algumas lâmpadas na despensa. Depois de tomar o chá, trocaria as lâmpadas queimadas no hall do segundo andar, não podia decidir nada sobre ele enquanto não o visse direito. Talvez mais tarde pudesse tomar um banho e passar uma hora tranqüila na adorável catedral que vira na noite anterior. Quem sabe a paz que lá 45 Revisoras

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reinava a ajudasse a compreender suas emoções. Pegou da despensa, também, a pequena escada dobrável. Colocadas, as lâmpadas pareceram iluminar não apenas o hall, mas também seu espírito. As luzes revelaram que o maravilhoso chão de pinhal quase não estava riscado, ao contrário do hall do térreo. As paredes mostravam-se amareladas. Um pouco de tintai faria maravilhas por elas. As janelas de ambos os lados tinham cortinas pesadas. Abriu-as. O sol entrou e sua luz era suficiente para manter viva uma boa quantia de plantas. Samambaias, talvez. Quando caminhou para o outro extremo do hall, escutou uma voz baixinha. — Oi. Parou e olhou por cima do ombro. Sophie estava sentada no chão, como um bichinho desamparado. — Sophie, querida! O que faz aqui? E por que está tão triste? Annalise notou que a pequena estava sentada em um degrau de uma espécie de pequena alcova e que outros degraus sumiam numa escuridão que luz alguma alcançava. Meu Deus. Não tinha notado esse detalhe ao estudar a casa. — Estou ficando fora do caminho do Robert — sussurrou Sophie. — Prometi. — Me dê um canto — Annalise sussurrava também e sentou-se ao lado de Sophie. Então, sorriu. — Este é o seu lugar secreto? — Psiuuu! — fez Sophie, colocando o indicador sobre a boca. — Por que está sussurrando? — Escute. Lá de cima veio um som, um murmúrio como folhas secas ao vento. — Eles ainda estão acordados — disse Sophie, bem baixinho. — Quem? — Annalise perguntou, bem perto do ouvido da menina. A garota cheirava a talco e perfume. Annalise reconheceu os cheiros, a bandidinha mexera em suas coisas! — Os pequenos fantasmas de crianças — explicou a menina. — Eles saem à noite para brincar. Sempre espero que durmam de novo antes de subir para brincar com meus brinquedos. Podem ser amigos, mas não sei... — Quer que eu vá dar uma olhada? — Você não tem medo? — Não muito. A escada era estreita, os degraus altos. — Você pode acender a luz, aí na parede — avisou Sophie. — Eu sempre acendo antes de abrir a porta. Annalise estendeu a mão para Sophie. — Quer vir comigo? — Estou meio tonta — inventou a pequena. — Vou ficar aqui mais um pouquinho. — É... —Annalise olhou-a com atenção. —Você parece estar um pouco pálida, mesmo. — Pôs a mão na testa de Sophie. — Mas não está com febre. — Tive que comer os ovos que o Robert fez para mim. A parte branca Projeto Revisoras 46


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estava gosmenta. Nunca mais vou prometer tomar o café da manhã que ele quiser! Só de me ver comer aquilo a Nellie ficou tão mal que precisei colocá-la na cama. — Pobrezinha! Annalise acionou o interruptor de luz, olhou novamente para Sophie que levou o dedo aos lábios e assentiu. Então, girou a maçaneta e abriu a porta. Soou um rangido alto e o coração dela deu um pulo. Riu de si mesma. Não acreditava em fantasmas. A seqüência de lâmpadas ao longo do sótão iluminava tudo, menos os cantos mais escuros. Surpresa, Annalise soltou uma exclamação, sentindo-se como se houvesse encontrado um tesouro. — Annalise... — chamou Sophie. — Está tudo bem. Não vejo nenhum fantasma. — Mas é assim mesmo. Não se pode ver fantasmas! — É verdade. Mas eles já foram embora. Tenho certeza. Ela mal viu quando Sophie parou ao seu lado e lhe deu a mão. O sótão tinha assoalho de pinho não envernizado. Na parte da frente havia dois belos vitrais. A poeira flutuava na luz que passava pelos vidros coloridos e caía sobre baús velhos e antigas caixas de chapéus. Não havia vento, mas Annalise sentiu um arrepio e esfregou os braços, os pêlos se arrepiaram enquanto andava pelo sótão. Segurando-lhe a mão, Sophie sentiu a eletricidade passar pelo corpo de Annalise. — Você está com medo? — Oh, não! Isto aqui é mágico, Sophie. Veja todas essas coisas maravilhosas! Indicou vários manequins com cinturas absurdamente finas. Havia uma maravilhosa casa de bonecas, mais alta do que a menina, uma exata reprodução da casa onde estavam, mas sem as modernizações. Havia brinquedos, um cavalo de balanço com a sela belamente entalhada e pedras preciosas nas rédeas, cestas de seda vermelha com soldados de brinquedo, livros, miniaturas de pessoas e animais. Havia, também, cadeiras e banquetas decoradas com rosas e vinhas. Annalise abriu uma das caixas redondas e encontrou um chapéu de aba larga com rosas de seda. Um armário antigo continha vestidos protegidos por capas de pano de algodão, os vestidos eram de tecidos finos e estilos de mais de um século atrás. Um grande baú continha roupa de cama e mesa em linho. Annalise estendeu a mão para eles e recuou rapidamente. — Ooopa! Sophie, acho que encontrei seus fantasmas. Olhe. — Ohhhh! Eles não são lindos? — Sophie maravilhou-se com os cinco ratinhos recém-nascidos. — Lindinhos mas destruidores. Vamos ter de levá-los para fora. — E a mãe deles? Ela vai achá-los? Eles vão morrer sem ela, não vão? Essa era a idéia, mas Annalise não quis dizer. — Acho que podemos deixá-los aqui por enquanto. Examinou o outro lado da mala-baú, que continha toalhas de chá, toalhas de mesa rendadas e fronhas bordadas, tudo de linho, precisando de ser lavado 47 Revisoras

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e passado. Tratava-se de peças difíceis de se ter nesta época de empregadas domésticas, raras e caras. Sem dúvida, era por isso que haviam sido guardadas no sótão. Enquanto Sophie olhava os ratinhos, com recomendação de não tocar neles, Annalise continuou andando pelo sótão. Descobriu um guarda-fogo de lareira em bronze, a estrutura desmontada de um dossel de cama, uma poltrona de 1870, com o tecido francês gasto mas ainda maravilhoso. Havia várias cestas feitas à mão, cobertas de pó. Ficou mais agitada ainda ao abrir uma caixa de madeira com peças díspares de talheres e uma profusão de pesos de papel em vidro que eram verdadeiras jóias. Tropeçou em uma caixa de papelão e dela caíram ornamentos de Natal, com Papai Noel em todas as posições possíveis, feitos e pintados a mão. Pegou tudo com cuidado e colocou sobre um baú. Havia uma banqueta caída ao lado. Colocou-a de pé. Ia ficar perfeita no hall de cima. Sua mente recolhia e analisava imagens sem parar. Encontrara o tema para a decoração, sabia exatamente onde cada peça deveria ficar e como. Pettigrew ia surpreender-se e Robert ficaria deslumbrado, pois teria horas e horas de trabalho economizadas. Sophie brincava de casinha, colocando um jogo de chá de porcelana sobre uma das caixas de chapéu. — Vou chamar o seu pai. Tudo bem você ficar aqui sozinha? — Acho que sim. Se você tem certeza que não há nenhum fantasma. — Tenho certeza. — Sabe? Acho que vou sentir falta deles. — Dos fantasmas? Sophie assentiu. — Era assustador ficar esperando que eles fossem dormir, mas também era emocionante. — Vamos arranjar outra coisa emocionante para você fazer. Poderá me ajudar a decorar seu quarto. Temos coisas maravilhosas aqui em cima para torná-lo especial. — Não sei... — É maravilhoso ter um quarto só da gente, Sophie. Você pode determinar que ninguém entre nele sem bater. Pode arrumar suas coisas como quiser. Pode convidar suas amigas para dormir com você. — Não, não posso. Robert não deixa. Ele diz que já dou bastante trabalho sozinha. Sei que é verdade, porque estou tendo um trabalho terrível para ser boazinha. Annalise sentou-se no chão ao lado dela e abraçou-a. — Oh, Sophie! Você é boa, mas é difícil para o Robert criar você sozinho. Os pais ficam preocupados porque se não educarem direito os filhos poderão prejudicá-los. Minha mãe era igualzinha, ela queria que eu fosse perfeita em tudo. — Você é perfeita. Nunca vou ser tão boa quanto você. — Oh, meu bem, não sou perfeita! Não sei tudo e cometo erros. Gostando de ser abraçada, Sophie encostou-se em Annalise. — Que tipo de erros? Projeto Revisoras 48


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— Grandes erros e pequenos erros, dizendo e fazendo coisas erradas. Às vezes até pensando coisas erradas. Se. quiser, eu falo com Robert. Ele tem de compreender que você está crescendo e precisa fazer coisas de menina grande. Sophie olhou-a, esperançosa. — Você fala como uma mãe. Annalise prendeu a respiração. — Obrigada. Foi um cumprimento maravilhoso. — Você quer ser mãe? Um dia, quer dizer. — Sim, quero. — Annalise sorriu apesar da dor no peito. — Muito. Um dia. Escute, depois que eu terminar meu trabalho hoje, vou até a catedral. Quer ir comigo? Eu peço ao seu pai. Sophie suspirou. — Não posso. Sempre tenho que ir jantar com a vovó Davenport aos domingos. Robert costumava ir também, mas agora me manda sozinha. Você quer trocar um segredo? — Sim, mas não consigo pensar em nenhum para lhe contar. — Pode ficar me devendo. — Neste caso, concordo. — A vovó Davenport não gosta muito de mim e fica comigo por causa do Robert. Ela não gosta que eu vá aos jantares de domingo, diz que o Robert é que quer, então ela faz o jantar... Estava claro que, realmente, a avó dizia que não estava acostumada a ter crianças pequenas por perto e que ficaria mais à vontade quando Sophie aprendesse a diferença entre os talheres para peixe e os para carne. Mas a pequenina preferia sua versão da história e ficou contente com a reação de Annalise, que parecia de choque. — Ela lhe disse isso? — perguntou Annalise. — Não, ela disse para a amiga com quem joga bridge e eu ouvi. Com certeza a menina andara escutando atrás da porta, pensou Annalise. Ainda assim, imaginou como era possível alguém não ser gentil com Sophie? Sem mãe, era uma criança que merecia e precisava de amor, de compreensão. — Esse é um segredo e tanto! — Annalise tomou o Cuidado de não ser ofensiva para com a mãe de Robert. — Acho você maravilhosa em todos os aspectos. — Então, gosta de mim de verdade? — Gosto, sim. Não há mais ninguém de quem goste tanto. Quem sabe domingo que vem você não tenha que ir jantar lá e a gente possa sair para fazer as compras de Natal. Sophie se iluminou. Aquilo era incrível! — Posso falar com a vovó hoje, assim ela não vai ficar me esperando na semana que vem. — Acho melhor você apenas tocar nessa possibilidade, para ela. Preciso falar com seu pai, antes. — Ele vai me deixar ir se você pedir. Robert gosta de você. Muito. Ele disse que não há nada em você que ele não goste. — È mesmo? 49 Revisoras

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Na certa Sophie inventara aquilo para ser gentil, calculou Annalise. E mesmo que fosse verdade, Robert deveria ter feito esse comentário referindo-se à capacidade profissional dela. — E, sim, ele disse. Ontem à noite. — Está bem, mas creio que isso não faz qualquer diferença — avisou Annalise. Ela sabia que se achava em águas emocionais profundas e não sentia segurança em si mesma. Ainda assim, apesar de suas emoções serem erráticas, percebeu como era maravilhoso poder dar vazão aos instintos maternais. Mais do que maravilhoso. Era tão... certo! — Vou pedir a ele, Sophie. Está bem? Mas tem uma coisa: se ele disser não, nós teremos que aceitar sem nenhuma reclamação. — Certo. Mas se o Robert disser não, vou ficar terrivelmente doente. Então, ele vai mudar de idéia para fazer com que eu me sinta melhor. Annalise riu. — Sophie, querida... você é uma diplomata de oito anos. — E isso é bom? — Não sei se é bom, mas é muito esperto. Enquanto descia para procurar Robert, Annalise sentia-se feliz. Nos últimos oito anos estivera tão envolvida consigo mesma que não fizera nada além de lamentar, chorar e sentir pena de si. Acabara se tornando uma depressiva funcional, via isso agora. Não há problema em se ficar triste às vezes, mas descobrira que agora achava-se pronta para voltar a viver. O sorriso que lhe iluminava o rosto apagou-se quando chegou ao hall de entrada. Robert retirara todo o lixo acumulado lá, mas agora havia coisas empilhadas diante de duas paredes. Apoiando a mão no espaldar de uma cadeira de balanço Windsor, ela sacudiu a cabeça. Não, aquilo não ia dar certo. Robert saiu da biblioteca carregando uma grande poltrona, viu Annalise e sorriu. — Estou seguindo seu exemplo e limpando um espaço para o meu escritório. Não posso continuar trabalhando na mesa da cozinha. Minhas anotações estão todas sujas de geléia. — Ele pôs a poltrona junto da cadeira de balanço e observou uma galáxia de emoções passar pelo rosto de Annalise. — O que foi? — perguntou, alarmado. — Você tem que colocar estas coisas em outro lugar, Robert. Não vamos começar a limpar e pintar o hall e o sala grande amanhã? — Vamos... — Então. E perda de tempo e energia ficar levando móveis de um lado para o outro. Não temos tempo para isso, também. Ele apoiou-se na parede e fitou-a. — Está dizendo que é impossível? — Não. Sim. A casa não é impossível. Mas você é! — Acha que a estou pressionando demais?, — Admito que sinto um pouco de ansiedade. Mas é tudo. Houve uma pausa e os dois suspiraram. Foi Annalise que voltou a falar. Projeto Revisoras 50


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— Na verdade, vim procurá-lo para dizer que encontrei o tema. Devagar as coisas estão se ajustando. Deixe-me contar-lhe o que encontrei e o que estou pensando. Rapidamente, ela expôs suas idéias. — Você está falando em transformar a casa em um museu! Não quero um museu, quero uma casa, um lar onde possa viver. Annalise passou a mão nos cabelos e olhou para o teto. A tinta descascando fez com que fitasse Robert de novo. — Você não pode usar os dezesseis quartos ao mesmo tempo — retrucou. — Neste momento está usando um quarto, um banheiro e a cozinha, que por enquanto bastam. Teremos tempo para nos concentrarmos nos cômodos que de fato precisam ser modernizados. O restante da casa poderá ser reformado com calma, depois do Natal. Como ele permanecesse em silêncio, ela continuou: — Pense nisto, Robert. Pettigrew quer a casa grandiosa, quer guardá-la na lembrança com toda sua grandiosidade. Podemos dar-lhe o que quer usando parte do que há no sótão. A sala de costura ficará linda decorada por manequins com roupas antigas. A sala vazia entre a sala de costura e a da família deve ter sido uma sala de brinquedos. Posso colocar brinquedos lá, móveis em miniatura e a casa de bonecas. Não, não a casa de bonecas não. Ela vai para o quarto de Sophie. Você entendeu a idéia, não é? — Olhe, investi muito nisto e... — Eu também. Mas pintar algumas paredes e envernizar o assoalho é muito mais fácil do que reformar a casa inteira. — Sem cortinas? Não vamos ter nenhuma privacidade — Não há necessidade de cortinas nas janelas de baixo Seria como esconder peças preciosas sob um monte de coisas As janelas e portas são entalhadas a mão, o que as torna muito elegantes. De qualquer forma, a menos que planeje ficar correndo nu pela casa, você não vai precisar de... — Muito engraçado! — Eu não quis ser engraçada. — Annalise entrou n biblioteca e torceu o nariz. Felizmente estava de costa para Robert e ele não viu. — Pretendia lavar os prismas dos lustres hoje, mas não vou fazê-lo. Em vez disso, vou ajudá-lo a arrumar a biblioteca, para que instale seu escritório aqui, e depois vou terminar a sala de costura para que tenha uma idéia do que estou falando. Então, se não gostar... — Você não aceita "não" como resposta, pelo que vejo! —Aceito quando é preciso, quando não há nenhuma saída. Ele teve a certeza de que esse comentário estava relacionado com o tal problema misterioso e nada tinha a ver com decoração. Robert considerou a idéia de se aproximar por trás dela, abraçá-la pela cintura, sussurrando ao seu ouvido e afastando o cabelo para que ela sentisse sua respiração no pescoço. Uma sensação conhecida percorreu-lhe as virilhas. Esqueça isso, ordenou-se ele, respirando fundo. Annalise voltou-se, com um sorrisinho esperto, revelador de alguma nova maquinação desenvolvendo-se na mente dela. 51 Revisoras

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Mas que coisa!, pensou. Ela está lendo minha mente! — Vamos fazer o seguinte — propôs Annalise. — Enquanto você leva as coisas de Pettigrew para o re... Robert soltou um gemido. — O que foi? — perguntou ela. — Esqueci que tinha prometido levar as coisas dela! — Lamento ser a transmissora de más notícias. Pettigrew pediu-me para lhe dizer que quer a televisão antes do programa "Assassinato por Escrito" ou você vai parar na lista negra dela. — Droga! Tenho que estar com a Sophie de banho tomado e pronta para o jantar com minha mãe às cinco. Ela a visita todos os domingos. — Se você quiser, posso cuidar da Sophie. — Detestaria fazer isso com você... Não a contratei como babá. — Eu sei, mas não tem importância. — Você não tem idéia de como é tentar colocar Sophie dentro de um vestido. — Nós mulheres nos entendemos. — Aposto que sim. Annalise riu do comentário em tom sarcástico com que ele enfrentou sua orgulhosa afirmação feminista. — Estamos aprendendo desde que Eva mordeu aquela maçã, Robert. Por Deus! Ele adorava quando ela ria. E, de fato, Annalise era uma mulher muito bonita. Acabou cedendo: — Está bem. Olhe, maçãs não farão Sophie entrar num vestido. Terá que prometer-lhe cenouras ou outra coisa de que ela realmente goste. — Ela puxou o pai, imagino. O tom bem-humorado permaneceu entre eles. — Por acaso, está balançando cenouras diante do meu nariz? — indagou Robert. Ela ficou surpresa. Havia um tom de flerte na voz dele ou imaginara? Mas tinha certeza que havia humor nos olhos verdes. — Você saberia se eu o fizesse... — respondeu, afastando os cabelos dos ombros com a segurança feminina que não sentia há anos. Robert notou o gesto. Pelo menos desta vez, foi sábio o bastante para ficar quieto e Annalise prosseguiu: — Então, se eu conseguir colocar Sophie num vestido sem derrubar o teto da casa vou merecer uma recompensa? — Uma recompensa? Que tipo de recompensa? — Um pequeno favor... O tom dela era leve. Notou que o cabelo dele encrespava-se atrás das orelhas. Muito sexy! Tentou não pensar em como Robert lhe parecia atraente. — Pequeno, quanto? — Assim — ela mostrou o espaço de dois centímetros entre os dedos. — Hum. Tamanho é coisa relativa. Quer dizer, dois centímetros são muito para uma mosca. — Está tentando escapar! Isso não combina com você. O Robert que conheci é firme, decide tudo no mesmo instante. Projeto Revisoras 52


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Firme e decide "tudo" no mesmo instante'? Ele descobriu-se reparando no modo como os olhos dela subiam nos cantos. Annalise sorriu. Havia algo naqueles olhos que não combinava com o sorriso ou era impressão dele? — Prefiro pensar que estou sendo sábio e cauteloso. Annalise deu de ombros. — Se você anda como pato, grasna como pato... — Ela sentou-se na cadeira de balanço. — Esta cadeira é muito confortável. Deve ir para a sala da família. Ele observou-a cruzar as pernas e conseguiu ver apenas dois tornozelos muito bem torneados. — Certo — disse, acreditando que ceder era a melhor coisa a fazer. — Um pequeno favor, desde que não atrapalhe nosso trabalho. Mas não sei por que estou tão preocupado com isso, você nunca vai conseguir fazer Sophie entrar num vestido. — Muito bem, então aceite minha oferta e vamos trabalhar na biblioteca. Será mais rápido — ela entrou na biblioteca. — Podemos colocar sua mesa ali — indicou o lugar. — E a minha aqui, perto da janela. Preciso de muita luz. — Eu quero a janela. — Há uma dúzia de janelas. Escolha uma. — Há pilhas de móveis e jornais diante das outras. — Podemos jogar fora os jornais e desfazer as pilhas de móveis. — Por algum motivo não aceito a idéia de que você seja a mulher tão impositiva quanto está bancando ser! O sorriso suave reapareceu e desta vez refletiu-se também nos olhos dela. — Agora eu sou.

CAPÍTULO 6 Annalise puxou um banquinho de três pernas e sentou-se diante da caixa de chapéu que servia como mesa de chá para Sophie. — O acordo é o seguinte. Se você usar um vestido no jantar com sua avó hoje, creio que podemos conseguir sair no domingo que vem. E faremos compras de Natal juntas. Traída!, pensou Sophie e sacudiu a cabeça com veemência. — Não, Annalise. Não vale a pena. Acontece que se eu usar um vestido, a vovó vai ter um ataque cardíaco. E não queremos isso na minha consciência, não é? Annalise escondeu o sorriso com a mão. — Você está exagerando, Sophie. A menina deu de ombros. — Bem... Posso estar, mesmo, mas não muito. Já tenho que usar o uniforme da escola a semana toda. E o que há de errado com calças compridas? Ninguém manda um menino usar vestido. — Oh, Sophie, querida, como é que desenvolveu essa lógica retorcida? Você é mais esperta do que isso. 53 Revisoras

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— Sou esperta o bastante para não usar vestido hoje. Annalise apoiou os cotovelos nos joelhos. — Tudo bem. Pense nisto, então... Você usaria uma fantasia? — Quer dizer, algo como a abóbora de papier mâché que usei no Dia das Bruxas? — Não, exatamente. Lembra quando eu disse que você parecia uma pintura de Mary Cassatt? — Sim. Mas não sei quem é Mary Cassatt, pensei que fosse por causa da trança. — E foi. Ela era uma artista famosa e pintou quadros de mulheres e crianças incrivelmente elegantes. Posso vestir você como uma das pinturas dela. Pelo menos, acho que posso. Se olharmos naqueles baús, podemos encontrar algo especial... Você estaria usando, um vestido de outra época, seria como estar fantasiada. — Não sei, não. Um vestido é um vestido. — Seria como brincar de se vestir de gente grande. Aposto que você já fez isso! — Não. Annalise apertou os lábios. Claro que não. Sophie não tinha mãe para imitar, pois a dela morrera antes da pequena chegar ao estágio em que usar as roupas da mãe e brincar com maquiagem são brincadeiras deliciosas. — Foi só uma idéia... — Annalise sorriu, ocultando a perturbação. — Seu pai vai levar as coisas de Pettigrew. Quer me ajudar? Temos umas duas horas antes da sua avó vir buscá-la. Vou arrumar a sala de costura como era quando esta casa foi construída. Só que melhor ainda. — Certo — concordou Sophie, sem muito entusiasmo. — O que quer que eu faça? — Sophie, querida, você não tem de me ajudar. Eu a convidei porque seria alguma coisa para ocupar seu tempo e só quero que fique por perto enquanto seu pai não volta. Além disso, gosto de ficar com você. — Está brava comigo? — Claro que não. Na verdade, eu a admiro. Muito. Sophie sentiu um calor súbito no peito. Annalise gostava dela. De verdade. Era assim que mães e filhas conversavam. Tinha certeza disso. — E por que me admira? — Primeiro, porque você é muito, muito, esperta e também porque sabe o que quer. Algumas pessoas podem dizer que é uma cabeça-dura, mas não é isso. Você sabe; o que quer, como quer ser e não se desvia disso. — Robert diz que sou mais do que cabeça-dura. Diz que tenho visão em túnel. Isso quer dizer que vejo as coisas numa só direção. — Sei o que quer dizer. Seu pai tem visão em túnel também e você deve ter herdado isso dele. Já fui criticada por ter visão em túnel, só que a crítica sempre vinha de alguém que se irritava porque eu não mudava de idéia como queria que fizesse. No momento em que abria a boca para contar que não podia ter herdado isso de Robert porque era adotada, Sophie se conteve. Não iria entregar seu melhor segredo assim à toa! Projeto Revisoras 54


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— Uma pessoa pode aprender a ter visão em túnel? Annalise riu. — Claro. Você aprendeu. Ela movia-se pelo sótão pegando os itens que planejava usar. Um dos manequins, um banquinho, duas caixas de chapéus, uma cesta alta em forma de urna, que era perfeita para colocar bengalas e guarda-chuvas. Começou examinando vários baús em busca de tesouros de outra era, descobrindo corpetes, longas e rendada roupas de baixo. Algumas estavam estragadas, mas isso não importava para o que tinha em mente. Encontrou também roupas de criança, vestidos, casacos, toucas, sapatos e botas baixas de cordão. Havia baús com roupas de homens também e um com roupinhas de bebê. Um vestido de batismo feito com camadas e camadas de cambraia macia, embrulhado num fino pano azul claro. Os baús estavam cheios de sachês de lavanda de rosa feitos a mão. Os baús de calças e ternos masculinos de lã tinham pedaços de cedro e naftalina. — Até que enfim! — exclamou Annalise ao desdobrar um pano azul desbotado. O pano protegia um vestido de mulher. O corpete era de veludo preto, com decote discreto e botões de madrepérola. A saia, em veludo verde-escuro, era franzida valorizando o corpete estreito. Colocou o vestido num dos manequins. — O que acha? — perguntou a Sophie. — É um vestido de mulher? Tão pequeno assim? — Mas é. As pessoas eram menores no começo do século. E agora, o que estamos procurando é um baú ou caixa com retalhos de tecido e moldes. Talvez seja aquela ali — apontou para um baú no fundo de uma reentrância da parede. — Você é menor, entre lá e empurre, que eu puxo. Arrastaram o baú para um lugar espaçoso e Annalise abriu-o. — Maravilhoso! — disse, abrindo o catálogo de moda Jordan, March Illustrated Catalog de 1891. Havia outros com roupas para andar de bicicleta e para noite. — Veja! — Abriu com cuidado as páginas frágeis de um raro jornal francês de 1834. — Os ancestrais de Pettigrew eram gente de bom gosto. Sophie inclinou a cabeça e perguntou: — Como você sabia que ia encontrar essas coisas aí? — Não sabia, apenas esperava. Nos velhos tempos, quando as mulheres faziam suas roupas, sempre guardavam os modelos e moldes. Usavam os restos de tecidos para fazer colchas, outros vestidos ou chapéus. Não se desperdiçava nada! — Annalise sorriu. — Mas eu tinha alguns indícios. Os manequins e o fato de Pettigrew ter dito que sua família costumava guardar tudo. — Afastou o cabelo do rosto. — Estou com sede. E você? Minutos depois as duas achavam-se sentadas uma diante da outra, na mesa da cozinha. Annalise tomava um refrigerante e Sophie, um copo de leite com chocolate. — Eu lhe devo alguns segredos — disse Annalise. — Pensei que tivesse um bom, mas ele não vale mais nada agora. — Me conte! — Sophie apoiou os cotovelos na mesa e seu rosto iluminou55 Revisoras

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se. Contente por ter despertado o interesse da menina, Annalise balançou a cabeça. — Não vale mais nada agora, nem vai adiantar. — Se me contar, aceito como pagamento da dívida e a gente fica empatada. Annalise mexeu o gelo no copo com o dedo. — Bem, garanti ao seu pai que faria você usar vestido hoje. Ele disse que se eu conseguisse, ficaria me devendo um pequeno favor. Mas eu não contei que favor seria. Sophie entendeu na mesma hora. — Ia pedir a ele para me deixar fazer compras com você! — Exatamente. — E ele não poderia negar porque já deu a palavra. — Foi o que pensei. Os olhos de Sophie se estreitaram. — Como é que fez para Robert concordar com algo que não sabe o que é? — Isso é outro segredo. Se eu lhe contar, você fica me devendo um. — Certo. — Usei a astúcia feminina. — O que é isso? — Não sei como explicar. É... Bom, eu já estava pensando lá na frente e seu pai não. — Você o enganou! — Tentei... — sorriu Annalise. — Mas, infelizmente, ele conhece você melhor do que eu e não consegui. Sophie recostou-se na cadeira, pensativa. Essa tal de astúcia feminina devia ser parecida com as terríveis doenças que a acometiam quando queria ou não queria alguma coisa. Robert quase sempre cedia. Claro que era isso! — Sabe, Annalise? Eu tenho muita astúcia feminina. — Tem, mesmo! Eu já a vi em ação. — Quando? — Quando me convenceu a ir passear com seu pai e você. — Astúcia feminina funciona com qualquer pessoa? — A sua parece que sim. Acho que é muito boa nisso. Eu preciso aprender com você. A minha não é tão eficiente. — É, sim. — Eu não acho. Você não concordou em usar o vestido, concordou? — Ah! E você está se sentindo mal por causa disso? — Não. Só estou um pouquinho chateada. Seria tão divertido vestir você! — Mas o que eu disse é verdade. A vovó vai ficar terrivelmente chocada se eu aparecer de vestido. — Acredito... — Annalise tomou o resto do refrigerante e se levantou. — Vamos, o trabalho nos espera! Com a ajuda de Sophie, levou a maior parte das coisas que queria para a sala de costura em duas viagens. A garotinha ajudou-a a tirar tudo das prateleiras da sala de costura e a levá-las para o novo escritório na biblioteca, Projeto Revisoras 56


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depois acompanhou-a de novo para o sótão. — Você me ajudou muito — garantiu Annalise, abaixada junto de um baú. — Agora, nós duas vamos levar alguns catálogos lá para baixo, assim posso começar a trabalhar. — Vou pôr vestido hoje à noite — decidiu Sophie. Annalise ergueu o rosto para ela. — Oh, Sophie! Não precisa, foi só uma idéia. Eu devia apenas ter pedido ao seu pai para levá-la, em vez de transformar tudo em um jogo. — Mas agora quero, só para ver a cara da minha avó quando eu aparecer! — Não sei se esse é um bom pensamento... — objetou Annalise. — Não gostaria que ela sofresse um ataque cardíaco por minha culpa. Sophie sentou-se sobre um dos baús fechados. — Está usando psicologia reversa comigo? — O quê? — Psicologia reversa. A vovó diz que é a melhor coisa com as crianças. Ela usava com Robert quando ele era pequeno. — Não estou usando psicologia reversa nenhuma, só pensei que, afinal de contas, não é uma boa idéia. — Robert diria que qualquer coisa capaz de enfiar um vestido em mim é uma boa idéia. O que você quer que eu vista? Annalise hesitou por um longo momento. — Há um baú com roupas de criança, ali atrás. Vamos ver se encontramos algo que sirva. — Essas coisas têm um cheiro engraçado! — Sophie apertou o nariz com o indicador e o polegar. — Não se preocupe. Sei um truque com bicarbonato diluído em água quente, escova e ferro de passar, que acaba com ele. — Gosto deste pano! — A menina ergueu uma capa preta de veludo e passou-a no rosto. — É gostoso, macio e não cheira tão mal. Annalise examinou a capa. Estava gasta, com muito das felpas removidas nas bainhas e sob os braços. — Não sei... está muito... Pondo a capa nos ombros, Sophie fez uma pose. — Eu quero usar esta, parece de gente grande! Este não é momento de discutir, pensou Annalise. Encontrou um vestido cor-de-rosa com mangas bufantes, cintura alta, rendas brancas e uma fita. Colocou-o diante do corpo da garota. — O problema vai ser os sapatos... Você tem sapatos pretos? — Tenho os de ir à igreja. Estão embaixo da minha cama. — Perfeito! Enquanto você toma banho, eu cuido das roupas. Consegue lavar o cabelo sozinha ou quer minha ajuda? Sophie hesitou. Queria a atenção de Annalise, adorava o modo como ela falava, porém pensou na cicatriz no peito. Já havia algum tempo não permitia nem mesmo que a avó visse a cicatriz. — Pode deixar, eu me lavo sozinha. Posso usar seu xampu e os sais de banho? 57 Revisoras

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— Pode, sim. Agora, vá — Annalise olhou o relógio. — Temos uma hora, no máximo, para transformar você numa moça do século passado. A mãe de Robert estava atrasada. Sophie batia impaciente um o pé no chão da biblioteca. — Ela não vem, Annalise. Eu me vesti toda à toa. — Não, não foi à toa. Você está espetacular. Podia até ganhar um concurso de beleza. Fique quieta por um instante e deixe-me tirar uma foto. Quero guardar este momento para a posteridade. Pronto! Agora, meu bem, vire-se um pouco e olhe pela janela — Annalise bateu várias fotos. — A câmara adora você! — Observou o perfil de Sophie através da objetiva. — Uma dessas vai sair boa. A campainha tocou e Sophie ficou imóvel. — Ela chegou — disse, apenas. — Meu Deus! — exclamou Phyllis Davenport ao ver a neta. A menina não pôde evitar de sorrir, por mais que tentasse ficar séria. Annalise viu que a senhora tinha o mesmo formato alongado de rosto e os olhos verdes do filho. Usava um vestido elegante e como jóia um único fio de pérolas com brincos combinando. Era uma aristocrata dos cabelos à ponta dos pés. A mãe de Luther também fora gentil e educada com ela na primeira vez que a vira... Alarmes soaram na mente de Annalise, que procurou não ouvi-los enquanto mantinha o sorriso nos lábios. — Que grande surpresa! — A sra. Davenport sorriu. — Robert disse que tinha contratado uma moça milagrosa e é verdade. Nunca vi Sophie vestida de forma tão... maravilhosa. Robert falou de mim à sua mãe? — Foi fácil fazer Sophie ficar maravilhosa, sra. Davenport. Ela é perfeita para isso. A senhora não escondeu a descrença, mas disse apenas: — Por favor, não se preocupe com formalidades. Tenho certeza de que nos veremos com freqüência. Eu sou Phyllis. Talvez você queira jantar comigo no Country Club, uma noite dessas. Precisa me contar como fez para transformar Sophie nessa menina linda. — Creio que Robert pretende me manter trabalhando sem parar até o final do contrato. Sentindo-se mais tranqüila, Annalise achou que se Phyllis não gostava de Sophie, fingia muito bem. —- Mas você tem que comer. Annalise sorriu. — É, mas temo que será difícil aceitar seu convite até o Natal. — E onde nós vamos jantar, vovó? — Eu estava pensando numa lanchonete, mas com toda essa sua elegância, acho que vou levá-la ao Country Club. — Espere aí! — Sophie tirou a capa de veludo com um floreio teatral. — Eu me troco num instante. — Nada disso! — Rindo, Phyllis pegou a mão da neta — Meio a meio, então. Jantar no Burguer King, sobre mesa e café no Country Club. Projeto Revisoras 58


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— Meus nervos podem aceitar isso — Sophie sorria para a avó com uma verdadeira cara de anjo. — Você e seus nervos! — havia muito carinho na voz da sra. Davenport. Ao saírem de casa, Sophie voltou-se, acenou para Annalise e piscou um olho, marota. Abaixando a cabeça para esconder o riso, ela fechou a porta e deu um longo suspiro. Subia a escada quando Robert entrou. — Sophie já saiu com minha mãe? Annalise apoiou-se no corrimão. — Acabaram de sair. — Algum problema? — Problema? Como o quê? Ele estava tão sério, tão atraente com aquele ar solene, que ela decidiu prolongar a situação. — Birra? Dor de estômago? Nervos? Teatro? O que aconteceu? — Um pouco de teatro — ela sorriu. — Mas muito bem-feito. — Estou vendo um sorriso maquiavélico no seu rosto? — O que acha? — Não acredito. — Pois acredite. Você vai vê-la quando ela voltar. Estava maravilhosamente bem vestida. Sua mãe vai levá-la para a sobremesa no Country Club. Os olhos dele estavam arregalados. — Você prometeu dar-lhe a lua! — Não, algo muito mais fácil: ir fazer compras comigo. Olharam-se por alguns momentos. Achavam-se sozinhos na casa silenciosa... — Como minha mãe reagiu? — Não teve um ataque cardíaco, se é o que quer saber. Ficou impressionada, maravilhada. — Maravilhada? — Robert não desviava os olhos dela. — Você acabou com um dos problemas da minha vida, Annalise. Estou lhe devendo uma. — É mesmo? Eu estava pensando em aproveitar este fim de dia lindo para dar um passeio até a catedral. Alguma objeção? Robert tinha uma dúzia de objeções. Queria levá-la para jantar, ficar sozinho com ela, saber tudo a seu respeito e demonstrar-lhe uma afeição que era totalmente imprópria. Sonho impossível, ele sabia. Mas não era crime sonhar. — Claro que não. Você merece uma folga. Ele virou-lhe as costas e foi para a biblioteca antes que sua expressão o traísse. Enquanto enchia a banheira, Annalise arrumou a bagunça deixada por Sophie, colocando as tampas no xampu, no creme condicionador e no tubo de creme dental. Encontrou evidências de que seus cosméticos tinham sido remexidos: batons misturados, os pincéis de sombras para os olhos estavam sujos com as cores que nunca usava. Sorriu, apesar de ver que o pincel para máscara fora estragado. A bandidinha! Depois de colocar óleo de banho na água, tirou o roupão, prendeu os 59 Revisoras

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cabelos e deitou-se na água quente, suspirando de prazer. Sentia-se realmente feliz com o que fizera até então. O caos viria com os trabalhadores, mas já descobrira seu tema. Estava acostumada a organizar os trabalhos de pintores, carpinteiros e eletricistas numa casa. Precisava não esquecer de pedir os telefones dos que trabalhassem melhor. Um bom decorador tem sempre uma lista atualizada de profissionais, especialmente daqueles com quem se entendia no trabalho. Era comum os clientes não terem quem chamar. A água já lhe chegava aos seios. Espreguiçando-se, dobrou-se para fechar as torneiras, primeiro a fria, depois a quente... e ficou paralisada quando a torneira saiu na sua mão. A água continuava a jorrar na banheira. Tentou recolocar a torneira, mas a rosca estava espanada. Não podia entrar em pânico. Um alicate. Precisava de um alicate. Mas não havia nenhum ali. Saiu da banheira e olhou no estojo de maquiagem. Não havia nada sequer parecido com um alicate. Um pano, então. Use-o para dar firmeza. A água estava chegando perto da borda. Estúpida! Tire a tampa. Oh, droga!, a água estava quente demais. Retirou a mão, pegou a toalha, enrolou-se nela e correu para a escada. — Robert! — gritou. Ele saiu da biblioteca e olhou para cima. De novo seus olhos se arregalaram. — O que foi? — A torneira da água quente saiu. Preciso de um alicate. Rápido, porque não consegui tirar a tampa da banheira! Ela correu de volta ao banheiro. A água começava a transbordar. — Oh, não! Fez com as roupas uma espécie de dique para a água, juntou toalhas e tapetes para reforçá-lo. Robert teve um rápido vislumbre das pernas dela ao, entrar correndo no banheiro, com o alicate na mão. Annalise tinha plena consciência de que a toalha a cobria pouco. Enquanto Robert lutava com a torneira, recuou para não atrapalhá-lo, cobrindo a frente do corpo com a toalha enquanto cuidava para ele não ver suas costas. Enfiando a mão na banheira, ele praguejou alto mas tirou a tampa do ralo. — É melhor pôr gelo imediatamente nessa mão. — Estou bem. E você? — Tudo certo, apenas fiquei assustada. Comecei a imaginar a casa toda inundada, o teto desabando. Imóvel, ele a olhava. Não podia evitar. Estava enfeitiçado. O cabelo dela achava-se preso no alto da cabeça, expondo o pescoço e os ombros, o braço segurava a toalha diante do corpo e a imaginação dele encarregava-se do Projeto Revisoras 60


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resto. — Obrigada. Agora, preciso arrumar esta bagunça. — Amanhã cedo eu conserto a torneira. Enquanto isso, pode usar o banheiro lá de baixo, que era da Pettigrew. — Robert, estou aqui parada e sem roupa. Há uma corrente de vento gelado vindo da porta e não quero conversar sobre que outros banheiros podemos usar. — Oh, sim. Desculpe. No momento em que a porta fechou, separando-os, Robert foi até a escada e apoiou-se no corrimão, com um sorriso tolo nos lábios. Suas pernas estavam fracas. Alguma outra mulher já o havia afetado desse modo? Não. Nem mesmo Nina, pois tinham sido amigos muito antes de serem amantes. Conseguira dar uma bela olhada nas costas nuas dela pelo espelho. Tentara não olhar, de verdade... Annalise tinha as pernas mais espetaculares que já vira. Acima das pernas um maravilhoso traseiro e, a seguir, as costas suaves. Respirou fundo. Suas mãos tremiam. Segurou-se ao corrimão até a sensação sumir. Annalise encontrou-o na biblioteca em sua mesa, uma grande mesa de mogno com detalhes em couro que haviam encontrado numa sala. Ela estava totalmente vestida e Robert deixou os olhos saborearem a bonita imagem. Os cabelos continuavam presos, um cachecol leve agasalhava o pescoço delicado, vestia malha branca e saia de lã. —Vou sair... Preciso de uma chave para quando voltar? — Para dizer a verdade, não. Robert pegou o casaco que deixara numa cadeira. Também se arrumara, não o bastante para ficar óbvio. Fizera a barba e vestira uma camisa limpa. — Acho que vou com você — acrescentou. — Ainda não jantou, não é? — Não, mas... — Então, está decidido. Vamos à catedral e depois jantamos. Eu pago. — Viu o protesto surgir nos olhos dela. — Já lhe disse — ele falava depressa para deixar as coisas a nível profissional e repelir a recusa — que alimento quem trabalha comigo e você merece uma refeição decente. Annalise reparou no rosto barbeado, no cabelo molhado e roupas limpas. — Você não pretendia mesmo me deixar sair sozinha, não é? — Acuse-me, se quiser, mas me preocupo. Não quero que se perca... A desculpa pareceu muito ruim até mesmo para ele. — Entendo. Ele temia que Annalise realmente entendesse. Ela sorriu e ficou linda. A visão que tivera pelo espelho do banheiro surgiu na mente de Robert, que não conseguiu afastá-la. — Me perdi uma vez — contou ela —, aos dezessete anos, em Filadélfia, numa viagem da escola. Não aconteceu mais quando estive em Nova York, Londres, Paris, Savannah ou Atlanta. Houve uma pausa desagradável e ele suspirou. — É, você deve ter um esplêndido senso de direção. 61 Revisoras

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Relutância, decepção ou ambos apareceram no rosto dele, no modo como os ombros caíram, como enfiou a mão no bolso e entregou a ela o molho de chaves. — Parece-me que estou bancando o idiota! — Com movimentos deliberados, ele pendurou de novo o casaco na cadeira e sentou-se. — Reze por mim na catedral. Creio que preciso de algo dito em meu favor. Annalise colocou as chaves no bolso. — Farei isso. E mencionarei seu charme, contarei como você se preocupa... com tudo. A porta, ela se voltou. — Sabe? Na verdade, eu bem que gostaria de companhia para jantar. Levou um momento para que Robert compreendesse o que ela dissera. Passou as mãos pelos braços, procurando a armadura invisível que sempre usava, mas pelo jeito a perdera em algum lugar. — Droga! — resmungou e se não estivesse tão contente, ele teria torcido aquele longo e elegante pescoço de alabastro. — Por que me fez passar por isso? Pegou de novo o casaco. — Eu só estava sendo gentil... — respondeu Annalise. — Com quem? — Comigo.

CAPÍTULO 7 Na catedral católica, Annalise acendeu uma vela e ajoelhou-se num momento de prece silenciosa, enquanto Robert esperava sentado no fundo. Quando juntou-se a ele, tinha uma expressão serena. — Esta igreja é maravilhosa — disse, baixinho para não perturbar as demais pessoas. Admirou o precioso entalhe atrás do altar e a figura de Cristo suspensa, pintada em branco, dourado e ouro-queimado. Murais nas paredes e no teto mostravam momentos importantes da história religiosa. A vida do patrono Santo Agostinho era narrada em doze vitrais. — Minha avó pode ter sentado neste banco durante a missa — murmurou ela. — Provavelmente. Sente falta da sua família? Annalise assentiu. — É bom estar aqui. Faz com que me sinta perto deles. Sempre tentei imaginar como teria sido a minha vida se minha avó tivesse se casado com seu verdadeiro grande amor e se minha mãe e eu tivéssemos crescido aqui. — Se ela não houvesse se casado com seu avô, você não seria você e ia ser uma pena! Ela olhou novamente para o altar, sentindo a presença de Robert ao seu lado mais forte que nunca. Quem fará o primeiro movimento?, pensou. Era difícil ler o rosto dele. Se não queria fazer amor com ela, se não a Projeto 62

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desejava, então o que estaria acontecendo entre eles? O que sentia por ele era muito complicado. Ele a atraía, sim, mas havia uma barreira os separava. Na verdade, duas barreiras paralelas, uma da sua parte e outra da dele. Porém, Robert parecia precisar dela. O que significaria isso? Talvez fosse o desejo que a aproximava dele, no entanto jamais sentira muita falta de sexo. O que acontecia era assustador. Caiu em si e envergonhou-se por pensar tais coisas na igreja. — Estou com fome — disse, surpreendendo Robert. Levantou-se, fez o sinal da cruz e caminhou, rápida, pelo corredor lateral. Saíram para a calçada, diante das árvores iluminadas. A noite estava agradável e havia muita gente por ali. Robert indicou a baía. Havia um veleiro no meio do canal, o mastro todo iluminado. O mar estava calmo e via-se o reflexo do barco na água. — Às vezes eu sonho com uma vida assim — disse Robert. — Velejar para onde o mar quiser... — Tive um amigo que uma vez foi a Barranquilla para trazer o barco de um amigo que fora danificado em um furacão. Ele ficou sem comida e combustível em alforriar, perto de Taiti, e as autoridades não permitiram que aportasse porque seus papéis não estavam em ordem. — Apague o sonho. — Desculpe. Mas sempre há o outro lado. Robert levou-a pela estreita rua Avilés e Annalise andava tomando cuidado para não esbarrar nele. Havia uma indisfarçável energia entre eles e ambos sabiam disso. — Está ficando frio — comentou ela. Calou-se, pensando no que dizer enquanto passavam pelas vitrinas das lojas de antigüidades. Fez uma anotação mental para dar uma olhada em todas elas quando tivesse tempo. Pouco depois chegaram a um pequeno café chamado Camacho's, sentaram-se junto à parede de vidro que dava para a rua, de onde podiam ver as carruagens passando. — Está bem aqui? — Ótimo, só que me sinto numa vitrina com os turistas nos olhando. — Mantenha sua atenção em mim e nem vai notá-los. Annalise olhou-o por cima do menu. — Como você se comporta quando seu ego está realmente ativo? — Sou um animal, é por isso que me conservo sob constante controle. — Sorte minha. — Sim, tem muita sorte. De onde estou sentado, você ficou com a vista mais bonita... — Um lembrete no fundo da mente recordou-o do "problema" que o levava a manter-se longe dela, pois precisava pensar no bem-estar de Sophie. — Por que não me deixa pedir? Conheço os pratos da casa. — Está bem, peça... O pedido foi feito e o vinho servido. Robert ergueu seu copo. — Saúde. Ao sucesso e a um ótimo Natal. 63 Revisoras

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— Votos esses que reforço de todo o coração! — sorriu ela. O vinho era excelente, saboroso e suave. — Você deve ter feito muito esforço para reorganizar a sua vida — comentou Annalise, com forçada casualidade. — Sente falta da sua esposa? Robert fitou-a intensamente por um momento. — Sinto falta dela no sentido em que sinto falta de todos que morreram. Acho que Nina me faz falta principalmente na organização da casa e nos cuidados com Sophie. Ela fazia isso bem, mesmo quando já estava de cama. — Desculpe-me. Eu não devia ter perguntado, porém a curiosidade foi mais forte. A sra. Pettigrew contou-me que você era muito devotado a Nina. Robert olhou para fora, parecendo interessado em uma carruagem cheia de turistas que passou. — No colegial, eu via em Nina tudo que desejava no mundo. Era bonita, atraente, inteligente e tão louca quanto eu. Então, ela ficou doente. Não a vi por algum tempo. Mas aí a doença entrou numa fase de remissão e voltamos a sair. Os pais dela não aprovavam o nosso relacionamento, por isso nos unimos mais ainda e nos casamos. Contudo, não demoramos a descobrir que não éramos o que pensávamos... Nina quase havia morrido e tinha uma fantasia sobre como devia ser a vida perfeita. Sophie tornou nossa vida mais fácil e nós dois achamos que havíamos descoberto a vida perfeita. Depois, Nina adoeceu de novo. Annalise tomou um gole do vinho. — Se Nina não tivesse morrido, vocês teriam se divorciado? — Está brincando? Eu nunca sobreviveria à culpa se fizesse uma coisa dessas. Droga! Não acredito que estou aqui contando tudo isso. — Conte mais. Você fazia muitas loucuras? Robert riu. — Digamos, apenas, que se meu avô não tivesse interferido eu agora estaria acorrentado a um catre na prisão. Não que meus país aprovassem, mas é preciso um malandro para entender outro. E meu avô sabia o que interessava um garoto de dezessete anos. — O que era? — Ter meu próprio canto. — Você foi morar sozinho com dezessete anos? — Vovô se ofereceu para me comprar uma casa, com a condição que eu morasse nela e a restaurasse no verão. Ele insistiu para que eu assinasse um contrato me comprometendo a fazê-lo. Concordei, pensando nas festas e orgias que ia organizar na "minha" casa. Mas meu avô era mais esperto do que eu. A casa era uma ruína e precisei ter dois empregos para comprar material. Quase não dormi naquele verão, não fui à praia e, claro, não dei festa ou orgia alguma. Tive que trocar o carro que ganhei de formatura por uma perua de carga. Isso foi doloroso! Uma das leis na minha família é que um Davenport nunca volta atrás em sua palavra: eu não podia desfazer o acordo. Nem um casamento infeliz, pensou Annalise. — Como odiei aquela casa! — prosseguiu Robert. — Mas, não sei como, no meio do caminho comecei a me orgulhar do que fazia e descobri que era bom com o martelo e o serrote. Aprendi sobre financiamento e como lidar com Projeto Revisoras 64


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negociantes. Mas nem mesmo essa descoberta me fez gostar da casa. Assim que terminei, eu a vendi. Fiquei surpreso com o lucro que obtive e procurei por conta própria uma outra casa para reformar. Faço isso desde então. — Sempre contratou decoradores? — Não nas primeiras casas, mas uma vez perdi uma venda porque o comprador não conseguia visualizar a casa decorada e a pessoa seguinte a vêla foi Marta Ingasoll. Ela tinha ido visitar um ex-colega de faculdade que era vizinho. Andou pela casa falando sem parar sobre o que podia ser colocado aqui ou ali, sugerindo móveis, espelhos, tintas etc. Annalise assentiu, sorrindo. — Sei exatamente como Marta fica empolgada numa casa vazia e ela tem um olho incrível. — Marta fez o que chama de decoração mínima, cobrou-me dois mil dólares, gastou cinco mil fazendo mágica pura e no fim vendi a casa por uma soma bem maior. Depois disso, passei a acreditar em decoradores. — Você acredita em decoradores, mas não em ajudá-los. — Como assim? Você terá ajuda. — Eu apenas pedi uma equipe de limpeza. — E a conseguiu. — Não sem lutar. — Eu estava testando você — sorriu ele. — Entendo — Annalise sorriu também. Os pratos chegaram: uma bela e apetitosa salada e uma travessa imensa de nachos cubanos. Depois de experimentar, ela comentou: — Vou colocar este na minha lista de restaurantes favoritos. — Você tem uma lista? — Claro. De cachorros-quentes é o Varsity, em Atlanta. Os melhores picles do mundo estão em Nova York, no Carenagem Deli, em pastéis, o melhor é um pequeno restaurante francês em Knew Gardens... — Você não fica muito tempo no mesmo lugar, não é? — Gosto de viajar, mas fiquei presa em Atlanta por oito anos. Foi a minha base. — Dizer que ficou "presa" em um lugar pode ser apenas força de expressão... O que a prendeu em Atlanta? Annalise teve dificuldade para engolir, a comida pareceu ficar presa na garganta. Fez força, engoliu várias vezes mas nada havia, a não ser um nó de medo. — É muito pessoal, não gosto de falar a respeito. — Annalise, não vou gostar menos de você se teve um caso. Foi com um sujeito casado? — Como imaginou isso? — Havia raiva na voz dela. — É fácil. Conheço as pessoas. — Sei... — Tudo bem, então você teve um caso longo, mas não com um homem casado. — Você está chutando. 65 Revisoras

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— Estou. E posso ver que não estou muito perto do gol. — Ofereça-me uma sobremesa. — Vai ajudar? — Não há modo de me ajudar porque... Ela calou-se, chocada. Por Deus! Preciso de proteção contra mim!, pensou. Robert olhou para o relógio e gemeu. — Podemos deixar a sobremesa para outra hora? Temos de voltar. Mamãe vai chegar com Sophie dentro de meia hora. Era o que Annalise mais desejava: ficar sozinha e pensar. Robert pagou a conta e levou-a para fora do Camacho's, com a mão em suas costas. Era um contato muito leve, mas enviou incríveis vibrações ao corpo dela. Tiveram que se encostar na parede para dar espaço a uma carruagem, depois continuaram andando pela rua estreita, observando as lanternas da carruagem. — Você pode ter o homem que quiser, Annalise, mas é solteira. Por quê? — Pare com isso, por favor. Eu me apaixonei uma vez, uma só. Há anos. Não estive com outro homem desde então. — Não acredito. — Claro que não! Está flertando comigo para se divertir. Não sabe o que é uma pessoa sentir-se vulnerável e confusa. Robert começou a rir. :— O que é tão engraçado? — Mulheres! Estamos no meio de uma batalha dos sexos. — Sua risada prova o que estou dizendo. — O quê? Acha que as emoções de um homem são de aço e nunca se revelam? — Isso ou ele é um garotinho da mamãe, sem vontade própria e sem fibra. Ah, esta é uma declaração e tanto!, pensou Robert. — Se prestar atenção, verá que não sou um garotinho da mamãe. Apesar de meus joelhos ficarem fracos em certas ocasiões... A imagem dela no espelho surgiu novamente na mente dele. — Que bom para você! — ironizou ela. — Que maravilha! — Foi bom, mesmo. E como. — Pare. Ai! Está arrancando meu cabelo. Meu cérebro vai espirrar para fora e vou ficar idiota para sempre. — Não estou arrancando seu cabelo. Fique quieta — Robert olhou para Annalise. — Está certo? — Não, exatamente. Passe esta parte por cima e a outra por baixo. — Vou chegar atrasada na escola e a irmã St. James vai me fazer escrever uma redação de cem palavras, no recreio, sobre por que não devo me atrasar para a escola. — Fique quieta. — Eu estou. Você é que está sacudindo minha cabeça. — Sophie olhou para Annalise. — Trance você. Ele está fazendo experiência comigo, não sou cobaia! Depois de certa hesitação, Annalise colocou as mãos sobre as de Robert. Projeto Revisoras 66


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— Assim... e assim. — Ajudou-o a terminar à trança e prendeu-a com um elástico. — Meus nervos estão no estômago agora. Vou passar mal o dia inteiro e vomitar meu lanche. Annalise penteou os fios de cabelo de Sophie que haviam resistido e determinou: — Chega de aulas para seu pai, você vai aprender a trançar seu cabelo. — Eu já sei! Pratico na Nellie o tempo todo. Robert ergueu as mãos. — Reconheço quando sou vencido. — Não é fácil ser pai solteiro — comentou Annalise. Achavam-se no quarto de Robert. A cama dele e a de Sophie estavam desarrumadas. Por mais inocente que fosse a atividade, Annalise evitava entrar lá. Era fácil imaginar a cama como uma extensão de Robert. Porém, mais do que sexo, queria o que lhe escapara, queria dedicação, ser amada e ter carinho. Felizmente, ele não podia ler seus pensamentos. Robert sorriu-lhe e ela perdeu o rumo dos pensamentos. Eletricistas e encanadores já estavam lá em baixo. — O pessoal da limpeza deve chegar logo — comentou, apressada. — Vou descer para me organizar. Sophie deu-lhe a mão. — Vou com você. Será que pode cuidar da Nellie enquanto estou na escola? Ela detesta ficar sozinha. — Se ela não ligar de ficar no meu escritório... — Ela não liga. — Sophie olhou por cima do ombro para o pai. — Você vai me levar à escola? — Duas quadras? Nada disso. Vá andando. — Tudo bem, mas alguém pode me seqüestrar. Você não vai gostar se o único modo de me ver for nos impressos "procura-se"... — Não tenha tanta certeza. Annalise ficou alarmada. Não se devia brincar com isso! Perguntou: — Você sabe o que fazer se algum estranho se aproximar e... — Oh, claro! Devo gritar, berrar, morder e correr. — Sua escola fica a apenas duas quadras daqui? Sophie assentiu. Annalise olhou para Robert. — Você se importa se eu a levar? Serão só dez minutos. Robert olhava para elas, de mãos dadas, as duas com os cabelos trançados, as duas com testas altas e olhos cor de mel. Pareciam perfeitas juntas. Como mãe e filha. Mas ele não gostava de ver Annalise assumindo as obrigações que eram dele. — Quando está chovendo ou frio demais, eu a levo à escola. No resto do tempo, Sophie vai sozinha e já está acostumada com disso. — Então, não quer que eu vá. Ele suspirou. — Não, claro que não é isso. Sophie, pegue o casaco, a mochila e me espere lá embaixo. 67 Revisoras

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— Vou esperar Annalise. O pai olhou-a de uma forma que não admitia desobediência. A garotinha pegou o casaco e a mochila. — Se não formos já — disfarçou —, vou chegar atrasada. Assim que ela saiu do quarto, Robert voltou-se para Annalise. — Você entendeu o que estava acontecendo? — O teatro? Claro. — Ela estava nos jogando um contra o outro, está manipulando você. Será que agora dá para entender porque não há uma mulher na minha vida? — Você não pode pôr a culpa disso em Sophie. Ela só tem oito anos. Todos manipulam-se uns aos outros. É verdade que as crianças forçam a barra, querem sempre saber onde é o limite. — Que surpresa! Então, você é especialista em psicologia infantil? Como chegou a isso? Tem uma dúzia de filhos escondidos em algum lugar? Annalise sentiu a boca ficar seca e o rosto perder a cor. — Se preferir que eu não leve Sophie à escola, é só falar. — Pode levá-la onde quiser, só não gosto de ser manipulado, de ter que ficar sempre na defensiva. — Não era minha intenção fazer isso. Só estava preocupada com Sophie. Ele percebeu que sentia ciúme. Queria que Annalise se preocupasse apenas com ele. Os comentários dela da noite anterior voltaram-lhe à mente. Eu me apaixonei uma vez, uma só. Há anos. E não estive com outro homem desde então. Ele pensara naquelas pernas adoráveis envolvendo o corpo de outro homem. A visão o deixara zangado, possessivo e nessa manhã acordara bravo. Parecia que agora o remanescente da raiva estava se dirigindo contra Annalise. Não era uma atitude justa. Robert passou a mão pelo cabelo. — Droga! Acho que estou enlouquecendo. — Está mesmo— concordou Annalise, saindo do quarto com as pernas moles e foi pegar seu casaco. Quando retornou, depois de levar Sophie à escola, parou na sala grande e imaginou-a pronta. Luz suave descendo irradiando-se do lustre, o fogo vigoroso na enorme lareira, sofás arrumados em pequenos conjuntos para encorajar conversas, as paredes,transformadas num fundo agradável. Era para isso que estava ali, lembrou a si mesma, não para se apaixonar. Não para ser a mãe emprestada de uma menina solitária. Ao longo dos anos aprendera a disfarçar os sentimentos. Mas desde que chegara àquela casa falhara em esconder qualquer coisa, menos seu segredo mais profundo. Mais cedo ou mais tarde Robert perceberia que quando se aproximava dele seu coração parecia uma britadeira. De qualquer forma, não tinha tempo para sonhar ou tecer fantasias românticas. O trabalho a aguardava. Enquanto Robert e o eletricista trabalhavam na suíte principal, que Projeto Revisoras 68


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estavam reformando, o encanador trocou as torneiras do antigo banheiro e começou a passar os canos para instalar um chuveiro na suíte. Annalise pediu o eletricista "emprestado" várias vezes para mostrar-lhe onde ficariam as tomadas de corrente e os interruptores na sala grande, na sala de jantar e na biblioteca, onde iria instalar tomadas na cozinha, para o microondas e outros aparelhos comuns em casas modernas. Robert vinha toda hora chamar o homem para poder continuar sua parte do trabalho. Por fim, o velho eletricista reclamou: — Pelo preço que cobro, vocês podem ficar me levando de um lado para o outro para sempre. Gosto de dinheiro, mas não vou conseguir passar um único fio se não me deixarem ficar em um só lugar o tempo necessário. Robert olhou para Annalise. — Vamos jogar cara ou coroa. Cara você fica com ele o dia todo — Robert procurou nos bolsos, mas não tinha nenhuma moeda. — Tome — o eletricista colocou uma moeda de vinte e cinco cents na mão de Robert. Annalise venceu. — Não esqueça — disse a Robert — de comprar tinta esta manhã. A equipe de pintura estava neste mesmo instante raspando as paredes e preparando-as para a massa-corrida. A equipe de limpeza era constituída por quatro pessoas e Annalise separou-as em pares. Um par ficou no térreo, encarregado de varrer, tirar o pó, o lixo e lavar pratos. Em seguida ela passou duas horas lavando os prismas dos lustres. Ao meio-dia Robert saiu e voltou uma hora depois com tinta e meia dúzia de pizzas. O cheiro era maravilhoso, mas quando Annalise terminou com os lustres, já não havia mais nenhum pedaço. Tomou chá com torradas e parou por dez minutos em sua mesa na biblioteca. Robert encontrou-a lá. — Quando vai começar o quarto de Sophie? — perguntou-lhe. — Qualquer hora dessas... — Estou falando sério. — E eu estou supervisionando os pintores e o pessoal da limpeza, para não falar em selecionar móveis e instruir o eletricista... — Mande um dos pintores trabalhar no quarto dela, hoje. Annalise deu de ombros e antes de retirar-se da biblioteca passou-lhe uma lista. — Você é o chefe... Estes são os pequenos reparos que precisam ser feitos depressa, como os puxadores das portas francesas da sala grande, os ganchos das telas das janelas, tábuas soltas do soalho. Ah, eu quase ia esquecendo! O mármore da lareira da sala de visitas da família está solto. E melhor verificar isso e o peitoral de uma das janelas, que marquei com um X. Acho que precisa ser trocado. Robert leu a lista. — Creio eu mesmo posso cuidar dessas coisas. — Ótimo. Então, faça. Você terá que se manter adiante dos pintores. Ela passou diante dele, que ironizou: 69 Revisoras

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— Agora está em seu elemento, não é? Sem se voltar Annalise ergueu os braços para o alto. — Eu amo meu trabalho. Realmente, ela amava seu trabalho, mas quando o relógio marcou sete horas naquela noite estava exausta. O caos durante o dia fora suficiente para deixar um santo enlouquecido. E ela não era santa. Deixou-se cair em uma cadeira da cozinha. Sophie fazia a lição de casa, enquanto Robert preparava sanduíches. Ele abriu um refrigerante o entregou-o a ela. — Vamos ter que nos arranjar com isto, estamos sem champanhe. — Não entendo como consegue conservar o senso de humor depois de um dia como hoje. — Há uma porção de coisas boas em mim que ainda não revelei. — Como o quê? — perguntou Sophie, tirando as palavras da boca de Annalise. — Não é da sua conta. Esta é uma conversa de adultos. — Você disse isso na minha frente, então é da minha conta, sim. — Se já terminou a lição, coma, tome seu banho e vá para a cama. — Quero ver televisão depois de comer. — Não pode. A televisão está empilhada no hall junto com outros móveis, para não atrapalhar. A pequena fitou o pai com a maior tristeza e disse: — Quero que você termine logo esta casa e fique com ela. Estou cansada de me mudar. Mudanças parecem pesadelos. Não quero me mudar de novo para o resto da vida, nem mesmo quando me casar. Robert olhou para Annalise. Durante um bom tempo ficou admirando aquele rosto bonito, sem que ela percebesse. O olhar dele por fim retornou à filha. — Vou pensar no seu caso. Então, coma, suba e vá tomar banho. Sophie obedeceu. Quando subiu, encheu a banheira, colocou o frasco de óleo de Annalise na beirada, deitou-se no chão e olhou pela grade. Mãos colocaram pratos de lado. Robert estava curvado sobre o ombro de Annalise, olhando um catálogo. Uma das mãos achava-se no encosto da cadeira dela, a outra na mesa. A voz de Annalise soava engraçada, parecia presa na garganta. — Acho que devemos encomendar estas peças de linho para as camas... Bem, não para a sua, mas para os quartos de hóspedes e o de Sophie. Há muitas colchas, então precisamos apenas de lençóis e fronhas que combinem com elas. Estas parecem roupas de cama de linho fino, europeu. — Por que a minha cama não precisa? — Bem... Achei que você ia querer algo mais masculino... — ela virou algumas páginas — como estas, de listras carvão e cinza ou estas, vermelhoescuro. Robert estava adorando. Apesar do desentendimento havido entre eles pela manhã, sua adrenalina estivera ativa o dia todo. Havia algo de no ar ao redor dela que parecia intoxicá-lo, envenená-lo, mas nem tentava combater o que sentia. Não conseguiria. Gostava de sentir-se daquele jeito e da reação dela Projeto Revisoras 70


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quando ficavam tão próximos. Annalise estava levemente ruborizada, seus dedos tremiam de leve e a voz tornara-se mais suave. Ele virou as páginas de volta e apontou a cama. — Está sugerindo que um homem não dormiria nesta cama? — Não, só pensei que... — Quero essas roupas de cama também no meu quarto, mas tire as franjas da colcha. É enfeite demais... — "Tinha" que tocá-la. Massageou-lhe a nuca, gentilmente. — Está cansada? — Sim, um pouco. — Ela levantou-se depressa, quase derrubando a cadeira. — Mas preciso tirar algumas coisas da sala de costura. — Estava para se retirar quando comentou: — Queria lembrá-lo que depois que meu pessoal começar a trabalhar amanhã, vou ter que sair. — Quer que eu a leve? — Não precisa. Obrigada. Agora a mão dele estava no encosto da cadeira que ela ocupara. Houve uma longa pausa durante á qual os olhos deles se encontraram. Porém, nada disseram. O calor da cozinha pareceu ganhar intensidade, de repente, mas Annalise tratou de convencer-se de que era pura impressão. Contudo, sentia os braços e pernas muito pesados, tanto que lhe era impossível mover-se. Teve a estranha sensação de que algo ia acontecer. Estava acontecendo... Os olhos de Robert atraíam os seus, as mãos dele de alguma forma haviam ultrapassado a distância entre eles e tocavam-lhe os ombros, subindo e descendo pelos braços, uma indo até seu pescoço, a outra até a cintura e puxando-a para ele. A sensação aumentava... Ao mesmo tempo a adrenalina criava algo totalmente vivo, urgente, no fundo de seu coração, fazendo o peito se apertar. Ela pensou Não!, porém não conseguia falar, nem se mover. Então, os lábios dele tocaram os seus, beijando-a com ímpeto Isto está mesmo acontecendo?, pensou Annalise, deixando-se abraçar e beijar. Os lábios dele causavam uma sensação maravilhosa, os braços dele causavam uma senação maravilhosa, ele era maravilhoso. Robert beijou o canto da boca de Annalise. — Eu sei — sussurrou. — Não devia estar fazendo isto.— Beijou o outro canto da boca. — Mas não posso evitar. Ela sentia-se nas nuvens, deslumbrada, porém sub mente procurava descobrir o que havia de errado com aquilo e por que não devia fazê-lo. — Não acho que devíamos fazer isto. Ele ficou tenso, então soltou-a e recuou um passo. — Não? E por quê? A sensação é tão boa. É tão certa! Annalise ficou assustada e além disso sentiu também medo. Um arrepio de prazer percorreu todo o seu corpo. Mas o medo venceu. — Você não quer alguém como eu — disse ela. — Você não me conhece. — Então me diga, conte-me tudo sobre você. Qual é seu filme predileto, seu ator favorito, qual a cor que mais gosta? Annalise ficou em silêncio. Robert suspirou. 71 Revisoras

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— Você não gosta de mim. É isso, não é? — Eu gosto de você. Por que insiste em complicar as coisas? — Vou tornar tudo simples, então! Ele sorriu e estendeu os braços para abraçá-la. Desta vez Annalise conseguiu mover-se, fazendo que não com a cabeça e recuando até a porta. — Não sou o tipo de mulher que se deu bem com o amor, Robert. Não quero explicar isto. Tenho bagagem, muita bagagem. Não é justo eu... — Você ainda está apaixonada por "ele"! — concluiu Robert, sentindo um aperto no peito. — Oh, não. Isso acabou. Há anos. — Você se prostituiu no passado? Eu posso viver com isso. — Não — negou ela, rindo. — Você tem seis dedos em cada pé e não quer que ninguém a veja nua. — Não seja bobo! — Ah! Então, não se importa que a vejam nua? — Vou sair dessa cozinha, Robert, e terminar meu trabalho. —Ainda não terminamos o que começamos aqui, Annalise. — Não é de admirar que Sophie seja tão dramática — advertiu Annalise —, ela imita você. — Vou descobrir o que quer que seja que você está escondendo, sabia? Annalise sentiu a garganta se comprimir. — Não faça isso. É um assunto particular. Se souber que anda investigando meu passado, eu sumo. De verdade. -— Nesse caso, tem que me contar, não é? Todos carregamos nossas bagagens, Annalise. Há coisas sobre mim que você não sabe. Foi como se algo se agitasse no íntimo de Annalise e ela sentiu-se doente de tanta saudade. Reagiu: — Se você continuar com isso, não vou poder continuar trabalhando aqui. — Não quis assustá-la, só segui meu instinto. Prometo ser o sujeito mais comportado do mundo. — Ah... Ele riu. — Não faça essa cara de desapontada ou acaba com a minha determinação. Com a risada dele nos ouvidos, Annalise saiu da cozinha com a dignidade que era possível. Sophie soltou o ar devagar. — Você viu só, Nellie? Robert e Annalise se beijaram. Na boca! Acho que isso quer dizer que estão apaixonados. Eu nunca tinha visto o Robert beijar ninguém antes. Ele deve ter beijado Nina, mas não lembro de ter visto. Você lembra? E Annalise tem um segredo. Um grande segredo que não vai contar ao Robert. Eu sou o segredo, Nellie. Eu sei que sou. Oh, Nellie, veja como minhas mãos estão tremendo. Meus nervos estão nos meus dedos. Não é maravilhoso? Meu desejo vai se tornar realidade. Mas acho que algo terrível deve ter acontecido com Annalise. Sophie foi até a pia, lavou o rosto com água fria, tirou a tampa da banheira e vestiu o pijama. Projeto Revisoras 72


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— Agora, nós vamos para a cama, Nellie, e teremos que ser muito, mas muito boazinhas até eu imaginar um jeito de descobrirmos o segredo de Annalise. E outra coisa, nós vamos ter nosso próprio quarto. Annalise vai decorá-lo para nós. E você não precisa ficar assustada, Nellie. Vou dormir com você todas as noites e depois que você se acostumar, a gente vai poder convidar nossas amigas para virem dormir aqui. Não acha isso legal?

CAPÍTULO 8 Annalise decidira sair sozinha. Vestira o casaco, acabava de chegar à porta dos fundos e estava com as chaves na mão quando Robert se aproximou. — Os limpadores de chaminé chegaram — informou ele, o olhar fixo nela como se não conseguisse desviá-lo. Ela sentiu a tentação de encará-lo do mesmo modo, mas com bom humor, como se a noite passada não houvesse acontecido. Robert não tinha como saber que passara a noite toda sonhando com ele deitado a seu lado na cama, beijando-a, acariciando-lhe os seios. — Ainda bem que me alcançou antes de sair. — Havia apenas um ligeiro tremor na voz dela. — Esse é um espetáculo que eu não gostaria de perder. — Vai ficar desapontada. — Vou? — Eles não são tradicionais. Não usam chapéus altos, isso só acontece no logotipo desenhado na porta do carro deles. Usam macacões, escadas, escovas de cabo longo e prosaicos aspiradores. — Ah, que pena! Então, deixo-os em suas mãos, para garantir que trabalhem com perfeição. Volto logo. Quer que eu faça algo por você enquanto estou fora? — Não. Enquanto está fora, não... — Um sorriso cheio de significado apareceu nos lábios dele. Annalise balançou a cabeça. — Você é impossível. — Esse é o ponto, Annalise. Não sou. E você quem dá as cartas. — E é você que está criando fantasias onde elas não existem. — Ontem à noite não foi uma fantasia. O rosto dela ficou vermelho. — Um deslize da nossa parte. Esqueça aquilo, eu já esqueci. Ele fitou-a com intensidade. — Mesmo? — Sim, mesmo. — Ela olhou rapidamente para o peito dele e abaixou a cabeça. — Incrível! — Robert não desviava o olhar dela enquanto perguntava-se por que continuava com aquilo, pois sabia que era melhor ficar quieto. — Sua memória deve ser minúscula. Nunca vou esquecer a maciez dos seus lábios e como foi bom ter você nos meus braços. Amantes não esquecem o primeiro beijo. 73 Revisoras

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Amantes? Annalise percebeu claramente que seu coração acelerou. Tinha de escapar de alguma forma, não estava pronta para aquilo. Não. Estava pronta, sim. Ansiava por ele. No entanto, queria um pouco mais do que passar a tarde na cama com Robert, fazendo amor, feliz, sentindo-se segura, aquecida, desejável enquanto seu passado e problemas sumiam para não mais voltar. Em algum lugar da casa uma porta bateu. Annalise piscou e o pânico a fez voltar à realidade. — Você é meu patrão — disse, seca. — Estou decorando sua casa e, no máximo, podemos ser amigos. Robert sempre fora bom em fazer piada e esse talento não o abandonou nessa hora. Os olhos verdes tornaram-se irônicos e o rosto longo assumiu um ar de seriedade. — Tudo que posso dizer, meu bem, é que esta é a amizade mais incrível que já tive. O modo como ele a olhava fez Annalise voltar-se e sair pela outra porta. Mas Robert a seguiu. — Por favor não diga mais nada — implorou ela. Ele reparou que o sol brilhava e aspirou profundamente o ar frio do outono. — Que lindo dia! Isto você permite que eu diga? — Você está me provocando, Robert, o que não impede que eu imagine o que está pensando. — Ninguém pode dizer que você não aprende depressa... Rindo suavemente, ele pegou-a pelo braço e levou-a até a van. Ficou de lado enquanto ela a abria o carro e entrava. Continuou parado, obrigando-a a abrir o vidro e perguntar: — Tem mais alguma coisa a dizer? — Na verdade, apenas uma pergunta. Acredita em destino? — Às vezes. O que está armando agora, Robert? — Nada. O destino é uma força poderosa e não faz sentido ir contra ele. — O destino não me trouxe aqui, Robert. Foi Marta Ingasoll. Mas você está me confundindo, sabia? Sua música mudou desde que entrei nesta casa. — A música é a mesma, Annalise. — Ele sorriu. — Apenas alterei o ritmo. — Você é muito bom no jogo de palavras. — Eu sei — admitiu ele sem um pingo de modéstia. — Vá em frente, amiga. Vá ao banco, dê uma olhada nas lojas de tecidos, leve os filmes para revelar. A gente se vê quando você voltar. Se passar perto de uma casa de donuts, compre uma dúzia para o pessoal. Antes de voltar-lhe as costas, ele bateu com a mão aberta no carro e foi em direção da casa, subiu a escada dois degraus por vez. Annalise ficou olhando até Robert fechar a porta da cozinha. Tinha que admitir, ele era tudo que desejava num homem. Era fascinante, tinha grande senso de humor, gostava de correr riscos. A vida com ele nunca seria aborrecida. Ligou o motor e engatou a ré. A dois quarteirões da casa, parou em um cruzamento e apoiou a cabeça na direção. Se tivesse algum bom senso, continuaria dirigindo, iria para Atlanta, para Projeto Revisoras 74


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Savannah, para o fim do mundo. E Sophie... Não, não Sophie. Nunca Sophie. Adorava Sophie e tinham se tornado amigas. A pequena confiava nela. Não podia ir embora, traindo a confiança da menina. Seria mais uma culpa a carregar. Só a idéia de deixar a garotinha fazia sua cabeça doer. O mesmo tipo de dor que sentira pela própria filha. Se estava se apaixonando por Robert, e temia que era isso mesmo, se ele estava se apaixonando por ela não poderia haver nenhum segredo entre os dois. Ele teria que saber tudo a seu respeito. Mas quando ele soubesse tudo, não iria mais querê-la. Tinha uma filha que adorava, não era o tipo de homem que ia aceitar uma mulher que perdera a filha do jeito que ela perdera. Se Robert soubesse disso, não a respeitaria mais. E o que era o amor sem respeito? Nada. Atrás dela uma buzina tocou. Annalise ergueu a cabeça e seguiu em frente. Não podia ir embora e nem ficar. Deus me ajude, pediu ela com fervor. Estava perdida, pois apegara-se tanto ao pai quanto à filha. Duas horas depois havia aberto uma conta no banco com o cheque do adiantamento de Robert. Mas não ficou muito contente com a experiência nas lojas de tecidos: todos mostraram-se simpáticos e atenciosos, mas se recusavam a garantir a entrega da mercadoria por causa da proximidade do Natal. Assim, lá se ia a esperança de refazer o estofamento de algumas das peças mais finas antes do Natal. De volta à casa, colocou os donuts na mesa da cozinha e foi à biblioteca para deixar a bolsa. Encontrou Pettigrew sentada à sua mesa e Twyla na de Robert. — Olá, senhoras! — cumprimentou, com um sorriso. — Não vai continuar tão alegre depois de ouvir o que a Pettigrew tem a dizer. A voz de Robert soara atrás dela e Annalise voltou-se para olhá-lo. Depois, tensa, fitou a sra. Pettigrew. — Vocês romperam o acordo? — indagou, preocupada. — Oh, não, meu bem. É só que... — começou a sra. Pettigrew, fazendo a cadeira de rodas afastar-se da mesa. Estava numa cadeira de rodas. Cadeira de rodas! — O que aconteceu? — afligiu-se Annalise. — Foi tudo culpa da Twyla — declarou Pettigrew, erguendo a perna engessada. — Não foi não. Foi você que insistiu que ainda conseguia dançar! — Twyla virou-se para Annalise. — Ela é doida. Uma taça de champanhe e jogou fora o andador. Levamos um susto daqueles! Tenho certeza de que nunca mais veremos aqueles cavalheiros tão simpáticos. Foi muito embaraçoso. — Oh, claro que veremos! — garantiu Pettigrew. — Eles vivem na mesma casa de repouso que nós. O que eu quero, Annalise, é que você cuide de minha festa de Natal. 75 Revisoras

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— O quê? — Annalise olhou para Robert, pedindo ajuda, mas o olhar dele permaneceu duro. — Ainda posso fazer os convites — disse velha senhora —, mas já que você vai mesmo fazer a decoração de Natal, não se importaria de encomendar a comida para a festa. Eu pago tudo, claro, e o seu tempo também. Pensei num bufê, com champanhe gelada. E quero um bolo magnífico, empadinhas e... — Champanhe! — interferiu Twyla. — Já não chega o que conseguiu com champanhe? Pettigrew ignorou a amiga. Enfiou a mão na bolsa, tirou um cheque e colocou-o sobre a mesa de Annalise. — Isto deve cobrir tudo. Se não, me avise. Annalise engoliu em seco. — Estamos muito atrasados, Pettigrew. Onde eu vou arrumar tempo para... — Você vai conseguir, querida. Tenho fé em você. Veja o que está conseguindo nesta casa! É dedicada, eficiente. Robert não pára de elogiá-la e tem motivos! A expressão de Annalise implorava que Robert a ajudasse. Mas ele sorriu e deu de ombros. Então, ela perguntou: — Quantas pessoas virão? — Mais ou menos setenta e cinco. Já fiz novos amigos no retiro. Então, é claro, vou convidá-los também. E pode ter certeza que virão. Se há alguma coisa que aprendi nestes dias em que estou lá é que aquele pessoal vai a qualquer lugar onde haja comida e bebida de graça. — Setenta e cinco pessoas? Oh, Pettigrew, não tenho certeza de... — Eu tenho. Você é maravilhosa. Robert me mostrou a sala de costura. O modo como a decorou é pura mágica. Fiquei sem fala ao vê-la. Foi como se minha mãe tivesse saído dali minutos antes. — Eu... fico feliz por você ter gostado. — Então, está combinado. Leve-me daqui, Twyla. O cheiro da tinta está me incomodando. Robert, meu menino, quer nos ajudar a descer a escada da varanda? Annalise se deixara cair na cadeira de balanço e não se movera dela quando ele retornou e comentou: — Parece que você arranjou outro emprego. Os olhos cor de mel estavam zangados ao fitá-lo. — Por que não me ajudou? — Entre outras coisas, porque sei que você vive do seu trabalho. Por que deveria recusar? Tenho certeza que você ia cuidar da festa, de um modo ou de outro, para garantir que tudo saísse certo. Então, que seu serviço seja pago! Ele foi até a mesa, pegou o cheque e o soltou sobre o colo de Annalise. A curiosidade a fez olhá-lo. — Meu Deus, vinte e cinco mil dólares? Robert sentou-se à mesa dele e apoiou os pés sobre ela. — Você está aqui há menos de uma semana e o dinheiro já começou a entrar. Acho que vou convidá-la para ser minha sócia. Sem querer, os olhos verdes passearam pelo rosto e o corpo dela. Essa mulher era fascinação pura. Projeto Revisoras 76


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Contra todas as expectativas, Robert sabia que encontrara o amor de sua vida. Sem ela ao seu lado, em sua vida, em sua cama, jamais seria feliz de verdade. — Por que está me olhando desse jeito? — perguntou Annalise, de súbito. Apanhado em flagrante, Robert sorriu preguiçosamente. — Estava imaginando quando você vai chegar à mesma conclusão que eu. — Que conclusão? Odeio quando você faz declarações misteriosas como essa. Ele não podia ficar tão longe dela. Levantando-se, foi até a cadeira de balanço, abaixou-se e apoiou as mãos nos braços da cadeira prendendo-a, mas sem a tocar, com medo de encostar nela. Se o fizesse seria capaz de pegála no colo e correr com ela para o quarto, lá em cima. — Gosto do jeito que você fica vermelha quando se perturba. Annalise sentia o cheiro da colônia após barba dele. — Não estou perturbada. Estou preocupada em conseguir aprontar tudo dentro do prazo. E não vamos refazer nenhum estofamento. Ninguém garante a entrega dos tecidos tão perto do Natal. — Você é uma verdadeira artista, Annalise. Fico impressionado com a facilidade com que vai de um assunto para outro, como se nada houvesse sido dito. O pintor, chamado Peaches, interrompeu-os: — Annalise, já terminei de pintar as paredes do quarto lá de cima. E agora? Robert ergueu-se, libertando-a. — Agora? Agora, eu enlouqueço! — declarou ela. Enfiou o cheque de Pettigrew no bolso e foi com Peaches pegar a casa de bonecas do sótão e levá-la para o quarto de Sophie. Não olhou mais uma vez para Robert. Sim, minha querida, pensou ele. Você é mesmo muito boa em mudar de assunto. Mas eu não desisto. Havia algo neles que os fazia sentirem fortíssima atração um pelo outro. Ele já reconhecera isso, talvez ainda faltasse Annalise reconhecer. — Quando vou me mudar para o meu quarto? — perguntou Sophie, mexendo numa miniatura de cadeira. Annalise espalhara toda a mobília da casa de bonecas na mesa da cozinha e estava separando o que podia ser lavado com água e sabão do que precisava de retoques de pintura. A garota gostava de ajudá-la porque Annalise não se zangava se ela não fizesse exatamente o que deveria fazer. Até lhe dissera que era normal uma pessoa cometer erros! — Você já pode começar a levar suas coisas para lá. Eu ajudo, se quiser. Mas teremos de esperar que a tinta seque por dois dias antes de você ir dormir lá. — Vai ser legal, não vai? Annalise percebeu um toque de ansiedade na voz da menina. — Claro que vai. Um quarto especial para uma menina especial. 77 Revisoras

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— Acho que eu vou ser a única menina na escola que tem uma casa de bonecas. — E uma casa de bonecas magnífica. — Acha, mesmo, que eu sou especial? Annalise ergueu o rosto e sorriu. — Super-especial. Você aquece meu coração e gosto muito de ficar perto de você. — E acha que vou ser especial quando crescer? Quer dizer, sou bonitinha porque sou criança... E quando eu crescer? — Oh, Sophie, venha sentar no meu colo um pouquinho. Era evidente que a pequenina estava precisando ter certeza de que era querida e amada, de que seria sempre querida e amada. Era tão pequena quando a mãe morrera! A morte de Nina sem dúvida fizera Sophie perceber que as pessoas podiam ser tiradas dela, ensinara-a que nada neste mundo é definitivo e permanente. Não importava a solidez da casa que Robert oferecia, ele não tinha como mudar a verdadeira realidade de sua filha. Abraçou a menina. — Você será especial para sempre, querida. É tão adorável! Eu queria que fosse minha. — Mesmo? — Claro. — Eu bem que podia ser sua menininha — Sophie verificou a temperatura da água. — Eu gostaria! Abraçando Sophie, Annalise olhou pela janela. Anoitecia. — Tenho umas tintas maravilhosas na van. Vamos buscá-las. Você mesma vai recuperar os móveis da sua casa de boneca. — Isso vai me fazer ser uma decoradora? — De casa de bonecas, sim. — Nellie vai ficar impressionada. — Você e Nellie se dão muito bem, não é? — Somos grandes amigas. Mas ela depende de mim para qualquer coisa. Annalise sorriu ao abrir a porta de trás da van e Sophie saltou para dentro. — Adoro o seu carro. É como uma casa com rodas. — É mais como um quarto de despejos — riu Annalise. Encontrou a caixa de tintas, os pincéis e pegou também um livro grosso sobre decoração e comida vitorianas. — Annalise! — exclamou Sophie deliciada. — Você já comprou os presentes de Natal! Puxa! Tem um monte de presentes aqui! O coração de Annalise quase parou. Sophie encontrara os presentes de Natal que comprara e embrulhara todos os anos, esperando que Chloe retornasse. Comprar presentes para a filha naquela época do ano ajudava a diminuir a dor profunda que jamais cessara de sentir. Só nesse momento compreendeu que manter aqueles presentes guardados não fora saudável. Devia ter dado tudo para um asilo, mas era tão difícil desfazer-se deles! — Annalise — a voz de Sophie despertou-a —, parece que você vai Projeto Revisoras 78


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chorar... — Não seja boba! E tire o nariz dessa sacola. — Esses presentes são para mim? — E se eu disser que não? E se eu disser que o Papai Noel deu uma passada por Atlanta antes que eu viajasse porque não sabia onde poderia me encontrar no Natal? Sophie fez uma careta. — Nunca ouvi falar do Papai Noel vir antes do Natal. — Já ouviu falar do iguana? — Não. — Bem, é um lagarto e só porque você nunca ouviu falar dele não quer dizer que não existe. A garota relutou em aceitar a explicação, mas depois de um momento inclinou a cabeça. — Então, nenhum desses presentes é para mim? Alguns dos presentes seriam adequados para Sophie. As bonecas Polly Pockets, Barbie e Ken, os ursinhos. Os outros presentes só serviam para uma criança muito menor. Estes e todos os belos vestidinhos de veludo de Natal ela ia dar para um asilo. — Você vai ter que esperar até o Natal para ver, não é? Vamos, me ajude a levar as coisas para dentro. — E os presentes? — Eles vão esperar até a árvore estar montada. E esperariam até ela ver com Robert se podia dá-los para Sophie. — Preciso falar com o Robert — declarou a menina, subitamente cheia de energia. — Temos que montar a árvore agora mesmo. Oh, esse vai ser o melhor Natal da minha vida! Annalise riu diante da animação incontida da pequena e ainda sorria quando Sophie colocou a caixa de tintas na mesa da cozinha, depois saiu à procura de Robert. Mas enquanto fazia chocolate, um humor sombrio se abateu sobre ela. A vida não é um sonho de criança, pensou. A vida é real. A dor é real. Então, isso queria dizer que a alegria é uma ilusão? Não, claro que não. A vida também tinha muitas alegrias. Era a essa idéia que precisava se agarrar. E iria agarrar-se bem. Sophie voltou correndo para a cozinha, trazendo Robert. — Conte a ele, Annalise, diga a ele que precisamos montar nossa árvore agora. — Não vamos ter árvore de Natal este ano — explicou Robert. — Não dá tempo. Sophie ficou chocada e o pai riu, dizendo: — Eu estava brincando. Hummm. Esse chocolate está com um cheiro delicioso. Será que há uma caneca para mim? — Claro — Annalise serviu três canecas. Robert e Sophie são reais, pensou. Ocorreu-lhe que mesmo quando uma pessoa estava em pleno amor, mesmo quando em pleno encantamento, havia 79 Revisoras

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lugares escuros. Não se devia esperar perfeição. Este fora o erro que cometera tantos anos atrás. Acreditara que o amor era perfeito. Talvez houvesse apenas momentos perfeitos. Quando Annalise colocou a caneca diante dele, na mesa, Robert fitou-a com olhar de fogo e o coração dela acelerou. Havia algo crescendo em seu íntimo e não sabia dar-lhe um nome. Mas sabia que era mais alegria do que tristeza. E isso lhe bastava. Robert a observava disfarçadamente e notou que um leve sorriso erguia os cantos da boca de Annalise. Imaginou-a vestindo algo bem leve... Ele a queria por inteiro. Tudo. Mesmo o passado, fosse ele como fosse. Precisava fazê-la entender isso sem assustá-la, nem ativar os demônios dela. Tomou um gole do chocolate, que estava muito gostoso. — Eu bem que gostaria de um intervalo! — exclamou Robert. — Alguém quer ir comer hambúrguer? — Eu! — gritou Sophie, quase entornando o chocolate. — Depois vamos pegar nossa árvore de Natal. — Calma, filha. Primeiro vamos ver o que Annalise tem a dizer a respeito. Annalise fechou os olhos. — Um enorme hambúrguer com queijo e maionese parece-me uma boa pedida! — Abriu os olhos. — Quanto à árvore, seria mais prático esperarmos até a sala grande estar pronta, com todos os móveis no lugar. — Oh, Annalise! — implorou Sophie. — Não seja prática. Não agora. É Natal! — Parece que é melhor não ser... — Annalise olhou para Robert de modo interrogativo. — Acho que se você escolher uma árvore com raiz e se pusermos água nela todos os dias... — Eu posso fazer isso — ofereceu-se a pequena. — Por favor! — Depois do hambúrguer, vamos ver. Não prometo comprar a árvore hoje. Só estou dizendo que vamos dar uma olhada. — Está bem — concordou Sophie, com o rosto brilhando intensamente de satisfação. — Nós temos montes e montes de peças de decoração para árvore de Natal no depósito. Eu fiz várias delas. — Não creio que aquele seja o tipo de decoração para a árvore que Annalise está imaginando, querida. — Mas poderá ser... — Uma idéia começou a se formar na mente de Annalise. — Eu gostaria de ver esses enfeites. Sophie adorou ouvir aquilo. Se saíssem para comer, depois para ver a árvore e em seguida fossem ao depósito, ficaria acordada até bem mais tarde do que de costume. Adorava o depósito. Era cheio de sombras e assustador, fantasmagórico, mas em vez de fantasmas tinha aranhas. E para o modo de pensar de Sophie, aranhas e fantasmas eram da mesma família. Agitada, ela saiu da mesa. — Vou buscar a Nellie. Não quero que ela fique em casa sozinha hoje à noite. — E pegue seu agasalho — recomendou Robert. — Não podemos ir já — protestou Annalise. — Preciso me arrumar. Robert quase disse que ela estava maravilhosa daquele jeito mesmo, Projeto Revisoras 80


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porém conteve-se no último instante, deixando que as palavras não ditas flutuassem no ar entre eles. Em vez disso perguntou: — Você não está lendo minha mente, está? — Não, só sua expressão. — Então, só por curiosidade, o que ela diz? — Que você tem uma mente suja! — riu Annalise, adivinhando exatamente o que ele pensara. — Ora, ora! Parece mesmo que você está flertando comigo, Annalise! — Você está muito enganado! — ela apressou-se a negar. Mas ele não estava enganado, Annalise é que havia enferrujado. Pensando nisso, ela subiu para seu quarto. Assim que teve certeza que Robert não a via, sorriu para si mesma. Enferrujada! A verdade é que jamais soubera flertar direito. No entanto, nunca é tarde para aprender. Foram na perua de Robert, onde daria para carregar a árvore e a decoração. Sophie insistiu em sentar na janela e Annalise viu-se entre os dois, incapaz de impedir que seu ombro e quadril encostassem nos de Robert. No fim, desistiu de tentar evitá-lo, entregou-se à sensualidade do calor dele e soube, pelo tom de sua voz, que ele percebera o exato momento em que ela capitulara.

CAPÍTULO 9 Annalise bateu o telefone e olhou para Robert, na mesa dele. — Pettigrew é mais esperta do que eu pensei! Ela sabia exatamente o que estava fazendo ao me convencer a preparar a festa. — Não teve sorte? — Todos os serviços de comida já estão contratados há meses. Por Deus! O que podemos fazer para alimentar cem pessoas? Além de bolo e champanhe? — Nós? Robert olhou para a foto do bolo no porta-fólio de Annalise. Era um bolo espetacular de dois andares imitando flores com açúcar, glacê e coberturas. E no alto havia flores de verdade. — Um bolo como este seria suficiente — sugeriu. — Essa é a peça central. Ninguém come a peça central até o fim da noite. — Vou ligar para minha mãe. Ela pode nos ajudar. — Oh, não sei se é uma boa idéia. — Você precisa de ajuda, não precisa? — Claro que sim. — Ela vai ajudar. — Não sei, Robert. Sua mãe não parece o tipo que enrola as mangas e põe as mãos na massa. Deixe-me pensar... Um movimento na estante chamou-lhe a atenção. Um ratinho cinzento correu sobre os livros. Annalise suspirou. — Você tem que fazer alguma coisa com os ratos, Robert. 81 Revisoras

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— Vou armar ratoeiras esta noite. — Mas que sejam "humanas". Sophie decidiu que todos os ratos são primos dos filhotes de camundongos do sótão. Não podemos simplesmente matá-los. Temos que apanhá-los e levá-los para fora. Robert voltou a se recostar na cadeira e apoiou os pés na mesa. — Você adora isso, não é? — O quê? — Essa confusão. Os problemas. Dar ordens para as pessoas. Gosta tanto de comandar que já induziu todo o meu pessoal rodeá-la como uma rainha e os fez trabalhar mais em uma semana do que eu consigo em um mês. — Eu não grito com eles como você. As sobrancelhas dele se juntaram e Annalise não conseguiu evitar uma risada. — Adoro quando você ri, Annalise. Todas as sombras somem de seus olhos. — Comporte-se, Robert. Tenho uma lista imensa de coisas a fazer. Enquanto ela passava a cuidar do trabalho, ignorando-o, Robert a observava, apreciando cada detalhe. Seu desejo era mandar todo mundo para casa mais cedo e levá-la para cima, onde fariam amor com tanto ímpeto que apenas um terremoto seria capaz de tirá-los da cama. Seus pensamentos continuaram nessa linha até que uma pontada mais forte de desejo o fez respirar fundo. Ah... Estava apenas punindo a si mesmo. — O que foi? — Annalise fitava-o. — Não acha essa idéia boa? Só então ele compreendeu que ela falara com ele, mas estava tão imerso nos pensamentos que não ouvira nada. — Acho, parece ótima — concordou ele, imaginando com o que estaria concordando. Annalise balançou a cabeça, sorrindo. — Você nem me escutou. Eu disse que precisamos comprar este sofá para a sala de família. — Mostrou o catálogo. — Custa três mil dólares. Ele fingiu indiferença. — Você é a decoradora. Sabe o que é melhor. Ela riu abertamente. — Agora tenho certeza que você não ouviu. Antes eu disse que custa oitocentos dólares. — Compre o sofá — decidiu ele, convencendo-se de que havia economizado dois mil e duzentos. Franzindo a testa, Annalise pôs o catálogo de lado. — Que tipo de ajuda você acha que sua mãe poderia me dar? Robert contou. — Cozinheira? Sua mãe tem uma cozinheira? — Levantando-se, ela pegou o telefone e foi colocá-lo no colo dele. — Ligue para ela agora mesmo. E não esqueça de dizer que não é um favor, vou pagar preços decentes. Ele segurou-lhe a mão e fitou-a, sorrindo. Sentia-se como um adolescente perto dela. Tudo que fazia era sorrir, sorrir e se conter. Não sabia quanto tempo mais poderia agüentar essa tortura. Annalise pensava em como era gostoso ter na sua a mão dele, grande e Projeto Revisoras 82


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quente. Nesse instante algo soltou-se dentro dela, como que liberando-a, e sentiu-se quase doente de tanto desejo. — Abaixe-se para eu poder beijar você — pediu ele, mas ao mesmo tempo ela libertou a mão. — Não posso. Estaria totalmente perdida se o fizesse. — E isso seria assim tão ruim? — Eu bem que gostaria de saber... Aturdida, ela voltou para sua mesa e pegou o bloco de anotações. De alguma forma, sem que notasse, a relação deles tinha ido de adversários para aquela espécie de jogo de provocação sensual. Ela gostava, mas sabia que era perigoso. — Ligue para sua mãe. Vou subir para ver como está indo o trabalho no quarto de Sophie. — Esteja como estiver, está sendo lento demais para mim. Annalise não respondeu. Já passara muito tempo imaginando como seria estar na cama dele, na segurança dos braços dele, e como seria tomar a iniciativa na hora de fazer amor. Era uma idéia nova... Era isso que aquele homem fazia com ela: transformava-a em uma desconhecida para si mesma. E ficava pior a cada dia. Ou melhor, dependendo do ponto de vista. — Tenha um pouco de paciência — murmurou ela, surpreendendo-se por conseguir falar com tanta despreocupação. —Annalise, se soubesse o quanto de paciência estou tendo neste exato minuto, iria ficar chocada. Tenho fome, sabia? Ela sorriu. — Fome? Vá fazer um sanduíche, na cozinha. — Muito engraçado. — Um sanduíche pode quebrar muitos galhos — garantiu Annalise e saiu da sala sem olhar para trás. — Pensa que acabou? — gritou ele. — Vou lhe mostrar o que é um sanduíche! Com o rosto em chamas, Annalise parou ao pé da escada. Bem, agora não estavam mais um rodeando o outro, avaliando-se. O jogo tornara-se aberto. Ajude-me a passar por isto, meu Deus!, pediu. Deixe-me terminar este trabalho, alugar um pequeno apartamento e então, com alguma distância, poderei decidir quanto a Robert. Em vez de subir, entrou na sala grande. A árvore que haviam escolhido exalava um cheiro maravilhoso. Ainda sem decoração, erguia-se imensa, com quase três metros de altura, no grande vaso colocado diante das portas francesas, agora abertas para arejar o ambiente. O inverno sumira. Robert dizia que ele só voltaria no meio de fevereiro, mas Annalise esperava que fizesse um pouco de frio no dia da festa de Natal para acenderem a lareira. Peaches estava no alto da escada pintando uma fina linha dourada no relevo do teto. — Você está fazendo um trabalho magnífico — elogiou ela. O homem ficou vermelho. — Não dá para ver direito daí de baixo. Por que Robert estava gritando 83 Revisoras

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desta vez? — Oh, as coisas de hábito. O preço do material, corra e faça tudo para ontem... Peaches sorriu. — Na última casa em que trabalhei com ele, despediu-me duas vezes. — Oh, nem pense nisso! Eu preciso de você. — Não se preocupe. Nunca fico despedido por mais de um dia, que aproveito para pescar. — Há quanto tempo trabalha com ele? — A primeira casa foi aquela na Cedar. É uma hospedaria agora. Depois foram mais umas cinco ou seis casas. — Oh? Então, conheceu a esposa dele, Nina? — Só de vista. Estava sempre doente. Robert tinha que tirar muito tempo do trabalho para cuidar dela. E de Sophie, depois que a trouxeram para casa — Peaches sorriu de novo. — Era fácil dizer quando ele tinha trocado as fraldas dela. Robert ficava verde. Annalise riu. Homens! Olhou para o espelho decorado que descobrira no depósito e que Robert, depois de alguma insistência, pendurara sobre a lareira. O lustre e o relevo dourado do teto rebrilhavam na superfície enevoada. Era elegante e sem ostentação. — Continue — pediu. — Quero essa sala terminada hoje. — Sim, senhora. Desde que criara a regra de que cada equipe tinha que limpar a sujeira que fizera durante o dia antes de encerrar, podia avaliar a evolução conseguida. Pouco a pouco a casa adquiria forma. A rica cor creme nas paredes conferia luminosidade às salas, refletindo a luz das luminárias. O chão de madeira, finamente lixado e polido, ficara lindíssimo. A seguir, foi para o quarto de Sophie, onde trabalhavam o carpinteiro e o eletricista. No corredor, abaixou-se para pegar um pedaço de papel. Mas não era papel, era uma fotografia. Uma foto de seu álbum, a do seu bebê na incubadeira, logo depois da cirurgia. O coração de Annalise deu um salto e guardou-a no bolso, rápida. Robert teria visto a foto? Será que ele a tirara do álbum? Não, claro que não. Era coisa de Sophie, a malandrinha. Era uma fuçadora de primeira classe. E se a menina falasse nas fotografias, o que dirija? Que era o bebê de uma amiga? Não, não podia negar sua própria filha. Na certa ela não diria nada, pois pegara a foto sabendo que não devia fazê-lo. Mas por quê? Curiosidade? Parecia ser a única resposta. Isso e talvez Sophie quisesse outro delicioso segredo para "discutir" com Nellie. — Achei que tinha ouvido alguém no hall — disse Otis, o eletricista, à porta do quarto de Sophie. Annalise sorriu. Não tinha tempo para se preocupar com a foto, por enquanto. Se Sophie não dissesse nada, talvez nem mesmo precisaria pensar mais nisso. — Como está indo, Otis? — Quase acabamos. — O eletricista fez um aceno para o carpinteiro ao Projeto Revisoras 84


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recuar, a fim de dar passagem a ela. — Quer ver como está ficando? — Quero, sim! Os rostos dos homens iluminaram-se diante do entusiasmo dela. O carpinteiro passou a mão pela casa de boneca. — Fixei a madeira aqui na parede — explicou ele. — A senhora não me disse para fazer isso, mas achei que... — Está perfeito — aprovou Annalise. Observou os armários e prateleiras de pinho que pedira paca ele fazer. — Sophie vai adorar. Eu adorei. — E ainda não viu nada! — declarou Otis, sorrindo. Abriu uma das portas da casinha e pequenas luzes acenderam. Annalise soltou uma exclamação. — Otis, você fez um milagre! — Oh, não! Na verdade, funciona como uma porta de geladeira. Abra e a luz acende, feche e se apaga. Foi boa a sua idéia de usar as lampadazinhas de enfeite de Natal. — O trabalho de vocês dois é incrível! Estão na minha lista A. Otis começou a recolher seu material. — E agora? — A sala da família para você, Otis. — E ela voltou-se, sorrindo, para jovem carpinteiro que todos chamavam de Suds. — Acho que o Robert precisa de você, agora. É melhor que fale com ele. Olhe, para mim, você está bem acima de um simples aprendiz. Suds riu, deliciado e explicou: — Meu pai está me ensinando e duvido que me dê o título de mestre enquanto ele não morrer. O que espero que não aconteça nunca. Annalise ficou no quarto depois que eles saíram. A roupa de cama estava dobrada sobre o colchão, ainda no plástico. O desenho dos lençóis não eram infantis, mas dramáticos e exóticos, assim como Sophie. Tinham tons de terra e verde escuro, com imagens estilizadas de elefantes, antílopes e zebras. Com a cadeira vitoriana, que trouxera da varanda lateral, a pequena mesa, que iria servir como escrivaninha com a cadeira de palha da cozinha, mais um dos baús do sótão para ser usada como caixa de brinquedos, aquele quarto estaria bom para Sophie até a adolescência. Annalise arrumou a cama e recuou para admirar sua criação. Faltava apenas uma cortina na janela e um pequeno tapete. E Sophie. A voz poderosa de Robert se fez ouvir lá embaixo. — Vou pregar suas orelhas na parede! Levante-se. Levante-se já, estou mandando! Annalise ouviu um gritinho e a voz abafada de Sophie. Quase voou escada abaixo e entrou na biblioteca. Robert, com o rosto branco, parecia enorme, de pé junto de Sophie toda encolhida no chão, trêmula, com o rosto coberto pelas mãos. — Robert, meu Deus! O que você fez Sophie? Ia aproximar-se da pequena, mas ele segurou-a por um braço e afastou-a. — Não. Ela pode levantar-se sozinha. — Você bateu nela? — Diabos, não! Mas estou muito tentado por essa idéia. 85 Revisoras

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— Sophie... — chamou Annalise. A pequena começou a rir e tirou as mãos do rosto. Annalise ficou de boca aberta: havia uma argola de ouro no nariz da garota. — Oh, Sophie! Rindo, Sophie ficou de joelhos e levantou-se. — É falso — explicou, tirando o brinco do nariz. — Está vendo? — Voltouse para o pai e riu mais ainda. — Enganei você, não foi? Sua cara ficou tão gozada! Espere até eu contar ao pessoal na escola. — Você nunca mais vai para a escola! Vou trancá-la num armário até que faça trinta anos. Sophie pegou a mochila da escola. — Tudo bem, mas antes vou atacar a geladeira. Robert olhou para Annalise. — Do que está rindo? — Quem? Eu? Só ia passando... Os olhos verdes fixaram-se em Annalise por um momento, então ele falou suavemente: — Volte ao trabalho. Temos um prazo a cumprir. — Ela só estava brincando com você, Robert. Não acha maravilhoso que se sinta à vontade para fazer isso? — Maravilhoso? Eu quase tive um ataque cardíaco! Annalise teve o cuidado de não rir. — Bem, se quer castigá-la, pode mandá-la. para o quarto dela. — Está pronto? — Não completamente, mas está usável. Acho que Sophie vai gostar mais de ter um quarto do que de dormir aos seus pés. Quer que ajude a levar as coisas dela? — Por que não? — E para ter certeza de que Sophie não voltaria, ia levar a caminha dela para o sótão. Aleluia! — Mais uma coisa. Você é sonâmbula, por acaso? — Não e também não tenho lapsos mentais. — Não pensei que tivesse. — Robert, você é demais! — Annalise falava enquanto saía da biblioteca. — Trabalhar para você é ótimo. Ele foi até a mesa, pegou o telefone, hesitou, então ligou para Marta Ingasoll. Ela atendeu no primeiro toque. — Oh, Robert, por que está me ligando? Estou fazendo as malas para a lua-de-mel. Não tenho tempo para... — Só me diga uma coisa, qual é o grande segredo de Annalise? — Quem disse que ela tem um grande segredo? — Escute aqui, pare de brincar! — Como vai a casa? — Muito bem. — Então, qual é o problema? — Annalise é o problema. — Mas você acabou de dizer que... Ah! — Ela está morrendo? — perguntou ele, sentindo medo da resposta. — Projeto Revisoras 86


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Tem alguma doença horrível ou algo assim? Marta suspirou. — Não, nenhuma doença. Vou desligar, Robert. Isso é entre Annalise e você. Boa sorte. Robert bateu o telefone e ergueu o rosto. Annalise estava parada à porta. Ele xingou baixinho. — Se acha que vou me desculpar por fazer esta ligação está enganada. — O que ela lhe disse? — Nada. — Por que você não pode simplesmente esquecer isso? — Pode parecer estranho, Annalise, mas eu me importo. Faz sentido para você? Quero tê-la perto de mim, mas você ergueu uma parede de tijolos que não posso destruir. — Prefere que eu vá embora? — Não, não prefiro que vá embora. Prefiro é fazer algo muito íntimo com você. Se isso for impossível, prefiro ter que fique por perto, mesmo me sentindo miserável. — Sinto muito — o tom de Annalise era frio. Robert teve certeza que aquela frieza era apenas fachada. Queria sacudi-la até que admitisse isso. Queria beijá-la, expulsar aquelas sombras dos olhos dela. Annalise subiu para seu quarto e ficou lá por uma hora, parada diante da janela, tentando esvaziar a mente e tornar o coração insensível. Não conseguiu. Robert continuava ali como se sempre tivesse feito parte dela. Não imaginara que apaixonar-se outra vez seria assim. Permitira-se ser vulnerável e agora tinha que contar a ele. Não havia saída. Mas quando? Antes de fazerem amor ou depois? Se contasse antes, talvez não houvesse depois... Alguém bateu à porta e Robert entrou, sem esperar resposta. — Você é ousado. — Um de nós tem que ser. O que acha que estou fazendo aqui? Comandando um spa? Otis está à sua procura. Deixe para chorar na sua folga. — Já estava indo, "senhor". — Por favor, poupe-me disso. — Você não está me poupando. — Não vou poupar nenhum de nós! Segurou-a pelos ombros, forçando-a a fitá-lo. Ele aprendera a entender com incrível precisão os gestos dela, sabia quando estava nervosa, tensa, zangada. Ou excitada. Só não sabia o que ela pensava naquele momento. A expressão de Annalise tornou-se triste. Ele abaixou as mãos, acariciando os braços dela, então recuou, consciente da força do desejo que sentia. Ela percebeu também, mas não demonstrou. No entanto, corou de leve e Robert notou. — Como consegue negar o que está acontecendo entre nós? — perguntou ele. 87 Revisoras

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O Natal de Sophie

— Parece-me que você disse que Otis está à minha procura. — Sabe o que eu queria que houvesse no mundo? — explodiu ele. — Apenas eu e você... Parecia tão magoado que Annalise teve vontade de abraçá-lo e beijá-lo para afastar a dor. Disse, num sussurro: — Não sei se vai ajudar, porém, por mais que eu procure motivos para me afastar de você, não consigo. — Será que ouvi direito? — Provavelmente. — Meu Deus! Dê-me dez minutos para dispensar Otis e os rapazes, depois chamar minha mãe para levar Sophie. O coração dela disparou como louco. — Isso não foi um convite, Robert. — Não? Então, o que foi? — Não sei... Ela sentia-se perdida. A foto em seu bolso parecia queimar. Podia simplesmente pegá-la e usá-la como ponto de partida para contar sua história. Nesse momento Sophie entrou no quarto correndo, contornou o pai e atirou-se nos braços de Annalise. — Eu adorei, Annalise! De verdade. É o melhor quarto que eu já tive! A cama é tão grande e macia! Nellie também adorou. Ela não vai ligar nem um pouco de ficar lá quando eu não estiver. — Fico feliz por você ter gostado, querida. É o seu quarto. Annalise, nervosa, fitou Robert. O rosto dele parecia esculpido em ferro e ela percebeu que havia passado o momento de revelar o que acontecia em seu coração. Os olhos dele haviam se voltado para a filha e sua expressão tornarase suave. Sophie reparou nos pacotes espalhados no sofá. Annalise os separara e embrulhara de novo. Vários deles agora tinham etiquetas de presente com o nome de Sophie. — Quando vamos começar a decorar a árvore? — quis saber a pequena. Soltou-se dos braços de Annalise para ir ver os presentes, mas ela segurou-a. — Hoje à noite, depois de jantar, caso seu pai concorde. Está bem? Mas até lá, não faça tanto barulho. — Eu concordo — anuiu Robert. — Annalise, Otis precisa de você na sala de estar da família. Deu para Annalise notar que ele ainda estava excitado. Ela também. Queria fazer-lhe um sinal, indicando que entendia, mas Sophie interviu outra vez. — Vou levar minhas coisas para o quarto novo agora mesmo. — Depois que falar com o Otis, eu vou ajudar — prometeu Annalise. Ficou olhando pai e filha saírem, depois escutou-o falando com Suds e o roçar de uma lixa na parede. — Não consigo levar minhas coisas sozinha — Sophie enfiara apenas a cabeça pelo vão da porta. — Tenho mesmo que dormir no quarto novo hoje? — Está preocupada com isso? Projeto Revisoras 88


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— Posso estar... — Então, fico lá com você até que durma. Está bem? — Fica, mesmo? — Claro que sim, meu bem. — Você é mesmo esperta, Annalise! — Phyllis Davenport entregava para Sophie os pequenos móveis de casa de boneca com presilhas para pendurar na árvore. — Eu jamais pensaria em usar móveis de brinquedo como decoração da árvore. — Annalise é especialmente criativa — declarou Sophie de seu degrau na escada, onde descobrira que tinha medo de altura e tentava fingir que não. — Nós também fizemos anjos. Com bolas de espuma e todos os guardanapos de linho com rendas que ela achou no armário lá.em cima. — Olhou para a avó. — Sabe como fizemos o cabelo deles? Usamos musgo. Fomos até o jardim, tiramos musgo das árvores, lavamos com cuidado e secamos no forno. Nossos anjos têm cabelo cinza como os seus, vovó. Phyllis revirou os olhos. — Tato não é sua grande qualidade, meu bem! Sophie ignorou o comentário. — E descobrimos uma cesta cheia de Papai Noel no sótão. Vou colocá-los na árvore também. Com cuidado. — Agradeço os elogios — sorriu Annalise —, porém é mais uma questão de usar o que se tem, da melhor forma possível. O nosso tempo é pouco. — Espero que o Robert saiba apreciar o que você está fazendo. Ele foi ao limite com a Pettigrew porque sempre adorou esta casa. — Ele aprecia o que estou fazendo, Phyllis. Está me pagando bem. — Por falar nisso, Minnie disse que vai lhe dar uma mão na cozinha por alguns dias, assim ganha um dinheirinho extra para o Natal. Ela tem muitos netos. Annalise fechou os olhos um instante, num agradecimento silencioso. — É um alívio ouvir isso — falou. — Nem sei como agradecer. — Há um modo... — Qual? — Temos uma casa de verão no rio St. Johns, que se acha em péssimo estado. Robert Sênior e eu sempre passamos o nosso aniversário de casamento lá, em maio. Será que pode dar uma olhada nela e dar algumas sugestões? Annalise começava a gostar da mãe de Robert. — Adoraria dar uma olhada na casa e ver o que posso fazer. Phyllis baixou a voz. — É a influência que está exercendo sobre Sophie... Meu bem, estou mesmo impressionada. Ela era tão rebelde! — Estou ouvindo, vovó. — Eu nunca duvidei disso, srta. Orelhas Grandes. Robert entrou na sala carregando uma bandeja. — Cappuccino para todos! — anunciou. Colocou a bandeja na mesa de tampo de mármore com pedestal de 89 Revisoras

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madeira, que Annalise encontrara no antigo quarto de brinquedos e polira até ficar brilhante. Quatro cadeiras Chippendale completavam-na. Ela também desfizera almofadas, limpara os panos até as cores originais ficarem novamente à vista e as remontara. Sem que ela soubesse, Robert a estava observando quando se afastara para observar sua criação e exclamara "sim, sim, sim!", com uma risadinha. Até então ele a desejara e talvez até acreditasse que a amava. Mas depois desse momento, passara a saber que a amava. Era fascinante para ele ver Annalise ficar feliz daquele modo com uma realização tão pequena. Havia uma inocência adorável nessa atitude... E sempre que a observava com Sophie percebia que as duas haviam desenvolvido um relacionamento especial que não sabia definir. Ao observá-las, naquele instante, viu que a menina imitava cada gesto de Annalise, desde o modo de andar até ao de inclinar a cabeça. E lá estava a trança que era a marca registrada de Annalise, também imitada por Sophie. Sem que elas vissem, a mãe ergueu uma sobrancelha para ele. Ele soube, então que Phyllis também percebera. Deu de ombros e sorriu. Sophie olhou para sua xícara. — O meu não é cappuccino! — É leite com chocolate. Você é nova demais para tomar café. — Não sou não. Lou Ann, que está na minha classe, toma café toda as manhãs. E a irmã diz que isso a ajuda a parar de ficar pulando na cadeira o dia todo. — Deve ser verdade — assentiu Phyllis. — O café funciona ao contrário de um estimulante para crianças antes da puberdade. — Mesmo? — indagou Robert com sarcasmo. — Pelo que me lembro, não me deixaram tomar café até fazer dezesseis anos. Phyllis sorriu para o filho. — É que eu não sabia ainda das propriedades mágicas do café. Se soubesse, meu filho querido, lhe daria um litro todas as manhãs. Annalise riu. — Lembre-se a quem deve lealdade! — aconselhou Robert. — Sou eu quem paga seu salário. — E ela merece cada centavo — retorquiu Phyllis. — Veja como transformou esta casa em um oásis de elegância e conforto para você e Sophie. Mãe e filho olharam-se longamente, sem piscar. Annalise teve impressão que podia ouvir a poeira no ar, tal o silêncio que se fez. Ficou sem jeito com o antagonismo entre os dois, se é que era isso mesmo. Por fim, Robert cedeu. — O que deu em você, mãe? — Eu não sei. Aliás, sei sim. Você é tão tirano quanto seu avô. As vezes me pergunto se influenciei você pelo menos um pouco. — Claro que me influenciou, mãe. Sou uma pessoa gentil e agradável graças a você. — Oh, pare com isso! Annalise e Sophie não querem nos ouvir discutindo. — Já estou acostumada — lembrou Sophie. — E eu vou terminar a árvore. Projeto Revisoras 90


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— Oh, Robert, veja o que fez. Estávamos passando momentos tão agradáveis! Vou contar ao seu pai. No segundo degrau da escada, Sophie inclinou-se para falar ao ouvido de Annalise. — O vovô chama isso de guerra de suporte. Eles ficam se provocando até que nenhum dos dois suporta mais! — Sophie, querida, está falando de mim às minhas costas? — Sim, vovó, estou. — Não está nos genes dela, tenho certeza, você ensinou-lhe isso, Robert. Robert deu um beijo no rosto da mãe. — Ensinei, mãe. Eu sempre disse a ela para dizer a verdade. — Você é incorrigível! — Você não ia gostar de mim se fosse diferente. — Gostaria, sim... Robert riu. — Certo, mãe, você ganhou esta. — Então, vou embora enquanto estou ganhando. — Phyllis pegou a bolsa e o casaco. — Oh, quase esqueci... — Tirou um envelope da bolsa e o colocou na mesa. — Bilhetes de rifas. Robert gemeu e pegou a carteira. — Quanto? Phyllis disse o total e ele entregou a o dinheiro. — Ah! Seu pai pediu para lhe dizer que o escritório dele está patrocinando um dos grupos de "Brinquedos para os Baixinhos". Robert riu. — Considere-me avisado. — Não faz mal algum lembrar daqueles menos afortunados que nós! Dizendo isso, senhora olhou para a árvore, observando Annalise e Sophie. Notou a união peculiar entre as duas. Imaginou se Robert teria notado. Provavelmente não, mas tinha certeza de que ele notara Annalise. Apesar de haver uma expressão sombria, terrível, no olhar daquela moça, havia também calor humano e seu sorriso desabrochava como uma flor na primavera. Essas duas qualidades eram interessantes para seu filho e deviam interessá-lo muito, pois desde que chegara notara como ele fazia força para controlar as emoções. E como me sinto quanto a isso?, perguntou-se Phyllis. Para sua surpresa, percebeu que gostava da idéia. Sorriu para Robert. Não era bom contar a ele que aprovava. Tão cabeça-dura quanto o avô, podia não gostar da sua aprovação. Ele inclinou-se para beijá-la. — Conheço esse sorriso, mãe. O que está tramando? — Cuide da própria vida, querido. — Phyllis foi até Annalise e Sophie. — Só queria dizer de novo que gosto do que está fazendo aqui, Annalise. De tudo. Annalise, que tinha um bom contato com a realidade, compreendeu rapidamente a importância daquele momento. Phyllis estava dizendo que lhe passava os direitos sobre Robert. Direitos que haviam sido dela, Phyllis, a mãe, até aquele instante. Compreendeu também que essa aceitação era 91 Revisoras

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condicional e dependia das intenções de Robert. Mas ser aceita fez com que as lembranças da , tragédia de seu passado se diluíssem um pouco. — Obrigada — disse suavemente. E era tudo que podia dizer, porque para Sophie e Robert, ela e Phyllis estavam apenas sendo educadas. E, para ser mais cortês, perguntou a Phyllis sobre o "Brinquedos para os Baixinhos". Phyllis explicou. — Será pedir-lhe muito que leve alguns presentes agora mesmo? — perguntou Annalise. — Você tem presentes aqui? — surpreendeu-se Phyllis. — Sim, vou buscar. É um instante. Ao entregar os presentes que comprara para a filhinha, sob o olhar de reprovação de Sophie, Annalise sentiu que estabelecia uma trégua entre o passado e o presente. — Quantos! — exultou Phyllis. — Annalise, você tem certeza? Isto foi comprado para alguém que eu conheço? — Quer dizer, eu? — sugeriu Sophie. Com os braços livres dos pacotes, Annalise abraçou a menina. — Não tema, meu bem, estes não são os seus presentes. — Annalise, está sendo muito generosa! — emocionou-se Phyllis. Annalise apenas sorriu, procurando um meio de não ter que explicar sua generosidade. Robert cuidou disso. — Vou ajudá-la a levar tudo para o carro, mãe. — Ótimo. Eu já estava indo mesmo, não é? — Não quero apressá-la, mãe. — Não faz mal. Robert riu. — Que bom ouvir isso! Pegou o braço da mãe, com cuidado para não perturbar o delicado equilíbrio dos presentes. Quando retornou, Sophie regava a árvore e Annalise abria uma de suas "boas compras", um pedaço de tecido sedoso que descobrira no domingo, quando ela e Sophie tinham ido fazer compras. Ao ajoelhar-se para ajeitar o pano sob a árvore, notou o olhar dele. — Acha que escolhi bem? Este tecido não dará uma excelente saia para a árvore? — Espetacular. — Não havia entusiasmo na voz dele. — Quer mais café? — Sim, por favor. Depois que ele trouxe a cafeteira, Annalise encarregou Sophie de separar os ornamentos e juntou-se a Robert na mesa. Tomou um gole do café, abaixou a xícara e fitou-o nos olhos. — Muito bem, contra qual das suas regras não escritas eu fui agora? Quem eu ofendi? Você ou sua mãe? — Nenhum de nós. Sou eu que preciso pedir desculpa... Minha mãe é capaz de fazer um homem pobre dar até os sapatos, em nome da caridade. Mas você não precisava ter dado os presentes que comprou para este Natal. — Não comprei, eu já tinha aqueles presentes. Quer dizer, estava mesmo procurando um asilo para o qual doá-los. Sua mãe me evitou esse trabalho. — Oh, claro. Por acaso, você tinha os presentes. Projeto Revisoras 92


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— Isso mesmo. — E os deu por gentileza? — Claro. Tenho um coração maravilhoso. Você não notou? — Se ficar comigo a sós, prometo enumerar tudo que notei em você. Annalise respondeu com uma risada franca. Era muito melhor flertar do que ficar falando dos presentes. Robert saboreou aquele riso. Por um momento pensou que se tratava de uma emoção real, mas não tardou a perceber que ela estava brincando. Notou, também, que se não fizesse algo para acabar com aquela profunda dor na virilha, ia passar por maus momentos. — Está tentando distrair minha atenção de alguma coisa — acusou ele. — E estou conseguindo? — Muito bem. Annalise abandonou o jogo e olhou para a árvore. — Robert, por que não diminui a luz para vermos o efeito da árvore acesa? Annalise ligou o fio na tomada e a árvore pareceu ganhar vida. Por um momento os três ficaram em silêncio. Então, Sophie abraçou-a. — Ficou linda! Nunca pensei que fosse ficar tão linda! — Nem eu — disse Robert. Enquanto sorria, Annalise passou os olhos pela sala, captando todos os detalhes. A silhueta de Robert delineada pelas luzes dos abajures Tiffany, um dos quais ela colocara na mesinha junto do sofá maior, o outro sobre uma antiga mesa-consolo junto à entrada. Não havia enchido a sala de móveis, preferindo usar as peças mais finas que encontrara: a mesa com tampo de mármore e suas cadeiras, dois sofás, uma pequena banqueta, três poltronas. Junto da grande lareira colocara um dos adoráveis divas, mas não tão perto a ponto de distrair a atenção dos preciosos entalhes da moldura da lareira. A sala ainda não estava pronta, mas já tinha seu estilo. — Pettigrew pediu-me um Natal à moda antiga, então acho que é só colocar alguns dos brinquedos antigos embaixo da árvore. O velho cavalinho de balanço, o carrinho e o pequeno triciclo com rodas grandes... — Annalise? — Sim, Robert? — Vamos encerrar por hoje, está bem? — Ele começou a recolher as xícaras da mesa. — Sophie, banho e cama. Sophie abriu a boca para protestar mas parou. Tinha feito uma longuíssima lista de Natal. — Está bem, papai. Agora mesmo. Robert olhou por cima do ombro, estranhando a obediência inesperada, mas Sophie pegara a mão de Annalise e a levava para fora da sala. — Promete ficar comigo até eu dormir? — Você não ronca, não é? Sophie riu. — Eu não, mas o Robert ronca. — Bem, felizmente não vou ficar com o Robert até ele dormir. Para meu azar, pensou Robert, levando a bandeja para a cozinha. 93 Revisoras

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CAPÍTULO 10 — Estou com um cheiro ótimo, não é? — disse Sophie, de pé entre os joelhos de Annalise, esperando seu cabelo ser penteado e trançado. — Você está com o cheiro do meu xampu, meu condicionador, meus óleos e meus sais de banho. — Eu sei. É por isso que é um cheiro ótimo. Sabe, estive falando com Nellie sobre você. — Oh? Eu sou assim tão interessante? — Bem, estávamos falando de como é legal ter você aqui. — Quer dizer, como é bom ter minhas coisas aqui para poder xeretar? — perguntou Annalise, pensando na fotografia que encontrara no corredor. — Sim — concordou Sophie com inocência. — A única : coisa que havia no banheiro antes de você chegar era o creme de barba do Robert e o sabonete. Nellie gosta de você tanto quanto eu, apesar de não poder usar seu xampu. — Bem, eu também gosto de você e da Nellie. Vocês são especiais. — Terminando a trança, ela colocou um elástico para prendê-la. — Está pronto, meu bem. Agora é a hora de experimentar sua cama nova. Annalise puxou as cobertas, ajudou Sophie a se deitar, desligou a luz do teto e abriu uma das portas da casa de bonecas para suas luzes se acenderem. A fraca luminosidade saindo pelas janelinhas com cortinas era perfeita para não ficar muito escuro. Sophie vibrava de satisfação ao abraçar Nellie. — Sinto-me nas nuvens. Nellie também. Ela disse que assim é que nossa vida seria se tivéssemos uma mãe. — É assim que sua vida é, com ou sem mãe, sua boba. — Não, isso não é verdade. Pais só fazem o básico. As mães é que fazem os extras. Nós gostamos dos extras. Nós gostamos de você — declarou a pequena. De repente, tornou-se subitamente tímida e desviou os olhos. Annalise sentou-se na beira da cama e passou a mão pelo rosto de Sophie. — E eu gosto de você, meu bem. Muito. Acho que você é encantada. Encantada. Sophie sentiu-se aquecer. — Isso quer dizer que você vai ficar com a gente? — "Isso" quer dizer que enquanto você quiser, eu serei sua amiga. — Então, não vai morar com a gente? — Oh, Sophie, querida, não posso fazer isso. Tenho que morar no meu próprio apartamento e você poderá ir me visitar, talvez até passar a noite. — Não quero pensar nisso de você ir embora. Faz meus nervos acordarem. Acho que eles acordam na minha vesícula biliar. Annalise abaixou-se e beijou os dois olhos da garotinha. — Diga aos seus nervos para irem dormir. E você, vá também. — O que você vai fazer enquanto eu durmo, Annalise? — Vou sentar na cadeira de balanço e sonhar. — Sonhar o quê? Projeto 94

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— Que seria maravilhoso ter uma filha igual a você. — Então — riu Sophie —, vou sonhar que seria bom ter uma mãe como você. — Muito bem, durma agora. Annalise sentou-se na cadeira de balanço à luz suave, pensando: Será que um dia conseguirei me livrar das lembranças ruins? O que a deixara triste, bem sabia, fora dar os presentes para Phyllis levar. Havia tanto de si neles! Agora lamentava ter se separado deles. Estranhamente, não sentia nada de parecido pelos presentes que decidira dar a Sophie. Talvez fosse porque conhecia a menina e poderia ver a alegria que os presentes lhe dariam. Neste ano aqueles presentes estariam sob uma árvore de Natal onde deveriam ter estado desde o começo e não fechados num armário. Sophie ergueu o rosto, com os olhos sonolentos. — Só para conferir — disse. — Estou aqui. Não vou embora até você começar a roncar. Sorrindo, a menina acomodou-se. Pouco depois, sua respiração mais suave e compassada indicou que ela adormecera. Levantando-se da cadeira de balanço Annalise sorriu para a pequena adormecida. Quando acordada, era sua personalidade que atraía a atenção, dormindo, abraçada com Nellie, era a beleza que mais impressionava. Longos cílios e faces rosadas. Um nó formou-se na garganta de Annalise. Ver a própria filha desse modo, sentar-se ao lado dela enquanto dormia... Oh, Deus! O que mais doía era não saber onde Chloe estava. As lágrimas achavam-se à flor dos olhos quando ela entrou no seu quarto. Tirou a roupa, vestiu o roupão e calçou chinelos. Depois, desfez a trança e escovou os cabelos, deixando-os soltos. Era uma atividade comum, mas ajudou a diminuir a tensão. Foi ao armário do corredor para pegar toalhas limpas. Ao fechá-lo, viu Robert. Ele voltava do banho. Estava sem camisa, os cabelos molhados, uma toalha passada no pescoço. O cheiro de colônia e de sabonete pairava no ar. Viu os pêlos no peito dele. O jeans estava com o botão aberto e ele encontravase descalço. — Sophie dormiu sem problemas na cama nova? — Oh, sim, tudo bem. Está num sono profundo. Se quiser, pode ir dar uma olhada. — Mais tarde. Não se deve abusar da sorte... Os olhos dele a avaliaram, notando o roupão, o cabelo solto. Os olhos dela estavam úmidos, belíssimos e cheios de melancolia, como se Annalise estivesse a ponto de chorar. Sentiu enorme vontade de confortá-la, mas antes que o fizesse soou uma voz autoritária em sua mente. Confortar? Seja honesto, amigo. Você quer espalhar um pedaço de bolo no corpo dela e lamber até a última migalha. Todos os sentidos dele se avivaram. Ouviu o vento passando pelas venezianas, a casa rangendo, preparando-se para a noite, e a respiração suave de Annalise. Devia ou não arriscar-se à rejeição? Decidiu que era melhor não. 95 Revisoras

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— Desculpe, mas usei toda a água quente. É melhor que espere uns quinze minutos. Relutante, ela desviou os olhos dos dele e começou a virar-lhe as costas. Impaciente, ele chamou: — Annalise. — Sim? — Pensando melhor, acho que quero provocar o destino. Annalise não se moveu, pensando se entendera direito. Ele se aproximou e beijou-lhe os cabelos. Ela se deixou abraçar, apenas absorvendo a sensação de estar nos braços dele. Encostou a testa no peito amplo e ficou ali, de olhos fechados, respirando profundamente. Por fim, abraçou-o pela cintura. — Eu quero beijar você — murmurou ele. Ela ergueu o rosto e fechou os olhos. Robert beijou-a na testa, nas pálpebras e na ponta do nariz. Seus lábios passaram a acariciar os dela com infinito carinho, sem parar. Aí, ele recuou, suas bocas separaram-se e segurou-a pelos ombros, permanecendo imóvel, apenas olhando-a. — Agora eu posso parar. Não é fácil, mas ainda consigo. Chegou a sua vez: diga se me quer ou não.. Era impossível pensar com ele tão perto... E o trabalho? O que estava fazendo não era profissional, mas seu desejo por ele era imenso. Não ia analisar isso agora. Queria Robert. Precisava dele. O amanhã cuidaria de si mesmo. Ergueu o rosto para ele, esperando que a beijasse, porém Robert devia estar querendo uma prova de que ela o desejava, pois não se curvou, apenas continuou a olhá-la. Annalise segurou o rosto dele com as duas mãos, puxouo para si e beijou-o com todo calor e suavidade de que era capaz. Um abafado gemido de prazer escapou pelos lábios dele quando abraçou-a com força, fazendo-a sentir a intensidade do seu desejo. — Vamos ficar aqui no corredor a noite toda? — murmurou ela. — Não. — Ele riu. — Meus pés estão congelando. — O resto de você parece bem quente. — O resto de mim é como um vulcão. Quando Robert começou a levá-la para o quarto dele, ela protestou. — Tarde demais, meu amor — reagiu ele. — Você teve a chance de dizer não. — No meu quarto, para o caso de Sophie acordar... Quase sem conseguir pensar àquela altura, Robert concordou. Foram para o quarto dela e ele fechou a porta, para não permitir que coisa alguma interferisse. Entre beijos, aproximaram-se da cama. Abriu o roupão, beijou o pescoço, o colo de Annalise. — A luz — disse ela. — Deixe acesa... Annalise começou a dizer que nunca tinha feito amor com a luz acesa, mas parou porque ele afastara mais o roupão, acariciava-lhe um mamilo com os lábios e murmurava: Projeto Revisoras 96


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— Você é tão linda, Annalise... tão linda... Que a luz ficasse acesa, decidiu. Não ia interrompê-lo só para apagá-la. E era melhor assim, porque podia ver que não era um sonho. Ele soltou o cordão do roupão e o abriu, a mão sentindo o contorno da cintura, do quadril dela. O quarto estava frio. Nua, Annalise não podia evitar de sentir arrepios e Robert notou. — Venha aqui... — pediu, erguendo as cobertas para ela entrar embaixo. Em seguida, tirou a calça e enfiou-se na cama também. Ficou apenas abraçado a ela por algum tempo, submergindo na sensação que seus corpos unidos lhe causavam. Pouco depois, pegou a mão dela e a guiou-a até seu sexo ardente. Foi como se um choque elétrico passasse pelo corpo de Annalise, que continuou a tocá-lo, porque precisava conhecer cada detalhe do corpo dele. Suas mãos passaram pelo peito e braços musculosos, pelo interior das coxas rijas até voltarem àquela parte tão maravilhosa e expressiva que lhe dizia em termos definitivos que Robert ansiava por ela, que a desejava tanto quanto ela o queria. Fechou os dedos ao redor do sexo pulsante. A respiração dele tornou-se pesada e Annalise esticou as pernas até seus pés encontrarem os dele. Frios. Ela riu. — Engraçado? Você acha engraçado? — Não. Engraçado, não. Maravilhoso. Ele mordiscou-lhe e beijou-lhe os dedos, os lóbulos das orelhas, a pele sensível do cotovelo e foi ótimo. Tão bom, tão diferente do que ela conhecia! Nada tinha a ver com o que experimentara com Luther a ponto de levá-la a se perguntar se ele havia mesmo feito amor com ela. Como fora ingênua! Quando notou que Annalise não podia esperar mais, os lábios de Robert apoderaram-se dos dela, a língua penetrou-lhe a boca, tocando-a e saboreando seu doce gosto. Num movimento ele colocou-se sobre ela que sentiu-o quente, rijo, pulsando entre suas coxas. Por um momento ele ficou parado, fitando-lhe os olhos e sorrindo. — Sim? — Sim — sussurrou ela. Robert gemeu, penetrando-a com um movimento lento e contínuo e foi a vez dela gemer, surpreendida. Ele a preenchia inteira. A sensação de tê-lo dentro de si era maravilhosa. O corpo de Annalise arqueou-se e ela sentiu seus músculos vaginais apertando-o convulsivamente. — Não, não — pediu ele. — Não faça isso! Ainda não. — Não posso evitar. Ele queria dar o melhor de si a ela. Queria se conter, queria possuí-la com suavidade, mas seu corpo enlouquecia. — Não consigo me conter — gemeu. — Desculpe, Annalise... — Eu também não... Enquanto falava, ela percebeu aquela sensação incrível subindo por sua espinha, depois descendo... Levantando o rosto para olhá-la, Robert disse seu nome várias vezes, 97 Revisoras

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suspirou e foi ficando menos tenso, parando... Beijou-a e colou o rosto ao dela, enquanto Annalise soltava a cabeça sobre o travesseiro. — Pensei nisto desde a primeira vez que a vi — sussurrou Robert. — Quero ficar a noite toda com você. Os mamilos dela ainda estavam rijos quando encostaram no peito musculoso, ao se abraçarem. — Vaidade masculina? — brincou ela. — É... — Acariciou-lhe um seio. — Queria que fosse tão bom que você nunca mais pensasse em outro homem. — Acho que deu certo, mas não posso garantir enquanto não fizermos de novo. Quer dizer... — Annalise, mulher nenhuma me fez sentir as sensações que você desperta em mim. Jamais desejei uma mulher como desejo você. Ela pensou em Nina, teve vergonha, mas precisava saber. — Antes, você precisava mais do que isso? — Muito mais. Não me sinto assim... como um garoto... faz muito tempo. Annalise fechou os olhos. Sentiu o corpo inteiro trêmulo. Estava viva novamente. Oh, Deus, estava tão agradecida! Passara de um mundo de dor para um mundo de amor. Nascera em outro mundo nos braços de Robert, num lugar onde era esplêndido estar viva. O cheiro dele era delicioso, a alegria de pertencer a ele era indescritível. Com essas sensações arrebatadoras veio também a clareza, a revelação que eliminou as camadas de dor e ódio contra Luther, que se haviam depositado durante oito anos... Em seu lugar havia o perdão que ela jamais sonhara dar. Luke (como ela o chamava quando estavam sozinhos) sabia tão pouco e ela menos ainda, dominado pela mãe como ele era, não haviam tido a menor chance. Mas agora Annalise podia olhar para trás e ver que Luke gostava de ser dominado, que não tinha noção de si mesmo, que realizava os movimentos do amor, mas não amava. Não amava a ela, nem a filha deles. Como era possível? Era possível porque ele não amava nem a si mesmo. Compreendia isso agora, nos braços de Robert. Contaria a Robert sobre sua filha, era o primeiro passo para aprenderem a se conhecer. E precisavam conhecer-se. Mas não agora. Agora era o amor. A mão dele deslizando por sua cintura, descendo pelo quadril, entre as pernas... Ela gemeu, arqueando o corpo. — Annalise... — A voz dele estava rouca e parecia acariciá-la com seu tom aveludado. — Você é tão macia... tão suave...

CAPÍTULO 11 A casa estava silenciosa. Nem mesmo um camundongo se movia. Annalise inclinou a cabeça. Bem, talvez um ou outro camundongo. Mas onde estavam todos? Não que estivesse pronta para ver ninguém, enquanto ainda sentia uma dor suave onde Robert estivera tão fundo dentro de si. Sabia que sua aparência era diferente nessa manhã e estava certa de que qualquer um que a Projeto 98

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visse antes de tomar café poderia adivinhar por que se sentia tão bem. Oh, o que não daria por um diário ou uma confidente naquele momento! Alguém que lhe dissesse como se comportar quando visse Robert pela primeira vez nesse dia. Amorosa? Indiferente? Profissional? Como devia se mostrar? Mortificada, isso sim. Não pretendera dormir. Mas depois de fazerem amor, havia apoiado a cabeça no braço dele e adormecera. Acordara com o sol entrando no quarto. Não tinha idéia de quando Robert saíra, se ele pretendia retornar naquele dia, naquela noite ou em qualquer outro momento. Sua confusão confirmava uma coisa: agira bem, todos aqueles anos, não tendo nenhum caso com seus empregadores. Isso sempre tornava as coisas muito confusas. Tentou livrar-se da confusão com uma respiração re-laxante, mas não adiantou. Sentiu cheiro de café e seguiu-o como um pombo correio. Acompanharia a atitude de Robert. Se ele se mostrasse amoroso, seria amorosa. Se não, trataria de se enfiar num buraco, puxaria a terra por cima e ficaria lá até morrer de uma febre do pântano ou de qualquer coisa parecida. A ansiedade acompanhou-a até a cozinha, mas não foi Robert que encontrou lá. Foi uma mulher grandalhona, de seios enormes e idade indeterminada, com um imenso avental absolutamente branco que ia até os tornozelos. Estava envolta em fitas vermelhas e verdes e nos cabelos grisalhos havia um enorme laço vermelho. Ela ergueu os olhos da massa que preparava na mesa. — Ah-ah! A Beia Adomecida despetô! — A mulher levou a mão suja de farinha ao bolso do avental e dali à boca. — Desculpe. Estava sem meus dentes. Tem um ponto de minha gengiva que sempre dói. Annalise percebeu que estava de boca aberta e tratou de fechá-la, indo servir-se de um café. — Eu sou Minnie. — A mulher sorriu, mostrando a dentadura perfeita. — E você é Annalise. Phyllis a descreveu para mim. — Minnie? A cozinheira da sra. Davenport? Minnie assentiu. — Suponho que queira saber por que estou toda enfeitada como uma árvore de Natal. Foi idéia da Phyllis. Eu sou o presente de Natal de Robert. "Para um homem que já tem tudo." Ou, pelo menos, a mãe pensa que ele tem tudo, agora que você está aqui. — Phyllis disse isso? Annalise fez cara de dúvida, mas por dentro estava adorando. Viva Phyllis! — Ela disse isso e um pouco mais. A nossa Phyllis não é de economizar palavras! Além disso, não devo repetir nada do que ela disse. E não repeti, não é? — Para mim, não. Há quanto tempo trabalha para a família, Minnie? — Oh, desde um ano antes do velho morrer. O avô de Robert. Não podiam ter empregados com ele por perto. Muito pão-duro, sabia? — Mas ficaram com você? 99 Revisoras

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O Natal de Sophie

— Ficaram — ela riu — porque sou econômica. — Gosto de você, Minnie. Acho que vamos ser grandes amigas. — Pode ser e pode não ser. Enquanto sou o presente de Natal do Robert, estou na lista de pagamentos de Phyllis. Mas quando formos cuidar da festa da sra. Pettigrew, passo para a sua. — Entendido — concordou Annalise, pensando em como, quando e quanto. — Você é o presente do Robert por um dia? Queria perguntar onde ele estava, mas não considerava prudente. Tudo deveria ser tão inocente quanto parecia. Com certeza era criativo da parte de Phyllis oferecer a seu filho viúvo uma cozinheira como presente de Natal. Mas a mãe de Luther também era criativa e acabara com a vida deles... — Oh, não. Até a véspera de Natal. Exceto no dia dezenove. Tenho de fazer o bufê no clube de bridge de Phyllis. Mulheres tontas aquelas! Acham que sanduíches de pepino são o máximo. Nenhuma sabe comer direito. Bem, tenho instruções do Robert para lhe preparar um belo café da manhã e servilo na cama. — O quê? — Na cama é que não vai ser mais. O que quer? — Hum... Nada. Não quero atrapalhar você, Minnie. Não costumo comer nada no café da manhã. Só umas torradas. — Não — disse Minnie suavemente. — Não? — Você não entendeu, Annalise. Agora esta cozinha é minha! — Ah! Minnie limpou as mãos e começou a raspar a farinha da mesa. — Bem, moça, agora que nos entendemos, o que vai querer para o café da manhã? — Ovos com bacon? — sugeriu Annalise, determinada a comer tudo por causa de Minnie, mesmo que levasse até o meio-dia. — Fique longe de mim, colesterol! — exorcizou Minnie, rindo. Tornou a guardar a dentadura no bolso do avental e passou a mover-se, rápida, pela cozinha enquanto entoava uma perfeitamente afinada versão de Jingle Bells. Nada mais de cozinha até o trabalho terminar, pensou Annalise, contente. Fossem quais fossem os motivos de Phyllis, ela decidiu que quando fosse cuidar da redecoração da casa de campo dos Davenport deixaria Phyllis orgulhosa. Outro pensamento lhe ocorreu. Enquanto molhava a torrada na gema do ovo, olhou para a cozinheira. —Minnie, você ajudou Robert quando Nina estava doente? — Oh, tim. Aqúio foi tiste. Ajudou muito quando tousseram Sohie. — Nina era boa? Minnie colocou os dentes outra vez. — Sim, mas estava doente. Queria aproveitar cada minuto que lhe restava. Queria experimentar tudo, o que às vezes a tornava um tanto exigente. Mas não creio que alguém a tenha acusado por isso. Annalise compreendeu. Projeto Revisoras 100


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— Eu também não a acusaria... Sophie é adorável. Posso entender por que, apesar da doença, Nina foi tão determinada em tê-la, para deixar uma parte de si que acompanhará Robert para sempre. O sorriso sumiu do rosto de Minnie e ela olhou para Annalise como se ela não estivesse ali. — Desculpe — disse Annalise, sentindo-se mal —, não é da minha conta, eu não devia... — Eu pessoalmente não ligo, mas o Robert é sensível quando o assunto é Sophie, sabe? Procurando sorrir, Annalise comentou: — Robert é sensível em relação a muita coisa! — Vejo que o entende direitinho. Com ele, é preciso muita ação. — Para deixá-lo sempre cansado? — Sua malandrinha! — exclamou Minnie, rindo. — Agora fique quieta e coma. Era de tarde quando Robert voltou para casa e encontrou Annalise no alto de uma escada, pintando um desenho de vinha no teto da sala de estar da família. O desenho era muito parecido com o que ela pintara num tapete. Ele não a chamou, ficou apenas observando. Mesmo com o jeans sujo de tinta e a camisa de flanela, ela parecia elegante. E... sim, radiante. Ele esperava ser o motivo dessa luminosidade. O cheiro, gosto e a maciez dela haviam sido o mundo para Robert na noite anterior. Ainda sentia os lábios dela nos seus. Imaginou por quanto tempo continuariam com aquele joguinho doméstico sem que um dos dois se machucasse. O pensamento tornou-o ainda mais determinado a descobrir o segredo dela. Se a forçasse a falar agora, o que estaria sacrificando? Conseguiria aceitar se Annalise decidisse ir embora? Não acreditava. Antes de sair da cama dela, de madrugada, observara-a adormecida por algum tempo e quase ficara doente com o surto de adrenalina no sangue, o aperto no peito e o inexplicável desejo de acordá-la para dizer-lhe que a amava. Mas não estavam no colegial, tempo em que se faz sexo e em seguida a promessa de amor eterno. Não, aquele era o mundo real. — Olá, aí em cima! — chamou. Por um instante os olhos de Annalise espelharam algo que parecia susto ou apreensão, em seguida seu semblante tornou-se neutro. — Olá! — cumprimentou ela, baixando o pincel. — O que há de novo? — Você não sabe? — Robert abriu um amplo sorriso. — Não creio que seja educado para um cavalheiro discutir suas tendências prazerosas com o sexo oposto. — Como? Oh, desculpe! — Permito-lhe que o faça, mas antes, ajoelhe-se e convença-me a perdoálo. — Estou enganado ou você está um tanto caprichosa hoje? — Por que não me acordou antes de... antes de mais nada? 101 Revisoras

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O Natal de Sophie

— Porque você fica linda dormindo. —-Annalise sorriu e ele acrescentou: — Eu queria ficar, mas o que dizer a Sophie se ela me encontrasse na sua cama? Que você estava me ensinando macramê? — Boa idéia! Agiu certo e merece uma medalha pela boa intenção. — Não quer saber onde fui? — Você saiu? Pensei que estivesse trabalhando em outro lugar da casa. — Desça dessa escada e vamos conversar cara a cara. — Não sei... — É uma ordem. — Não é não. Isso é assédio sexual. Robert fingiu-se compungido. — Sou culpado, meritíssimo. Annalise abandonou a pose e riu. — Já vi o presente de Natal que sua mãe enviou. — Puxa, o "presente" acabou com meu dia. — Impossível. Minnie está tornando nossas vidas bem mais fáceis. Ela é uma jóia. — Nada é impossível. Notou que não há nenhum trabalhador por aqui? — Sim, notei. O que... — Acordei com o nascer do sol, chamei todo mundo e disse que hoje era dia de folga. Com pagamento. Levei Sophie para a escola e quando voltei, encontrei Minnie, toda embrulhada como um presente de natal, cantando Jingle Bells e mexendo na minha cozinha. — Na cozinha dela, agora. — Meu bem, o que houve com seu cérebro? Não vê que planejei ficar com a casa toda só para nós dois? Ela via, sim. E como via! Fechou o tubo de tinta, desceu da escada e Robert recebeu-a nos braços. — Droga, droga, droga! — murmurou no ouvido dela. — Humm, você está deliciosa. Annalise passou os braços no pescoço dele e beijou-o com uma paixão que surpreendeu até a si mesma. Era gratificante para Robert saber que ela também não conseguia esquecer a noite anterior. Seus lábios se encontraram num beijo apaixonado. Oh, era maravilhoso! Aceite o amor onde quer que o encontre. Era disso que sua avó estava falando! Nunca mais se sentiria mal por sua mãe, nem se zangaria com ela. Se era daquela maneira que sua mãe se sentia com o amante casado, queria dizer que ela era filha do amor, de verdade. Nunca mais ficaria revoltada ou envergonhada por ser o resultado de um sentimento tão profundo. Não era certo ou errado. Apenas era. No momento em que ambos já não tinham mais fôlego, Robert interrompeu o beijo e afastou-se um pouco. — Isto não é bom para o trabalho. — Para mim é, sinto-me muito mais criativa agora. Energética. Como se estivesse ligada numa tomada. — Annalise, não diga coisas assim, que me faz pensar na sua cama. — Mude de assunto, então. Diga-me aonde foi hoje de manhã. Projeto Revisoras 102


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— Se quer saber, é porque sentiu a minha falta! — Robert, está ficando convencido e tenho que terminar essa pintura. — Fui fazer compras de Natal para Sophie. Annalise voltou-se para ele, os olhos iluminados. — E o que comprou? — Pergunte-me o que não comprei. Fica mais fácil. Tenho que levar os pacotes maiores para o barracão e esconder, se não ela vai achar tudo. Annalise olhou para o teto. Ora, a pintura podia esperar! — Vou com você, quero dar uma olhada no barracão à luz do dia. Minutos depois, ao destrancar a porta dupla do enorme cômodo de alvenaria que servia como depósito, Robert avisou: — Você tem que saber de uma coisa que está aí dentro — Algo útil? — Acho que sim. Um colchão king-size. — Ah... Sentindo-se tolo e desapontado, Robert fitou-a. — Esse foi o "ah" mais sem desanimado que já ouvi. — Não me deixou terminar. Eu ia dizer que admiro especialmente um homem tão previdente! Ele pegou-lhe a mão. — Tem certeza? — Bem, se você insistir, pode me convencer a mudar de idéia... Ele passou o braço pelos ombros dela e levou-a para dentro. — Você é uma mentirosa fascinante! — Que elogio! — riu Annalise. — Sabe o que mais admiro em um homem, além de ser previdente? — Sou todo ouvidos. — Ele sabe quando deve ficar quieto. — Morda a minha língua! — ele beijou-lhe o canto da boca. — Farei isso, se você a colocar aqui... — Aqui? Robert tocou com a língua o lóbulo da macia orelha enquanto suas mãos subiam para os seios dela. Sensações incríveis alastraram-se pelo corpo de Annalise como fogo no mato seco e por longos momentos ela não ousou respirar. — Um computador? — perguntou Annalise ao ver a caixa que Robert carregava para o celeiro. — Comprou um computador para uma menina de oito anos? — Ele tem fax-modem e jogos. — E para quem Sophie vai mandar faxes? — Pensei que eu posso usar essa parte... Pode ficar na sala de estar da família. Algum problema com a decoração? — Não, eu dou um jeito. Ele pôs a caixa enorme em uma prateleira, depois beijou a ponta do nariz de Annalise. — Não comece de novo! Podemos ganhar, de brinde, uma pneumonia. 103 Revisoras

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De fato, sentira um pouquinho de frio no colchão sobre o chão de concreto. Não que ela houvesse se importado, na hora. Mas à medida que a tarde avançava, fazia mais frio. — Pneumonia? — riu Robert. — Estou quente como uma torrada! — Aliás, sempre está! Importa-se se eu der uma olhada por aqui? — Só não deixe nenhuma cobra picar você. Ela se deteve. — Está falando sério? — Bem, há mato em volta. Também existe uma boa chance de encontrar um gambá. — Com um gambá eu me arranjo. Mas cobra é outra coisa. Robert sorriu. — Olhe essa boca, mulher, ou, o Papai Noel vai lhe trazer uma meia cheia de interruptores de luz! — Para sua informação, sou empreendedora. Com uma fita e um pouco de cola, posso transformar os interruptores num belo móbile, assim! Ela estalou os dedos. — Sabe, essa é uma das razões de eu gostar tanto de você: consegue transformar dificuldades em triunfos. Por isso não entendo por que não quer me contar sobre dificuldade que teve no passado. Aposto que tudo terminou bem. Ela voltou-se para o fundo do barracão. Devia contar agora? Nesse velho celeiro, sem lugar para se sentar exceto o colchão, sem um lugar para correr e se esconder quando ele a olhasse com horror e dissesse "Como pôde ser tão estúpida? Você era a mãe dela, pelo amor de Deus!" Ah, tinha tanto a perder agora! Não. Isso não era verdade. A perda de sua filha havia sido maior que qualquer outra perda. Mas estar apaixonada... A chance de ser feliz... Queria se agarrar a ela de qualquer jeito. Queria sentir aquelas sensações para sempre, rir sem motivo, ter sonhos eróticos e saber que o amor sensual estava no quarto ao lado... pelo menos por mais algum tempo. — De fato, tudo terminou bem, para alguém. — Ela forçou um sorriso pensando nos pais adotivos de sua filha e na felicidade que deviam, que tinham de sentir. — Agora, vou para a floresta cheia de todo o tipo de perigos. Você vai me salvar se eu gritar? — Se você não voltar em dez minutos, chamo a Guarda Nacional. — Combinado! Ela amarrou a camisa de flanela na cintura, voltou-se para o escuro no fundo do barracão e começou a andar entre as caixas de papelão colocadas umas sobre as outras, sem ordem aparente, entre pilhas de achas de lenha. Contornou um barril e passou por cima de um cortador de grama. A parte de trás do barracão era escura porque haviam empilhado lenha e tábuas diante das janelas. Com a idéia de tirar as tábuas da frente de uma das janelas, passou por móveis de pernas para o ar. Uma inspeção mais detalhada revelou que as "tábuas" eram na verdade imensas venezianas. Toda a parede de trás estava coberta por elas. Chamou Robert com um grito e ele pulou, por cima de caixas e barris para chegar até ela. — Aconteceu alguma coisa? Projeto Revisoras 104


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— Não. Parecia que tinha acontecido? — Sim. Você gritou. — Desculpe, mas veja! Será que pode levar duas dessas até lá fora para eu vê-las melhor? — Essas janelas velhas? Tinha me esquecido delas. Devem estar cheias de cupins. — Parecem em bom estado. Onde as encontrou? Devem ser entalhadas à mão. — Agora que você mencionou isso, creio que são, sim. Fazem parte da história: eram de um velho hotel na praia Ormond, que estava sendo demolido. Comprei-as porque eram parecidas com as de uma casa que eu reformava na época. — Tem alguma coisa contra eu olhá-las à luz do sol? Ele gemeu. — Está bem, vou levá-las para fora. Mas a casa já tem venezianas. — Não do lado de dentro. — Ora, não pode estar falando sério! — Não vou discutir isso com você até elas estarem lá fora e eu as medir. Vinte minutos mais tarde Annalise assentia com a cabeça, para si mesma. — Sim. É só lavá-las com vapor, deixar secar e Peaches as pinta com spray. Malva, eu acho. Bem claro. E nas beiradas duas faixinhas, uma roxoescuro e uma dourada. Ainda não consigo pensar em puxadores, mas vejo isso depois. — Voltou-se para Robert. — Tratamento de janelas: simples, elegante e você terá toda sua privacidade. — Prefiro cortinas. — As venezianas estão à mão, é mais barato. — Eu as levo para a casa amanhã — conformou-se ele. Annalise riu. — Foi o que pensei. Não importava a Robert o que Annalise ia colocar nas janelas, depois de quase uma semana, confiava nela. A graça estava nas conversas e em provocá-la. Lembrou-se de quando estavam deitados no velho colchão. Uma das longas pernas dela por cima dele enquanto Annalise, de olhos fechados, aninhava-se em seus braços. Eram pernas magníficas. Ele as admirava, quando notou a cicatriz no ventre. Sabia o que significava, pois ele mesmo nascera de cesariana. Vira a cicatriz de sua mãe quando tinha cinco anos. Ela ia para o hospital fazer uma plástica na cicatriz e ele ficara aterrorizado porque a vovó Davenport havia ido para um hospital e saíra de lá num caixão. Então, Phyllis lhe mostrara a cicatriz, provocando-o com risadas e dizendo que ele abrira tamanho buraco em sua barriga quando nascera que ela tivera que ser costurada. Annalise nunca havia sido casada, mas tivera uma criança. E qual seria sua vergonha? Qual era seu segredo? Não notara estrias no ventre firme, talvez a criança tivesse nascido antes dos nove meses, talvez tivesse vivido só algum tempo. Esse seria um bom motivo para a tristeza dela e para o modo 105 Revisoras

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O Natal de Sophie

como ela e Sophie se entendiam. Pobrezinha, pensara naquele momento, abraçando-a com mais força. Annalise cheirava a rosas e queria fazer amor com ela outra vez, mas não tinham tempo. Ela estava mexendo nos pedaços de uma bicicleta que ele deixara no chão. As peças eram cor-de-rosa. — O que acha de montarmos esta bicicleta? — perguntou, voltando-se para Robert. — Sophie implora por uma bicicleta desde que fez cinco anos. Todas as amigas dela têm... — Eu tinha sete quando ganhei minha primeira bicicleta. — E eu, cinco — disse ele, com um suspiro. — E como seus pais suportaram? — Apanhei muito... — Robert pegou uma roda e encaixou-a no garfo. — Minha avó me levava à catedral — contou Annalise — e me fazia rezar. — Vou ter que inventar alguma outra coisa para a Sophie: levá-la à catedral seria castigo para mim também. Ele continuou montando a bicicleta e ela admirava sua eficiência, sorrindo e pensando. As mãos que ele está usando para montar essa bicicleta são as mesmas que me acariciaram e apertaram, as mesmas que tremiam de emocionada excitação na primeira vez em que tocaram meus seios. De súbito, o coração de Annalise transbordou de felicidade e ela soube que ia chorar. Saiu do barracão e ergueu o rosto para o céu, escutando os pássaros cantarem, aspirando com força o ar fresco do entardecer. Há momentos, pensou, em que a vida é boa.

CAPÍTULO 12 Ansiosa, Sophie olhou sua caixa de tesouros preciosos mais uma vez. — Não sei onde pode estar, Nellie. Estava aqui quando começamos a mudar as coisas do quarto do papai. Ela virou a caixa e procurou a foto de cantos virados mais uma vez. — Isso é terrível! O começo de minha vida sumiu. Agora nem posso provar que nasci. Puxando Nellie pelo braço, entrou no quarto de Robert e começou a procurar nas gavetas. Nada. Olhou em baixo da cama, atrás do armário. As malas estavam no sótão. Talvez a tivesse deixado numa delas. Parou, indecisa. Annalise dizia que não havia fantasmas no sótão, mas não tinha certeza. Camundongos não podiam fazer tanto barulho. De qualquer forma, sabia que os camundongos não estavam mais lá. Porém aquilo era importante. O documento mais importante da sua vida. Na ponta dos pés, para não acordar os fantasmas, ela foi olhar. Depois de revistar as malas sem sucesso, desceu do sótão correndo e hesitou diante da porta do quarto de Annalise. Claro. Por que não pensara em Annalise antes? Projeto 106

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Sophie foi muito cuidadosa para não tirar as objetos do lugar, já que Annalise mantinha tudo tão arrumado. Descobriu muitas coisas incríveis, colares, braceletes e perfumes. Experimentou um dos perfumes e passou talco em Nellie. Mas não achou a foto de quando era bebê e estava no hospital. Sentou-se no degrau mais baixo da escada, pensativa. — Dois desastres no mesmo dia, Nellie. É demais para uma menininha só. Eu ia contar a Annalise a história da minha vida, mas sem a foto ela não vai me reconhecer. Se eu fosse a garotinha dela, ela me reconheceria... Agora não tem jeito. Vinha um cheiro delicioso de maçã e canela da cozinha. Talvez conseguisse convencer Minnie a lhe dar um pedaço de torta. A comida costumava acalmar seus nervos. Estava na metade do corredor quando ouviu Minnie cumprimentar Robert e Annalise. Então, parou e correu para cima outra vez, para o banheiro, afastou o tapete e olhou pela grade. — A Madre Superiora trouxe Sophie para casa — dizia Minnie. — Língua-de-trapo! — murmurou Sophie. — Oh, oh! — fez Robert. — Sophie ficou doente? Onde ela está? — Doente? — repetiu Minnie. — Acho que não. A irmã disse para você telefonar. Estou doente, sim!, pensou Sophie. Terrivelmente doente. Devia estar na cama. E foi lá que Robert a encontrou, dez minutos depois. Mas não adiantou, ele arrancou as cobertas de cima dela. — Levante. — Estou doente. Meus nervos estão no meu pescoço. — Vai gostar deles em seu traseiro? — Você está zangado comigo? — Por que deveria estar? — Ele fazia tudo para conservar a calma. — Você pegou todos os camundongos das armadilhas, levou-os para a escola e os soltou lá! — Não soltei. Eles roeram o saco de papel e fugiram. Eu ia usá-los no "mostre e conte". — Bem, você está suspensa. Suspensa! Não vai mais participar da peça de Natal. —Não ligo. Os camundongos estão vivos. Você ia matá-los. — Eu ainda vou matá-los! A madre superiora vai me mandar a conta do exterminador. Ela ergueu o queixo, beligerante. — Não vai matar os meus camundongos porque o zelador do colégio pôs todos para fora com a vassoura. — Sophie saltou da cama e começou a arrumá-la. — A minha cama não é linda? — Sophie, por que você é assim? — Será por causa dos meus nervos? Robert teve vontade de rir, mas controlou-se. — Não, dos meus. 107 Revisoras

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O Natal de Sophie

Ele estava tão feliz por causa de Annalise que não conseguia ficar bravo de fato com Sophie. Ela terminou de arrumar a cama, com perfeição. Devia ser influencia de Annalise. — Acho que é castigo bastante você ter sido eliminada da peça e da festa de Natal. Então, não vou fazer nada além de colocá-la na cama às oito e meia nos dias da peça e da festa. — Isso não é justo. — E absolutamente justo. Agora, lave as mãos e desça para o jantar. — Você não devia ter me tirado da minha mãe. Não houve nenhum rufar de tambores, mas o coração de Robert pareceu encolher. Bem, a psicóloga infantil avisara que esse dia chegaria. E dissera também que ele não devia recebê-lo de maneira pessoal. Mas que diabos sabe uma psicóloga?, pensou ele. Doía muito ouvir aquilo. Os olhos de Sophie cuspiam fogo e ela esperava a resposta. — Você é minha, garota. Agora, esteja na mesa em dois minutos ou... ou vai ficar sem sobremesa. Enquanto descia a escada, ele decidiu que se saíra mal. Onde estavam todas as suas idéias grandiosas sobre disciplina? — Minnie — perguntou ao sentar-se —, não vai jantar conosco? — Não, obrigada. Eu comi enquanto cozinhava. Se vocês prometem deixar a louça na pia, para eu lavar amanhã, vou embora. Tenho ensaio do coro hoje. Minnie tirou o avental e saiu antes que Annalise pudesse cumprimentá-la pela comida. Sophie puxou uma cadeira, sentou-se e comunicou: — Tenho muito no que pensar, então não estou com fome. Vou comer só pão com manteiga e torta de maçã. — Sophie, já se falou nisso. Nada de torta. — Você vai comer torta? — Vou. — E você, Annalise, vai comer torta? — Devo entrar na discussão? — perguntou Annalise a Robert. — Não. Fique fora. — Quer que ela fique fora porque sabe que Annalise vai ficar do meu lado! — reagiu a garota. — Ela sabe mais sobre meninas do que você. — Estou cansado, Sophie. Não quero discutir agora. — Bom. Eu quero pão, manteiga e torta, por favor. Annalise abaixou a cabeça para que Robert não a visse sorrir, porém não foi rápida o bastante e ele percebeu. — Não é nada engraçado. Ela está suspensa da escola pelos dois últimos dias antes das férias. E isso não aconteceria se não fosse você. — Eu? — perguntou Annalise. — Foi você quem teve a idéia não matar os camundongos, de usar armadilhas "humanas" e deixar que eles fossem embora. Mas não foi o que aconteceu. Sophie pegou todos os camundongos, colocou num saco de papel o levou para a escola, onde os soltou. — Sophie, você não fez isso! — Foi um acidente. É culpa minha se naquela escola são todos medrosos? Projeto Revisoras 108


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It happened one Christmas

Com medo de sete ratinhos... A Madre Superiora disse que eu não posso ir à festa de Natal, então vou perder o Papai Noel. Annalise olhou para Robert. — Não é um pouco de exagero? — Também — continuou Sophie —, ela disse que não posso ser o homem sábio da peça, porque não tenho uma atitude correta. — Que pena, Sophie! Eu queria tanto ver você na peça. O que há de errado com a sua atitude? — Sim — disse Robert, todo suave. — Conte-nos sobre sua atitude, querida. — Não sei, papai. Acho melhor eu só comer meu pão. Pode me dar água? Nas prisões inglesas eles dão pão e água para os presidiários. Annalise notou que Robert estava ficando irritado. Queria intervir, mas achou melhor não fazê-lo. O orgulho paternal achava-se em jogo. Estavam apaixonados, sim, mas não sabia se isso lhe conferia carta branca no que dizia respeito a Sophie. — Eu gostaria de ouvir sobre essa questão da atitude — insistiu ele. — Quem sabe aprendo alguma coisa. — Oh! — Sophie terminou de mastigar. — Foi quando a Irmã estava falando sobre o menino Jesus que nasceu e foi colocado na manjedoura. Eu disse que Maria e José não eram bons pais porque haviam deixado que Ele nascesse num estábulo e o tinham deitado na palha. A irmã disse que eles eram muito pobres. Então, eu disse que José devia ter arranjado um emprego para cuidar da família... — A pequena suspirou. — Aí, a irmã me mandou para a sala da Madre Superiora e ela decidiu que eu não tenho a atitude correta para atuar na peça. Annalise, você aprendeu alguma coisa? — Sim, aprendi. — O quê? — A não fazer nenhuma pergunta para você quando já souber a resposta. Robert virou o rosto de lado e tossiu. Quando as olhou de novo não estava furioso, apenas sério. Annalise levantou-se e pôs seu prato na pia. — Vou terminar a pintura no teto da sala de estar da família. — Não quer torta? — perguntou Robert e era claro que ele ia dar um pedaço para Sophie também. — Talvez mais tarde. — Posso pintar alguma coisa? — perguntou a pequena, saltando da cadeira. — Acho que sim. Há um banquinho de madeira precisa de uma mão de tinta. — Sophie, espere — disse Robert. — Não quer torta? — Mais tarde, papai. Agora tenho que ajudar Annalise. Eu vou ligar para aquela psicóloga infantil, pensou Robert, e dizer a ela que não sabe nada sobre educar crianças. Ele comeu dois pedaços da deliciosa torta de maçã de Minnie, sabendo que procuraria o terceiro antes de ir para a cama. Cama. Era melhor não começar a pensar em cama. Relembrou as pernas de Annalise e como elas envolviam seu corpo. 109 Revisoras

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O Natal de Sophie

Com outras mulheres sempre tivera consciência de corpos separados. Com Annalise não havia divisão, era como se fossem um só. Annalise estava novamente na escada, terminando o desenho que criara para o teto. Em cima de uma camada de jornais, Sophie pintava um banquinho de três pernas. Ao ouvi-lo abrir a porta, Annalise sorriu para ele. Um sorriso especial e perguntou-lhe: — Lembra do lamento de Eliza Doolittle, em My Fair Lady? "Tudo que quero é um quarto em algum lugar, longe do ar frio da noite..." Ela ficaria feliz aqui, não acha? Pelo menos, depois que a mobília estiver no lugar. — É a Pettigrew que temos de agradar. — Verdade, só que ela está mais interessada na festa. Esta sala vai ser o coração da casa. Sabe, não vou encher de móveis na frente da lareira. Pensei numa pequena mesa com duas cadeiras. A posição de sentar tem que ser boa para ler e ver televisão. Essa mesa pode servir também para jogar cartas ou xadrez. — E eu já tenho essas cadeiras? — Não, parece que não. — Parece-me que paguei por um novo sofá e cadeiras hoje pela manhã. — Tudo bem, vou pensar em outra coisa. — Mas acho que pode comprá-las, já que economizou nas cortinas. Annalise deu-lhe outro de seus belos sorrisos. — A casa é sua. Eu só quero que seja um lugar gostoso para morar. Ele observou os olhos dela, procurando sombras e segredos em suas profundezas e disse a si mesmo que não encontrara nada disso. — Bem, se vou gostar de morar nesta casa, é melhor pagar as contas antes que os cobradores decidam ficar com ela. Café, mais tarde? Ao dizer isso ele indicou Sophie com os olhos, dando a entender que se referia a muito mais tarde. — Parece ótimo — concordou ela. Robert foi para sua mesa e pôs-se a separar contas e assinar cheques, de vez em quando parava e ficava com o olhar perdido no vazio. Imaginava como sua vida seria num futuro próximo. Nem haveria protestos de Sophie: as duas se davam tão bem! A menina entrou na biblioteca para dar-lhe boa-noite. — São só oito e vinte! — estranhou ele. — Eu sei, papai, mas tenho que tomar meu banho, depois Annalise vai sentar na cadeira de balanço no.meu quarto e me contar coisas de quando ela era criança até eu dormir. E se eu ganhar patins no Natal, prometeu que me ensina a usá-los. Ela também tem patins, estão na van. — Eu achei que você queria uma bicicleta no Natal. — Ah, eu quero, sim! Fui boa o bastante para ganhar uma bicicleta? — Acho que ajudaria se você escrevesse uma carta para a Madre Superiora, pedindo desculpas por causa dos camundongos. — Mas já tenho que escrever isso cem vezes! — Não é a mesma coisa que uma carta dizendo que sente muito. — Está bem, só acho que ir para a cama na hora e escrever uma carta pedindo desculpa vai me deixar boazinha demais. Papai Noel não vai acreditar Projeto Revisoras 110


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nisso. Ela saiu e Robert balançou a cabeça, concordando pela primeira vez com o que sua mãe lhe dizia há anos: sem a orientação de uma mulher, Sophie ia ser um terror quando chegasse à adolescência. Mas ele não teria que se preocupar com isso, agora. Annalise era a melhor influência que uma menina podia precisar. — Algum problema? Robert olhou na direção da voz. Annalise estava no corredor, sorrindo para ele. — Em que planeta você está? — Venha aqui, sente-se no meu colo e vamos conversar sobre isso. — Há só um probleminha... — riu ela. — Qual? — Sentar no seu colo vai levar a algo que precisa de muito tempo e prometi ficar com Sophie. Seria fácil, pensou ele, sentir ciúme da minha filha. Não seja tolo, Davenport, ela ama vocês dois. Ama? Ama, mesmo? Tem certeza disso? A palavra amor não fora dita, mas ele tinha mais certeza disso mais do que qualquer coisa na vida. — Pode ir, então. Sou um sujeito paciente. — Só aos seus próprios olhos. Robert escutou Annalise subir a escada correndo, então ouviu a voz dela lá em cima: — Muito bem, ratinha! Agora vou escovar seu cabelo, depois coloco você na cama... — e a voz sumiu quando a porta do quarto de Sophie foi fechada. De súbito, o silêncio tornou-se demais para ele. Foi pegar o rádio numa prateleira da estante e ao fazê-lo derrubou um livro. Pegou-o, porém caíram fotos de dentro dele. Droga. Mais coisas pessoais da Pettigrew, pensou recolhendo-as. Uma estava virada para cima. Ele sorriu. Era a foto históriada-minha-vida de Sophie. Mas como ela se misturara a...? Ele virou a foto. Estava em branco no verso. Não podia ser. Sophie escrevera seu nome atrás da foto, a lápis, fazendo grande esforço nos seus apenas seis anos. Robert espalhou as outras fotos na mesa e foi virando uma por uma. Eram todas de Sophie, no hospital, na incubadeira, nos braços de uma enfermeira, nos braços de... ele perdeu a respiração. Então, olhou rapidamente as outras fotos soltas antes de ver o resto do álbum. Encontrou a de Sophie. O que sentiu a princípio foi fúria. Contra si mesmo, por ter engolido o anzol com tanta facilidade. Depois de Annalise, por enganá-lo. O que ela queria? A filha dele? A filha dela? Correu escada acima, saltando de dois em dois degraus. A porta do quarto estava apenas encostada e a lâmpada da cabeceira ainda acesa. Sophie achava-se debaixo das cobertas, Annalise por cima e suas cabeças estavam juntas. Davam risadinhas como duas adolescentes. Era isso. As duas se pareciam demais. Teria visto com facilidade, se quisesse ver. 111 Revisoras

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Teve a dolorosa sensação de ter sido traído. Parecia-lhe estar muito doente. Afastou-se da porta antes que elas o vissem e voltou à biblioteca. Juntou as fotos, guardou-as no álbum e recolocou-o na estante. Exceto duas iguais , que enfiou no bolso da camisa. Sentia-se tonto, nauseado. Saiu pelo corredor e foi até a sala grande, iluminada pela árvore de Natal e um dos abajures Tiffany. O efeito era acolhedor e elegante. Robert balançou a cabeça. Não conseguia ficar parado, por isso passou a andar pela sala. Como ela os encontrara? Era isso que queria saber. E o que planejava fazer? Seqüestro? Batalhas na corte? Entrar para a vida deles? Bem, isso ela já fizera. Com que intento? Oh, aqueles olhos cheios de dor. Agora, sabia o segredo dela. Os registros da adoção continuavam selados. Sabia disso porque deixara um lembrete para ser avisado caso alguém tivesse acesso a eles. Fora uma adoção especial. Lembrava agora de que houvera menção a membros da família além dos pais biológicos, mas que tinham ficado a distância, insistindo em permanecerem anônimos. Tinham lhes dito que a mãe de Sophie a havia abandonado porque estava muito doente. E agora esta mulher metia-se na vida deles? Aquilo era um pesadelo! Tinha que haver uma explicação razoável. Olhou mais uma vez a sala e voltou à biblioteca. Verificou as anotações, desenhos e papéis na mesa de Annalise. Num dos blocos achou a foto que pertencia a Sophie. Lá estava o nome dela, atrás. Comparou com a foto no bolso. A imagem era a mesma. Ou quase. Na foto de Sophie parecia que o fotógrafo tinha ido um pouquinho para a esquerda, porém era o mesmo bebê, os mesmos tubos, o mesmo tudo. Examinou-a novamente, não querendo acreditar no que via. Tinha que fazer Annalise sair daquela casa, separá-la -de Sophie e mantêla longe. Pense! Mandar Sophie para a casa de sua mãe? Não. Provocaria perguntas demais. Além disso, Sophie reclamaria. Sugerir que Annalise fosse para um hotel? Sim, isso era mais racional. Ou podia apenas despedi-la e pronto. O que ela faria? Contrataria um advogado? E daí? Ele também podia contratar um advogado ou uma dúzia de advogados se a questão era manter Sophie onde deveria ficar: ao lado dele. Precisava, apenas, de uma explicação para dar a Pettigrew. Marta teria algo a ver com isso? Não podia ser. Nunca falara de sua vida pessoal com Marta. Ela sabia que Sophie era adotada? Não sabia dizer. Pegou o telefone celular e voltou para a sala grande. Pareceu-lhe esperar uma vida inteira até que atendessem e era apenas a secretária eletrônica, que tocou um trecho da Marcha Nupcial. Desligou. — Estava imaginando onde você tinha se enfiado — disse Annalise, entrando na sala grande. Projeto Revisoras 112


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Robert sentiu uma dor aguda no peito e forçou um sorriso. Sua garganta estava tão contraída e seca que não conseguia falar. Ela sentou-se na outro extremo do sofá e deu-lhe um sorriso sensual. Sentindo uma espécie de enjôo, ele abaixou os olhos. Intrigada, Annalise aproximou-se. O rosto dele estava branco. — Robert? Há algo errado? — Nada... Ele pigarreou, limpando a garganta, e ficou impressionado por sua voz soar normal. Por causa de Sophie, queria Annalise fora dali. Não, nada disso. Não seria melhor manter o inimigo à vista? — Importa-se se deixarmos aquele café para outra hora? Estou exausto... Ele sentia-se a ponto de explodir, a ponto de dizer que sabia de tudo. Mas se conteve e observou-a: o nariz aristocrático, a testa alta, os lábios carnudos. O rosto de sua filha, os olhos de sua filha. A mãe de sua filha! Com uma clareza nascida da raiva, percebeu que ela pretendia terminar o trabalho na casa, continuar por perto até depois da festa de Pettigrew e permanecer ali se ele deixasse, se ele a quisesse. Numa de suas primeiras conversas ele dissera que Sophie ficava fora dos limites, se houvesse algo entre eles e Annalise respondera, com naturalidade, que nunca tinha caso com clientes... A voz dela trouxe-o à realidade: — É claro que pode desistir do café, se quiser... Não vou levar para o lado pessoal. — É, estou muito cansado, mesmo. Muito cansado? O instinto de Annalise dizia-lhe que havia algo errado naquilo tudo, mas assim mesmo queria tocá-lo. — Deite-se, eu faço uma massagem. — Não precisa! Robert viu o olhar dela tornar-se estranho e percebeu que deixara a raiva transparecer. — Fazer amor também não precisava — retorquiu ela, suave —, mas nós o fizemos assim mesmo. Ele a olhou com tamanho ódio que Annalise recuou um passo. — Eu preferia que você tivesse seguido seu princípio. — Que princípio, Robert? — Seu princípio profissional. Ela conteve a respiração por um momento. — Você quer dizer... — Annalise compreendeu o que estava errado. Claro, como não pensara nisso logo? — Você está terminando nosso caso. — O estômago dela parecia apertado por mão de ferro. Engoliu dolorosamente a bolai que se formou em sua garganta. — Entendo. Meu trabalho logo vai acabar e você não quer perturbar sua vida. — Entendeu direitinho. — Como fui estúpida! — Oh, não queira ficar com toda a glória, meu bem! Eu fui tão ingênuo 113 Revisoras

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quando é possível. Annalise não entendia por que ele estava tão irado, mas sabia bem como era do seu lado: um homem lhe dava um pouquinho de atenção e pronto, ela se apaixonava. — Também estou cansada — disse em tom frio. — Até amanhã. Saiu com tanta dignidade quanto era possível, mal não tinha dignidade nenhuma ao se deitar. As lágrimas desciam de seus olhos enquanto imaginava o que dissera ou fizera para causar o rompimento. Ele gostava de seu trabalho e a intuição lhe dizia que gostava também dela. Quer dizer, tinha gostado. Haviam se entendido de modo especial... Será que aquilo tinha algo a ver com Sophie? Afastou a idéia. Não, não podia ser isso. Ela e Sophie se davam bem e sempre tomara o maior cuidado para não interferir na autoridade dele. Por volta da meia-noite ouviu os passos de Robert no corredor. Ergueu a cabeça do travesseiro, esperando, mas ele passou adiante de seu quarto e um momento depois escutou a porta do quarto dele se fechando. Debateu-se a noite inteira entre perguntas, confusão e dor de cabeça.

CAPÍTULO 13 Minnie olhou de Robert para Annalise, então para Robert de novo. Ele não fizera justiça à sua fina omelete. Annalise sequer a experimentara. A tensão entre eles crescia a cada dia. — Por que os dois estão tão emburrados? — indagou a cozinheira. — O trabalho não vai bem? Oh, eu sei. Annalise quer usar cor-de-rosa e Robert prefere marrom. Annalise tentou sorrir. — Obrigada pelo delicioso café da manhã, Minnie. Agora preciso voltar ao trabalho — levantou-se e saiu da cozinha. Minnie pegou o prato intocado. — Não há do que agradecer, Annalise — respondeu Minnie, sem qualquer esforço para disfarçar o sarcasmo, e tirou o prato de Robert da frente dele. — Se é assim que vão tratar minha comida, comprem um cachorro para que eu não tenha que jogar tudo fora! Lá no alto, Sophie tirou o tapetinho da grade para olhar. — Alguma coisa está errada — murmurou para Nellie. — Robert e Annalise brigaram. Eu sei. Eles não falam um com o outro. Temos que dar um jeito nisso ou Robert vai mandar Annalise embora e nunca vamos descobrir se ela é minha mãe de verdade. Mas acho que é. Eu sei que é. Posso sentir nos meus nervos. Você sabe, Nellie, bem que os meus nervos podem ser minha intuição feminina. Eu queria tanto achar minha foto quando era bebê! Alguns minutos depois ela sentava-se à mesa da cozinha. — Quero seis ovos, vinte e duas fatias de bacon e todas as torradas! — Como eu já disse — Havia desgosto na voz da cozinheira —, esta casa Projeto 114

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precisa de um cachorro. — Minnie, você é capaz de guardar segredo? — Não, não sou. Não me diga nada que não queira que os outros saibam. — Por que não pode guardar um segredo? — Porque se for um dos bons, vou ter de contar a alguém. Ele vai ficar na ponta da minha língua e sairá da minha boca antes que eu possa detê-lo. Era difícil para Sophie imaginar alguém que não pudesse guardar segredo, mas acreditou em Minnie e mudou de assunto. — Minnie, posso lhe fazer uma pergunta? — Claro. — Com que idade a gente começa a ter intuição feminina? E como ter seios ou pêlos embaixo do braço? — Meu Deus, criança! Que tipo de pergunta é essa? — Um tipo para o qual eu quero resposta. — Por quê? — Não posso dizer, você não sabe guardar segredo. — Acho que a gente tem intuição feminina quando se torna mulher. — Como é? Não me ajudou nada! — Sou cozinheira, não psiquiatra. Pergunte-me como se faz uma torta de pêssego. Sophie não disse nada, só olhou para o prato que Minnie lhe serviu. — Não posso comer esses ovos. As claras estão cruas... E antes que a cozinheira dissesse qualquer coisa, pegou uma maçã na fruteira e saiu correndo. Minnie entrou na sala de família onde Annalise estava ajeitando os móveis e foi dizendo: — Temos muito a fazer, o tempo vai voar entre agora e a festa da Pettigrew. Não acha que devíamos planejar o menu? Se vocês vão continuar não comendo, eu bem que podia começar a preparar a comida da festa. — Oh, Minnie, sente-se aqui. Desculpe por hoje de manhã. Vamos preparar o menu. Você se importa de fazer as compras? Tenho muito trabalho e tão pouco tempo... — Sem problemas. Fazer compras é divertido. As duas estavam no sofá novo, concentradas no menu, quando Robert apareceu à porta. Annalise ergueu o rosto, mas sem fitá-lo nos olhos. Não estava pronta para isso, ainda. — Estou levando Peaches e Suds comigo ao barracão para pegar as venezianas. — Annalise assentiu e ele acrescentou: — Minnie, posso falar com você na cozinha? Minutos depois Annalise estava à janela observando os homens subirem na perua de Robert. Ao voltar para a sala, Minnie parecia preocupada. — Não posso sair para fazer compras agora, como combinamos — disse, quase formal. — Pode ser à tarde? — Claro, Minnie. Por que mudou de idéia? — Porque Robert quer que eu fique de olho em Sophie até ele voltar. 115 Revisoras

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— Oh, não se preocupe com isso. Eu cuido dela. Ela quer terminar de pintar o... Minnie fez que não vigorosamente com a cabeça. Quando seus olhos se encontraram, Annalise ficou vermelha. — Oh! — Compreendeu que Robert não queria que ela ficasse sozinha com Sophie. — Bem, então vá fazer as compras à tarde. Se não der, eu faço à noite. — Está certo — concordou Minnie, voltando rapidamente para a cozinha. Annalise pegou o bloco com o menu e jogou-o do outro lado da sala. Então, Robert estava tentando afastá-la de Sophie! Na biblioteca, pegou as chaves, a bolsa e um agasalho. Na cozinha, disse a Minnie que ia comprar tinta para as venezianas. O que não contou é que ia mudar-se para um hotel. Sophie veio correndo. — Espere, Annalise. Quero ir com você. Vou pegar meu casaco. — Não, meu bem. Desta vez você não pode ir. — Por quê? — Porque seu pai disse que precisa ficar em casa. — Por quê? O que eu fiz? Estou sendo castigada? Não, eu é que estou sendo castigada, pensou Annalise. Procurou manter a voz firme ao falar: — Vou apenas comprar tinta. Volto em menos de uma hora. — Mas eu gosto de andar na sua van! — Sei que gosta, querida, mas seu pai disse não. Os olhos de Sophie encheram-se de lágrimas. — Robert está destruindo a minha vida. Bem quando eu estava certa de que meu mundo ia ser maravilhoso, ele estraga tudo! Vou fugir! — Não antes do Natal, está bem? — disse Annalise, em tom de brincadeira. — Está. Então, depois do Natal a gente foge junto! — Vou pensar nisso. Agora, enquanto me espera, você pode dar a segunda mão de tinta no banquinho. Quando secar, eu lhe mostro como fazer uma joaninha. Com essa crise resolvida, Annalise sorriu para Minnie e saiu. Tinha mais do que a tinta para pegar. Várias das fotos que havia tirado de Sophie com o vestido antigo estavam muito boas. Uma, a melhor de todas, ela mandara ampliar e montar em uma moldura de prata que encontrara no sótão. Era para ser o presente de Natal de Robert, porém agora seria mais um presente para Sophie. Começou a ficar zangada enquanto olhava a foto da menina. Que Robert não quisesse nada com ela a desesperava, não fazia sentido. E fazia ainda menos sentido usar Sophie para castigá-la e humilhá-la. Não era justo. Quanto mais pensava, mais se enfurecia. Quando retornou à casa da rua St. George, estava pronta para uma batalha. Peaches e Suds estavam descarregando as venezianas da perua de Robert. O Neandertal em pessoa estava atarraxando a mangueira à torneira para laválas. Ela acenou para os trabalhadores e foi na direção de Robert. Bateu no ombro dele. — Gostaria de falar com você na sala de estar da família. Projeto Revisoras 116


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Ele levantou-se e a fitou. — Quando eu terminar aqui. — Não. Agora — ela sublinhou a palavra com um olhar de raiva e seguiu para a sala. — É melhor que seja algo importante — disse ele ao acompanhá-la. — É muito importante — declarou ela batendo com o dedo indicador no peito dele assim que entraram na sala. — Seu cretino monumental... Rápido, ele segurou-a pelo pulso, mas ela continuou: — Só porque mudou de idéia quanto a me usar sexualmente, não é direito descontar em Sophie! Usá-la sexualmente? Ele a admitira em seu coração, ela se introduzira em sua família com falsos pretextos e ainda queria que a deixasse ser amiga de sua filha? — Deixe Sophie fora disso. — Você a colocou nisso. Foi difícil inventar uma desculpa para explicar por que ela não podia sair comigo hoje. — Prefiro que ela fique em casa. Era incrível como Annalise parecia ultrajada. Que grande atriz! — Aqui estão vocês, meus queridos! — Phyllis, entrou na sala. Annalise recuou um passo, forçando um sorriso. — Oi, Phyllis. — Oi, mãe. — Annalise, este teto está espetacular. Robert, você vai ter que deixar meu clube de bridge se reunir aqui uma tarde. Elas vão ficar mortas de inveja, Annalise. Todas vão querer que trabalhe para elas. — Mãe, você quer alguma coisa? — Oh, sim. Quer ir jantar conosco ou vai encontrar-nos depois? — Robert ficou olhando para ela sem entender. — Annalise, você acha que consegue pôr aquele vestido cor-de-rosa em Sophie de novo? Ele seria perfeito para assistir o bale Quebra-Nozes, não acha? — Sem dúvida — assentiu Annalise. — Como é uma produção local, você não precisa se enfeitar muito, querida. Annalise sobressaltou-se. — Eu? — Claro. Robert comprou as entradas, não lembra? Da última vez que estive aqui e vocês estavam decorando a árvore. Não vai ficar sentada em casa quando todos vamos a um concerto de Natal. O rosto de Robert tinha três tons diferentes do cinza. — Oh, Phyllis, é maravilhoso você me convidar, mas acho que... — Annalise, você não acha nada! Robert não esqueça do terno e gravata, nada de paletó esporte com jeans. Temos que jantar antes, porque depois vai passar muito da hora de Sophie dormir. O Restaurante Columbia esta bem? As seis? Papai fará as reservas. — Eu vou... — começou Robert. 117 Revisoras

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— Claro que vai, meu querido — Phyllis olhou o relógio. — Oh, tenho de correr! — ...ficar fora do Quebra-Nozes este ano — disse Robert antes da mãe sair da sala. Ela não deu sinal de ter escutado, ele soltou um palavrão sem som e voltou-se para Annalise: — Você estava dizendo...? — Não sei o que eu estava dizendo. — Deixe-me refrescar sua memória. — Não precisa. Só quero avisar que não vou mais dormir aqui. Fiz reserva num hotel. Ele não gostou nem um pouco. — Isso não está no contrato. Você tem que ficar aqui. — Não vou ficar. — Nesse caso, está despedida. — Ótimo! — Ela sentiu um vazio no lugar onde antes era o coração. — Peça desculpas à sua mãe por mim. — Você vai embora, não? — Sophie jogou-se em cima da cama de Annalise, com sapatos e tudo. — É por isso que está arrumando as malas — Vou mudar para meu próprio canto, querida. Não será longe. — Por quê? Disse que ia ficar até o Natal. — Mudei de idéia. Você muda de idéia, não muda? — Não sobre você. Eu amo você, Annalise! É a melhor garota crescida que conheço. Annalise ficou imóvel. Não sabia o que dizer, não podia prometer que ficaria na vida dela, Robert não permitiria. — Escute, meu bem. Por que não vai tomar seu banho? Prometi à sua avó que a vestiria especialmente para o bale desta noite. — Não. Eu não vou! Sophie pegou Nellie e saiu correndo. Annalise cobriu o rosto com as mãos. Droga, que confusão! Era evidente que St. Augustine não era um bom lugar para uma alma ferida procurar abrigo. Desceu para pegar suas coisas na biblioteca. Encheu a mala e ainda havia muito o que guardar. Blocos, fotos, tecidos, lápis pincéis e um monte de lembretes para si mesma. Como conseguira acumular tudo aquilo? Foi procurar uma caixa de papelão. No corredor, ouviu um choro. Olhou para a escada. — Sophie? — Me deixe em paz! Annalise encostou-se na parede. Cuidado ou você vai chorar também! Obrigou-se a andar e, quando voltou com a caixa, parou sob a escada, escutando. Nada. Sophie não estava mais ali. Examinava a estante para ver se não havia esquecido nada quando Robert entrou na biblioteca. — Precisamos conversar. — Não, não precisamos — retorquiu ela. — Creio que você já disse tudo Projeto Revisoras 118


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que tinha a dizer. Muito mais do que eu queria ouvir. Uma reação química cega irradiava da pele dele: ainda a queria. Quando pegara Sophie no colo pela primeira vez, imaginara a dor que a mãe biológica dela devia ter sentido ao dar sua filha. Olhando para esta mulher agora, não sentia nenhuma emoção parecida. Ela não parecia ter o coração partido. Ao contrário, parecia fria e calculista. E zangada. Seus planos tinham sido frustrados e ela não sabia por que, o que dava a ele boa vantagem. Por sua filha, queria que ela saísse de suas vidas. Por sua filha, queria que ela ficasse. — Sophie está perturbada. — Não me culpe por isso — ela pegou o álbum e o jogou na caixa. — Você tem um coração de pedra, não é? — Você deve admitir que isso ajuda em situações como esta. — Olhe, mudei de idéia, quero que fique. Não gosto de ver Sophie assim, não é bom para ela. A confusão de emoções fez o estômago de Annalise se torcer. — Isso ajeitaria um monte de coisas, não é? — forçou-se a dizer, com escárnio. — Não dou a mínima para isso. Estou preocupado com a minha filha. — Para sua sorte, também estou preocupada com ela — Annalise colocou a caixa sob a mesa. Sorte? Se aquilo era sorte, ele não queria jamais ganhar na loteria. — Então, vai ficar? — Até o final da festa da Pettigrew, depois vou embora. — Você pode lidar com o lado social das coisas? — perguntou Robert, irônico. — Você tem a suavidade de uma hiena! — Você tem que comer e meus pais estão à nossa espera. Ela ficou imóvel, sem dizer nada. — Ceda um pouco, Annalise — pediu ele. — Estamos quase no Natal. — É! Alegria no mundo. Você conta a Sophie que vou ficar ou devo fazê-lo? — Pode ter esse prazer... Ele não queria falar porque Sophie perguntaria por quanto tempo e assim que dissesse a verdade ela ia chorar de novo. A pequena estava na cama, com o rosto enterrado em uma almofada. Annalise sentou-se a seu lado e acariciou-lhe as costas. — Ei, ratinha! Vou ficar um pouco mais. Sophie voltou-se. — De verdade? — É... — Ah, eu sabia que ia dar certo! — A menina abraçou-a. — Eu tenho muita astúcia feminina. Annalise segurou-a pelos ombros. — Mas agora está numa grande encrenca com Papai Noel! As duas riram. — Isso não é novidade, Annalise! 119 Revisoras

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CAPÍTULO 14 — Suds, quando tempo leva até você terminar de fixar as venezianas? — perguntou Annalise pela vigésima vez. Seu escritório improvisado não ficava mais na biblioteca. Exceto pela mesa de Robert, que estava num canto, era novamente uma sala de leitura, com poltronas de couro, sofás, mesinhas laterais e luminárias estrategicamente posicionadas. — Eu as estou fixando tão depressa quanto Peaches as pinta. — A tinta ainda não está seca? — Não, senhora. Arrumando lentamente sua mesa, Robert deu uma risadinha. Annalise voltou-se para ele. — Deixe-me ajudá-lo... — Com um braço, ela arrastou tudo que estava na mesa para dentro do caixote. — Pronto. Então, sorriu e Robert ficou vermelho. — Bruxa! Eu vou cuidar para você não conseguir nenhum outro trabalho nesta cidade. Pode acreditar. — Ótimo. Vou espalhar o boato de que meu primeiro cliente em St. Augustine tem um problema com bebida e estava mais interessado em outras coisas do que no trabalho. Para Annalise, esta conversa foi a mais agradável que havia ocorrido entre eles nos últimos dias. Tinham evitado um ao outro o máximo possível, inventando desculpas para não comerem ao mesmo tempo ou para não ficarem na mesma sala. Houvera alguns momentos desagradáveis, um deles quando Phyllis fora buscá-los para a apresentação de "Messias" na igreja presbiteriana. Robert recusara-se a ir. Ela e Sophie haviam ido com Phyllis. Estar perto dele, saber que dormia numa cama a poucos metros da sua, despertava o desejo em Annalise e a falta de controle sobre as emoções a deixava furiosa. E mais, Robert parecia ter imenso controle sobre as emoções dele. Certa vez, Marta Ingasoll chamara a atenção de um cliente recalcitrante com voz tão dura que poderia gelar o inferno. Enquanto voltavam para o escritório, Annalise reprovara o modo de agir da amiga e ela rira. — Annalise, você não entendeu nada mesmo! E maravilhoso a gente dizer o que pensa, desabafar! Fica-se ótima. Annalise contestara a afirmação. Mas agora sabia que devia desculpar-se com a amiga. Era mesmo ótimo poder dizer o que se pensa. — Papai — chamou Sophie. — Pettigrew está aqui. Peaches a está ajudando a subir a escada. Pettigrew. Annalise olhou para o relógio. Entrou em pânico. — Ela está duas horas adiantada. Eu marquei às três! Robert, leve-a para ver a sala de estar da família, a sala de jantar, a sala grande e depois leve-a Projeto 120

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para cima. Deixe esta sala por último. Voltou-se para Suds. Ainda havia três venezianas para fixar. E a mesa de Robert precisava ser levada para a sala grande, a fim de ser "vestida" para receber o bolo. — Levá-la para cima, como? Com um guindaste? — Não. Não seria digno. Leve-a no colo. Ela pesa menos do que a Sophie. — Errou na data, minha cara. — Robert não escondia o sarcasmo. — Se você se lembra, eu queria que Pettigrew só viesse aqui na manhã do dia da assinatura da escritura. Foi sua a idéia trazê-la hoje. — Assim não haverá nenhum problema de última hora, caso ela não aprove alguma coisa. Suds começou a assobiar Jingle Bells com entusiasmo, Annalise voltou-se para ele, que indicou a porta, disfarçadamente. Twyla ajudava Pettigrew a avançar seguida de meia dúzia de setuagenários. A biblioteca de súbito ficou cheia de bengalas, muletas, andadores e tons de cabelos cinza. — Viemos na perua do centro de repouso — anunciou Pettigrew. — Não quis deixar todos os meus amigos lá enquanto olhava a casa. Eles estão todos convidados para a festa amanhã à noite. — Apresentou um por um a Annalise, aproximou-se de Robert e voltou-se para as amigas. — Se acham que ele é lindo, deviam ter visto o avô dele! Todos riram e Robert ficou vermelho. Lançou um olhar rápido de reprovação para a velha senhora, que o ignorou. — Você está um pouco adiantada — observou Annalise. — Oh, eu sei. Mas todos temos presentes de Natal para comprar, então vim mais cedo. Vá na frente, querida, quero que todos vejam a sala de costura da minha mãe. O passeio levou quarenta minutos. A restauração foi o ponto máximo. Todos vibraram ao ver a sala grande, com a árvore de Natal e os brinquedos sob ela. — Lembro daquele cavalo de balanço! — Lágrimas brilharam nos olhos de Pettigrew. — Papai comprou-o para meu irmão, quando fez cinco anos... Ele morreu meses depois, de escarlatina. — Se o cavalinho a deixa triste, eu o levo de volta ao sótão. — Oh, não, criança! Você fez exatamente o que eu desejava. Eu queria um último Natal memorável na minha casa e você fez mais. Fez minhas lembranças tornarem-se vivas. Lembro quando meu pai comprou aqueles sete abajures da Tiffany. Mamãe os odiava, dizia que eram enfeitados demais, que só ciganos gostariam deles. Mandava as empregadas desatarraxarem as lâmpadas todos os dias e papai achava que tinham queimado. Toda semana, por meses, ele escrevia uma carta irada para a Companhia Edison, pedindo que fizessem lâmpadas melhores antes que o levassem à falência! Todos riram e Annalise notou que Robert sorria pela primeira vez em mais de uma semana. Por momentos, parecia que Pettigrew esquecera das demais pessoas na sala. Enfiou a mão na manga, pegou um lenço bordado e assuou o nariz. — Muito bem, o passeio acabou. Todos na perua! — disse ela por fim. 121 Revisoras

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Voltou-se para Robert. — Vamos assinar os papéis amanhã, às dez. Annalise fez um trabalho magnífico. Você foi esperto deixando-a trabalhar livremente. — Eu não faria de outra forma. — Ah, quase esqueci! Annalise, gostaria que fizesse o Yellow Birds... Annalise olhou o papel que Pettigrew lhe estendia. Creme de banana, abacaxi moído, suco de laranja, pina colada, rum, champanhe. Rum e champanhe? Para velhinhos? — Não seria melhor algo mais tradicional? Como sidra? — Não seja boba, menina! É uma bebida sublime, suave como seda e os velhos vão adorar. Era isso que Annalise temia, mas ficou quieta. — O que planejou para a música? — perguntou Twyla, levando Pettigrew até a cozinha. — Música? Oh, esqueci! Twyla olhou para Robert, que deu de ombros. A ajuda não viria dali, apesar dela dizer: — Eles são uns selvagens, adoram dançar. — O que ela quer dizer é que os velhos sátiros querem uma desculpa para apalpar as velhinhas — corrigiu Pettigrew. — Não é verdade! — contestou Twyla. E continuaram a discutir, enquanto Robert e Peache levavam a cadeira de rodas até o carro. Annalise suspirou ao voltar para dentro. Devia esta feliz: Pettigrew aprovara e Robert se tornaria o dono da casa às dez da manhã seguinte. Para ele, o trabalho dela terminara. Havia apenas a festa na noite seguinte e depois ela ia embora. Na véspera de Natal. Passaria o Natal sozinha em um hotel. Mais uma vez... Era melhor não pensar nisso, mesmo porque os apoios emocionais que usara nos Natais anteriores estavam sob a árvore de Natal de Robert ou espalhados pelos necessitados por Phyllis. Que ironia! Não iria ver nenhum dos pacotes ser abertos. O cheiro na cozinha era maravilhoso. Pernil e peru assados, mel, cravo e dúzias de iguarias. — Annalise, experimente uma das empadinhas de queijo que eu fiz — implorou Sophie. — Minnie disse que sou uma cozinheira quase tão boa quanto ela. — Claro, então me sirva duas das suas empadinhas. Estou morrendo de fome. Depois de comer, ela mostrou a receita do coquetel para Minnie. — Meu Deus! — Eu sei — assentiu Annalise, com um suspiro. — Vou buscar os ingredientes e vamos preparar um pouco. Aí, veremos o quanto de suco de laranja podemos acrescentar para diluir. Talvez dê para substituir o vinho por suco de uva. — E bom, mas tem que ir comprar as bebidas logo. Preciso sair às seis. Meus netos vão à minha casa buscar os presentes hoje porque amanhã venho trabalhar aqui. Projeto Revisoras 122


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— E só pegar minha bolsa e vou. Antes que você pergunte, Sophie, não. Não pode ir. Loja de bebidas não é lugar para meninas. — Eu não ia pedir. Vou fazer uma cobertura de morango. Minnie gemeu e Sophie explicou: — Não se preocupe, Minnie, limpo tudo depois. Está muito perto do Natal para eu fazer coisas erradas. — Então, tudo bem! — Minnie deu uma risada e ergueu o polegar para Annalise. — Pode ir. — O tráfego está horrível — exclamou Annalise horas depois, pondo os pacotes no balcão da pia. — Mas fiz a compra mais incrível do mundo: tulipas por um dólar cada! Comprei trinta. Vou colocá-las na porta da frente e perto das lareiras. Se quiser, pode levar meia dúzia para sua casa. Sei que não vou usar todas. Puxa, isso aqui está muito quieto. Onde estão todos? — Robert pagou Suds e Peaches e os mandou para casa. Ele e Sophie foram ao cemitério. — Mas o que... por quê? — Levar flores ao túmulo de Nina. Ele faz isso todo Natal. — Oh! Deve sentir muito a falta dela. — Eu acho que é complexo de culpa. O deles não foi o melhor dos casamentos quando ela estava bem e quando adoeceu foi terrível. Nina era muito mimada, conseguia tudo que queria. Mas vamos esquecer isso e ver esse coquetel maluco! Quinze minutos depois, Annalise experimentava a mistura. — Pettigrew está certa, desce como seda, mas já estou ficando tonta. Uau! — Bem que esta poderia se tornar a minha bebida predileta — Minnie lambeu os lábios. — Imagino como ficaria com vodca. — Assustador! — Annalise colocou o resto da "amostra" da bebida na geladeira. — Amanhã, vamos cortar o álcool pela metade, dobrar o suco e servir em copos pequenos. Minnie riu. — Não sei se vai adiantar. Mas agora tenho que ir. Há três tortas de carne no forno para o jantar e salada na geladeira. Não quero que ninguém mexa no peru ou no pernil. Cinco minutos depois Annalise andava pela casa, acendendo luzes, parando aqui e ali, examinando com olho crítico os ambientes que criara. A casa fizera-se sozinha, pensou. Era adorável, acolhedora e atraente. Havia um leve cheiro vitoriano de maçã e cravo, que tinham sido colocados em pequenos recipientes e escondidos em vários pontos. Sophie passara a manhã inteira enfiando os cravos nas maçãs. Você fez um bom trabalho, disse Annalise a si mesma, com orgulho. Entrou no quarto principal. As venezianas haviam ficado ótimas. O cheiro da loção pós-barba de Robert impregnava o ambiente. Uma toalha úmida estava caída no chão, perto da porta do banheiro recém-construído. Ela foi até a cama e passou os dedos *pelo travesseiro. Doía, admitiu ela. Doía de verdade! 123 Revisoras

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E a dor pior de todas era por não saber por que ele decidira terminar tudo.

CAPÍTULO 15 — Annalise! Annalise! — Sophie gritava, desesperada. Annalise pensou que estivesse sonhando, então sentiu a mãozinha da menina em seu braço. Abriu os olhos. A luz do dia começava a entrar no quarto, mas as sombras ainda dominavam o ambiente. — O que... o que foi, querida? — Estou morrendo, Annalise! Estou morrendo como a Nina! — Lágrimas corriam pelo rostinho aflito. — Estou morrendo, papai vai me colocar num caixãozinho branco e me enterrar no chão! Vou morrer hoje, este vai ser meu último Natal! — Oh, meu bem, você teve um pesadelo. — Annalise ergueu as cobertas. — Venha, deite aqui comigo. Sophie se ajeitou junto de Annalise, que a abraçou. — Sei que estou morrendo. Não posso sentir meus nervos em lugar nenhum. Eles sumiram!. — Psiuu, durma... Estou aqui do seu lado. — Se eu dormir, não vou acordar mais! Eu sei. Nina adormeceu e não acordou mais. Você cuida da Nellie para mim? Ela vai ficar tão sozinha... A visita ao cemitério, pensou Annalise. Robert não percebia como isso devia ser assustador para Sophie. A pequena não compreendia a morte ou talvez a compreendesse bem demais. — Você vai acordar sim, meu bem. Eu garanto. — Promete? — Prometo, de todo coração. — Acredito em você, Annalise, mas se eu não acordar, quero que dê todos meus presentes de Natal para as crianças pobres. E você fica com minha caixa de tesouros. Pequena mártir, pensou Annalise e murmurou: — Vou prender bem as cobertas ao seu redor para que mais nenhum dos seus nervos escape. — Quero que você seja minha mãe, Annalise. Não quero que vá embora. Eu quero tanto ter minha mãe... — Eu sei, meu bem, eu sei. Quinze minutos mais tarde Sophie dormia. Annalise saiu da cama e se vestiu. Na cozinha, começou a preparar o café, limpou a mesa dos restos do jantar de Robert e Sophie. Ouvira a perua dele chegando durante a noite, mas ficara no quarto, arrumando a mala e tendo pena de si mesma. — Senti cheiro de café — Robert entrou na cozinha. Olhou para Annalise e desviou os olhos, mas a imagem dela ficou gravada em sua mente. Os cabelos ainda não estavam presos na trança e ele lembrava como ficavam quando espalhados em seu ombro. Lembrava do cheiro dela, lembrava da sensação... Projeto 124

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E lembre-se que ela tem um motivo para estar aqui! Tinha apenas que se controlar até a festa de Pettigrew acabar, disse a si mesmo. Podia fazer isso. Serviu-se de café e foi para a varanda. O sol começava a surgir acima das árvores, mas era um sol fraco. Seria como Annalise queria, uma noite fria, e poderiam acender as lareiras. Talvez, pensou, eu tenha reconhecido de forma inconsciente a semelhança entre Sophie e Annalise quando a vi. Quem sabe seja esta a explicação de eu ter me apaixonado por ela... Voltou para a cozinha. Annalise estava sentada à mesa, as mãos ao redor da caneca de café. Robert não conseguia deixar de fitá-la. Seus olhos se encontraram e ele viu perguntas, confusão e dor. Havia algo de muito vulnerável em Annalise e ele percebeu com clareza a origem da própria raiva. Havia pensado, como um idiota, que aquela mulher sentia por ele o mesmo que sentia por ela. Os olhares que trocavam quando não havia mais ninguém por perto, os toques não intencionais que vibravam de amor e desejo... Fora subjugado pela objetividade calculada dela, que apenas queria tornar-se parte da vida deles, uma parte muito íntima. E o que aconteceria se dali a algum tempo ela lhe contasse que era a mãe biológica de Sophie? No entanto, como Annalise descobrira isso? Robert não pretendia fazer-lhe essa pergunta diretamente. Havia advogados que se encarregavam dessas coisas. Contrataria o melhor deles para manter Sophie em segurança. Annalise viu a rejeição surgir no rosto dele, os olhos verdes pareciam lançar fogo, e perdeu a pequena esperança de que ele pudesse voltar a desejála. Humilhação e decepção misturaram-se numa dor imensa que maltratou seu corpo inteiro. Precisou de todo o auto controle para falar normalmente. — Queria que você me dissesse o que fiz para ofendê-lo, Robert. Ele riu, irônico. — Pare de representar, Annalise. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Minnie entrou na cozinha. — Feliz Natal! Feliz Natal! Vamos pôr o circo na estrada, Annalise! Minha filha Dorothy vai nos ajudar das cinco às sete. O marido e os filhos querem que ela fique fora de casa enquanto embrulham os presentes. Dorothy cuidou de Pettigrew quando ela teve pneumonia e vai ficar impressionada com o que você fez na casa. — Que ótimo, Minnie! Essa ajuda vem em boa hora — Robert continuava de cara fechada, mas Annalise precisava discutir uns detalhes com ele. — Preparei a mesa da sala de estar da família para a assinatura dos papéis. Minnie vai servir café... — E os petit fours que fiz — acrescentou Minnie. — Vai precisar de mim na hora da assinatura? — perguntou Annalise. — Não. — Ótimo. Tenho muita coisa para acertar para que a festa de Pettigrew seja um sucesso. Minnie, será que esqueci de alguma coisa? — Presunto, peru, molhos, bolachas, tortas, azeitonas, morangos no 125 Revisoras

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chocolate... falta alguma coisa? Ah! Marzipã e corante de comida para decorar os pratos? — Já comprei ontem à tarde. — A salada de batata eu fiz ontem. Oh, a cafeteira que você comprou não chegou até agora. — Vou verificar isso — Annalise foi até o armário e pegou os ingredientes para fazer chocolate. — Sophie teve um pesadelo esta manhã. Deixei-a dormindo na minha cama e acho que um chocolate quente vai fazer bem a ela. Robert olhou-a de lado enquanto Minnie lhe servia café. — Que tipo de pesadelo? — perguntou ele. Chocolate não adiantaria nada para ele se estivesse na cama de Annalise... Queria Annalise na cama e não chocolate. Uma sensação esquisita apertou-lhe o peito. Nunca mais estaria na cama com ela. Num impulso, levantou-se da mesa e saiu da cozinha. — Bem, Jingle Bells! — exclamou Minnie. — O que houve com ele? — Não tenho a menor idéia — Annalise foi levar o chocolate para Sophie. — Vou ser a única criança nessa festa — reclamou a pequena, entrando no quarto de Annalise para que abo-toasse seu vestido nas costas. O conjunto de veludo preto fora presente de Phyllis. — Vou ficar tão aborrecida! Você sabe como são os velhos. Vão dizer "Mas que belezinha! Me dê um beijinho"! — Não fique zangada se as velhinhas quiserem beijá-la ou abraçá-la, Sophie. Você é jovem e bonita. Você as faz lembrar da própria infância. Esse é um presente especial que pode dar a elas, principalmente nesta noite, quando todas estarão sentindo saudade de suas famílias. — Você tem saudade da sua família? — Muita. Mas também tenho uma coisa secreta que os mantém sempre no meu coração. — Um segredo! Me conte. Annalise abriu uma sacolinha de veludo. — Em ocasiões especiais sempre uso este broche que era da minha avó e estes brincos de esmeralda que eram da minha mãe. — E o que é isto? — perguntou Sophie, apontando para um pequeno bracelete cor-de-rosa. — É mais uma coisa especial para mim... Era a pulseirinha de identificação do hospital de sua filha. Uma enfermeira que ficara com pena dela dera-lhe a pulseirinha, quando quase enlouquecera ao saber que os advogados de Rita Chandler haviam levado seu bebê. Dias depois ficara sabendo que os advogados estavam acompanhados por um jovem casal, mas já era tarde: sua filhinha havia desaparecido. Afastou as dolorosas lembranças e perguntou: — E se eu lhe der uma missão para não ficar aborrecida, Sophie? — Olhe, é melhor não me pedir para servir bebidas, Annalise. Vou derrubar tudo. — Você pode ser a fotógrafa oficial. Toda grande festa tem um fotógrafo. — Posso tirar fotos? Annalise foi até um baú e pegou sua Polaroid e ensinou a menina a usá-la. — Tenho muitos filmes. Vá praticar enquanto me visto. Projeto Revisoras 126


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— Praticar, com quem? — Seu pai, Minnie, Nellie, a árvore de Natal. Tire uma foto do bolo. Lembre-se apenas de acertar o foco e ficar imóvel. — Posso usar um pouco do seu perfume? Annalise passou um pouco do perfume no pescoço e pulsos dela. — Agora, vá. Diga a Minnie que desço em meia hora. — Eu também queria fazer maquiagem... Com gentileza, mas de modo firme, Annalise a fez sair do quarto e vinte minutos depois saiu também. Havia um murmúrio de vozes no hall de entrada enquanto descia. Uma delas era a voz de Robert. Endireitou os ombros e continuou. Foi nesse momento que ele a viu, sem estar preparado. Annalise Owens estava deslumbrante. Era bonita, mas nunca o impressionara tanto. Estava com um vestido preto, de corpo justo que delineava os seios e a cintura fina antes de abrir-se em uma saia ampla que se movimentava quando ela andava. O cabelo havia sido puxado para trás, trançado e a trança prendia-se sob si mesma com uma flor de seda preta. Consciente de que Robert a olhava Annalise apenas acenou para ele e juntou-se a Pettigrew e Twyla. — Viu o bolo? — perguntou a Pettigrew. — E a mesa de bufê na sala de jantar? Gostou? — Está tudo maravilhoso! Eu queria lhe agradecer por tornar minha mudança de vida algo memorável. Não me importo de morar no retiro agora que sei que minha velha casa está de novo maravilhosa e cheia de vida. Mais tarde quero falar a sós com você. E possível? — Claro! — Harry trouxe o toca-discos? — perguntou Twyla. — Ele prometeu... Annalise riu. — Um senhor com rosto de querubim, cabelo branco e suspensórios vermelhos, que disse chamar-se Harry, trouxe um antiquado fonógrafo e uma caixa com discos. A vitrola é da época da Segunda Grande Guerra, no mínimo. — Oh! — preocupou-se Twyla. — Mas funciona? — Ele garantiu que sim e para ter certeza que eu não a estragaria, tirou a agulha. Disse que é o Diretor Musical e que só haverá música depois que ele chegar. Bem, Pettigrew, a festa é sua, divirta-se! Se precisar de algo, chame. — Sorriu para todos, exceto para Robert, de quem se aproximou. — Vou ver se Minnie e Dorothy querem ajuda. Elas não queriam e adoraram o vestido dela. Annalise serviu-se de uma taça do Yellow Birds e tomou um gole. — O gosto é o mesmo. — Mas fiz as mudanças — garantiu Minnie. — Dê o fora. Dorothy levará a bebida em um segundo. A cada carro da casa de repouso que chegava a festa animava-se mais. A música soava alto, pois a vitrola de Harry funcionava bem e as músicas eram Danny Boy, Greens eves, Silent’s Nights. Havia cantores que ela conhecia, como Sinatra, Perry Como, Lena Horne e muitos outros que não conhecia, 127 Revisoras

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mas que provocavam suspiros entre os mais velhos. Annalise manteve-se afastada, vigiando o fogo da lareira, o bufê e Sophie, que colocava as pessoas em poses para fotografar, encantando a todos. Ficou de olho também em Robert, para evitar que se aproximasse dela. As senhoras o adoravam e ficavam minutos segurando a mão dele. Não podia condená-las por isso. Ele estava muito atraente em um terno cinza, com colete, camisa branca, gravata vermelha de seda e um ramo de azevinho na lapela, presente de Pettigrew. De vez em quando percebia que ele a olhava e que também tratava de evitá-la. Um momento realmente estranho aconteceu na chegada dos Davenport com montes de presentes para Sophie, Robert e mais um grupo de amigos que não tinham sido convidados. — Sei que é uma intrusão — disse Phyllis —, mas logo iremos embora. Só queria que o pessoal visse a casa em toda sua glória. Vamos passar a meianoite com Evelyn. Você e Robert não se importariam de nos mostrar a casa? Annalise ficou em silêncio, pois a casa era de Robert. — Adoraríamos, mãe. — Para surpresa de Annalise, Robert passou um braço por sua cintura. — Vamos mostrar a eles, Annalise. Quando ela tentou escapar, segurou-a com força. Não entendia esse modo de Robert agir, apenas tinha consciência do corpo dele próximo do seu. Enquanto o grupo admirava a pintura no teto da sala da família, ela olhou-o longamente e ele soltou-a, com um sorriso irônico. O quarto de Sophie provocou admiração. — Adorei! — exclamou Evelyn, a senhora para a casa de quem o grupo ia. — Annalise, quero que você faça o quarto da minha filha, que passa os verões aqui. Será que pode me atender antes de junho? — Com prazer. A visitação terminou na agitada sala grande onde se achavam a árvore e o bolo que, com a exceção de Pettigrew, Annalise considerava as peças centrais da festa. — Você criou este bolo sozinha? — perguntou Joyce, outra senhora. — Não. Eu me inspirei num bolo de casamento estilo vitoriano. — Por acaso, desenha vestidos? Nossa filha vai se casar em setembro. Gostaria que a conhecesse. — Eu adoraria. Mesmo com os protestos, Sophie levou Robert e Phyllis até a árvore de Natal para fotografá-los. O sr. Davenport voltou-se para Annalise. — Você está adorável. — Obrigada, sr. Davenport. Annalise gostava do pai de Robert. Era uma versão mais velha e mais gentil dele, com voz e temperamento mais suaves. — Não pude deixar de notar o broche que está usando. A flor de Liz dourada sobre fundo de lápis-lazúli é única. — Pertenceu à minha avó. Foi um amigo muito especial que deu a ela. — E mesmo? — Davenport parecia surpreso. — Eu gostaria de falar com você sobre ela um dia. Notou o relógio de bolso que o Robert está usando? Meu pai deixou-o para ele. Creio que mandou fazer a parte em ouro no Cartier Projeto Revisoras 128


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de Nova York. O desenho é muito parecido com o do seu broche. Foi a vez de Annalise ficar surpresa. O avô de Robert e minha avó? Que idéia tola! A vida não criava dessas coincidências. — Duvido que o broche tenha vindo do Cartier — acrescentou, sorrindo. — Quando morou aqui, minha avó trabalhava como criada... A atenção do sr. Davenport foi atraída por Sophie. — Sente no degrau, vovô, para eu tirar uma foto sua. — Tire daí mesmo, meu bem. — Não posso. Toda vez que tiro foto de alguém de pé, corto a cabeça da pessoa! — Oh, entendo! — Ele sentou-se. — Não podemos deixar que uma Davenport ande por aí cortando cabeças, não é? — Claro que não, vovô. Especialmente na noite de Natal. Pare de se mexer, por favor. A luz do flash brilhou. Annalise foi verificar a sala de jantar. Pettigrew estava em sua cadeira de rodas perto de uma janela, sozinha, a bengala apoiada. Cumprimentou Annalise erguendo uma taça. — Venha aqui, minha querida. Tive que sair daquela confusão por um momento. Minha cabeça estava começando a girar. — Tomou um gole do coquetel. — Meu paladar já não deve ser tão bom. Esta mistura não me parece poderosa como antes... — Todos estão gostando muito do seu coquetel. Minnie teve que prepará-lo mais uma vez. — Minha mãe fez esta receita durante a Lei Seca, disfarçando o rum que papai gostava tanto. Depois o coquetel foi se modificando. O primo do meu pai era xerife, muito severo e minha mãe era arteira... — Você ainda sente falta de sua mãe, não é? — Sim, muita. Depois que papai morreu e fiz cinqüenta anos, nos tornamos muito amigas. Você também sente falta da sua mãe? E uma pena ela ter morrido tão jovem. — Fui criada por minha avó, que teve mais influência sobre mim. Mas se minha mãe estivesse viva seríamos amigas. — Claro que seria. — Pettigrew pôs a mão num bolso lateral da cadeira de rodas. — Isto é para você. — Colocou na mão de Annalise um papelzinho enrolado e amarrado com uma fitinha. — Um pequeno presente para agradecer o que fez em tão pouco tempo, especialmente a feita. Serei famosa no retiro depois disso. Annalise desamarrou a fita, era um cheque de cinco mil dólares. — Oh, não, Pettigrew! Não posso aceitar. E muito. Além do que, o cheque anterior você pagou mais do que o suficiente. — Ora, meu bem, não seja mal-educada! Aceite o presente. Quanto a ser muito, não me importa. Se não se lembra, vendi minha casa esta manhã por uma quantia impressionante. Emocionada, Annalise beijou o rosto da velha senhora. — Obrigada. Espero que almoce comigo depois que tirar o gesso. 129 Revisoras

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— Sem dúvida, meu bem. Agora, vamos cortar aquele bolo maravilhoso. Depois, vou pedir a Harry que toque Danny Boy mais uma vez e ir para casa. Eu disse ao motorista da perua para começar a levar o pessoal às quinze para às nove. Ele deve chegar a qualquer momento. — Pettigrew sorriu, melancólica. — Quando eu era jovem, nossas festas começavam às oito. Agora é a hora em que terminam... Mais tarde, na cozinha, enquanto lavavam louça, Annalise colocou mil dólares no bolso de Minnie. — Um presente, Minnie, por passar sua véspera de Natal trabalhando. — Abençoada seja minha alma! Obrigada, Annalise. Vamos fazer uma festa toda vez que você decorar uma casa. — Não sei se daria certo, mas com certeza vou fazer um ou outro casamento. — Pode contar comigo. Os nossos velhinhos acabaram com o bufê, não foi? Não sobrou quase nada. Vou dar mais uma olhada na sala grande. — Não, pode deixar. Vá para casa. — Robert foi ao barracão pegar o presente de Sophie e prometi que o esperava. Annalise não sabia que ele havia saído. Será que Robert esperava que ela já tivesse ido embora quando retornasse? Não seria assim. Antes de ir enfrentaria o leão em seu covil e arrancaria dele autorização para continuar sendo amiga de Sophie. Se a pequena acordasse de manhã e não a visse, teria um choque. — Vou ficar com Sophie até ele voltar — disse a Minnie. — Eu disse a ela que poderia comer bolo e tomar chocolate depois que todos fossem embora. É para acalmá-la, senão ela não dorme. Está agitada depois de passar a noite tirando fotos e tentando adivinhar os presentes da árvore. — Não precisa insistir, pois estou morta de cansaço. Quanto às fotos, se você encontrar a que a malandrinha tirou de mim, jogue fora. Ela me pegou sem os dentes! — Oh, não! — Annalise tentou não rir. — Oh, sim! Vou indo, então. Feliz Natal! — Para você também. Depois de um instante sem pensar em nada, Annalise começou a preparar o chocolate. Levou o chocolate e o bolo para a sala grande numa bandeja de prata. Minnie apagara o lustre e a sala estava iluminada apenas pelas lâmpadas da árvore. Sentada no sofá, Sophie sorriu. — Esta foi a melhor festa da minha vida! Quero ser fotógrafa oficial de todas as nossas festas. Veja — espalhou as fotos e pegou notas de um dólar no bolso. — Ganhei vinte e dois dólares. — Oh, Sophie! Você cobrou dos convidados de Pettigrew para tirar as fotos? — Não. Nem pensei nisso. Mas vou pensar da próxima vez. São lagniappes. Harry disse que quer dizer "presentinhos", em francês crioulo. Tirei uma foto dele e Twyla dançando. Ficou ótima. Ele quis a foto, eu dei e ele me deu um dólar. Eu não queria aceitar. Bem, eu queria, mas disse a ele que não Projeto Revisoras 130


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queria. Foi quando Harry me disse que era um lagniappe. Aí, Twyla também quis uma foto deles e também me deu um lagniappe. Tentei não aceitar. De verdade, tentei mesmo, mas Pettigrew disse que era "apropriado" que eu aceitasse. Ela me fez tirar fotos de seus amigos e todos me deram lagniappes... A garota guardou o dinheiro no bolso, ergueu os olhos enormes para Annalise e perguntou: — Estou encrencada? — Acho que não, se Pettigrew disse que era apropriado. — Acho que vou até usar vestido mais vezes, só que nos dias de semana não. A vovó Davenport disse que eu parecia uma fotógrafa profissional! — A garota suspirou e alisou o vestido. — Acho que vou usar veludo mais vezes também, parece que meus nervos não me incomodam tanto quando uso veludo. — Oh, então encontramos uma cura para seus nervos? Sophie pareceu surpresa. — Espero que não. Preciso deles quando Robert quiser que eu coma ovos meio crus ou brócolos. Annalise riu, para evitar o nó que se formava na garganta. Como sentiria falta dessas deliciosas conversas! — E o que seus nervos dizem de bolo com chocolate? — Oba! Mas na metade do bolo, os olhos de Sophie começaram a fechar. — É melhor você ir para a cama, ratinha. O Papai Noel deve descer pela chaminé a qualquer momento. — Com ela ainda acesa? Foi difícil Annalise conter o riso. No instante seguinte a menina estava deitada no seu colo. — Há uma foto que você não viu, Annalise. Era a melhor de todas. Era uma foto de mim e eu a perdi. — Vamos achá-la... —amanhã, ela ia dizer. — Espero que sim. Preciso dela para lhe contar meu segredo mais importante. Sophie fechou os olhos e Annalise passou o dedo pelas pálpebras sedosas. — Seu segredo mais importante? A pequena pensou se não seria melhor contar a história da sua vida mesmo sem a foto, mas o toque suave em seu rosto, o calor do colo de Annalise a convidavam a dormir. Falaria com Nellie sobre isso de manhã, depois de abrir os presentes, é claro. Nellie era uma boba, mas às vezes sabia o que era melhor fazer.

CAPÍTULO 16 Robert achou as duas dormindo no sofá. Só então livrou-se do pânico. Um pneu furara e a perua derrapara, indo cair numa vala. Iria demorar para voltar e sabia que Minnie teria ido embora. Então, a imaginação dele 131 Revisoras

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enlouquecera: Annalise, tão atenciosa e encantadora, convenceria a cozinheira a ir para junto de sua família e teria chance de levar Sophie embora. Se dois jovens não o tivessem ajudado, teria que andar quilômetros até o telefone mais próximo. Mesmo assim, seria tarde demais, pensara desesperado. Se a intenção de Annalise era roubar Sophie, já o teria feito. Quase chorara de alívio ao chegar em casa e ver que a van ainda estava lá. Claro, a intenção dela nunca fora roubar Sophie. Queria apoderar-se do coração de Sophie e do dele. Sophie queria sua mãe, era só no que falava e ali estava, dormindo ao lado dela. Bonita, talentosa, inteligente. Seria muito natural aceitar Annalise. Durante toda a semana tivera que lutar para não sucumbir a esse desejo. Mas ela abandonara Sophie uma vez. Não o faria de novo? Ao inclinar-se para acordá-la, Robert fez tudo para suprimir o desejo que sentia. Annalise levantou-se de imediato. — Você voltou... — murmurou e passou-se um longo momento até ela relembrar de tudo. — Foi tudo bem essa noite, não foi? — Muito bem — disse ele, ácido. Uma raiva quente a envolveu e ela não se conteve mais. — Rejeitar-me é uma coisa, Robert. Mas não vou aceitar ser maltratada e quero que saiba que o considero arrogante e grosseiro. Você vale menos do que o barro da sola do meu sapato, Robert Davenport. Espero que tenha uma vida longa e miserável. Feliz Natal. — Dê o fora, Annalise, e nunca mais volte! Ela fitou-o por um momento, então saiu da sala. Pouco depois, subindo a escada com Sophie nos braços ele cruzou com ela descendo, carregando suas malas. Robert encostou-se no balcão da pia da cozinha, com um copo de uísque na mão, lutando para acalmar-se e ignorar os pensamentos que o assaltavam. Sophie ficaria de coração partido ao descobrir que Annalise se fora. Teria de explicar com jeito e não podia contar a verdade, porque se a garota descobrisse que Annalise era sua mãe, iria acusá-lo de a ter mandado embora e ele temia as conseqüências. Olhou para seu casaco na cadeira. No bolso estavam as duas fotos reveladoras. Uma ele devolveria a Sophie. A outra, ia destruir. Porém, não tinha como explicar por que mandara Annalise embora. Tivera que fazê-lo também por causa da paixão que sentia por ela. Não deixava de pensar em Annalise um instante, lembrando do seu cheiro, sua pele, seus seios, seus lábios... Respirou fundo, tomou um gole da bebida, mas o desejo não diminuiu. Nunca a esqueceria. A porta da cozinha abriu, mas só quando o vento frio de dezembro o envolveu é que ele moveu-se para ir fechá-la. Annalise estava parada diante dela porta, com a mão erguida para bater. Levou intermináveis segundos até Robert perceber que era ela em carne e osso e não uma imagem criada por sua imaginação. Havia vestígios de lágrimas nos olhos cor de mel, mas ele não ia cair no mais antigo dos truques femininos. Projeto Revisoras 132


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— Esqueceu alguma coisa? — Sua perua está fechando o caminho. Não posso sair. — E precisou desse tempo todo para perceber isso? — Faz alguma diferença? — Ela entrou e fechou a porta. — Quer tirar a perua, por favor? — Pois não! Faço qualquer coisa para tirar você da minha vida neste feliz Natal. Ele pegou o casaco com um movimento brusco e as fotos caíram no chão. Annalise recolheu-as e colocou-as na mesa. Imaginou que eram fotos da festa tiradas por Sophie e por um instante seu cérebro não registrou o que estava vendo. Oh, Deus! Ela compreendeu, por fim. Entendeu o comportamento dele e por que a rejeitara: Robert a desprezava porque tivera uma filha sem ser casada. Ficou branca de angústia, fitou-o entre magoada e zangada, mas se controlou. — Você mexeu nas minhas coisas, Robert! — Não. Seu álbum caiu da estante. — Se espera que eu negue, não o farei. — Não, não espero nada de você. — Não pode saber o que estas fotos significam — defendeu-se Annalise —, apenas tirou uma conclusão, pensando o pior. — Pelo jeito, a pior conclusão é a correta. Ela respirou fundo. — Pense o que quiser, mas o que vai contar a Sophie sobre mim? — O mínimo necessário. — Vai dizer a verdade a ela? Vai dizer que me mandou embora? — O que vou dizer, sou eu quem vai decidir. — Mas vai deixar que eu telefone para ela, que a leve de vez em quando ao cinema? — Você não desiste, não é? O tom dele era frio como gelo. Mas talvez, com o tempo... De qualquer forma, se Sophie quisesse vê-la, atormentaria Robert até conseguir. Annalise tornou a pegar as fotos e encaminhou-se para a porta. — Vou esperar no carro até você tirar o seu. — Espere aí! — Robert segurou-a. — Uma dessas fotos é de Sophie. Annalise soltou-se. — Essas fotos são minhas. As dela devem estar no seu bolso. — Esta aqui — indicou Robert. — Será que precisa de óculos? Essa foto não foi tirada por Sophie hoje. E uma foto do meu bebê. Robert ficou mudo, Annalise falara com tamanha convicção! Mas era uma foto do bebê dela e via que ela não estava entendendo nada! Fechou os olhos. Annalise dissera Essa foto não foi tirada por Sophie hoje. Meu Deus, pensou ele. Ela não sabe! Claro que sabe! Como poderia não saber? Senão, por que estava ali? Uma sensação estranha percorreu-lhe o corpo. Robert acreditava no destino, mas devia acreditar no destino quando este lhe dava um chute no estômago? E devia deixar que ela saísse de sua vida 133 Revisoras

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se ele é que cometera o erro? — Essa discussão não vai nos levar a nada, Robert — dizia Annalise. — Tire a perua do caminho, por favor. Paguei adiantado pelo quarto do hotel e... — Annalise — disse a suavidade assustou-a. — Sente-se. — Por quê? Já dissemos tudo que tínhamos para dizer. — Talvez não... Ele puxou uma cadeira para ela, que hesitou, confusa, colocou as fotos sobre a mesa e olhou ao redor. — Bela cozinha. Você mesmo a fez? Robert ignorou a pergunta sarcástica. Estava indeciso pela primeira vez na vida. Não sabia de que jeito começar a falar. -— Quer sorvete? — ofereceu, sem jeito. — Sorvete? Dá para me dizer como chegamos ao sorvete? — Eu vou tomar. Quer ou não? — Está bem... Ele pegou sorvete no freezer, mas não encontrou colheres. — Na gaveta de cima, à sua esquerda — disse Annalise. Robert abriu o armário onde antes ficavam os pratos. Latas e mais latas. — No extremo do balcão, perto da pia. Minnie e eu demos outra ordem em tudo. Nós duas somos destras e Pettigrew é canhota. Estava tudo ao contrário. Por fim o sorvete foi servido. Robert deixou a caixa na pia, Annalise ergueu-se, tornou a guardá-la no freezer e pegou guardanapos. — Qual o motivo disto tudo, Robert? — Você quer responder algumas perguntas? — Se puder. — Por que veio para St. Augustine? — Você sabe por quê. Para decorar esta casa. — O que Marta lhe contou sobre mim? — Você quer as palavras exatas? — Sim. — Ela disse "Robert Davenport é rico como o rei Midas, mas vai reclamar de cada centavo que tiver de gastar. Grita com quem trabalha com ele, então grite de volta só que mais alto. É um homem detalhista, então garanta que tudo seja feito com perfeição". — Ela não disse nada pessoal? — Não. Não falamos sobre a vida pessoal de nossos clientes, Robert. De qualquer forma, Marta estava mais interessada nela mesma. Olhe, qual o sentido desta conversa? Vai deixar que eu leve Sophie ao cinema de vez em quando? Vai deixar que eu telefone amanhã para desejar feliz Natal a ela? — Annalise sentiu as lágrimas aflorando. — Eu queria, mesmo, era ver quando ela abrisse os presentes... — Posso olhar de novo as fotos do seu bebê? Desconfiada, ela hesitou. — Por quê? — Vire-as e olhe atrás. — Annalise fez o que ele pedia. — Está vendo essas letras escritas a lápis? Projeto Revisoras 134


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— Ah, isso... — Annalise sorriu, triste. — Acho que foi Sophie. Eu não quis lhe contar, mas ela mexia todo tempo nas minhas coisas. Não estragou nada, só brincava com meus cosméticos, experimentou meus brincos... Achei a foto caída no corredor, lá em cima. Como ela não disse nada, também não falei. — Annalise, essa foto é de Sophie. Estava no fundo da sacola de fraldas quando ela nos foi entregue no hospital. Eu mesmo dei a foto a ela, depois que Nina morreu. E a recordação da história da vida dela. — Da vida de quem? Annalise não compreendia. Robert dissera que era a foto de Sophie, que ele dera a ela... Pediu-lhe que repetisse e ele contou que Sophie era adotada. Ele e Nina tinham ido buscá-la em Atlanta. Haviam lhes dito que a mãe de Sophie não a queria porque tinha um problema cardíaco, que a mãe era muito jovem e inexperiente para cuidar dela. Ela ficou olhando para o nada, com um imenso nó formando-se na garganta. Achou que não ia mais conseguir respirar. Por fim voltou-se para Robert, os olhos cheios de desconfiança. — Não! — gritou. — Não! Ergueu-se de súbito, derrubando a cadeira. De imediato Robert estava ao seu lado e abraçou-a. Teve a impressão de estar tentando conter uma tempestade. — Oh, Deus! Foi você! Foi você que roubou o meu bebê! Você conspirou com Rita, Luke e roubou minha filhinha! Uma escuridão a envolveu e ela sentiu o corpo muito pesado. A coisa seguinte de que teve consciência foi de estar de novo sentada na cadeira, com um copo de conhaque à sua frente. Também sentia o gosto da bebida, mas não se lembrava de ter bebido. — Tome mais um gole — Robert aproximou o copo de sua boca. Ela afastou-o. — Não — Annalise respirou fundo e olhou-o firme. — E mesmo verdade? — Creio que sim. Eu não roubei seu bebê, Annalise. Nunca conheci ninguém chamado Rita ou Luke. Os advogados cuidaram de tudo. Quero que me conte como aconteceu. Annalise o fez. Falou por vinte minutos sem interrupção e ele pôde avaliar o quanto ela sofrerá. — Se eu não tivesse assinado aquele maldito papel! Rita me disse que era uma formalidade para que o seguro cobrisse a operação da minha filha, para que ela tivesse o melhor tratamento possível, para que sobrevivesse. Então, uma tarde fui ao hospital e minha pequenina não estava mais. Chamaram a polícia e me levaram de lá... Depois de uma pausa e um suspiro profundo, Annalise prosseguiu: — Foi tudo culpa do maldito orgulho e mania de superioridade de Rita. Eu era ninguém e mãe solteira ainda por cima. Não servia para o filho dela! Livrou-se do bebê e esperava que eu não causasse problemas. Não queria que eu interferisse no futuro de Luke exigindo que ele sustentasse a filha, criando um escândalo. Ela não me conhecia: que eles fossem para o inferno, eu só queria a minha filha! Você sabia que processei Rita durante os últimos oito 135 Revisoras

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O Natal de Sophie

anos, tentando descobrir o que ela fez com minha filha? — Não... — Então, por que parou de me amar? Por que me mandou embora, Robert? — Vou responder a última pergunta primeiro. Quando vi as fotos e descobri quem você era, pensei que tinha vindo para roubar Sophie. Eu não podia deixar isso acontecer. Tinha que protegê-la. Foi só agora, com essa história das fotos, que percebi que você não sabia de nada. — Eu nem sabia que Sophie é adotada. Ela nunca me disse. Oh.. Há uma foto que você não viu, Annalise, é a melhor de todas, é de mim e eu a perdi. Preciso dela para lhe contar meu segredo mais importante. — Ela ia me contar quando achasse a foto. Robert, você tem mesmo certeza que Sophie é a minha filha? Ela tem uma cicatriz no peito? Nunca me deixou dar-lhe banho ou vê-la sem roupa. — Sim, ela tem uma cicatriz no peito, que a deixa envergonhada. — Minha pobrezinha! — Lágrimas desceram pelo rosto dela. Robert segurou-lhe a mão. — Annalise, não dá para desfazer o que aconteceu, mas podemos acertar as coisas. Pode levar tempo, mas acertaremos tudo. — Não é isso. É que sempre pensei... Não, eu sempre soube que reconheceria minha filha se a encontrasse e não reconheci. Eu não reconheci Sophie. — Claro que reconheceu. Talvez não as características físicas, mas deu-se bem imediatamente com ela. Você mesma me disse isso e foi o que me preocupou. Com gestos carinhosos, ele secou-lhe as lágrimas. — Vai contar a ela, Robert? — Isso pode esperar um pouco, não acha? Nós dois precisamos de tempo para nos adaptarmos. — Ele sorriu. — Uma vez, eu lhe disse que acreditava no destino, mas nunca imaginei que iria aprontar esta. — Tenho impressão de estar convalescendo de longa doença. Quero ver todas as fotos dela quando bebê, as fotos da escola... O olhar magoado de Annalise partiu o coração dele. Queria abraçá-la com força. — O aniversário dela! É o mesmo ou você o mudou? — Vinte e dois de maio. Annalise sorriu, o primeiro sorriso em muito tempo. — Oh, que bom! Estou feliz. Ele olhou para o relógio. — É meia-noite. Está na hora do Papai Noel chegar. — E eu aqui, segurando você. — Ela levantou-se e sentiu as pernas bambas. — Desculpe. — Não, eu é que estou segurando você... Pelo menos, espero. Agi como um idiota. Acha que pode esquecer que me considera pior do que o barro da sola do seu sapato? Annalise sentiu o coração acelerar. — Eu... acho que sim. Nunca fugi de nada só porque era difícil. Projeto Revisoras 136


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— E eu sou difícil? — Você é o pior cliente que já tive. Ele ficou surpreso e ela riu. — Quero você, Annalise. Quero você mais do que quis uma mulher em toda minha vida. Quero você agora e para sempre. Sophie a ama e não será feliz se você não ficar na vida dela. Nem eu. — Entendo. Você quer uma governanta. — Quero me casar com você, sua boba! — Não sei. Sempre pensei... Sempre esperei que quando me apaixonasse... Isto não é romântico. Ele sorriu e tomou-a nos braços. — Me dê dez minutos para colocar os presentes de Sophie sob a árvore e então vou lhe mostrar o que é romance! — Beijou-lhe a testa, o nariz, os olhos. — Mas se você não puder esperar... Annalise abraçou-o pela cintura, feliz com a força do amor dele, mas ainda chocada com o que soubera. — Quando vamos contar a Sophie? — Amanhã cedo, se você quiser. — Robert fitou os olhos dela. Ainda estavam úmidos, mas já não havia sinal da dor e tristeza que antes moravam neles. — Isso vai fazer com que ela nem ligue para os outros, presentes. — Você me deu o melhor presente que se pode dar a alguém — murmurou ela. — Devolveu meu coração cheio de felicidade... — De súbito, olhou para cima. — O que foi isso? — O que foi o quê? — Camundongos. Acho que temos camundongos novamente. Robert olhou-a e teve certeza que aquele era o rosto mais maravilhoso do mundo. Sorriu antes de beijá-la. — O que é tão engraçado? — quis saber Annalise. — Da próxima vez que Sophie tiver problemas com a Madre Superiora você é que vai cuidar do caso. Ela iria... como mãe de Sophie! A idéia a emocionou. Mas aquilo era futuro e isto o presente. Robert tocava-lhe o pescoço com os lábios e ela queria apenas o amor dele e amá-lo também. Quando, afinal, seus lábios se encontraram, o coração dela estava repleto de amor por ele. E por Sophie. Naquele momento, toda a dor e angústia que a tinham acompanhado por tanto tempo desapareceram, enquanto sentia o desejo dele crescendo. Robert recuou e viu felicidade nos olhos dela. Annalise estava em seu sangue para sempre e ele jurou que nunca a deixaria ir embora. Com gentileza, abraçou-a outra vez. — Feliz Natal, meu bem — murmurou. — Feliz Natal! — Sim — concordou ela. — Sim, é um feliz Natal.

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— Perfeito — murmurou Sophie enfiando-se na cama e puxando Nellie para si. — Quase nos pegaram desta vez, Nellie. Meu coração até parou quando Annalise olhou para cima e disse que tinha ouvido camundongos. Parecia que ela estava olhando direto nos meus olhos através da grade. Sophie colocou a mão sobre o coração. Batia como uma britadeira. — Você ouviu tudo, Nellie? Annalise é minha mãe. Minha mãe de verdade! Uma mulher má chamada Rita roubou-me dela e me deu para Nina e Robert. Mas eles não sabiam que eu era roubada ou teriam me devolvido. Annalise passou anos procurando por mim. Ela ficou tão triste porque me amava tanto! Eu sabia, Nellie. Eu sabia. Acho que Deus me contou. Não sei como, mas a Madre Superiora diz que Deus age de formas misteriosas. Oh, eu sei que a Madre Superiora está sempre dizendo que eu devo ser um mistério completo para Deus, mas isso é só quando ela está brava comigo. Oh, Nellie; estou tão feliz! Meus nervos estão por toda parte. Consegui tudo que queria de Natal. Consegui minha mãe de verdade. Esse não é o melhor presente de todos? Acho que eles vão nos contar amanhã, então teremos que fingir surpresa. Preciso chorar. Acho que é a coisa apropriada a fazer... Sophie escutou passos no corredor. — Nellie. Psiuuu! Eles estão vindo. Annalise entrou silenciosamente no quarto, com os sapatos na mão e Robert ao seu lado. A luz fraca da casa de bonecas, ela beijou Sophie na testa. — Eu sonhei muito com este momento — murmurou ela. Então abraçou Robert. — Obrigada! Depois, no corredor, ela sorriu-lhe suavemente: — Seu quarto ou o meu? — O nosso — disse ele, levando-a para lá.

Receita Uma das nossas bebidas favoritas nos feriados é Yellow Birds, um delicioso coquetel que velhos e jovens podem beber porque pode ser feito com ou sem álcool. Servido em copos de geléia ou de cristal, é um complemento maravilhoso para qualquer refeição ou para tomar acomodado diante da lareira. Yellow Birds 1 banana ½ xícara de abacaxi em lata com calda 450 ml de suco de laranja sem diluir 1 envelope de mistura instantânea para pina colada ou ½ lata de mistura de pina colada congelada 1 litro de club soda (opcional) ¼ de xícara de rum (opcional) 450 ml de champanhe (opcional) Projeto 138

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Amasse a banana e o abacaxi com a calda. Mexa bem. Acrescente o suco de laranja e a mistura para a pina colada. Mexa bem por um minuto. Acrescente a club soda. Mexa por alguns segundos. Pare aqui o coquetel sem รกlcool e sirva com gelo. Com รกlcool, coloque num misturador grande, acrescente o rum e o champanhe. Sirva com gelo e aproveite! Jackie Weger.

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