A BUSCA DA COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL

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A busca de Competitividade Empresarial através da Gestão Estratégica André Ribeiro Coutinho, Diretor da Symnetics, MBA pela Fundação Dom Cabral, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Reading e Bacharel em Economia pela UNICAMP

No início dos anos 90, as organizações passaram a incorporar a visão de processos nos negócios na busca pela qualidade, produtividade e eficiência gerencial. As idéias de Hammer de reengenharia e todo o movimento internacional pela qualidade total influenciaram e continuam influenciando fortemente os padrões da indústria. Alguns anos mais tarde, a própria tecnologia de informação passou a incorporar o conceito de processos de negócio nos chamados sistemas de gestão empresarial ERPs – Enterprise Resource Planning. Ao implementar os sistemas ERP, muitas organizações foram convidadas a refletir sobre o fluxo atividades que entrega valor ao cliente, a chamada cadeia de valor. Funções empresariais como suprimentos, logística, vendas, produção, engenharia, até então entendidas como atividades isoladas em “silos” do negócio, foram repensadas em fluxos lógicos e integrados, a exemplo do processo ‘Compras até Pagamento’, ‘Vendas até Recebimento’ e ‘Do Contato ao Contrato com Clientes’. No final dos anos 90, a Symnetics visitou diversas organizações industriais que haviam incorporado o conceito de qualidade, processos e sistemas de gestão. Primeiro perguntávamos qual teria sido o Retorno sobre o Investimento realizado em consultorias, softwares e certificações; Muitas empresas de fato haviam economizado custos operacionais, e sem dúvida, elevaram os padrões de qualidade de seus produtos e processos. A segunda pergunta era sobre competitividade: se tais investimentos haviam produzido diferenciação sustentável para os negócios, ou seja, se por trás dos projetos de reengenharia e dos investimentos em ISO 9000 teria havido um esforço gerencial deliberado de busca pela competitividade empresarial. Muitos executivos nos falavam de um certo “elo perdido, de um sentimento de algo que não haviam capturado neste período”. Afinal, nos perguntamos, qual a situação competitiva destas empresas após tantos anos de investimento na qualidade, processos e sistemas de gestão? Todos nós sabemos que em 15 anos (1990-2004) o mundo mudou, as tecnologias invadiram nosso dia-a-dia, o ciclo de vida de produtos encurtou e a velocidade dos acontecimentos triplicou. Em realidade, neste período de transição, as organizações despertaram para a necessidade de estratégia como questão de sobrevivência.“Estratégia nunca foi tão importante” foi o título de uma pesquisa da Fortune Magazine realizada recentemente por consultorias internacionais. As empresas e os empresários acordaram para uma questão fundamental da gestão que é o de empregar e administrar recursos financeiros e humanos limitados em situações e contextos de negócio ilimitados: “quando não se tem uma direção, qualquer caminho serve”, já dizia Lewis Carroll. Supondo, por exemplo, que uma empresa de produtos em um mercado competitivo fez a opção estratégica, após uma série de reflexões e análises, de se transformar em uma empresa de serviços. Os executivos e empresários deste negócio definiram em determinado momento: - Um prazo para realização desta visão (ex: 10 anos)


- Objetivos (ex: ser reconhecida no mercado pela excelência em serviços) - Indicadores (ex: pesquisa de imagem junto aos clientes) - Metas (ex: número 1 em market share de serviços) - Intervenções estratégicas (Projetos) -> reorientar os processos para serviços, com forte ênfase no processo de relacionamento com os clientes Ao desenhar a curva de ‘Criação de Valor’ deste negócio, não será difícil reconhecer que, durante 4 ou 5 anos, enquanto esta empresa implementa seus Projetos Estratégicos, haverá um boom de criatividade e inovação em seus processos, um período de caos necessário, e que talvez este seja uma fase de intensa lucratividade para os negócios. Este período pode coincidir também com a entrada de novos players realizando o mesmo tipo de movimento (sobretudo se esta for uma idéia original no mercado). Assim como no ciclo de produtos, em que o produto é lançado, faz sucesso, novos entrantes imitam o sucesso do concorrente, o mesmo podemos afirmar sobre o ciclo de vida dos processos: os processos são continuamente comparados e absorvidas pelas organizações através de práticas como o benchmarking. Assim, por 4 ou 5 anos, esta organização industrial de produtos realizou uma intervenção estratégia, reorientou seus negócios e processos e obteve ganhos substanciais (10, 20 ou talvez 30% ou mais nas receitas e 5, 10 ou 15% a menos nos custos). Após este período, lembrando que muitos concorrentes já participam da arena competitiva, seja pela aquisição, desenvolvimento ou cópia da tecnologia assimilada pela nossa empresa, faz-se necessário estabilizar e normatizar os processos. Por que este movimento? O número de clientes já é considerável, a escala de produção nos exige alguma padronização, necessitamos capturar sinergias nos negócios e melhorar nossa eficiência. Entramos na chamada fase de Gerenciamento da Rotina ou de melhoria contínua dos processos, onde os ganhos são incrementais (1-2% ao ano de incremento nas margens, 1-2% de otimização dos custos). Cabe destacar que a melhoria contínua é um dos fundamentos do movimento da qualidade total e produtividade através do chamado ciclo PDCA – Plan Do Control Act, onde as melhorias são incorporadas incrementalmente ano após ano em processos estáveis, normatizados e eficientes. Por vários anos, enquanto passamos de uma organização de produtos para uma organização de serviços, devemos conviver simultaneamente com a Gestão Estratégica, que tem como objetivo realizar ganhos substanciais através dos projetos estratégicos e uma Gestão Operacional (ou da rotina) dos processos, que tem como objetivo produzir melhorias incrementais e contínuas. Algumas empresas chamam este processo de gestão da multiplicidade - estratégica e operacional. O fato é que, antes mesmo de iniciar a fase de estabilização e normatização dos processos (após os 4 ou 5 anos de intervenção estratégica), possivelmente nossa empresa tenha que se reorientar estrategicamente. Isto porque por diversas razões, abriu-se uma janela de oportunidade e decidimos comprar nosso concorrente, o número 1 em fabricação de produtos e agora somos uma empresa de “soluções completas: produtos + serviços”. E o que fazer com nossos processos normatizados? E a melhoria contínua? A fase de


estabilização e normatização, nestes caso, pode ser mínima (talvez 1 ou 2 anos), quando será necessária uma nova intervenção estratégica. A curva de valor: estratégia, projetos e processos empresariais Nossa tese é de que quanto maior for a orientação estratégica de uma organização na busca pela competitividade, maior a intensidade de projetos (intervenções estratégicas) e menor a intensidade dos processos operacionais. Para exemplificar esta tese, utilizaremos a curva de valor apresentada por Kaplan e Norton no seu livro Mapas Estratégicos, para um mercado competitivo e 4 Movimentos Estratégicos – Excelência Operacional, Orientação ao Cliente, Inovação e Sustentabilidade. 1º Movimento) Excelência Operacional -> caracterizado pela padronização do fluxo físico e financeiro dos produtos e serviços, obsessão pela qualidade total, reengenharia, terceirização de funções não essenciais do negócio, automação das transações através dos sistemas de gestão ERP – Enterprise Resource Planning. O resultado deste movimento é qualidade, menor custo total e eficiência global do negócio. Processos típicos e alvos deste movimento são os processos industriais de produção, o processo de suprimentos, a logística e os processos administrativos/financeiros. Uma característica deste movimento é o de longa maturação, normatização e estabilização dos processos. As intervenções estratégicas que ocorreram anteriormente à etapa de estabilização da excelência operacional correm, na maioria das empresas, pela orientação estratégica de busca pela eficiência, qualidade e menor custo total das operações. 2º Movimento) Orientação ao cliente (ou gestão do cliente) -> caracterizado por uma sensibilidade maior das empresas à voz do cliente, num esforço de compreender as necessidades e requerimentos do clientes e propor produtos, serviços, soluções ou experiências que atendam ou superem as expectativas dos mesmos. Processos típicos e alvos deste movimento são os processos comerciais, de marketing, relacionamento, desenvolvimento de produtos, serviços e assistência técnica, pós-venda, logística e atendimento ao cliente. Uma característica deste movimento é o de uma maturação inferior dos processos, comparado à excelência operacional, uma vez que a segmentação e alvo estratégico dos clientes muda com o tempo, demandando sempre intervenções estratégicas novas e originais. Este movimento é movido pelo também conhecido Foco do Cliente (meu sucesso é o sucesso mensurado pelos indicadores de desempenho do cliente). 3º Movimento) Inovação -> neste movimento, a empresa antecipa-se a seus clientes, desenvolvendo e lançando produtos e serviços inéditos do ponto de vista tecnológico e funcional. São organizações que, mais do que ouvirem seus clientes, criam as necessidades e antecipam tendências. Logo após às primeiras intervenções estratégicas, empresas posicionadas neste movimento capturam um valor substancial, até que surjam produtos e serviços similares ou substitutos no mercado. Num segundo momento, estas mesmas empresas são levadas a reinventarem seu portfolio de produtos. De fato, a


sobrevida de normatização dos processos neste caso é menor e ocorre, sobretudo, nos processos de engenharia, marketing e pesquisa e desenvolvimento, uma vez que os ciclos de novos produtos e serviços vão provocando rupturas quase que automáticas nos processos de negócio. 4º Movimento) Sustentabilidade: ainda que poucas empresas conheçam e comprovem os benefícios deste movimento, muito se tem investido na chamada sustentabilidade – a busca por resultados sociais e ambientais, além do econômico (o chamado Triple Bottom Line), envolvendo todas as partes interessadas (stakeholders) do negócio – acionistas, comunidade, clientes, fornecedores, empregados e governo. Os processos de negócio influenciados por este movimento são: segurança, saúde, meio ambiente, regulatório, social, além do processo de governança e gestão do risco empresarial. Os ciclos de intervenções estratégicas e melhoria contínua dos processos deste movimento são ainda incertos. Figura 1 - A Curva de Valor e os 4 Movimentos Estratégicos Crescimento Sustentado do Valor Empresarial

1-2 anos Movimentos Estratégicos

3-5+ anos

2-3 anos

Estratégias de Excelência Operacional

Estratégias de Inovação de Produtos e Serviços

Estratégia de Gestão de Clientes

VALOR AGREGADO AO NEGÓCIO ($)

10+ anos Estratégias de Sustentabilidade

INOVAÇÃO

GESTÃO DE CLIENTES

EXCELÊNCIA OPERACIONAL

1

2

3

4

5

10

TEMPO (ANOS) Ciclos dos Intervenção Estratégica Ciclos de Estabilização ou Normatização dos Processos ou de Melhorias Incrementais e Contínuas

Observações: 1) Os ganhos substanciais acontecem durante a intervenção estratégica, sendo que após a estabilização dos processos em rotinas, os ganhos passam de substanciais a incrementais. 2) Curiosamente, os 4 Movimentos poderão ocorrer simultaneamente nas empresas, sobretudo naquelas organizações que passaram muitos anos sem uma consciência ou diretriz estratégica e torna-se necessário, por uma questão de sobrevivência, queimar etapas no curto e médio prazo. Ciclos de melhoria contínua são resultado de interevenções estratégicas passadas.


3) Além disso, a gestão estratégica (quando se buscam ganhos substanciais pela diferenciação) convive simultaneamente por vários períodos com a gestão operacional de processos (quando se obtém melhoria incremental e contínua), a chamada gestão da multiplicidade.

Nos perguntamos também o que ocorre em situações de mercado pouco competitivas ou de mercado artificialmente construídos, típicas do monopólio e do oligopólio. Tratam-se de situações condicionadas e, que de certa forma, favorecem a ausência de estratégia devido: - a preços dos produtos e serviços regulados - a condições de fornecimento (matéria-prima) privilegiadas - ao controle de importação ou fabricação de produtos similares ou substitutos - pela distribuição controlada pelo fornecedor - por outras distorções de mercado. Neste caso, tomamos como exemplo a Excelência Operacional, Este movimento competitivo em empresas monopolistas/oligopolistas pode ser sustentável no longo prazo, uma vez que os demais movimentos da concorrência - orientação ao cliente, inovação de produtos e serviços ou sustentabilidade - são inibidos pelos condicionantes de mercado. Porter, em seu artigo ‘O que é estratégia’, chega a destacar que Excelência Operacional não é estratégia, já que estratégia é diferenciação em situações competitivas, o que nos leva ao limite de afirmar que empresas monopolistas e oligopolistas poderiam abrir mão de uma estratégia para sobreviver. Qual seria, portanto, a motivação dos empresários e executivos a realizarem e implementaram planos estratégicos nesta condição? Um método comprovado para gerenciar a curva de valor – o PDCA da estratégia Há 12 anos era criado pelos Professores Kaplan e Norton o Balanced Scorecard (BSC), método e instrumento de gestão estratégica, atualmente difundido em diversas organizações internacionais líderes. Atualmente, pode-se afirmar que o BSC inovou no desenvolvimento de um processo de gerenciamento da estratégia – o PDCA da estratégia ou aprendizado estratégico. A aplicação da metodologia BSC, segundo pesquisas recentes, demonstram a consolidação de Organizações Orientadas (ou focadas) pela Estratégia a partir de 5 princípios fundamentais: - Mobilizar a liderança: participação ativa e visível da equipe executiva. Orientar uma organização à estratégia deve ser encarado como um processo de mudança cultural. Inicialmente, os líderes devem mobilizar a organização a fim de criar o momento adequado para iniciar o processo. O emprego da persistência e do senso comum deve motivar as pessoas em torno da estratégia. - Traduzir a Estratégia: descrever a estratégia, alcançar a clareza da estratégia através de mapas estratégicos, indicadores, metas e projetos para que todas as pessoas possam compreendê-la. Possuir um processo de implementação e gestão da estratégia.


- Alinhar a Organização e os Processos à Estratégia: o desdobramento da estratégia para a organização (unidades de negócio e de suporte), o alinhamento dos processos à estratégia através dos fatores críticos de sucesso e até mesmo para além fronteiras da organização (joint ventures, fornecedores e parceiros), - Motivar e fazer da Estratégia em Tarefa de Todos: educar, conscientizar e reforçar comportamentos das pessoas na direção da estratégia. - Fazer da Estratégia um Processo Contínuo: a gestão estratégica depende da capacidade da organização de revisar e ajustar continuamente suas hipóteses e projetos estratégicos. Avaliar o avanço na implementação da estratégia e incorporar estratégias emergentes e mudanças ambientais é fundamental neste processo. O sistema deve enfatizar o diálogo e a responsabilidade compartilhada da equipe executiva. Figura 2 - A curva de valor e a Organização Focada na Estratégia

VALOR AGREGADO AO NEGÓCIO ($)

5 4 2

1 1

3

2

3

4

5

10

TEMPO (ANOS) Ciclo dos Intervenção Estratégica Ciclo de Estabilização ou Normatização dos Processos ou de Melhorias Incrementais e Contínuas

1.

Mobilização da Liderança

2.

Tradução da Estratégia

3.

Fazer da Estratégia um Processo Contínuo

4.

Alinhando a Organização e Processos à Estratégia

5.

Motivar - Estratégia como Tarefa de Todos

Competitividade e estratégia empresarial: ser o melhor por fazer diferente Em suma, - Na evolução das organizações, os ciclos de intervenção estratégica são fruto da realização do planejamento estratégico e representam um período que deverá produzir ganhos substanciais ao negócio pela diferenciação; já, o ciclo operacional de normatização dos processos representa um período de melhorias incrementais e contínuas do negócio. - Desta forma, quanto maior for a orientação estratégica das organizações, maior o grau de intervenções estratégicas (projetos) e menor a intensidade dos processos.


- O conceito de qualidade, processos e eficiência aplica-se, sobretudo, ao ciclo operacional de melhorias incrementais e contínuas. - As organizações do mercado competitivo passam por diversos movimentos estratégicos (ex: excelência operacional, orientação ao cliente, inovação e sustentabilidade); Em geral, períodos de intervenções estratégicas convivem com melhorias contínuas de intervenções passadas, a chamada gestão da multiplicidade – estratégica e operacional. - Nos monopólios e oligopólios, um único movimento estratégico pode durar vários anos, ou seja, as empresas monopolistas e oligopolistas poderão persistir por um período longo na melhoria contínua de processos, fruto de intervenções estratégicas passadas. Neste sentido, questiona-se qual a motivação estratégica de empresas nesta condição. - O Balanced Scorecard pode ser um método eficaz na gestão estratégica dos períodos de intervenção estratégica, possibilitando que a organização seja orientada pela estratégia. Além disso, fornece visibilidade sobre velocidade e prioridade na implementação da estratégia, além de sinalizar a necessidade de normatização dos processos. Finalmente, concluímos que a busca pela competitividade empresarial pressupõe a consciência estratégia de empresários, executivos e políticos de querer ser o melhor por fazer diferente. Isto vale para o setor privado lucrativo, para o setor público e para as organizações do terceiro setor. Mover-se na direção de ações estratégias na busca de diferenciação sustentável demanda coragem e empenho das lideranças. Bibliografia: •

Cowley, Michael, “Beyond Strategic Vision, Effective Corporate Action With Hoshin Planning”, Butterworth-Heinemann, 1997

Hammer, Michael and Champy, “Reengineering the Corporation”, PerfectBound, 2004

Kaplan and Norton, “The Strategy-Focused Organization: How Balanced Scorecard Companies Thrive in the New Business Environment”, Harvard Business School Press, 2000.

Kaplan and Norton, “Strategy Maps: Converting Intangible Assets into Tangible Outcomes”, Harvard Business School Press, 2004.

Porter, Michael, “What is Strategy”, Harvard Business School Press, February 2000


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