Último ato
JL
Ano XXXII . Número 1101 . de 12 a 25 de dezembro 2012 . Portugal (conte.) €2,80 . Quinzerário . Diretor José Carlos de Vasconcelos
JORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS
Joaquim Benite 1943-2012
As inéditas notas do diretor do teatro de almada sobre Timão de Antenas, de Shakespere, que estreia no dia 20 Evocação da vida e obra do encenador, com os testemunhos de quem com ele trabalhou, por Maria Leonor Nunes * Textos de Filomena Oliveira/ Miguel Real e Vitor Gonçalves. Paginas 6 a 10
Guimarães 2012 O que continua e o que fica da CEC Paginas 1 a 23
Sena e ramos Rosa Cartas de poetas Paginas 14 a 15
JL / Educação * Camões* Agenda Cultural
OSCAR NIEMEYER . a morte do génio das curvas eternas
Paginas 11 a 13
As humanidades, o fado e a arquitectura marcam forte presença na programação do CCB para 2013. São as grandes novidades numa em que se pretende inovar, sem perder de vista o que já foi feito. O JL falou com Vasco Graça Moura. JL: Quais foram as suas maiores preocupações a criar a grelha de programação de 2013 para o CCB? Vasco Graça Moura: A grelha não é apenas da minha responsabilidade, é um trabalho de grupo. Uma das preocupações é manter uma linha de continuidade. Há aspectos emblemáticos na actividade do CCB, que se devem manter, sobretudo na música, dança e teatro. Ao mesmo tempo, tentamos encontrar uma programação complementar, que mantenha uma linha consistente. Por exemplo, não só há uma temporada ligada à música, com vários tipos de repertório, como criamos um programa para jovens intérpretes, chamado “Bom Dia Música”. O fado parece ser mesmo uma das grandes apostas, com o ciclo “Há Fado no Cais”. É fruto de um protocolo com o Museu do Fado e a EGEAC. Além de concertos dados por grandes fadistas e alguns em princípio de carreira, temos um ciclo sobre a história do fado, coordenado por Rui Vieira Nery, e um outro, sobre a escrita de letras de fados, por Fernando Pinto do Amaral.
“Transformar a fraqueza financeira em força cultural”
Os Demonios, de Dostoeiévski, é o ponto de partida da nova criação da companhia Mala Voadora, que sobe ao palco do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa, de 13 a 16 de dezembro. Um espectáculo “em torno de uma Comunidade, sobre aquilo que é Comum, e evoca o contexto cultural em que surgiu o Comunismo”, Revelação tem direção de Jorge Andrade, interpretações de, entre outros, Anabela Almeida, Cláudia Gaiolas e Miguel Fragata, e cenografia de José Capela. A 13 e 14, o Jardim de Inverno da sala lisboeta acolhe outro espectáculo do Temps d’Images: a performance Tempus Fugit, de Sónia Baptista e Cláudia Varejão.
CARTA AOS ATORES NO TEATRO DA POLITECNICA
CCB de artes e letras
Ler é Mágico é o mote do Festival do Livro, a decorrer no edifício AXA, na Avenida dos Aliados, no Porto, de 14 a 16 de dezembro. Além de uma feira do livro e do artesanato, o certame, coorganizado pela Culture Print e a Câmara Municipal, inclui ciclos de cinema dos quais se destaca a sessão de curtas ‘Tudo Isto é Fado’ (a 12, às 21 e 30) -, leituras de contos e de poesia, concertos, oficinas, peças de teatro, lançamentos de livros, e tertúlias. Entre outras, a tertúlia ‘Literatura, Política e Cidadania’, com António Veríssimo, Luís Isidro, Susana Campos, Carlos Vinagre, Bernardino Guimarães e Paulo Esperança.
TE M P S D’ I M AG E S N O SÃO LU I Z
Vasco Graça Moura
Histórias de Taipei é o título do ciclo dedicado ao cinema chines Edward Yang (19472007), a decorrer na Culturgest, em Lisboa, de 13 a 16 de Dezembro. O programa, comissário por Augusto M. Seabra, conta com os filmes In Our Time / Expectation (1982), Taipei Story (1985) a 13, às 21 e 20; The Terrorizers (1986), a 14, às 21 e 30; A Brighter Summer Day (1991), a 15, às 15; e Mahjong (1996), a 16, às 18 e 30. Yang “foi certamente o mais ‘ ocidentalizado’ dos realizadores de Taiwan, mas foi também, como poucos outros, o cineasta de uma cidade, Taipei. E foi um dos grandes cineastas das últimas duas dácadas do século XX”, refere o comissário.
FESTIVAL DO LIVRO NO PORTO
BREVE ENCONTRO
2 EDWARD YANG NA CULTURGEST
Destaque
“Será preciso que um dia um ator entregue o seu corpo vivo à medicina, que seja aberto, que se saiba enfim o que acontece lá dentro, quando está a atuar. Que se saiba como é feito, o outro corpo. Porque o ator atua com um corpo que não o seu”. Eis um fragmento de Carta aos Atore, de Valère Novarina, uma reflexão sobre a arte do ator e o sentido do teatro, escrita em 1973, de que o encenador Jorge Silva Melo faz a leitura integral, a 20 e 21 de dezembro, às 19, no Teatro da Politécnica, em Lisboa. A sessão é de entrada livre mediante reservas.
E as artes visuais? A grande novidade, sobre a qual poderia falar melhor a Dalila Rodrigues, é a abertura de uma nova galeria dedicada preferencialmente a exposições de arquitectura. A primeira, que já está patente, é dedicada ao Nuno Portas. Seguem-se muito outras. Além das Artes, a programação de 2013 será rica em letras. Acrescentámos um ciclo dedicado às humanidades, no plano da Literatura, a História, o testro português. Há dias dedicados a Ruy Belo, António José Saraiva, António Lobo Antunes, Carlos Queiróz. Em 2014 seguir-se-ão outros nomes. Há também um ciclo dedicado à grande poesia brasileira do século XX, coordenado por Arnaldo Saraiva. Esperemos que a partir daqui se criem pistas de diálogo sobre estas temáticas. E mais alguma surpresa? Entre finais de 2013 e princípios de 2014, queremos consagrar uma iniciativa à necessidade de reabilitar as humanidades no ensino secundário e superior. Temos um documento de trabalho mágnifico, da autoria de Vitor Aguiar e Silva. Já contactamos todas as faculdades e departamentos de letras. Ainda não sabemos se o figurino será um encontro, um congresso ou um festival. Estamos em contacto também com o governo e é conhecida a importância da iniciativa. É possível despertar os espíritos e os interesses. Em geral, há uma predominância de produções portuguesas? Nós temos todo o interesse em promover a cultura portuguesa. Mas, por outro lado, como atravessamos uma fase de construção económica, é evidente que sai mais barato recrutar artistas portugueses. Por isso, vamos tentar transformar a nossa franqueza financeira numa força cultural. Teremos menos estrelas internacionais, mas tal não afectará a qualidade. JL MANUEL HALPERN
Vai acontecer
Há muitas razões para uma pessoa querer ser bonita Estreia de no Teatro Alberto Entre o ser e o parecer, uma peça do dramaturgo Neil LaBute para reflectir sobre as razões da beleza, das aparências e das ciências. Chama-se justamente Há muitas razões para uma pessoa querer ser bonita e estreia a 21, no Teatro Alberto, em Lisboa. A encenação é de Joao Lourenço, que também assina a realização vídeo e a versão
dramatúrgica com Vera San Payo de Lemos. A interpretação é de Ana Guiomar, Jorge Corrula, Sara Prata e Tomás Alves. Os cenários são de António Casimiro e os figurinos de Dino Alves. Está em cena de 4ª a sáb., às 21 e 30, dom. às 16, na Sala Azul.
JL |
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jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
Vencedores do cinema
EDITORIAL
JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS
Duas figuras
Muitas vezes acontece isto no jornalismo: tem-se uma edição preparada, até com uma capa já feita, e os acontecimentos obrigam a mudá-la, de forma profunda. Mais habitual nos diários e na imprensa generalista, também acontece numa publicação como o JL. Antes de mais porque é “jornal”, com tudo que isso pressupõe e significa. Em geral são tristes, sobretudo a morte de alguém. Foi o que sucedeu agora, em ‘dose dupla’, com o desaparecimento de Joaquim Benite e Oscar Niemeyer. Niemeryer, um génio da arquitetura e uma grande figura humana, criador de uma cidade, “capital do futuro”, em que se fala português – e ele próprio neto de portugueses. Com uma extraordinária obra espalhada pelo mundo, plena de inventiva e fantástica beleza, dedicamos-lhe ao longo dos anos, muitas matérias, de que destacamos os temas, que foram capas, publicados pouco depois de completar 90 anos (nº 714,de 25/2/1998) e quando chegou aos 100 (nº 970,de 5/12/2007). Neste último, sublinhava aqui a circunstância rara, com paralelo no nosso Manoel de Oliveira, de se festejar o seu centenário continuando ele em plena actividade criadora e profissional. Inclusive indo, com regularidade, ao seu atelier em
A Última Vez que vi Macau, a
foi o vencedor do prémio de
foi para o Canadá, com Les
mais recente longa-metragem
revelação; A Mão que Afaga,
Grands Alleur et le petit
de João Pedro Rodrigues e
de Gabriela Amaral Almeida,
ici, de Michèle Lemieux.
João Rui Guerra da Mata,
do prémio especial do júri,
Entre os outros palmarés,
foi o filme vencedor da 16.ª
que atribuiu ainda duas men-
destaca-se o António, para
edição do Festival Luso –
ções honrosas:por Lullaby,
Outro homem Qualquer, de
Brasileiro de Santa Maria da
e a Maya Darin, por Versão
Luis Soares; Cineasta, para
Feira (que decorreu de 2 a 9
Francesa, também distinguido
Branco, de Raquel Felguei-
dezembro). Joao rui Guerra
Onda Curta. O Facínora, de
ras; e Filme Publicitário, A
recebeu ainda o prémio de
Paulo abreu, recebeu ainda
Energia na Terra chega para
melhor curta-metragem, com
o prémio dos cineclubes. No
Todos, de José Miguel Ribei-
O Que Arde Cura. O certame,
Córtex – Festival de Curtas-
ro. No Lisbon & Estoril Film
promovido pelo Cineclube da
-Metragens de Sintra (de 28
Festival, L’Intervallo, de
Feira, atribuiu os calardoes
de novembro a 2 de dezembro),
O Juri, composto por Alfred
de melhor atriz à brasilei-
que este ano homenageou o
Brendel, Fanny Ardant, pre-
ra Cristiana Ubach, pelo seu
realizador António campos,
miou Melvil Poupaud pela sua
des jnempenho de Boa Sorte,
foram distinguidos os filmes
interpretação em Laurence
meu Amor, de Daniel Ara-
Noite, de Flávio Pires, com
Anyways, de Xavier Dolan, e
gão, e de melhor ator a Joao
o prémio de melhor curta na-
Student e Djeca receberam
rui Guerra da Mata, por A
cional pelo júri; Nada Fazi,
o prémio especial do júri
ultima Vez que vi Macau. O
de Filipa Reis e João Miller
Joao Bénard da Costa. O filme
filme Sudoeste, do brasileiro
Guerra, com o prémio do
colectivo Winter, Go Away!
Eduardo Nunes, foi outro dos
publico; e Blu, de Contan-
Foi eleito o melhor primeira
grandes vencedores, arreca-
tim Nicolae Tanase, eleita
obra, e Rengaine, de Ranchid
dando os palmarés do júri,
a melhor curta internacional
Djaidani, recebeu o premio
da critica e do publico.
pelo júri.
Cineuropa. JL
Ainda na longa metragens em
Por lapso, não saíu no ul-
competição, Cama de Gato,
timo numero do JL a notícia,
de filipa Reis e João Miller
já escrita, dos palmarés
Guerra, foi distinguido com
do Cinanima e do Lisbon &
o prémio revelação. Boa Sor-
Estoril Film Festival, pelo
te, Meu Amor, recebeu ainda
que agora os publicamos. Um
o prémio dos Cineclubes.
dos mais importantes festi-
A Última vez que vi Macau
Nas curtas, Filme para Poeta
vais europeus de cinema de
Filme vencedor do Luso-Brasileiro
Cego, de Gustavo vinagre,
animação, o grande prémio
Copacabana, frente ao mar e ao banco onde está agora, em pedra, o seu amigo Carlos Drummond de Andrade. Por aí com a mágoa de já não lhe poder bater à porta e recordando a sua simpatia substantiva, ou derrame, em especial o encontro e a conversa (e o almoço…) que ‘contei’ naquela edição de 1998. Edição para a qual até teve a generosidade de escrever “Aos meus amigos de Portugal”, uma espécie de longa carta autobiográfica em que falava de si, do seu percurso e da sua obra.
“Niemeyer, um génio da arquitetura e uma grande figura humana; Benite, uma obra das mais relevantes do teatro em Portugal Seja como for, bem gostaríamos de neste JL falar mais do arquitecto que desenhou e edificou curvas eterna. Impossivel, por falta de espaço até porque queríamos dar, como damos, o devido destaque a tudo que conseguiu fazer no teatro português, e em particular no Teatro de Almada, o Joaquim Benite fazer inclusive um Festival Internacional que conquistou dimensão e prestágio europeus. Benite cuja morte prematura ocorreu em vésperas de estrear (no próximo dia 20) a sua ultima encenação, Timão de Até nas de William Shakespear. Já estava previsto uma conversa
com o encenador, que infelizmente já não se pode realizar. E, como a vários títulos se impunha, a matéria passou a ser outra e muito mais larga. Conheci o Benite quando teria 20 e poucos anos, já jornalista, trabalhamos ambos no Diário de Lisboa, onde fiz critica de teatro e conheci a sua paixão pelo teatro. Se bem me recordo, o início da atividade do grupo, ou de levar à cena a primeira peça, teve alguns adiamentos, o que levou a haver quem desconfiasse da capacidade de
realização do seu diretor. Pois essa capacidade foi-se impondo cada vez ‘melhor’, e a obra que o Benite deixa é mais relevantes das últimas décadas em Portugal. PS Acabar com o Câmara Clara, que a Paulo Moura Pinheiro faz tão bem, e é o melhor programa do género da televisão portuguesa. É uma vez mais negar o serviço público; e mostra a cegueira e/ou os interesses, em vários sentidos, de quem manda numa RTP a caminhar para o precipício…JL
Fado na INCM
Fernando Lopes e filmes portugueses em livro
O musicólogo Rui Vieira Nery é o denominador comum da colecção que a Imprensa Nacional/Casa da Moeda dedica ao fado. De início são editados quatro volumes. Para uma História do Fado, o mais completo livro sobre o assunto alguma vez editado em Portugal, tem uma edição, revista e aumentada pelo autor. Para o público estrangeiro, saiu A History of Portuguese Fado,mas antes uma adaptação, com o cuidado de explicar conceito, que muitas vezes subiste, de que o fado é de ‘direita’.O livro, que temporalmente se situa no início do século XX, está dividido em três secções: ‘O Fado e o Ideal republicano’, ‘O fado e o Movimento Operário’e a Grande Guerra’. Finalmente, foi reeditado o clássico, de 1937, Ídolos do Fado, de A. Victor Machado. Um dos mais importantes registos sobre o fado nos anos 30, que sai em edição fac-similada, com uma longa introdução explicativa do próprio Rui Vieira Nery. JL
Dicionário do Cinema Português 18951961 e Fernando Lopes, Um Rapaz de Lisboa, dois livros do crítico e estudioso de cinema Jorge Ramos. O primeiro, editado pela Caminho, é uma obra de referência, com entradas para todas as longas metragens e grande parte das médias e curtas dos primeiros 56 anos do cinema em Portugal. Podem encontrar-se não só os títulos dos filmes, como realizadores, atores e técnicos. Em Fernando Lopes, Um Rapaz de Lisboa, numa edição conjunta Sociedade Portuguesa de Autores e Imprensa Nacional Casa da Moeda, faz uma homenagem ao realizador falecido este ano. De forma sintética e fluida, Leitão Ramos percorre, por capítulos, a vida e a obra do autor de Belarmino, sempre com muitas imagens a acompanhar. É um olhar muito completo, passando pela infância, a criação da revista Cinéfilo, o Cinema Novo, o parêntesis televisivo, a sua curta experiência como ator e a filmografia completa, de Belarmino a Em Câmara Lenta. JL
Destaque Breves
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LeYa lança ‘Escrytos’ O grupo editorial LeYa acaba de lançar Escrytos, uma plataforma
permite a
qualquer um a autoplicação de livros e textos originais em formato digital, e a
CONCERTO PARA JOSÉ SARAMAGO, por ocasião dos 90 anos do seu nascimento às 18 e 30,no Salão Nobre do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (R.do Jardim do Tabaco, 34). Interpretações de Ana Tomás (soprano), Tiago Oliveira (tenor), Duarte Martins (piano) e Philippe Marques (piano) PESSOA E AUTOREFLEXIVIDADE, colóquio internacional na Universidade de Évora, a 12,13 de dezembro.Com Paula Morão, Rosa Maria Martelo,Ida Alves,António Carlos Cortez, Fernando J.B. Martinho, Gastão Cruz, entre outros. TITO PARIS Alma de Artista, fotobiografia e documentário sobre o músico cabo-verdiano, que comemora 30 anos de carreira, lançada amanhã, quinta-feira,13 no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa. A obra será também lançada em Cabo Verde, a 19 de dezembro, em São Vicente, na Academia Jotamont, e a 20, em Santiago, no Hotel Praia Mar. A FONTE DAS PALAVRAS, exposição de Maria João Worm, inaugura amanhã, quinta-feira, 13, às 18 e 30, na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais. POESIA DE SEGUNDA categoria, curtametragem de Luís Santo Vaz, exibida a 13, pelas 18 e 30,na Casa Fernando Pessoa.
comercialização em lojas online de todo o mundo. A publicação é gratuita, sendo apenas necessário que o autor tenha o texto em formato Word e efetue o registo no sítio (www.escrytos.com). Em comunicado, a editora explica: “Esta plataforma vai ao encontro daquela que tem sido a sua estratégia no contexto da estimulação da criatividade editorial e até mesmo no da procura de novos talentos de língua portuguesa”. Na Escrytos, o autor tem acesso ao software de conversão do formato word em ePub, ou seja, num ebook, e pode criar a capa do livro, escolher imagens, cores, formatos, fontes gráficas, entre outros elementos,
de edição e revisão de texto, e de promoção (como a criação de press releases e booktrailers).
Conferência de Miguel Wandschneider
Vasco Palmeirim. A receita dos bilhetes reverte a favor da Amnistia.
Êxito de tabu em França Em cinco dias de exibição nas salas francesas, Tabu, de Miguel Gomes, fez
O curador e programador da Culturgest
mais de 27 mil espectadores, com sessões
Miguel Wandschneider apresenta amanhã,
esgotadas no fim-de-semana, situando-se no
quinta-feira, 13, às 18,30h, a conferência
15º lugar, no top 20 de França. O filme está
Copo Meio cheio, copo meio vazio, na
em exibição em 42 cidades, em Paris com seis
Sala Multiusos da Faculdade de Ciências
cópias, somando-se o sucesso de bilheteira
Sociais e Humanas, da Universidade Nova de
ao entusiasmo com que foi acolhido pela
Lisboa. A comunicação, que irá focar a sua
crítica. Vai estrear ainda na Alemanha, a
experiência pessoal no domínio da curadoria
20, em 28 salas. Entretanto, Tabu integra a
e da programação de exposições, abordando
lista dos melhores filmes de 2012 (no segundo
as questões da difusão e divulgação da
lugar) da revista inglesa Sight & Sound.
arte contemporânea, integra-se no ciclo Mediações, uma iniciativa do Instituto de História de arte daquela faculdade.
Papiano Carlos (1918-2012) Estreou-se em 1942, com um livro de poemas, em 46 publicou outro, com capa de Júlio
através de um programa próprio, bem como
Concerto solidário
criar o código ISBN, obrigatório para todas
Aurea, Deolinda e David Fonseca são alguns
outras obras, em particular dedicadas
as publicações. Terminado o processo de
dos músicos que sobem ao palco do Teatro do
à infância e à juventude, sendo a mais
publicação e defenido, pelo autor, o preço
Tivoli, em Lisboa, hoje, 12, às 21 e 30,
conhecida A Menina Gotinha de Água, de 1963,
do livro digital, o mesmo fica disponível
para o concerto ‘ Live Freedom’. Promovido
que tem tido sucessivas edições. Comunista,
em lojas online parceiras do projeto
pela Amnistia Internacional, o espetáculo
lutou contra a ditadura, foi três vezes
(Almedina, Amazon, Fnac.pt, Wook, Kobo,
tem como objetivo chamar a atenção do
preso pela polícia política, colaborou
entre outras). A plataforma disponibiliza,
público para os direitos humanos e para o
em jornais e revistas - como a Vértice,
ainda, um conjunto de serviços pagos, com
trabalho desenvolvido pela organização, e
a Seara Nova - e nos cadernos de poesia
a solicitação de um parecer editorial (uma
conta ainda com a participação da equipa das
Notícias de Bloqueio, de que foi mesmo um
avaliação prévia da qualidade dos textos,
manhãs da rádio Comercial: Pedro Ribeiro,
dos diretores, com outros integrantes da
Ricardo Araújo Pereira, Vanda Miranda e
chamada segunda geração neorrealista, como
sobretudo de poesia e ficção), serviços
Pomar, e a partir daí deu a lume muitas
Egito Gonçalves, Luis Veiga
Leitão e Daniel
Filipe. Falamos de Papiniano Carlos, nascido em Moçambique mas desde cedo radicado no
O fim do programa Câmara Clara
Porto, onde estudou Engenharia e Ciências Geofísicas, trabalhou e viveu até morrer, no passado dia 5, com 94 anos. Militante político e cultural, foi da direção do Teatro Experimental do Porto (TEP), E EM 2009 foi-lhe atribuída a Medalha de ouro da cidade. O seu último título,A Viagem de Alexandra, para crianças, ilustrado por
QUEM VIAJA PARA ALÉM da curva assume o risco de tocar a realidade, exposição que inaugura a 14, pelas 18, na Casa Museu Abel Salazar, em S. Mamede Infesta.
Manuela Bacelar, saiu em 1989, e teve uma reedição em 2008.
JL, erro técnico Na nossa última edição, devido a um erro
MEMÓRIAS DO PORTUGAL FUTURO, lançamento da serie documental com a presença de Mário Soares,a 14, às 19 e 30, no cinema São Jorge.
técnico de paginação, na p.3, ao alto, onde deveria ter saído a notícia dos Festivais de Cinema Cortex a que se reportava
a imagem,
que saiu, de um filme de António Campos LusoBrasileiro de Santa Maria da Feira, apareceu
PINTURA E MÚSICA na poesia de Camilo Pessanha, encontro com a historiadora de arte e musicóloga Barbara Aniello, a 16, às 16, no espaço Prova de Artista, em Lisboa (R. Tomás Ribeiro, 115). Moderação de Maria Teresa Dias Furtado.
a notícia “O livro objeto de conversas
em Lisboa”. Notícia repetida aliás, mais curta, na mesma página. Pelo facto pedimos desculpa aos nossos leitores. Paula Moura Pinheiro “Orgulho-me do serviço que prestámos”
MOSTRIN, Mostra de Teattro para a Infância e Juventude, até 16 de dezembro, no Auditório de Alfornelos(Praça José Afonso 15) Sessões sempre às 16. OFICINAS DE NATAL para crianças dos 7 aos 12 anos, no Museu doo Oriente. Entre dias 17 e 21 e 26 e 28 de desembro. Cinema e exposições unem-se para uma quadra multicultural.
Câmara Clara, o diário Cultural da
privilégio
da literatura à arquitectura.” Entretanto,
autoria de Paula Moura Pinheiro, na RTP2, vai
trabalhar sobre as obras das muitas cen
decorre uma petição pública de telespetadores
terminar no final do ano. O anúncio foi feito
tenas de criadores, artistas e
pela manutenção do programa. Pode ler-
em comunicação pela jornalista que também é
investigadores de que a Câmara Clara se
se:”Mais do que um programa de divulgação
subdiretora
ocupou ao longo dos últimos seis anos e
cultural, o programa Câmara reflexão, debate
POESIA E REVOLUÇÃO, tema do último número da revista Relâmpago, lançado a 18, pelas 18 e 30,na Casa Fernando Pessoa. Apresentação de Fernando J.B. Martinho e Luís Quintais.
daquele canal. Explicou que a decisão lhe
meio”. E acrescenta Um serviço que é uma das
e procura de convergências, colocando-
havia sido comunicada, em junho
faces, em meu entender
nos a nós espetadoresperante nós mesmos,
deste ano, por Jorge Wemans, que na
inegociável, do serviço público de
perante o outro, pelo universo criativo
altura era diretor da RTP2. O
televisão”. Que espaço e que
que herdamos, que partilhamos, em que nos
programa era exibido, de segunda a sexta, num
visibilidade reserva o serviço
movemos.” Juntamente com o Câmara Clara,
formato mais curto e, aos domingos, em
público de televisão à cobertura de uma das
também terminou o programa de divulgação
INTERIORES: 100 anos de Arquitectura em Portugal, exposição que inaugura a 21 de dezembro, pelas 19 horas, no MUDE, Museu do Design e da Moda de Lisboa. Comissariado por Pedro Gadanho.
formato longo. Contactado pelo JL, Paula
áreas nevrálgicas do
musical Top Mais, apresentado por Francisco
Moura Pinheiro não quis prestar quaisquer
desenvolvimento do país: a inovação nas
e Isabel Figueira. Era o programa mais antigo
declarações, remetendo para o comunicado, em
artes e nas ideias e a conservação do nosso
da televisão pública, a seguir ao Telejornal,
que aforma: “Foi, para mim, um enorme
extenso e precioso património cultural-
com 20 anos de existência.
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jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
tudo isto é fado
São os quatro primeiros livros de coleção
Pretende, na generalidade e em tópicos especificos, historiar a riquissima tradiçcao e patrimonio do fado e recuperar algumas das suas ediçoes clássicas. Para uma hitória do fado, e asua tradição inglesa a HITÓRIA OF PORTUGUESE FADO, da autoroa do hitóriador e crítico Rui Vieira Nery, oference-nos uma completa e bem, documentada história do Fado, das suas raízes oitocentistas às vozes que asseguram a sua constante renovação. FADOS PARA A REPÚBLICA, do mesmo autor, retrata a curiosa ligação do Fado ás transformações políticas e sociais mais radicais, como foi o caso da I república. Por último, ÍDOLOS DO FADO, edição fac-símile de um clássico de 1937, de A. Victor Machado. Ediçãoes da IMPRESA NACIONAL- CASA DA MOEDA.
Destaque
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Último ato
Um dos nomes mais destacados do teatro portuguÊs do século XX, que fundou e dirigiu a Companhia e o Festival de Teatro de Almada, morreu no passado dia 5. Mas a 20, no Teatro Azul, estreia a sua última encenação: Timão de Atenas, de Shakespeare, pela primeira vez representado no nosso país. O JL evoca o encenador, com testemunhos de muitos que com ele trabalharam, revela as suas últimas notas, recolhidas pelo seu assistente, Rodrigo Francisco, que o irá substituir na direção, e antecipa o espetáculo. Publica ainda textos de Filomena Oliveira/Miguel Real e Vitor Gonçalves, bem como um poema de Yvette Centeno.
Joaquim Benite (1942-2012) Maria Leonor Nunes De quantas personagens fez a marcação em palco? Às vezes, acudia-lhe ao espírito da conversa uma ou outra “fala”, uma ou outra “deixa” de Brechet ou Shakespeare. Às vezes, subitamente declamava um pedaço de texto, recitado entre duas passas, o cigarro rápido entre os dedos, a voz enrouquecida pelo fumo, forte. Voz de comando. O teatro para ele era essencialmente literatura, como não se cansava de dizer. E nesse sentido, o encenador, tal como o ator, eram “intérpretes” do texto. Quantas cenas desenhou, gesto a gesto? Às vezes, movia-se repentino, hesitante sobre um calcanhar e entrava em cena, mordaz, a mordiscar um dichote, uma história do Pacheco ou do Cesariny. Em quantos atos dividiu a vida? O olhar de intenso fulgor, o riso arrastado, a língua afiada.Não poupava críticas, nem imprecações, ainda menos reivindicações para a sua causa. Não era homem de poucas falas nem de meias palavras.Representava o próprio teatro em qualquer palco. “Espero que os teatros saibam resistir, porque eles são, hoje, os refúgios da liberdade. Os teatros, na tradição ocidental, não seguem ‘pensamentos únicos’. São fóruns de reflexão e prazer estético, onde se discute sem limites a multiplicidade dimensional do ser humano, que não o esqueçamos é também social e política”, escrevia no Diário que fez para o JL de 4 de Maio de 2011, quando estava em cena a sua encenação de A Mãe, de Brecht. E acrescentava : “Um teatro vivo é um teatro que se inscreve numa comunidade, a tua e interage com ela. E cria , com o seu público e os seus colaboradores, o que poderemos chamar uma relação racional afetiva”. Não se limitava a fazer bons espetáculos, criava diálogos entre o apuro estético e o imperativo ético. Pensava o teatro. “Não é um emprego, é uma vocação”, disse em 2004, ao Correio da Manhã. “O teatro faz parte de mim”. Joaquim Benite (JB) era um “homem de teatro”, diz simplesmente Rogério de Carvalho, a quem, muitas vezes chamou para encenar. Eram, aliás, da mesma geração e Rogério de Carvalho chegou a integrar o Grupo de Campolide, como ator. “Acompanhei sempre o seu percurso e era realmente um grande dinamizador, formou gerações de atores e teve uma importância relevante na formação de um público de teatro em Portugal”. JB orgulhava-se disso. Recordava como nos primeiros tempos em Almada chegava a ter um espetáculo com 17 atores em palco e cinco espetadores na plateia. Muitos anos, persistência e regularidade depois, a Companhia de
Teatro de Almada (CTA) teria muitas salas cheias, uma média de 247 espetadores por sessão, no ano passado, como saliente Rodrigo Francisco, que agora será o seu diretor. Recentemente, por exemplo, O Mercador de Veneza , com encenação de Ricardo Pais, contabilizou sete mil espetadores. “Um dos frutos mais promissores e importantes do trabalho de JB em Almada foi a formação desse público invulgar”, diz ainda. “E não só soube criá-lo, como mantê-lo, o que é ainda mais difícil. E é um público militante, participativo, que gosta de refletir sobre o que se vê e não procura apenas entretenimento. Esse foi o segredo de JB. Como nos dizia sempre: podemos fazer teatro de muitas maneiras, sem texto, sem encenadores, até sem atores, mas não sem público.” PEDAGOGIA E INVESTIGAÇÃO Como encenador, acrescenta Rogério de Carvalho, “Benite deixou uma marca”. E sublinha: “Os seus espetáculos tinhas uma estética própria, uma visão social e política característica de todo o trabalho que realizava”. Era também um grande diretor de atores. Mais, diz ainda, Era um “homem pedagógico”. “A minha formação também passou por ele, não só pelo trabalho, mas pelas suas ideias que muitas vezes discutíamos”. A vertente pedagógica também é destacada pelo ator Luís Vicente, atualmente diretor da Companhia de Teatro do Algarve, que teve com o JB um relação de 3 décadas: “Com ele aprendi muito do que sei. Fazia parte da sua maneira de estar e de ser essa preocupação no modo como se relacionava sobretudo com os mais novos. Quem quisesse aprender tinha nele um mestre. Foi o caso de Vítor Gonçalves, que foi assistente de encenação de JB e diretor-adjunto da CTA, durante 27 anos. Chámalhe justamente “mestre” e fala de uma certa natureza “socrática”, do gosto pela troca de ideias, pelas conversas madrugada dentro (ver texto, enviado de Moçambique, onde agora vive e trabalha). E Rodrigo Francisco,que foi assistente de JB desde 2006 e também diretor-adjunto da CTA, fala de uma relação quase “filial”. Ainda lhe é difícil falar no passado de JB, de que se considera um “discípulo” e “amigo”. “No teatro, as relações são muito semelhantes
JL |
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jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
Notas para uma encenação
Começamos a trabalhar com os atores no dia 1 de outubro, embora o Joaquim viesse concebendo a encenação já há mais de um ano, durante o período que passou internado. Às vezes, nas visitas, perguntava-lhe: “ E o Timão?”, e ele mudava o olhar e revelava-me mais uma ideia: o chão branco, os figurinos escuros, a distribuição dos papeis - tudo no sentido de uma depuração absoluta do espetáculo, que fizesse revelar o jogo dos atores e, sobretudo, o texto. “Nada de Cadillacs”, dizia, sarcástico consigo mesmo, referindo-se á adaptação dramatúrgica que havia dirigido, em 2008, no Festival de Mérida. A ideia final, a da bancada como único elemento cenográfico, revelou-ma o Joaquim no início de setembro, na sua esplanada favorita da Ericeira, local que ele elegeu para trabalhar nas adaptação dramatúrgica da magnífica tradução que Yvette Centeno lhe oferecera. “Olha lá, este Shakespeare devia ter lá muitos atores na Companhia dele: isto é gente que nunca mais acaba! Corta os criados.”E cortámos, adaptámos, lemos, relemos e o resultado foi conjunto de palavras “radiosas”, que os atores tomaram como suas logo desde os primeiros ensaios de leitura. Pelo que começámos a trabalhar com os atores - alguns jovens e ou-
tros, indefetíveis, com quem o Joaquim fez questão de voltar a trabalhar. O momento ficou registado por Catarina Neves, que realizou um documentário sobre o Joaquim e sobre todo o processo de criação peça. Os atores mais velhos (e, mesmo mais velhos, a maior parte estreara-se profissionalmente com o Joaquim) sentiram que a forma de abordar o trabalho fora, desta vez, atípica. Desta vez preocupara-se em passar rapidamente da mesa para o palco, em deixar um esquema de marcações estabelecido, em ultimar pormenores, como se fôssemos estrear daí a uns dias: “Põe o Horta a fazer as árvores. Quero sombras refletidas, de árvores verdadeiras. Nada de vídeos”. E as árvores lá estão. E lá está a bancada. E lá está a mesa a descer do teto. O chão branco, a representação sóbria. Este é um espetáculo “sem truques”. É um espetáculo para atores e para um público que goste ver atores e de ouvir bons textos sejam eles de Shakespeare e de Middleton, como parece que este Timão é: mas que sejam textos bons. As notas que se seguem são os apontamentos possíveis, tirados à pressa nos ensaios de leitura, nas alturas em que consegui vencera vontade de deixar-me ficar simplesmente a ouvir o Joaquim, e a acompanhar a lucidez e a riqueza do seu discurso.JL. Rodrigo Francisco
Do Tema e Estrutura da Peça
a sua consciência crítica que está a ser abordada.
dade é necessária à transformação e à evolução da Natureza,
•
ainda que isso constitua um revés para os humanos.
•
a ação que determina o comportamento das personagens.
•
•
nas. É alienante, porque tem a capacidade de transformar
Na primeira cena resume-se, na fala do Poeta, todo
o enredo da peça: Timão, um homem rico e antigo chefe militar, um esbanjador, perde os amigos quando se vê desapossado dos seus bens. •
Timão de Atenas é uma peça formalmente singular,
desequilibrada: “Shakespeare nunca escreveu uma peça que fosse simples”. (JB) •
O texto aborda a falsidade das relações humanas,
a falsa lisonja (Timão diz “Devemos odiar a Humanidade”). O cetismo em relação à Humanidade é total: os homens serão sempre corruptos. •
Hoje em dia, no nosso País, 87% das pessoas não
acreditam na Democracia, dada a corrupção dos políticos e dos seus ideais. A História tem-nos mostrado que um sistema democrático pode descambar num regime político prejudicial para o povo. •
A dimensão trágica e existencial é bastante forte:
“A tragédia de Timão, que escolhe afastar-se da Humanidade para morrer sozinho, é a tragédia de cada um de nós”. (JB) •
“Não basta ajudar o fraco a que se erga, é preciso
A encenação não procurará uma linha psicológica: é “A atualização dos textos clássicos pode ser peri-
gosa: trata-se de textos atemporais, e atualizá-los impli-
características do ser humano no seu oposto (o feio torna-
caria muitas vezes amputar-lhes alguns dos seus significados
-se belo; o velho novo; o desonesto honesto, etc.). O ter
mais preciosos”. (JB)
destrói o ser. Em si mesmo, o ouro não vale nada: tem apenas
•
o valor que a Humanidade convencionou atribuir-lhe. Timão
A mistura de tragédia com comédia é um das marcas
de Shakespeare, o que o levou a ser considerado, até ao
demonstra isso claramente, quando na cena em que procura ra-
Romantismo, como um desrespeitador das leis aristotélicas:
ízes só encontra ouro - e este não pode matar-lhe a fome.
curiosamente, são justamente a sua poesia e a sua desmesura
•
que tornam as suas peças tão apetecíveis ao teatro moderno e
nuscrito sobre o dinheiro, de 1844: Timão de Atenas, de
contemporâneo.
Shakespeare, e Fausto, de Goethe. O facto de o filósofo ale-
•
“Não basta querer representar. É preciso querer
levar o teatro até
às ultimas consequências - querer sempre
verbis para criticar o sistema liberal vigente hoje em dia. •
“Em Shakespeare a complexidade dos textos não resi-
de no enredo, mas na multiplicidade de significados. Não nos interessa a história, mas a forma como a história é contada”. (JB) •
A raiva interiorizada pode ser muito mais violen-
ta do que a “gritaria”. Se um ator gritar na direção de um
Karl Marx cita duas obras literárias no seu ma-
mão citar justamente Shakespeare para ilustrar as características alienadoras de dinheiro para a Humanidade dá-nos a
superar-se a si mesmo. Não vale a pena querer ser ator: é
ideia da dimensão gigantesca da poesia de Shakespeare, que
preciso querer ser um grande ator: é preciso querer ser um
teve a coragem de fazer esta denúncia no seio da sociedade
grande ator”. (JB)
inglesa do início do século XVII, já com Jaime I no poder.
•
•
O gesto do ator deve resultar de um movimento in-
“Vivemos numa sociedade que se encontra imersa num
terior dele mesmo, com um significado, senão redunda no es-
sistema financeiro que torna difícil, muitas vezes, pensar em
bracejar, que já Hamlet criticava nos atores: “Por que é que
temas como a alienação pelo dinheiro. Se refletirmos pro-
agridem o ar? Ele fez-vos algum mal?”
fundamente, o ouro em si mesmo não vale nada - é apenas uma convenção para facilitar trocas comerciais, tal como eram
depois sustentá-lo também”: no início do século XVII Shakespeare utilizava um expressão que podia ser utilizada ipsis
O outro passou a ser o Deus das sociedades moder-
DA DEIFICAÇÃO DO OURO •
Shakespeare introduz o tema do ouro como o fator de
as bagas de cacau nas sociedades índias da América do Sul, antes da conquista espanhola”. (JB) •
“Toda a nossa vida pode ser enquadrada num sistema
de trocas - até os afetos”. (JB)
inversão de todos os valores e de toda a lógica. Numa época
•
de disputas religiosas apoiadas no homocentrismo, Shakes-
derá substituir o valor atribuído ao dinheiro por outro tipo
peare volta a colocar o Homem num plano natural, ao nível
de valor: nomeadamente o valor artístico”. (JB)
“Só numa sociedade muito diferente da atual se po-
dos animais - a propósito desta posição, veja-se a carta de
espetador, este é afetado emocionalmente por um ruído: não é
Rousseau a Voltaire sobre o terramoto de Lisboa de 1755.
às de uma família, porque passamos horas juntos e criam-se
estudo”.
da Trindade, cheio como um ovo, assito à segunda parte de
ligações muito fortes. Por isso, havia uma relação de mestre
E não tinha tempo, nem pressa. Houve ensaios que começaram
A Mãe, de Brecht. Recordo-me dos ensaios, dos atores, dos
aluno, mas também de um grande companheirismo”, lembra. “O
já noite dentro, mesmo de madrugada e não raramente
músicos, dos técnicos. E penso que é a sua luta constante
que é de salientar é a capacidade que ele tinha de juntar
principiavam com uns dedos de conversa no bar, sobre uma
contra o orgulho egoísta e individual que faz da equipa a
pessoas dos mais diversos quadrantes. Isso é visível nas
cena, uma personagem, e seguiam o fio da conversa até à sala,
que pertenço um caso especial da coesão”. Para Rogério de
centenas de mensagens de pesar que chegaram ao teatro,
a que curiosamente chamava “laboratório”. “Era um encenador
Carvalho, tudo está profundamente implicado: “Todo o seu
vindas do mundo inteiro”.
que gostava de perder tempo, de caminhar muito devagar, de
trabalho foi sempre como o seu teatro: humano”.
Rodrigo Francisco passou, de resto, do conhecimento do
conversar pelo caminho. Criava assim uma atmosfera criativa
E terá sido isso que sempre o moveu, aproximar-se da
palco à escrita dramatúrgica. Escreveu duas peças, Quarto
e o trabalho já ia meio feito para a sala de ensaios”, di<
natureza humana. “Gosto de trabalhar as subtilezas,
minguante e Tuning, esta uma das últimas que JB encenou. E
Rodrigo Francisco.
as obscuridades do ser humano. Trabalhar as coisas no
o dramaturgo e agora diretor do TMA, não deixa de salientar
Além do mais, JB, como frisa Rogério de Cravalho, foi
seu sentido simbólico e poético”, disse a Joana Emídio
a “generosidade” dedicava à encenação, procedendo a uma
também “um homem que formou à sua volta um coletivo capaz
Marques, do Diário de Notícias, a propósito dos seus 40
permanente “investigação, ao nível da compreensão do texto
de sustentar o edifício que criou”. Gostava do teatro
anos de carreira. “40 anos de corrida”, como escrevia na
ou da psicologia das personagens”. (Página 8 – continuação
também pela sua natureza de trabalho colectivo. E sobre a
altura no Diário para o JL. Uma corrida de obstáculos,
texto página 7 – Joaquim Benite)
sua equipa escrevia no referido Diário que fez para o JL:
contra as dificuldades e falta de apoios oficiais ao teatro,
“Penso que aprendi, desde muito pequeno e muito pobre, a
pela dignificação da sua arte e da cultura. Foi o teatro
“Tinha esse olhar de cientista na abordagem, mas não
rafrear o orgulho e a dominá-lo, como um luxo a que só se
que sempre o fez correr. E só a morte o poderia parar:
deixava de o fazer também pela trancedência, procurando uma
podem dar os bem-nascidos, ou os protegidos posteriores da
no passado dia 5 de dezembro. Tinha 69 anos e a estreia
explicação para a
roda da fortuna. O ego inflado não é sinal de inteligência.
absoluta de Timão de Atenas, de Shakespeare, marcada para
adianta. “E eram momentos de criação, de partilha
E é, de resto, uma das dificuldades com que nos denfrontamos
dia 20.
perfeitamente galvanizadores e fisicamente muito esgotantes.
no teatro. Brecht dizia aos atores que, ao entrarem na
Porém, o pano nunca descerá para o encenador. Dos
Um ensaio cm JB, como um dia me disse, era um trabalho de
sala dos ensaios, deviam deixar os egos pendurados, com
encenadores, costumava dizer, não rezará a História, com um
investigação muito sério, feito com muito esforço e honesto
os chapéus e os abafos, no bengaleiro. À noite, no Teatro
desprendimento que talvez fosse mais mágoa do que alívio,
vida fora dos limites da racionalidade”,
Rosseau adota o ponto de vista de que até uma grande calami-
Destaque
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apesar de ter dito numa entrevista ao DN, em 200o, “Os
Não foi, aliás, feliz a infância de JB e pouco gostava
se em Almada, primeiro na Incrível Almadense, depois
encenadores não têm posteridade. No futuro, pode haver uma
de recordar esses tempos duros e dolorosos, em que andava
num pequeno armazém abastecedor transformado em Teatro
referência nos livros a Luís Miguel Cintra, mas nunca vão
descalço pelos campos de Mem Martins, a pedir esmolas
Municipal, que foi a casa da companhia que passou a chamar-
saber como ele foi. Essa impossibilidade de posteridade
e sopas de leite com os irmãos. O pai caiu em desgraça
se de Almada (CTA), durante muitos anos.
traz-me felicidade. Não tenho de apanhar com séculos de
e a custo conseguia sustentar os filhos. Foram os contes
Só em 2006 se inaugurou o Teatro Azul, aquele por que
julgamentos, só tenho de me confrontar com os atuais. Isso
de reis que rendeu um espetáculo de homenagem, que João
batalhou anos a fio, ate que Manuel Maria Carrilho, então
dá-me uma sensação de liberdade e impunidade”. Talvez se
Villlaret lhe promoveu no Coliseu, que valeram a JB as
ministro da Cultura, o tomou como uma prioridade, percebendo
enganasse. O seu teatro continuará sempre em cena. Como
primeiras botas. Não admira que desse tempo gostasse apenas
a importância do “movimento teatral” criado em Alamada. E
revela Rodrigo Francisco ao JL, todos os anos será reposta
de recordar as mimosas pelos caminhos palmilhados. E a
uma cidade com aquela, conforme afirmou o encenador francês,
uma das suas encenações no Teatro de Almada. Em 2014, em
obstinada decisão de usar o nome da mãe, como “povocação e
Bernard Sobel, um teatro com aquela dimensão é um verdadeiro
príncipio voltará à cena O Presidente, de Thomas Bernhard.
irreverência”.
ato poético. Um projecto dos Arquitetos Manuel Graça Dias,
“Algumas peças que marcaram a carreira do Joaquim fazem
Estudou no Liceu Passos Manuel e a família paterna
Egas José Vieira e Gonçalo Afonso Dias, que alias já tinham
parte do património teatral português e vamos repô-las como
predestinou-o à contabilidade. Mas as suas contas foram
colaborado com a CTA a nível cenográfico.
tal como o Teatro Piccolo de Milão faz com as de Strehler.
outras. Aos 17 anos, começou a trabalhar na Enciclopédia
“È a realização de um sonho. Mas
Essa vai ser uma das linhas da futura programação do TMA”,
Luso-Brasileira, então dirigida por António Sérgio. Afonso
olha muito para o passado e diria que não é um ponto de
asserva. “Isso permitirá também rever algumas das melhores
Cautela levou-o depois para o República, onde começou a sua
chagada, mas sim um novo ponto de partida”, declarou JB
interpretações de Teresa Gafeira, uma grande atriz, que foi
carreira de jornalista, que tivera os primeiros arroubos
na altura. Manuel Graça Dias recorda como foi gratificante
a sua companheira de uma vida”.
no Notícias de Amadora. Passaria a seguir pelo Diário de
trabalhar no projecto do Teatro Azul, com o programado
A sua “escrita teatral” e a sua energia criadora não vão
Lisboa, por O Século e já no final dos anos 80, depois de
fornecido pela companhia e acompanhado muito de perto por
sair de cena. E é assim mesmo que Yvette Centeno o deseja
um longo interregno, por O diário. Mal tinha chegado ao
JB. “Ele valorizava muito a surpresa. Tinha uma exigência
ver celebrado: “Pela sua vida, pela sua obra e pela sua
República, quando um dia o chefe de redação, Artur Inês,
muito interessante para nós, arquitecto, porque achava que a
paixão do teatro, verdadeiramente um herói ajudado a subir
descobrindo o seu apelido paterno, o desafiou a puxar dos
sala principal deveria de ter uma imagem, um carácter forte.
ao Olimpo que merece” (ver poema junto).
pergaminhos e começou
Não lhe interessava a ideia de um espaço neutro
ESCRITA POR ESCRITA
a fazer crítica. JB aceitou, mas não
sou uma pessoa que não
para que
começou bem. E advertiu que naquele jornal não se dizia mal
os encenadores o pudessem povoar. Pelo contrario, dizia, os
da Sr.ª D.
encenadores são capazes de trabalharem em sala do século
Foi a 24 de abril de 1971 que JB se estreou como encenador,
JB encontrava, de resto, parecenças entre o jornalismo e o
XIX, porque não hão de trabalhar numa sala contemporânea,
no Campolide Atlético Clube, com O avançado centro morreu
teatro, o primeiro pela mise en page, o segundo pela mise en
cuidada. Nesse sentido, encorajou muito que a sala principal
ao amanhecer, do argentino Agustin Cuzzani. Do Grupo de
scéne. “Depois têm em comum o caráter efémero: o jornalismo
tivesse uma personalidade, embora existisse uma sala
Campolide, que fundou, faziam parte “gloriosos malucos”
refaz-se todos os dias e o teatro também”, dizia ao DN. E
principal de maior anonimato. Isso foi muito estimulante
como José Martins, José Saraiva, Carlos Gonçalves, os
juntava por outro lado: “O teatro é ação. Quase todos os
e surpreendente”, sublinha. “De resto, tivemos uma relação
irmãos Carlos Francisco e Pedro Artur, Nuno Amorim, Teresa
grandes dramaturgos geriram teatros, como Brecht, Moliére.
sempre criativa e entusiasmante, em que o Joaquim foi muito
Dias Coelho, que era a protagonista feminina dessa peça,
Não há esse artista que está desligado da sociedade. O
provocador. Aderiu ao que fomos propondo e inventando. E
Manuel Coelho, Teresa Gafeira ou Manuel João Gomes. Ao
teatro é a forma de escrever que está relacionada com a
continuou a consultar-nos ao longo do tempo. Acho que era
correr dos anos, encenaria cerca de uma centena de peças,
acção”.
assim também no seu teatro. Sempre com uma relação criativa,
de dramaturgos como Shakespeare, Brecht, Molière, Marivaux,
teatro, respondeu: “Não tenho tempo de vida para fazer todas
entusiasmada e divertida”.
Goldoni ou Beckett.
as peças de que gosto. Por outro lado, sei que posso dizer
Mas JB criou outros espaços teatrais, alguns provisórios,
tendo sido o primeiro a encernar um texto teatral de José
coisas através da voz dos outros. Porque é que havia de
outros ao ar livre, onde foram decorrendo muito dos
Saramago. Também encenou ópera, nomeadamente a recente A
colocar uma voz que é inevitavelmente mais medíocre ao pé
espectáculos da Festa
Rainha Louca, de Alexandre Delgado.
destes homens? Ser escritor não é mais importante que ser
Almada (FTA), criado há 30 anos (ver caixa).
A sua inclinação teatral manifestou-se, no entento, ainda
encenador, ou ser jornalista. O importante é ser feliz”.
não tivesse feito, como saliente Rogério de Carvalho, o
Mas também de autores portugueses,
nos verdes anos. Fez clubes de teatro e experimentou ser
E quando lhe perguntaram por que não escrever via
e depois do Festival de Teatro de Se mais
festival, o maior do país e um dos mais importantes da
ator amador. Mas como confessava, faltava-lhe a técnica e a
LEGADO TEATRAL
disciplina. Também fez critica teatral. E um dia pensou que
Depois do 25 de Novembro, JB, que era chefe de redação
História do Teatro em Portugal, nas últimas décadas. O FTA,
tinha que “sujar as mãos”
de O Século, teve um processo. Percebeu que era a altura
tal como o seu magnifico Teatro Azul, são “mareas” indeléveis
à escrita do teatro. Olho por olho, escrita por escrita.
de deixar o Jornalismo e profissionalizou o no Teatro da
do seu legado.
Escrever sempre foi aliás o seu empenho. Ero jovem e queria
Trindade durante um ano. Levou então á cena uma peça de
A sua vida foi inequivocamente um palco. Conta-se que,
ser escritor. Fazia poemas e chegou a publica-los. A relação
Virgílio Martinho, 1383, adaptação da Crónica de Fernão
quando acumulava o teatro e o jornalismo, ele costumava
com a literatura vinha-lhe de um tio, Aleixo Macedo, um
Lopes, e uma outra do dramaturgo brasileiro Dias Gomes.
deixar sempre um casaco na sua cadeira, enquanto dava uma
humanista, republicano, que fora seminarista e cultivava a
Vergílio Martinho, João Vieira, Carlos Paredes ou Mário
saltada a Campolide. Se perguntavam “Onde está o Benedite?”,
leitura. Com ele, Jb cresceu, depois da morte dos seus pais,
Rio de Carvalho, de quem JB falava sempre com uma enorme
logo alguém respondia: “Deve estar por aí, está ali o casaco
quando andava pelos seis anos, a mãe de tuberculose com
reverência em termos culturais, foram compagnons de route
dele”. Se alguém agora perguntasse, a resposta talvez fosse:
38 anos, o pai de ataque cardíaco, com 64 anos.
do grupo que depois se mudou para a outra margem, fixando-
“Deve estar por aqui, está ai o seu teatro”.
e passar da escrita sobre teatro
Europa, bastaria para que “Joaquim Benedite ficasse na
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jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
Um festival
Um “milagre”, dizia JB ao JL em 2008, a propósito do Festival de Teatro de Almada (FTA), que então celebrava 25 anos. O prodígio era de sobrevivência sempre com orçamentos reduzidos de um festival, que começou numas “tábuas” improvisadas na Rua dos Tanoeiros, expandiu-se para muitos palcos nas duas margens do rio e conquistou um público fiel, quen enche salas e ruas. Os orçamentos são cada vez mais minguados, mas o público continua na casa dos 20 mil espectadores. Ano após ano, confessava na altura JB, interrogava-se como era possível que o FTA resistisse e continuasse sempre. Mas todos sabem a resposta: só foi pssível criar um festival com a sua dimensão, apesar das limitações do país, porque um “trabalhador do teatro”, conforme gostava de se apresentar, como Benite o sonhou e levou para a frente, com a sua
A Joaquim Benedite no seu Olimpo (in memoriam) Chora o Olimpo o valoroso herói: caiu junto aos portões da cidade de Atenas. Coronte não o deseja: não aceita as moedas, a sua luz mais forte ofuscaria a treva da memória... Diónisos vem buscá-lo com as suas bacantes: ele sobe triunfante com o Rei do cortejo... Vénus abre-lhe o colo de abraços generosos E Hermes cede-lhe as asas para poder voar... Zeus entrega a coroa de fogo reservada aos heróis: o Olimpo é o Reino de memória perpétua onde não há Carontes receosos... JL YVETTE K. CENTENO
para o futuro
JL |
equipa. A programação da edição de 2013, em que se assinala o 30º aniversário do FTA, já está preparada. Como sempre, cruzar-seão espetáculos de grandes criadores internacionais e estreias portuguesas, nomes consagrados e jovens revelações. Essa foi desde o primeiro momento a aposta de JB. Ganha. “Procuramos procuramos que todos os espetáculos apresentados tenham um nível de qualidade estética fora do comum, não só em relação aos estrangeiros como aos portugueses”, dizia ao JL em 2007. E essa é uma herança para o futuro, como assevera Rodrigo Francisco, que vai assumir também a direção do FTA. “Vamos respeitar, assim sejamos capazes de o fazer, ou seja, a seriedade, o rigor e a inspiração artística. E ressalva: “Claro que JB é insubstituível. E não se pode substituir pessoas que são insubstituíveis”. Quanto a financiamentos, o FTA já tem garantidos para 2013 os de alguns organismos europeus, apoiantes habituais, outros conseguidos o ano passado. Mas em relação aos apoios da Secretaria de Estado da Cultura, tudo em aberto. Como acontece de quatro em quatro anos, vai candidatar-se ao subsídio da Direção Geral das Artes. O projeto será apresentado até 21. “Vai ser por certo um ano de crise, já a edição do ano passado o foi, mas mesmo assim, temos asseguradas grandes produções de importantes companhias europeias, como o Joaquim tinha vindo a fazer”, sustenta. ”E aguardaremos qual será o subsídio atribuído. A diretora das Artes terá anunciado que havia um teto máximo de 400 mil euros. Nesse caso teria-mos então um corte de pelo menos 25 mil. É duro, mas julgo que vamos conseguir colmatá-lo a nível dos financiadores europeus”.
Sha kes peare em estreia absoluta
A escolha das peças que Joaquim
até ás quatro da manhã. Ele riu-
na relação entre as pessoas?
Benite levava a cena sempre
se muito.”
Joaquim refletia muito sobre
foi inspirada pelos sinais do
Depois de um prolongado
isso e propunha-nos que também o
tempo. Nada de acasos. “Os seus
afastamento dos palcos, por
fizéssemos. Ele fez uma pesquisa
espectáculos eram feitos no
doença, JB tomou essa tradução e
exaustiva e fomos confrontados
tempo certo e com uma leitura
começou a trabalhar na encenação,
com o pensamento de vários
própria”, salienta Rogério de
que marcaria o seu regresso.
filósofos, nomeadamente com Marx,
Carvalho. E Luís Vicente não
Ainda começou os ensaios,
porque ele era um marxista”.
deixa de sublinhar: “A escolha
arquitectou o “edifício” do
Timão é a terceira personagem
de um texto para o Joaquim
espectáculo, fez as marcações
Shakeperiana que Luís Vicente
não era um ato leviano, nem se
dos atores.Como garante Rodrigo
protagoniza numa encenação
prendia com o facto de poder dar
Francisco: “Nos últimos tempos,
de Benite. Todas elas foram
um bom espectáculo. Ele pagava
foi muito angustiante, porque ele
uma “aprendizagem muito
um texto para reflectir sobre a
começou a sentir que talvez não
gratificante”. Timão implica
contemporaneidade e era em torno
viesse até á estreia e chegou a
algumas dificuldades, como
desses problemas que sentimos
dar-me exemplos de fontes onde
ressalva, pela própria natureza
dia-a-dia que montava as suas
eu deveria ir beber, quando ele
do texto e por apresentar algumas
dramaturgias”.
já cá não estivesse. Apontou-
irregularidades do ponto de vista
JB implicava-se social
me caminhos para o futuro para
psicológico da personagem. “A
e politicamente em cada
manter o seu projecto”. Foi isso
propósito de Otelo, o Joaquim
espectáculo, em cada ato, em
mesmo que transmitiu aos atores,
falou de Shakespeare. È uma
cada gesto do seu teatro e da
quando tomou em mãos a encenação.
expressão feliz julgo que se
sua vida. Há muito que pensava
Timão de Atenas, como adianta
aplica a Timão”, afirma. È um
encenar Timão de Atenas, de
Yvette Centeno ao JL, “tem uma
espetáculo que JB orientou para
William Shakespear, uma peça
dimensão social muito atual”.
uma “reflexão sobre os tempos que
nunca antes representada no nosso
Temos diante de nós a diferença
correm”, segundo o ator, mas
país. E este afigurou-se o tempo
entre o momento do sucesso
feito com uma “grande depuração”.
certo para o fazer. A estreia
e a tragédia da queda. È uma
“ Tanto cenográfica, como ao nível
absoluta é dia 20, no Teatro
atualidade trágica, a desgraça do
dos figurinos e dos comportamentos
Municipal de Almada, como tinha
herói, que é como quem diz a de
ou da gestualidade, como em
programado.
um país em sofrimento, num mundo
nenhum outro”, adianta.
Foi há três anos que desafiou
em crise. E tem tudo a ver com a
A depuração foi, de resto,
Yvette Centeno a traduzir
consciência e a crise de valores
o caminho que seguiu na sua
Timão de Atenas. Era antiga a
que estamos a viver”.
arte de encenar como reconhece
cumplicidade teatral que os
Literariamente, o mais
Rodrigo Francisco. Curioso é
ligava. Vinha ainda dos tempos
interessante para a profª
que, observa, “dispondo de um
iniciais do Gropo de Campolide.
e tradutora é o “modo como
dos maiores palcos do pais, um
“Não houve nada que eu não
Shkespeare trata a loucura de
teatro com condições uniccas, que
tivesse traduzido, nomeadamente
Timão, comparável á de Rei Lear”
lhe permitia utilizar recursos
Otelo”, garante a poetisa. Disse
E se “Lear enlouquece por culpa
técnicos raros, JB tenha assim
pois a JB que a tradução iria
própria, porque se enganou em
mesmo enveredo pela simplicidade,
levar o seu tempo, era “sem
relação ao amor das filhas, Timão
por “cenografias mais depuradas,
prazo” porque só o poderia fazer
enganou-se sobre a fidelidade de
pequenos apontamentos cénicos
à noite. Levou justamente um ano.
quem é subserviente”.
carregados de sentido, procurando
Pesou também a complexidade do
Desde o primeiro momento em que
cada vez mais o texto”.
texto, em parte em verso. “Fiz
pensou fazer a peça, JB convidou
Timão de Atenas conta com
várias revisões até me parecer
Luís Vicente para ser Timão. E
cenografia de Jean-Guy Lecat,
que soava bem na boca dos atores,
ao correr do tempo, diz o ator,
figurinos de Sónia Benite e
porque fiz verso livre, procurando
foi desenvolvendo “complicidades”
interpretação de Paulo Matos,
o ritmo, a verdadeira pulsão do
com o olhar de Shkespeare sobre
Teresa Gafeira, Ivo Alexandre,
texto. Deu-me bastante trabalho.
o tema central: o dinheiro. “ È
Marques D’Arede, Alberto Quaresma
Quando lhe entreguei disse-lhe
a questão do valor do dinheiro,
e André Gomes, entre outros. Em
que era um prendinha, porque
a importância que se dá ao
Janeiro, a nove retumará a sua
nunca poderia pagar o esforço dos
ouro que está em causa. Porque
carreira no Teatro de Almada, até
meus olhos, quase todos os dias
razão o dinheiro é tão decisivo
3 de Fevereiro. JL
Destaque
10
Espera um pouco Vitor Gonçalves Ainda não me conhecia quando o conheci. Tinha 17 anos e não sabia que iria fazer, deste homem, a razão da minha busca. A sua paixão contagiou-me e tornou-se tão minha que já as não sabia separar. Em noctívagos solilóquios instruiu-me e ensinou-me a ver. O que lhe devo? Tudo. Que falta me faz? Toda. O que mais me assalta a memoria? A sua pertinácia. “A única razão porque uns fazem teatro e outros não é porque, os que o fazem, nunca desistirão de o fazer. A que espécie pertences tu?” Durante 27 anos zanguei-me com a sua teimosia todas as noites, só para descobrir, manha rompida, que era ele que tinha razão.
Esmagava-me quando eu me deborcava por sob a minha vaidade: confortava-me quando me escondia dos meus fracassos. Não sei se somos aquilo em que nos tornamos ou se nos tornamos naquilo que somos, nunca o percebi. Mas o Joaquim era aquilo que eu queria ser: a tenacidade feita corpo, a convicção feita verbo. Acreditava inabalavelmente na bondade intrínseca do ser humano: em quase três décadas não me lembro que alguma vez tenha despedido alguém só porque na alma, assumia que os fracassos dos que com ele colaboravam eram, antes demais, os seus. Nunca se cansava de ensinar, os atores, os assistentes, os técnicos, a senhora do bar, as senhoras da limpeza,
os vagabundos, o tipo que encontrava na rua por acaso, os ardinas, os varredores, e a mim também. Era profundamente socrático na sua pedagogia. Às vezes a minutos da estreia – era capaz de como se o tempo também parasse para o escutar divagar em rodopiantes e alarmantes considerações sobre assuntos que – para os encantos que se fazem surdos ao conhecimento – pareciam pura perda de tempo. Conversava, conversava, e voltava a conversar e, quando parecia que nada tinha acontecido a cena resolviase o dinheiro aparecia as estratégias de defesas estavam montadas. “È isto a morte” dizia-me então “È assim mesmo, não deve ser difícil. È quando já não
posso prenunciar nem mais uma palavra, fazer um só gesto, jogar num jogo quando o meu corpo exige estender-se e os meus olhos se fecham que, só então, quero repousar. Não gosto que um dia passe sem que me encontre exausto.” O Luís Vicente e eu, por razoes diferentes, e momentos distintos, um dia separamo-nos – só fisicamente – dele, mas, ainda hoje, quando em privado a ele nos referimos, é assim que o tratámos: - “o nosso Mestre”. Mas... Já basta de verborreicos panegíricos! Joaquim é simples: não podes desaparecer assim. Não vale a pena lembrar-te a obra, nem auspiciar-lhe este ou aquele futuro, não tenho forças para palavras de conveniência. Joaquim, agora a Teresa já não
te pode valer, nem eu, nem o Rodrigo. E como lamentámos. Ligo o teu numero e nada. Porque não atendes? Senão respondes que faço agora? Desde que parti que procura perceber porquê. È sempre em ti que penso em cada êxito ou derrota que enfrentei depois. Haverá Verdi no teu enterro amanhã? sempre que me pedias. “No meu funeral tens que por esta música...”com voz rouca eu riame e afugentava a realidade que esta madruga me revelou. Cria a cena, barafusta o que for necessário e não saias daí. Nós, os que te amamos estamos a caminho. JL
Um mestre de gerações
quanto na receção deste fossem
diferentes opções de encenação,
percebermos, culturalmente falando,
Almada se misturam o intelectual
europeus, mediterrânicos, africanos
as matrizes da caracterização de
Benite e os seu companheiros
mais bairoaltino com o trabalhador
ou da América Latina. Não só por
personagens, o leque de opções
injetaram um pujante acrescento
mais tradicional,
Joaquim Benite mas sobretudo
na construção de diálogos, as
cultural, tornando-se, de certo
no objetivo de aliar o prazer
também por ele, passou grande
harmonias entre luz, música e
modo, o rosto cultural da cidade
estético com o empenhamento cívico
parte da internacionalização
palavra. Verdadeiramente, de peças
para efeitos exterior. Justifica-se,
do cidadão. Uns privilegiarão
do teatro português a partir da
clássicas encenadas realisticamente
assim, que o município retribuísse
mais esta última vertente, outras
Filomena Oliveira e Miguel Real
década de 1980. A estratégia
a peças modernistas encenados
o prestigio acrescido que a
aquela, mas todos encontravam no
Joaquem Benite foi não só um dos
de internacionalização da CTA,
vanguardistamente, nenhum grande
Companhia trouxera para a cidade
repertório da CTA e do Festival
grandes encenadores portugueses e
concretiza poderosamente na
texto de teatro,
atribuindo-lhe a direção do “Teatro
motivo suficiente tanto para o
europeus e um dos mais empenhados
criação e realização anual do
vibrante corrente cultural, esteve
Azul”, atualmente um dos melhores
prazer dos sentidos quanto para a
e mais lúcidos “ trabalhadores do
Festival de Teatro de Almada,
ausente dos palcos dirigidos por
teatros europeus e uma bela peça de
reflexão interventiva.
teatro” ( como se auto-classificava)
foi absolutamente singular no
Joaquim Benite; nenhum grande
espaço cultural português e devia
autor teatral europeu da Grécia
como a sua visão no teatro se
merecer um detalhadíssimo estudo
clássica ao pós – modernismo
integrava num explicito projecto
de caso, próprio de uma tese de
francês e inglês, esteve ausente do
cultural para Portugal, alimentado
doutoramento. Não se tratou de
reportaria da CTA.
por quatro veios nervosos, que,
ir ao estrangeiro de apresentar
Em terceiro lugar, a sua aposta
cruzados e unificados na criação
espetáculos ou de receber estes
na descentralização cultural.
da Companhia de Teatro de Almada
em Portugal. Diferentemente, cada
Não foi a única, como evidenciam
(CTA) e do Festival de Teatro de
peça recebida constituía objeto
o CENDREV, em Évora o teatro da
Almada, lhe desenharam uma vida
de estudo de modo a preencher
Serra do Montemuro ou o Bando,
de luta, de resistência e de
uma lacuna ou uma atualização
em Palmela, entre outros. Mas
esperança, ora extinta fisicamente
no processo formativo português
é indubitavelmente – a de maior
mas espiritoalmente.
ligado à arte do teatro. Em segundo
projeção nacional e internacional,
Em primeiro lugar, uma conceção
lugar, um apurado conhecimento
tendo ajudado vigorosamente a
“Nenhum grande texto de teatro, reflexo de um vibrante corrente cultural, esteve ausente dos palcos dirigidos por Joaquim Benite”
Esta foi a base do segredo de
da segunda metade do século XX,
cosmopolita
estético do teatro. Portugueses
colocar no mapa cultural português
Caro Joaquim, Não nos víamos á um
da arte da representação, recusando
possuíram porventura o conhecimento
e europeu uma cidade sem historia
Finalmente, em quarto lugar, a
nacionalismos ideológicos ou
pormenorizado a historia do teatro
dos subúrbios lisboetas como
sectarismos políticos, fazendo a
que Joaquim Benite possuía,
Almada. Vasta pensarmos na Amadora,
Companhia participar nos grandes
a correntes dramatúrgicas,
no Cacem, em Loures, Oeiras ou
movimentos teatrais europeus,
os fundamentos filosóficos das
em Setúbal para de imediato
e internacionalista
tanto na criação de espetáculos
reflexo de uma
arte arquitetónica.
busca e a conquista de uma ampla base popular para a sua companhia e para o seu Festival. Quem frequenta as suas instalações (as antigas e as atuais) sabe que nas cadeiras de
irmanados
Joaquim Benite – a não separação entre a representação ( o teatro) e a vida real, social, politica, económica ou, noutras palavras na aliança inextrincável entre o deleite estético e empenhamento cultural. Transformar uma peça num motivo cultural significa vincular o teatro ás suas raízes sociais mais fundas, integrando-o, como lição para o presente histórico, no movimento social de que se originou e foi expressão. ano. Não voltaremos a encontrarnos. Lamentamos. Nós é que perdemos a lição de um Mestre, habitualmente enquanto jantávamos ou no convívio a seguir ás estreias. JL
JL |
11
jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
Óscar Niemeyer ( 1907- 2012) O arquiteto prodigioso Tinha no desenho a sua linguagem e na curva a sia assinatura, espalhada por centenas de obras únicas e inconfundíveis, em numerosos países. Construiu Brasília e morreu a 5 de Dezembro, no rio de Janeiro, a dez dias de cumprir 105 anos. Além de um genial arquiteto, que recebeu os mais importantes prémios, incluindo o Pritzker, em 1988, desapareceu um homem generoso e empenhado na luta contra as injustiças. O JL, que lhe dedicou nemerosas matérias (ler comentário de JCV na p.3), recorda-o aqui através das suas próprias palavras e das de outros artistas e arquitetos, algumas delas publicadas nestas colunas
“Meu nome deveria ser Óscar ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares. Ribeiro e Soares, de Portugal; Almeida, árabe, e Niemeyer, alemão. Sem contar algum sangue negro ou índio que, como se sabe, faz parte de toda a família brasileira. Uma mistura de raças que me faz bem integrado na mestiçagem de meu povo”.
da minha geração tive grande influência da obra de Le Corbusier, que pela nossa arquitetura, por sua vez, se entusiasmou. Encontrar os amigos, esquecer um pouco nossas angústias, rir, mesmo sem muita razão para isso, é velho um velho hábito que, como quem rega uma flor todos os dias, venho cultivando há muitos anos.
PREFIRO A LINGUAGEM SIMPLES, do quotidiano. “A
a beleza e a intervenção, sem cair em pequenos detalhes, atuando, isso sim, nas próprias estruturas, nas quais se insere e se exibe desde o primeiro traço
literatura engrandece quando se aproxima da linguagem oral”, disse Morávia numa das suas entrevistas. Mas se os livros de conteúdo social me entusiasmavam, outros, que nada disso oferecem, também me atraíam. Era a pureza literária a dispensar outros predicados, embora, juntos, pudessem, sem dúvida, enriquecer ainda mais. Como a beleza se impõe!
MINHA ARQUTETURA PREFERIDA: bela, leve,
NUNCA ACREDITEI NA VIDA ETERNA. Sempre vi a pessoa
MINHA ARQUITETURA NÃO ACEITA COMPROMISSOS, visa
variada, criativa, criando surpresa.
TUDO COMEÇOU quando iniciei os estudos da Pampulha desprezando deliberadamente o ângulo reto tão louvado e a arquitetura racionalista feita de régua e esquadro, para penetrar corajosamente nesse mundo de curvas e retas que o concreto oferece. A MONUMENTALIDADE nunca me
atemorizou quando um tema mais forte a justificava. Afinal, o que ficou da arquitetura foram as obras monumentais, as que marcam o tempo e a evolução da técnica. As que , justas ou não sob o ponto de visita social, ainda nos comovem. É a beleza a se impor na sensibilidade do homem.
SEMPRE QUE VIAJO, olhar para as nuvens é a minha distração perdileta, curioso, procurando decifrálas como se estivesse em busca de uma boa e esperada mensagem.
COMO TODOS OS ARQUITETOS
humana frágil e desprotegida nesse caminho inevitável para a morte. O importante é dizer não aos que insistem em nos oprimir, incendiar o mundo, ricos e medíocres de mais para compreendê-lo.
UM DIA A VIDA SERÁ MELHOR, com certeza, sem
as preocupações de luxo e poder que tanto a desmerecem. Modestos e realistas, os homens aceitarão afinal serem filhos deste velho planeta, como as florestas e rios os bichos da terra e os peixes do mar”
O HOMEM SEGUE O SEU DESTINO, satisfeito, quando
suas convicções e esperanças com ele coincidem. Até hoje só fiz esculturas de protesto.
SEMPRE DEFENDI a importância que tem para qualquer arquiteto ou artista plástico uma boa experiência no desenho figurativo. Mesmo se na sua profissão não tiverem interesse ou necessidade de desenhar uma figura humana, naquela prática
lhe dará a habilidade manual do desenho à mão livre.
NUNCA OLHO PARA TRÁS
nunca me critiquei pelas faltas cometidas. Sou filho da natureza, um pequeno e humilde ser nela inserido para ela transfiro – em parte, pelo menos – minha qualidades e defeitos. Foi assim que ela me fez.
SÁBADOS E DOMINGOS SÃO OS DIAS QUE MAIS TRABALH
no meu escritório da Avenida Atlântica. Sozinho, a folhear, alguns livros, escrever um texto qualquer, desenhar, pensar na vida ou simplesmente olhar o belo mar de Copacabana. Dizem que Descartes ficava na cama até as 11 horas da manha
a sonhar sias teorias, e isso é o que procuro fazer, nesses dias em que a maioria vai para a pria ou resolve assistir ao futebol. SOU PESSOA SIMPLES, aberta para a vida, apta a aceitar todas as mudanças que os tempos estabelecem. E, por isso mesmo, compreendo a evolução da família, o triste e inevitável
Destaque
12
afastamento entre pais e filhos, a liberdade que a juventude exige para assumir seus próprios destinos. Mas lembro com saudade e reservas, é claro, os nossos velhos tempos.
ACHO QUE TUDO VAI DESAPARECER. O tempo cósmico é curto. Já me perguntaram : não lhe dá prazer saber que mais tarde vamos passear ver o seu trabalho? Mais tarde a gente desapareceu também. É a evolução da natureza. Tudo nasce, acaba, o tempo que isso vai perdurar é relativo.
DUAS COISAS GUARDO COM SATISFAÇÃO. Uma é esse
desinteresse pelo dinheiro, que mantive por toda a vida; a outra, minha vontade de ajudar as pessoas, ser-lhes útil, dividir. 12 DESTAQUE / Óscar Niemeyer
PÚBLICO, eu tento fazer bonito, diferente, que crie surpresa, porque sei que os mais pobres vão poder usufruir de nada, mas podem parar de ter um momento de prazer.
NINGUEM IMAGINA quantas
POR ENQUANTO SÓ USAM ARQUITETURA quem tem
vezes trabalho graciosamente, como fico longos períodos colaborando sem nada receber; como divido com meus amigos os projetos que elaboro, convidando-os para participar comigo.
BRASIL... Muitas vezes me
senti jacobino ao defender meu pais no exterior. Ao recusar as criticas, não raro justas, feitas muitas vezes num tom amigo e conselheiro. Mas, não sei porquê nunca as tolerei. Lembro-me um dia, em paris, da minha resolta quando alguém começou a criticar o Brasil, as despesas imensas que eram feitas,
No seu atelier, no grande ecrã de cores florescente, onde nos últimos anos trabalhava por causa dos problemas de visão, Óscar Niemeyer ainda reviu, a poucas semanas da sua morte, o projeto que concebeu para o Museu da Arte Contemporânea de Ponta Delgada, adianta ao JL Amândio Silva, ex-secretário – geral da Fundação Luso Brasileira. A contrastar com as cores fortes do ecrã, o risco do arquiteto que reinventou, com a sua arquitetura, a alma moderna brasileira. Três salas de exposições espalhada por um edifício com duas cúpulas. A uni-la uma via deponal onde poderá também ser criado um auditório. Este é um dos tês projetos que Óscar Niemeyer fez para Portugal mas que ainda não foram concretizados. A inauguração da obra chegou a estar prevista para este ano, antes das eleições legislativas, mas não passou de boa vontade politica. A primeira pedra nunca foi colocada, nem há certezas enquanto só financiamento, sobretudo neste período de grandes constrangimentos orçamentais. E esse parece ser o destino das obras do arquiteto brasileiro para Portugal. “Um facto que lamento profundamente”, afinal ao JL Amândia Silva, lembrando o adiamento da construção da sede da Fundação Luso Brasileira, na Quinta dos Alfinetes. “Foi um projeto que Niemeyer ofereceu a Lisboa e que sempre esperou que viesse um dia a ser construído”, acrescenta. As obras chegaram
as obras gigantescas que surgiram, quando a situação, diziam, exigia politica mais económica e realista. E não me contive, ponderando que tudo isso era natural – uma espécie de moléstia infantil, inevitável nos países em vias de desenvolvimento. E explicava que o Brasil era um
continente. Um país jovem, que tudo justifica. Uma força da natureza. TODOS TEMOS DENTRO DE NÓS UM SER OCULTO, que nos leva para um lado ou para outro. E o meu gosta dessas coisas, de mulher, de se divertir, de chorar, de se preocupa com a vida, é um sujeito complicado.
dinheiro. Os outros estão fodidos vivem nas favelas. NO MEU TRABALHO SEMPRE CONVOQUEI OS ARTISTAS, os pintores, mesmo no primeiro trabalho, na Pampulha. A aquitetura não pode ser vista como uma coisa isolada. Quando um arquiteto está a desenhar uma parede, está a imaginar se ela vai ter uma pintura, uma escultura, uma parede de pedra. O artista não vêm depois colocar o quadro onde quer.
QUANDO FOI PARA BRASÍLIA LEVEI 15 ARQUTETOS, mas também um médico, em
OS PROJECTOS PARA PORTUGAL E EM CURSO a começar, construíram-se as fundações e o primeiro andar, nos terrenos cedidos pela câmara, mas o projeto acabou por ser suspenso. Várias entidades que se comprometerem com o financiamento acabaram por recuar. Sem meios para concluir obra, a Fundação Luso Brasileira devolveu o terreno a câmara Municipal de Lisboa e liquidou as dívidas junto dos fornecedores. A hipótese de voltar a avançar com a obra, que chegou a ser equacionada como sede da Comunidade de Países de Língua Oficial portuguesa, poderá estar a cima da mesa. Amândio Silva chegou a reunir-se com o anterior Governo, mas a actual conjuntura não favorece a obra. O mesmo aplica-se ao empreendimento turístico encomendado por Fernanda Pires da Silva, do grupo grão Para, para o Algarve. O cenário é muito deferente em outros países. Até aos últimos dias, incluindo os que passou no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, Óscar Niermeyer foi sendo informado da andamento
dos trabalhos do seu atelier. No Brasil, estão em curso três, o Memorial Encontro das Águas, em Manaus, e a Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Belém do Pará, e a Universidade da Iguaçu, no Paraná. Em África, tem a Biblioteca de Zeralda, na periferia da capital da Argélia, e em França, o edifício de boas vindas do Chateau Lacoste, em Aix-en-Provence. JL
engenheiro, dois jornalistas, cinco amigos meus que estavam na merda e precisavam de trabalho. Eu queria que a conversa em Brasília fosse mais variadae não só de arquitetura.
A VIDA É ASSIM: TEMOS DE SEPARAR AS COISAS. É chorar chorar e rir a vida inteira. Aproveitar os momentos de tranquilidade e brincar um pouco. E os outros é aguentar. A vida é um sopro.
O MEU ESCRITÓRIO FOI SEMPRE DE MUITA BOMÉMIA,
mas que não prejudicavam o trabalho. A gente era jovem. Às vezes fechávamos o escritório e fazíamos uma semana de arte e brincávamos um pouco.
AH, BRASÍLIA, COMO LUTÁMOS PARA TE REALIZAR! Como me espanto lembrado que foste em quatro anos apenas, respeitando as nuances do plano - piloto do Lúcio Costa, com tuas ruas, praças, prédios de apartamentos e palácios! Mas quantas alegrias e angústias tu nos deste!
A ARQUITECTURA? VALE REPETIR. O importante é
a vida, os amigos, este mundo injusto que devíamos
JL |
13
jornaldeletras.sapo.pt | 12 a 25 de dezembro de 2012
POEMA DA CURVA Não é o ângulo reto que me atrai Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas Do meu país, No curso sinuoso dos seus rios, Nas ondas do mar, No corpo da mulher perferida. De curvas é feito todo o universo, O universo curvo de Einstein. Óscar Niemeyer
mudar. O resto… Vivemos num regime capitalista, e seus governantes, por mais progressistas que sejam, nada de essencial nos oferecem. Representam essa sociedade de classes, de ricos e pobres, de sem-terra, de sem-tecto, que só a revolução pode modigicar.
PARA SE SER UM BOM ARQUITECTO é preciso fazer
o que se gosta e não ter medo de errar, não olhar para a crítica.
Um homem militante
EU ACHO QUE OS PROJECTOS QUE FIZ NA EUROPA são os
melhores, o acabamento foi melhor. Eu fiquei com aquela preocupação de mostrar o progresso do país não apenas no campo da arquitectura mas também no campo da engenharia. As obras são mais amplas, os vãos são maiores. Mas o projecto que eu mais gosto é esse que fiz para o Memorial da América Latina. Pela liberdade que o tema me dava. Vou-te contar uma coisa que você vai ficar espantado. Fiz o projecto em cinco minutos. Eu estava no hotel, fiz uma perspectiva, como quem estava vendo uma coisa que estava surgindo.
UMA VEZ ESCREVI UNS CONTOS, mas achei que estavam
uma merda e joguei fora. Mas um dia vou escrever, sabe porquê? Porque eu gosto de escrever. Quando não tenho ninguém para esperar, eu escrevo, qualquer besteira. Gosto de ver uma prosa limpa, correcta.
ENORME PLASTICIDADE da
linguagem arquitectónica, possível devido a uma perfeita simbiose formal entre um invólucro muito livre e imaginativo e o sistema estrutural que o suporta. Retirado dos livros Meu Sósia e Eu, A Curva do Tempo, do documentário A Vida é Um soproe das edições do JL 714, de 25 de Fevereiro de 1998, e 970, de 5 de Dezembro de 2007
“Oscar Niemeyer teve uma vida muito bonita. Foi um dos maiores artistas do seu tempo e um homem maior que a sua arte. CHICO BUARQUE
Trata-se de ser fiel a princípios. E não a tácticas, estratégias de ordem política ou conquista de poder. Não tem nada que ver com isso. Simplesmente trata-se de princípios e não se pode renunciar a eles. O Oscar Niemeyer não renunciou eu eu não o felicito por isso,nem lhe agradeço porque simplesmente é uma expressão da sua própria humanidade. Eu creio que é uma pessoa que está em paz consigo mesmo. E estar em paz consigo mesmo não é fácil. Porque vivemos num mundo de contradições, de tensões, no fundo vivemos num temporal e manter o rumo no meio desse temporal, com ventos que sopram de todos os lados, isso Oscar conseguiu.
JOSÉ SARAMAGO
Oscar é um homem militante, engajado na luta pela igualdade social, pela transformação da sociedade, mas enquanto arquitecto quando faz
os seus projectos o que ele quer dar às pessoas é beleza, alegria da forma bela, porque sabe da importância e maravilha da beleza. Ele diz que quer que as pessoas se espantem.
FERREIRA GULLAR
A arquitectura de Niemeyer respira naturalidade e intemporalidade , superando as noções estereotipadas de tradição e de modernidade. A construção faz a Natureza.
ÁLVARO SIZA VIEIRA
Personagem solitária do seu percurso de corredor de fundo, difícil de fazer escola pela constante imprevisibilidade dos gestos, sobrevive ao barulho da arquitectura contemporânea recente que deles, gestos, abusa até à náusea. Há gestos e gestos: uns ficam, a maioria «dissolve-se no ar» ou seja, no tempo.
NUNO PORTAS
Percebemos que homem extraordinário, que grande intuição tem para conseguir captar o essencial da sua arquitectura num desenho tão rápido.
MANUEL GRAÇA DIAS
A sua capacidade de antecipar a modernidade em
cada momento é o que mais me surpreende. Uma alma tão consistente merece um corpo de o acompanhe.
ALCINHO SOUTINHO
Num continente em parte desconstruído e em parte não construído pode conceber-se outra opção que não seja a de tentar construir? É este optimismo que Niemeyer se sente no direito de transmitir aos povos condenados a cem anos de solidão – de que terão, por fim e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra, como obra maior a exibir uma dignidade arquitectural irrecusável, criativa, diferente, livre do passado distante.
ALEXANDRE ALVES COSTA
A arquitectura é uma arte pública e os «objectivos» desenhados por Oscat Niemeyer são exemplos paradigmáticos, com traço inconfundível, sempre com selo de origem. Felizmente continua a haver lugar para «objectos» exepcionais.
MANUEL SALGADO
Retirado do documentário A Vida é Um Sopro e das edições do JL 714, de 25 de Fevereiro de 1998, e 970, de 5 de Dezembro de 2007 Desenhos A raiz de qualquer arquitecto
Ideias/ opinião
33
O diálogo transatlântico
através de Carlos Fuentes Celso Lafer*
1
percurso de CF vou cingir-me ao seu papel no diálogo transatlântico. Vou explorar o tema, tendo como
foco a sua dimensão de intelectual público, que foi uma faceta
importante da sua personalidade
literária – como foi a de Octavio Paz e é a Mario Vargas Llosa.
Carlos Fuentes era um homem de
O tema intelectual público diz
encantador convívio e múltiplos
respeito à relação entre os
talentos – romancista, contista, ensaísta, diplomata. Era, ademais, um homem elegante, inclusive no trajar – o que surpreendeu José Saramago que afinal concluiu que somar exigência crítica com gravata bem escolhida não era coisa pequena (JL, 30 de Maio de 2012). Tinha o dom de gentes e sabia ser um agregador. Exerceu superiormente
4 5
No âmbito de múltiplas direções do
intelectuais e o poder, ou seja,
2 3
Carlos Fuentes Acreditava na América Ibérica porque via o Atlântico não como um abismo mas sim como uma ponte dos vários encontros dos quais resultamos
esta dimensão de agregador no
A capacidade de lidar com a
O seu ponto de partida de criador
âmbito do Foro, dimensão relevante
diversidade de várias tribos
literário e grande narrador foi
para uma instituição como a nossa
do nosso Foro e exercer a
instigado pelo desafio de entender
que reúne, e esta é de várias
função de agregador teve a sua
o México (os cinco sóis de um país
tribos – a dos empresários, a dos
correspondência na diversidade das
que não tem começo mas tem origem
políticos, a dos intelectuais,
direções e escrituras que sempre
– Os cinco soles de México, pp.
a de personalidade dos meios de
foram um signo de vitalidade da
7-9) e lidar com os caminhos e
comunicação.
obra de Carlos Fuentes (CF), como
descaminhos da Revolução Mexicana
apontou com discernimento Octávio
(por exemplo:
Paz em Solo a dos voces. Assim,
Cruz, Los años com Laura Diaz).
respondeu ao estímulo de promover
Entretanto, a sua ficção e a sua
a diversidade inerente ao dialogo
ensaística não se circunscrevem
transatlântico no âmbito do nosso
aos estímulos da criação dada pela
Foro da mesma maneira que na sua
circunstância
obra respondeu aos múltiplos
eu literário e intelectual. Para
estímulos do seu “eu” literário.
voltar a Octavio Paz: “en CF, por
La Muerte de Artemio
mexicana do seu
ejemplo, coexisten varias voces y cada una de esas voces, cada uno de esos dialectos, es igualmente sujo: como determinar que es mexicano,Lo mexicano es el choque a la confluencia de todas esas voces…” Na confluência destas múltiplas vozes, tem um papel relevante a voz da literatura em língua espanhola, mas também a voz da língua portuguesa da literatura brasileira. Por essa razão, é um agudo e sensível estudioso e dos grandes romances latino-americanos e não posso, como brasileiro, deixar de destacar o arguto apreciador de Machado Assis, Machado de La Mancha, que considerava como o único romancista americano do século XIX.
aos nexos ente política e cultura – para falar com Bobbio, autor do
grande livro II dubbio e la scelta – Intellecttuali e potere nella società contemporanea (1993). Nas democracias modernas e pluralistas o poder ideológico – que é o que se exerce sobre as mentes através da produção e transmissão de ideias – é fragmentado. É um poder exercido pela palavra e pela sua difusão de impacta os comportamentos. A política contemporânea em sociedades complexas requer este tipo de poder que está ao alcance dos intelectuais. Refiro-me tanto àqueles intelectuais que têm o domínio dos conhecimentos técnicos necessários para equacionar a relação meios-fins, como é o caso dos economistas, dos juristas, dos educadores, dos engenheiros, dos especialistas em meios de comunicação, quanto àqueles intelectuais que propiciam, para a sociedade e para o poder – em
exercício ou potencial – principais gerais, valores, sentido de direção. Exerceu a tarefa intelectual de agitar ideias, suscitar problemas (Bobbio, p 127) no âmbito mais amplo do espaço público. Um destes espaços que ele ajudou a criar foi o Foro. No âmbito do Foro, exerceu esta tarefa de intelectual público, como diria Bobbio, com espírito laico, vale dizer que o espirito critico que se opõe ao dogmático (Bobbio, p.130) – o que significa que este espirito laico pode ser exercido a partir de distintas posturas
O sentido de direção do diálogo transatlântico que CF, com sucesso, empenhou-se em imprimir ao Foro, está intimamente ligado à sua conceção de intelectual público. Neste sentido, um livro modelar desta sua conceção é o seu livro En esto creo, de 2002, publicado no Brasil em 2006 pela Rocco, com o título Este é o meu credo. O título em espanhol é mais revelador. Permite evocar a distinção que Ortega y Gasset elaborou entre crenças e ideias.”Las ideas se tienen, en las creencias se está”. Aponta Ortega que crenças não são ideias que temos, mas sim ideias do que somos. As crenças em que estamos nos sustentam e são o fundo a partir do qual pensamos as ideias que resultam da nossa actividade intelectual. As ideias, complementa Ortega, necessitam de crítica como o pulmão de oxigénio e se afirmam apoiando-se em outras ideias que, radicadas em nossas crenças, nos permitem enfrentar o mar de dúvidas que nos envolvem (cf. Ortegay Gasset, Ideas y Creencias, Madrid, Alianza Edit., 1986, pp. 23-38). En esto creo é um livro da maturidade de CF. É uma decantação do seu percurso intelectual público. O livro é constituído por pequenos verbetes que são a elaborada expressão das ideias que resultam das suas crenças. Estes verbetes são entradas, também na aceção histórico-geográfica brasileira, ou seja, vias de acesso – caminhos mas também fronteiras – para o entendimento de problemas do continente das nossas preocupações. Está alfabeticamente organizado de A a Z. Estes verbetes lidam com os temas que dizem respeito às muitas circunstancias que cercaram não só o “eu” de CF, mas cercam o nosso contemporâneo.
JL |
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O primeiro verbete de En esto creo intitula-se América Ibérica. Para os propósitos desta minha intervenção, pondero que não se trata apenas de um caso alfabético. Carlos acreditava na América Ibérica porque via o Atlântico não como um abismo mas sim como uma ponte dos vários encontros dos quais resultamos. Estes encontros são uma expressão das varias vozes que, como mencionei citando Octavio Paz, caracterizam a pluralidade da sua escrita. É por isso que a sua crença na América Ibérica é tão profunda e explicativa da sua militante dedicação ao Foro Iberoamerica e ao diálogo transatlântico que constitui a sua razão de ser. Neste diálogo CF empenhou-se em incluir Portugal e o Brasil que são a outra face do mundo ibérico, - a da cultura e da política lusitana e brasileira, que se expressam em português e têm, com a que se expressa em espanhol. Por obra da História e da Geografia a herança de um compartilhado repertório de significados. arlos Fuentes Acreditava na América Ibérica porque via o Atlântico não como um abismo mas sim como uma ponte dos vários encontros dos quais resultamos
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Entre os muitos verbetes de En
areia, e a do touro que destrói
mundo globalizado rodeado de
esto creo, deixo de lado o que
tudo na loja de louças, e evoca,
abismos. O verbete está permeado
dizem respeito ao mundo da vida
como caminho, globalizar a
(a lebenswelt de Husserl) ou à
solidariedade tsl como proposto
cultura no sentido amplo. Vou
por Fernando Henrique Cardoso no
fazer referencia apenas a alguns
memorável discurso pronunciado em
que são relevantes para perceber
30 de outubro de 2001, em sessão
o sentido da direção de natureza
solene na Assembleia Nacional da
politica, subjacente ao modo
República Francesa, que tive o
como, no meu entender, concebia o
privilégio de ouvir, acompanhando-o
diálogo transatlântico, destaco os
como seu chanceler (cf. Palavra do
verbetes:
Presidente 14, 2001, pp. 499-505).
(i) Esquerda- na qual aponta que
(iii) Política – Na qual examina
a globalização permite à esquerda
as suas luzes (a de Roosevelt e a
chamar a atenção sobre a dicotomia
de Cárdenas de sua infância), e
crescente entre o espaço económico
suas sombras (os seus carrascos)
e o controle político e observa
, mas pondera que, se houve nos
que se o capitalismo porpoe as
EUA um senador McCarthy, houve
razoes da economia a democracia
também uma Martin Luther King. Há,
propõe os valores do consenso
portanto, esperança na postura
político, para concluir que, no
de CF. Esta explica a sua vocação
meio-termo entre ambos, a esquerda
para o diálogo e a sua postura de
é o espaço político no qual os mais
intelectual público que tem, na
fracos da sociedade e do mercado
linha de Tocqueville, a preocupação
podem combater e negociar as suas
salutar com o futuro que o fez
conquistas.
velar e combater.
(ii) Globalização – como tema do
(iv) Revolução – No trato deste
final do século XX que se prolonga
grande tema, que diz respeito,
no século XXI e que, com o Deu
como aponta Hannah Arendt, à
Jano, tem duas faces – que vem
possibilidade de um novo início
levando a união de Creso – o
fruto de uma aspiração trazida pelo
dinheiro e o Hedonismo – o prazer.
potencial da convergência entre
Esta união permite que os vícios
libertação e liberdade, observa que
da aldeia global façam surgir
as duas mais coerentemente modernas
os vícios da aldeia local – os
foram a Francesa e a Americana.
tribalismos, os nacionalismos
A que teve desdobramentos mais
redutores e Chauvinistas, a
significativos foi a Francesa, pois
xenofobia, os preconceitos raciais
o capitalismo e a democracia foram
e culturais.
os seus rebentos.
Neste contexto nega a política do
“O caráter laico de uma Revolução
avestruz que esconde a cabeça na
é, no seu entender, a garantia da sua sanidade, o que significa, em
“ Nas democracias modernas e pluralistas o poder ideológico é fragmentado É um poder exercido pela palavra e pela sua difusão” outras palavras, não acreditar, como diria Bobbio, no milagre da política. Daí, para Carlos, os descaminhos insanos da Revolução Russa, que associou a herança religiosa bizantina com o comunismo; da Revolução Chinesa que, na época de Mao, trouxe a rigidez legitimista e burocrática do antigo Império do Meio; da Revolução Cubana que, a partir da esquerda, consagrou a fraude mortal da direita latino-americana: o culto ao líder máximo. É claro que CF, a partir do eu da sua circunstância, não deixa de examinar os vários paradoxos da Revolução Mexicana para concluir que a Revolução, no século XXI, como um novo início, que não se confunde nem com a revolta nem com a rebeldia, requer pluralizar o mundo e valorizar dialogicamente as diferenças étnicas, políticas, religiosas, sexuais e culturais. Daí o significado do verbete xenofobia, no qual destaca a importância do ato fraternal num
pela sua convicção de que as culturas perecem no isolamento e prosperam na comunicação. Daí o alcance do diálogo transatlântico, no qual se empenhou. Concluo lembrando que, no verbete Sociedade Civil, CF destaca a sua importância, reflete sobre o terceiro setor e sobre as várias modalidades da sua articulação e presença. Lembra que o terceiro setor tem um pé na sociedade e outro nas instituições e pode enriquecer as instituições públicas e privadas e abrir horizontes em um mundo em transformação. O Foro Iberoamerica e o diálogo transatlântico como um terceiro setor sui generis vem cumprindo estas funções inspirados pelo saber com sabor que é como podemos definir a sabedoria de um grande intelectual público como foi Carlos Fuentes, que animou e vivificou a nossas atividades desde o seu momento inaugural. * Celso Lafer é prof. catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo (USP) e tem uma vasta obra em vários domínios, incluindo o da Ciência Política. Entre muitos outros cargos, foi embaixador do Brasil na ONU, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e, duas vezes, ministro das Relações Exteriores. É membro da Academia Brasileira de Letras. Este texto tem com base a sua intervenção no recente XIII Foro Iberoamérica, em Cartagena de Indias. Recorde-se que Carlos Fuentes, que também integrava o Foro, morreu em 15 de maio último, tendo-lhe o JL dedicado várias matérias na sua edição de 30 de maio, que Lafer cita. JL
Ideias/ crónica, livro ECOLOGIA VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Onze livros, por exemplo Como nas letras, também aqui reunimos alguns livros acabados de publicar e a que ainda não tínhamos registado, sem prejuízo de a eles voltar. Livros que, como muitos outros que ao longo do ano assinalamos, poderão ser bons presentes nesta quadra Sendo, para este efeito, a ordem dos fatores arbitrária, começamos por dois livros sobre a História contemporânea portuguesa e que têm o ditador, Salazar, como “personagem central”.
Alterações climáticas fora de controle
O primeiro não é o típico livro de investigação, divulgação ou análise: dá-nos 41 anos de História(s) do Estado Novo (As palavras. Os factos) de uma forma original. Assim, entre 1933, quando se “institucionalizou” a ditadura, com a “aprovação” da Constituição, e em 1974, quando ela foi derrubada, a 25 de Abril,
18ª sessão dos países que subscrevem a Convenção das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla inglesa) terminou sem resultados sequer mediocremente satisfatórios (se é que tal expressão seria legítima…). Em 2009, na 15ª edição da referida conferência, as esperanças eram altas. A União Europeia ainda aparecia dominada por um propósito de querer fazer a diferença em prol de um combate efetivo às alterações climáticas. Na altura, apesar da crise económica, a União ainda não estava devorada pela fúria fratricida em torno das “dívidas soberanas”. Nos EUA. Um presidente Obama. Recémempossado, Prémio Nobel da Paz, enchia o mundo de esperança numa nova política de responsabilidade ambiental dos EUA, depois de oito anos de autismo de George W. Bush. Depois, foi o fracasso. O desapontamento. A manifestação da mais completa irresponsabilidade. O que se passou em Doha foi o dobre de finados na esperança de que o Protocolo de Quioto, cujo prazo de validade irá expirar em 31 de dezembro próximo, pudesse ser substituído sem deixar um ruidoso vazio. Infelizmente, é isso mesmo que vai suceder. Apesar de todos os relatórios científicos apontarem para um agravamento da situação climática ao longo deste século. É neste momento realista pensar que a temperatura mundial poderá estar 4º C mais quente, por volta de 2100. A política tornou-se numa máquina de cegueira colectiva. Uma arma de destruição maciça. Mas a geração que deixou esta ignomínia ser possível não vai ter uma velhice tranquila. Num mundo devastado pelas alterações climáticas, a guerra de gerações, a perseguição aos mais idosos, acusados de irresponsabilidade para com as gerações que ainda não haviam nascido, será um dos temas culturais e securitários mais recorrentes. Não há crimes perfeitos. JL
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temos, ano a ano, os eventos mais importantes ou significativos de cada ano, sobretudo através ou a partir das palavras dos protagonistas, dos quais de fazem pequenas biografias, e entre os quais avulta, até 1968, Salazar. Há também uma breve referência ao que ocorre no mundo, transcrições ou excertos de documentos, regulamentos, iconografia, etc. Uma leitura, pois, muito interessante e ilustrativa de toda uma época, a desta obra de Marcelo Teixeira, licenciado em História, escritor e ex director da Oficina do Livro (Ed. Parsifal, 352 pp., 17,90 euros). A arte de saber durar (Ed. Tinta da China, 368 pp., 17 euros). Trata-se de um ensaio “sobre o processo de tomada do poder pela frente política liderada por ele”, que o autor escreveu, como sublinha, para “tentar perceber as razões da durabilidade do regime salazarista, a mais longa ditadura da Europa no século XX”. E os mecanismos que o permitiram, foram, segundo Rosas, o apoio da oligarquia e a composição dos interesses dominantes, o corporativismo, o papel das forças armadas e da Igreja Católica, a violência preventiva e repressiva, a apetência totalitária e o ‘homem novo’ salazarista. De História é também, afinal, Melo Antunes – Uma Biografia Política, da igualmente prof.ª daquela universidade e investigadora, que se tem dedicado com especial atenção ao estudo (de vários aspetos) do 25 de Abril (Ed. Âncora, XXpp., 29 euros). Melo Antunes (MA), figura central do MFA, da descolonização, do período revolucionário, do “grupo dos nove”, da institucionalização da democracia na sequência do 25 de Novembro, foi, como salienta a autora, não só “um militar de carreira, mas muito mais: um grande intelectual, um ideólogo, um doutrinador – há quem lhe chame o intelectual fardado”. Rezola teve acesso a documentação inédita e, em seu juízo, “o papel do MA no processo revolucionário ganha novas cores com os dados agora descobertos e com a documentação disponibilizada na Torre do Tombo”. Quanto á dimensão humana e intelectual do principal autor do
programa do MFA fala muito bem o prefácio do seu amigo António Lobo Antunes. Biografia também como não podia deixar de ser, sobretudo, mas
coisas mais complexas da forma mais simples possível, sem ‘arrogância’, sem jargão e sem querer mostrar erudição… Prefácio de Carlos Fiolhais
não só, política, é a de Marcelo rebelo de Sousa, da autoria, como é lógico, não de um historiador mas de um jornalista, Vítor Matos (Ed. A Esfera dos Livros, 712pp, 25 euros). Marcelo, 64 anos (feitos hoje, 12 de dezembro!), está aí, ativíssimo, como comentador político e político disfarçado ou sob as vestes de comentador, potencial candidato a Belém, etc., etc. Prof. de Direito e em certos períodos mais ou menos jornalista, sempre muito bem informado, talentoso, com enorme capacidade de trabalho, frenético, amigo dos amigos e intriguista, sabedor e imaturo, desde muito novo tem um percurso singular na vida, em especial na política do país (o pai foi ministro de Marcelo Caetano, seu padrinho). Vítor Matos fez um bom trabalho e dá, por vezes até com grande soma de pormenores, inclusive familiares, esse percurso. A biografia, esclarece o autor, além de 80 outras entrevistas, teve toda a colaboração do biografado, através de dezenas de horas de conversa, mas não lhe foi ‘submetido’ para leitura prévia. Mudando de área, para a Filosofia, chega às livrarias uma entrevista de João Maurício Brás a Onésimo Teotónio Almeida, que é em simultâneo um diálogo entre os dois, como aliás o criativo título indica: Utopias em dói menor – Conversas transatlânticas com Onésimo (Ed. Gradiva, 320 pp, 14,50 euros). Decerto mais conhecido como escritor, cronista e contador de histórias, Onésimo é um universitário, doutorado em Filosofia numa das mais prestigiadas escolas dos EUA, a Brown, em Providence, na qual é prof. nessa área, em particular de Ética (Brás doutorou-se na Nova de Lisboa). E tem uma obra filosófica, aliás em boa parte ainda não reunida em volume(s), como desse livro se vê, até agora talvez apenas devidamente valorizada no substancial volume de Miguel Real sobre a Filosofia em Portugal editado pela IN/CM. Pois estas muito interessantes “conversas” – às quais em breve o JL voltará - têm também o mérito de a divulgar e comentar, de chamar a atenção para ela, graças a JMB, que a conhece muito bem; e graças, claro, ao próprio Onésimo, à sua clareza e à forma como fala das
e posfácio de José Eduardo Franco. E, até porque estamos no Natal, referência a um livro que tem como título uma pergunta de certa forma surpreendente: Quem foi quem é Jesus Cristo?. A ela respondem, sob vários ângulos, da sua “biografia impossível” a Jesus e as mulheres, de Jesus e o dinheiro a Jesus e a Igreja, dez autores. A saber: Anselmo Borges, Xabier Pikasa, Antonio Pinero, Juan A. Estrada, J. Ignacio Gonçalez – Faus, Isabel Allegro de Magalhães, Juan José Tamayo e André Torres Queiruga. A coordenação é de A. Borges – teólogo e docente da Un. de Coimbra, autor de uma assinalável obra neste domínio – que assina o texto introdutório, “De Jesus a Jesus Cristo” (Ed. Gradiva, 312 pp., 15 euros). Três livros mais,em (quase) tudo: 1) Vencer o medo – Ideias para Portugal, de Manuel Carvalho da Silva (Temas e Debates, 220 pp, 15,50 euros). São seis textos do até há pouco, e durante muitos anos, secretário-geral da maior central sindical portuguesa, a CGTP, que entretanto se doutorou em Sociologia e coordena o CES em Lisboa. Textos de intervenções, social e política portuguesa, problemas e desafios, em particular no mundo do trabalho e do sindicalismo, contra a inevitabilidade das atuais políticas, apresentando e defendendo novas
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A PAIXÃO DAS IDEIAS GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
Onde a noite se acaba…
alternativas; 2) Nos bastidores dos telejornais – RTP 1, SIC e TVI, da autoria de Adelino Gomes, um dos mais justamente conceituados jornalistas portugueses, com larga experiência de rádio, televisão e imprensa escrita,
encontra, como Portugal, uma
em 1948, e José – Augusto França
princípios ideológicos e morais
e que entretanto se doutorou em
linha conveniente de pensamento
(JAF), com conhecimento de
com que o Estado Novo pretendia
e de ação política, assente em
causa, fala-nos do processo das
definir-se”.
segura experiência, é desassisado
assinaturas e das intimidações,
Segundo Franco Nogueira, Salazar
trocá-la, dando atenção ás vozes,
apresentadas por Marcelo Caetano
“exasperado com os ataques a que
aliás, dissonantes, que se
ao contrário do que realmente
assistira e que procuravam também
erguem das ruinas e das divisões
aconteceu. A lista dos mais
feri-lo, não pudera conciliar
da Europa a apregoar sistemas
prestigiados intelectuais,
o sono” numa determinada
salvadores”. Mas, no essencial,
que participam ativamente, é
madrugada, “considerando que,
isso serve para concluir: “Não
significativa: António Sérgio,
perante as criticas que a si
desejamos sair, pretendemos
Ferreira de Castro, João de
próprio via dirigidas, devia ir
ficar”.
Barros, Lopes Graça, Ramada
a Belém apresentar a demissão
Porém, num tom de certo humor, o
Curto, Aquilino Ribeiro, Vieira
ao Presidente da República…
inefável Borda d’Água, fazendo o
de Almeida, Palma Carlos, Joaquim
porém, pelas cinco horas da
juízo do ano, entre o conselho
de Carvalho, Azeredo Perdigão,
manhã, tomará uma decisão,
para plantar couves e orégãos e
Vitorino Nemésio, José Régio,
dizendo de si para si o que
a indicação do tempo que faria,
Casais Monteiro, António Pedro,
na manhã seguinte revelou ao
diz: “Estão todos a olhar uns
Hernâni Cidade.
ministro das Finanças que o veio
Sociologia nesta área, em que é agora investigador. Trata-se de um trabalho muito completo, sério e rigoroso, realizado entre 2007 e 2010 a partir do estudo dos jornais das 20, os de maior audiência, das três televisões generalistas portuguesas. Trabalho revelador, à altura de Adelino Gomes, e que interessa não só à gente dos media como a outros públicos que queiram estar bem informados (Ed. Tinta da China, 432 pp., 15,90 euros); 3) Julgamento – Uma narrativa crítica da Justiça, por Laborinho Lúcio (D. Quixote, 536 pp., 24,90 euros), é um misto de memórias/ histórias do autor, em especial como figura destacada daquele sector (desde delegado do MP e magistrado, na segunda metade da década de 60, a conselheiro, director do Centro de Estudos Judiciários e ministro da Justiça), e de um largo conjunto de opiniões, um ensaio, sobre esse sector da Justiça. E como o autor o conhece muito bem, sabe da matéria, escreve (como fala) com elegância e humor, a obra, a que voltaremos, recomenda-se ( ler nota de Jorge Listopad na pag.39). Enfim, para que não se diga que só falamos de livros e autores portugueses, duas notas finais sobre dois books a merecerem também mais larga referência do filósofo francês Michel Onfray, que, tendo ‘acreditado’ e deixado de acreditar, considera a psicanálise uma espécie de alucinação coletiva, apresentando-nos o seu criador como uma figura a vários títulos ou mesmo condenável: intitulase Anti-Freud (“e se lhe dissessem que Freud é uma fraude?”) e tem um equilibrado prefácio de J.L. Pio de Abreu, o qual salienta que Onfray “também matou o Deus que existia em Freud, permitido que, finalmente, o possamos ler sem atavismos religiosos” (Ed. Objectiva, 648 pp., 29 euros).A Era Secular, um minucioso longo trabalho de investigação e análise (mais de 800 páginas compactas, em corpo pequeno) sobre a secularização do mundo, Charles Taylor, um filósofo canadiano de 81 anos, pretende “definir e delinear” a mudança que nos leva de “uma sociedade em que é virtualmente impossível não acreditar em Deus a uma sociedade em que a fé, mesmo para o mais sólido dos crentes, é uma possibilidade entre outras”. (Ed. Instituto Piaget, 820 pp., 57,24 euros)JL
A leitura do tempo tem sempre magia e permite-nos partir daí para a perceção da vida. Ao acabar de publicar O Ano XX, Lisboa 1946 – Estudo de Factos Socioculturais: Dois homens, uma só obra (Imprensa Nacional – Casa da Moeda), José-Augusto França prossegue uma obra multifacetada, incansável e minuciosa, onde se têm incluído estudos de tempo, que nos permitem compreender os acontecimentos emblemáticos de determinados períodos, partindo daí para o entendimento do país e do mundo, uma vez que a história sociocultural permite chegarmos à visão de conjunto, sobretudo, quando o cicerone é referência da história da arte europeia e mundial, como afirmou a diretora – geral da UNESCO, Irina Bokova, na bonita mensagem que enviou no dia em que o mestre perfez a bonita (e jovial, diga-se abono da verdade) idade de nove décadas. Lembramo-nos de Os Anos Vinte em Portugal (1992), Lisboa, 1898 (1998), Lisboetas no Século XX – Anos 20, 40 e 60 (2005) e O Ano X – Lisboa 1936 (2010), e esses antecedentes constituíram preciosos meios para a compreensão histórica de anos significativos. Desta vez, deparamo-nos no pórtico da obra com uma homenagem, merecida e significativa, a um primeiro companheiro desses anos, um jornalista, ficcionista e etnólogo que em 1946 (um ano depois de Calenga) escreveu A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses, sendo obrigado a deixar na gaveta um romance de denúncia anticolonialista, Terra Morta. Falo de Fernando Castro Soromenho (1910 – 1968), exemplo de intelectual e resistente, analista lúcido da emancipação africana. O Ano XX é um ano chave da chamada “Revolução Nacional”, o ultimo a ser assinalado desse modo, já de fugida, ressoando a ironia imperial. É o ano a seguir ao fim da guerra e por isso parece ser de um certo alívio, apesar de todas as esperanças frustradas. E, quase surpreendentemente, ouve-se a voz de Oliveira Salazar a dizer: “Quando um país
para os outros como quem diz: Que
visitar (e que só esse ministro,
vai sair disto tudo? E a resposta
Lumbrales, podia ter contado ao
ninguém atina com ela”. De facto, a obra procura, à distância do tempo, responder à questão em 15 capítulos, organizados com critério e minúcia. Começa com os ecos do fim da terrível guerra e com a revista Time a apresentar Salazar como o decano dos ditadores (uma maça apodrecida e uma pergunta” Até que ponto
“José-Augusto França prossegue uma obra multifacetada, incansável e minuciosa”
de Londres sob a suspeita de excessiva anglofilia (1943), mas agora havia que elogiar, sem alardes, a vitória aliada. De facto, havia leves esperanças, velhos republicanos como José Domingues dos Santos esperam que os ventos novos sejam propícios e regressam. Realizam-se eleições (novembro de 1945), mas a continuidade prevalece. O ano de 46 é charneira em que os Aliados hesitam quanto à questão ibérica, por proximidade excessiva da Guerra Civil espanhola e por receio de mudanças bruscas. As prometidas “eleições tão livres, como na livre Inglaterra” tornam-se uma miragem. Francisco Valença, no Sempre Fixe, lembra ambiguamente para o ato eleitoral, o carneiro com batatas, comparado com as batatas a três escudos o quilo. O certo é que Salazar quis ficar, recusando a saída. O director Reuters, Douglas Brown, é expulso por simpatias oposicionistas, como a revista Time passou a estar proibida… É o tempo da criação do MUD, Movimento de Unidade Democrática, criado em 8 de outubro de 1845, ilegalizado
lhe disse foi exatamente: ‘Ora, são uns garotos’. Após o que adormecera tranquilamente”. E tudo continuou. A I Conferência da União Nacional (11 novembro) pretendeu dar um impulso ao regime. Salazar apareceu, apesar da crise neurasténica, enquanto o atento Marcelo Caetano encerrou, notando-se uma luta de
em Portugal o melhor é mau”…). Armindo Monteiro regressara
narrador). O que o chefe então
Mas, naturalmente, a “situação” acena com o “período comunista”. E o autor, tem absoluta razão ao dizer que então, para Salazar, era fundamental criar um “inimigo”, sobretudo com a guerra terminada. O presidente do Conselho, em 23 de fevereiro de 1946, fala de “ideias falsas e palavras vãs” e é muito crítico, especialmente para as Nações Unidas, para a reconstrução e para o processo de Nuremberga – estando em causa episódios, complacências e cumplicidades bem próximos. O tema do Império Colonial vem à baila, com a lembrança da tradição republicana
protagonismo com Santos Costa, que proferira em Braga o discurso de 28 de Maio. Ao longo do livro vai-se tomando pulso ao tempo: a literatura, a vida artística, o cinema, o teatro e a música, a imprensa possível, “os lisboetas tinham mudado mais do que em 20 anos anteriores, levados pela aceleração do ritmo da história, mesmo alheia, em costumes que uma nova economia de consumo fizera alterar…”. Rodrigues Miguéis intitularia a sua obra de 1946 Onde a noite se acaba. Era um novo tempo que se abria, incerto mas prometedor. Recomeçava tudo
do velho “ultimatum” inglês. Uma das curiosíssimas chaves da reflexão de JAF está no episódio que intitula significativamente como “Os Garotos”. O que estava em causa era a perceção por Salazar do crescente sentido crítico que ia minando a base do regime, em especial relativamente aos mais jovens, que tomavam consciência da abertura e da modernização. Depois das eleições ganhas inevitavelmente pela União Nacional, o líder quis ouvir os colaboradores. Afinal, o país legal “não se imbuíra dos
José-Augusto França
O ANO XX, LISBOA 1946 – ESTUDOS DE FACTOS SOCIOCULTURAIS: DOIS HOMENS, UMA SÓ OBRA
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 392 pp, 24,99 euros
Debate-Papo
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JL
Valter Hugo Mãe
Boris Bucan
PROPRIETÁRIA/EDITORA:
JORNAL DE LETRAS, ARTES E IDEIAS
Medipress
Sociedade Jornalística e Editorial, Lda. NPC 501 919 023 Rua Calvet de Magalhães, nº 242, - 2770 – 022 Paço de Arcos Tel.: 214 544 000 – Fax: 214 435 319 email: ipublishing@impresa.pt GERÊNCIA: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão, Pedro Norton, Paulo de Saldanha, José Freire, Luís Marques, José Carlos Lourenço, Francisco Pedro Balsemão, Raul Carvalho das Neves
AUTOBIOGRAFIA IMAGINÁRIA
COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE PROPRIETÁRIA: Capital Social € 74.748,90; Impresa Publishing, SA – 100% PUBLISHER: Pedro Camacho
A neve trancou Zagred. O tram deixou de passar. As poucas pessoas na rua iam de botas agressivas assentando passos nervosos no chão. Um homem abria um carreiro na neve quando percebeu o meu nariz no ar, procurando. Perguntou-me se buscava Boris Bucan, eu respondi que sim. Indicou-me uma passagem discreta. Uma última porta a dar para o pátio onde o temporal, na hora certa, veio todo cair sobre mim. Foi apenas então que percebi porque me haviam dito para cuidar do calçado, da cabeça, das orelhas, das pernas, do nariz, da alma mais imediata, da força de vontade. Fiquei, subitamente, branco de cima a baixo. Molhadamente branco e gelado. Toquei à campainha. Sacudime, imitando com incompetência o meu cão depois do banho. A porta estava aberta, entrei. As telas brancas, quadradas, grandes, disseram-me que estava certo. Estava no atelier
“Boris Bucan é como os seus quadros. Robusto, de olhar cirúrgico, retirando-nos gorduras. Retirando-nos gorduras aos gestos, às palavras, às intenções.”
Recebeu-me simpaticamente, indicando-me a sala mais quente, iluminada, onde as telas para uma exposição em 2013 se acumulam. A sua esposa, Inga, ajudou-me com o inglês e o croata. Era minha intenção dizer que queria sobretudo chegar perto, ter esse privilégio da proximidade e auscultar, como me é costume, a intensidade de alguém cujo trabalho me impressiona. Percebi que Boris Bucan é como os seus quadros. Robusto, de olhar cirúrgico , retirandonos gorduras. Retiranos as gorduras aos gestos, às palavras, às intenções. É direto. Achei muito coerente com o seu trabalho de depuração das formas. Uma depuração pelo lado sensual, permissibo, prazeroso da arte, mas indubitavelmente uma depuração. Porque sempre reduz cada representação ao seu mínimo. É um caçador do elementar, da brevidade. Como se pesquisasse o modo mais breve de mostrar algo. Diria que reduz cada coisa à mais estilizada e imediata representação possível. A realidade torna-se irónica, mais irónica, o olhar é sempre humorístico e desarmante. Inusitado. Senti-me nu. Molhado, ainda, e nu. Sem dúvida que é isso que mais me fascina no seu trabalho. A capacidade de deixar apenas a
dimensão mais bela e improvável de cada coisa representada. Estamos sempre no território da surpresa, da insinuação, da profunda originalidade. Faz-me lembrar, a cada quadro, a genial capacidade de criar logótipos, de criar símbolos, a iconografia. Algo de uma força comunicacional poderosa. Cada imagem contém, em potência, o discurso absoluto. Explica. Faz ver tudo na sua esplendorosa elementaridade, simplicidade, improbabilidade. Pedi a Inga que nos fizesse um retrato, que ficou meio torto e desfocado. De todo o modo, aparecemos, bem esticados, em frente a uma das telas. Aparecemos bem, quero dizer. Pensei que a neve me entrava costas adentro, ainda caindo em pingas cruéis pela camisa. O casaco de malha davame, contudo, um ar confortável para todas as ilusões. Agradeci. Trouxe os catálogos que me ofereceu como folhas de ouro. Escondi-os na mochila para que ficassem protegidos. Sim. Do calçado, da cabeça, das orelhas, das pernas, do nariz, da alma mais imediata, da força de vontade. Os catálogos, acontecesse o que acontecesse, tinham de sobreviver o regresso ao hotel, regresso a Portugal. Uma resma de folhas de ouro na mochila não ajuda a andar. Quase nos acende uma luz no coração, é verdade, mas para andar não é uma ideia boa. Tropecei no caminho, mesmo que com os sapatos de herói das neves que comprei na loja à entrada do hotel, e
fiquei de joelhos por um segundo. Comecei a rirme. À minha frente, uma senhora levava um enorme cão se atreve a olhar para mim. Veio cheirarme. A senhora disse-lhe qualquer coisa. O bicho parecia sorrir. Era simpático. Levantei-me. Fiz o resto do caminho com o cão a controlar-me. Ia virando o rosto para trás a ver se eu tinha mais ataques estranhos. Acho que percebeu que eu vinha de conhecer o Boris Bucan e que, com nevão ou sem nevão, o mundo não estava para me impedir tal aventura. Os bichos sentem estas urgências. Fui comer a um italiano e pus-me a alongar as vistas nos catálogos como quem vê paisagens. Os quadros gráficos não são planos. Têm diversos sentidos, comportamse como emaranhado de coisas longe e perto que importa descobrir ou apensa intuir. Quando me apercebi de que o tram voltou a passar, duvidei se não era um objeto de traçar uma linha na tela branca de neve. Quase vi os escritos de Bucan na rua, ali mesmo na realidade toda. Talvez a dizerem: instrumento de cordas. Orquestra Sinfónica de Zagreb. Nenhuma orquestra no mundo tem melhor património plástico do que esta. Nenhuma foi mais inteligente. Podem bem fazer espetáculos em que se paga para ver o cartaz e não o concerto. Com Boris Bucan essa inversão do protagonismo é um risco. Um risco bom. Depois de seco, nenhuma constipação me pegou. Lembrei-me do que se dizia antigamente. Que a constipação apanha-nos sobretudo pela tristeza. E eu estava contente de mais.
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos DIRETOR DE ARTE: Vasco Ferreira REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolinha Freitas, António Carlos Cortez, Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego de Almeida, João Medina, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, José-Augusto França, José Luís Peixoto, Lídia Jorge, Manuela Paraíso, Maria João Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Pires Laranjeira, Rocha de Sousa, Urbano Tavares Rodrigues, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques OUTROS COLABORADORES: Agripina Vieira, Alexandre Pastor, Álvaro Manuel Machado, André Pinto, António Ramos Rosa, António Cândido Franco, Boaventura Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo Cordeiro, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João Caraça, José Manuel Canavarro, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa Lobão Moniz, Manuel Alegre, Maria do Carmo Vieira, Maria Emília Brederode Santos, Maria Fernanda Abreu, Maria José Rau, Miguel Carvalho, Marina Tavares Dias, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário de Carvalho, Mário Soares, Marcello Duarte Mathias, Nuno Júdice, Óscar Lopes, Ricardo Araújo Pereira, Rui Mário Gonçalves, Silvina Pereira, Teolinda Gersão e Vasco Graça Moura
PAGINAÇÃO: Filipa Lourenço e Miguel Dias SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco, SA REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua Calvet de Magalhães, nº242, 2770-022 Paço de Arcos – Tel.: 214 698 000 Fax:214 698 500 – email: jl@impresa.pt. Delegação Norte: Rua Conselheiro Csta Braga nº 502 – 4450-102 Matosinhos – Tel.: 22 043 7001 PUBLICIDADE: Tel.: 214 698 751 – Fax: 214 698 516 (Lisboa) Tel.: 228 347 530 – Fax: 228 347 558 (Porto) Pedro Fernandes (Diretor Comercial) pedrofernandes@sic.pt; Maria João alucia@impresa.pt. Delegação Norte: Ângela Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt, Margarida Vasconcelos (Gestora de Contas) mvasconcelos@impresa.pt, Miguel Aroso maroso@impresa.pt (contactos); Ilda Ribeiro (Assistente e Coordenadora de Materiais) jmribeiro@impresa.pt PUBLICIDADE ONLINE: publicidadeonline@impresa.pt Tel.: 214 698 970 MARKETING: Mónica Balsemão (Diretora), Ana Paula Baltazar (Gestora de Produto) MULTIMÉDIA: João Pedro Galveias (Diretor) joaogalveias@sic.pt PRODUÇÃO: Manuel Parreira (Diretor), Manuel Fernandes (Diretor Adjunto), Pedro Guilhermino e Carlos Morais (Produtores) CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Pedro M. Fernandes (Diretor), José Pinheiro (Circulação), Helena Matoso (Atendimento ao Assinante); Atendimento ao Ponto de Venda: pontodevenda.ip@impresa.pt Tel.: 707 200 350, 21 469 8801 (todos os dias úteis, das 9h às 19h) – Fax: 214 698 501 email: apoio.cliente.ip@impresa.pt Aceda a www.assineja.pt ENVIO DE PEDIDOS: Medipress – Sociedade Jornalística e Editorial Lda. Remessa livre 1120-2771-960 Paço de Arcos IMPRESSÃO: Lis Gráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de Baixo DISTRIBUIÇÃO: VASP-MLP, Media Logistics Park, Quinta do Grajal – Venda Seca, 2739-511 Agualva – Cacém – Tel.: 214 337 000 Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt - Tel.: 808 206 545 Fax: 808 206 133 TIRAGEM: 10 500 exemplares Registo na ERC com o nº 107 766 – Depóstito Legal nº 11 745/86 Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais “A Medipress não é responsável pelo conteúdo dos anúncios nem pela exatidão das características e propriedades dos produtos e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou empresas publicitárias”.
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JORGE LISTOPAD
SEGUNDA VIA Primeiros passos para a hibernação QUARTETO DE ALEXANDRIA
Quem alguma vez passou em Alexandria, não só que nunca se esquece mas ainda se lembra do romance de Lawrence Durrell (1912-1990), ou melhor: dos quatro livros do romance sobre Alexandria. E ao contrário, quem leu a obra-prima do escritor inglês, vai lembrar-se da cidade onde nunca esteve e que está à sua espera. Uma vez escrevi um conto que se passava nessa cidade, que tinha visitado pouco antes. No seu conteúdo havia um misto de estranheza e de paixão. Amanhã vou procurá-lo. Porém, agora tenho outro agradável dever: abrir a edição de O Quarteto de Alexandria publicado pela D. Quixote, quatro romances num único livro. Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, talvez que este último esteja estilisticamente mais afastado desse já clássico romance inglês. Para completar a informação: este megalivro tem mais de 900 páginas e pesa muito, mas uma vez diante dele esquecemos o peso mecânico da existência. Como se pode verificar, adoro este livro e não só a partir da edição hodierna. Ao lado do nosso mundo criou um outro mundo completo. Felizes daqueles que podem dar os primeiros passos de hibernação com O Quarteto ao seu lado. O inverno será leve. Que bom é por vezes podermos depender do eloquente silêncio de alguém outro.
KEERSMAEKER
Enquanto Anne Teresa de Keersmaeker abandou Lisboa para hibernar algures noutro território de sua escolha, posso apenas lembrar o espetáculo em três “volumes” realizado no Teatro Camões, coreografado para os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB), ao que saiba a única além da sua para quem a coreógrafa belga trabalhou. A primeira coreografia dessa trilogia foi o Preludio à sesta de um fauno com toda a sua famosa história desde Debussy a Nijinsky. Claro, Anne Teresa não brinca com a sua inspiração: foi bem diferente, inclusive no início a homenagem sem som feita ao bailarino russo que criou pela primeira vez o bailado e que levantou tanta celeuma em Paris, aquando da visita dos Ballets Russos àquela cidade. O que evidenciou maior diferença foi a caracterização do fauno, não como ser solitário e melancólico numa shakespeariana floresta de fadas, mas um delírio de presença mútua algo animalesca, e onde a diferença entre o homem e a mulher é reduzida ao mínimo, andrógina. A segunda peça, Grosse Fugue, segundo Beethoven, apesar de 20 anos volvidos sobre a sua criação, deu ocasião aos bailarinos da CNB, acompanhados pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, com dois violinistas, uma viola e um violoncelo. Talvez tenha sido o terceiro ballet da noite a convencer aqueles que ainda não o estavam sobre a maestria da coreógrafa: Noite Transfigurada de Arnold Schonberg é uma das grandes partituras do compositor, aqui ainda com um pé na música antes de si próprio como criador de novas formas e a música trabalha com harmonias. Ess rotura interna da peça musical foi justamente recriada num cenário de sombras e de claro-escuro a exprimir, na tensão da composição, algo pertencendo aos primeiros anos do expressionismo. Noite Transfigurada, nesse sentido, é exemplar da maestria estilística de ATKM.
O JULGAMENTO
Agora vamos pôr os pés na terra manontroppo: fala de Laborim Lúcio, autor de O Julgamento – Uma Narrativa Crítica da Justiça (D. Quixote). Homem de exatidão, de rigor de palavra, sentido de humor, que nas mais de cinco centenas de páginas reaprecia a
matéria de que é feita a justiça; quer a justiça em si, quer a justiça como instituição, quer a filosofia de estarmos no mundo. Fui ao lançamento do livro do autor, que me dá a honra de ser seu amigo, na livraria Buchholz. Nem cheguei nada atrasado, mas já não havia lugares; então, num cantinho, ouvi e depois aplaudi comme il faut o discurso de Jorge Sampaio, e o do fazedor do livro, esperando que através da instituição ambos reconhecem o meu aplauso invisível. O livro já está em minha casa à espera da dedicatória e só nessa altura vou ler todas as páginas por inteiro, estando neste momento apenas a folhear alguns capítulos. De uma vez por todas quero afirma publicamente que gosto de Álvaro Laborim Lúcio e não desfazendo sempre pensei que seria um bom Presidente da República: figura, verbo, seriedade, autocrítica em forma de humor ou dialeticamente ao contrário, tudo possui; mas visto que as coisas são como são, não acalento muitas esperanças.
PONTE DE SOR
Sim senhor, fui à província: surpresa. Encontrei, num Centro de Artes e Cultura local, em primeiro lugar: bom gosto extremo, distribuição de espaço adequado para as múltiplas atividades, simpatia. Segundo: assisti à inauguração da exposição de dois jovens pintores: Gabriel Garcia, que sintetiza fantasia com imaginação (como se sabe, são duas coisas distintas), e Emanuel Berenguel, cuja pintura vem melhorando de exposição para exposição. Terceiro: pude encontrar-me, depois de algum tempo de ausência, com o marquês de Fronteira e Alorna, Fernando Mascarenhas, com quem jantamos na sua “casinha” que é um palácio, com alguns amigos, e pré-combinámos alguma coisa em comum. É segredo. É ele o mecenas desse Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor. Ao viajar para lá, através da passagem chuvosa ergueu-se um arco-íris absolutamente excecional. Ao voltar, era a noite noitíssima.
O HOMEM DO LEME MANUEL HALPERN
Em fim o mundo “O mundo não vai acabar a 21 de dezembro de 2012, nem em nenhum outro dia de 2012”, assegura o governo americano, no seu site oficial. Eles devem saber do que estão a falar, porque têm bombas suficientes para acabar com este mundo e o outro. Quanto a 2013, isso logo se vê. O governo americano para já não arriscar qualquer palpite. Essa ausência de informação sobre o estado de saúde do mundo no próximo ano é, no mínimo, inquietante. Talvez eles estejam à espera do reveillon para nos dar a notícia: “Lamentamos informar os habitantes da Terra que o planeta vai explodir em meados de março, por favor mantenham a calma”. Mas pelo menos até ao final do mês estamos safos, o que já não é nada mau. Parte-se do princípio que, nesta matéria, os americanos sabem mais que os Maias. E este último fizeram a profecia há um milhar de anos só para semear a confusão nos povos do futuro (atenção, não confundir o povo Maia com a astróloga Maya). Contudo, os profetas Maias enganaram-se num ponto fulcral: estavam convencidos Mitt Romney ia ganhar as eleições americanas. Com Barack Obama tudo fica um pouco mais tranquilo. Nós por cá, no meio desta crise, estamos demasiado ocupados em (sobre) viver o dia a dia, para nos preocuparmos com assuntos de tal envergadura. Primeiro o dinheiro para o bife, depois as grandes questões do universo. Porque sem dinheiro para o bife não há cosmos que resista. Mas isto dos bifes é como os mundos: ou há moralidade ou comem todos. Bum!
INÊS PEDROSA
E porque estamos no tempo da pré-hibernação, o que provavelmente e inconscientemente para mim significa leituras, apresento mais um livro e mais uma vez da D. Na página 30 diz ela: “O problema é que as palavras, as que são ditas e as que ficam por dizer, alteram as relações entre as pessoas e por consequência a história do mundo. A literatura apenas testemunha esse fenómeno.” Esta citação podia ser o leitmotiv do livro que, aliás como todos os textos de Inês, remetem ao Lust zum Fabulierem de Goethe. A autora é, do ponto de vista dessa história, de grande inventividade das pequenas coisas e de narrá-las, não sendo este romance de algum amor e desamor no domínio de sentimento único; é evidente o prazer de descobrir, e ainda por cima quando lemos ouvimos música. Se se quiser, este livro ainda mais do que alguns outros da mesma autora lembra a desenvoltura do checo Milán Kundera, do feminino e em português tout compris.
FIM DE HIBERNAÇÃO
É fácil dizer a palavra hibernação. Mas seja-me permitido constatar que a natureza como recusa essa secular ordem dos animais e, talvez devido a uma qualquer alteração climatérica, tenha a casa cheia de formigas muito ocupadas, sem parecerem conhecer as ordens antigas. Nada está certo.
O COELHINHO (JORGE LISTOPAD)
O coelhinho irrompeu no meu quarto, de saco às costas. Não lhe perguntei nada, apenas o olhei com surpresa. Foi ele que começou: - Vou emigrar. - Pois bem, para onde? - Para a Grécia!
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JN Diário
20 de Outubro
Chegámos cedo a Vila Nova de Foz Côa e andámos às voltas pela cidade sem encontrarmos o Centro Cultural. Mas no meio das andanças acabámos por dar com a antiga casa da minha avó, no Largo da Igreja, onde em miúdo, com o meu irmão, incitados pelos primos mais velhos, estivemos clandestinamente pisando uvas no lagar do vinho – com o consequente castigo quando os pais notaram que as nossas pernas se tinham tingido de roxo. Hoje no sítio do lagar estão escritórios. Muita coisa mudou. A vila passou a cidade, já não desligam o gerador de eletricidade às dez da noite, a Avenida é finalmente uma verdadeira avenida, no Pavilhão de Exposições e Feiras decorre o Festival do Vinho do Douro Superior, a Câmara Municipal tem um Centro Cultural. Centenário. Fez 100 anos que o meu pai aqui nasceu. Em maio e junho a Hemeroteca Municipal de Lisboa tinha organizado uma pequena exposição a propósito do centenário do nascimento de Guilherme de Castilho. Aproveitando documentação da Hemeroteca, a Câmara Municipal de Foz Côa organizou no Centro Cultural uma exposição mais ampla, com manuscritos, livros, artigos, correspondência, fotografias, começando nos anos 30 nos tempos da Presença em Coimbra e cobrindo depois a vida literária de Guilherme de Castilho até aos anos 80. Durante as últimas semanas estive em contacto quase diário com as pessoas ligadas à exposição para dar a minha ajuda, facultando documentação que está comigo. Deu-me gosto voltar a vasculhar os papéis do meu pai e selecionar cartas de presencistas e outros escritores. E também fotografias velhas, perdidas em álbuns ou amontoadas em envelopes, no geral muito pequenas e já bastante desvanecidas: graças aos Photoshop transformei-me em restaurador, digitalizando imagens de Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Saúl Dias/ Júlio, Ruben A, etc. A abertura da exposição foi feita com uma cerimónia simples, como o meu pai teria gostado. Num país que vive como se não tivesse um passado, foi bom saber que em Foz Côa existe um município e um grupo de pessoas, com entusiasmo e amor pelas Letras, que quiseram recordar quem veio antes. À noite o jantar foi num restaurante, em família, várias gerações.
4 de Novembro Por volta das nove telefonou o Vasco Graça Moura para me dizer que tinha sido atribuído o Prémio Fernando Namora pelo romance Domínio Público. Fiquei naturalmente muito satisfeito, tanto mais que andava desconsolado – e até um pouco intrigado – com a “carreira” discreta que o Domínio Público até agora teve, não obstante críticas muito boas, para
Paulo Castilho Uma segunda vida além de referências positivas no universo que me é menos familiar dos blogues. Intrigado porque o livro conta uma história atual, que me parece ter muito a ver com o país que hoje somos. A história decorre em 2009 e 2010 e as vias e os dramas das personagens estão no livro muito ligados às circunstâncias bastante angustiantes em que Portugal e os portugueses viviam já na época dos PECs do Eng. Sócrates e em vésperas de nos cair em cima a simpática Troika. O Domínio Público lida também com questões da cultura e da língua portuguesa. O património cultural do nosso país, que nasceu quase há 900 anos, está em grande medida votado ao esquecimento e ao desinteresse generalizado, sobretudo quando se trata de literatura. O próprio Namora, alguém o lê? Tirando o Eça, alguém lê os escritores do passado? E o Pessoa está transformado em “calebrity”, uma espécie de Paris Hilton das letras lusas, famoso, festejado, mas pouco lido. Quanto à língua, vivemos na regra do desleixo e do vale tudo – incluindo o acordo ortográfico, que entre muitas outras calamidades, faz tábua rasa da origem latina da nossa língua. Mais um fenómeno de aculturação. É irónico que tenhamos agora de ir a outras línguas, como por exemplo o inglês, que é essencialmente germânico, para encontrar muitas das raízes latinas que deitamos fora nas nossas palavras. Por tudo isto, deu-me grande satisfação o facto de o júri do prémio ter expressamente salientado o modo como no meu livro utilizo a língua portuguesa.
6 de Novembro Acabei de ler o primeiro volume das Passions Intellectuelles, em que a Elisabeth Banditer escreve longamente sobre o século das luzes em França. Este volume é dedicado sobretudo às Academias (Letras e Ciências) e à Enciclopédia. É fascinante constatar que é no século XVIII que nasce o mundo em que ainda
É uma pena que atualmente em Portugal sem despreze o francês e já quase ninguém o fale ou leia. Foi e é a língua de uma grande cultura, ainda hoje com um movimento editorial de um enorme vigor em muitas áreas superiores ao inglês. Agora corremos atrás da língua inglesa e de tudo o que tenhas um ar de Inglaterra ou de América sem nos darmos conta de quanto no encontramos longe da mente anglo-saxónica. Não os compreendemos plenamente e eles não nos compreendem a nós e, na verdade, tendem a tratar-nos com alguma condescendência. Os Franceses não são certamente perfeitos, mas são mais “a nossa gente”.
16 de Novembro
Paulo Castilho, 67, escritor, diplomata, foi diretor-geral das Comunidades Portuguesas e embaixador de Portugal na Suécia, no Conselho da Europa e na Irlanda. Estreou-se como ficcionista, em 1983, com O outro lado do espelho, a que se seguiu Fora de Horas, distinguido com os três principais prémios nacionais, e Letra e Música, entre outros. Domínio Público, o seu último livro, acaba de receber o Prémio Fernando Namora hoje vivemos. Também fascinante o papel que as mulheres (em muitos casas aristocráticos) desempenham no movimento das luzes. Mas com a revolução (da burguesia), a partir de 1790 as mulheres desaparecem da vida pública durante mais de um século. Antes de passar aos outros dois volumes de Badinter vou ler Le Règne des Femmes 1715-1793, de Jean Haechler.
Como sempre, era já noite quando chegámos a Monsaraz. O largo da igreja, totalmente deserto e silencioso, com o pelourinho e as casas todas em volta, parece sempre, à luz dos candeeiros, uma paisagem imaginária e irreal, um quadro inventado por um pintor. Ainda mais irreal quando o grupo de cante alentejano ensaiava no clube – há muito no mundo das mulheres por quem tenho tanto carinho, uma é a minha mãe, outra a mãe do meu filhinho... – o som espalhando-se pela terra e depois até dentro da nossa casa mesmo em frente. Monsaraz para nós é sobretudo o verão. Mas acabamos sempre por não resistir a um último fim de semana de paz e sossego absolutos. Estivemos quase para desistir e regressar a Lisboa logo após a chegada. A tremer de frio pusemos a mão na parede da sala e era como se estivéssemos numa câmara frigorífica. Mas não desistimos. Acendemos a lareira e durante a primeira noite não chegámos a despir parkas e casacos. Na manhã seguinte a casa estava habitável e até apareceu um pouco de sol. Tirei do saco os NY Times Book Review e os New York Review of Books, que vou juntando e depois leio de atacado para saber o que passa nas letras USA. Quando me cansar tenho A Vida em
Lisboa, de Júlio César Machado, publicado em 1857 (mais um esquecido), que não é um grande romance, mas nos conta como se vivia e como se pensava em Lisboa há século e meio. A Luisa continua nos mistérios suecos do Henning Mankell.
17 de Novembro
Absolutamente nada para nos distrair. Horas e mais horas de leitura interrupta. Depois, até ao terraço para o pôr-do-sol que nesta época não é tão glorioso como no verão, mas mesmo assim ... Às oito e meia estávamos no Lumumba para o ensopado de borrego seguido de bolo rançoso, sem esquecer azeitonar, queijo curado cortado em fatias fininhas e tinto da Adega Cooperativa de Monsaraz. Passeio pela terra para fingir que assim fazemos a digestão e depois regresso a casa. Trouxe o computador, mas hoje vou fazer gazeta ao e-mail e, em vez disso, fico com o belíssimo livro do Ben Almeida Faria O Murmúrio do Mundo.
19 de Novembro
Uma última ida ao terraço para um pôr-do-sol de despedida. Felizmente estamos virados para o lado de Reguengos e Évora e nao temos que padecer a vista do Alqueva. Dizem que é o maior lago artificial da Europa. Gostamos sempre muito de ser os maiores de qualquer coisa. Mas a verdade é que o Alqueva, visto lá de cima, de Monsaraz, não parece um lago. Parece um charco. Parece que choveu demais e a água ainda não teve tempo de ser absorvida pela terra. Além disso, tremo ao pensas nas monstruosidades que à pala do turismo vão ser perpetradas naquele pobre recanto do Alentejo. Temos vocação para fazer cimento e estragar paisagens, o que no turismo é o mesmo que matar a galinha dos ovos de ouro.
28 de Novembro
Programa da RTP Ler+, Ler Melhor. Estiveram esta tarde cá em casa a filmar, para uma entrevista de 5 minutos. Começaram por me pedir que fizesse um breve resumo do livro. Sempre a pergunta a que me é mais difícil responder de forma minimamente satisfatória. Como hei de resumir em um minuto um história que demorei 400 páginas a contar? Apesar dos temas sérios em que toca, muita gente me disse que o Domínio Público é divertido de ler, com diálogos vivos e algum humor. Não sei se consegui transmitir esta ideia na entrevista. O livro, entretanto, voltou a aparecer nas livrarias, agora com um pequeno autocolante alusivo ao prémio. Ter direito a uma segunda vida é um luxo. Vamos ver como se porta.