Dissertação MIA | Marta Silva Martins

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Da mnemosine ao processo de arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

Realizado por:

Marta Daniela da Silva Martins

Orientado por:

Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Constituição do Júri: Presidente: Orientador: Arguente:

Prof. Doutor Horácio Manuel Pereira Bonifácio Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel Prof. Doutor Arqt. Orlando Pedro Herculano Seixas de Azevedo

Dissertação aprovada em:

7 de Março de 2016

Lisboa 2015


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N I V E R S I D A D E

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U S Í A D A

D E

L

I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

Marta Daniela da Silva Martins

Lisboa Novembro 2015


Marta Daniela da Silva Martins

Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Lisboa Novembro 2015


Ficha Técnica Autora Orientador

Marta Daniela da Silva Martins Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Título

Da mnemosine ao processo de arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

Local

Lisboa

Ano

2015

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação MARTINS, Marta Daniela da Silva, 1989Da mnemosine ao processo de arquitectura : memória, lugar e matéria na expressão da obra / Marta Daniela da Silva Martins ; orientado por Bernardo d'Orey Manoel. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - MANOEL, Bernardo de Orey, 1969LCSH 1. Arquitectura moderna - Século 20 2. Memória (Filosofia) 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4.

Architecture, Modern - 20th century Memory (Philosophy) Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA2500.M37 2015


Aos meus pais, pelo carinho e ensinamentos.



AGRADECIMENTOS Aos Autores da minha vida um sincero obrigada. Pela perenidade das suas obras e, sobretudo, aos que nelas acreditaram, fazendo com que chegassem hoje até mim. Aos meus pais, G. Maria e V. José, por todo o apoio e compreensão demonstrados ao longo do meu percurso académico. Mas principalmente por me terem tido, criado e sabedoramente encaminhado no percurso da vida, no qual me formo hoje e amanhã, e todos os dias. Aos meus Professores da cadeira de projecto, com quem tive o prazer de aprender e os quais, invariavelmente, sempre potenciaram o meu gosto pela Arquitectura: Ao Prof. Arqt. João Miguel Duarte. Por me iniciar na descoberta das relações que pode conter um determinado objecto. Ao Prof. Arqt. Marco Buinhas. Por revelar a subordinação entre as intrínsecas relações de um objecto no seu confronto com o lugar que ocupa. Ao Prof. Arqt. Miguel Ângelo Silva. Por encaminhar a compreensão de uma expressão arquitectónica, vinculando as suas relações tanto internas quanto externas. Ao Prof. Arqt. João Antunes. Pela reunião destes elementos enquanto expressão territorial, como origem e consequência num lugar. Ao Prof. Arqt. José Maria Assis. Por me fazer reconhecer que ainda não se sabe tudo, que a conclusão de um assunto é simplesmente uma referência para outro, e que a Arquitectura não acaba em ponto algum. Aos meus restantes Professores que, a seu modo, revelaram a influência de outras matérias, fortalecendo a importância do projecto em Arquitectura. A todos que partilharam as inquietudes, e as conquistas, ao longo de todo o trabalho. Por último, mas não por isso com menor importância, quero agradecer ao Prof. Dr. Arqt. Bernardo d’Orey Manoel. Por todo o acompanhamento, dedicação e sabedoria nos assuntos abordados ao longo da presente dissertação e que construíram, de algum modo, toda a sua consistência para que, hoje, o trabalho se pudesse revelar. A todos, um muito obrigada. O trabalho, é tão vosso quanto meu.



A única continuidade em relação ao passado pode residir na metodologia que, no entanto, é importantíssimo mantermos constante, para podermos ligar entre si diversas reflectirmos

experiências

sucessivas

permanentemente

sobre

e a

realidade. BENEVOLO, Leonardo. (2009) – Introdução à Arquitectura. Lisboa : EDIÇÕES 70. (Arte & Comunicação ; 55). p. 235



APRESENTAÇÃO

Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra Marta Daniela da Silva Martins A presente dissertação reflecte sobre o princípio da Mnemosine como um ideal de memória. Assenta na leitura crítica de três metodologias reveladas na obra de três arquitectos. A expressão das suas memórias, a matéria e o lugar constituem as particularidades capazes de secundar ou libertar este ideal. Cada expressão arquitectónica reúne em si um legado de valores mnemónicos, hierarquizados por cada um. Compõem o espaço arquitectónico segundo a sua verdade temporal e atribuem ao Mundo sensível reconhecimentos. Como estrutura de sentido, a Arquitectura define-se sobre modelos que asseguram a identidade do espaço reconhecível. É através da leitura da sua composição que damos a liberdade aos nossos sentidos para se enquadrarem, reconhecendo-os como parte integrante do seu princípio mais elementar. A obra constitui-se como a expressão do ser vivente e a identidade do espaço construído é admitida numa contínua exploração da sua composição. É à cancela dos sentidos que a invenção arquitectónica se detêm, integrando-a como parte fundamental da sua praxis e do seu significado. As memórias individuais, o lugar da obra e a matéria que a constitui e revela, constituem os mecanismos sobre os quais a Arquitectura repousa para dar lugar à imaginação, que, mais que se encontrar no espaço sensível, manifesta-se na memória de cada um, vivida por cada um, e onde, de modo inteligível encontra, na obra, a sua intemporalidade. “Há que procurar em toda a arte [...] a frase silenciosa que ela contém, [...]”.1 Palavras-chave: Mnemosine; Experiência; Tempo; Imitação; Imaginação; Processo

1

CAMPOS, Álvaro de (1930) – Nota. In : TAMEN, Miguel (2015) – Prosa crítica e Ensaísta. Lisboa : Alêthea Editores. (Obra Essencial de Fernando Pessoa ; 8).



PRESENTATION

From Mnemosyne to the Architecture process: memory, place and matter in the work expression Marta Daniela da Silva Martins The present dissertation reflects on the principle of Mnemosyne as an ideal memory. It’s based on the reading of three methods revealed in the work of three architects. The expression of their memories, the matter and the place occupied by their work are the peculiarities capable of fostering or release this ideal. Each architectural expression brings together a legacy of mnemonic values, classified by each one. Their temporal truth compose the architectural space and attach recognition to the sensitive World. As sense structure, Architecture is defined on models that ensure the identity of recognizable space. It is through it’s composition reading that we give our sences freedom to fit it, recognizing them as part of its most basic principle. The work is constituted as the expression of the living creature and the identity of the built space is admitted as a continuous exploration of the work's composition. It is the sences that hold architectural invention, integrating it as a fundamental part of its praxis and its meaning. The individual memories, the work place and the matter that constitutes and reveals it, are the mechanisms on which the architecture rests, to make room for imagination, which, rather than being in the sensitive space, manifests itself in the memory of each one, experienced by each one, and where, on an intelligibly way, finds in work, its timelessness. "We have to find in every art [...] the silent phrase that it contains, […]”.2 Keywords: Mnemosyne; Experience; Time; Imitation; Imagination; Process

2

CAMPOS, Álvaro de (1930) – Nota. In : TAMEN, Miguel (2015) – Prosa crítica e Ensaísta. Lisbon : Alêthea Editores. (Obra Essencial de Fernando Pessoa ; 8).



LISTA DE ILUSTRAÇÕES Convento Sainte-Marie de La Tourette [1957-60] Ilustração 1 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva a Norte sobre o corpo da Igreja (Ilustração nossa, 2015) .......................................................................68! Ilustração 2 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Secção longitudinal. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................................69! Ilustração 3 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectivas exteriores sobre o vale. (Ilustração nossa, 2015) ....................................................................................70! Ilustração 4 – Mosteiro em Monte Athos. Perspectiva exterior sobre os rochedos. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................................71! Ilustração 5 – Mosteiro de Galluzzo. Perspectiva volumétrica do conjunto e planimetria. ([adaptação a partir de] SEQUEIRA, 2014, p. 9) .......................................72! Ilustração 6 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva do conjunto e planimetria. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................77! Ilustração 7 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Secção longitudinal e planimetria. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................78! Ilustração 8 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Secção longitudinal e planimetria. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................79! Ilustração 9 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Canais pane de verre. Em cima, átrio e refeitório. (Ilustração nossa, 2015) ...........................................................80! Ilustração 10 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Ondulatoires. Acesso à Igreja. (Ilustração nossa, 2015) .....................................................................................81! lustração 11 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Paineis damier. Perspectiva inteior sobre as galerias e biblioteca. (Ilustração nossa, 2015) ....................................82 lustração 12 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Fenêtre à longueur. Galeria de acesso às celas. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................83 Ilustração 13 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Interior de uma das celas. Em cima, loggia. (Ilustração nossa, 2015) ...................................................................85! Ilustração 14 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva interior da Igreja. Oeste/Este. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................88!! Ilustração 15 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Comunicação entre Sacristia e capelas laterais. (Ilustração nossa, 2015) .................................................................89! lustração 16 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Sacristia. Abertura se secção poligonal. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................................89 Ilustração 17 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva exterior sobre o claustro. À direira perspectiva sobre a parede cega da Igreja. (Ilustração nossa, 2015) ......................................................................................................................................90! Ilustração 18 – Abadia de Thoronet. Perspectiva exterior sobre o claustro. À direita perspectiva sobre o terraço e o volume da Igreja. (Ilustração nossa, 2015) ................91! Ilustração 19 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Esquisso sobre o claustro. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................................92! Ilustração 20 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Esquisso dos elementos compositivos. (Ilustração nossa, 2015) ........................................................................93! Ilustração 21 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva a Sul da implantação sobre o declive. (Ilustração nossa, 2015) ................................................95! Ilustração 22 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva exterior sobre a ala Este. À direira volume cúbico e perspectiva exterior sobre um tubo de queda. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................................95! Ilustração 23 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva a Este – “masses against the void”. (Ilustração nossa, 2015) .....................................................96!


Casa Alcino Cardoso [1971-73] Ilustração 24 – Casa Alcino Cardoso. Pré-existente. Secção e planimetria. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................................................100! lustração 25 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Secção e planimetria. (Ilustração nossa, 2015) ...............................................................................................................101! lustração 26 – Casa Alcino Cardoso. Entrada da propriedade. Casa de férias. Casa da Eira. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................................106! Ilustração 27 – Casa Alcino Cardoso. Perspectiva sobre a Nova Ala. (Ilustração nossa, 2015) ...............................................................................................................107! Ilustração 28 – Casa Alcino Cardoso. Transição entre a Casa pré-existente e a Nova Ala. Transição a Poente (Ilustração nossa, 2015) ......................................................108! Ilustração 29 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Perspectiva sobre os espaços interiores. Casa de banho e quartos a Sul. Em cima caixilharia. (Ilustração nossa, 2015) ...........................................................................................................................109! lustração 30 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Perspectiva interior sobre o quarto a Sudoeste. (Ilustração nossa, 2015) ............................................................................109 lustração 31 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Transição entre o envidraçado e a parede de pedra existente. Perspectiva exterior e interior. (Ilustração nossa, 2015) .110 Ilustração 32 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Pormenor caixilharia: fundação, plinto e parapeito. (Ilustração nossa, 2015) ................................................................110! Ilustração 33 – Casa Alcino Cardoso. Pátio de transição entre casa pré-existente e apartamento autónomo. (Ilustração nossa, 2015) .....................................................111! Ilustração 34 – Casa Alcino Cardoso. Planimetria. Conjunto casa de férias. (Ilustração nossa, 2015) .............................................................................................112! Ilustração 35 – Casa Alcino Cardoso. Apartamento autónomo. Perspectiva interior. (Ilustração nossa, 2015) .............................................................................................113! Ilustração 36 – Casa Alcino Cardoso. Casa da Eira. Esquisso sobre a atmosfera do alpendre. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................................115! Ilustração 37 – Casa Alcino Cardoso. Casa da Eira. Esquissos sobre pormenores interiores. (Ilustração nossa, 2015) .............................................................................116! Ilustração 38 – Casa Alcino Cardoso. Conjunto da propriedade. Eixo longitudinal. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................................................116! Ilustração 39 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva Este sobre o muro que corre longitudinal à propriedade.. (Ilustração nossa, 2015) ...........117! Ilustração 40 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva Oeste sobre o muro longitudinal. (Ilustração nossa, 2015) ...................................................117! Ilustração 41 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. (Ilustração nossa, 2015) ...........................................................................................................................118! lustração 42 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva interior sobre uma das salas e ligação entre pisos. Em baixo, pormenor do remate da estrutura de madeira com a alvenaria pré-existente. (Ilustração nossa, 2015) ..........118! Ilustração 43 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Pormenor de vão sobre o muro pré-existente. Autoria do Arquitecto. (Ilustração nossa, 2015) .............120! Ilustração 44 – Casa Alcino Cardoso. Perspectiva sobre o conjunto da casa de férias. (Fleck, 2001, p. 34) ..........................................................................................121! Ilustração 45 – Casa Alcino Cardoso. Piscina. Perspectiva a Sul da esquina obtusa, pórtico e envidraçado. (Ilustração nossa, 2015) .........................................................122 Museu de Arte Romano [1980-85] Ilustração 46 – Museu de Arte Romano. Conjunto arqueológico. Em cima, museu antes e durante a construção. (Hisao Suzuki. In Marquéz Cecilia, ed., 2004, p. 156) Em baixo, baixo relevo a bronze da autoria de Francisco López. (Ilustração nossa, 2015) ...........................................................................................................................124!


Ilustração 47 – Museu de Arte Romano. Perspectiva exterior sobre os contrafortes. Fachada Sul. (Ilustração nossa, 2015) .......................................................................126! Ilustração 48 – Mérida. Analogia compositiva entre a fachada do museu e o tardoz do anfiteatro romano. (Ilustração nossa, 2015) ...............................................................128! Ilustração 49 – Museu de Arte Romano. Acesso cripta. Fragmentos da calçada e a laje de betão. (ilustração nossa, 2013) .......................................................................129! Ilustração 50 – Museu de Arte Romano. Alçado Sul e planimetria do sistema de muros e ruínas. (ilustração nossa, 2013) ...................................................................130! Ilustração 51 – Museu de Arte Romano. Secção londitudinal e planimetria dos muros sobre o interior do museu. (Ilustração nossa, 2013) ...................................................131! Ilustração 52 – Museu de Arte Romano. Perspectiva interior das ruínas. Arranque dos muros. (Ilustração nossa, 2015) ...........................................................................133! Ilustração 53 – Museu de Arte Romano. Perspectiva interior das ruínas. Disposição dos contrafortes contrapondo à génese arqueológica. (Ilustração nossa, 2015) .......134! Ilustração 54 – Mérida. Arco de Trajano; ligação entre teatro e anfiteatro romano; troço aqueduto São Lazaro. (Ilustração nossa, 2013) ...............................................138! Ilustração 55 – Museu de Arte Romano. Secção transversal do corpo do museu. (Ilustração nossa, 2013) .............................................................................................139! Ilustração 56 – Museu de Arte Romano. Acesso galerias; guardas metálicas; disposição peças “arquivadas”. (ilustração nossa, 2013) ..........................................140! Ilustração 57 – Museu de Arte Romano. Esquissos sobre a composição espacial dos muros. (ilustração nossa, 2013) ..................................................................................141! Ilustração 58 – Museu de Arte Romano. Axonometria da composição espacial. Muros paralelos. (ilustração nossa, 2013) ..................................................................142! Ilustração 59 – Museu de Arte Romano. Perspectiva sobre a nave central. (ilustração nossa, 2013) ..............................................................................................144! Ilustração 60 – Museu de Arte Romano. Galerias superiores. Perspectivas sobre a nave central. (ilustração nossa, 2013) ........................................................................145! Ilustração 61 – Museu de Arte Romano. Perspectiva interior da galeria superior. (ilustração nossa, 2013) ..............................................................................................146! Ilustração 62 – Museu de Arte Romano. Nave central. Perspectiva Nascente. (ilustração nossa, 2013) ..............................................................................................147 Tema I – Abordagens [2012] Ilustração 63 – Pousada, Arraiolos. Igreja, pátio, claustro. Perspectiva em ‘frames’. Decantação espacial. (ilustração nossa, 2012) ..........................................................151! Tema II – Pousada, Ribafria [2012-13] Ilustração 64 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Entendimento de relações espaciais. (Ilustração nossa, 2013) ..............................................................................................152! Ilustração 65 – Pousada, Ribafria. Quinta da Ribafria. Perspectivas in situ. (Ilustração nossa, 2013 ...............................................................................................153! Ilustração 66 – Pousada, Ribafria. Esquema da planta do edificado. Relações préexistentes. (Ilustração nossa, 2012) ...........................................................................155! Ilustração 67 – Pousada, Ribafria. Esquissos de compreensão sobre sistema espacial do edificado. (Ilustração nossa, 2012) ..........................................................156! Ilustração 68 – Pousada, Ribafria. Esquissos. Quartos. (Ilustração nossa, 2012) ..157! Ilustração 69 – Pousada, Ribafria. Esquissos. Atmosferas e apropriações. (Ilustração nossa, 2012) ...............................................................................................................158! Ilustração 70 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Articulação do corpo do Palácio enquanto gerador espacial. (Ilustração nossa, 2012) .................................................160! Ilustração 71 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Articulação do corpo do Palácio e o acesso às termas. (Ilustração nossa, 2012) ...............................................................161!


Ilustração 72 – Pousada, Ribafria. Conjunto da proposta. Secção longitudinal e planimetrias. (Ilustração nossa, 2012) ........................................................................162! Tema III – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte [2013] Ilustração 73 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquisso inicial sobre embasamento e continuidade. (Ilustração nossa, 2012) ............................................164! Ilustração 74 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos de introdução à ideia estrutural. (Ilustração nossa, 2012) ....................................................................165! Ilustração 75 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Av. Liberdade. Perspectivas pré-existente. (Ilustração nossa, 2012) .................................................166! Ilustração 76 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos de apropriação do lote e atmosferas. (Ilustração nossa, 2012) ...........................................................166! Ilustração 77 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. R. Salitre e Travessa Horta da Cêra. Perspectivas. (Ilustração nossa, 2013) ........................................................167! Ilustração 78 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos introdutórios à secção no espaço. (Ilustração nossa, 2013) ...............................................................167! Ilustração 79 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secções longitudinais pela galeria de arte. (Ilustração nossa, 2013) .....................................................................168! Ilustração 80 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção transversal pelo corpo do projecto edificado. (Ilustração nossa, 2013) ................................................169! Ilustração 81 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectiva sobre a construção do corpo edificado. (Ilustração nossa, 2013) ............................................170! Ilustração 82 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Processo de evolução da secção transversal. (Ilustração nossa, 2013) ..............................................................170! Ilustração 83 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Alçado Av. Liberdade. (Ilustração nossa, 2013) ..............................................................................................171! Ilustração 84 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção transversal. (Ilustração nossa, 2015) ..............................................................................................171! Ilustração 85 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectivas sobre o plano tardoz. (Ilustração nossa, 2013) ..................................................................................172! Ilustração 86 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Axonometrias. Secções horizontais. (Ilustração nossa, 2013) ..........................................................................172! Ilustração 87 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectivas sobre o plano da Av. da Liberdade. (Ilustração nossa, 2013) ...........................................................173! Ilustração 88 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Axonometrias. Secção longitudinal sobre o corpo do edíficio. (Ilustração nossa, 2013) .................................173

!


LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS Av.

-

Avenida.

Apud

-

extraído da obra de.

Arqt.

-

Arquitecto.

Cf.

-

Conferir com a obra que se menciona.

Et. al.

-

E outros.

Et. seq.

-

Página respectiva e seguinte.

Idem

-

Referente ao mesmo Autor e Obra supracitados.

Loc. cit.

-

Referente à mesma localização de página, do Autor e Obra supracitados.

Op. cit.

-

Referente à última obra citada.

Qta.

-

Quinta.

n.d.

-

Data de edição desconhecida.

s.A.

-

Editora desconhecida.

s.I.

-

Local de edição desconhecido.



SUMÁRIO 1.

Introdução............................................................................................................. 23

2.

Da Memória

3.

2.1.

Memória e o Processo da Mente .................................................................... 27

2.2.

Memória e Identidade ...................................................................................... 38

2.3.

Memória e Mnemosine .................................................................................... 50

Do Tempo 3.1.

Tempo e Memória: Convento Sainte-Marie de La Tourette [1957-60] – Le Corbusier .................. 65

3.2.

Tempo e Lugar: Casa Alcino Cardoso [1971-73] – Álvaro Siza Vieira ...................................... 93

3.3.

Tempo e Matéria: Museu de Arte Romano [1980-85] – José Rafael Moneo ............................. 119

4.

5.

Do Processo 4.1.

Tema I – Abordagens [2012] ......................................................................... 145

4.2.

Tema II – Pousada, Qta. da Ribafria, Sintra [2012-13] ................................. 148

4.3.

Tema III – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte, Lisboa [2013] ............... 160

Considerações Finais ........................................................................................ 171

Referências ................................................................................................................ 173 Bibliografia ................................................................................................................ 179 Glossário .................................................................................................................... 185



Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

1. INTRODUÇÃO “Aprender a ver, que é fundamental, para um arquitecto e para todas as pessoas. Não só olhar, mas a ver em profundidade, em detalhe, na globalidade.”3 As palavra de Siza Vieira iniciam o nosso estudo sobre uma das componentes que relacionam a nossa experiência com os espaços construídos: a memória4. Fundamenta, também, a razão pela qual se tornou, ao longo do nosso percurso académico, indispensável compreender de que modo a leitura dos nossos sentidos se transforma em conhecimento. Sob o princípio da memória, propomo-nos a compreender a relação que tem, tanto na formação de uma ideia no processo de Arquitectura5, como na capacidade que possuí em introduzir sucessivas experiências, proporcionando uma identidade reconhecível no carácter arquitectónico6 da obra. A Mnemosine7 surge como um ideal do génio mitológico8, personificando a memória nos arquitectos que projectam as obras que experienciamos, qualificando numa medida tão especifica, quanto geral e universal, a arquitectura dos nosso dias numa consequente evolução. Para compreendermos de que modo o arquitecto gere esta capacidade, sendo certo que a possuí, tentaremos perceber como se torna instrumento operativo. Das memórias que possuí como legado cultural, às memórias que começa a criar à sua volta – através de si – elegendo os seus sentidos como meios para a percepção una do Mundo e, sobre o qual, reage criticamente. Tentaremos entender como os valores, próprios a cada um, se aproximam ou distanciam de uma cadeia de acontecimentos que nos antecede, e que permitem parte do nosso posicionamento no Mundo.

3

VIEIRA, Álvaro Siza (2009) – Uma questão de medida. p. 30. MEMÓRIA – ver glossário. 5 ARQUITECTURA – ver glossário. 6 Arquitectónico – “Diz-se da qualidade estrutural e expressiva da obra edificada.” (Rodrigues, et. al., 2005, p. 44) 7 MNEMOSINE – ver glossário. 8 GÉNIO MITOLÓGICO – ver glossário. 4

Marta Daniela da Silva Martins

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Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

Os valores que constituem os espaços arquitectónicos que armazenamos na nossa memória – hierarquizados pelos sentidos para depois serem manobrados e evocados – compreendem tanto o espaço que experienciamos, como este possuí, nas suas definições, os princípios que potenciam a nossa relação com o objecto arquitectónico. Pela visibilidade desta relação entre corpo e mente, inicia-se um processo de procura e assimilação. Numa correspondência entre o que se experiencia e imagina, e a sua composição. Na formação do conhecimento, procuramos compreender os princípios da essência9, como origem10 do que se apreende. Tentamos perceber como uma lei geral se torna capaz de compreender, todos os dias, novas particularidades. A partir do contexto em que nos identificamos com os espaços que experienciamos, tentaremos perceber a sua correspondência a um original sedimento de verdade, este, que ao longo do tempo, parece corresponder a uma verdade geral, trabalhada pela visão particular dos arquitectos, metamorfoseando a sua verdade de tempos em tempos. O tempo11 que metamorfoseia este sedimento de verdade relativa, encontra a sua expressão no arquitecto, e este requalifica, segundo os seus valores, o que encontra na finitude da obra, como modo de avançar, assente nos métodos da sua época, encaixando um original de hoje, numa imitação12 sempre irrepetível. Reenquadra-o numa relação mais vasta a partir do contexto em que dele toma conhecimento. Tanto a memória que elabora a ideia, como o lugar13 que a obra ocupa, até à matéria14 que a constitui e revela, assentam na qualidade que o arquitecto possuí, a partir da qual reflecte o carácter da obra. Empenhando-nos em delimitar o princípio da memória como personificação nos arquitectos, e sendo certo que estes são a expressão do seu tempo, adoptamos três projectos de arquitectura, correspondentes a três arquitectos numa continuidade cronológica. Propomo-nos a aborda-los e a revela-los, enquanto metodologia arquitectónica, segundo três princípios: O Convento de Sainte-Marie de La Tourette,

9

ESSÊNCIA – ver glossário. ORIGEM – ver glossário. 11 TEMPO – ver glossário. 12 IMITAÇÃO – ver glossário. 13 LUGAR – ver glossário. 14 MATÉRIA – ver glossário. 10

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Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

projectado por Le Corbusier15 como expressão de Tempo e Memória, a Casa Alcino Cardoso, recuperada e ampliada por Siza Vieira16 como expressão de Tempo e Lugar e o Museu de Arte Romano, projectado por Rafael Moneo17 como expressão de Tempo e Matéria. A expressão do nosso estudo, como modo de entendimento dos assuntos, e como caminho de novas compreensões, encontra o seu cerne nos projectos académicos, realizados ao longo do último ano da nossa aprendizagem. Tentamos, segundo os princípios que encaminharam o desenvolvimento da presente dissertação, revelar e sedimentar o conhecimento e a imaginação que compuseram o seu processo. Procuramos que possam urdir, a partir de si, novas respostas, mais solidificadas, estruturadas e memoráveis à nossa prática. Num contínuo alargar do nosso conhecimento como memória que se constrói. 15

LE CORBUSIER (1887 – 1965) pseudónimo de Charles Edouard Jeanneret. Arquitecto, urbanista, escultor e pintor francês de origem suíça. Nasceu em La Chaux-de-Fonds, Suíça. Considerado como um dos arquitectos mais influentes do século XX e um dos criadores dos CIAM (Congrès Internationaux d’Architecture Moderne). L’Eplattenier, seu professor e mentor na Ecole d’Art at La Chaux-de-Fonds (1902), influenciou Le Corbusier na abstração como padrão de percepção, influenciando posteriormente a sua arquitectura. Em Paris, edita a revista L’Esprit nouveau juntamente com o pintor Amédée Ozenfant. Em 1923 publica a sua obra teórica Vers une Architecture onde apresenta uma síntese dos princípios da sua teoria arquitectónica. A sua intervenção inovadora no discurso sobre arquitectura do Movimento Moderno fizeram das suas obras um paradigma do pensamento arquitectónico. Realizou diversas viagens contactactando com diversos estilos, de várias épocas. Tentou captar aquilo que considerava essencial e intemporal, reconhecendo em especial os valores da arquitetura clássica grega. Viajou a Itália (1907); Alemanha (1910); América do Sul (1929 e 1936); entre outras. Trabalhou com o Arqt. Auguste Perret e posteriormente com o Arqt. Peter Behrens. Da sua contribuição à formulação de uma nova linguagem arquitectónica, destacamos os “cinco pontos para uma nova arquitectura”, formalizados na sua obra Villa Savoye, França. (1928). Das suas obras destacamos: Maison du Lac, Genebra, Suíça (1924); SaintPierre Church, Firminy, França (1960); Palace of Assembly, Chandigarh, Índia (1955). 16 VIEIRA, Álvaro Joaquim de Melo Siza (1933 – ) arquitecto português. Nasceu em Matosinhos, no Porto. Formou-se em arquitectura pela ESBAP. Em 1955 colabora com o Arqt. Fernando Távora até 1958 fundando posteriormente o seu próprio escritório no Porto. Leccionou na ESBAP (1966-1969). Regressou como Professor Assistente de Construção (1976). Leccionou em várias Universidades como Lausanne e Harvard, leccionando presentemente na FA/UTP. Fortemente influenciado pela arquitectura de Alvar Aalto e Frank Lloyd Wright. Em 1958 ganha o concurso para o Restaurante Boa-Nova em Leça da Palmeira, Matosinhos. Projecta as Piscinas das Marés (1961-66). Desenvolveu projectos a nível de habitação social com o projecto/organização SAAL como o Conjunto Residencial Bouça, e São Victor, Porto (1975-77) e posteriormente o projecto da Quinta da Malagueira (1977-1998). A reconstrução do Chiado, em Lisboa, (1989-90) designa-o como o maior arquitecto do seu país. Considerado o arquitecto português mais universal com obra em todo o mundo. Prémio Pritzker (1992) e Leão de Ouro de Veneza (2002). Da suas principais obras destacamos ainda: Banco Pinto & Sotto Mayor, Oliveira de Azeméis (1971-74); Faculdade de Arquitectura, Porto (1986-95); Museu Fundação Iberê Camargo, Brasil (1998-2008); 17 VALLÉS, José Rafael Moneo (1937 – ) arquitecto espanhol. Nasceu em Tudela, Espanha. Formado em arquitectura pela Escola Técnica Superior de Arquitectura de Madrid em 1961. De 1958 a 1961 trabalha como estudante com o Arqt. Francisco Javier Sáenz de Oiza e posteriormente, entre 1961-1962, com Jørn Utzon. É professor de Teoria da Arquitectura na Escola Técnica Superior de Barcelona de 1970 até 1980. De 1980 a 1985 foi professor de Composição na Escola Técnica Superior de Madrid e em 1985 lecciona Arquitectura por convite na Harvard University Graduate School of Design e onde leciona presentemente. Moneo combina a sua atividade profissional como arquitecto, critico e teórico de arquitectura, tendo os seus textos sido publicados em várias revistas. Prémio Pritzker e Medalha de Ouro da União Internacional de Arquitectos (1996); Prémio de Arquitectura Contemporânea Mies van der Rohe (2001); Medalha de Ouro RIBA (2003). Das suas principais obras destacamos: Prefeitura de Logroño, (1973-81); Nova Estação de Atocha, Madrid (1985-88); Ampliação do Museu do Prado, Madrid (1996-99).

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“ [o que sou, o que faço, o que não sou capaz de fazer], é como um terraço, [um terraço] sobre outra coisa ainda, essa coisa é que é linda.”

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Fernando Pessoa

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2. DA MEMÓRIA 2.1. MEMÓRIA E O PROCESSO DA MENTE Podemos considerar que as nossas acções se situam num campo mais vasto do que o seu sentido físico. As escolhas que fazemos, bem como os processos que as acompanham, são definidas na mente de cada um; são exaltadas pelo meio que nos rodeia, e assentam no próprio indivíduo. Porém, não é sobre a compreensão de todas as mentes que pretendemos debruçar-nos, nem tão pouco sobre todos os processos possíveis de a utilizar. Não nos interessa a mente ideal mas, antes, o estudo sobre os elementos que nos parecem potenciá-la no processo de fazer arquitectura. Para que todas as mentes se constituam operativas como instrumento de projecto. É universalmente reconhecida a íntima relação existente entre a experiência da arquitectura actual e o conhecimento da do passado; qualquer decisão prática implica um juízo histórico sobre os acontecimentos anteriores, que justificam a operação a 20 realizar hoje [...]. (Benevolo , 2009, negrito nosso)

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Pessoa apud Vieira, (2009, p. 26). Cf. sobre o mesmo assunto Vieira (2009, pp. 26 e 29). O poema de Fernando Pessoa, a que se refere Siza Vieira, foi publicado em Abril de 1933: “Isto” – estrofe original: “[...] Tudo o que sonho ou passo, ; O que me falha ou finda, ; É como um terraço : Sobre outra cousa ainda. ; Essa cousa é que é linda. [...]” (Pessoa, 2006, p. 262). 19 PESSOA, Fernando A. Nogueira (1888 – 1935) escritor, poeta e tradutor português. Considerado o poeta português mais universal. Enquanto poeta escreveu sob vários heterónimos. Escreveu dois artigos para a revista “A Águia” publicados em 1912. Integra a revista Orpheu em 1915. Integra a direção da revista no segundo número juntamente com Mário de Sá-Carneiro. Em 1924 dirige a revista “Athena” com Ruy Vaz. Das suas obras publicou em vida “Mensagem” (1934); Os seus escritos, poesias, prosas, correspondências, têm sido reunidos e editados em obras como: “Obra Essencial” por Richard Zenith. 20 BENEVOLO, Leonardo (1923 – ) arquitecto e historiador de arquitectura italiano. Estudou arquitectura em Roma, onde se doutorou em 1946. Leccionou em Roma, Florença, Yale, Tóquio, entre outras. Doutor Honoris Causa pela Universidade de Zurique e pela Sorbonne. Foi um dos fundadores em 1957 da Sociedade de Arquitectura e Planeamento Urbano (SAU). Da sua contribuição teórica destacamos as obras: “Storia Dell’architettura Moderna” (2005); “Storia Delle Città” (2006).

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A memória revela-se como uma das mais importantes capacidades do ser humano. Não é passado nem presente, mas revela a marca do passado no presente, e como refere Benevolo, na citação supracitada, constitui-se instrumento fundamental no processo de arquitectura, enquadrando as nossas acções num domínio mais vasto do que aquele que conhecemos hoje. Possibilita ao ser humano contextualizar-se in situ21 e evocar o seu passado in mente22. Inerente à experiência passada, colectiva e pessoal, a memória retém e guarda o tempo que se foi, salvando-o da sua perda total. Sem este processo o ser humano não teria consciência do passado, não reconheceria um sentido em relação à sua existência; não existiria consciência do momento presente ou do futuro antecipado nem existiria tão pouco, para a humanidade, uma continuidade histórica. O Mundo não se inicia com o nascimento de cada um, consiste, antes, numa inter-relação contínua de todos, participando no seu processo, onde se integram e reagem ao seu contexto. A memória revela-se o verdadeiro condutor da criatividade, uma das chaves no processo criativo da concepção em arquitectura. [...] corresponde ao somatório do património pessoal e colectivo dos seres humanos, a partir do qual, de forma consciente ou inconsciente, agem, reagem e se manifestam. Sem a memória, não haveria hipótese de sobrevivência e graças a ela, o ser humano tem a capacidade de saber deduzir e reconhecer, ao longo do tempo, tanto a sua evolução pessoal como a 23 evolução dos outros [...]. (Faria , 2014, p. 368)

A importância dos acontecimentos que nos são anteriores parecem funcionar como directrizes da nossa criatividade e que, ao mesmo tempo que condicionam, potenciam a sua contextualização. Kubler24 (2004, p. 72) refere-os como uma “cadeia de acontecimentos” intrínsecos à memória de quem cria, numa necessidade quase instintiva de corresponder o imaginado à obra construída25. 21

In situ – no sítio. In mente – na mente. 23 FARIA, Eduarda Lobato de (1960 – ) arquitecta portuguesa. Licenciada pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (1984) e Doutorada em Arquitectura (2007). Desde 1985, tem leccionado em diversas Universidades e Faculdades de Arquitectura em Portugal e coordenado várias equipas em cursos de Arquitectura, na área do Desenho. Arquitectura e a sua concepção, o Desenho constituem as suas principais áreas de investigação, tendo participado em publicações de carácter cientifico em Portugal e no Estrangeiro. 24 KUBLER, George (1912 – 1996) historiador de arte americano. Nasceu em Los Angeles. Estudou em França e na Suíça. Foi professor de História de Arte na Universidade de Yale onde concluiu o seu Bacharelato (1934) e o seu Mestrado (1936) em Teoria da Arte, ambos sob a orientação de Henri Focillon. Da sua contribuição teórica destacamos a obra: “Portuguese plain architecture – Between Spices and Diamonds (1521-1706)” (1972). 25 “Uma antiga tradição de representação mostra-nos o poeta inspirado pela musa. A sua postura, com a pena erguida, aponta para a presença de uma entidade superior, já que ele recebe a mensagem de uma outra esfera do ser. Todo o seu corpo se eleva e as dobras da sua roupa flutuam ao sabor do sopro do espirito.” (Kubler, 2004, p. 72) 22

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[...], também o artista não é um agente livre obedecendo unicamente à sua própria vontade. A sua situação é rigidamente determinada por uma cadeia de acontecimentos anteriores. [...] invisível para ele, [mas que] limita a sua acção. O artista não tem consciência dela enquanto cadeia, mas apenas como vis a tergo, como a força dos acontecimentos que o precedem. [...] são os acontecimentos que compõem a história da pesquisa que mais intimamente tem a ver com o individuo. A sua posição nessa linha de pesquisa é uma posição que ela não pode alterar, uma posição de que só pode aperceber-se. (Kubler, op. cit., pp. 72-73, itálico do autor)

Retemos e imaginamos o passado e a par com os nossos sentidos organizamo-nos no nosso Mundo, evocando experiências e sentimentos que nos enquadram no nosso ser, nomeado por Heidegger26 (2008), no “ser-aí”27 que corresponde a uma ligação intrínseca do ser humano com o Mundo que o rodeia. Admitindo que o ser é-o enquanto individuo, numa permanente mutação com aquilo que apreende e, pelo qual, é invariavelmente reconstruído28. Esta abordagem parece-nos importante na medida em que o ser é, no fundo, a mente que elabora e desenvolve o raciocínio crítico em arquitectura na produção de uma ideia. Análogo à mente, o processo de arquitectura engloba circunstâncias que evocam este conhecimento dos tempos. Segundo o mesmo autor somos remetidos para um “trânsito29” inteligível no decorrer do tempo, e que nos parece envolver o acto de projectar30. Podemos considerar que, através da memória, vivemos de modo simultâneo nos três tempos31, conferindo ao presente a intensidade necessária pela consciência de factores que nos são, ao mesmo tempo, extraordinários. Esta intensidade, que em arquitectura se confina numa ideia, deverá corresponder a uma necessidade e à sua resposta possível, como um intermédio dos tempos na qual, hoje, se concretiza. “Ser imortal é insignificante; com excepção do Homem, todas as criaturas o são, pois 26

HEIDEGGER, Martin (1889 – 1976) filósofo alemão. Assistente de Husserl. Leccionou na Universidade de Friburgo e Marburg. A sua conferência em Marburg, “O Conceito de Tempo” foi publicada em 1924 e considerada um esboço esquemático do que será depois desenvolvido em “Ser e Tempo” (1927) e considerada uma das obras mais influentes do século XX, onde indaga sobre a recolocação do problema do ser e onde procura erguer as bases de uma nova Ontologia. Em 1929, Heidegger sucede a Husserl na cátedra de filosofia em Friburgo, dando a sua aula inaugural: “O que é a Metafísica?”. A sua obra influenciou, entre outros, autores como Jean-Paul Sartre. Da sua contribuição teórica destacamos: “A Carta sobre o Humanismo” (1949) e “Da Experiência de Pensar” (1954). 27 Também os seus receios e emoções são constitutivos do ser-aí, tal como na antecipação do futuro, do qual não tem qualquer conhecimento mas que o sabe certo, de um modo finito e que por isso o constrói, na medida da razão. O ser-aí constitui um trânsito entre os três tempos do tempo propriamente dito, e, é nesse transito que ele é, no Mundo. “O cuidado do ser-aí pôs o ser respectivo ao [seu] cuidado, [...]” (Heidegger, 2008, p. 41). 28 Cf. Heidegger, op. cit. para melhor compreensão do assunto abordado. 29 Denominado por Heidegger como a: “[...] antecipação [que] é senão o porvir propriamente dito e único do ser-aí próprio [...] neste ser-porvir, ele regressa ao seu passado e ao seu presente”. (Heidegger, op. cit., p. 51) 30 PROJECTAR – ver glossário. 31 Passado, presente e futuro.

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ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal” (Borges32 apud Faria, op. cit., p. 52, negrito nosso). Este ser temporal, que refere Borges, constitutivo do ser humano, impulsiona o desenvolvimento da capacidade da abstracção e da relação consciente com o tempo e, por conseguinte, contribui para uma relação interna na mente de cada um, num processo realizado do exterior para o interior e vice-versa, resultando no universo individual da “consciência introspectiva”33. Podemos dizer que todas as actividades internas e toda a vida humana passa pelo cérebro e por essa razão a vida tem no cérebro o mais forte aliado: onde nasce a curiosidade e o pensamento, de onde fluí a imaginação criativa e os sonhos, onde têm lugar os sentimentos e se esconde e guarda a memória, que permite evocar, elevar e situar no tempo todas estas manifestações. (Faria, op. cit., p. 27)

Através das artes, como na arquitectura, reflectimos numa inquietação os vários tempos do “ser-aí”; consoante a nossa época, um modo de vida, um pensamento crítico, “e é exactamente nesta alegria de manifestar no Mundo o que lhe é exterior, o poder fazer isso, que é, no fundo, o impulso originário da nossa existência [...]” (Novalis34, 2000, p. 15). Assim, os edifícios que testemunhamos hoje em todas as cidades são consequência desta manifestação, assegurada por meios e técnicas, responsáveis pela sua permanência no tempo. São pedaços de história que chegam, hoje, até nós como símbolos de cada época, e que resumem “[...], num pequeníssimo número de monumentos típicos, modos de pensar, sentir e sonhar de uma raça e de uma civilização.” (Maupassant35 apud Zevi36, 1986, p. 26) 32

BORGES, Jorge Luis (1899 – 1986) escritor, tradutor e poeta argentino. Director da Biblioteca Nacional da República Argentina e Professor de literatura na Universidade de Buenos Aires. Recebeu o prémio Formentor (1961). Da sua contribuição literária destacamos as obras: “Ficciones” (1944); “O Aleph” (1949). 33 Nomeado por Faria como a consciência interior ao ser humano definida pelas suas acções e pensamentos, balizados no passado e no anseio do devir. (Faria, 2014) 34 NOVALIS, (1772 – 1801) pseudónimo de Georg Philipp Friedrich von Hardenberg. Foi um filósofo e escritor alemão. Estudou Filosofia e História na Universidade de Jena. Considerado um dos mais importantes representantes do primeiro romantismo alemão de finais do século XVIII e o criador da “flor azul”, um dos símbolos do movimento romântico. Influenciado por Goethe e Fichte. Em 1788, são publicados uma série de fragmentos “Fragmente” escritos por Novalis. Da sua obra destacamos ainda os seus dois romances filosóficos “Os Discípulos de Saïs” e “Heinrich von Ofterdingen”. Inacabados, o primeiro é considerado como um fragmento de romance. Para os Românticos de Jena, o fragmento consistia na forma ideal de expressão poético-filosófica e capaz de abranger passado, presente e futuro, permanecendo inacabado, em eterno devir. O segundo romance, aborda um jovem poeta medieval que procura uma misteriosa “flor azul” que se revela inatingível. 35 Guy de Maupassant (1850 – 1893) escritor e poeta francês. Amigo de Gustave Flaubert a quem se referia como “mestre”. Com a sua aversão à sociedade prezava o retiro e as viagens, feitas estas no seu iate privado “Bel-Ami”, nome que deu origem ao seu romance em 1985. Da sua contribuição teórica destacamos: "La Maison Tellier" (1881); “Mademoiselle Fifi“ (1882) e "Le Horla" (1887). 36 ZEVI, Bruno (1918 – 2000) arquitecto, historiador e crítico de arquitectura italiano. Doutorado em Arquitectura pela Graduate School of Design da Universidade de Harvard em 1942, presidida por Walter Gropius. Director de diversas revista nos E.U.A. e Itália. Leccionou e dirigiu o Instituto de Crítica Operativa da Universidade de Roma, “La Sapienza”. Membro honorário do Royal Institute of British Architects e American Instituto of Architects. Laureado honoris causa pela Universidade de Buenos Aires.

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Compreende-se que por isso, a obra edificada a par com a invenção da escrita, que conferiu perenidade à linguagem, possibilitou como testemunha Vitrúvio37 apud Faria (op. cit., p. 61) no seu tratado38, “conservar a memória de um tempo para o outro e, através dela, transmitir as descobertas, as invenções e toda a vivência desses mesmos tempos.” Ao considerarmos a importância da memória como acumulador de vivências, podemos dizer que na nossa mente existe toda a bagagem retida pelos sentidos

e

de

onde,

reciprocamente,

confrontamos

o

Mundo

e

as

obras

arquitectónicas. Segundo Faria, produzimos mentalmente dois tipos de memória: Por um lado, a memória construída através de factos contados por outros, dos quais ganhamos consciência, passando a transportá-los connosco, na nossa memória. Por outro, a memória da experiência que temos do meio que nos rodeia, experienciada por nós, com o nosso corpo. O primeiro processo da mente, a “memória fabricada39”, consiste no conhecimento que adquirimos por via da história e dos factos contados – a cultura – constituindo um importante veículo de informação; determinante na base do nosso intelecto. Todavia, à informação que recebemos por partes, e da qual não temos um conhecimento completo, acresce a globalidade por nós imaginada. Fabricamos e construímos mentalmente pedaços de história – como sistemas mentais – que apoiam o nosso conhecimento; numa simulação que tem origem na mente, pois a memória “fabricada”, [...] pela sua capacidade de apresentar a realidade em fragmentos, [...] oferece à imaginação a liberdade para imaginar e deduzir o somatório dessas mesmas imagens e a possibilidade de, a partir delas, fabricar uma realidade de arquitectura segundo uma visão pessoal imaginada. (Faria, op. cit., p. 370)

Podemos considerar a informação “que recebemos por partes” como os ingredientes do nosso pensamento, aos quais recorremos invariavelmente. Para, depois de organizados na mente, segundo as nossas emoções e raciocínio, construírem a linha mental e pessoal dos factos, nossa. Como refere Siza Vieira (2009, p. 27) “as referências são os instrumentos que um arquitecto possui; é o seu património de 37

Marcos Polião Vitrúvio – (século I a.C.) arquitecto e engenheiro romano. Autor do tratado De Architectura. Desenvolveu os conceitos de utilitas (utilidade), venustas (beleza) e firmitas (solidez) tendo inaugurado a base da Arquitectura Clássica e servindo como suporte ao intelecto renascentista. Desenvolveu o conceito de “Homem Vitruviano” no livro III do seu tratado e considerado um cânone das proporções do corpo humano baseado na proporção áurea, apresentando-se como modelo ideal para o ser humano, cujas proporções são perfeitas, segundo o ideal clássico de beleza. 38 De Architectura – (Sobre Arquitectura) o único tratado do período greco-romano que chegou aos nossos dias e serviu de fonte a textos de Arquitectura e Urbanismo desde o Renascimento. Contém a descrição das construções dos edifícios da Antiguidade Clássica. 39 MEMÓRIA FABRICADA – ver glossário.

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conhecimentos, de informações.” A cultura que adquirimos é, portanto, a base que temos para um conhecimento futuro, remetida constantemente à nossa imaginação40, numa possibilidade infinita de multiplicações. Que seriam para nós Lisboa, o Chiado, o Tejo sem o cúmulo de tudo quanto sobre eles se narrou, pintou, cantou; os actos e eventos que ali se desenrolaram, ali se ritualizaram ao longo das gerações, alimentando e instigando a nossa imaginação. 41 (Tainha , 2006, p. 104)

Como refere o arquitecto, a cultura actua em nós como aquilo que potencia o nosso conhecimento seguinte, num processo contínuo estimulado pelo poder da imaginação. E “[...] no que à primeira vista parece um começo pode não ser senão um resultado, [...]” (idem, loc. cit.) que permanece no interior de cada um, como que vocabulário da mente. Deste modo, a memória “fabricada”, constitui uma parte da mente que constrói uma realidade, a reconhece e a identifica a partir de relatos falados ou escritos, de imagens que nos são transmitidas e por nós interpretadas, constituindo-se nossas. Descartes42 apud Faria (op. cit., p. 218) afirmava que “[...] Conversar com as pessoas de outros séculos é o mesmo que viajar [...]”, na medida em que detemos uma realidade que fisicamente não conhecemos mas da qual temos um conhecimento mentalmente construído. Presente nas palavras de Faria, as memórias: [...] não se herdam mas podem ser transmitidas. [...] pelos nossos pais, avós [...] mestres, amigos e conhecidos que emprestam à nossa memória factos, emoções [...] dos quais nos tornamos também portadores. [...] apropriamo-nos deles e passamos a transportá-los na nossa memória e a saber transmiti-los também aos outros, segundo a nossa apreciação e escolhas pessoais. (Faria, op. cit., p. 143)

Manuel Tainha confere a esta importância – a interpretação pessoal dos factos – um sentido recíproco entre corpo e imaginação. Se as imagens que organizamos na mente são mais emoção e sensibilidade que o próprio facto guardado, contudo, é na experiência que reconfiguramos os nossos sentidos e alimentamos a imaginação, fornecendo à mente, todos os dias, novos elementos de conjugação. 40

IMAGINAÇÃO – ver glossário. TAINHA, Manuel (1922 - 2012) arquitecto português. Diplomado em Arquitectura pela ESBAL (1950). Leccionou Arquitectura na FA/UTL (1976-1992); Professor convidado no departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (1989-1993) e FAA/ULL em 1993. Membro de “The architectural Association” de Londres, em 1960. Doutor Honoris Causa pela Universidade Técnica de Lisboa (2004). Recebeu Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura com o projecto da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (1991). Da sua obra arquitectónica destacamos: Pousada Santa Bárbara (1957), Biblioteca Municipal de Viseu (1994). 42 René Descartes – (1596 – 1650) filósofo, físico e matemático francês. Formado na Universidade de Poitiers (1616). Considerado o fundador da filosofia moderna. Desenvolveu o conceito de dúvida como principio de conhecimento onde procura a existência do próprio eu a partir daquilo que pode ser provado. Funde álgebra e geometria num sistema balizado num eixo vertical e horizontal a partir de um ponto – origem. Da sua obra destacamos: “Discurso sobre o Método” (1637); “As Paixões da Alma” (1649). 41

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[...] uma imagem nascida do poder organizador da memória. Por detrás de uma imagem está um mundo de emoções, de acontecimentos de experiências pessoais ou de empréstimo. E como já alguém disse, quanto mais experiência mais memória. A complexa máquina das lembranças acompanha-nos pela vida fora. (Tainha, op. cit., p. 84)

A imaginação que abordamos, não sendo um acto desmedido, assenta sobre um contínuo alargar dos limites do que conhecemos. E é sobre a curiosidade dos assuntos a que temos acesso, e na necessidade de aprofundar o nosso conhecimento, que nos levamos a querer experienciar de um modo pessoal a nossa memória “fabricada”. Neste tipo de acção construímos a memória “viva43”, experienciada com o corpo, registada por nós “in loco, com uma intensidade pessoal” (Faria, op. cit., p. 143) onde, contrariamente ao que acontece na memória fabricada, [...], o conhecimento da realidade da arquitectura é feito, não a partir das partes, mas a partir do todo da obra, segundo a experiência pessoal do real ao vivo. [...] através de uma exposição à realidade intensa, vivida física e psicologicamente. A qualidade e a densidade da obra é registada e guardada na memória, sob a forma de fragmentos [...] impressas na pele, na mente, [...]. (idem, p. 370)

Enquanto que na memória “fabricada” a absorção da realidade se faz de um modo mais lento e incompleto, abrindo caminho à imaginação, na memória “viva”, esta absorção surge por inteiro, numa acção imediata. O espaço, per si, é o protagonista dos estímulos a que o nosso corpo está sujeito, e remetemos a compreensão do espaço que percorremos à nossa sensibilidade, à nossa escala e à nossa memória. “À imaginação sobrepõe-se o que é experiência, que na arquitectura, é alargada à vivência do espaço que se percorreu, regista-se na memória para além dos seus aspectos formais, estendendo-as às emoções espaciais criadas pela própria arquitectura.” (idem, loc. cit.) Tanto a ideia que fabricamos mentalmente, como a que vivenciamos no contacto com o espaço que é percorrido – retida pela experiência – constituem os processos a que o nosso corpo e mente estão sujeitos na retenção de memórias. Estas que constroem, deste modo, o ser e o pensamento; pois a mente do Homem tem a capacidade de transportar: “[...] não só as casas e os espaços construídos que habitam, mas também toda a arquitectura existente ou já desaparecida, visitada ou por visitar, que se habituaram, através de imagens e descrições, a arrumar na memória como parte integrante da cultura e do todo que integra o seu imaginário do mundo.” (idem, p. 366) 43

MEMÓRIA VIVA – ver glossário.

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De todo o modo, compreendemos que é na experiência “viva” que se consegue a total definição de uma e qualquer ideia – “a única forma de memória que permite um conhecimento da realidade preciso [...]” (Faria, op. cit., p. 393) – e que todos os dias, fortalece e encaminha a imaginação. A emoção intrínseca à experiência do corpo é, no fundo, o que, “[...] acompanha a assimilação de novos factos no processo de aprendizagem, e a sua retenção na memória é a chave que garante a recordação, num jogo mental de impressões positivas e negativas, [...]” (idem, p. 93). Se na memória que fabricamos mentalmente, conjugando factos contados, a imaginação é a responsável pela construção da ideia retida, na memória que é guardada pela experiência, é o nosso corpo que dirige a percepção – que reenquadra os sentidos – como um centro de proporções onde as relações inteligíveis vêm apoiarse. Para Tainha (op. cit., p. 118), esta retenção das nossas ideias que formam a memória “viva”, só pode acontecer quando a compreensão da arquitectura que experienciamos é feita “com o corpo todo”, onde todos os sentidos são “evocados”. Para o autor não existe coisa como a “pura visibilidade da Arquitectura”. Esta, a visibilidade, é sempre pessoal e por isso impura como percepção da realidade. A percepção dos eventos arquitectónicos é a coisa mais contaminada deste mundo: além de todos os sentidos, nela participa todo o “lixo” depositado nos arsenais da memória [...], e que é afinal o luxo das nossas vidas únicas e irrepetíveis. A formação das imagens dos objectos não é o resultado da actividade isolada da vista, mas da experiência [...]. (idem, p. 118)

A imagem que retemos do Mundo será sempre nossa, apreendida através dos sentidos. Um centro a partir do qual as imagens se organizam, quando confrontadas com as nossas experiências e vivências, sentidos e razão. Na verdade, seria difícil separar corpo e mente, como refere Alves44 (2009, p. 154), a mente será tão completa quanto a experiência que possamos ter, pois “[...] mente e corpo, ou essência e existência, são processos correlacionados [...]” multiplicam-se um com o outro. Contudo, na memória “[...] a primazia é do corpo, ou do sensível, que constitui assim a base do conhecimento. O corpo é [...], o lugar, o suporte e a razão de ser da mente.”

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ALVES, Rui Reis (1964 – ) arquitecto português. Licenciado pela FA/UTL em 1987. Colaborou no escritório do Arqt. Fernando Mesquita Ramalho. Bolseiro do LNEC e colaborador da “Revista de Estética”. Doutorado em Arquitectura em 2010 pela FAA/ULL, na qual lecciona a cadeira de Projecto desde 1991. Fundou o escritório de arquitectura “RA+TR Arquitectos” em 1989, em colaboração com a arquitecta Teresa Belo Rodeia. Da sua obra arquitectónica destacamos: Moradia unifamiliar em Alte, Loulé (20002003).

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Se por um lado imaginamos e completamos individualmente a memória “fabricada”, na memória “viva” ganhamos certezas, formalizamos ideias. No fundo, é a experiência de espaço que experienciamos que enquadra e enaltece os nossos sentidos. Segundo Epicuro45 apud Faria (op. cit., parênteses do autor), a certeza dos factos atinge-se na experiência, no sentir, sendo necessário “[...] confiar naquilo que foi recebido passivamente na sensação pura e, por consequência, nas ideias gerais que se formam no espírito (como resultado dos dados sensíveis recebidos pela faculdade sensorial)”. Deste modo, a arquitectura que experienciamos constitui-se viva, mutável em cada um de nós. Segundo Merleau-Ponty46 (2009, p. 44), é a partir do nosso lugar perante o que vemos e sentimos, “este espaço, do seu corpo”, que retemos as imagens do Mundo. Este espaço do corpo que se “estende às coisas, este primeiro “aqui de onde virão os aí”. O nosso corpo consiste num “grau zero da espacialidade”, onde as coisas nascem de novo reflectindo-se à mente, através dos sentidos. O espaço [...] não é aquele [...] feixe de relações entre objectos, tal como o veria uma terceira testemunha da minha visão, [...] é um espaço calculado a partir de mim como ponto ou grau zero da espacialidade. Eu não vejo de acordo com o seu invólucro exterior, vivo-o de dentro, estou nele englobado. Seja como for, o mundo está à minha volta, não à minha frente. (idem, p. 43)

Na origem da sensação, indispensável à memória individual, reside a experiência que dela possamos ter. E em arquitectura, é no contacto do corpo com o espaço que podemos despertar a nossa capacidade sensível, numa contínua e correlacionada compreensão. A experiência integra por isso um papel fundamental ao nível do que é memorizado, e constitui-se indispensável a cada um – no domínio do saber – reformulando o pensamento, formado continuamente. É necessário ver com os olhos e com todos os sentidos do corpo. Segundo o mesmo autor: “Não há visão sem pensamento. Mas não basta pensar para ver: a visão é um pensamento condicionado, nasce em virtude do que acontece no corpo, é excitada a pensar por ele.” (idem, loc. cit.) 45

Epicuro de Samos (341 – 271 a. C.) filósofo grego do período helenístico. O propósito da sua filosofia consistia no atingir da felicidade por meio da aponia (ausência de dor) e pela ataraxia (imperturbabilidade da alma). Utilizou-se da teoria atómica de Demócrito para justificar a constituição de tudo o que existe. “Das estrelas à alma tudo é formado por átomos.” Das suas obras, destacamos as três cartas: “Natureza”; “Meteoros”; “Moral”; “Epicurea” (1887) obra de Epicuro elaborada por Hermann Usener. 46 MERLEAU-PONTY, Maurice (1908 – 1961) filósofo fenomenólogo francês. Nasceu em Rochefort-surMer, França. Formado em filosofia na École normale supérieure de Paris (1931). Leccionou em liceus e mais tarde leccionou filosofia na Universidade de Lyon (1945) e na Universidade de Paris I. Da geração de Albert Camus e Jean-Paul Sartre, tendo com este último criado a influente revista “Les Temps Modernes” da qual foi co-editor entre 1945 e 1952. Influenciado pela obra de Husserl. Praticante e teórico da Fenomenologia, a sua obra abrange política e estética. Para Ponty, o ser humano consiste no centro da discussão sobre o conhecimento. A sua contribuição teórica expressa-se em obras como: “A Estrutura do Comportamento” (1942); “Fenomenologia da Percepção” (1945); “O Visível e o Invisível” (1964).

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O corpo é a origem da sensação; do que é para nós, que incorporamos, e a partir de nós. Tal como a repetição dos gestos, na semelhança com os outros, que praticados, são a nosso modo para nós, e a partir de nós para o Mundo. A memória constitui-se como um processo de aprendizagem e, esta, como resultado do que consta na nossa memória – a essência daquilo que apreendemos – realmente vivido, ou simplesmente imaginado. Deste modo, aprendemos e evoluímos através do “armazenamento” de informação ao longo da vida, por meio dos sentidos, para que na memória resida “[...] a recuperação, seleccionada, dessa informação [...]” (Faria, op. cit., p. 36), gerida pelas nossas emoções. Como refere a autora: “[...] quanto maior e mais variada a informação na mente do arquitecto, e quanto melhor a qualidade de gestão crítica dessa informação, maior a sua preparação intelectual para que, a partir da sua experiência e da arquitectura existente, conquiste as suas próprias ideias [...]” (idem, p. 367). No processo de arquitectura, as memórias quando evocadas, contêm invariavelmente fragmentos associados a outras memórias. Não se manifestam por inteiro como foram experienciadas, há factos que se perdem e outros que se ganham pela imaginação. Segundo Eliot47 (2002, p. 85), podemos dizer que “toda a imaginação é memória”, e que “de tanta memória é composta a imaginação”.48 O nosso cérebro49 é o responsável por este processo. Repõe informação ao mesmo tempo que esta se dissipa, associa a outras memórias e completa ideias. Como refere Faria (op. cit., p. 127), a mente constitui-se assim um “rentabilizador de memórias”, e tal como a linguagem, tem a capacidade de reproduzir e multiplicar o que experienciou de um modo que aparenta ser quase infinito tanto quanto o que o nosso corpo já tiver conhecido. 47

ELIOT, T. S. (1888 – 1965) poeta, dramaturgo e crítico literário inglês. Nascido nos Estados Unidos. A sua obra é fortemente influenciada pela poesia francesa, particularmente por Charles Baudelaire. Premiado com o Prêmio Nobel de Literatura (1948). A sua contribuição literária encontra-se em obras como: “The Wasted Land” (1922); “Four Quartets” (1943). 48 Sobre a expressão de T. S. Eliot, referida por Faria, em que este afirma haver: “tanta memória na imaginação que, se distinguir-mos entre imaginação e fantasia à maneira de Coleridge, temos que definir a diferença entre memória na imaginação e memória na fantasia.” (Eliot, 2002, p. 85). 49 “[...] o cérebro, órgão chave de sobrevivência que distingue o Homo sapiens de todas as outras espécies da Terra. O cérebro não está programado e portanto permite efectuar operações livres, revelando-se um sistema prodigiosamente criativo pois constrói-se a si próprio em função das experiências vividas. [...] Uma das teorias sobre a evolução do cérebro [...] sugere que a sua significativa e enriquecedora expansão se desenvolveu ao longo do tempo, por sucessiva justaposição e especialização de mais de três camadas que se vieram sobrepor à espinal medula, ao cérebro posterior e ao cérebro médio. Em cada passo evolutivo da formação do cérebro, as partes mais antigas não foram eliminadas, mas tiveram que adaptar-se para permitir aperfeiçoar o seu “processo operatório”. É por esta razão que o cérebro [...] conserva ainda todos os níveis adquiridos desde o peixe e, todos eles, suplantados pelo nível mais recente, desempenham uma função nas formas mais elevadas do pensamento.” (Faria, op. cit., pp. 25-28, aspas, itálico e maiúsculas da autora)

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Apesar dos meios limitados de que dispomos, pois não conseguimos experienciar vivências simultâneas, somos, segundo Aristóteles50 apud Faria (op. cit., p. 27): “De todos os animais [...] a ter o maior cérebro em proporção com o [nosso] tamanho”. O nosso cérebro tem a capacidade de imaginar e recriar o que retém em mente, pois é “[...] não só um acumulador infinito de histórias, mas também um multiplicador dessas histórias e, a par com a natureza, o maior contador de histórias do universo [...]” (Faria, op. cit., p. 55). A mente consegue, assim, um universo infinito de contínuas combinações, alargando um universo de histórias que poderão ser verdadeiras ou falsas, mas que quando evocadas e sentidas por nós, constituem-se como verdadeiras reminiscências do nosso pensamento. Como escreveu Pessoa (2008, p. 142): “As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas”. [...] A memória é permanentemente invadida pela imaginação e o sonho. E, como existe uma tentação de crer na realidade do imaginário, nós acabamos por fazer da nossa mentira uma verdade, o que, aliás, se reveste de uma importância relativa, já 51 que uma e outra são vividas numa intensidade pessoal. (Buñuel apud Faria, op. cit. p. 127)

O pensamento arquitectónico equaciona o que conhece, experienciado na medida das suas certezas, mas é sobre estas que alargamos o nosso conhecimento. Definimos uma estratégia e dirigimos um pensamento crítico que, pelo seu carácter mental, liberta constantemente espaço à imaginação; possibilita-lhe a sua invasão dos factos, e que muitas vezes nos escapam, mas que partem invariavelmente de “um conjunto de dados subtraídos à memória.” (Faria, op. cit.) Nesta assimilação de conhecimentos, na sua retenção e imaginação, parece-nos serem desenvolvidas e potencializadas as capacidades do arquitecto – num reutilizarse de si mesmo – indispensáveis no processo de arquitectura. Poderemos dizer que a arte de construir começa na produção de uma ideia, evocada pela memória, pela prévia selecção que elabora a mente de cada um, através dos sentidos. 50

ARISTÓTELES (384 – 322 a. C.) filósofo grego. Discípulo de Platão formado na sua escola Academia em Atenas. O sistema aristotélico matéria/forma embora introduzido por Platão, foi concebido como reação ao idealismo deste e em particular contra a sua teoria das Ideias. Em 335 a. C. funda o Liceu, escola concorrente à Academia. Para Aristóteles, todo o conhecimento tem como ponto de partida o mundo material e a substância consiste num composto da matéria (passivo) e forma (activo) introduzido como princípio da inteligibilidade e universalidade. Os seus escritos abrangem diversos temas como física, metafísica, poesia, drama, lógica e retórica. Considerado um dos fundadores da filosofia ocidental. 51 Luis Buñuel (1900 – 1983) realizador de cinema espanhol, nacionalizado mexicano. Trabalhou com Salvador Dalí, de quem sofreu fortes influências na sua obra surrealista. A sua obra tem influenciado vários realizadores como Pedro Almodóvar. Da sua obra cinematográfica destacamos: “Un Chien Andalou” (1928) e “L’Âge d’Or” (1930) ambos co-dirigidos por Salvador Salí; “Belle de Jour” (1967).

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2.2. MEMÓRIA E IDENTIDADE

“O ambiente é a alma das coisas. Cada coisa tem uma expressão própria, e essa expressão vem-lhe de fora.”

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Fernando Pessoa

A memória é, como vimos anteriormente, a nossa imagem do Mundo, tanto o que conhecemos e experienciamos, como aquele que imaginamos. Contudo, estas imagens que guardamos na mente, são o resultado da expressão do que nos emociona e que, invariavelmente, é compreendida pela sua lógica temporal.53 Assim, a memória constitui-se o caminho para dentro daquilo que é lembrado, por um processo selectivo realizado na mente, formarmos e associarmos uma identidade, tanto a nós como aos que nos rodeiam, bem como ao espaço em que nos inserimos. Por isso é que me comovo à vista da Ponte de Ucanha: é pelo que nesse hoje silencioso mundo de pedra eu posso adivinhar do que ali aconteceu... e do que virá a acontecer depois de mim. À vista da medieval Ponte de Ucanha, mobilizei o meu heterónimo para medievalizar a sua leitura, enquanto eu, silenciosamente, me entregava ao desfruto da sua majestosa presença. Ambos cumpríamos dois tempos do mesmo acto de VER, a inteligência e a sensibilidade. (Tainha, 2006, p. 15, maiúsculas do autor)

Os espaços construídos que transportamos na nossa memória, apreendidos pelos nossos sentidos, são resultado da hierarquia realizada na nossa mente, pelo poder selectivo que, de acordo com as nossas emoções, apreende ou rejeita determinados elementos físicos da arquitectura. Os sentidos realizam a tarefa de seleccionar e hierarquizar o que será depois manobrado e evocado, constituindo a memória operativa54, fundamental na elaboração da ideia; no contorno de problemas impostos por um programa, até à memória da própria construção e da sua consequente permanência no tempo. Seria impossível contermos na nossa mente todos os espaços que experienciamos, “[...] a percepção [...] de uma obra de arquitectura é fragmentária; é feita por blocos de imagens a partir dos quais cada pessoa que a vive (re)constrói [...] a ideia do todo [...]” (idem, p. 100, parênteses do autor). 52

PESSOA, Fernardo (2008) – O Livro do Desassossego. p. 82. “As ideias, como as emoções que as geram, não são hoje nem mais fortes nem mais profundas do que há mil anos. Acontece é que na expressão das suas ideias, aquele que cria está ligado por um vinculo necessário às técnicas do seu tempo.” (Tainha, 2006, p. 125) 54 MEMÓRIA OPERATIVA – ver glossário. 53

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Deste modo, o que reside na memória corresponde ao que a nossa alma e corpo privilegia, e a história dos factos arquitectónicos, ao ser apreendida por nós, sofre uma alteração própria em cada um. Pois para além de reter informação, a memória tem a capacidade de “filtrar” a informação que evoca, conduzida pelos nossos sentidos e emoções, de acordo com as experiências apreendidas ao longo da nossa vida. Caso contrário, seria tão difícil enquadrarmos a nossa memória – completa de tudo – como a de uma mente que nada retém. Segundo Umberto Eco55, a retenção das imagens na nossa mente sofre um processo de escolha, pois difícil seria reter na memória a informação que é indiferente à nossa sensibilidade. Segundo o mesmo autor, apud Faria (2014, p. 125) a mente completa de tudo constitui-se tão inoperativa como uma mente vazia: “Sim. Lembrar é escolher. Se eu me lembrasse de tudo o que se passou ontem, se eu fosse como o Funes56 de Borges [...]”. Esta hierarquia da informação57 que retemos, começa no confronto da obra edificada. É sobre ela que o nosso corpo reage aos estímulos do espaço arquitectónico. Porém, no confronto com o espaço, o nosso conhecimento mental previamente adquirido, entra em debate com aquilo que experienciamos. Não sendo um objecto puramente estético, a obra de arquitectura não pode ser compreendida ignorando a sua condição mais premente: a habitabilidade; a sua resposta a um tempo. E parece-nos ser nesse sentido de valor que, no fundo, ela se abre à nossa sensibilidade, evocando memória e sensação. Quando Manuel Tainha refere, na citação que fazemos de inicio, a divisão entre dois tempos mentais: “o aqui com o qual me relaciono” e o “aí que te edificou [obra]”, compreende que os valores intrínsecos à construção do espaço arquitectónico, a sua origem, são tão ou mais importantes que a satisfação que sente do espaço que, hoje, contempla. Pois esta, a origem, a essência para o qual foi criada permite, pelo seu corpo edificado, chegar-nos a história e a conquista dos valores de uma época. A utilidade prática da arquitectura, como resposta a um problema, não se esgota no olhar. É preciso experienciá-la, compreender a sua essência, a sua relação com o período de tempo em que foi construída e onde, encerra do mesmo modo que permite conhecer, o seu fundamento. E embora da experiência só consigamos reter a ideia – a 55

Umberto Eco (1932 – ) escritor e filósofo italiano. Influenciado sobretudo pelos textos que estudou de S. Tomás de Aquino e mais tarde de John Locke onde se interessou pela semiótica. Principais obras publicadas: “Obra Aberta” (1962); “A definição de Arte” (1968); “O Pendulo de Foucault” (1988). 56 Funes é uma personagem descrita por Jorge Luis Borges, num dos contos da sua obra “Ficções”: “[...] cuja doença consistia no armazenamento de tudo o que conhecia, para logo cedo, ao acordar, a sua mente constituir-se num enorme lixo”. Cf. Borges (1969, pp. 121-125). 57 INFORMAÇÃO – ver glossário.

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sensação – parece-nos ser aí que reside a capacidade de compreender, confrontando memórias de experiências passadas, a hierarquia importante do registo que guardamos na mente.58 Esta ideia não poderia corresponder mais à razão do que à nossa sensibilidade que experimenta o espaço. De acordo com Zevi: [...] quem raciocina sobre o homem em termos de secionalismo intuitivo, lógico, prático e ético sem passar da útil distinção teorética à unidade vivente e orgânica [...], poderá contentar-se em observar a identidade do objecto espacial [do ponto de vista] –social, técnico, fisiopsicológico, formalista –, com a única advertência de não esquecer a hierarquia dos valores arquitectónicos, em nome da qual estas interpretações se tornam, antes de mais nada, social-espacial, técnico-espacial, fisiopsicológico-espacial, formalista-espacial. (Zevi, 2002, pp. 192-193)

A imagem que criamos dos lugares corresponde ao modo como com eles nos relacionamos, sem exaurir as potencialidades dessa experiência na relação com a memória que transportamos. Nesta composição de experiências, fabricadas e vivas, potenciamos a nossa descoberta da história ou, melhor dizendo, o nosso lugar na compreensão da história. Aos nossos olhos, de todas as coisas emergem significados, harmonizados ou associados, que enaltecem a coisa ou, e até por vezes, condenam a nossa emoção enquanto conquistam o observador alheio. O objecto arquitectónico é apreendido in mente, pela sua compreensão; percebido e apreendido pela experiência de que dele possamos ter; da experiência na sua composição59, na sua ordem60, na sua proporção humana e fundamentalmente, na sua funcionalidade61. É que a arquitectura é uma estrutura de sentido, e não de significado; isto é: dá sentido ao real mas não lhe dá significado. O significado, que é o esteio em que se entrincheira a identidade, é-lhe dado pelo seu uso, nos actos da sua utilização, em suma pelas formas como as pessoas se apropriam dos factos arquitectónicos; sendo certo que se apropriam deles não só mediante a razão e o intelecto, mas também com a sensibilidade e as emoções. (Tainha, op. cit., pp. 12-13)

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Segundo Faria, esta hierarquia realizada na mente “revela-se vulnerável e dependente da acção implacável de uma ordem constante que se impõem no universo: o Tempo. [que se encarregará] de fazer a actualização da hierarquia estabelecida na mente [...]. Poderão um dia os arquitectos testemunhar o caso extremo da arquitectura que em tempos não compreenderam [...], se poder converter com o tempo, na referência da sua [prática] de amanhã.” (Faria, 2014, pp. 145-46). O Tempo, enquanto catalisador das respostas a um determinado problema em arquitectura, e que de acordo com os nossos sentidos reconfiguram a imagem que transportamos na mente, será abordado no capítulo seguinte: 3. Do Tempo. 59 COMPOSIÇÃO – ver glossário. 60 ORDEM – ver glossário. 61 O carácter funcional que descrevemos como qualidade da arquitectura, corresponde, e como menciona Gillo Dorfles, “[...] às razões, às implicações, às motivações, aos impulsos que levaram, em todos os tempos, à criação de obras que nós, hoje, definimos como “artísticas”, mas que foram definidas pelos antigos como: téchne, [...], objeto religioso, instrumento de trabalho, [...] que é oferecido pela própria diversidade dos aspectos culturais, económicos, técnicos das diversas épocas da civilização.” (Dorfles, 1979, p. 143)

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Seguir a identidade de uma linguagem arquitectónica presente na forma dos edifícios, não constitui a matéria a que o presente estudo se pretende debruçar. Interessa-nos antes, a compreensão dessa forma, pela sua habitabilidade. Como refere Tainha (op. cit., p. 14), a forma como identidade arquitectónica é “falsa” e sugere o “[...] procurar [d]o objecto perdido, não onde ele se perdeu mas onde há luz para o ver. [...], a identidade cultural da arquitectura [...] só encontrará explicação quando relacionada com uma praxis”. O processo de uma coisa ser o que é, o seu indício, ou a sua designação final própria, será mais importante que a linguagem que constitui essa forma, embora uma e outra sejam indissociáveis. Contudo, é no seu modo de ser, no modo de ter sido realizada, que a obra se deverá descobrir. Ela, a obra, assenta antes de tudo “num projecto humano”, e para Tainha, todas as formas, tal como as palavras na escrita, foram antes uma intenção, um modo de corresponder um elemento à sua função, atribuindo-lhe por isso um valor. E assim, a arquitectura que presenciamos “[...], mais do que um documento verbal, [...] [é] a pista mais idónea para o conhecimento dos traços humanos e do saber e do sabor de uma época.” (idem, p. 15) Todas as obras constituem um valor, intrínseco ao seu propósito de ser, e é assim que as arrumamos na memória, hierarquizados por diferentes associações sabendo que, no resquício último da experiência de cada uma, poderá encontrar-se a essência do que nos emociona para, a partir dela, emocionarmos. A obra arquitectónica é tão necessária quanto mais essencial se revelar, na sua atmosfera do todo edificado. É preciso conquistar a “aura”62 das coisas para, logo depois, a abandonarmos. Segundo Pessoa, este processo não será exactamente o extorquir-lhe o carácter atmosférico, é antes, um decompor dessa essência ao maior grau da impessoalidade, reunindo os elementos que a comportam, passíveis de ser apreendidos por todos. 63

1) toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade. 2) A sensibilidade é pessoal e intransmissível. 3) Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso que na arte buscamos fazer, temos de decompor a sensação, rejeitando o que nela é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual, é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros. (Pessoa, 2005, p. 326)

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AURA – ver glossário. ARTE – ver glossário.

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É necessário decompor a essência que estimula o nosso corpo e mente sem deixar que se torne impessoal. Ser pessoal, é, também, ser colectivo – com os outros – e que como refere, não tem que ser pela inteligência do saber mas que seja, e aí todos seremos iguais, pela sensibilidade. Para rapidamente nos conseguirmos dela apropriar, pela sua generalidade prática e emocional, instalada nos genes do ser humano. Eliot refere, e de algum modo cerca, a essência do que é possivelmente mutável, ao referir que existem apenas duas formas de expor a impessoalidade que se procura, e abre caminho às virtudes dessa mesma essência: Há duas formas de impessoalidade: a que é própria do mero artífice habilidoso e a que é cada vez mais conseguida pelo artista que vai alcançando a maturidade. [...] a [...] que, a partir de experiência pessoal e intensa, é capaz de exprimir uma verdade [...]; retendo toda a particularidade [...], para fazer dela um símbolo [...] a particularidade que deve proporcionar os materiais para a verdade geral. (Eliot, 2002, pp. 108-109)

Segundo Benevolo (2009), o valor intrínseco das obras arquitectónicas, como nos gregos64, situa-se muito antes de serem consideradas como partes “convencionais e variáveis”, mas sim “como categorias permanentes e absolutas” pois os elementos que constituíam estas obras assentaram de início em princípios restritos que após a sua utilização requereram uma maior amplitude do seu uso, proporcionando uma regra sucessivamente generalizada na apropriação das suas particularidades. Como refere o autor: “Pensa-se que, para cada uma das artes, existam certas regras objectivas, análogas às leis da natureza, e que o valor de cada experiência individual consista na adaptação a elas.” (idem, p. 18) A estas regras, estão intimamente ligados os ideais da construção nos gregos65, em que se estabelecia as premissas para um ideal construído e que produziram, na verdade e ao longo do tempo sobre o processo de arquitectura, a inibição da espontaneidade dos arquitectos, que não as traduziram dos mais diversos modos, não compreendendo que não seria por isso que esgotassem a identidade do ideal construído. Pelo contrário, seria no seu prolongamento que, possivelmente, se reenquadrariam; numa maior extensão. O autor refere, que as

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Gregos – (500 – 338 a.C.) período da Antiguidade Clássica, considerado o período mais importante da Grécia Antiga. Centra-se na arquitectura religiosa – templos – elaborados com grande rigor de dimensões, estabelecendo proporções matematicamente precisas. O Partenon (dedicado à deusa Atena e construído na Acrópole de Atenas) constitui-se como uma das mais importantes construções deste período. Um dos traços marcantes da arquitectura grega consiste no uso de colunas estabelecendo ordens (dórica, jónica, coríntia). Os princípios desta arquitectura consistiam na racionalidade, ordem, beleza e geometria. O templo é considerado a construção de maior expressão arquitectónica e a coluna como marca da proporção e estilo dos templos. A cultura grega clássica teve uma grande influência sobre a arquitectura romana, bem como nas artes e filosofia. Cf. também verbete “Antigo” In Glossário da presente dissertação. 65 ANTIGOS – ver glossário.

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ordens arquitectónicas66 “não são regras materiais, isto é, modelos completamente estabelecidos, mas sim regras ideais que podem traduzir-se concretamente dos modos mais diversos” (Benevolo, op. cit., pp. 18-19). Como refere o autor: Todos os homens, por exemplo, pertencem a uma forma ou espécie comum; na sua qualidade de homens, todos têm as mesmas características e não pode dizer-se que um seja mais homem do que o outro; ao mesmo tempo, todos [...] são diferentes, porque a espécie não é um modelo uniforme, mas sim uma regra estrutural que, aplicando-se sempre a matérias diferentes, pode concretizar-se de infinitas maneiras. (idem, p. 19)

Na perspectiva do autor, é sobre esta “regra estrutural” que devem multiplicar-se as suas apropriações e contextos vários pela mão do Homem, tentando sempre corresponder à necessidade corrente, pois “cada uma destas normas encerra [...] um campo de selecção posterior e admite aplicações sempre diferentes” (idem, loc. cit.). Esta “economia de pensamento” permite ao desenvolvimento arquitectónico assentar sobre um universo de relações previamente estabelecidas pelo seu carácter natural de existência. Possibilita-lhe reagir e inserir-se numa corrente mais vasta de relações, reenquadrando as nossas acções e verificando as suas possibilidades de coexistirem. Cada objecto deve ser portanto apresentado da forma mais directa, e a sua compreensão reduzida o mais possível às percepções sensíveis imediatas; [...] reconhecido na sua individualidade antes de ser associado aos outros objectos”. (idem, p. 22)

Os filósofos Pré-Socráticos67 repararam que na reprodução da obra, da qual o invólucro se alterava na mudança, existia a permanência do seu significado, a sua substância.68 Deste modo, a identidade não se constitui como um momento uniforme ou imutável. Compreende, antes, um ciclo de permanência e mudança admitindo novos modos de ser reproduzida. Segundo Kubler (2004, p. 103), uma duração sem

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[...] a ordem dórica [...] forma intelectual visível com os olhos do espírito; entre a forma intelectual e a realização prática existe uma margem que pode ser preenchida das maneiras mais diversas, e é na escolha entre todas elas que reside a liberdade dos projectistas; [...] porque nenhuma imitação sensível ou série de imitações consegue exaurir as virtualidades contidas no modelo ideal.” (Benevolo, 2009, p. 19). Cf. ainda, para melhor entendimento do assunto abordado, verbete “Imitação” In Glossário da presente dissertação. 67 Filósofos Pré-Socráticos – filósofos da Grécia Antiga anteriores ao pensamento de Sócrates. Contudo, alguns são contemporâneos a Sócrates, ou posteriores à sua época. Considerados filósofos da physis (natureza, entendida como realidade primeira, originária, fundamental) em oposição ao que é secundário, derivado, transitório. Procuram o princípio – arché – das coisas (princípio cosmo-ontológico). 68 Tales de Mileto pensador Jónico atribuiu à água o elemento primeiro de todas as coisas. “[...] ‘o princípio’ de todas as coisas é a água (no sentido aristotélico) [...] de matéria original constitutiva das coisas, que persiste como um substrato e na qual elas hão-de perecer.” (Raven, et. al., 1997, p. 83, aspas do autor) “[...] parece talvez mais provável que Tales quisesse dizer que todas as coisas no seu conjunto (de preferência a cada coisa em particular) estavam interpenetradas por uma certa espécie de princípio vital, [...]”. (idem, p. 92)

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qualquer modelo regular assemelhar-se-ia ao “caos” pois nada nessa duração poderia ser identificado “[...], porque nada se repetiria. Seria uma duração sem dimensões [...], sem entidades, sem propriedades, sem acontecimentos – uma duração vazia [...]”. Contudo, se na reprodução da coisa está a vontade de transmissão dessa essência, desencadeando novos rumos passiveis de ser construída, também é verdade que essa coisa perde o mais importante ao ser reproduzida, a sua origem. É no início que ela adquire o maior grau de essência, na sua origem. Foi para ali que foi pensada e criada, com o propósito de ser, e é o que, no fundo, comporta a sua autenticidade.69 Todavia, na reprodução dos vários elementos que constituem a obra, a saber, os elementos que a comportam no campo da nossa emoção, embora percam a sua origem primeira, poderão comportar o seu valor nos sucessivos tempos. E a essência, parece-nos, é procurada por novas e possíveis origens, novos modos de ser reproduzida. Como o Homem e o seu espaço, a arquitectura compreende-se em permanente alteração e a reprodução não pode alhear-se a esta continuidade. É necessário encontrar novos rumos para um mesmo assunto, este, que compõe de modo claro o valor da arquitectura aos nossos sentidos, através dos quais experienciamos, retendo as nossas ideias, igualmente mutáveis. O desenvolvimento destes processos de reprodução fornecem, como refere Benjamin70 (2012, p. 65), o “meio para a diferenciação e graduação da autenticidade” possibilitando a compreensão da própria obra no decorrer do tempo. A perda de uma identidade estabelecida, não restringe a transmissão da sua condição premente: a relação com o Homem e o espaço do seu tempo. E a sua condição interna de relação, pela sua componente ideal, poderá possibilitar o encontro desse limite último de continuar a ser, e a chegar, de modo quase abstracto – sem origem e contexto –, ao Mundo de todos os dias. Como menciona o autor, “torna possível o encontro com quem a apreende” e permite colocar o original – a condição original da essência que se pretende reproduzir – “em situações que nem o próprio original consegue atingir”, 69

Cf. Benjamin, 2012, para melhor entendimento do assunto abordado. BENJAMIN, Walter (1892 – 1940) filósofo, ensaísta e tradutor alemão. Considerado um dos filósofos mais influentes da modernidade. As suas obras têm sido reunidas e publicadas por T. W. Adorno. Fortemente influenciado por Bertolt Brecht e Gershom Scholem. A sua obra constitui um forte contributo para a teoria da estética. O desenvolvimento do seu trabalho baseia-se na concepção Kantiana de crítica como uma forma de reflexão estética e política. No seu ensaio “A Obra de Arte na Época da sua Reprodutibilidade Técnica”, publicado em 1936, indaga sobre a teoria materialista da arte procurando perceber a influência do processo industrial na produção artística e centra-se nas causas e consequências da perda da “aura” que envolve as obras de arte enquanto objetos únicos. A perda da tradição determina, por outro lado, um processo positivo no relacionamento das massas com a arte. Da sua obra literária destacamos: “Teses Sobre o Conceito de História” (1940); “Passagens” (2006). 70

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possibilitando novos reconhecimentos a partir de novas perspectivas, constituindo contínuas explorações sobre o facto original.71 (Benjamin, 2012, p. 65) É esta a sua autenticidade. A autenticidade de uma coisa é a suma de tudo o que desde a origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico. [...] poderia caracterizar-se a técnica de reprodução dizendo que liberta o objecto reproduzido do domínio da tradição. [...] Na medida em que permite à reprodução ir ao encontro de quem apreende, actualiza o reproduzido em cada uma das suas situações. (idem, p. 66)

A obra arquitectónica deverá, portanto, ser a verdade do contexto em que se vem encaixar. De onde, e a partir da qual, reconhecemos os seus autores bem como a sua capacidade de reavaliar experiências passadas. O “ser-aí da obra”72 constitui-se como um valor necessário à identidade de um tempo. Como refere Heidegger (2014, p. 27), “a reprodução do que está perante nós requer, aliás, a conformidade com o ente, a adaptação a este”, e esta conformidade da obra, em relação ao Homem e ao lugar onde se edifica, “vale, de há muito, como a essência da verdade”. A continuidade possível em relação à essência do que se constrói é, em suma, a sua (re)aplicação, e esta, compreenderá sempre o lugar que ocupa, bem como a praxis que advém dessa mesma reprodução. Para Siza Vieira (2009, p. 180) o importante é, antes, compreender “a lógica interna que sustenta tudo isso, presente em infinitos modelos, lógica suficientemente aberta para suportar muitas alterações”. A minha preocupação principal em desenhar, suponhamos, uma cadeira é a de que pareça uma cadeira. [...] Hoje desenham-se muitas cadeiras que parecem outra coisa. A necessidade da originalidade e diferença conduz quase sempre ao abandono da essência [...] E contudo, vistos à distância, podem ser ligeiramente diferentes e é exactamente nesta ligeira diferença que se esconde o seu verdadeiro significado no tempo. [...] uma cadeira egípcia continua a ser actual. Podemos [...] introduzir diferenças que resultam dos materiais e do sentido das proporções, mas no fundo deve subsistir a essência de uma cadeira: a sua relação com o corpo. (Vieira, 2006, pp. 133-35)

Poderemos considerar que o que contempla a identidade necessária do que se constrói compreende tanto o seu propósito como a sua relação inevitável com o lugar

71

O autor dá o exemplo da representação teatral de Fausto: “[...], apresentada por um teatrinho de província, tem, relativamente a um filme sobre o Fausto, a vantagem de estar em concorrência ideal com a estreia em Weimer. E o que dos conteúdos tradicionais pode ser recordado no palco deixa de ser explorado na tela, como o facto de Mefistófeles de Goethe ser a representação do seu amigo da juventude, Johann Heinrich Merck, e outros similares”. (Benjamin, op. cit., p. 66) 72 ser-aí-da-obra – Cf. Heidegger, 2014, pp. 25-27.

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que ela, obra, ocupa. Braizinha73 (2001, p. 37) refere este procedimento como “[...] conhecendo o arcano [...]” para que o arquitecto, com a sua memória operativa que transporta, reconheça as fímbrias do lugar que está à sua volta, embebido nas suas raízes e possibilidades, “[...] porque todo o lugar é lugar de um arcano que está presente em todo ele, e se identifica com todo ele [...]” e ao arquitecto cabe, no processo que realiza entre corpo e mente, com a ajuda do desenho74, ponderar e pesar os factos possíveis de requalificar lugar e obra, numa reutilização da memória como “fundação do lugar e da arquitectura” (Braizinha, op. cit., p. 37). [...] A analogia (obra) organiza as similitudes que pressupõem a compreensão da anterioridade. A essas similitudes, a que chamamos analogias [...] damos o nome de poética. [...] significa assim, desenvolvimento de causa e efeito, pela lei da harmonia. A analogia esotérica é fundada sobre a harmonia e o método natural da posterioridade. (idem, p. 35, parênteses nosso)

De um modo invariável, todos os lugares resultam de uma acção natural, construindose ao longo do tempo. Admitem, por consequência, uma identidade que, na acção do Homem pela prática da arquitectura com o lugar, se transforma, moldando-se e moldando-a. O lugar soma às memórias que transportamos na nossa mente, às ideias que com os nossos sentidos hierarquizámos e, a par com o programa da obra arquitectónica, restringir, delimitando a concepção do projecto. Como diria MerleauPonty (2009, p. 57), interessa, no fundo, despertar num sentido comum, as “potencialidades adormecidas, um segredo de preexistência” revelando-se, no processo de arquitectura, como directrizes e acertos do próprio projecto. Mas que parte, invariavelmente, da nossa visão trabalhada, assentando sobre um grau de “conveniência” entre construção e Natureza. Consiste assim, numa relação, como refere Foucault75 (1988, p. 74), “sob a forma do gradualmente”. Na identidade comum, entre espaço arquitectónico e Homem, deve prevalecer o inteligível que compreende as suas internas relações. Não tem por isso uma medida adequada, ou um modo certo de ser produzida, “é da ordem da conjunção e do ajustamento.” 73

BRAIZINHA, Joaquim José Ferrão de Oliveira (1944 – ) arquitecto português. Licenciado em Arquitectura pela ESBAL em 1970 e Doutorado pela FA/UTL em 1990, ano a partir do qual integra o escritório do Arqt. Frederico George e posteriormente o escritório dos Arqts. Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas. Inicia o seu próprio escritório em 1986. Coordenador e Docente do 5º e último ano do curso de Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa desde 1990. 74 “O desenho começa por ser um recurso mnemónico, um acto de memorização (ou de comprovação) da “construção” que tenho em mente.” (Tainha, op. cit., p. 84) 75 FOUCAULT, Michel (1926 – 1984) filósofo, teórico social e crítico literário francês. Formado pela Escola Normal Superior de Paris. Considerado por si próprio como um pós-modernista. Leccionou na Universidade de Túnis, Tunísia (1966-1968) e posteriormente Coordenador do departamento de Filosofia na Universidade Paris VIII. A sua obra constitui um contributo para a crítica da modernidade. Desenvolveu métodos arqueológicos e genealógicos que enfatizavam a evolução do discurso na sociedade. Do seu contributo literário destacamos: “História da loucura na idade clássica” (1961); O que é um autor?” (1983).

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A convenientia designa mais a vizinhança dos lugares do que a semelhança. São convenientes as coisas que, aproximando-se umas das outras, chegam a confinar; tocam-se pelos bordos, [...] a extremidade de uma designa o inicio da outra. [...] nessa charneira das coisas surge uma semelhança. [...] do lugar, do sitio onde a natureza colocou as duas coisas, portanto similitude das propriedades, [...] E depois, desse contacto nascem, por permuta, novas semelhanças; um regime comum se impõe; [...] sobrepõe-se uma semelhança que é o efeito visível da proximidade. [...] A semelhança impõe vizinhanças que asseguram, por sua vez, novas semelhanças. [...] (Foucault, op. cit., p. 74)

A relação intrínseca dos elementos que constituem o lugar é um forte instrumento de projecto, bem como da razão, na imaginação da obra na nossa mente até à sua concepção. Como refere Siza Vieira (2009, p. 29), o lugar “[...] tem igualmente importância, não só à escala do sitio, mas também nas relações que os espaços mantém entre eles, até ao pormenor de ligação entre os materiais.” Revela-se importante, vinculando uma realidade intrínseca, estabelecer as premissas para continuar a sua natureza que muitas vezes poderá ser “estruturar um quase nada” podendo somente “prolongá-lo, dar-lhe continuidade no sentido da história [...]” (Fernandes, 2001, pp. 12-13). Assim, por encadeamento da semelhança e do espaço, pela força desta conveniência que convizinha as coisas semelhantes e assimila as próximas, o mundo forma cadeia consigo mesmo. [...] as similitudes perseguem-se retendo os extremos na sua distância [...] [n]uma ligação recíproca e continua; [...] chegará ao ponto que bastará tocar uma extremidade daquela para que ela trema e faça mover o resto. (Foucault, op. cit., p. 74)

Como descreve o autor, “observa-se aqui um duplo requisito: [...] por um lado, que haja nas coisas representadas o murmúrio insistente da semelhança, e, por outro, que haja na representação o recesso sempre possível da imaginação” (idem, p. 123). Compreende-se aqui a tentativa de salvaguardar o carácter do lugar num todo construído sem que dissipe a sua essência. Do mesmo modo, refere Siza Vieira (2006, p. 135), “um objecto não pode ser o protagonista absoluto, [...] Tem de exprimir [...] uma [...] contenção, ou uma disponibilidade para qualquer relação”, permanecendo de modo abstracto – comum a todos – adquirido por todos, por meio dos sentidos. A cultura edificada compõe o conhecimento de cada um, e constitui-se “elementochave ao nível da abordagem de determinada realidade, transformando-a e transformando-se, em última essência, numa estrutura significativa que assume essa dupla dimensão [...]” (Silva, 2014, p. 40), num referencial espácio-temporal em permanente mutação. Captar o seu sentido último servirá para reconstruir uma teia de relações importantes à identidade de um lugar, reconstruindo-a, devolvendo-lhes vida

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e integração no tempo, justificando a sua existência. Partes de um todo, constituem-se “transmissores de memórias” (Silva, op. cit., p. 40), que reagem e formam o intelecto do ser humano, permitindo compreender a sua posição no Mundo e reflectindo sobre si próprio, como menciona Pallasmaa76, numa correlação entre corpo e mente. In the experience of art, a peculiar exchange takes place; I lend my emotions and associations to the space and the space lend me its aura, witch entices and emancipates my perceptions and thoughts. […] It’s offers pleasurable shapes and surfaces molded for the touch of the eyes and other senses, but it also incorporates and integrates physical and mental structures, giving our existential experience a 77 strengthened coherence and significance. (Pallasmaa, 2008, p. 12)

É in mente e através dos sentidos, que compreendemos e nos emocionamos com o objecto arquitectónico construído. É ainda, sobre as memórias retidas e sobre as quais nos apoiamos, que produzimos o pensamento. E nele, equacionamos vários assuntos dentro das suas variadas possibilidades, tentando que sempre transmitam a sua essência intrínseca – a relação do Homem e o espaço do seu corpo – no lugar que ocupa no Mundo. Para, sobre o entendimento comum, conseguir através do processo de construir arquitectura, suspender no tempo essa identidade tão necessária à permanência da obra na nossa, e na memória dos outros. Como refere Tainha: [...] [os] actos praticados com os objectos com os quais mantém uma relação activa, familiar. Relação essa, onde a identificação do objecto é ao mesmo tempo a autoidentificação do sujeito. [...] por detrás do conceito de identidade se oculta, se esconde qualquer coisa como a percepção de um Eu, não de todo consciente; [...] [um Eu] anterior ao conhecimento, [...] inseparável do trato com o mundo real dos factos. Uma esfera de responsabilidade integral que se exprime [...] por um sentido de pertença unindo presente e passado. Uma “topofilia”, [...] o elo afectivo entre a pessoa e os seus lugares. [...] os sentimentos são, mais do que a razão, formas estáveis, sólidas e duradouras de relação com o meio, [...] Ninguém inventa um sentimento. Perdido este sentimento [...], de pertença dos seres aos seus lugares, perdida está a identidade. [...] Está só. Livre, mas só. (Tainha, op. cit., pp. 10-11) 76

PALLASMAA, Juhani Uolevi (1936 – ) arquitecto e teórico de arquitectura finlandês. Director do Museu de Arquitectura Finlandesa (1978-1983). Lecciona Arquitectura na Aalto University. Fundou o seu escritório de arquitectura em 1951, em Helsínquia: Arkkitehtitoimisto Juhani Pallasmaa KY. Da sua obra arquitectónica destacamos: Itäkeskus Shopping Centre, Helsínquia (1989-91); Recuperação do Museu de Arte, Rovaniemi (1984-86). A sua contribuição teórica incide na materialidade e experiência fenomenológica e está expressas em obras como: “The Thinking hand” (2009). 77 “Na experiência da arte, ocorre uma troca peculiar; Eu empresto as minhas emoções e associações ao espaço e o espaço empresta-me a sua aura, que seduz e emancipa as minhas percepções e pensamentos. [...] Oferece formas e superfícies prazerosas moldadas ao toque dos olhos e dos outros sentidos, mas também integra e incorpora estruturas físicas e mentais, dando à nossa experiência existencial uma coerência e um significado reforçado.” (Tradução nossa)

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2.3. MEMÓRIA E MNEMOSINE Jogo e dança, canto e poesia são os rebentos de Mnemosyne – da memória. [...] evoca, aqui outra coisa do que somente a capacidade imaginada [...] de conservar o passado na representação. Memória pensa o pensado. Mas o nome da mãe das musas não evoca “memória” como um pensar qualquer em qualquer algo pensável. [...] é, aqui, a concentração do pensamento que, concentrado, permanece junto ao que foi propriamente pensado [...] seu dizer evoca o mais antigo. O mais antigo não somente porque, segundo a ordem cronológica, é o mais anterior, mas porque, desde sempre e para sempre, e segundo o seu modo próprio de ser, permanece o mais digno de se pensar.” (Heidegger, 2012, pp. 117-19, aspas do autor)

Na Antiguidade Clássica, os gregos construiram ao longo da sua evolução como povo sistemas de ordem, de harmonia e perfeição ideal sob o princípio de modelos que, na sua configuração, atingiriam verdades ideais. Compreendemos que estes sistemas se configuraram, de início, como partes intemporais e estáveis, “os deuses enfim foram feitos à maneira dos homens, até que o génio78 abriu ao artista um novo caminho, aquele da verdade ideal, que deveria conferir às estátuas divinas uma beleza, [...], sobre-humana.” (Quatremère de Quincy79 apud Pereira80, 2008g, p. 265) A Mnemosine, ou Mnemosyne, foi concebida como personificação81 da memória, capaz de guardar em si todos os feitos e de, através das musas, conferir aos artistas a possibilidade de, sob o seu conhecimento inesgotável, estabelecer a ponte necessária entre os acontecimentos passados e o tempo presente.82 Esta ideia moral de divindade encerrava em si, mais que um ideal de perfeição aceite e irrefutável, um modo de, através dos seus princípios, “prevenir os desvios aos quais o excesso de 78

GÉNIO – ver glossário. QUATREMÈRE DE QUINCY, Antoine-Chrysostome (1755–1849) arqueólogo, historiador e teórico de arquitectura francês. Estudou Arte e História no Collège Louis-le-Grand. Interessado na escultura e arquitectura grega-clássica após a sua viagem a Nápoles e Roma com Jacques-Louis David. Dedica-se à formulação de um corpus disciplinar para as artes e Arquitectura. A sua defesa intransigente do ideal clássico na Académie des Beaux-Arts constitui uma decantação escrita e articulada tentando provar os abusos do eclectismo e do romantismo nascentes. Da sua obra teórica destacamos: "Essai sur la nature, le but et les moyens de l’imitation dans les beaux-arts“ (1823). 80 PEREIRA, Renata Baesso (1970– ) Docente titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo. Doutora pelo Programa de Pós Graduação da FAU USP na área de concentração de História e Fundamentos da Arquitectura e do Urbanismo (2008), mestre em Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2000) e graduada na Escola de Arquitectura da Universidade Federal de Minas Gerais (1994). 81 “O génio criativo dos gregos imaginam seres dotados de virtudes elevados à máxima potencia e personificam-nos nas várias divindades mitológicas. Os deuses são assim configurações idealizadas de beleza universal, cujos personagens se tornaram protótipos humanos.” (Quatremère de Quincy, 1832, pp. 660-661) Cf. Também sobre o mesmo assunto : Grimal, (n.d. p. 316). 82 “[...] sob a proteção de Mnemosyne, tem o privilégio de estabelecer contactos com o passado, o “outro mundo”, no qual pode entrar e dele sair livremente. No seu canto [...] divulga, ensina e eterniza os grandes feitos que devem permanecer na memória social. Por intermédio da poesia, cantada por muitas outras gerações, o grupo social tem acesso à sua memória atávica e encontra [a] sua identidade.” (Kenski, 2007, p. 141) 79

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independência conduziria, [...] aquele que não tem por guia senão a rotina ou o acaso de um sentimento isolado.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 117) Servia, deste modo, como modelo “apenas sob o ponto de vista moral” ao qual se poderia recorrer a fim de guiar o caminho seguinte. É evidente que os gregos, havendo corporificado [...] [na] sua imaginação todos os seus deuses, prontamente devem tê-los representado não apenas na forma de corpos, mas tendendo também a fazer estas representações materiais de acordo com a ideia de uma perfeição ideal, [...]. (idem, p. 115)

As estátuas, de razão mitológica, serviram para os gregos como a estipulação de um ideal, nas quais os homens poderiam encontrar os máximos valores, imitando-os. Mas foi no protótipo dos homens que estes ideais se constituiram matéria de imitação. Na prática dos seus ideais, prolongaram o saber e, por consequência, as conquistas do Mundo que hoje tomamos como sensível, alargando o seu ideal. [...] naturalmente, houve aqui reciprocidade de acção. A ideia moral de divindade exigiu da imagem física a mais absoluta beleza, e de facto aconteceu que a perfeição material do deus-estátua representou a mais perfeita ideia de sua existência sobre-humana. (idem, loc. cit.)

Compreendemos que como refere Quatremère de Quincy apud Pereira (2008g, p. 261), a arte da imitação nasce nos gregos muito depois, e somente através, da construção das estátuas, de razão mitológica, que configuraram as expressões e caracteres do Homem. Embora as qualidades que se representaram fossem finitas e particulares,83 somente a partir de um povo como os gregos, “no qual a imitação dos corpos ordenados e da natureza vivente teria familiarizado os olhos com os modelos”, foi possível compreender a sua finitude de expressão e emancipá-la.84 Assim, tornouse impossível alhear-se da sua condição mais geral e “[...] a necessidade de nelas 83

“[...], conforme Pausânias, que a descreveu a partir de um testemunho ocular, a estátua do atleta Arrachion fora esculpida com as pernas juntas, os braços rígidos, pendentes e colados ao corpo.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, p. 263) 84 “[...] exceptuando-se a Grécia, [...] Em qualquer outro lugar, vemos o espírito da imitação do corpo humano [...] [sujeito] ou abastardado pelo império rotineiro dos usos políticos ou religiosos. [...] [que] tendem [...], a furtar, a obscurecer ou a desnaturar o conhecimento verdadeiro dos modelos da arte, e de neles perpetuar as tentativas e os esboços imperfeitos das formas do corpo humano. [...], privando [o artista] até mesmo da consciência da imperfeição de sua obra. [...] Os gregos [...] submeteram-se ao jugo deste instinto; mas souberam dele se emancipar. [...] Ordinariamente, [...] é necessariamente através da idolatria ou do culto das imagens divinas, que a imitação do corpo humano se introduziu. A religião tendo em toda [a] parte consagrado tal uso, deve igualmente ter perpetuado e tornado sagradas as formas dos ídolos; resultando daí que as mais antigas foram as mais reverenciadas. Desta arte, vemos em mais de um povo a impossibilidade de aperfeiçoar as formas do ídolos; [...] Tal instinto, [...] foi igualmente partilhado pelos Gregos, [...] os [seus] ídolos primitivos também foram feitos conforme o instinto grosseiro da imitação sem arte. [...] e assim permaneceram até que um novo uso, [...] veio [...] emancipar a imitação, multiplicando as ocasiões de elevar, por razões que nada tinham de religioso, estátuas a personagens que não eram deuses.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, pp. 261-263, itálico do autor)

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exprimir o movimento e as aparências da vida não pôde deixar de se fazer sentir”. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, p. 265) Deste modo, e ao conferir, de modo recíproco, à obra as qualidades gerais que foram encontradas de modo particular no Homem, este teve a possibilidade de construir o seu modelo ideal e fez dele, e a partir dele, o seu máximo exemplo.85 Acrescentando que estas obras “[...] deveriam suscitar o sentimento de comparação, e fazer nascer a necessidade de julgar as relações entre o modelo e [a] sua imitação.” (idem, loc. cit., itálico do autor) Ao generalizar o seu modelo, pôde partir-se dele como princípio e, a arte, poderia agora encontrar um número indefinido de parentescos, pois nele se encontram as analogias, as similitudes, as relações inteligíveis que, e de um modo intelectual, conferem ao modelo a sua qualidade “sobre-humana”. [...], a partir [...], desta liberdade de aperfeiçoar através do estudo dos corpos humanos as formas e os contornos do desenho, nasceu na Grécia esta imitação verdadeira, [...] que antes do uso [...], os próprios Gregos desconheciam. Tornou-se [...] impossível para o artista não conferir, às estátuas das divindades, a mesma expressão de verdade [...]. (idem, loc. cit., maiúsculas do autor)

Ao encontrar o seu próprio modelo de imitação, capaz de abranger toda a particularidade, a arquitectura constitui-se rival da Natureza, conferindo à sua arte as regras

e

os

meios

que

lhe

atribuem

esta

qualidade

da

imitação.86 Mas

compreenderemos ao longo do nosso estudo que a teoria da imitação, que caracteriza o processo arquitectónico ao longo do tempo, não conterá tanto o que destas leis se retira, embora seja geradora do seu princípio. [...] é da natureza de uma descoberta ser o efeito de uma descoberta precedente, e poder tornar-se a causa de uma descoberta conseguinte. [...] designa as conquistas realizadas pelo homem sobre os segredos da Natureza, e [...] exprime com precisão tal ideia. [...] [revela] aquilo que até então ela havia escondido. Mas é preciso que se diga, este efeito é muito mais o produto do tempo do que de um homem em particular. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 105, itálico e maiúsculas do autor) 85

“Os gregos, com o profundo instinto artístico que os caracterizava, entenderam isto, colocando na câmara nupcial a estátua de Hermes ou a de Apolo, para que as crianças ali geradas se tornassem tão belas como as obras de arte que viam ao nascer.” (Wilde, 2005, p. 46) “Lê [...] Aristóteles, [...], e descobres que as mulheres de Atenas usavam espartilho, sapatos de tacão alto, tingiam o cabelo de louro, pintavam os olhos e a boca e punham «rouge» nas faces, exactamente como qualquer criatura tonta dos nossos dias. […] só por meio da arte volvemos o olhar para as épocas passadas, e a arte, felizmente, nunca nos mostra a verdade. […] Os únicos retratos credíveis são aqueles em que há pouco de modelo e muito de artista.” (idem, p. 61) 86 “A Arquitectura, [...], não mais poderia permanecer alheia a esta influência. [...] O estudo do corpo humano instruiu os olhos e habituou o espírito a nele distinguir as variedades de carácter e as diferenças de formas, das quais resulta a expressão sensível das qualidades principais de força, de leveza, poder, [...], a Arquitectura encontrou uma espécie de modelo, a partir do qual pôde atribuir às suas obras uma correspondência analógica das mesmas qualidades, tornadas sensíveis e evidentes [...].” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, p. 259, maiúsculas do autor).

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Poderá considerar-se que a primeira construção – a cabana – adveio da teoria da imitação. Não sobre um modelo imitado, mas, e essencialmente, sobre o entendimento que a compreensão das leis da Natureza, foram adquiridas e reveladas pelo Homem. Como refere o autor apud Pereira (2008a, p. 119), “[...], a Natureza não criou casas, nem edifícios, [...] Mas [...] estabeleceu as leis de solidez, de equilíbrio, [...] de relação, de simetria, de proporção [...]” e que apesar de se constituírem como princípio submetem-se à sensibilidade de quem delas se apropria, através do reconhecimento das “[...] suas impressões agradáveis ou desagradáveis, [...] e [ensinando-nos] o que está de acordo ou não com os seus desígnios e [as] suas leis.” Ao imitar os processos desta, “não ao fazer o que ela faz, mas como [...] faz” (idem, loc. cit.), o Homem pôde reinventar-se.87 Mas é no conhecimento que contrai dos seus próprios modelos, tanto pela memória que adquire como pela imaginação, que liberta a arte da sua imitação. Ao conferi-la ao seu corpo e necessidade, evolui as suas construções e releva a sua individualidade e manifestação no Mundo. Como refere Corbusier: Pour construire bien et pour répartir ses efforts, pour la solidité et l'utilité de l'ouvrage, il a pris des mesures, il a admis un module, il a réglé son travail, il a apporté l'ordre. […] Il a mis de l'ordre en mesurant. Pour mesurer il a pris son pas, son pied, son coude ou son doigt. En imposant l'ordre de son pied ou de son bras, il a créé un module qui règle tout l'ouvrage; et cet ouvrage est à son échelle, à sa convenance, à ses aises, à sa 88 mesure. Il est à l'échelle humaine. It s'harmonise avec lui: c'est le principal.” (Corbusier, 2004, p. 54)

A proporção do Homem confere ao modelo a sua regra, as suas limitações e as suas necessidades próprias. Ao apropriar-se das suas leis e constituindo um modelo próprio, os antigos estipularam as regras à manifestação do seu modelo e conseguinte compreensão. Conferiram às construções modelos de verdade ideal, e definiram as suas regras de proporção, de ordem, de harmonia, regras estas, suficientemente gerais para abarcar, ou poder urdir a partir de si, constantes particularidades de uma mesma função.

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Esta ideia de apropriação, possibilitou-lhe proteger-se e reunir-se com os seus; transmitir experiências, conviver e dar início à civilização. William Chambers descreve este processo como intuitivo e necessário à evolução do Homem: “[...] o ser humano teria observado as operações instintivas dos animais e ao admirá-las, encontrando-se dotado da faculdade de raciocinar e de uma estrutura adequada aos fins mecânicos, imitou-as. [...] a criação animal apontava tanto os materiais como os métodos de construção e as abelhas, as cegonhas, as gralhas e as andorinhas como primeiros construtores da natureza, teriam sido para os seres humanos, os seus mestres na arte de construir.” (Chambers apud Faria, 2014, p. 80) 88 “Para construir bem e para repartir os seus esforços, para a solidez e a utilidade da obra, ele tomou medidas, admitiu um módulo, regulou o seu trabalho, introduziu a ordem. [...] Medindo, estabeleceu a ordem. Para medir tomou o seu passo, o seu pé, o seu cotovelo ou o seu dedo. Impondo a ordem com o seu pé ou como seu braço, criou um módulo que regula toda a obra; e a obra está à sua escala, à sua conveniência, ao seu bem-estar, à sua medida. Está à escala humana. Harmoniza-se com ela; isso é o principal”. (Tradução nossa)

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[...], tais regras não foram verdadeiramente inventadas por ninguém. [...] é preciso evitar crer que elas não existiam antes. [...] acontece que estes grandes homens e [as] suas obras tornaram manifestas as regras que os conduziram; [...] tornaram sensíveis através de seus exemplos, e possibilitaram que [os] seus sucessores as ensinassem com mais clareza. [...] não são outra coisa senão observações feitas sobre a Natureza. [...] existiam antes de serem descobertas. O homem não as criou, [...] proclamou[-as]. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008h, p. 281, maiúsculas do autor)

Como refere Foucault (1988, pp. 77-78), a Natureza, como um sistema de leis próprias, guarda em si o fenómeno de existir e correlacionar-se com todos os seus seres. Estas leis estão para além do visível e da massa das próprias coisas, subsistem num processo inteligível ao Homem, podendo “assim alijada[s], urdir, a partir de um mesmo ponto, um número indefinido de parentescos”. Neste sentido, o Homem surge como o ponto privilegiado desta “reversibilidade”, as “analogias proliferam nele [...] e, ao passarem por ele, as relações invertem-se sem se alterar”. Na verdade, o que confere a verdadeira qualidade da arquitectura enquanto arte de imitação, não passa pelo ajuste imediato das necessidades do Homem sobre o espaço que este constrói. O modelo que este segue, deverá conter-se sobre princípios mais vastos, que “a imitação verdadeiramente própria da Arquitectura, [...], sendo menos directa, nem por isso é menos real; simplesmente [o] seu princípio é mais abstracto.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, p. 261, itálico do autor) Quando, Quatremère de Quincy, refere que é ao princípio que produziu a cabana que a arquitectura lhe deve o seu estatuto de imitação, não é porque, ou somente porque, esta construção foi produzida sobre os seus elementos construtivos, mas também, porque a partir deste modelo se possibilitou conferir novas verdades, apoiadas sobre os mesmos princípios que regram, em última essência, este sistema próprio da Natureza. O modelo fictício da cabana não existirá além da ordem moral da questão, como um elemento pleno [...] de ordem, de simetria e de outras qualidades, do qual ele se tornou 89 para a arte o protótipo alegórico. [...] [e] diremos que é a esta feliz invenção que a arte deve todas as propriedades que a constituíram uma arte da imitação. [...] [Apesar de] proveniente de uma imitação [...] [deriva] de um outro princípio de vida. [...] um sistema de proporções, imitado daquele do qual a Natureza dispôs o exemplo e determinou as leis escritas na conformação do corpo humano. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008b, p. 149)

O modelo da cabana, que o autor refere como “fictício”, confere à imitação própria da arquitectura o seu ímpeto, sobre o qual se pôde reflectir criticamente as disposições gerais que este continha e revelava. Mas este princípio de “tal género de imitação uma vez introduzido e aperfeiçoado, não é mais o facto do artista que, limitando-se a 89

INVENÇÃO – ver glossário.

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conformar[-se] com ela, não mais a imagina”, (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 261, itálico do autor) consiste, antes, como “princípio natural” a partir do qual novas reflexões se poderão gerar, conservando sempre visível, “ao sentimento e à razão, [o] seu princípio elementar” (Quatremère de Quincy apud Pereira,2008i, p. 305). [...], é muito menos a representação do que é material [...], que as ideias, as impressões morais, as qualidades abstractas de seu modelo, a expressão de sensações que eles produzem, o encanto indefinível da beleza e da harmonia cujo segredo eles retiram da Natureza. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 109)

Compreender a essência que, cada modelo, sucessivamente nos oferece, é procurar a sua origem como impulso primeiro. Este que, de um modo mais moral que material, gera a partir de si o “tipo”90, definido ao longo do tempo através das evoluções arquitectónicas, comportando os ideais que assentam sucessivamente no Homem, e que se adapta “especialmente bem para indicar tanto as formas e belezas ideais, como as categorias classificatórias dos edifícios e [as] suas qualidades expressivas.” (Pereira, 2008, p. 315) Neste sentido, o tipo não é entendido como uma propriedade material e imitável “encontra[da] na Natureza”, mas como “produto da acção humana”91 (idem, p. 319), pois “antes que a cabana se tornasse o tipo da arquitectura grega foi necessário que ela se aperfeiçoasse junto a este povo [...] O tipo está ligado à virtude de invenção do homem e à medida que foi sendo aperfeiçoado, adquiriu a força de autoridade92 da Natureza.” (idem, p. 320, maiúsculas da autora) Segundo o platonismo93, o tipo ou a figura original são “[...], as ideias de Deus, [...] os tipos de todas as coisas criadas.” (idem, p. 316) Tomamos, deste modo, o mundo natural como imagens concebidas segundo o reflexo do seu Criador, que surge como a sua entidade geradora. Mas é sobre o conhecimento deste, através da revelação 90

TIPO – ver glossário. “A árvore é o tipo primitivo da coluna, mas não a árvore tal como existe nos bosques, mas a árvore já talhada e modificada pela carpintaria.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008, p. 321) 92 Autoridade – Designa “[...] o poder que exercem tanto as leis e os usos, [...] tanto as obras cujo mérito é constatado pelo sufrágio de todas as épocas [...], não se poderia encontrar outro [...] regulador senão a autoridade do testemunho universal das épocas passadas, [...] dos exemplos que uma sucessão não interrompida de assentimentos dos homens [...] transmitiram a[os] seus sucessores. [...] imprescindível, e mesmo tão útil quanto natural. [...] se acontecesse que o estudante sequestrado do passado no presente, não tivesse nenhum conhecimento das obras que o precederam, se deduz que a arte tivesse sempre que recomeçar, permaneceria [...] [numa] eterna infância.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008c, p. 163, itálico do autor) 93 Platonismo – corrente da filosofia que segue o pensamento de Platão que afirmava a existência de uma verdade superior ao mundo sensível como ideias eternas e imutáveis que constituíam a essência das formas ideais. O Neoplatonismo desenvolve-se na sua fase final, no período helenístico da qual salientamos o papel de Plotino (Cf. nota 117) e Santo Agostinho. Para estes filósofos a verdade era algo que se descobria e a sua filosofia consistia na reflexão sobre as verdades eternas, imutáveis e universais das Ideias de Platão. 91

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das suas leis, que o tipo se transforma no modelo sensível como consequência. A essência da Natureza guarda em si o seu fenómeno, e é natural que sejamos atraídos por ele, como parte constituinte que somos da sua composição inteligível. Assim, refere Quatremère de Quincy apud Pereira (2008g, p. 259, maiúsculas do autor), “cada arte encontra na Natureza um modelo geral, ou conhecido por todos, e um modelo que lhe é particular para ser imitado.” Esta suprema e eterna inteligência, autora da Natureza e [...] das suas obras maravilhosas, ao olhar, profundamente, para si mesma, criou as primeiras formas chamadas Ideias, de modo que cada espécie foi expressa a partir dessa Ideia primeira, 94 e assim se formou o admirável tecido das coisas criadas. (Bellori apud Pereira, 2008, p. 317, maiúsculas do autor)

Quando o Homem se propõe a imitá-la, o seu modelo tender-se-á a ser um reflexo desta constituição última e, à qual, só pode chegar-se por via da analogia, mais do que pelo grau de semelhança. Sobre as suas impressões, geram-se sentimentos comuns que se condensam e se constituem matéria do tipo, mas que são, na verdade, a “reunião de belezas ideais, colhidas na observação da Natureza; um cânone de perfeição e não um exemplo concreto, [...]” (Pereira, 2008, p. 318, maiúsculas da autora). É preciso (...) remontar [...] aos princípios e ao tipo. Com esta palavra, tipo, refiro-me aos primeiros desígnios do homem ao dominar a Natureza, torna-la propícia às suas necessidades, conveniente aos seus costumes e favorável aos seus prazeres. Chamo 95 de arquétipos aos objectos sensíveis, que o artista elege na Natureza, com rigor e raciocínio, para acender e assentar ao mesmo tempo os fogos [...] da sua imaginação. 96 (Ribart apud Pereira, 2008, p. 318, maiúsculas do autor)

Deste modo os arquétipos surgem antes do tipo e atribuem-lhe sentido quando assim se reconhecem. Para Carl Jung97 apud Raffaelli98 (2001, p. 11, aspas do autor), os arquétipos

vinculam

as

qualidades

inatas

do

mundo

sensível,

“[...]

são

correspondentes complementares do ‘mundo exterior’ e, por isso mesmo, possuem 94

Giovanni Pietro Bellori (1613 – 1696) biógrafo e teórico de arte italiano. O seu trabalho teórico incide no estudo dos artistas barrocos e compara-se a Vasari nos seus estudos sobre os renascentistas. Em 1672 publica-se o seu discurso intitulado “O Ideal em Arte” proferido na Accademia em 1664. 95 ARQUÉTIPO – ver glossário. 96 Charles-François Ribart (1776 – 1783) também conhecido por Ribart de Chamoust. Foi um teórico de arquitectura francês. Autor de “L’Ordre Fançois trouvé dans la Nature” (1776) que sugere uma extensão crítica das ideias de Laugier. (Curl, 2000). 97 JUNG, Carl Gustav (1875 – 1961) psiquiatra e psicoterapeuta suíço. Influenciado por Sigmund Freud. Fundou a psicologia analítica, propôs e desenvolveu os conceitos da personalidade, arquétipos e o inconsciente colectivo. Recebeu o titulo de Doutor Honoris Causa (1982). Da sua contribuição teórica destacamos: “O Eu e o Inconsciente” (1928). 98 RAFFAELLI, Rafael (1953 – ) Psicólogo e tradutor brasileiro. Mestre em Psicologia Social e Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC/SP e em Teatro pela UDESC. Professor titular na UFSC desde 1980 na qualidade de docente das cadeiras de Cinema e Psicologia.

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carácter ‘cósmico’. Daí se explica [a] sua numinosidade e, concomitantemente, [o] seu carácter divino’.” Regulam, deste modo, a arte de imitação e compõem, através do raciocínio e da inteligência, o mundo sensível que conhecemos, gerando-se sobre eles, e a partir deles, as suas várias aplicações sobre modelos ao longo do tempo. Para Quatremère de Quincy apud Pereira (2008i, p. 305), “[...] é evidente que tanto as teorias e os seus princípios, assim como os modelos e [as] suas regras, nada disso enfim, poderia repousar, [...] sobre factos materiais e incontestáveis aos sentidos físicos.” Os desígnios desvelados consistem numa solução entre “impressões da visão moral e [os] seus resultados intelectuais” que, ao longo do tempo, “experimentaram enorme variedade, dependendo do indivíduo”, sem o qual não seria possível transmitir uma sucessão de factos nem, por conseguinte, “uma progressão do saber experimental, [...]” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a p. 107). Os arquétipos, aliam-se às Ideias platónicas99, mas divergem no seu campo de acção. Não mais entendidos como “fruto da criação divina”100 nem como “produto da imitação positiva da Natureza”101, assentam, antes, sobre experiências sucessivas a um original sedimento de verdade sobre o qual todos poderão reconhecer-se e acrescê-lo (Pereira, 2008, p. 320, maiúsculas da autora). As “imagens primordiais”102 assimilam as variações destes “conteúdos arcaicos”103 ao longo do tempo, compreendidos empiricamente, como “resultado de processos similares partilhados por toda a Humanidade” (Raffaelli, op. cit., p. 4). Não se constituem imutáveis funcionam, antes, como símbolo de representações ou imagens analógicas.104 Por conseguinte, os símbolos transitam entre o conhecimento humano que os condensa e a selecção dos arquétipos, eleitos a partir de observações feitas da Natureza por via do raciocínio. 99

“Ao elemento de realidade que o seu espírito descobria ou suponha em toda a parte, por trás das aparências e alterações que a sensação nos mostra, deu o nome de forma.” (N. R. Murphy apud Pereira, 1993, p. XXVI). Cf. para melhor entendimento do assunto abordado “República” de Platão. 100 “O bem, para Platão, é, em primeiro lugar, e com mais evidência, a finalidade ou alvo da vida, o objeto supremo de todo o desígnio e toda a aspiração. Em segundo lugar, e mais surpreendentemente, é a condição do conhecimento, o que torna o mundo inteligível e o espirito inteligente. E em terceiro, último e mais importante lugar, é a causa criadora que sustenta todo o mundo e tudo o que ele contém, aquilo que dá a tudo o mais a sua própria existência.” (Raven apud Pereira, 1993, p. XXVII). Cf. para melhor entendimento do assunto abordado “República” de Platão. 101 Cf. para melhor entendimento do assunto abordado “Poética” de Aristóteles. 102 Imagens Primordiais – conceito desenvolvido por Carl Jung que consiste em imagens que “[...] apresentam conteúdos arcaicos, isto é, estabelecem relações de significado com motivos mitológicos que são partilhados por toda a Humanidade. Seriam «engramas» mnémicos resultantes da condensação de processos similares que que decorreram ao longo da evolução humana e, por isso, podem ser encontrados em todas as culturas de todas as épocas.” (Raffaelli, 2001, p. 4) Cf, Jung (2002, p. 91). 103 Os conteúdos arcaicos que compreendem as imagens primordiais definidas por Carl Jung remetem às definições de Sombra, Figura, Self, Anima, Grande Mãe, Persona, ligados a significados místicos e que fazem parte do “Inconsciente Colectivo”. Cf. para melhor entendimento do assunto abordado “Inconsciente Colectivo” de Carl Jung. Cf. “A ideia de Tipo” In Pereira (2008, pp. 315-317). 104 Cf. sobre o mesmo assunto: Eliade (1979, pp. 172-177).

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Constituem o “inconsciente colectivo”105 que serve como base do conhecimento. Susceptíveis à alteração de todas as percepções, constituem as memórias, tanto da experiência como da imaginação, do Mundo sensível que conhecemos e, a partir do qual, geramos as nossas ideias individuais. Sendo o arquétipo ideia gerada através da Natureza sensível, compreende, por conseguinte, conceitos gerados pelo raciocínio, apreendidos pelos sentidos e razão, e traduzidos num pensamento discursivo, capaz de os reter e revelar.106 Naturalmente é sobre estas verdades, edificadas ao longo do tempo que começamos por nos identificar. É sobre estes modelos, que reúnem em si os espíritos de todas as épocas, que nos reconhecemos, admitindo a imitação como compreensão sobre o nosso tempo.107 Para Malraux108 apud Faria (2014, p. 367), a arte “[...] apenas pode nascer da arte e em arquitectura, [...] só a partir da contemplação e compreensão, poderão nascer novas formas de arquitectura [...]”. Segundo o autor, os seres humanos tornam-se arquitectos109 “[...], porque são amantes da arquitectura [...]”, pela contemplação das suas formas na experiência da obra, pela vontade de construir os mais belos espaços. No fundo, é sobre a imitação que “todos os artistas [...], começam por se conquistar”, numa imitação que pressupõe necessariamente “paixão e posse”. O mundo tornado sensível, e pelo qual nos sentimos atraídos serve, deste modo, como base da nossa experiência e reflecte-se, através da imaginação, à nossa escala, ao nosso corpo e à nossa mente, numa “repetição apaixonada”. Como nada se cria do nada, e seria falta de senso pensar que o arquitecto tem tudo a inventar, tudo a criar e nada a recrear, esta escolha pode recair sobre um modelo já existente e de validade ou aceitabilidade reconhecidas no presente e projectável no futuro. E não há que recear a escolha de um modelo. Ela não limita a nossa liberdade, antes pelo contrário, pois o alvo do fazer é, foi e será sempre o de superar um limite e andar além. (Tainha, 2006, p. 98)

A imitação de um modelo não é por isso menos importante, nem de menor valor, “não podemos senão acreditar no valor positivo da imitação” se, no fundo, “implica uma 105

Cf. nota 103. Para Plotino “Aquilo que nos distingue dos animais é a [...] razão discursiva.” (Raffaelli, op. cit., p. 9). Cf. para melhor entendimento do assunto abordado “Eneidas” de Plotino. 107 “[...] imitar é natural nos homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais, pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar e é pela imitação que adquire os seus primeiros conhecimentos; [...] todos sentem prazer nas imitações.” (Aristóteles, 2004, p. 42) 108 André Malraux (1901 – 1976) escritor e pensador francês. Nasceu em Paris. Participou activamente da resistência francesa durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial. A sua contribuição literária encontra-se em obras como: “La Condition Humain” (1933) que lhe deu origem ao prémio Prix Goncourt; “Le Temps du Mépris” (1935); “Antémémoires” (1967). 109 Referimo-nos à formação de arquitecto enquanto trabalho de memória ao longo do tempo e da consequente arquitectura que produzem. E não, como poderá sugerir, na sua inicial formação académica. 106

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acção directa e pessoal” (Braizinha, 2010, p. 160). Como refere o autor, a “teoria de imitação, parece sugerir que a arte e arquitectura são formas de conhecimento que servem para nos compreendermos a nós próprios, e para entendermos a nossa familiaridade com o mundo”, constituindo-se como essência fundamental a qualquer aproximação quer física ou emocional.110 Contudo, e como refere Quatremère de Quincy apud Pereira (2008, p. 341), “[...] também é preciso que ao se identificarem com eles através do espírito, deixem errar, [...] livre, o génio da imitação.” [...], abandona [...] a régua e o compasso e deixa brotar, através da reflexão, os grandes princípios, motivo pelo qual são dignos de imitação. Este estudo invisível concerne ao sentimento. É ele que gravará, no fundo de sua alma [...] estas impressões livres e duráveis, que saberão conferir às suas obras o inestimável carácter da originalidade espontânea. (idem, loc. cit.)

O autor refere que é ao “gosto111”, próprio do génio que recria ou cria de antemão, a que estes sedimentos de verdade se deverão submeter. Para o autor apud Pereira (2008f, p. 245) “Isto que é chamado de gosto, [...] não é outra coisa senão a razão do sentimento” sobre o que se pretende imitar. Admitir a imitação como princípio de compreender um legado cultural, sabendo que é à sua lei mais geral a que esta se deve submeter em último grau. Não desvincula, por isso, o que de positivo tem a imitar-se, pelo contrário, liberta o modelo da sua particularidade inevitável.112 Compreendemos, ao abordar “o processo da mente”, que a memória não se constitui linear e completa de todos os factos. É sobre o Homem e os seus sentidos que a memória se forma, se prolonga e se reconhece. Tanto pela experiência como pela imaginação, somos atraídos num processo recíproco, retendo, através dos sentidos, as imagens que constituem o pensamento. Estas imagens, hierarquizadas, constituem-se filtro pessoal da percepção do Mundo. Assim, e para Heidegger (2012, p. 121), “a categoria fundamental do pensamento até hoje vigente é o perceber113”, 110

“[...] é a percepção, a descoberta, desse processo de formação inserido na [acção] que nos emociona [...] Em menos palavras: para fazer um martelo eu preciso de outro martelo, senão eu não saberia o que é um martelo, nem porque urgia fazê-lo. E não se diga que este procedimento é limitativo do acto de criação. [...] pelo contrário: é a base de sustentação. Distingo aqui o acto criativo do acto inovador. Neste a experiência nova diz não à experiência antiga. Naquele a nova experiência abre novos horizontes à experiência antiga; actua por acumulação.” (Tainha, 2006, p. 112) 111 GOSTO – ver glossário. 112 Com isto queremos dizer que a particularidade última e inevitável da imitação compreende cada observação critica e eleita de cada um. Mas a esta, outros poderão submeter-se, alargando constantemente as abordagens, e desenvolvendo “[...] [os] seus principais efeitos nas obras de arte, de uma maneira frequentemente mais clara e mais inteligível do que as que poderiam ser feitas pelas próprias obras da Natureza.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 245, maiúsculas do autor) 113 “Perceber é a tradução da palavra grega noein que significa: captar algo presente; e, captando algo, destacá-lo e, assim, tomá-lo como vigente.” (Heidegger, 2012, p. 121, itálico do autor)

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pois este adquire o papel de mediador entre o que é revelado ou ocultado por parte de quem percebe e de quem, por conseguinte, desvela sucessivamente.114 O tempo de cada um surge como fundamental na linha coleante de todo este processo imitativo que, longe de acabar a cada tempo, desvela sobre outros as suas descobertas.115 A imitação constitui-se como um processo recíproco – memória e ser – num espaço de analogias, que é no fundo, e como refere Foucault (op. cit., p. 47), “[...] um espaço de irradiação. Por todos os lados, o homem, inversamente, transmite as semelhanças que recebe do mundo. Ele é o grande foco das proporções – o centro em que as relações vêm apoiar-se a partir do qual se reflectem de novo.” Cada tempo do Homem transmite, por conseguinte, ao Mundo sensível novas similitudes, potenciando uma renovação constante da satisfação da sua alma. Para Quatremère de Quincy apud Pereira (2008a, p. 119, maiúsculas do autor), é nestas impressões que recebemos, vinculadas pelos efeitos, que são constituídos “os meios através dos quais a Natureza substitui, na Arquitectura, o modelo positivo disponível [...]”. É porque ela se apropria da energia das misteriosas causas naturais que a Arquitectura nos faz sentir, à vista de certas relações e combinações, sensações agradáveis ou penosas. Delas derivam as leis de proporção, sempre constantes em seu principio e sempre variáveis em suas aplicações. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 255, Itálico e maiúsculas do autor)

Partindo dos modelos a imitar, é necessário que o génio se “aproprie dos seus princípios [...] junto com as suas consequências.” No fundo, “[...], em descobrir as verdadeiras causas das impressões que recebemos de tal conjunto de relações, de dimensões, [...]” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 127). Todas as alterações, por via da analogia, a que estes modelos se submetem serão sempre os materiais necessários à própria imitação da arquitectura. A invenção não consistirá em encontrar novos elementos “[...] consistirá na profícua aplicação [...] [das] suas variedades ao propósito de cada [caso] [...], às impressões que [...] deverá produzir, às

114

“A memória é, pois, inseparável do sentimento do tempo ou da percepção/experiência do tempo como algo que escoa ou passa.” (Chauí, 2000, p. 159) 115 O tempo do Homem entende-se como o seu presente. Einstein apud Heidegger (2008, p. 25) refere que o tempo só é susceptível de conhecimento através do que nele acontece, como um princípio de mobilidade, o espaço “[...] não é nada em si mesmo; não há espaço absoluto, só existindo pelos corpos e energias que nele estão contidos. [...] Só existe como consequência dos acontecimentos que nele se desenrolam.” O tempo constitui-se como uma continuidade. O tempo presente é o desejo de ser, entre o conhecimento passado e o futuro, e esse desejo, reside no Homem. Por isso, compreendemos que, como refere Hegel apud Faria, (2014, p. 246) “[...] o ser humano é o tempo, e o tempo, é o ser humano.”

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ideias e aos sentimentos dos quais [o Homem] se tornará, ao mesmo tempo, o motor116 e o intérprete.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 129) [...], na verdade, tudo o que forma a perfeição deste modelo e formará aquela da sua imitação, pertence ao reino moral, ao mundo do sentimento e da inteligência. [...], Embora a arquitectura deva [a] sua maneira de ser ou [a] sua constituição exterior visível a algumas analogias de tipos tangíveis e materiais, [o] seu verdadeiro modelo, para o espírito, sempre será aquele que repousa sobre as razões de uma ordem superior, [...]. (idem, p. 121)

Deste modo, e como refere Merleau-Ponty (2009, p. 67), “[...] o nosso coração bate para nos levar às profundidades...“ do que reside como de mais fundamental a ser proclamado, tornando-se, a seu tempo, “estas estranhezas [...] realidades... porque, em vez de se limitarem à restituição diversamente intensa do visível, elas anexam-lhe ainda parte do invisível percepcionado ocultamente.” A réplica surge como a coesão117 das realidades tornadas visíveis, das qualidades atingidas, sucessivamente, do Homem ao Mundo, reconhecendo-as, em cada tempo, como a expressão condensada de um processo que se constitui vivo. Na verdade, todos os homens, ou seja, todas as almas constituem a força activa do corpo, numa correlação inevitável. Deste modo, e segundo Plotino118 apud Raffaelli (op. cit., p. 11) todo o conhecimento “opera através de imagens que têm o seu princípio e o seu destino na alma”, pois ao disporem da sua leitura crítica sobre os modelos da imitação, reflectem a imagem de si mesmos ao percepcionarem de modo consciente o que, sobre os seus sentidos, emociona e os transcende. Por isto, questiona Quatremère de Quincy apud Pereira (2008, p. 341), “De que servem todos estes desenhos de monumentos antigos, compilados sem arte, que acrescem as colectâneas do arquitecto? Que importa se [os] seus portfólios se enchem enquanto [a] sua alma permanece vazia?” Na verdade, os modelos, repetidos sem imaginação, cairiam na cópia literal, destronando toda a qualidade da arquitectura no seu principio elementar e, através do qual, rivaliza com a Natureza. 116

Motor – “Em filosofia, a causa primeira, o princípio do movimento.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, p. 129) 117 Segundo George Kubler (2004, p. 103) “[...] os desejos humanos veem-se divididos entre a réplica e a invenção, entre o desejo de voltar ao modelo conhecido e o desejo de lhe fugir através de uma nova variação.” Como refere o autor, “[...] a fidelidade ao modelo e o abandono desse mesmo modelo encontram-se inextricavelmente misturados, em proporções que garantem uma repetição reconhecível, [...] já que mantém ligados o passado e o presente.” 118 Plotino (205 – 270 a. C.) filósofo neoplatónico. Nasceu em Licópolis, Egipto e morreu em Roma, Itália. Discípulo de Amónio de Sacas. Para Plotino o universo dividia-se em quatro hipóstases: O Uno (referente a Deus pela sua qualidade indivisível), o Nous (ou mente, que significa o intelecto ou a razão e considerada como emanação do ser divino) e a Alma (considerada como elo entre o espírito e a matéria). Autor das “Eneiadas” (do grego ennea que significa nove) consiste nove tratados compilados por Porfírio.

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[...] estes elementos [...], sem relação entre si, desprovidos de uma razão que os reunisse e os explicasse, fariam das obras de arte da construção o protótipo da desordem. [...] o olho só pode encontrar deleite neste concurso na medida em que uma razão evidente proveja [a] sua ligação. Fora da virtude desta razão, não há nada, em qualquer que seja a reunião de formas; nem atracção para os olhos, nem significação para o espírito. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008h, p. 281)

A nossa experiência define-se como um “repositório de imagens agrupadas por significado” (Jung apud Raffaelli, op. cit., p. 4) do Mundo sensível e a partir da qual construímos a nossa unidade. Todavia, estas imagens não possuem realidade em si, são fruto da percepção de cada um, traduzindo esta unidade numa “solução entre imagens prevalentes (tanto dos sentidos como mnemónicas119) e os momentos em que se encontram.”120 (idem, loc. cit., parênteses do autor) Poderia dizer-se que a “imaginação, que poderia ser chamada de memória do sentimento” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008e, p. 241) é o que permite ao gosto – razão do sentimento – alterar ou modificar, os elementos que toma como base da sua imitação. E que não consistirá “nem na grandeza da invenção, [...], nem no efeito de verdade”, pelo contrário, “esta influência só se tornará sensível através de certa virtude do deleite que se combina com uma ou outra das suas qualidades, e que, ao regular a acção de cada uma delas, as detém e as fixa no estado que é conveniente a cada [caso] [...]” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 249). A virtude da imaginação complementa, tanto o que se percepciona, como a ideia das imagens que retemos, e, sobre as quais, produzimos o pensamento. Para Plotino, apud Raffaelli (op. cit., p. 7) “[...] a imaginação é um movimento anímico derivado da percepção”, e consiste na actuação conjunta da elaboração do pensamento, captando “o mundo material como essência perceptiva [...] e de pensá-lo segundo [...] [ideias] como essência racional.” (idem, p. 9) Deste modo, compreendemos que a realidade do Mundo materialmente sensível só é adquirida como imagem, ou seja, como sensação, deleite ou mesmo como virtude da inteligência própria de cada um. Para o autor (idem, p. 8) a eternidade consiste na vida da inteligência121 e Deus, ou a sua criação – o

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MNEMÓNICA – ver glossário. “A todas as artes, o homem demanda prazeres e estes resultam de todos os géneros de imagens que cada um encontra, seja revolvendo [as] suas paixões, seja afagando [a] sua imaginação. Mas o homem quer ainda que cada arte encontre, [...] na sua esfera, meios sempre novos de [...] [o] emocionar.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008h, p. 273) 121 “A faculdade cognitiva humana é um atributo da alma agregada ao corpo, que por sua vez é uma imagem [da inteligência] [...], que por seu turno é uma imagem [de Deus], que é ‘projectada’ sobre o mundo sensível através da alma. [...] [Deste modo], o mundo natural é a imagem do seu Criador e a própria matéria [...] é uma imagem do ser [...]. Essa imagem está em contínua transformação, pois o 120

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Mundo natural expresso nas leis da Natureza – “como princípio gerador, a transcende”.122 Plotino apud Raffaelli (op. cit., p. 15), refere que a alma “não é uma exclusividade humana”, existe de modo inteligível em toda a Natureza física123 e traduz-se nas leis que o homem compreende e transpõem para a sua imitação. A ordem do universo é mantida pela acção racional da alma, sendo ela o verdadeiro princípio do mundo. [...] gira ao redor de um ponto central, [...] e anima a natureza, possibilitando o movimento e, [...] criando [...] o mundo natural. [...] [A alma divina] cria o cosmos sem sair de si mesmo, através da processão ou emanação [...], e o cosmos retorna [...] [à alma divina] por meio da conversão ou retracção [...], num movimento 124 perpétuo que não possui uma génese no Tempo. (idem, loc. cit, maiúsculas do autor)

A imitação sobre um modelo nada mais é que uma decantação sobre um princípio que é, ele próprio, o sentido da arquitectura enquanto arte de imitação, permitindo ao Homem reconhecer-se como parte integrante do seu processo, e suportando a base do conhecimento “da Arquitectura através da Arquitectura”125 (Braizinha, op. cit., p. 163). Todos os modelos trabalhados como metodologia, segundo regras constantes, permitem ao arquitecto operar temporalmente sobre o Mundo sensível. Reconhecer-se na contemplação desta leis, traduz-se no uso que delas faz para atender às suas impressões. Deste modo, completamos ou instituímos os nossos sentidos como regra aos modelos que admitimos como base da nossa imitação. E que, não sendo realidades verdadeiras, constituem-se, antes, como um processo unificador que,

[Deus] é um devir que está para além do tempo cronológico e da própria eternidade.” (Plotino apud Raffaelli, op. cit., p. 8, aspas do autor) 122 “Do Uno provém o Noûs [inteligência], o qual, é posterior ao originante, mas anterior àquilo que vem depois dele, isto é, a Alma. [...] O Intelecto existe desde sempre como expressão eterna do Uno. Contemplando o Uno, o Noûs gera em si mesmo o mundo das ideias [...]. Por essa razão, o Noûs é [...] [cognoscível] e conhecido, contemplante e contemplado, sujeito e objeto; é a vida infinita, na dimensão imaterial e atemporal. [...] não precisa procurar fora de si o conteúdo do seu pensamento, por já encontralo em si mesmo.” (Ullmann, 2004, pp. 25-26, itálico e maiúsculas do autor) 123 “Sempre que uma alma se conhece, sabe que [o] seu movimento natural não se processa em linha recta, pois sofreu um desvio; mas sabe que descreve um movimento circular em torno do seu princípio interior, em torno de um centro. Mas o centro é aquilo de onde precede o circulo. A alma, portanto, movimentar-se-á em torno de seu centro, isto é, em torno do princípio de onde ela procede. [...] manterse-á presa [...] [e] movimentar-se-á [na sua direcção] [...] Mas só as almas dos deuses se movimentam [na sua direcção] [...], e por isso são deuses, pois tudo o que se acha unido a esse centro é, em verdade, deus, ao passo que o que se acha afastado dele é o homem, [...] [Assim], o ponto é o centro de um circulo que é produzido, de algum modo, pela deambulação da alma em torno dele. Mas o ponto é o ‘centro de todas as coisas’; é uma imagem de Deus.” (Plotino apud Raffaelli, op. cit., p. 12, maiúsculas do autor) 124 “O volver-se, o retornar ao Uno confere ao Noûs o estatuto de intelecto e de ser. [...] do Uno ele recebe a sua determinação. É que no inicio, o Noûs ‘não era ainda um intelecto que contemplava o Uno; era um olhar (contemplar) sem inteligência’. Por meio dessa contemplação, no Noûs constitui-se o universo inteligível, o Kósmos noêtós, [...] Contrariamente a Platão, os inteligíveis encontram-se no Intelecto e não num mundo à parte. [...] [Sugere uma] perfeita coincidência entre o Noûs e o inteligível, entre o acto de conhecimento e o objeto de conhecimento. [...] [A verdade traduz-se sobre a] plena coincidência entre o sujeito e o objecto.” (Ullmann, 2004, pp. 26-27, aspas, itálico e maiúsculas do autor) 125 “Os meios da imitação, isto é, os seus objectivos, são: a sintaxe, a iconografia materialista, e os materiais”. (Braizinha, 2010, pp. 162-163) Os três pontos são abordados no seguinte capitulo: “Do Tempo” dividido em três partes, consoante o tempo de cada arquitecto expresso nas suas obras.

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apesar de não ser nada em si, é em si todas as verdades, todos os homens e todas as almas, compondo, ao longo do tempo, uma “espécie de história por contacto, que talvez não saia dos limites de uma pessoa e que, no entanto, tudo deve à convivência com os outros...” (Merleau-Ponty, op. cit., p. 53). É nesta “animação interna” que acontece no Homem, neste “resplendor do visível” de nós no Mundo, que constituímos a reavaliação do ser e, por conseguinte, do objecto construído.126 (idem, p. 57) A memória, compreende um ideal capaz de encontrar, no nosso presente, o vínculo dos acontecimentos passados. Mas a particularidade que esta encontra em cada um, é o que permite o seu movimento numa escala de valores e sentidos que estão para além do nosso tempo e de todos os tempos. O conhecimento humano nunca atinge a verdade. Sendo próprio de cada um, limita-se a escolher “entre gradações variadas de diferentes modos aquela que convirá à expressão geral” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 249) da obra que se edifica. Não sendo “[...] o gosto que ensina ou faz apreciar a regularidade das formas; é ele, ao contrário, que muito frequentemente realiza ou justifica as excepções às regras, que por uma espécie de encanto ao suavizar o rigor, tempera [a] sua severidade.” (idem, p. 247) Compreender de que modo a identidade da arquitectura se vincula na memória de quem a constrói e de quem a procura, é saber que, inexoravelmente, esta memória se vive, se compõe e imagina, suportando, todos os dias, a sua expressão possível, como edificação dessa tão requerida manifestação no tempo. E que, na verdade, se radica na mente trabalhada, no modo como adaptamos as causas e as suas impressões e no modo como experiencia-mos e reflectimos o que observamos criticamente. Para, num “fecundo acto de conhecimento”, como refere Goethe127, permitir respostas, estáveis, presentes e memoráveis à arquitectura do nosso tempo. Aquilo que chamamos inventar, descobrir no mais alto sentido da palavra, é a exercitação significativa, a actualização de um original sentimento de verdade, o qual, tranquilamente formado ao longo de muito tempo, de repente, com a rapidez de um relâmpago, nos conduz a um fecundo acto de conhecimento [...]. (Goethe apud Faria, 2014, p. 104) 126

As expressões de Merleau-Ponty consistem: “[...] [na] visão sobre um exterior com o mundo. O mundo deixa de estar à sua frente por representação: é antes o pintor que nasce nas coisas, como por concentração e vinda a si do visível [...] rompendo a pele das coisas para mostrar como as coisas se tornam coisas.” (Merleau-Ponty, 2009, p. 57) 127 Johann Wolfgang von Goethe (1749 – 1832) escritor e pensador alemão. Reconhecido como um dos percursores da literatura alemã e do romantismo europeu. Foi um dos líderes do movimento literário romântico alemão “Sturm and Drang” entre 1760 e 1780, juntamente com Friedrich Schiller. Da sua obra literária destacamos: “Werther” (1774); “Fausto I” (1808); “Viagem a Itália” (1813-17); “Fausto II” (1823).

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“andar leggiero dopo la guida sua, 128 che mai non posa” 129

E. Panofsky

3. DO TEMPO 3.1. TEMPO E MEMÓRIA: CONVENTO SAINTE-MARIE CORBUSIER

DE

LA TOURETTE [1957-60] – LE

Admito que se fale de obra revolucionária quando se menciona La Tourette. Todavia, vejo ali referências muito claras à arquitectura religiosa. Quero dizer que não estamos diante de uma ruptura gratuita, tanto que essa é uma obra de grande cultura. Isso não é de espantar aliás, tanto quanto é verdade que ao longo das muitas viagens, Le Corbusier nunca deixou de apontar tudo nos seus cadernos. Em todas as suas obras, reconhecem-se os seus apontamentos. Não como réplicas, mas como uma mola, um impulso da sua criação e da sua liberdade. (Vieira, 2008, p. 179)

Podemos compreender, nas palavras de Siza Vieira, a importância da relação entre corpo e mente para o convento projectado por Le Corbusier. Através de uma metodologia, revelada na leitura crítica da sua obra, compreendemos como a sua experiência potenciou o seu conhecimento na sequência de uma evolução espacial construtiva. Na citação supracitada, encontramos a “mola” ou mesmo um “impulso” para, inevitavelmente, nos debruçarmos sobre o convento de La Tourette, incluindo-o como objecto de estudo no campo da memória que se constrói, e da qual, Corbusier retira o seu mais valioso instrumento de projecto.

128

“andar ligeiro, próprio do seu andar, que nunca para.” (Tradução nossa) Expressão utilizada pelo autor na designação de tempo. (Panofsky, 2000, p. 71). 129 PANOFSKY, Erwin (1892 – 1968) crítico e historiador de arte alemão. Um dos difusores do método iconológico. Discípulo de Aby Warburg. Graduou-se na Universidade de Friburgo (1914) com uma tese sobre o pintor alemão Albrecht Dürer. Da sua obra literária destacamos: “Uma contribuição para a história das ideias na história da arte” (1924). Obra em que indaga sobre a história da teoria neoplatónica na arte.

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Abordar a nomeada obra de Corbusier, como objecto de estudo do presente trabalho, recai sobre o interesse de compreender como os edifícios construídos no passado, com os quais estabelecemos determinadas relações, conseguem ser encadeamento e modelo de construção para novas interpretações. O programa, inerente ao convento, surge como elemento mediador entre o que pode ser tradição e inovação, “and here questions of taste become questions about living and one’s view of the human condition.”130 (Jencks131, 1987, p. 173) O programa surge como estímulo capaz de delinear qualquer instinto e trabalho da memória, vinculado às suas necessidades práticas e de intrínseca vivência, adquirindo, em qualquer acto de vanguarda, a ordem que regra todo o projecto. Encarregado a Corbusier, na fase final da construção da Capela de Notre Dame du Haut132 em Ronchamp [1954], o projecto nasce a pedido do Padre Couturier133. As suas explicações sobre a vida monástica, bem como as necessidades da comunidade dominicana, desempenham um papel crucial em todo o projecto.134 Couturier, vê no arquitecto a possibilidade de edificar os seus princípios135 e incentiva aos frades

130

“É, contudo, verdade que estas metáforas estejam, ultimamente, ligadas a valores mais profundos e as questões sobre estética tornam-se questões sobre vivência e interpretação da condição humana.” (Tradução nossa) 131 JENCKS, Charles (1939 – ) teórico de arquitectura, paisagista e designer americano. Doutorado em História da Arquitectura pela University Collage em Londres. Publica “Le Corbusier and the Continual Revolution in Architecture” (2000). Obra: “Landform” no Scottish National Gallery of Modern Art (2002). 132 Capela Notre Dame du Haut – (1951-53) obra de Le Corbusier, situada em Ronchamp, perto da localidade de Jura. Construída em betão e pedra local. Em conjunto com o Convento de La Tourette, a Capela de Ronchamp projectada por Corbusier são, como refere Curtis, duas obras em que a grande cultura e reminiscências da memória de Corbusier parecem ser instrumentos essenciais na concepção do projecto. “[…] the Monastery of La Tourette and the Chapel of Notre Dame du Haut at Ronchamp forced him to reflect upon the role of the sacral in past and present architecture, and to penetrate the institutional basis of types with an ancient pedigree. Both were also for remote rural sites where his cult of nature could have free rein.” (Curtis, 2003, p. 175) “[...] o Mosteiro de La Tourette e a Capela de Notre Dame du Haut em Ronchamp forçaram-no a reflectir sobre o papel fundamental tanto do passado como no presente da arquitectura, e a incidir nas bases institucionais dos arquétipos de consolidado pedigree. Ambas situadas em locais remotos, rurais onde a sua cultura em relação à natureza pôde reinar.” (Tradução nossa) 133 Marie-Alain Couturier (1897-1955) frade dominicano francês. Artista e crítico de arte. Director, em parceria com o Padre Pie-Raymond Régamey, da revista L’art sacré. Estudou arte na Académie de la Grande Chaumière em Paris. Especializou-se na qualidade de artesão no desenho de vitrais no Atelier des Sacrés Arts. Estabeleceu a arte como fundamento das igrejas modernas. Juntamente com Maurice Denis, pelo projecta os primeiros vitrais abstractos da igreja de Le Raincy assinados por Marguerite Huré e construída por Auguste Perret (1923). 134 “Pour nous la pauvreté des bâtiments doit être très stricte, sans aucun lux ni superflu et par conséquent cela implique que les nécessités vitales soient respectées: le silence, la température suffisante pour le travail intellectuel continu, les parcours des allés et venues réduits au maximum.” (Aussibal, n.d., p. 7) “Para nós, a pobreza dos edifícios deve ser muito rigorosa, sem luxo ou supérfluo e, portanto, isso implica que as necessidades vitais sejam respeitadas: o silêncio, a temperatura suficiente para o trabalho intelectual contínuo, os percursos das idas e vindas reduzidos ao máximo." (Tradução nossa) 135 “Couturier was one of several influential Dominicans who advocated a ‘back to basics’ reform of their order, for which they saw rural Romanesque churches as an architectural model.” (Weston, 2004, p. 114)

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dominicanos a construção do convento pelo arquitecto, referindo a sua abertura a novos caminhos, conciliando a conjuntura do pensamento artístico e religioso.136 É Couturier quem incentiva Corbusier a visitar a abadia cisterciense de Thoronet137, “[...] arguing that this was the quintessential expression of the monastic ideal”138 (Curtis, 2003, p. 181) e onde as definições construtivas, entre Ordens monásticas, não tinham uma alteração relevante139 – “an implication of constantes”140. A localização141 definida por Corbusier, encontra no topo do vale de Éveux142 os princípios da concepção do projecto. Como refere Corbusier apud Aussibal143 (n.d., p. 8), é preciso “reconnaître le lieu et le site”144, admitindo que o sítio concede as primeiras ferramentas do projecto, ou o caminho – “le geste de construire”145 – e que como menciona: “Le premier geste à faire, c’est le choix, la nature de l’emplacement et ensuite la nature de la composition qu’on fera dans ces conditions.”146 (idem, loc. cit.)

“Couturier foi uma das principais influências dominicanas que revogou um ‘retorno às origens’ como reforma na ordem, para a qual viram nas igrejas Romanescas rurais um modelo arquitectónico.” (Tradução nossa) 136 Aos frades, escreve Couturier que: “Si vous voulez une œuvre belle et forte qui exprime votre admiration et celle de l’ordre pour l’art d’aujourd’hui et disse votre confiance en lui, demandez à Le Corbusier, vous ne serez pas déçus...”. (Couturier apud Aussibal, op. cit., p. 5) “Se quereis uma obra artística forte e bonita que expresse a vossa admiração e aquela da ordem para a arte de hoje e mostre a nela a vossa confiança, pedis a Le Corbusier, não ficareis desapontado...". (Tradução nossa) 137 Abbaye du Thoronet – Abadia cisterciense situada em Provença, no sul de França. “[...] fundada em 1146 pelos monges cistercienses de Tourtour no vale desabitado de Var, é uma das três importantes abadias cistercienses da Provença (juntamente com Silvacane e Sénanque), sendo considerada um marco do românico desta região francesa. [...] desprovido de elementos escultóricos, [...] destaca-se pelos seus elementos arquitectónicos e a simplicidade [...] das formas geométricas de um edifício que se desenrola à volta do magnifico claustro decorado por arcos de volta perfeita.” (Caldas, 2009, p. 205) 138 “[...] defendendo que representava a quinta essência do ideal monástico.” (Tradução nossa) 139 “[...] l’essence même de ce que doit être un monastère à quelque époque qu’on le bâtisse, étant donné que les hommes voués au silence, au recueillement et à la prière dans une vie commune, ne changent pas beaucoup avec le temps.” (Aussibal, op. cit., p. 7) “a mesma essência do que deve ser um mosteiro a época em que o edifício, como os homens dedicados ao silêncio, à contemplação e à oração numa vida comum, não mudam muito ao longo do tempo.” (Tradução nossa) 140 “uma implicação de constantes”. (Tradução nossa) 141 “La Tourette was not to be a monastery in the strict sense, [...] - a fact that explains its location in the countryside (the traditional monasteries of the preaching orders are usually situated in a city).” (Von Moos 2009, p. 192). “La Tourette não era para ser concebido como um mosteiro no seu sentido restrito, [...] o que explica a sua localização nos arredores (os mosteiros tradicionais das ordens religiosas são geralmente situados na cidade).” (Tradução nossa) 142 Eveux – Localidade da região de Rhône-Alpes, em França. Situada a cerca de 30 km de Lyon. 143 AUSSIBAL, Amans Frère (1940 – 1988) frade e teórico dominicano francês. Residente na comunidade dominicana do convento de Sainte-Marie de La Tourette entre 1960 e 1990. Primeiro discípulo de Dr. Marc Terrel na sua procura histórica da ordem de Chalais. As suas obras teóricas incidem sobre a crítica das construções e vida monástica. Da sua obra literária salientamos: “ Abbayes romanes de l’Ordre de Chalais : Chalais, Boscodon, Lure, Valbonne” (1975); “L’art Grandmontain” (1984). 144 “reconhecer o lugar e o sítio” (tradução nossa) 145 “o gesto de construir” (Tradução nossa) 146 “O primeiro gesto a fazer, é a escolha, a natureza da implantação e, em seguida, a natureza da composição que se fará sob estas condições.” (Tradução nossa)

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Define-se sobre o topo do vale, destacando-se após a rua arborizada que nos conduz ao seu corpo147 a Norte. Ergue-se nas reentrâncias da densa vegetação, após a subida do grande vale que, a par e passo, conquista a vista sobre a região de L’Arbresle148, revelando-se, curiosamente, definido sobre o limite da rua, deixando ressaltar o sino que rege a sua praxis interior.

Ilustração 1 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva a Norte sobre o corpo da Igreja. (Ilustração nossa, 2015)

Edificado em betão aparente149, robusto, áspero aos olhos, responde à ideia de fortaleza, definindo o seu carácter150, onde o silêncio é espaço que se privilegia. A materialidade reverberante, conferida pelo acabamento do betão, encontra aqui, tanto uma solução construtiva, como o modo de se aliar à nossa percepção. A austeridade que o convento comporta assenta directamente na materialidade que o edifica e sob a qual mantem a distância com o exterior, reservando o seu culto. O betão, que define toda a sua estrutura visível, a par com o vocabulário151 Corbuseriano desenvolver-seão em La Tourette como directrizes e articulando-se a novas interpretações. Sobre o campanário152, define-se uma longa parede de betão.153 Encerrando o lado Norte, define no seu interior o corpo da igreja. Protege o interior do claustro “[...] and 147

Corpo – “Massa de um edificação.” (Rodrigues et. al., 2005, p. 97) L’Arbresle – Localidade da região de Rhône-Alpes, em França. Situada a Este do Convento de La Tourette, a cerca de 2km de Eveux. 149 Betão aparente – “Acabamento em que o betão não leva qualquer revestimento, apresentando-se com a textura da cofragem.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 61) 150 CARÁCTER – ver glossário. 151 Como vocabulário, referimo-nos aos cinco pontos da nova arquitectura, estabelecidos por Corbusier em 1926: a planta livre; fachada livre; construção em pilotis; janelas horizontais e terraço ajardinado. 152 Campanário – “Torre sineira geralmente separada do corpo da igreja”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 70) 153 Semelhante à Ville de la Chaux-de-Fonds, situada na aldeia de Le Corbusier, o plano branco que delimita e acerta a construção da casa com o nível do terreno, visa reforçar tanto o início da sua percepção, como a contenção do terreno onde se insere. Cf. Para melhor entendimento Curtis, op. cit., pp. 39 e 186. 148

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resonates with the vernacular patterns of the Midi in which windowless north walls face up to the chill of the Mistral154 while social life and sunlight live within”155 (Curtis156, op. cit., p. 186). É no contorno deste corpo austero que reconhecemos o seu embasamento157. O seu perfil transversal parte da cota superior do vale, a Este, até ao toque no solo no seu extremo oposto. Sob o plano horizontal que parte do topo do vale, desenvolve-se sobre o seu limite inferior, admitindo o declive como protagonista e edificando-se na vertical sob o volume necessário que define a sua implantação.

Ilustração 2 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Secção longitudinal. (Ilustração nossa, 2015)

Na sua cota inferior, a Oeste, revela-se aparentemente encastrado sobre o vale, encontrando na sua atmosfera a reminiscência das paisagens do Monte Athos158, onde as construções monásticas se erguem sobre os rochedos que as suportam. Em La Tourette, são os pilotis159 que suportam todo este corpo. E onde irão encontrar, no modo como o sustém, as suas alterações; definindo várias larguras, contrariando, ao nosso olhar, as forças da gravidade e definindo a sua implantação sobre o vale como um templo160, “proclaiming man’s loneliness and Independence from the cosmos.”161 (Jencks, op. cit., p. 174) 154

Mistral – vento característico na zona do mediterrâneo, conhecida pela sua força advinda do norte e que parece escorrer sobre os vales. 155 “[...] [que] ressoa sobre os parâmetros vernáculas do mediterrâneo onde as fachadas a norte que protegem do vento acalmam o Mistral enquanto a vida social e a luz do sol convivem no seu interior.” (Tradução nossa) 156 CURTIS, William J. R. (1948 – ) historiador de arquitectura inglês. Estudou na Courtauld Institute of Art em Londres e na Universidade de Harvard onde concluiu a pós-graduação em 1975. Lecciona História e Teoria da Arquitectura nos E.U.A., Europa, Austrália. A sua obra incide na teoria da arquitectura do século XX. Publicou várias obras das quais destacamos: “Modern Architecture Since 1900” (1982). 157 Embasamento – “Base continuada, ou alicerce, que serve para sustentar um edifício.” (Rodrigues et. al., op. cit., p. 116) 158 Monte Athos – montanha situada numa península na Grécia. Nesta localidade encontram-se edificados perto de vinte mosteiros greco-ortodoxos. Construídos sob a influência arquitectónica bizantina, construídas sob o princípio de fortificação e por torres, construídas em tijolo ou pedra, semelhantes às pequenas cidades. A sua característica construção sobre os rochedos determina a sua posição defensiva em relação aos saques costeiros. Nestes mosteiros, os monges refugiavam-se e rezavam, dormitando nas suas celas, pequenos quartos retangulares, normalmente ocupando dois ou mais pisos do edifício. 159 Pilotis – Parte integrante dos “cinco pontos para uma nova arquitectura” desenvolvidos por Le Corbusier. Permitem elevar o edifício do solo. 160 Na Antiguidade Clássica os templos passaram a ser construídos no topo das colinas (criando um marco visual na cidade baixa e possibilitando um refúgio à população em tempos de guerra) de forma a tocar os céus. (Jencks, 1987, p. 174).

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Ilustração 3 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectivas exteriores sobre o vale. (Ilustração nossa, 2015)

O sistema construtivo eleito, e que permite reconhecer a sua fundação, pousa sobre o vale, de modo acutilante. Os pilotis, que definem o seu embasamento a Oeste e a Sul, conferem ao corpo que suportam uma inquietante leveza, curiosa e quase impossível. Parece não tocar no vale em que se edifica e aparenta a ideia gravitacional da “caixa” E a luz, que incide em diferentes ângulos sobre os pilares, construídos num afastamento em relação ao paramento exterior, ocultando o seu encontro com a laje que suportam, determina a ausência de suporte aparente, e devolve-nos, com mais clareza, esta levitação sobre o território.162 Os

pilotis,

construídos

em

betão

de

secção

rectangular,

projectam-se

perpendicularmente à laje, permitindo enfiamentos visuais sobre o interior que encerram, e proporcionando uma entrada arbitrária, como refere Curtis (op. cit., p. 184), “[...] treated in an open, inviting way.”163 E é ao atravessá-los, conduzidos pela luz que flui sobre o declive do vale, que encontramos o seu centro. Na verdade não existe a definição tradicional de um claustro164. A nossa presença é exterior ao edifício, podendo apenas atravessá-lo sobre o solo. 161

“Proclamando a solidão do homem e a sua independência sobre o cosmos.” (Tradução nossa) “[...] the conception of an ideal community suspended above as idyllic landscape was an amalgam of Le Corbusier’s own utopian typology and old memories from the Voyage d’orient. The monasteries at Mount Athos in Greece were perched above the hillsides with elaborate outriggers extending the cells at incredible heights. Top were flat, bottoms extended downwards to meet the irregular slope, and one entered from high ground at the back.” (Curtis, op. cit., p. 186) “[...] a concepção de uma comunidade ideal suspensa acima da paisagem idílica como era uma amálgama de tipologia própria utopia de Le Corbusier e memórias antigas da viagem ao oriente Os mosteiros no Monte Athos, na Grécia foram situados a cima das encostas com estabilizadores elaborados, estendendo-se as células a alturas incríveis. Topos estáveis, bases estendidas para atender à inclinação irregular, introduzido sobre o terreno elevado na parte de trás.” (Tradução nossa) 163 “abordada como uma acessível e convidativa entrada”. (Tradução nossa) 164 Claustro – “Construção normalmente de forma quadrangular, com um ou dois andares constituídos por galerias cobertas, abertas para um pátio através de arcadas. Estrutura fundamental de um mosteiro, surge quase sempre encostado a um dos lados da igreja, desenvolvendo-se à sua volta as várias dependências conventuais, muitas delas comunicando directamente com as galerias.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 86) 162

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Ilustração 4 – Mosteiro em Monte Athos. Perspectiva exterior. Implantação sobre os rochedos. (Ilustração nossa, 2015)

A impossibilidade de trabalhar o terreno, influencia a opção tomada. (Aussibal, op. cit.) É, contudo, sobre estas condicionantes que o projecto se reconhece e se transmuta. A rampa, constituinte da promenade architectural165, na relação do nosso corpo no espaço, encontra em La Tourette a sua adaptação e metamorfose sobre o território. Referido por Curtis (op. cit., p. 218), como se a “[…] Villa Savoye had been exploded inside out, with ramp and curved partitions extending to the environment.”166 Aqui, é o vale que inicia o nosso itinerário. Circundando os pilotis, que elevam o edifício do solo, estabelecemos, entre as duas cotas do terreno, uma livre deambulação sob a sua estrutura. Permite o reconhecimento das suas várias dimensões: “[...] hauteur, largeur et profondeur. On voit alors l’objet total.”167 (Aussibal, op. cit., p. 12) A planta geral adoptada consiste na planta tradicional monástica, onde quatros corpos se dispõem em rectângulo formando um pátio no seu interior – concepção idêntica à tipologia definida em Thoronet. Todavia, a harmonia entre a vida colectiva e individual é sintetizada por Corbusier na sua leitura crítica do mosteiro Cartuxa168 situada no vale 165

Promenade architecturale – “[...] is a key term in the language of modern architecture. It appears for the first time in Le Corbusier description of the Villa Savoye at Poissy (1928) where it supersedes the term “circulation”, so often used in his early work. [...] Taken at a basic level the promenade refers, of course, to the experience of walking through a building. Taken at a deeper level, like most things Corbusian, it refers to the complex web of ideas that underpins his work, most specifically his belief in architecture as a form of initiation.” (Samuel, 2010, p. 9) “[...] é um termo chave da linguagem da arquitectura moderna. Surgiu pela primeira vez com a descrição da Villa Savoye de Le Corbusier (1928) onde é proeminente o termo “circulação”, tantas vezes utilizado nos seus primeiros trabalhos. [...] Começando a um nível inferior, a promenade refere-se, com certeza, à experiência de percorrer um edifício. Desde o nível mais baixo, como na maior parte das propostas Corbusianas, refere-se a um complexo de ideias que caracterizam a sua obra, mais especificamente na sua crença da arquitectura como iniciação.” (Tradução nossa) 166 “Os ‘Cinco Pontos’ foram acentuados de um novo modo: como se a Villa Savoye tivesse sido explodida de dentro para fora, com a rampa e as partes curvas extendendo-se à sua envolvente.” (Tradução nossa) 167 “[...] altura, largura e profundidade. Vemos, então o objeto na sua totalidade.” (Tradução nossa) 168 Cartuxa de Ema – Mosteiro de Galluzzo, também conhecido como Chartreuse Saint-Laurent de Galluzzo é um mosteiro da Ordem dos Cartuxos situado no vale de Ema, em Florença na Toscana, Itália. Fundada em 1342 por Nicolau Acciaiuli.

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de Ema e experienciado pelo próprio nas suas viagens a Itália169, onde as celas se encontram dispostas à volta do claustro, concebidas como caixas individuais e coroando a vista sobre o vale. Como refere Corbusier apud Coleman170 (2005, p. 135) “[...] the [perfect] solution to the working man’s house type, unique or rather an earthly paradise.”171

Ilustração 5 – Mosteiro de Galluzzo. Perspectiva do conjunto e planimetria da disposição das celas. ([adaptação a partir de] SEQUEIRA, 2014, p. 9)

Em La Tourette, o corpo do convento em forma de “U” separa-se da igreja. No seu conjunto não se tocam, distanciam-se permitindo ao espaço envolvente – o vale que configura a sua implantação – revelar-se. Como refere Corbusier apud Aussibal (op. cit., p. 12) : “Je n’ai pas besoin d’enlever ce fatal noyau de terre au coeur de la maison. Mon sol est intact, il continue.”172 Esta percepção é enfatizada na distância que se cria entre os volumes e realça, aos nosso olhos, o contraponto das suas antinomias, como refere Curtis (op. cit., p. 184) “the play of major mass against void, [...]”173. E se o corpo do convento, suportado pelos pilotis, nos transmite a sua leveza, o corpo da igreja, que se estende sobre o vale, mantendo a sua cobertura de nível desde o topo, contrapõe ao espaço o seu peso, e atribui-lhe sentido num confronto sobre o solo. No seu conjunto, desenham as quatro fachadas interiores sobre um pátio que se apresenta suspenso. Diferente do claustro tradicional, a relação com este espaço não se estabelece no circular das suas galerias laterais. A percepção que temos é como um 169

Corbusier visitou Itália (1907) sobre o guia “As manhãs em Florença” de Ruskin editado em 1876, e onde teve a primeira experiência na Cartuxa no vale de Ema. “At the end of the first he encourages the reader to make a side visit, beyond the city’s walls, to a Carthusian monastery for a momentary experience of monastic life.” (Coleman, 2005, p. 134) Outro guia que também influenciou Corbusier “As pedras de Veneza” também de Ruskin, onde eram apresentados os ideais da arte na vida social e económica humana encontrados nos mosteiros e relacionados com as catedrais medievais. Em 1911, na sua Voyage d’Orient, regressou para estudar com mais pormenor a concepção monástica que nas, suas palavras, se definia como a concepção ideal e harmoniosa desta ordem religiosa. (idem, loc. cit.) 170 COLEMAN, Nathaniel (1940 – ) arquitecto americano. Formado pelo Instituto de Arquitectura e Estudos Urbanos de Nova Iorque e pelo Rhode Island School of Design. 171 “[...] a solução perfeita para o modelo de casa de trabalho dos monges, único ou silencioso um inimaginável paraíso.” (Tradução nossa) 172 “Eu não preciso remover esse núcleo de terra fatal no coração da casa. O meu solo está intacto, ele continua." (Tradução nossa) 173 “o jogo da grande massa sobre o vazio, [...]” (Tradução nossa)

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espelho das actividades que aqui acontecem, “uno spazio virtuale che esiste per esser visto più che vissuto, […]”174 (Pirazzoli175, 2000, p. 71).

Ilustração 6 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva do conjunto e planimetria das celas. (Ilustração nossa, 2015)

Em contra ponto, e estabelecendo a comunicação entre as suas partes, é materializado o percurso inerente à utilização de um claustro. Desenhados numa planta cruciforme, definem-se três passadiços176 horizontais – como “canais”177 de distribuição – que unem as quatro alas do convento: da parte colectiva à parte individual, e de ambas as partes ao corpo da igreja. Construídos como pane de verre178, estes canais permitem o reflexo do ambiente sempre presente, numa extensão do vale que habita, e onde, animado pelo corpo das três fachadas, permite a percepção de uma hierarquia espacial, inerente ao propósito da sua circulação. Do seu interior, as fachadas que definem o pátio, elevadas nos seus pilotis, ao libertarem o edifício do solo potenciam a ideia vista do exterior – o aparente levitar da caixa – agora reconhecida sob “[...] la circulation et [...] la lumière qui passe aussi sous la maison”179 (Aussibal, op. cit., p. 12). Revela, por outro lado, a associação entre a terra e o divino, metaforizada na presença do volume que “reste dans l’espace”.180

174

“um espaço virtual que existe para ser visto mais do que para ser vivido.” (Tradução nossa) PIRAZZOLI, Giacomo (1950 – ) arquitecto italiano. Doutorado pela Universidade de Florença. Responsável pela atividade de pesquisa na Fundação Le Corbusier em Paris. 176 Passadiço – “Corredor ou galeria que faz a ligação entre dois edifícios ou entre diferentes zonas de uma construção”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 211) 177 A utilização desta palavra visa reforçar a clausura que estes passadiços, desenhados e projectados definindo quatro limites (o piso, as paredes laterais e a cobertura) encerram no seu interior. Da definição de Rodrigues (et. al., op. cit., p. 71) esta palavra remete “[a uma] Via aquática traçada pelo homem pra conduzir ou suprir a falta de rios ou ribeiras navegáveis.” Desta definição interpretamos a “via aquática”, como o espaço exterior do vale, que devido ao seu declive, não proporciona um atravessamento na perpendicular aos quatro corpos construídos. O Homem surge “conduzido” no interior do seu recinto. 178 Pane de verre – fachada de vidro. (Tradução nossa) 179 “[...] a circulação e [...] a luz que passa também sobre a casa.” (Tradução nossa) 180 “que levita sobre o espaço”. (Tradução nossa) 175

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Ilustração 7 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Secção longitudinal e planimetria. (Ilustração nossa, 2015)

Os canais pane de verre são definidos numa retícula estruturada por perfis de betão que dimensionam e dirigem a luz do pavimento ao tecto – os ondulatoires181. Ritmam o seu itinerário “[...] and evoque the receding planes of Light and shade of the traditional cloister’s arcading.”182 (Curtis, op. cit., p. 184) Parecem redefinir o trajecto da luz no passar das horas “[...] in taut proportions [and] echo old aspirations towards a pure abstraction ins tone: Light, music and mathematics […] used by the Cistercians as the means for touching on the Divine.”183 (idem, loc. cit.) Desenhados por Xenakis184,

181

Ondulatoires – sistema de vãos, definido entre caixilho e envidraçado proposto por Iannis Xenakis que correspondem a uma escala musical de uma partitura sua de nome “métastassis” em que as linhas horizontais definem o ritmo e as linhas verticais definem a altura do som. Cf. Nota 184. 182 “[...] e evocam os diagonais planos de luz e forma das arcadas do claustro tradicional.” (Tradução nossa) 183 “[...] em proporções tensas ecoam as antigas aspirações no sentido da pura abstracção da pedra: luz, música e matemática tinham sido usados pelos cistercienses como modos de chegar ao Divino.” (Tradução nossa) 184 XENAKIS, Iannis (1922 – 2001) engenheiro, arquitecto, teórico musical e compositor grego, naturalizado francês. Considerado um dos mais influentes compositores do século XX. A sua obra escrita: “Formalized Music: Thought and Mathematics in Composition” (1940) é considerada como um dos trabalhos teóricos mais importantes sobre música do século XX. Fez parte do atelier de Le Corbusier no qual trabalhou como engenheiro de cálculos, tendo sido parte integrante nas composições matemáticas no Convento. Autor de “Métastassis”, que consiste numa peça musical escrita entre 1953-54 e inspirada na combinação espaço-tempo de Einstein. Estruturada matematicamente como complemento dos ideais de Corbusier na definição dos envidraçados. A ideia consiste, grosso modo, em reconciliar a linha perceptiva da musica com o relativismo da percepção do tempo. Para um melhor entendimento Cf. Xenakis, Iannis: Formalized Music: Thought and Mathematics in Composition, second, expanded edition (Hormonology Series No.6). Stuyvesant, NY: Pendragon Press, 1992. Do seu trabalho arquitectónico, salientamos o Pavilhão Philips, concretizado para Expo de 58 a par com Corbusier, projecto onde os princípios de arquitectura foram os princípios da sua peça musical; Villa Manche, Amorgos, Grécia (1966).

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Ilustração 8 – Abadia de Thoronet. Secção longitudinal e planimetria. (Ilustração nossa, 2015)

organizados matematicamente segundo os princípios do Modulor185, projectam o ritmo de um tempo, inteligível na circulação do nosso corpo no espaço – pretensiosamente pautado – admitindo a relação entre a proporção da sua altura (da luz que permitem passar) e a sua tonalidade (como espaçamento em que esta acontece ao ser reflectida sobre o pavimento), metamorfoseando a nossa percepção do edifício sob a orientação solar ao longo do dia. O ponto axial onde o claustro se encontra, define-se no cruzamento do atravessamento à igreja. Seja vindo das “celas”, ou dos espaços colectivos – como o refeitório e o Oratório – o encontro dá-se neste cruzamento186 – no atrium – momento dramatizado através da luz, esta que, em direcções diferentes, ao projectar-se no pavimento une este itinerário. Seja nos acessos verticais, que nos conduzem aos espaços comuns e posteriormente à igreja; seja no sentido inverso, que 185

Modulor – sistema de proporções desenvolvido por Le Corbusier. “[...] to give harmonious proportion to everything from door handle to heights to the widths of urban spaces. […] In fact, Le Corbusier never hesitated to ignore the Modulor if it got in the way of a proportion that his eye told him was just right, […] Long before […] he surely knew of Leonardo da Vinci’s illustration of Vitruvian man inscribed in a circle, and was at least intuitively aware of concepts of symbolic representation through cosmic geometries in pas architecture. […] The Modulor was more than a tool; is was a philosophical emblem of Le Corbusier’s commitment to discovering an architectural order equivalent to that in natural creation.” (Curtis, op. cit., p. 164) Cf. Para melhor entendimento do assunto abordado Curtis, op. cit., pp. 162-67. 186 “Desservant l’entrée du réfectoire et du chapitre, l’atrium trouve ici sa place, d’un volume clair et spacieux. Il existait dans certains grands couvents de l’Ordre; il joue bien ici son rôle de point de rencontre avant et après les repas.” (Aussibal, op. cit., p. 34) “Servindo a entrada do refeitório e do capítulo, o átrio encontra aqui o seu lugar num volume iluminado e arejado. Existiam nalguns dos principais mosteiros da Ordem; o seu papel como ponto de encontro, joga bem aqui, antes e após as refeições.” (Tradução nossa)

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nos conduz, progressivamente, aos espaços de leitura a primeiro, e aos espaço de reflexão em último – as celas – esta associação encontrará, em La Tourette, a reformulação de relações programáticas, numa expressão que metamorfoseia a ascensão ao divino ou ao cosmos, até ao encontro dos Homens na terra. O sistema de construção (pilar – laje – viga) que reconhecemos do exterior, é evidenciado no seu interior. Apresentado como esqueleto à vista sem inibição de mostrar o que sustenta, do modo que sustenta e onde, por sua vez, suaviza a sua carga estrutural. Os pilares que definem a métrica de suporte assente sobre o sistema Dom-ino187 – “the archetype of his concrete systems”188 – acentuam a sua presença no contorno dos corredores, contrastando com a leveza do tecto que pousa sobre si ou, até mesmo, na profundidade que dão ao exagerar o ritmo dos ondulatoires, surgindo como perfis de secção circular que pautam uma outra estrutura inerente.

Ilustração 9 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Canais pane de verre. Em cima, átrio e refeitório. (Ilustração nossa, 2015) 187

Dom-ino – sistema definido segundo a produção em série e em formas padronizadas, à semelhança de uma fábrica de produção automóvel. Recai sobretudo na viabilidade da rápida construção pós-guerra. (Corbusier, 2001, p. 23) 188 “o arquétipo do seu sistema de construção em betão”. (Tradução nossa); (Curtis, op. cit., p. 216)

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Ilustração 10 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Ondulatoires. Acesso à igreja.. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 11 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Ondulatoires. Acesso à igreja.. (Ilustração nossa, 2015)

Este sistema construtivo é, em La Tourette, a resposta a uma época e às possibilidades do betão armado, “these patterns of adaptation and memory were then translated into standardized modern systems of construction, arranged […] to evoke growth and change, […]”189 e permitindo-nos, ao mesmo tempo, reconhecer “[...] ways of creating tension and ambiguity between buildings and their surrounding field.”190 (Curtis, op. cit., pp. 214-15) As suas fenêtre à longueur191, desenham-se em função do espaço interior/exterior. Constituem numa simbologia a função hierárquica que comportam. Se nos três canais, a luz é domesticada através dos ondulatoires, rotativamente percepcionada no seu interior, no piso superior – gabinetes de estudo e bibliotecas – os vãos adquirem outra proporção, emoldurando, do lado do pátio, a passagem de quem circula. A perspectiva sobre o interior/exterior é reticulada através dos painéis «damier»192 densificando a vista ocasional, momentânea. A definição dos vãos encontra as suas proporções no Modulor, numa extensão ou contracção das suas medidas como composição espacial e atribuindo, a seu passo, razões sobre a escala que desenha. Em espaçamentos equidistantes, surgem frestas definidas em painéis de madeira – os aérateurs – articuláveis, permitindo o arejamento do espaço interior. Funcionam como seteiras193, características das construções monásticas e misturam-se num equilibrado conjunto de sensações mnemónicas.

189

“Estes padrões de adaptação e memória foram traduzidos em sistemas de estandardização modernos, combinados [...] para evocar o crescimento e a mudança, [...]” (Tradução nossa) 190 “ [...] modos de criar tensão e ambiguidade entre edifícios e o seu envolvente.” (Tradução nossa) 191 Fenêtre à longueur – fachada longitudinal. (Tradução nossa) Introduzida nos século XX por Le Corbusier, projectadas no plano horizontal da fachada, permitem deste modo, pela sua disposição longitudinal, estabelecer a dicotomia entre interior e exterior, potenciando o espaço envolvente como momento continuo no decurso da promenade architectural que se define ao longo do corpo do edifício. Este tipo de concepção de fachada livre define, em conjunto com outros elementos, os cinco princípios para uma nova arquitectura. 192 “damier” – “xadrez”. (Tradução nossa) Planos de vidro estruturados numa reticula betonada segundo as proporções do Modulor. Alternadamente, constituem-se caixilho do vidro que suportam e da placa de betão que suporta o seu centro. 193 Seteira – “Abertura pequena e estreita nas muralhas [...]”. Hoje pode considerar-se “qualquer fresta nas paredes de um edifício destinada a iluminar o interior.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 242)

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Ilustração 12 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Ondulatoires. Acesso à igreja.. (Ilustração nossa, 2015)

No acesso aos dormitórios – as celas – as fenêtre à longueur enfatizam progressivamente a relação visual com o claustro. Definidas por vãos rectangulares, justapostos na horizontal sobre o plano vertical da ala, estabelecem com o nosso corpo a relação visual sobre o horizonte, deixando o nosso olhar pousar acima do limite do pátio, como a progressiva ascensão que o edifício protagoniza, ao encerrar progressivamente a perspectiva sobre o exterior. A relação com claustro torna-se mais dramatizada

nos

dois

últimos

pisos,

definindo

o

ambiente

das

três

alas.

Acompanhando longitudinalmente toda a superfície da ala, desenham, sobre o pavimento, a luz que as trespassa. A relação com o exterior é interrompida a cada 5 m por pequenas mísulas194 de betão que, projectadas na perpendicular em relação à parede exterior, interrompem a nossa deambulação visual. Neste caso, talvez como reconhecimento da reflexão que advém, e sobre a concentração que este espaço prepara na sua chegada. As cem celas construídas desenham-se sobre estes dois pisos e destinam-se aos frades estudantes e frades da comunidade presente em La Tourette.195 São os seus espaço de reflexão, onde permanece o silêncio e a vista sobre o vale. A cela, de desenho rectangular, comporta no seu interior a sucessão de momentos que se encadeiam num desenvolvimento hierárquico até ao vale. Ao entrar, sobre um dos lados, estabelece-se a área necessária à higiene, posteriormente a cama, dividida da primeira por um armário, e ao fundo da cela, uma pequena estante insinua o espaço de leitura sob o vão que ilumina o seu lugar. Este vão, que ocupa toda a largura da 194

Mísula – “Peça saliente numa parede ou num pé-direito, em consola avançada, destinada a apoiar um arco, pavimento, escultura, etc.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 183) 195 Das cem celas construídas, 84 eram destinadas aos frades estudantes, de área sensivelmente mais reduzida compreendendo 2.26 m de altura, 1.83 m de largura e 5.92 m de profundidade. As restantes 16 celas foram destinadas aos frades que leccionavam no convento. Estas últimas beneficiaram de uma largura extra sendo de 2.26 m em vez de 1.83 m, possibilitando conter no interior da cela estantes de livros encostadas à parede.

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cela, define-se sobre um caixilho em madeira que compreende tanto uma fresta, possibilitando arejar o seu interior e desenhada do pavimento ao tecto, como uma porta de acesso ao exterior por uma loggia196. A loggia, concebida como um pórtico em betão que antecede o exterior, tem, em La Tourette, tanto a função de brise-soleil197, já trabalhado pelo arquitecto na Unité d’Habitation198 de Marselha, como de definir um espaço exterior à cela, sem retirar espaço útil ao quarto. Projectadas em consola199, prolongam-se sobre a fachada – na medida exacta da largura da cela – e configuram, do exterior, a fachada que se estende sobre o vale. Do mesmo modo que se estendem, permitem a total separação entre as celas individuais evidenciando o seu isolamento das restantes. Funcionam como prolongamento, numa extensão apercebida desde o início da galeria de acesso. Na sua composição, definem frames sobre a paisagem que envolve todo o convento e recordam a individualidade e a distância que se estabelece entre a vida colectiva e individual presente no Mosteiro da Cartuxa.200 Dos poucos passos que se sentem no circular de cada ala até à entrada na respectiva cela e do nosso encontro com a Natureza, constituem uma série de momentos que se quer compreender ininterrupta. A luz que incide sobre a loggia perde-se na rugosidade do betão à vista e atravessa o seu interior, passando o vão que estabelece o seu limite, esbatendo-se na parede, rebocada a estuque expressivamente rugoso, até se perder na intimidade do seu interior.

196

Loggia – “Galeria ou pórtico aberto, geralmente abobadado, por vezes avançado em relação ao plano da fachada.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 174) 197 Brise-soleil – sistema de sombreamento desenvolvido por Le Corbusier sobre as proporções do Modulor. Sistema já trabalhado pelo arquitecto, em obras como a Unité d’Habitation (1947). “[...], the Modulor appeared alongside a concrete skeleton and a section of the Unité d’Habitation showing the parabolic paths of the sun at solstice and equinox, and demonstrating the principle of the brise-soleil whereby rays would exclude summer glare but let in winter heat and light. […] The brises-soleil handled the glare, channel-led the view, and gave the whole punctured enough with shadow not to interfere with the neighbor.” (Curtis, op. cit., p. 167) 198 Unité d’Habitation – obra projectada por Le Corbusier em 1947. Edificado em Marselha, faz parte de um conjunto de edifícios modulares que incidiram sobre o alojamento após a II Grande Guerra. Este edifício contem no seu interior mais de 300 celas projectadas com uma área mínima de habitação dimensionadas sobre múltiplos das proporções desenvolvidas no Modulor, onde são desenvolvidos estudos sobre a insolação e ventilação através do desenho de brise-soleil. 199 Consola – “Suporte saliente embebido na parede, com maior altura do que projecção exterior, destinado a sustentar cornijas, varandas, estátuas, etc.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 91) 200 “[...] strict spatial and temporal order, and balance between communal and private life, held a natural appeal for him, while the boldly framed views of nature enjoyed by the monks’ cells were to find repeated echoes in his work.” (Weston, 2004, p. 114) “[…] ordem especial e temporal restrita, em comunicação entre vida colectiva e privada, deixou-lhe um natural interesse, enquanto os frames da vista sobre a natureza apreciados pelos monges seriam encontrados num eco repetido na sua obra.” (Tradução nossa)

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Ilustração 13 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Interior de uma das celas. Em cima, loggia. (Ilustração nossa, 2015)

L’hiver, le soleil étant bas sur l’horizon, ses rayons vont pénétrer à l’horizontale, sans obstacle, à travers la loggia jusqu’à l’intérieur de la cellule. L’été, au contraire, la loggia est là pour couper les rayons du soleil, atténuant sa lumière et sa chaleur, mais aussi, 201 lorsqu’il en est besoin, le froid ou le bruit. (Aussibal, op. cit., p. 33)

201

“No Inverno, o sol está baixo sobre o horizonte, os seus raios penetram na horizontal, desimpedida, através da galeria para o interior da célula. No verão, no entanto, o alpendre corta os raios de sol, reduzindo a sua luz e calor, mas também, quando for necessário, frio ou ruído.” (Tradução nossa)

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Os materiais e relevos trabalhados sobre o betão parecem pertencer a uma mesma família, insinuando notoriedades programáticas, funções distintas, espaços que se interligam, ou outros que se distanciam no modo como, no seu interior, são vividos e experienciados por um mesmo exterior. Como refere Curtis (op. cit., p. 186, maiúsculas do autor), “[...] La Tourette creates a medieval warren in concrete: a closed city of the spirit enlivened by stunning views over nature.”202 Como a estratificação íntima que se quer ver presente – na comunicação entre um grau privado e intimista perante um grau comum – inerente e portador de todo o domínio de um convento. A abstracção203 que Corbusier procura nos elementos espaciais encontra nos jogos de contraste de luz e sombra, entre matéria e proporção, escala e espaço... alterações capazes

de

definir,

tanto

quanto

protagonizam, 204

correspondem a uma ordem inerente.

sequências

espaciais

que

Numa progressiva variação “on the old

Corbusian theme of a box on stilts.” 205 (idem, p. 184) O último corpo desta linha coleante – a igreja construída sobre o lado Norte – encerra sobre a sua matéria o ponto de apoio de toda a obra. A única nave206 que define o seu corpo projecta-se como uma “caixa” monolítica, apresentando-se totalmente encerrada sobre si própria, “a strictly prismatic box of a Cistercian austerity”207 (Von Moos208, 2009, p. 129, maiúsculas do autor). A entrada dá-se na lateral Sul da igreja. A porta de metal, que roda, ao abrir, sobre o seu pivô, encena a simbologia de uma cruz e acerta com a linha preta que desenha sobre o pavimento uma cruz latina, de Oeste a Este e de Sul a Norte. Devido à inclinação do vale, o pavimento encontra-se desfasado. O seu nivelamento sobre degraus restitui a diferença de cota, e diferencia o espaço de oração do espaço do altar. Mais uma vez o terreno é instrumento de projecto, 202

“La Tourette cria uma fortaleza medieval em betão: uma cidade fechada da elevação do espírito sobre as magníficas vistas sobre a natureza.” (Tradução nossa) 203 Cf. Para melhor entendimento sobre o assunto abordado Curtis (op. cit., pp. 48-57) 204 Referimo-nos aqui, ao princípios Corbusianos que tenderam a demonstrar e a potenciar o princípio da abstracção, não só pelas suas figuras geométricas, mas também pelos seus planos brancos, limpos de materialidade, onde, inicialmente, seriam elemento principal e resplandecente da luz sobre os volumes e do seu inquietante jogo na sua articulação. Aqui, em La Tourette, bem como já trabalhado em Ronchamp (1954) e mais tarde em Firminy (1960) e Chandigarh (1963), Corbusier intensifica a força dos seus princípios para uma arquitectura moderna, recorrendo ao trabalho entre texturas e metamorfoses temporais entre o construído e o natural, onde elementos como o betão armado se aliam a assemblagens de pedras locais e trabalhando o ferro e o vidro comungando para um princípio geral. 205 “La Tourette contém a variação dos antigos temas Corbuserianos da caixa sobre pilares. Mas os “Cinco Pontos da Nova Arquitectura” foram enriquecidos e estendidos permitindo novos elementos” (Tradução nossa) 206 Nave – “Espaço limitado por muros, pilastras ou colunas, que se estende longitudinalmente numa igreja entre a entrada principal e a cabeceira.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 195) 207 “uma caixa estritamente prismática da austeridade Cisterciense.” (Tradução nossa) 208 VON MOOS, Stanislaus (1940 – ) historiador de arte e teórico de arquitectura suíço. Leccionou em Harvard, Berna e Nova Iorque, Delft, Mendrisio e é actualmente docente em Yale. Fundador da magazine “Archithese” em 1971.

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beneficiando do mais baixo ao mais imponente. No altar-mor209, a pedra branca210 apoiada sobre outras duas mais modestas, encontra aqui o seu lugar, ao estabilizar a gravidade das duas cotas, atribuindo-lhe o seu sentido. Construída em sistema de cofragem211, o corpo da igreja desenvolve-se em panos regulares percebidos tanto do seu exterior como do interior. As juntas que se destacam sobre as suas altíssimas paredes recordam os paramentos romanos de grande aparelho212 – no edificar da pedra sobre pedra – e atribuem-lhe a robustez necessária; o carácter que, de todo o modo, define à semelhança da nossa memória o silêncio interior que contém. Projectada com uma altura de 17m x 11m de largura (definida segundo a medida exacta necessária ao culto das missas)213 x 44m de profundidade constitui-se reverberação do som das orações, propagando-se através dos canais que distribuem às três alas do Convento. Característico dos espaços monásticos, onde o som ecoa como uma grande caixa reverberante.214 No interior da igreja, a luz incide sobre o que se pretende revelar. No encontro dos paramentos Este e Sul, uma fresta definida a toda a altura deste volume projecta a luz, que tanto ilumina o altar, como revela as peças betonadas que configuram o seu tecto magistral. As laterais, aparentemente cegas do exterior, compreendem vãos longitudinais definidos à altura do Homem, iluminando de modo indirecto os frades, na leitura dos seus cadernos no decorrer da missa. No topo, projecta-se uma clarabóia215. Enquadra a luz como foco e transmite-a como omnipresente sobre o silêncio interior,

209

Altar-mor – “Altar principal dum templo colocado na capela-mor, no eixo da nave central e do corpo da igreja.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 24) Em La Tourette este espaço é concebido como um todo. 210 A pedra de mármore branco utilizada em La Tourette simboliza o altar e remonta à pedra-de-ara que representa a “pedra sagrada colocada no altar durante a celebração.” (idem, p. 213) “ara primitiva utilizada nas catacumbas pelos primeiros cristãos, no momento em que passa a situar-se na Igreja e toma a forma de mesa, [...] Constitui-se fundamentalmente pelo tampo [...] e pela base, [...]” (idem, p. 25) 211 Cofragem – “Molde de madeira feito no local da construção, onde é seco e moldado o betão destinado às placas e pilares.” (idem, p. 86) 212 Aparelho – “Modo de dispor os materiais de construção aparentes (pedra ou tijolo) constituintes de uma parede. A disposição dos silhares e o tratamento do paramento origina várias designações, [...], onde a palavra opus (obra) antecede a designação.” (idem, pp. 32-33) 213 A largura da igreja corresponde à distância entre dois corpos deitados sobre o pavimento, um em frente do outro, acrescido da distância que vai deste aos bancos de oração até às paredes laterais. Cf. Para melhor entendimento do assunto abordado Aussibal, (op. cit). 214 A hora em que a missa acontece, não fosse este edifício de ordem religiosa, todos os espaços comuns que antecedem o nível da igreja – o refeitório, o oratório, as salas e bibliotecas – são estremecidos pela oração que se propaga pelas suas paredes. Constitui-se momento essencial, e o espaço, como seu percursor, potencia o concílio dos seus habitantes. Apenas nas celas, o ruído se dissipa, sendo o único que se ouve, o da vegetação do vale de Éveux. 215 Clarabóia – “Abertura feita numa cobertura para permitir a entrada de luz natural.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 85)

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“a space of chilling gravity, force and discipline”216. (Curtis, op. cit., p. 186) A sua cobertura aparenta separar-se das paredes que a suportam deixando passar a luz sobe uma fresta217 que corre longitudinal, revelando a estrutura, desenhada pelos pilares que, integrados no interior das duas paredes, se prolongam suportando-a.218 A fresta que permanece entre a cornija219 e a cobertura da igreja faz com que esta última pareça suspensa em todo o seu volume “[...] – un éclairage ouvrant sur le mystère.”

220

(Aussibal, op. cit., p. 38) A luz indirecta provém de todos os lados, contida, essencial à função que revela, qualificando-a. “Comme les constructeurs religieux du Moyen Age, dont certains maîtrisaient parfaitement l’effet lumineux [...]” 221 (idem, loc. cit.).

Ilustração 14 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva interior da igreja. Oeste/Este. (Ilustração nossa, 2015)

Tanto as capelas laterais, como a sacristia222, adjacentes ao corpo da igreja, diferem da planta tradicional monástica. Sobre o lado Norte, as capelas desenham-se em 216

“um espaço de liberdade gravitica, força e disciplina” (Tradução nossa) Fresta – “Vão de [...] abertura muito pequena servindo normalmente para ventilação.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 139) 218 Semelhante à imagem que temos dos templos antigos na utilização de antes : “pilastras embebidas nas paredes laterais [...]”. (idem, p. 32) 219 Cornija – “Membro arquitectónico saliente que coroa o friso de um entablamento, [...]” (idem, p. 96) 220 “[...] - uma abertura de luz sobre o mistério.” (Tradução nossa) 221 “Como construtores religiosos da Idade Média, alguns perfeitamente dominado o efeito de luz [...]” (Tradução nossa) 222 Sacristia – “Dependência anexa a uma igreja onde se guardam os paramentos e as alfaias litúrgicas e onde os sacerdotes se paramentam.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 239) 217

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forma de curva223. Definem o seu pavimento em socalcos, conciliando topografia, e definindo o espaço de cada capela individual. No topo deste corpo, projectam-se três estruturas em forma de cone. Estes “canhões de luz” produzem focos de luz sob o espaço de cada socalco. No extremo oposto deste volume, a Sul, em simetria com as capelas laterais, a Sacristia estabelece o acesso à cripta224 e, por sua vez, às capelas laterais por uma construção inferior a todo o volume da igreja. Se nas primeiras, a luz incide como foco, iluminando individualmente cada capela, na Sacristia, a luz é conduzida por sete pequenas aberturas numa secção poligonal, atravessando a cobertura conferida como terraço. Ilumina o santuário e escorre até ao interior da igreja, através do plano inclinado, lacado a encarnado vivo e desenhando, em comum com a luz que atravessa as capelas laterais, o transepto225 da igreja. A luz que incide de topo sobre os dois espaços ajusta a ideia de construção inferior ao solo. Tanto do lado Norte como do lado Sul, a luz esbater-se-á sobre o espaço do altar. Constitui, deste modo, o ponto de encontro entre estes dois fluxos de luz, que incide dos topos laterais ao espaço central da igreja, para se difundir no pavimento que as atravessa.

Ilustração 16 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Sacristia. Abertura se secção poligonal. (Ilustração nossa, 2015)

Ilustração 15 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Acesso inferior pela Sacristia e capelas laterais. (Ilustração nossa, 2015) 223

A volumetria helicoidal que desenha as capelas laterais, bem como outros elementos na presente obra, assentam no desenho proposto por Iannis Xenakis. Particularizando o nosso estudo, da obra do Convento de La Tourette, como reflexo da memória de Le Corbusier não nos interessa, para o conteúdo do tema abordado, particularizar o trabalho de Xenakis. No entanto, e como parte integrante do projecto, o seu trabalho pode ser conferido, para melhor entendimento dos assuntos abordados ao longo deste subcapítulo, em: XENAKIS, Iannis (1976) – Musique. Architecture. Tournai : Ed. Casterman. 224 Cripta – Espaço subterrâneo ou parcialmente soterrado, normalmente abobadado, localizado sob o pavimento das naves das igrejas e destinado ao depósito e culto das relíquias.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 98) 225 Transepto – “Área do corpo da igreja que se prolonga em posição ortogonal para um e outro lado da nave, formando com esta uma cruz.” (idem, p. 262)

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I lustração 17 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva exterior canais pane de verre. (Ilustração nossa, 2015)

A cobertura, confere a relação última desta analogia entre o Divino e o Homem. Define no seu topo o terraço ajardinado226, coberto com uma fina camada de terra admitindo as condições naturais no seu desenvolvimento ao longo do tempo, e assegurando a sua protecção térmica. Conferido como local de deambulação, meditação e abstracção, o terraço separa-se do claustro na sua funcionalidade e define, agora, o último espaço desta promenade. Delimitado por um muro, conferido à altura de 1.70m227, potencia a relação com a abstracção de tudo o que lhe é inferior, permitindo aos frades “[...] meditate undisturbed beneath the sky, [...] almost certainly inspired directly by Le Thoronet.”228 (Weston, 2004, p. 114) O declive do vale só enfatiza a relação entre edifício e natureza, conquistando a vista sobre a cidade de L’Arbresle. Ressaltam elementos destacados da composição regular do edifício. O oratório, de cobertura piramidal, ressoa com o volume cilíndrico que se estabelece a Noroeste e o campanário, reconfigura, ao regularizar um equilíbrio formal, com a caixa de escadas que se estabelece a Sudoeste. A luz que os atravessa, domesticada pelas suas formas, determinando trajectórias sobre os seus corpos, é constituinte do que Corbusier aclama sobre a arquitectura: “Architecture is the masterly, correct and magnificent play of volumes brought together in light.”229 (Curtis, op. cit., p. 51) 226

Terraço ajardinado – em comum com a rampa, o terraço é parte integrante da promenade architectural. Como o culminar de todo o itinerário, funciona como última e cataclista percepção do todo da obra, num culminar da percepção do objecto construído. 227 “Pour des raisons d’économie, on essaya d’obtenir de l’architecte qu’il en diminuât la hauteur. Il refusa pour un motif impératif d’esthétique, la hauteur prévue assurant les justes proportions de l’édifice. Celui-ci vu à distance, on comprend que ce mur de faîte contribue indiscutablement à l’équilibre linéaire de l’ensemble.” (Aussibal, op. cit., p. 33) “Por razões económicas, tentou-se que o arquitecto diminui-se a altura. Ele recusou por um motivo de estética imperativo, a altura prevê assegurar as justas proporções do edifício. Sem dúvida, compreendemos que este muro, visto à distância, contribui indiscutivelmente ao equilíbrio linear do conjunto. (Tradução nossa) 228 “[...] meditar sem distúrbios sobre o céu, [...] quase certamente inspirado por Le Thoronet.” (Tradução nossa) 229 “A arquitectura é o maior, correcto e magnifico jogo dos volumes revelados sobre a luz” (Tradução nossa)

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Ilustração 18 – Abadia de Thoronet. Perspectiva sobre o claustro e o terraço. (Ilustração nossa, 2015)

A nossa percepção, no confronto com o obra, equaciona de um modo quase imediato os princípios que ao longo das obras Corbuserianas têm vindo a constituir a sua vanguarda construtiva. Porém, e vistos à distância temporal necessária, os cinco pontos da nova arquitectura230, compreendem em La Tourette uma ordem programática comum; moldados a partir de diferentes espessuras, texturas e assemblages; trabalhados tal como a pedra e adquirindo relevos e sombras sobre a luz. Conferem, do mesmo modo que suportam, a capacidade de se relacionarem num conjunto entre Natureza e o todo da construção da obra, evidenciados no modo como são expressos no espaço, numa homenagem às propriedades do betão e constituindo uma manifestação “[…] magistrale de ce qu’il permet: structures internes, plans inclinés, […] canons de lumière aux formes inattendues.“231 (Aussibal, op. cit., p. 12) Para os frades do convento, é nisto que se constitui a qualidade espacial e onde reconhecem, mais que o valor do próprio arquitecto, "[…] la rare qualité de vie qui est proposée ici. Le génie du lieu […] réside là, dans cette harmonie et ne se peut dire". 232 O modo como desde a sua implantação, à distribuição dos espaços, passando pelos canais pane de verre, que por contraste suavizam a relação estrutural ao encontrarem o reflexo do exterior; do espaço magistral da igreja onde o nosso corpo se centra e onde a luz permite reconhecer o seu limite construído; das alas longitudinais à relação do pátio sobre a fresta que corre ao nosso olhar, até às celas de expansão sobre o vale e a Natureza, a escala constitui-se elemento ordenador. Definida numa sequência espacial, reúne em poucos materiais a sua metamorfose, atribuindo ao betão que 230

Cinco Pontos da Nova Arquitectura – Definidos por Le Corbusier (1926) como os cinco elementos principais à construção da arquitectura moderna: planta livre; fachada livre; construção em pilotis; vãos horizontais ou fenêtre à longueur; cobertura plana de terraço ajardinado. 231 “[...] magistral do que ele permite: estruturas internas, planos inclinados, [...], canhões de luz de formas inesperadas.” (Tradução nossa) 232 “ [...] a rara qualidade de vida que aqui se propõe. O génio do lugar [... ] está lá em harmonia e não posso dizer o contrário.” (Tradução nossa)

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confere todo o seu corpo, a capacidade de se moldar ao enfâse que o programa, a par e passo, revela sobre o seu interior.233 Como refere Gombrich234 apud Curtis (op. cit., p. 213) : “Styles, like languages, differ in the sequence of articulation and in the number of questions they allow the artist to ask...”.235 A Norte, após a rua arborizada, encontramos na entrada do convento um módulo vazio quadrangular de betão à escala do Homem, e que parece querer ressoar o volume cúbico que confere, ao longo das três fachadas, o corpo das loggias. Define o acesso ao espaço interior, através de uma laje de betão que como menciona Curtis (op. cit., p. 184), “[...] recalling the bridge at Le Thoronet as well as the entrance sequence into the Cité of Refuge236”.237 A entrada define-se de cota com a rua, estabelecendo a percepção do claustro, como um palco.

Ilustração 19 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Esquisso sobre o claustro. (Ilustração nossa, 2015)

233

“The interiorized style of an artist is the very means that allows him to select while analyzing a problem: at the same time it puts limitations on what is possible in coming up with a new idea. To […] design […] is to sense how old forms could be agitated into new combinations and to see how and why breakthroughs in vocabulary were made: [...] sense how many levels of meaning were compressed together through a prodigious abstraction.” (Curtis, op. cit., p. 12) “O estilo interiorizado de um artista é a variedade de significados que lhe permitem seleccionar enquanto analisa determinado problema: ao mesmo tempo coloca limitações no que é possível de resolver-se com uma nova ideia. [...] projectar [...] é compreender como as formas anteriores poderão ser manobradas em novas combinações e perceber como e o porquê das rupturas no vocabulário terem sido feitas: [...] perceber quantos níveis de significado estão juntos em compressão até à prodigiosa abstracção dos mesmos.” (Tradução nossa) 234 Ernst Gombrich (1909 – 2001) historiador de arte austríaco. Considerado um dos mais célebres historiadores da arte do século XX pelo seu trabalho sobre o Renascimento. Formado na Universidade de Viena. Assistente de pesquisa no Instituto Warburg, em Londres em 1936, onde leccionou e direccionou o Instituto entre 1959 e 1972. A sua obra foi influenciada por Karl Popper e Friedrich Hayek. Da sua obra teórica destacamos: “The Story of Art” (1950); “Aby Warburg: Uma biografia intelectual” (1970). 235 “O estilos, como a linguagem, diferem na sua sequência de se articularem e no número de questões que permitem ao artista questionar...”. (Tradução nossa) 236 Cité du Refuge – (1929-30) obra projectada por Le Corbusier. Tal como em La Tourette, o arquitecto projecta um módulo quadrangular que antecede a entrada sobre o interior do edifício. Cf. Para melhor entendimento do assunto abordado Curtis, op. cit., pp. 20-23. 237 “[...] recorda a ponte em Le Thoronet bem como a sequência de entrada na Cité du Refuge.” (Tradução nossa)

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É certamente, para nós, um redimensionar da escala ao nosso corpo que o arquitecto pretende manter presente ao longo da percepção de todo o convento. Como referia Corbusier apud Aussibal (op. cit., p. 12), era necessário retornar às proporções em que o Homem se encontrava percebendo como a sua percepção do espaço, bem como a sua concepção permitem o seu próprio reconhecimento. “[...] Le malheur du temps présent, c’est que les mesures sont partout tombées dans l’arbitraire et l’abstraction; elles devraient être chair, c’est-à-dire l’expression palpitante de notre univers à nous, l’univers des hommes.”238 É, de todo o modo e como refere Curtis (op. cit., p. 186), em La Tourette que Corbusier explora com maior vigor uma harmonia que se encontra do princípio ao final da obra. “[...] his vision of societal harmony had to evade mass society to remain intact; […] realized in a remote rustic spot for the social programme from which it had originally sprung: the community of monks.”239

Ilustração 20 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Esquisso sobre o claustro. (Ilustração nossa, 2015)

O convento de La Tourette, manifesta-se inexoravelmente sobre as influências que comandaram a sua concepção.240 A sua obra tardia, é revelada como “the ancient sense”241 (Curtis, op. cit.), onde reconhecemos sobre uma metodologia um modo de

238

“O problema dos tempos presentes, é que as medidas estão por toda a parte a cair na arbitrariedade e na abstracção; elas devem ser a carne, ou seja, a expressão do nosso universo emocionante para nós, o mundo dos homens.” (Tradução nossa) 239 “[...] a sua visão harmoniosa da sociedade teve que fugir à sociedade de massa para permanecer intacta; [...] concretizada num rústico e ocasional lugar para o programa que originalmente foi deixado de lado: a comunidade dos frades.” (Tradução nossa) 240 La Tourette compreende tanto uma reminiscência de Ema, que era para Corbusier ”conscious of the harmony”, como a metamorfose temporal de Le Thoronet. Os seus princípios programáticos encontram na sua interpretação o modo de se construírem num edifício capaz de as transportar no tempo, constituindose elemento chave e preservando-a do seu esquecimento. Neste aspecto, a condição programática trabalhada a par com os seus futuros utilizadores, bem como o trabalho de novos materiais na sua aplicação e durabilidade, constitui o primeiro mecanismo para que um processo apresente, tanto como equaciona, as suas familiaridades com o passado. Permite tanto a Aussibal, como aos frades da comunidade presente, questionarem-se se “[...] ne la retrouvons-nous pas chez ceux qui ont conçu ces bâtiments et cette église de notre temps?” (Aussibal, op. cit., p. 38) “[...] não encontramos entre aquele que projectou estes edifícios a Igreja dos nossos tempos?” (Tradução nossa) 241 “o sentido antigo”. (Tradução nossa)

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conciliar “modern man with fundamentals drawn from tradition. [...] supposed to intuit the true ‘spirit of the age’ [...]”242 (Curtis, op. cit., p. 223). Não nos parece que a sua obra ignore a memória espacial que lhe é precedente. Pelo contrário, parece-nos reconhecer numa vasta tradição os seus elementos base, bem como uma hierarquia inerente, à sua evolução.243 Se, como refere Curtis, “no other architect grappled so comprehensively with the range of problems confronting the modern epoch”244, só pode querer dizer que os valores espaciais que incorporou tanto nos seus desenhos, como nos seus ideias, tornaram-se matéria visível na definição dos espaços que projecta. (Curtis, op. cit.) E, parece-nos, ser neste sentido que o conflito no percorrer do espaço arquitectónico, com o nosso corpo, se dá, na medida do espectável, do eco que a nova estrutura produz no conhecimento que temos da do passado, repensando-a e repensando-nos. Ajusta, tanto quanto deixa perceber, a evolução de uma sociedade na disposição da sua construção ideal arquitectónica. Para Corbusier apud Curtis (op. cit., p. 223): “To be modern is not a fashion, it is a state. It is necessary to understand history, and he who understands history knows how to find continuity between that which was, that which is, and that which will be.”245 A compreensão assenta por isto, sobre o aspecto da revisão dos recursos e processos que as edificaram no tempo, aptas ao seu conhecimento de hoje. Como arquitectura presente – ou moderna – o convento de La Tourette é-o de facto, na medida em que é passado e presente ao mesmo tempo. Aos nossos olhos e à nossa mente. I have tried to create a place of meditation, study and prayer for the Order of Preachers. […] I imagined the forms, the contacts, the circuits which were necessary so that prayer, liturgy, meditation and study should be at ease in this house. My work is to house men. It was a question of housing friars and trying to give them silence and peace, which is so essential in our life today. The friars… please God in this silence. This monastery of rough concrete is a work of love. It does not show off – it is from the interior that it lives. 246 In the interior the essential takes place. (Corbusier apud Curtis, op. cit., p. 186)

242

“[...] homem moderno com os princípios fundamentais da tradição. [...] tentando intuir o ‘espirito da época’[...]”. (Tradução nossa) 243 Como referiu Walter Gropius, apud Curtis (op. cit., p. 223.) “Le Corbusier created a ‘new scale of values, sufficiently profound to enrich generations to come” mas que partem invariavelmente no modo como correspondem ao lugar, à sua topografia, tonando-se vocabulário intemporal. 244 “nenhum outro arquitecto lutou de modo tão compreensivo ao confrontar a época moderna com a variedade dos problemas emergentes, [...]” (Tradução nossa) 245 “Ser moderno não é uma moda, é um estado. É necessário compreender a história, e quem compreende a história sabe como encontrar continuidade entre o que foi, o que é, e o que virá a ser.” (Tradução nossa) 246 “Estou a tentar criar um lugar de meditação, estudo e oração para a Ordem dos Frades. [...] Imaginei as formas, as comunicações, os circuitos que seriam necessários para que a oração, liturgia, meditação e o estudo estivessem à vontade nesta casa. O meu trabalho é de abrigar homens. É questão de abrigar os

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Ilustração 21 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva a Sul da implantação sobre o declive. (Ilustração nossa, 2015)

Ilustração 22 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva exterior sobre a ala Este. À direita módulo laminado de betão e perspectiva exterior sobre os ondulatoires. (Ilustração nossa, 2015)

frades e tentar dar-lhes silêncio e paz, tão essencial à nossa vida de hoje. Os frades... por favor Deus neste silêncio. Este mosteiro de betão áspero é um trabalho de amor. Não é exibição – é do interior que ele vive. É no interior que o essencial encontra o seu lugar.” (Tradução nossa)

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Ilustração 23 – Convento Sainte-Marie de La Tourette. Perspectiva Este – “masses against the void”. (Ilustração nossa, 2015)

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3.2. TEMPO E LUGAR: “Each design is bound to catch, with the utmost rigour, a precise moment of flittering image in all its shades and the better you can recognize that flittering quality of reality, the clear your design must arise. [...] This is the outcome of a participation in a process of cultural transformation of construction-destruction. But something remains. Pieces are kept here and there, Inside ourselves, perhaps gathered by someone, Leaving marks on spaces and people, 247

Melting in a process of total transformation.”

Álvaro Siza Vieira

CASA ALCINO CARDOSO [1971-73] – ÁLVARO SIZA VIEIRA É numa antiga quinta vinícola do Lugar da Gateira248, nos arredores de Moledo, que se situa a casa Alcino Cardoso. A casa compreendeu ao longo das gerações, a sua recuperação e ampliação. Podiamos enquadrá-la como qualquer outra quinta da região, porém, é nos portões de ferro que reparamos no desvincular do seu registo passado e onde recebe, nos muros de pedra moldada pelo tempo, a sua reconfiguração sob os materiais modernos. A singular eficácia desta arquitectura é vinculada pelo seu protagonismo no tempo e diga-se que, talvez, nenhuma outra arquitectura actual parece tão intensamente 249 250 reflectir sobre a sua época. (Chaves , 1995)

247

“Cada projecto é levado a capturar, com o máximo rigor, um momento preciso do esvoaçar de uma imagem presente em todas as suas sombras e quanto melhor conseguires reconhecer a qualidade desse esvoaçar da realidade, mais claro o projecto deverá surgir. [...] Este é o resultado da participação num processo de transformação cultural de construção-destruição. Mas algo permanece. Fragmentos são mantidos aqui e ali, dentro de nós mesmos, talvez reunidos por alguém, deixando marcas nos espaços e nas pessoas, fundindo-se num processo de transformação total.” (Tradução nossa). Vieira apud Frampton, 2006, p. 20. 248 Lugar da Gateira – Propriedade localizada em Caminha, perto de Moledo, numa encosta poente do Minho Atlântico no norte de Portugal. 249 CHAVES, Mário Alves (1965 – ) arquitecto português. Formado em Arquitectura pela FA/UTL. Coordenador e Docente da cadeira de Projecto II, do 4º Ano, do curso de Arquitectura na FAA/ULL. Tem publicado diversos textos críticos em várias publicações de Arquitectura.

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Compreender a recuperação e ampliação projectada por Siza Vieira, é entender que essa compreensão envolve tanto o tempo da obra quanto o tempo de toda a quinta vinícola, decorrido ao longo da sua própria génese. É entender que o lugar, onde a antiga casa se edificou, confere até hoje todas as suas valências, adaptadas e restruturadas, materializando novos tempos de ser apreendida, novos rumos passíveis de ser vivida. Como refere o próprio arquitecto: “Alguém dizia que as cidades têm uma espécie de “vocação de forma”. [...] Nunca pensei na arquitectura como algo de inteiramente novo, não sou da geração da ‘tábua rasa’; há sempre carga histórica e a atmosfera de onde estamos.” (Vieira, 2010, p. 33, aspas do autor) A abordagem de Siza Vieira estabelece-se na intenção primeira de vincular a imagem rural da quinta vinícola às relações projectuais. Deste modo, a preocupação presente no projecto encontra-se intimamente ligada a uma contínua interpretação das sucessivas alterações no tempo – o tempo de um lugar – a aura das quintas vinícolas, semelhantes na vizinhança. A partir da memória que transporta, e que os seus sentidos ajudaram a hierarquizar, é no lugar que confronta e acerta, com os sentidos do corpo, novas memórias, processos e caminhos para construir. “O arquitecto trabalha manipulando a memória, disso não há dúvida, [...]” (Vieira, 2006, p. 37). Por entre os muros de granito, que configuram toda a região, moldando os seus estreitos caminhos, encontramos a Oeste a primeira entrada da quinta. A segunda entrada encontra-se mais a cima, e mais adiante ainda, por entre muros cada vez mais estreitos, a última entrada redefine uma das suas esquinas. Nesta última, concebida como um portão de ferro preto e deslizante, a entrada dá-se no correr do portão sob a calha metálica, revelando a realidade do espaço que encerra. Aqui, um pequeno largo assinala dois momentos principais da consciência desta propriedade. À esquerda, apercebemo-nos do estreito e peculiar caminho, ajustado por uma pequena calçada junto ao muro Sul que delimita a propriedade e onde o deambular parece ser o único reconhecimento possível dos socalcos que, ao longo do nosso caminho, evidenciam construções. À direita, e sob um pequeno degrau instigado nas pedras que o conferem, percebemos, pelo pavimento que agora se configura em gravilha, uma das entradas da casa, revelada ao fundo do longo muro

250

Nota introdutória. In TRIGUEIROS, Luiz (1995) – Álvaro Siza, 1986 – 1995. Lisboa : Editorial Blau. (Blau Monografias ; 2)

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que corre a Este, desembocando numa pequena porta. Esta, insinua a entrada da antiga construção, agora reconvertida em casa de férias. [1971-73] O itinerário surge animado pelas sombras dos esteios das vinhas, ao longo da quinta. E será, sob as suas sombras e ramos, que a nova ala, construída como ampliação da casa de férias, se insinua, rompendo a vegetação com o seu ângulo obtuso. Projectada a uma cota inferior da casa principal, surge como um socalco que redefine o tortuoso terreno. A geometria parece regular a relação entre terreno e pré-existência numa “intencionalidade normativa” (Barata251, 1997a) e admitindo uma tensão nunca inteiramente resolvida. Para Siza Vieira, a geometria compreende, mais que os ângulos e a complexidade que produz, o processo ordenador entre natureza e espaço construído, e encontra, nas irregularidades do terreno, o pretexto e o fundamento da composição projectada.252 O que é obra do homem não é natural [...] Cada vez mais penso que deve haver uma certa distância entre o que é natural e o que é feito pelo homem. Mas o diálogo entre os dois também é necessário. A arquitectura provém de formas naturais, mas elas por sua vez transformam a natureza. [...] O que conta é o modo como a geometria confronta com os elementos naturais, e como a paisagem é transformada. (Vieira, apud 253 Jodidio , 1999, p. 15)

A nova construção parece querer proporcionar um diálogo tão critico quanto subtil em relação à pré-existência. Numa geometria “acutilante”, (Barata, op. cit.) a nova ala irrompe a antiga casa que lhe é adjacente, tomando a posição de elemento mediador entre pré-existência e a própria geometria que delimita a quinta vinícola. Para Moneo, um projecto como este “[…] establecido por la geometría de los muros parece estar disponible para aceptar nuevos usos, […]” e determina mais que uma condição formal, “[…] la transformación de la condición inerte de los espacios.”254 (Vallés, 2004f, pp. 219-221)

251

BARATA, Paulo Martins (1965 – ) arquitecto português. Formado em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Trabalhou em diversos ateliers na Finlândia, EUA e Portugal, e é desde 1989 sócio do Promontório Arquitectos, em Lisboa. É desde 2003 membro do Parlamento Cultural Europeu. 252 Estabelecer uma ordem sobre o meio natural da paisagem, advém de uma atitude neo-Wrightiniana, como no caso das piscinas em Leça da Palmeira. 253 JODIDIO, Philip (1954 – ) critico de arte americano. Formado em História da arte e Economia pela Universidade de Harvard. Tem várias publicações no tema da Arquitectura Contemporânea. 254 “Um projecto como este, em que o sistema estabelecido pela geometria das paredes parece estar disponível para aceitar novos aplicativos, envolve a transformação da condição inerte dos espaços.” (Tradução nossa)

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Ilustração 24 – Casa Alcino Cardoso. Pré-existente. Secção e planimetria. (Ilustração nossa, 2015)

O muro que suporta a nova ala é construído em alvenaria de pedra seca – numa similitude deliberada com os muros pré-existentes – como uma aparente ruína, onde se apoia a caixilharia de madeira que comporta os seus vãos de guilhotina. Aparentemente arbitrária, a configuração da parede de alvenaria – de base triangular – encontra a sua génese nos limites que definem a quinta. Se a Nascente, configura entre muros a entrada da casa de férias, a Sul, paralela ao muro que delimita a propriedade, confere à vista de quem olha o palco da sua leve caixilharia. Participa na atmosfera projectando-se como um acrescento à paisagem, cujo perfil encontra a sua afinidade nas paisagens vinícolas do Minho, mas difere no revestimento, lacada a preto brilhante, revelando a sua autonomia em relação ao muro que a suporta. Revela-se aos nossos olhos aparentemente descolada do seu suporte, contrastando entre matérias sensíveis à nossa percepção. E a folhagem das árvores, bem como os reflexos dos ramos e os esteios da vinha, vão encontrar na caixilharia envidraçada “o seu efeito exaltante” (Barata, op. cit., p. 143), animando os seus vãos corridos, deturpando os limites entre construção e natureza. Neste efeito “cinestésico” encontramos a recíproca atmosfera do envidraçado.

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lustração 25 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Secção e planimetria. (Ilustração nossa, 2015)

A parede de pedra da casa pré-existente, acutilantemente perfurada, encontra na incisão da nova ala as reentrâncias necessárias de acesso aos quartos, definidas por pequenos degraus de madeira que estabelecem o acesso entre as duas cotas. Sugere-se a “analogia da dobradiça” (Barata, op. cit., p. 140) no encontro de construções, ancorando-se de modo incisivo, num confronto e acerto entre préexistência e a Natureza que a envolve. Recuperada a par com a sua ampliação, a casa pré-existente compreende uma sala de estar e uma cozinha, que dão apoio tipológico aos cinco quartos projectados no interior da nova ala. Sendo construções adjacentes, a primeira recebe, no seu interior, o momento mediador desta trabalhada analogia, utilizando a parede espessa de alvenaria de pedra que confere o seu corpo, como charneira no confronto entre construções. Agora comum, encontra no seu reverso exterior a possibilidade de suavizar e interligar, conectar e revelar a natureza que a envolve, ao encontrar a transparência da caixilharia na cota da nova ala, revelando o tema inerente à recuperação. A “analogia da dobradiça” encontra o seu “eixo hipotético” na construção

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de um biombo255 que se desenha de modo curvilíneo, delimitando o espaço interior da cozinha, evidenciando esta conformidade. (Barata, op. cit., p. 140) Este momento de transição entre construções, encontra, no revestimento a madeira, o seu momento cambiante, numa atmosfera encerrada e telúrica que este confronto inicia. Entre as paredes estucadas dos quartos e a espessa parede de alvenaria de pedra irregular, a luz surge como transitória e encenadora. Atravessando o comprimento dos quartos, destaca-se difusa no corredor que os precede. Esta dimensão, que se qualifica inevitavelmente entre matérias escolhidas e pré-existentes, configura o momento intermediário entre programa e realidades, revelando a sua incrível dependência numa ambiência conjunta. Senti [...] sempre e cada vez mais a necessidade de uma ligação entre interior e o exterior não imediata e total, como o fora nas origens, nas ambições e na prática da arquitectura do movimento moderno. [...] Na travessia entre dentro e fora é sempre necessária uma mediação, uma transição. Temos uma tradição riquíssima, de origem árabe que, [...] torna visíveis os espaços de transição, em que a luz muda até se perder na intimidade do interior. (Vieira, op. cit., p. 45)

Os quartos, projectados a canto deste polígono triangular, partilham desta geometria “acutilante” que, a seu modo, reencontra a Natureza, rompida pela sua presença. Os restantes, definidos a partir do muro de alvenaria, revelam no seu interior a metamorfose “telúrica” intrínseca ao projecto. O muro de alvenaria, que suporta a nova ala, arranca a Poente como parapeito, revelando-se embasamento da leve caixilharia de madeira e termina, no extremo oposto, como fundação do espaço construído. Neste último ponto, define, na sua configuração, um pequeno espaço exterior a um dos quartos, sugerindo a percepção desta metáfora, e garantindo, do mesmo modo, a privacidade do quarto que lhe é adjacente, mantendo a distância necessária à passagem entre o limite da nova ala e o espesso muro que limita a propriedade. A intimidade dos quartos parece sugerir pequenas celas de um mosteiro. Mobilados256 cada um com uma cama singular, uma pequena casa de banho que se apresenta a canto de cada quarto, evocando, num todo, uma serena dimensão, numa simplicidade 255

Biombo – “Tabique móvel geralmente composto de peças articuladas.” (Rodrigues, et. al., 2005, p. 62) Todos os móveis de canto, desenhados por Siza Vieira, conferem ao espaço interior uma atmosfera simples e regularizadora de todo este confronto, apresentando-se como pequenos nichos de apoio e responsáveis na configuração dos seus interiores. Os armários, desenhados de modo curvilíneo, parecem funcionar como “micro-ideogramas de uma correspondência concatenada da mesma metáfora”. (Barata, 1997a, p. 140) 256

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que aparenta querer tirar partido do espaço exterior da quinta e onde parece resumir a tranquilidade necessária à sua contemplação. A caixilharia, construída em riga de madeira que assenta no plinto granítico, transmite a transparência necessária a todo este envolvimento, e revela, agora, no interior do corpo que define, um outro efeito não menos exaltante que o abordado do exterior. As janelas de guilhotina corridas conferem, ao espaço interior, uma sensação de operatividade e assentam sobre uma revisão critica do axioma moderno da cortina de vidro. Podendo abrir-se todas as janelas, os quartos recebem a atmosfera da quinta e funcionam como um pavilhãojardim interior. Estas janelas257 são, como refere Frampton258 (1997, p. 7), “um prazer para olhar: Um discurso sobre fazer e mover, que embora varie de obra para obra, constitui a própria essência do seu estilo.” Em substituição aos apoios de alvenaria, os quartos recebem nos cunhais pilares de madeira259 que, juntamente com as paredes estucadas e os seus tectos de faia, reflectem num modo inquietante a luz que recebem. Seja pelas cortinas ou pela folhagem das árvores, que conduzem e moldam a animação do espaço interior. Os seus reflexos protagonizam uma vivacidade atemporal, numa ambiência que, de todo o modo, se funde numa permuta entre interior e paisagem. A selecção dos materiais, de natureza efémera, evoca a contingência da obra arquitectónica e confere-lhe o seu carácter temporal. Na verdade, é neste dispor entre vecchio e nuovo, que Siza Vieira produz a ideia de tempo – “A (des)proporção entre a leve gaiola de riga de madeira, e a massa granítica do plinto estereotómico que a sustem” (Costa260, 1997, p. 144, parênteses do autor) – alargando-a à intemporalidade da matéria que a comporta.261 257

As janelas de guilhotina, definidas em caixilho de Riga de madeira recebem influência do construtor. Manuel Guardão é um construtor e carpinteiro local, especializado em carpintaria das construções navais em madeira. Muitas vezes elogiado por Siza Vieira, fez a par com o arquitecto algumas obras. 258 FRAMPTON, Kenneth (1930 – ) arquitecto, crítico, historiador e professor de arquitectura americano. Formado em arquitectura pela Escola de Arte de Guildford e pela Architectural Association School of Architecture em Londres. Desenvolveu o termo “regionalismo crítico” vinculado aos termos em que a arquitectura moderna era produzida ignorando o contexto da tradição local. Da sua contribuição teórica, destacamos: “Labour, Work and Architecture” (2002). 259 Esta abordagem como solução construtiva encontra a sua afinidade mnemónica nos pilares utilizados por Alvar Aalto (1898 – 1976) no seu projecto Villa Mairea (1939). Surge como reflexo do processo da memória trabalhada pelo arquitecto, moldando-se na obra presente, reproduzindo as suas impressões numa metodologia trabalhada. 260 COSTA, Alexandre Alves (1939 – ) arquitecto e professor universitário português. Nasceu no Porto. Formado em arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. Após o seu percurso académico estagiou com Nuno Portas. Lecciona desde 1972 nas áreas de Projecto e História da Arquitectura Portuguesa. Como arquitecto colaborou, entre outros, com os Arqts. Álvaro Siza e Sérgio Fernandez. Este último, com o qual trabalha presentemente na colaboração de alguns projectos. 261 “Deste contraste dialéctico entre pesado e leve [...], induz-se uma analogia matéria e tecnológica: A madeira associa-se à forma tensil, enquanto a alvenaria à massa em compressão. [...] Perante [as] condições de mudança e diversidade na cultura da construção, os benefícios de uma reflexão tectónica, assentam na capacidade de articular o presente em termos de um conhecimento operacional; um

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Os materiais que confinam a obra, parecem gerar, a par com a permanência do Homem, a finitude do tempo, “[...] explorando sobretudo a natureza dos materiais, os seus valores texturais, a luz e a cor que acrescenta, [...]” (Vieira de Almeida262 apud Costa, op. cit., p. 14) numa qualidade matérica que, “[...] apesar de fundamental, é contingente e transitória”263 (Costa, op. cit., p. 22), constituindo-se susceptível à sua natural degradação e introduzindo-lhe uma dimensão temporal, num momento que parece “[...] congelar, mantener vivo, el instante en que se gestó.”264 (Vallés, op. cit., p. 220) A esta condição, refere Siza Vieira que não passa da condição natural das coisas e que se, a seu lado, podemos apercebermo-nos das suas continuas alterações, é porque os matérias que comportam toda a obra, tal como nós, encontram-se submetidos ao passar do tempo, moldando-se inadvertidamente. As coisas efémeras não são coisas mortas [...] ficam na memória ou influenciam alguém. A destruição de uma coisa não significa a sua não-existência. Se pensássemos assim, nunca teríamos arquitectura, pois sabemos perfeitamente que será alterada e degradada com o tempo. (Vieira apud Jodidio, op. cit., p. 7)

Nos limites laterais deste polígono, a caixilharia define vãos maiores que asseguram, de modo quase imperceptível, portas de acesso ao exterior. Tanto no quarto a Nascente, onde proporcionam o encontro do pequeno pátio, como no extremo Poente, onde o espaço de transição, por uma das portas que segue a presente caixilharia, sugere, entre as duas realidades construtivas, num confronto entusiasmante entre a casa pré-existente e o envidraçado da caixilharia que corre agora até ao pavimento.

conhecimento que possa reconhecer o uso instrumental da tradição, sem o peso de um projecto histórico e das suas prerrogativas morais e éticas. [...] Se é certo que na era moderna, a tecno-ciência tem crescentemente favorecido a percepção visual, decorre ainda da natureza da nossa constituição física, reagir com os cinco sentidos. Aquilo a que Frampton chama “Metáfora Corpórea”, torna-nos conscientes de que o espaço arquitectónico é a parte de uma experiência sensorial, em que “o corpo reconstrói o mundo através da sua apropriação táctil da realidade”. Desafiando o papel predominante da semiótica nas teorias contemporâneas, nas quais o fenómeno arquitectónico é reconstruído através da significação e referência, a metáfora espacio-corpórea, sugere uma associação com a noção de empatia [...]: o imaginativo, dinâmico, e involuntário projectar do Eu no objecto construído, sem o qual a experiência arquitectónica seria puramente intelectual, ou associativa. [...] Pela sua razão própria, a análise crítica espera encontrar concatenações entre tempo e forma-tipo, [...] Sugere-se aqui uma interpretação critica que possa expor, na essência de construir, o acto poético de revelar e ocultar, de Ontologia e Representação. [...] A tectónica leve é ocasional na obra de Álvaro Siza, [...] na Casa Alcino Cardoso [...] condensa-se [...]” (Barata, 1997b, pp. 38-39, aspas e maiúsculas do autor) 262 Pedro Vieira de Almeida (1933 – 2011) arquitecto, teórico, crítico e historiador de arquitectura português. Formado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (1963). Integrou o atelier de Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas em 1950 tendo participado em vários projectos como Igreja do Sagrado Coração de Jesus, Lisboa (1962). Exerceu arquitectura em Portugal, Cabo Verde e Moçambique. 263 As tradicionais casas japonesas, cconstruídas em madeira, são projectadas de modo a não ultrapassar o tempo de vida do seu construtor. Impõe-se uma reconstrução como lição de construção à próxima geração. Não se eterniza a casa no seu aspecto matérico, mas a tradição construtiva. Cada reconstrução abre espaço a uma revisão das regras construtivas e uma adopção a novos modelos. 264 “[...] congelar, manter vivo, o instante em que se produziu.” (Tradução nossa)

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Neste último, e como menciona Testa265 (1996, p. 37), “new and existing elements are in clear contrast and the project establishes their interpenetration”266. A transição entre novo e antigo, traduz-se numa composição “entre duas diferentes lógicas formais” (Costa, op. cit., p. 22) onde as paredes deformadas “pelos séculos encontram na geometria rigorosa do envidraçado um efeito igualmente exaltante; [...]” (Barata, op. cit., p. 143). A parede de pedra sugere o seu tempo, mas nenhum se eleva ao outro. A relação que estabelecem entre si, traduz uma harmonia impossível e extasiante, “[...] num exercício cinestésico, revelado em perspectivas acutilantes [...]” (idem, loc. cit.). A caixilharia confronta a matéria portante da antiga casa, e a Natureza, o espaço exterior que compreendem, só pode servir de passagem a esta intrínseca realidade. Contrapõem-se realidades que, de algum modo, conferem o tempo mediador entre o que se projecta, “[...] encontra[ndo] o método, procura[ndo] o modelo, a técnica ou a linguagem, encontra[ndo] a forma que em cada caso elucida a leitura do real e estabelece os limites da sua transformação.” (Costa, op. cit., p. 22) Articula-se deliberadamente um permanente diálogo entre construções e manifestações e onde revela a condição premente da casa: a sua habitabilidade; “[...] uma unidade real [...] o espaço interior que responde serenamente a um só modo de usar” (idem, loc. cit.). A nova ala parece enaltecer uma posição no tema da tradição e do moderno. Siza Vieira faz, a par com a nova construção, reviver uma identidade intrínseca ao Lugar da Gateira, permitindo-lhe a evolução e continuidade no tempo, possibilitando estabelecer, entre o aparente conflito entre construções, uma nova praxis, sem que a sua origem se deturpe. A identidade da obra construída torna-se concebível, não apenas pelo equilíbrio das suas formas e processos de construção, mas no restabelecer de uma realidade inerente no encontro entre tradição e moderno. A antiga casa encontra o modo de continuar a existir sem que isso desvincule a sua identidade, pelo contrário, nesta justaposição, encontra a sua razão e a sua consequente continuidade, na habitabilidade que lhe é necessária. Se, com Távora267, Siza Vieira se 265

TESTA, Peter (1940 – ) arquitecto americano. Co-fundador do atelier : Testa & Weiser. Fundador do MIT Emergent Design Group. Anteriormente colaborou com o arquitecto Álvaro Siza Vieira. 266 “Novos e antigos elementos encontram-se num contraste claro e o projecto determina as suas intercomunicações. Uma particular atenção é dada aos pontos de contacto entre os materiais, edifício e paisagem.” (Tradução nossa) 267 TÁVORA, Fernando (1923 – 2005) arquitecto português. Nasceu em Matosinhos, Porto. Diplomado em arquitectura pela Escola de Belas-Artes do Porto (1952) na qual exerceu uma grande influência na afirmação do curso de Arquitectura. Professor catedrático jubilado da FAUP onde teve grande influência, bem como no curso de Arquitectura no DARQ-FCTUC a par com Alexandre Alves Costa, Domingos Tavares e Raul Hestnes Ferreira. Membro da Organização dos Arquitectos Modernos. Da sua obra

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reconhece na arquitectura tradicional, renovando “o vocabulário e as ideias, começando por estudar o meio e as arquitecturas portuguesas” (Távora apud Costa, op. cit., p. 10), com Aalto268, identificar-se-ia “no plano cultural e mesmo da linguagem”, apercebendo-se de um processo de uma “continuidade e alternativa na sua busca da relação tão rica em tensões entre formas orgânicas e articulações geométricas”, mais do que qualquer outro caminho “extremo” (idem, pp. 14-15). Percebemos, como refere Gregotti269 apud Costa, (op. cit., p. 12) que a sua arquitectura, como neste caso, nunca poderia ser “situável no interior de alguma corrente teórica ou estilística, [pois] evita um único procedimento, [recusa-se] a propor modelos e nunca fixa uma linguagem preestabelecida [...]”. Como refere Siza Vieira: A universalidade não é equivalente de neutralidade, não é o esperanto da expressão arquitectural, é a capacidade de criar a partir de raízes. O meu sentido do universal tem mais a ver com a vocação das cidades, nascidas de séculos de intervenções, de cruzamentos, de suposições e da mistura de influências mais opostas, mas mesmo assim criando uma identidade evidente. (Vieira apud Jodidio, op. cit., p. 21)

A importância da recuperação projectada por Siza Vieira, incide no momento de uma nova relação. Vinculado a uma identidade, tornar-se-á a manipulação necessária dos elementos que a formam construtivamente, tentando sempre traduzir a permeabilidade e a insinuação desse momento. É neste encontro de matérias, ligadas ao seu resquício último aparentemente tão distintas que parece aqui, como refere Moneo (op. cit., p. 220), “[…] hablarnos de aquel instante, de aquel momento: la arquitectura hace de esta captura del instante el pretexto para justificar su permanencia”.

lustração 26 – Casa Alcino Cardoso. Entrada da propriedade. Casa de férias. Casa da Eira. (Ilustração nossa, 2015)

arquitectónica destacamos: Casa de Férias, Ofir (1957-58). Do seu contributo teórico salientamos: “Da Organização do Espaço” (1962). 268 Alvar Aalto – (1898 – 1976) arquitecto finlandês. Considerado um dos primeiros e mais influentes arquitectos do movimento moderno da primeira metade do século XX. Formado em Arquitectura no Instituto Politécnico Finlandês em Helsínquia (1921). Fortemente influenciado pela obra de Le Corbusier. Partindo dos princípios modernistas integra a construção local nas suas obras. Membro CIAM. Recebeu a Medalha de Ouro RIBA (1957). Da sua obra destacamos: Biblioteca Municipal de Viipuri (1933-1935). 269 Vittorio Gregotti (1927 – ) arquitecto italiano. Formado em arquitectura no Politecnico di Milano. É um dos mais importantes teóricos da Arquitectura e da Cidade. Editor da publicação “Casabella” (1953-1955). Tem o seu atelier próprio de nome: Gregotti Associati, fundado em 1974. Leccionou nas Faculdades de Arquitectura de Milão, Tóquio, Lausanne, Harvard, entre outras. Da sua obra arquitectónica destacamos: Centro Cultural de Belém, Lisboa (1988-1993) realizado em coautoria com o Arqt. Manuel Salgado.

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Ilustração 27 – Casa Alcino Cardoso. Perspectiva sobre a Nova Ala. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 28 – Casa Alcino Cardoso. Transição entre a Casa pré-existente e a Nova Ala. Transição a Poente (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 29 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Perspectivas sobre os quartos a Sul. Em cima caixilharia. (Ilustração nossa, 2015)

Ilustração 30 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Perspectiva interior sobre o quarto a Sudoeste. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 31 – Casa Alcino Cardoso. Nova ala. Transição entre o envidraçado e a parede de pedra pré-existente. Perspectiva exterior e interior. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 32 – Casa Alcino Cardoso. Caixilharia. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 33 – Casa Alcino Cardoso. Pátio de transição entre casa pré-existente e apartamento autónomo. (Ilustração nossa, 2015)

A casa principal assegura, deste modo, um eixo tipológico entre construções na sua comunicação. Se de um lado, recebe a configuração da nova ala, do outro, participa da pré-existência com uma outra pequena construção que lhe é familiar. No seu percurso, separam-se por um pequeno espaço exterior, estabelecido pelo muro que comporta as duas casas rurais formando, no seu conjunto, um pequeno pátio. Esta pequena construção, que compreende o projecto de recuperação, é concebida como um apartamento autónomo. Em dois andares, comporta duas salas e dois quartos. Mantendo a configuração inicial, a comunicação entre pisos estabelece-se por uma escada projectada em madeira. No piso térreo, uma pequena sala de biblioteca, encerra no seu interior uma atmosfera inquietante. A escassa luz, difusa, passa pela pequena janela e única porta, para se desvanecer a seguir na escura madeira que envolve toda a sala. No piso superior, tanto os dois quartos como a pequena e interior casa de banho, revestidos de placas de madeira escura, contrastam por sua vez na luz que passa os pequenos vãos, sem força para correr todo o espaço. Fazendo parte deste eixo tipológico, o acesso pelo pátio à casa principal constitui-se inevitável e requalifica-se na sua praxis.270

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Este sistema de configuração espacial vai encontrar reminiscências nas construções tradicionais japonesas e árabes.

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Ilustração 34 – Casa Alcino Cardoso. Planimetria. Conjunto casa de férias. (Ilustração nossa, 2015)

Tanto na recuperação dos elementos construtivos, que comportam as pré-existências, como nos caminhos e pavimentos que, delimitados por pedras locais, conferem passagem entre construção e natureza, o projecto encontra, ao longo dos caminhos da quinta, a abordagem que Siza Vieira confere à requalificação da propriedade, num exercício de uma quase “prospecção arqueológica” revelada “[n]um pathos aparentemente arcaico” mas que é deliberado e “selectivamente manipulado pelos arquitecto” (Barata, op. cit., p. 140, itálico do autor). Esta é uma abordagem que manipula diversos tempos que não só o do arquitecto que constrói. O arquitecto constitui-se um necessário “hermeneuta”271 ao reinterpretar os valores necessários à permanência das construções pré-existentes, num intuito de “reduzir o novo ao mínimo”272, que tem por base, e tema, a requalificação da quinta vinícola. Esta condição de intérprete é, como menciona Alves Costa (op. cit., p. 32), mais que uma modéstia, uma condição adquirida pelo “carácter e cultura” do próprio arquitecto, e que consiste no “resultado da sua incrível vocação interventora e transformadora” qualificando-o em qualquer realidade, procurando a identificação com novas e mais profundas razões da tradição. Para Siza Vieira (1997, p. 32) esta tradição é “feita de excertos sucessivos. Sou conservador e tradicionalista, isto é: movo-me entre conflitos, compromissos, mestiçagem, transformação.” É, de todo o modo, um ponto chave na compreensão atemporal da obra, assentando por isso numa “[...] revisão crítica, sempre problemática, entre modernidade e tradição” (Barata, op. cit., p. 140), numa “[...] tranquila, e no entanto complexa construção lógica [...]”.

271

Hermeneuta – “[...] o conjunto dos conhecimentos e das técnicas que permitem fazer falar os signos e descobrir o seu sentido; [...]”. (Foucault, 1988, p. 85) 272 Álvaro Siza 1954-1988. In a+u: 1989, Jun., extra edition, p. 35.

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Ilustração 35 – Casa Alcino Cardoso. Apartamento autónomo. Perspectiva Interior. (Ilustração nossa, 2015)

Ao longo de toda a quinta não existe uma configuração una, fragmentos de pedras e canteiros desnivelados evocam uma realidade impossível de estratificar. Parece existir uma lei natural intrínseca sob a qual a arquitectura se estabelece apenas no encontro da habitabilidade sobre a Natureza; nas permutas que um e outro encontram, e aos quais se vinculam para existir. É como refere Costa (op. cit., p. 18), uma relação que o próprio arquitecto vai estabelecendo “[...] na contingência óbvia do programa e da diversidade dos lugares, mas sujeita, antes de mais, à evolução do seu próprio posicionamento perante a realidade em transformação.” (idem, loc. cit.) A propriedade da casa Alcino Cardoso extender-se-ia, posteriormente, a Oeste e encontra, numa parcela adjacente aos limites da sua propriedade, três casas préexistentes recuperadas pelo arquitecto. [1988-91] Com base na sua configuração inicial, mantém a planta que as define, características das típicas casas serranas273. Como refere Costa (op. cit., p. 12), o arquitecto compreende, na produção do seu trabalho, e ao longo do tempo, superada “[...] a fase da arquitectura em que se pensava que a unidade da linguagem resolvia alguma coisa e reconhece a complexidade da cidade constituída por fragmentos que se adicionam ou sobrepõem”. A sua metódica busca de uma razão que não reprima nenhum dos elementos que o constituem e de incorporar a realidade, [ordena-os] para que coexistam. [...], depois de no sítio acentuar os elementos [...] e de incorporar no projecto, por um processo de colagem, [...] edifícios pré-existentes que recupera, [...] afirmando a contemporaneidade com convicção, [...] novos ritmos e [...] novas funções, [resolvendo] a descontinuidade com o passado, projectando-o no presente. (idem, p. 22) 273

“[...] compostas de dois pisos de planta quadrada ou rectangular, contém no rés-do-chão a corte do gado e no andar sobrado, que é acessível por uma escada de pedra, uma ou duas divisões (cozinha com lareira e quarto). O telhado é de duas ou quatro águas e pode ser coberto com telha caleira, placas de xisto, lousa ou colmo segundo a sua situação geográfica. Como na casa Minhota, apenas aparece, quando é o caso, uma chaminé rudimentar. Os materiais de construção utilizados são o granito, que raramente é aparelhado, e o xisto utilizado sem argamassa ou reboco. O xisto, que se apresenta sob a forma de pequenas lajes, implica que as ombreiras, padieiras e aventais sejam de madeira ou granito, assim como os cunhais que geralmente são formados por grandes blocos de granito.” (Moutinho, 1979, pp. 42-43)

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Estas casas compreendem, nos seus espaços intersticiais, a irregularidade do terreno e atribuem a sua habitabilidade a cotas distintas. No seu conjunto formam um pátio, espaço de entrada do primeiro portão que encerra os muros da propriedade. Na sua entrada, a atmosfera criada pelos esteios, conferem a este lugar uma entrada primordial, numa escala que, mais que acolhedora, se sente efémera e contingente. Reconvertidas em Turismo Rural, compreendem cada uma pequenos apartamentos274, onde a estadia para os mais curiosos pode ser alargada. Em contraste com as suas sólidas paredes de pedra local, o interior de paredes estucadas conferem a regularização da estrutura e definem o seu habitar. Pequenos vãos são mantidos, dando acesso, a cada passo, para um lugar exterior diferente, assegurando a independência das divisões e autonomia entre interior/exterior. As paredes estruturais são mantidas e evocam vários tempos do mesmo habitar. A tortuosa paisagem minhota encontra o seu eco nos cautelosos detalhes que aparentam irregularidades equilibradas pelo arquitecto. A comunicação entre pisos, por degraus desenhados em madeira – como matéria de transição – numa geometria precisa, iniciam e terminam materialidades. Na cota superior, o encontro da madeira com o pavimento da sala rompe-se num desenho onde ressalta a laje de granito estrutural. Os vãos definem-se em caixilhos de madeira característicos da sua pré-existência e definem, em conjunto com as pedras de assento – as namoradeiras que nas laterais das janelas são deixadas à vista – a reminiscência das antigas construções. Como menciona Fleck (1995), “He has in mind both the reality of traditional architecture, represented at its purest in the high north of Portugal […] It exists, and there are reasons why it exists.”275 O contraste entre exterior e interior deixa, assim, escapar pequenos momentos que conferem, à totalidade do espaço, a sua ordem de ser. Os alpendres e espaços de estar exteriores sugerem a contemplação da quinta. Os materiais que definem as construções dão lugar à natureza e à sua praxis que correlaciona toda a sua atmosfera, numa realidade intrínseca a toda esta génese.

274

As três Casas, reconvertidas em Turismo Rural, representam o complexo da Casa da Eira. “Ele tem em mente ambas as realidades da arquitectura tradicional, puramente representadas no alto norte de Portugal [...] Existe, e há razões para que exista. (Tradução nossa) 275

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Ilustração 36 – Casa Alcino Cardoso. Esquisso da atmosfera do alpendre. (Ilustração nossa, 2015)

A Este encontramos as pequenas escadas de pedra talhada que nos levam à cota da casa seguinte. E a Oeste, um vão que deliberadamente recorta as pedras do muro revela um pátio de laranjeiras e define um eixo longitudinal a toda a propriedade. Este eixo, que corre do vão do campo das laranjeiras aos pequenos degraus que conferem mais um patamar de uma das casas, e que segue num longo muro até ao extremo oposto da propriedade, irá encontrar o seu término na casa de férias e no espesso muro de pedra que suporta a nova ala. Talvez este seja um dos eixos mais exaltantes de toda a propriedade. Se na nova ala, o encontro com a casa pré-existente se dá numa analogia da “dobradiça” onde podemos apercebermo-nos dos seus elementos hipotéticos e essenciais ao seu movimento – ligando materiais existentes e recentes, bem como as reentrâncias que os permutam – neste eixo longitudinal, que tende a encontrar o caminho da nova ala, apercebemo-nos do seu romper-se, numa comunicação com a Natureza. “A convicção de não ser artífice de uma solução definitiva dá às obras de Siza o carácter de mais um estrato nos sucessivos sedimentos da cidade.” (Costa, op. cit., p. 30) É, como refere Siza Vieira (op. cit., p. 30), uma necessidade de estabelecer o projecto “[...] entre fragmentos novos e velhos que nunca se complementam, que nunca serão redutíveis e uma unidade, mas que existem como realidades paralelas.”

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Ilustração 37 – Casa Alcino Cardoso. Esquissos de entendimento sobre pormenores interiores. (Ilustração nossa, 2015)

No final deste pequeno muro, onde posteriormente se encontra com o terreno até desaparecer, novos degraus de pedra são talhados e dão ao espaço do nosso corpo o plinto em que a nossa atenção parece recuperar o espesso muro que o continua mais adiante. E se um é mais regular que o outro, se no muro da nova ala, que confere agora desta nossa vista, um enorme parapeito, onde as pedras que o iniciam se demonstram irregularmente concebidas, só pode querer dizer que a regularidade é temporal e contingente, e que aqui, a Natureza, como charneira desta ligação, define e redefine os seus princípios e manifestações. Para o arquitecto, “[...] a arquitectura não termina em ponto algum, vai do objecto ao espaço e, por consequência, à relação entre os espaços, até ao encontro com a natureza.” (Vieira, 2006, p. 31) Neste momento encontramos a conotação das palavras que Siza Vieira profere, e que citadas por nós no início da presente abordagem, comportam o nosso estudo. Como o resultado de uma participação sempre contingente e transitória, onde “fragmentos [...] mantidos aqui e ali [...], talvez reunidos por alguém, deixando marcas nos espaços e nas pessoas, fundindo-se num processo de transformação total.”

Ilustração 38 – Casa Alcino Cardoso. Eixo longitudinal da propriedade. (Ilustração nossa, 2015)

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lustração 39 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva Este sobre o muro que corre longitudinal à propriedade. (Ilustração nossa, 2015)

Ilustração 40 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva Oeste sobre o muro longitudinal. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 41 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. (Ilustração nossa, 2015)

Ilustração 42 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Perspectiva interior sobre um das salas e ligação entre pisos. Em baixo, pormenor sobre o remate da estrutura de madeira com alvenaria pré-existente. (Ilustração nossa, 2015)

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A regularidade tortuosa da quinta manifesta-se nas suas layers espaciais, como refere Frampton (2006, p. 19), “Here the spatial layering assumes a temporal dimension so that both building and enclosure are articulated in such a way as to express the passage of time.”276 numa revelação de espaços que, em confronto, se acertam numa deformabilidade natural que enriquece o propósito do projecto. Valorizam-se mutuamente – aparente conflito e harmonia. E a piscina [1988-91] irá encontrar no seu desenho a génese de toda esta abordagem, “numa síntese impossível” de todo o projecto. Projectada num socalco inferior à nova ala, surge como um tanque de água, como refere o próprio arquitecto, numa ruína inventada “a partir del record de moltes coses pertanyents tant al paisatge del Minho com a d'altres paisatges.”277 (Vieira, 1983, p. 52) Aparentemente arcaica, as pedras que a definem sobre o seu limite irregular, são desenhadas numa estereotomia precisa, formando o seu espaço aquoso. À entrada, quatro blocos irregulares de granito conferem um pórtico, sob pequenos degraus, numa extasiante dimensão telúrica. A sua construção parece preceder a natureza e encontrar nesta última o seu registo e caminho construtivo, como um “monumento à essência perene da arquitectura que, como no princípio, não é mais do que a marca de posse da terra e de respeito pelos elementos da natureza.” Alves Costa (op. cit., p. 22) E será, sobre a sua esquina obtusa a Sul, que reestabelecemos a visão da quinta, parecendo contê-la nos seu ângulo, confinando o seu limite, concedendo-se como palco mental, tentando “[...] mantenir relació amb tot allò circumdant, nou i antic, com si fos un intermediari o una síntesi impossible.”278 (Vieira, op. cit., p. 52) The implications of adopting such a critical stance ought to be self-evident, namely, to represent the moment in time in which a work is realized and at the same time to link this instant with the past, thus fusing both into a process of continual transformation 279 that, while momentarily arrested, waits in its turn to be transformed. (Frampton, op. cit., p. 20)

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“Aqui as camadas espaciais assumem uma dimensão temporal de modo a que tanto o desenvolvimento e invólucro são articulados de modo a expressar a passagem do tempo”. (Tradução nossa) 277 “[...] a partir da memória de tantas coisas que pertencem à paisagem do Minho e outras paisagens.” (Tradução nossa) 278 “[...] manter, sob uma qualquer relação, tudo o que a rodeia, novos e antigos, como um intermediário ou uma síntese impossível.” (Tradução nossa) 279 “As implicações da adopção de uma postura tão crítica deve ser auto-evidente, ou seja, para representar o momento no tempo em que o trabalho é realizado e, ao mesmo tempo para conectar-se nesse instante com o passado, assim fundindo tanto num processo de contínua transformação que, enquanto momentaneamente detido, espera pela sua vez de ser transformado.” (Tradução nossa)

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Ilustração 43 – Casa Alcino Cardoso. Complexo Turismo Rural. Pormenor do vão sobre o muro. Autoria do arquitecto. (Ilustração nossa, 2015)

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Ilustração 44 – Casa Alcino Cardoso. Perspectiva sobre o conjunto da casa de férias. (Fleck, 2001, p. 34)

Na questão que Peter Testa coloca, ao tentar associar a arquitectura de Siza com o regionalismo crítico280 de Frampton, inquirindo se aquela: “deriva de ideias e fontes locais ou, de outra forma, deriva de fontes universais inflectidas por condições locais”, Alves Costa (op. cit., p. 20) refere que já Siza terá respondido à questão, nas suas obras, “no seu entendimento da arquitectura como processo de transformação de modelos e contextos preexistentes”, como irrelevância da alternativa. Não é possível deixar de pensar num compromisso natural, depois consciente e erudito, com a tradição da arquitectura portuguesa marcada pela condição do cruzamento de culturas; não sendo inovadora, no sentido da ruptura, a sua inércia não impede, antes favorece, uma leitura transformadora face a modelos e sistemas importados; é na forma como os interpreta e os adapta à realidade que encontraremos a sua especificidade. (idem, loc. cit.)

Poder-se-á dizer que a casa Alcino Cardoso, ampliada e recuperada por Siza Vieira, constitui um dos grandes exemplos da modernidade actual, onde se equilibram momentaneamente vários tempos numa concepção arquitectónica que privilegia o seu reconhecimento. E que resiste, no entanto, “[...] a um exercício de hedonístico avantguard“281, (idem, loc. cit.) pois encontra na finitude da obra o seu arranque; os instrumentos mnemónicos para a sua identidade. Esta simultaneidade de intenções que se unificam na globalidade da obra, permitem uma leitura de cada momento arquitectónico; de cada singularidade enquanto origem, numa distinção clara das suas antinomias. Sendo a sua acção, não como um acto isolado da obra mas, como o próprio afirma: “[...] uma resposta a um problema concreto, a uma situação em transformação na qual participo sem fixar uma linguagem, porque é simplesmente uma participação num movimento de transformação com implicações mais vastas... tudo sendo transitório.” (Vieira, apud Costa, op. cit., p. 22) 280

Regionalismo Crítico – corrente arquitectónica que defende através da utilização das forças do contexto, visa enriquecer a significação da arquitectura em relação ao movimento moderno. O termo foi introduzido por Alexander Tzonis e Liane Lefaivre e posteriormente por Kenneth Frampton. É uma manifestação local que tenta assimilar e reinterpretar o recente processo iniciado pelo movimento moderno, considerando a independência cultural, económica e política local. (Frampton, 2007, p. 314) 281 Expressão francesa. Diz-se do experimental ou inovador, particularmente no que diz respeito à arte, cultura e política.

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Ilustração 45 – Casa Alcino Cardoso. Piscina. Perspectiva a Sul da esquina obtusa, pórtico e envidraçado. (Ilustração nossa, 2015)

Não poderíamos compreender o projecto isolados da sua anterioridade. A arquitectura parece encontrar aqui a sua posição numa transição entre antigo e novo modo de habitar e irá encontrar, no tempo, a sua especificidade. Como menciona Costa (op. cit., p. 7), “[Siza] tendo intuído sobre a instabilidade e descontinuidade das muitas realidades, as soube incorporar nos seus edifícios que, assim, e para além das suas funções primeiras, se converteram em testemunhas silenciosas sobre os numerosos sinais que, precisamente, denunciam o fluir do tempo e, também, o tempo próprio a cada lugar." A quinta exalta tanto a construção como as árvores reflectem e animam toda a sua configuração. E se a nova arquitectura encontra a sua estabilidade é porque o lugar lhe indica o seu modo de ser, resumida na sua dimensão espacial bem como na alma que lhes é interior. Nenhuma das realidades habita isoladamente, conhecem-se e permutam constantemente na intemporalidade da obra. [...] a intersecção de três linhas, [...] formam essa coisa: uma quantidade de matéria, o modo como interpretamos, e o ambiente em que está. [...] a própria cor que lhe foi dada, o desbotamento dessa cor, as nódoas e partidos que tem – tudo isso, repare-se, lhe veio de fora, e é isso que, mais que a sua essência [...], lhe dá a alma. (Pessoa, op. cit., p. 82)

Ilustração 45 – Casa Alcino Cardoso. Piscina. Perspectiva a Sul da esquina obtusa, pórtico e envidraçado. (Ilustração nossa, 2015)

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3.3. TEMPO E MATÉRIA: MUSEU DE ARTE ROMANO [1980-85] – JOSÉ RAFAEL MONEO È il requisito di appartenenza alla genealogia di cui si diceva: non assumere come scopo primo dell’architettura l'espressione di un linguaggio individuale, autoreferenziale e riconoscibile, ma costruire l'architettura sulla base di un metodo che, applicato a specifiche occasioni, differenti per circostanza, produce edifici di volta in volta 282 283 differenti. (Leoni , n.d., p. 60)

No seu encontro, cidade e atmosfera, o edifício materializa-se aos nossos olhos e sentidos, ecoando um passado dotado de história e permanência que evoca a aura da antiguidade romana. Como refere o próprio arquitecto (Vallés, 2004b, p. 614) : “Esperaba que el mundo romano se hiciese otra vez vivo en Mérida, una ciudad romana que casi había perdido su memoria”.284 Sobre esta conjuntura, Moneo idealiza e realiza, reinterpretando os valores intrínsecos de uma cultura, o projecto para o Museu, pretendendo formar um todo entre o teatro285 e o anfiteatro286, a casa del anfiteatro287 e as ruínas das casas por escavar. Es allí – en el lugar – donde […] un edificio […], adquiere su identidad. […] la necesaria dimensión de su condición única, irrepetible; donde la especificidad de la arquitectura se hace visible y puede ser comprendida, presentada, como su más valioso atributo. […] permite establecer la debida distancia entre el objeto que producimos y nosotros mismos. […] para ver en él nuestras ideas, nuestros deseos, nuestros conocimientos… y así la arquitectura – como muchas otras actividades humanas – nos muestra la posibilidad de la ansiada transcendencia. […] como origen […], como soporte en el que 288 la arquitectura reposa. […] se engendra en él […]. (Vallés, 2004d, p. 638)

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“É a exigência de pertencer à genealogia do que foi dito: não tomar como primeiro objectivo da expressão arquitectónica uma linguagem individual, auto-referencial e reconhecível, mas a construção da arquitectura com base num método que, quando aplicado a ocasiões específicas, para diferentes circunstâncias, produz diferentes edifícios de tempos em tempos.” (Tradução nossa) 283 LEONI, Giovanni (1958 – ) historiador de Arquitectura italiano. Doutorado em História da Arquitectura pela IUAV de Veneza em 1989. Lecciona História de Arte na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Bolonha. Da sua contribuição teórica destacamos “J. Ruskin, Turner e os Pré-Rafaelitas” (1992). 284 “Esperava que o mundo romano se sentisse novamente vivo em Mérida, uma cidade romana que quase tinha perdido a sua memória”. (Tradução nossa) 285 Teatro Romano – Mérida. Localizado na Plaza Margarita Xirgu. Mandado construir pelo cônsul Marco Vipsânio Agripa e inaugurado, possivelmente, entre os anos 16-15 a.C. 286 Anfiteatro – Mérida. Antigo anfiteatro romano. Inaugurado no ano 8 a.C. Tem uma forma oval e uma capacidade para 14 000 pessoas. Destinado a lutas entre gladiadores e a corridas. 287 Casa del anfiteatro – Mérida. Situada junto ao anfiteatro, Forma parte do conjunto arqueológico de Mérida, declarado Património Mundial pela UNESCO. 288 “É ali – no lugar – onde [...] um edifício, adquire a sua identidade. [...] a necessária dimensão da sua condição única, irrepetível: onde a especificidade da arquitectura se mostra visível e pode ser compreendida, apresentada, como o seu mais valioso atributo. [...] permite estabelecer a devida distância entre o objecto que construímos e nós mesmos. [...] para ver nele as nossas ideias, os nossos desejos, os nossos conhecimentos... e assim a arquitectura – como muitas outras práticas humanas – mostra-nos a possibilidade da ansiada transcendência. [...] como origem [...], como suporte onde a arquitectura repousa. [...] se articula nele. (Tradução nossa)

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Ilustração 46 – Museu de Arte Romano. Conjunto arqueológico. Em cima, museu antes e durante a construção, Hisao, Suzuki, (Márquez Cecilia, et. al., 2004, p. 156.) Em baixo, baixo relevo5 a bronze da autoria de Francisco López. (Ilustração nossa, 2013)

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Edificado sobre o antigo “solar das torres”289, conhecido pelos seus vestígios arqueológicos, o projecto permitirá reunir ruínas e museu num conjunto particular e privilegiado. No conjunto de ruínas locais, encontram-se fragmentos de uma zona suburbana romana considerada “extramuros” à cidade de Mérida290. Este conjunto compreende ruínas de um domus291, uma necrópolis292, fragmentos de uma calçada romana293 – pela qual se acedia a esta localidade – e um tramo da condução hidráulica relativa ao aqueduto de São Lazaro294. Dos princípios de projecto, propunha-se manter o conjunto de ruínas, apresentado in situ e a comunicação entre o Museu e o recinto do conjunto do teatro e anfiteatro. Será sobre estas premissas, que o projecto encontrará os seus pontos de fundação para, a partir daí, se edificar. A alusão ao passado que o museu revela ao edificar-se, não poderia ser mais sóbria que a própria cidade. Nas palavras de Frampton (2007, p. 337) “[...] its hard to imagine a more contextual work, [...]”.295 A experiência que podemos ter deste espaço arquitectónico, surge intimamente ligada às presenças históricas que a cidade compreende e que, como refere Moneo (2004d, p. 638), misturam-se na obra construída, surgindo como consequência dos símbolos que o próprio lugar contem, “lo más profundo de su ser, se convierten en algo íntimamente ligados a ella”.296 289

Solar das torres – antiga zona de vestígios arqueológicos, situada num terreno em frente ao conjunto monumental do teatro e anfiteatro romanos de Mérida. 290 Mérida – Localização espanhola. Antiga colónia Augusta Emérita fundada em 25 a. C. Tem sido alvo de grande atenção por parte dos historiadores desde o interesse despertado pelo estudo do Renascimento por englobar inesgotáveis vestígios do seu glorioso passado romano. O seu conjunto arqueológico está classificado como Património da Humanidade da UNESCO. Do seu legado romano evidenciamos: Anfiteatro; Aqueduto dos Milagros e Aqueduto de San Lázaro; Arco de Trajano; Columbarios; Pontes sobre os rios Guadiana e Albarregas; Teatro romano; Templo de Diana; etc. 291 Domus – era considerada a residência de carácter urbano da nobreza na Roma Antiga. Construída sobre um plano horizontal, por vezes construídas com um segundo piso, alugado posteriormente a comerciantes e artesãos. Construídas à volta de um pátio, a entrada da domus era conduzida por um vestíbulo abrindo-se para o átrio. 292 Necrópolis – do português necrópole: “Local de enterramentos ou conjunto de sepulturas dos povos da Antiguidade”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 196) 293 De acesso ao bairro, no período romano, ligava a outros tantos pontos da cidade. 294 Aqueduto de São Lazaro – de nome Acueducto de Rabo de Buey-San Lázaro foi edificado na antiga cidade Augusta Emerita Romana no período entre o século I a.C. e a segunda metade do século III. Servia para abastecer a cidade Emeritense desde o lago artificial Proserpina. “Todas las conducciones seguían las curvas de nivel de las zonas que atravesaban hasta llegar a Mérida. Una vez en ella, se distribuía el agua, desde los Castellum Aque o torres del agua, hasta los más diversos puntos del núcleo urbano, mediante una complicada red de canales. […] Esta canalización se surte de las aguas de varios arroyos y manantiales – Valhondo y Casa Herrera - del N y NE de la ciudad. En sus primeros tramos, las conducciones son galerías, con bóvedas de medio punto. Para su limpieza y conservación están dotadas de una serie de registros por los que se accede a su interior. Para salvar la depresión del río Albarregas y sustentar el canal se levantó una potente arquería en la que se combina el ladrillo con el granito. De esta obra sólo se conservan tres pilares y sus arcos intermedios. A esta misma conducción pertenecen los restos descubiertos en la Casa del Anfiteatro, en cuyo recinto se pueden ver una gárgola con cabeza de león por donde salía el agua y un depósito de distribución.” (Barroso, 2011, pp. 34-35) 295 “[...] é difícil imaginar um trabalho mais contextualizado, [...]”. (Tradução nossa) 296 “[...] o mais profundo do seu ser, convertem-se em algo inteiramente ligados a ela.” (Tradução nossa)

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Ilustração 47 – Museu de Arte Romano. Perspectiva exterior sobre os contrafortes. Fachada Sul. (ilustração nossa, 2013)

Inutilmente, [...], tentarei descrever-te a cidade [...] Poderia dizer-te de quantos degraus são as ruas em escadinhas, como são as aberturas dos arcos dos pórticos, de quantas lâminas de zinco são cobertos os telhados; mas já sei que seria o mesmo que não te dizer nada. Não é disto que é feita a cidade, mas sim das relações entre as medidas do seu espaço e os acontecimentos do seu passado [...] é desta onda que reflui das recordações que a cidade se embebe como uma esponja e se dilata. Uma descrição [...] tal como é hoje deveria conter todo o passado [...] Mas a cidade não conta o seu passado, contém-no como as linhas da mão, escrito nas esquinas das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, [...] , cada segmento marcado por sua vez de 297 298 arranhões, riscos, cortes e entalhes. (Calvino , 2006, p. 14)

Por uma das várias ruas que se afastam do centro e dão lugar a outros pequenos lugares, o Museu ergue as suas paredes de tijolo, na sucessão dos edifícios que se interligam, surgindo em continuidade, revelando os seus contrafortes que desenham a 297

Neste texto, Marco Polo, descreve, deste modo, a cidade de Zaira ao “magnânimo” Kublai. CALVINO, Italo (1923 – 1985) escritor e jornalista italiano. Nasceu em Cuba. Considerado um dos mais influentes escritores do século XX. Vencedor de vários prémios, como: Prémio Saint-Vicent (1952); Prémio Bagutta (1959); Prémio Feltrinelli, com “As Cidades Invisíveis” (1972); entre outros. Da sua obra literária destacamos: “Le cosmicomiche” (1925); “Il Castello dei destini Incrociati” (1969). 298

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fachada do edifício, numa reminiscência das antigas fabricas romanas.299 Esta analogia é trabalhada por Moneo como reconhecimento da construção de um programa. Para o arquitecto, qualquer edifício construído precisa de conter uma imagem geral de uma ideia bem definida, capaz de controlar as generalidades e particularidades que o programa encontra no modo de responder aos critérios exigidos. No museu de Mérida a ideia surge como matéria essencial à sua construção e encontra, nestas fábricas antigas, o modo de protagonizar a atmosfera central.300 Os contrafortes, iniciam a ruptura de um movimento contínuo, pautando o nosso passo diante dos volumes verticais de tijolo. Pelos seus intervalos, o museu aproxima a sua escala dos nossos olhos e o seu detalhe à nossa memória, revelando-se ladeado pela matéria que identifica aquele corpo no tempo. Como refere Quetglas (2004, p. 536), “No hay enfrentamiento al tiempo, ni huida. Para preservar la forma, él no trata de apartarla del tiempo, sino de incorporar el tiempo en su interior, adoptándolo como material constitutivo de la propia obra.”301 O edifício constrói-se incorporando o contexto como início programático, edificando-se sobre as ruínas da antiga muralha romana, interpretando a sua presença como material construtivo de um programa “– pensar el Museo desde el soporte –”302 (Solá-Morales303, 2004, p. 186) e propondo, deste modo, a sua origem de ser. O museu encontra, no desenho das ruínas, o modo de se articular, definindo, sob um processo de repetidos muros, tanto a sua fundação304, como o seu limite exterior. 299

“[...] uno de los princípios en que se fundo la arquitectura romana [...]” (Marquéz Cecilia, et., al., 2004, p. 154) 300 “This guiding image seems to correspond to some ideal of civic assembly in Moneo’s mind. It is also a partial key to one of those ‘invariant’ substructures in Spanish tradition, since buildings as far apart in time and in use as the Mezquita in Cordoba, and the Gothic ‘atarazanas’ in Barcelona, recall the same basics scheme. […] Moreover, the grid or the parallel slots, suggest a uniform field and perimeter which do not respond easily to variable site conditions. (Curtis, 2004, p. 558) “Esta imagem reguladora parece corresponder-se, na mente de Moneo, com um ideal de espaço público. É também uma das chaves para entender algumas destas subestruturas ‘invariantes’ da tradição espanhola, pois edifícios tão ligeiros no tempo e no uso como a Mesquita de Córdoba e as Atarazanas de Barcelona recordam o mesmo esquema básico. [...] Contudo, a quadrícula ou as franjas paralelas sugerem um campo e um perímetro uniformes que não se misturam facilmente com as condições variáveis do lugar.” (Tradução nossa) 301 “[...] Há uma proposta distinta. Não existe um confronto ao tempo, nem uma fuga. Para preservar a forma, nenhum momento temporal é afastado, incorpora antes, o tempo no seu interior, adoptando-o como material constitutivo da própria obra.” (Tradução nossa) 302 “Pensar o museu desde o seu suporte.” (Tradução nossa) 303 SOLÁ-MORALES, Ignasi de (1942 – 2001) arquitecto, historiador e filósofo catalão. Professor de Composição na Escola de Arquitectura de Barcelona. Da sua contribuição teórica destacamos: “L’arquitectura del expressionismo” (1976); “Gaudí” (1983); “Diferencias: topografia de l’arquitectura contemporánea” (1996). Da sua obra arquitectónica destacamos a reconstrução do Pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe e a reconstrução e ampliação do Teatro Liceu de Barcelona. 304 “En efecto, la lengua inglesa establece el paralelismo entre foundation entendido como inicio, comienzo, y foundation entendido como el soporte estructural, el cimiento con el que el proceso de toda construcción arquitectónica arranca.” (Moneo, 2004d, p. 634)

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Ilustração 48 – Museu de Arte Romano. Analogia entre fachada do museu e tardoz do anfiteatro romano. (Ilustração nossa, 2013)

Os trabalhos arqueológicos contribuíram para desníveis entre as ruas Norte e Sul que delimitam a sua implantação. De um modo positivo, influencia o acerto dos contrafortes na definição de uma fachada. Estes, encontram no seu desnível, a luz que rege o interior do corpo edificado, e conduzindo-a de modo rasante até ao fundo do seu espaço interior. Para Moneo, este sistema de muros é interpretado como modelo construtivo espacial. E encontra nos seus términos os necessários acertos e a sua consequente metamorfose. Como refere o Curtis (2004, p. 558) : “the type […] requires transformation to react to place and social meaning. Some of this corresponds to Moneo’s theoretical position […] the need to adjust the generic aspects of a type to the uniqueness of a task.”305 O modelo que surge repetido em toda a formação espacial, reclama uma ideia de continuidade. Da repetição sobre a disposição de uma ordem, que surge implícita ao seu propósito, numa conquista, a par e passo, dos seus objectivos programáticos. Numa clareza extraordinária e quase simples. Ao reiterar o sistema compositivo romano, encontra no seu tempo a variação e a adaptabilidade de um arquétipo, que, e quando aplicado, parece enaltecer a sua origem. Como menciona Quetglas306 (op. cit., p. 538) : “Form is not preserved from time; time does not cancel or dismiss form: time is form, and all that happens to form is form”.307

“Com efeito, a língua inglesa estabelece o paralelismo entre fundação entendido como início, começo, e fundação entendido como suporte estrutural, o cimento de onde todo o processo da construção arquitectónica arranca.” (Tradução nossa) 305 “Este modulo [...] requer a transformação de modo a que possa corresponder tanto ao lugar como ao seu significado social. Parte disto corresponde à posição que Moneo adopta na sua teoria [...], a necessidade de ajustar os aspectos genéricos do modulo à singularidade de cada proposta. (Tradução nossa) 306 QUETGLAS, Josep (1946 – ) arquitecto espanhol. Formado em Arquitectura pela Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona (1973) e Doutorado em 1980. Professor Catedrático da Universidade Politécnica da Catalunha desde 1988. Foi Professor Orientador da Tese final de Rafael Moneo. Da sua obra teórica destacamos: “La Casa de Don Giovanni” (1996); El horror cristalizado: imágenes del Pabellón de Alemania de Mies van der Rohe (2001); “Pasado a Limpio” vol. I (2001) e vol. II (2002); “Le Corbusier et le Livre” (2005). 307 “A forma não é preservada de tempo; o tempo não elimina ou dissimula a forma: o tempo é a forma, e tudo o que acontece sobre a forma é forma.” (Tradução nossa)

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Ilustração 49 – Museu de Arte Romano. Fragmento calçada romana sob laje de betão. Acesso à cripta. (Ilustração nossa, 2013)

O espaço das ruínas, entendido como uma cripta, é acedido através de uma plataforma metálica atravessando a calçada romana. O confronto entre materialidades comporta a atmosfera que se pretende preservar. Este troço apresenta-se como layer temporal. Enquadrada sobre o limite do museu, bem como na laje de betão que suporta a passagem superior, enfatiza o nosso percurso e sugere a imagem de um criptopórtico308. Tempo e matéria surgem como condição literal de exposição, recriando significados e conteúdos. Tanto no acesso, como no seu interior, a cripta comporta um contacto entre os tempos, numa relação entre ruínas e arquitectura. Os contrafortes definem-se no interior como muros paralelos, revelando-se como estrutura e itinerário de todo o programa. Conferidos como “suporte neutral” (Solá-Morales, op. cit., p. 186) permitem, numa sucessão de arcos, preservar um enorme espaço aberto sobre as ruínas. De um modo geral, sugere-se uma continuidade entre fundação e edificação, numa apresentação, in situ, de uma realidade passada que se pretende preservar e enaltecer; dando-lhe interpretação, reunião, num confronto entre matérias projectadas e existentes. Olvidar esa aparente dependencia, despertar del sueño funcionalista, del sueño de la razón, permite recordar. El olvido, [...] es la condición para el recuerdo. [...] Despiertos, estamos obligados a recordar, no hay modo de escamotear el tiempo – y, donde reina el tiempo, no existe la razón [...] el tiempo como idea del pasado – de ‘todo el pasado’ – que llevamos a cuestas, el tiempo como material constitutivo de la obra, el tiempo en la 309 experiencia perceptiva del espectador. (Quetglas, op. cit., p. 542)

308

Criptopórtico – “Edificação geralmente abobadada usada na arquitectura romana para nivelamento do terreno, destinada à construção de edifícios, jardins, etc.”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 98) 309 “Ignorar essa aparente evidência, despertar do sonho funcionalista, do sonho da razão, permite recordar. O esquecimento, [...] é a condição para a memória. [...] Despertos, estamos obrigados a recordar, não há modo de escapar ao tempo – e, de onde reina o tempo, não existe razão [...] o tempo como ideia de passado – de ‘todo o passado’ – que trazemos às costas, o tempo como material constitutivo da obra, o tempo na experiência perceptiva do espectador.” (Tradução nossa)

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Ilustração 50 – Museu de Arte Romano. Sistema de muros paralelos. Alçado Sul e planimetria das ruínas romanas. ([adaptação a partir de] MARQUÉZ CECILIA, et. al., p. 164)

La procesión recoge el tiempo – no lo inventa, no lo esparce –, lo acumula en el cuenco de sus gestos y lo señala. Sin la procesión, el tiempo seguiría fluyendo, pero inaudible, invisible. La procesión, como una membrana de tambor, saca fuera un compás que no es sólo suyo, lo ausculta y lo significa. En la procesión coinciden dos temporalidades – y esa es su emoción –, la casual, fugaz y aventurera de los cuerpos y los pasos de los celebrantes y, simultáneamente, un latido hondísimo, un timbal sordo: el tiempo del 310 mundo. [...] que permiten escucharlo [...]. (Quetglas, op. cit., p. 546, aspas do autor)

A ideia de suporte, não condiciona a organização final do sistema de espaços. É, todavia, um caminho que Moneo decide traçar no propósito da construção, renunciando a tentação generalista de muita arquitectura moderna311, numa tentativa “por trabajar algunas cuestiones específicas [...] intentando con ello redescubrir los términos básicos de su práctica, [...], en su esfuerzo por ponerse limites y asumirlos, 310

“A procissão reconhece o tempo – não o inventa, não o dissipa –, acumula-o na concavidade dos seus gestos e indica-o. Sem esta procissão, o tempo seguiria fluindo, mas inaudível, invisível. A procissão, como uma membrana de tambor, deixa escapar um compasso que não o é apenas, escuta-o e transmiteo. Na procissão coincidem duas temporalidades – e isso é a sua emoção –, a casual, fugaz e aventureira dos corpos e dos passos dos que a celebram e, simultaneamente, um latido profundo, um timbre surdo: o tempo do mundo [...] permitindo ouvi-lo [...]” (Tradução nossa) 311 Refere-se aqui, a posição de Rafael Moneo ao encontrar na história os instrumentos para desenvolver e projectar o Museu, contrariando o pensamento que, de um modo geral, caracteriza os arquitectos do movimento moderno, os quais consideravam as ordens e sistemas construtivos passados uma incapacidade da nova arquitectura sugerindo a sua banalização nas novas práticas.

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Ilustração 51 – Museu de Arte Romano. Sistema muros paralelos. Secção longitudinal e planimetria. ([adaptação a partir de] MARQUÉZ CECILIA, et. al, pp. 168-170)

[…]” procurando um determinado camino “ […] dentro del debate contemporáneo”312 (Solá-Morales, op. cit., p. 186). Esta disposição estrutural encontra, na reiteração dos muros, um jogo de cheio/vazio que estabelece um itinerário arbitrário ao visitante, personificando a composição do espaço e estabelecendo o desenho da planta de todo o museu. Os arcos de volta perfeita313, ao desenharem um sistema de vazios, adquirem variações de proporção, insinuando importâncias e relevos, permanência e continuidade. Esta opção do sistema de construção romano314 advém da sua

312

“[...] por trabalhar algumas condições especificas [...] tentando com isso redescobrir os termos básicos da sua prática, [...] , no seu esforço por impor limites e assumi-los , [...] dentro do debate contemporâneo.” (Tradução nossa) 313 Arco de volta perfeita – “[...] arco em que o intradorso é um semicilindro.” (Rodrigues, et. al., op. cit., pp. 38-39) 314 O sistema de construção romana consistia na construção de muros, suportados em pedra ou em tijolo. “Os construtores da Mesopotâmia, do Egipto e, inclusivamente da Grécia já conheciam elementos como o arco, a abóbada ou a cúpula. No entanto, se bem que conhecessem a sua capacidade estrutural, a complexidade da sua construção limitou de forma considerável a utilização destes elementos. [...] a arquitectura romana teve de procurar materiais e procedimentos construtivos adequados para poder utilizar estes elementos, e teve, igualmente, de desenvolver novas fórmulas de projecto e de organização da obra. [...] A especialização dos artesãos e a organização do trabalho não eram suficientes [...] dependia, além disso, do fornecimento adequado dos materiais, muitos dos quais correspondiam a verdadeiros processos de construção em série. [...] A produção de materiais em grande quantidade, [...] a uniformidade da qualidade e das dimensões, os processos de fabrico quase industriais e uma relativa

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singularidade – “relembrar a ordem das proporções”. O nosso conhecimento procura a história que o edifício habilmente encerra no seu interior – intrínseco à sua cultura – à memória que dele temos no tempo e que, reconstruída, sugere a sua continuidade.315 O sistema de muros estende-se até ao limite do lote, sugerindo um sistema reiterativo da formação do espaço. Diferente de um conjunto, parece querer entende-lo como a simples ampliação estratégica de uma ideia bem definida, concretizando-a ao espaço disponível, distante de uma hierarquia ou unidade espacial. “The Wall in this type of plan may reinforce a street edge or an urban boundary, while the counter-theme has to do with extending to admit n irregular terrain, to admit light or to expand towards a natural setting.”316 (Curtis, op. cit., p. 558) Liberta-se de um sistema clássico317 da organização do espaço. Neste ponto, sugere a sua modernidade, e constitui-se livre. Construídos em betão318, revestidos a tijolo maciço319 este muros suportam a construção romana, tanto à sua imagem como na realidade finita do seu suporte. Formalizam a sua solidez, numa alusão às antigas fábricas e possibilitando uma “lectura moderna que hoy podemos hacer de sus grandes estructuras constructivas”320 (idem, p. 558). O muro, entendido como suporte neutral reúne, numa sucessão de espaços, as ruínas, num contínuo processo de escavação. Os arcos encontraram nas condições programáticas a sua alteração, verificando as suas permeabilidades de uma ideia inicial, aparentemente estratificada. Sugerem-se várias medidas de um mesmo elemento e a sua repetição soa, antes, como a reverberação de uma ordem, permitindo, a cada espaço, surgir animada por uma luz diferente, por uma passagem dissimulada ou por uma subida primordial à distribuição dos pisos. economia dos custos de produção permitiram, juntamente com a capacidade profissional dos operários e a sua organização, o [...] equilíbrio obtido pela arquitectura romana.” (Sousa, 2003, pp. 12-13) 315 “[...] Merida combines a transformation of local sources, such as aqueducts and bridges, with a more generic, or more ‘typical’ reading of the syntax of Roman construction. The notion of context is thus extended well beyond the site to include the ruins and subterranean deposits of a much wider region.” (Curtis, op. cit., p. 561) “[...] Mérida combina uma certa transformação das fontes locais, tal como aquedutos e pontes, com uma leitura mais genérica, ou ‘típica’ da sintaxe da construção romana. Assim, a noção de contexto extende-se para lá do seu lugar, chegando às ruínas e depósitos subterrâneos de uma região muito mais vasta.” (Tradução nossa) 316 “Neste tipo de planta, o muro pode servir para reforçar uma das esquinas da rua ou o limite urbano, enquanto o tema geral tem o seu significado ao extender-se para ajustar-se a terrenos irregulares, para encontrar luz ou para expandir-se para além do espaço natural.” (Tradução nossa) 317 Cf. Solá-Morales (2004) – Soporte, Superficie. p. 186 para melhor entendimento do assunto abordado. 318 A utilização do betão, como matéria constituinte do muro, recorda o opus caementicium utilizado nas construções romanas a partir do século II a.C. Consistia numa mistura entre argamassa (formada por cal, misturada com areia, entendido hoje como cimento) e fragmentos rochosos. Tornava as paredes mais robustas e permitia trabalhar outros materiais como revestimento. 319 Tijolo romano – “Tijolo com dimensões nominais de 305x102x51mm, [...]” (Ching, 2010, p. 269) 320 “[...] leitura moderna que hoje podemos fazer das suas grandes estruturas construtivas.” (Tradução nossa)

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Ilustração 52 – Museu de Arte Romano. Cripta. Perspectiva interior das ruínas. (ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 53 – Museu de Arte Romano. Cripta. Sucessão de muros paralelos sobre as ruínas. (ilustração nossa, 2013)

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El concepto de tipo se basa fundamentalmente en la posibilidad de agrupar […] objetos sirviéndose de aquellas similitudes estructurales que les son inherentes. […] A medida que uno va siendo más preciso se van introduciendo otros criterios de agrupación, se van, por tanto, describiendo nuevos tipos. […], la idea de tipo que abiertamente rechaza la idea de la individualidad retorna a ella cuando en última instancia se 321 encuentra con la obra concreta, especifica, única. (Vallés, 2004a, p. 584)

O caminho que Moneo propõe, estabelece-se num confronto entre ruínas e construção e inicia uma diálogo que o arquitecto preserva ao longo do projecto. Por um lado, consiste no entender, desde Piranesi, a presença do fragmento no nosso tempo, em comum com outros edifícios e sugere a reflexão e equação destes fragmentos como cultura ao enfatizar a sua posição numa quase colocação aleatória, traduzindo as suas diferenças no tempo através das texturas. No seu todo, admitem-se como elementos essenciais à condição de identidade bem como da arquitectura como valores de uma época. Neste sentido, submetem-se a uma reinterpretação das suas condições futuras de produzirem espaços de integração. Por outro lado, a distinção entre velho e novo, cada vez mais comum, sem restaurar ao modo “violletiano”322. Através da representação entre matérias sugere uma contínua relação dialéctica, revelando a “[...] diferencia de su reconstrucción con un cambio de material que, a menudo, ha representado el juego de ladrillo y la piedra como texturas alternantes elegidas para explicar el encuentro y el contraste entre viejo y nuevo, entre original y restaurado, entre soporte y pieza singular. (Solá-Morales, op. cit., p. 184) O sistema que adopta no Museu de Mérida, constitui uma resposta a alguns movimentos arquitectónicos, evidenciando um papel inevitável da arquitectura em cada tempo que conquista. E se reitera um sistema construtivo passado, na construção de espaços do presente, parece ser porque, para Moneo, a memória dessas construções passadas não existem apenas pela sua imagem, mas compreendem, antes, um processo e um modo de construir que, tipificando-as, acusam uma época e, de algum modo, a revivem.

321

“O conceito de tipo baseia-se fundamentalmente na possibilidade de agrupar [...] objectos utilizando-se das semelhanças estruturais que lhes são inerentes. [...] À medida que cada um vai sendo mais preciso vão-se introduzindo outros critérios de agrupação, portanto, descrevendo novos tipos. [...], a ideia de tipo que abertamente recusa a ideia de individualidade retorna a esta quando em última instancia se encontra com a obra construída, especifica e única.” (Tradução nossa) 322 Eugène Viollet-le-Duc – (1814 – 1879) arquitecto francês. Considerado um dos primeiros teóricos na preservação do património histórico. Tentou estabelecer sobre o conceito moderno do restauro, princípios de intervenção bem como uma metodologia própria. Abriu uma via frutuosa ao modernismo pondo em causa os valores estabelecidos da arquitectura do seu tempo e dividindo radicalmente: Gótico/Clássico, construção/decoração, verdade/mentira, progresso/academismo. Do seu contributo teórico destacamos: “Dictionnaire raisonné de l'architecture française du XI au XVI siècle“ (1854-1868). (Evers, 3003, pp. 346)

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[...] introducir el concepto de serie tipológica […] se desprende de la relación que es preciso establecer entre los elementos y el todo. El tipo implica la presencia de elementos con una cierta continuidad entre sí que forman lo que hemos dado en llamar serie tipológica […], a su vez, tales elementos pueden ser examinados con independencia y considerados como tipos con entidad propia. […] no es obstáculo para que, al actuar los unos sobre los otros, se defina una nueva estructura formal […], el tipo madre que da sentido a la continuidad de la serie. […] Los tipos, pues, se transforman, dando lugar a la aparición de otros, cuando los elementos substanciales 323 de su estructura formal cambian. (Vallés, op. cit., p. 586)

Parece-nos que a sua posição ao construir o Museu, não é totalmente afastada da vertente moderna ou, até mesmo, das especificidades que comportam a sua linguagem arquitectónica. A sua construção aceita, porém, estas noções como modo de reconhecer, hoje, um passado. Na verdade, o Museu de Mérida revela uma vez mais a posição sobre os valores internacionais da arquitectura que, não sendo o seu limite último, ajustam-se constantemente a um determinado lugar, evidenciando novas razões de ser como motivo da modernidade presente. […] l'applicazione di un metodo i cui criteri hanno validità generale e, proprio perciò, possono essere applicati con rigore alla circostanza, senza cancellarla ma assumendo e controllando i dati che essa offre […] Un metodo, dunque, basato sucriteri che ricorrono con straordinaria affinità in figure appartenenti a momenti storici, contesti culturali e condizioni geografiche anche molto differenti, un metodo, per citare uno degli 324 episodi germinali, che prende corpo nel momento. (Leoni, op. cit., p. 60)

Sobre o piso que assenta sobre as ruínas, sustém-se todo o corpo do museu. O novo corpo moderno, o recíproco da tão ansiada continuidade matérica. Se, no nível inferior, Moneo compreende o respirar dos fragmentos, simulando ao longo dos sucessivos arcos encenadas passagens, no piso superior, armazena-os, enquadrados nas reentrâncias dos muros, privilegiando o espaço central na alusão de uma grande “nave” que se estende numa sequência longitudinal, determinando a planta de todo o itinerário do museu. O espaço de exposição, concebido como refere Moneo na sua memória descritiva: “museu-arquivo”, é abordado como uma estrutura industrial

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“[...] introduzir o conceito de série tipológica [...] desprende-se da relação que é preciso estabelecer entre os elementos e o todo. O tipo implica a presença de elementos com uma certa continuidade entre si que formam o que chamamos de série tipológica [...], por sua vez, tais elementos podem ser compreendidos com independência e considerados como tipos com identidade própria. [...] não é um obstáculo para, ao actuar uns sobre os outros, se defina uma nova forma estrutural [...], o tipo-mãe que dá sentido à continuidade da série. [...] Os tipos, logo, se transformam, dando lugar ao aparecimento de outros, quando os elementos substanciais da sua estrutura formal se transmutam.” (Tradução nossa) 324 “[...] a aplicação de um método cujos critérios são geralmente válidos, e só então, pode ser aplicado rigorosamente à verdade, sem excluí-lo, mas verificando os dados que oferece. [...] Um método é, portanto, baseado num critério onde se repete com figuras de afinidade extraordinárias pertencentes a períodos históricos, contextos culturais e condições geográficas muito diferentes, um método, para citar um dos episódios o germe, que tomou forma num determinado momento.” (Tradução nossa)

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moderna ou como uma catedral gótica325, na qual a repetição dos contrafortes é um tema central; principal elemento compositivo e fundamental à sua compreensão. “An architectural promenade is usually threaded through the building in a complex and sinuous way, involving frontal views, points of comparison, changing levels, variations of light and shadow, […]” Neste sentido, a definição tipológica de uma catedral encontra a sua variação no tempo, “[…] Merida is the tour de force where the orchestration of sequence is concerned [...].326 (Curtis, op. cit., p. 558) Os contrafortes vão do suporte à divisão dos espaços numa contínua interpretação do modelo e conferem, à biblioteca de fragmentos, a reunião e o corpo do resquício último de uma antiguidade romana permanecida em Espanha. Guardados num enorme “arquivo”, como uma imponente biblioteca de fragmentos passados, permitem ao mais estudioso a percepção do material precedente a este nascimento – o revelar de uma nova construção – numa alusão ao mundo romano. Não sendo imediata, esta alusão é, todavia, susceptível de ser comparada aos seus precedentes, assentando no desejo deliberado de comemorar e evocar o seu passado. Para Moneo (2004c, p. 27), a secção do muro encontra aqui um papel importantíssimo, “desde la sección, por ejemplo, y al margen de las posibles alusiones, se explica la elección de los materiales, cruciales al definir los elementos lingüísticos”.327 El proyecto de Mérida es un proyecto que arranca de la sección y está es la que construye el edificio mediante simples translación. […] La repetición siempre está condicionada por aquella búsqueda de la supervivencia del edificio […] Es, quizá, el tributo que uno paga a la lógica de la construcción y, a veces, uno la acepta en razón de tener que proceder con la debida consistencia y la misma coherencia en situaciones 328 que no permiten la singularidad. (idem, p. 27)

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“A arquitectura gótica desenvolve elementos já testados no românico, nomeadamente ao nível dos sistemas de cobertura, articulando a abóbada de cruzamento de ogivas com suportes especializados, criando uma ossatura, um esqueleto que permite, ao contrário do que acontecia nos edifícios antecedentes, diminuir significativamente o carácter estrutural da parede. O muro torna-se assim mais aligeirado, permitindo os seu esventramento e decoração e o rasgamento de mais e maiores vãos, numa progressiva desmaterialização, leveza, elasticidade e transparência da parede. Ao mesmo tempo, o edifício pode crescer em altura, constituindo-se a procura da verticalidade, possibilitada por este novo conceito estrutural, [...]”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 147) 326 “Tem traçado quase sempre um complexo e sinuoso passeio arquitectónico através do edifício, oferecendo vistas frontais, pontos de comparação, alterações de nível, variações de luz e sombra e diversos efeitos de transparências e paralelismos. É certo que Mérida é uma proeza ao que a organização de sequencias se refere [...]”. (Tradução nossa) 327 “[...] desde a secção, por exemplo, e à margem das possíveis alusões, se explica a seleção dos materiais, imprescindíveis no definir de um elemento linguístico”. (Tradução nossa) 328 “O projecto de Mérida é um projecto que arranca da secção e esta é o que constrói o edifício mediante a sua simples translação. [...] A repetição está constantemente condicionada pela procura da resistência do edifício [...] É, quem sabe, o preço por uma lógica construtiva e a mesma coerência em situações que não permitem a singularidade.” (Tradução nossa)

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A estrutura do muro avança para definir os espaços necessários à exposição das obras e define-se de acordo com a função de cada um, proporcionalmente, organizando o espaço, contendo-o entre os muros paralelos segundo um sentido que combina, variavelmente, contracções e expansões imprevistas. Como menciona Curtis (op. cit., p. 563), esta imagem espacial, que se vai compreendendo ao circular pelo Museu, advém desta aparência atractiva que o arquitecto pretende manter presente e que, associada a uma retícula de circulação, “serves as ‘depth cue’ but also introduces some ambiguity about the actual width of the building”.329

Ilustração 54 – Mérida. Arco de Trajano; ligação entre teatro e anfiteatro romano; troço aqueduto São Lazaro. (ilustração nossa, 2013)

Sugere-se a exploração de uma ordem na obtenção máxima das suas proporções, revalorizando-a sobre a necessidade de um tempo que o programa define. Este sistema de muros paralelos transforma-se ao encontrar um outro sistema que com ele interfere, um sistema de vazios, numa relação dialéctica entre a ordem transversal dos muros e a ordem longitudinal dos vazios – produzidos pelos arcos – servindo o programa dos objectos expostos. Este modo de compreender a disposição do Museu como espaço de circulação, encontra a sua afinidade nos vários elementos arquitectónicos que a própria cidade contem. Possivelmente, a simulação da “nave” central está proporcionada de acordo com o Arco de Trajano330 onde a sua reminiscência sugere as dimensões que a cidade já conteve, numa reprodução mnemónica dos seus valores espaciais. 329

“serve para dar a ideia de continuidade mas também introduz uma certa ambiguidade em relação à concreta altura do edifício”. (Tradução nossa) 330 Arco de Trajano – fragmento arquitectónico, data do século I d. C. do período da Roma Antiga. “Su denominación es producto de la tradición popular emeritense […] realizado con grandes sillares de granito y éstos, a su vez, estarían revestidos con mármol según indican los orificios que se aprecian en ellos y en los restos que se hallan junto a su base. Mide 15 metros de altura.” (Barroso, op. cit., p. 50) “O seu nome é um produto da tradição popular, emeritense [...] É feito de robusto granito e este, por sua vez, coberto com mármore, tal como indicado nos furos que podem ser vistos encontrando-se ao lado da base. Mede 15 metros de altura.” (Tradução nossa)

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Nas galerias interiores dispõem-se fragmentos arqueológicos como arquivo: bibelots, tapeçarias e colunas truncadas são armazenados na distribuição das alas onde aparentam encontrar a sua posição museológica; a sua orientação temporal. Como nas palavras de Sáenz de Buruaga331 apud Márquez Cecilia (et. al., 2004, p. 154), permitindo assim “salvar y presentar in situ, dando con ello ejemplo a los constructores emeritenses, los restos que sabemos hay debajo de la muralla romana”332.

Ilustração 55 – Museu de Arte Romano. Secção transversal. ([adaptação a partir de] MARQUÉZ CECILIA, et al., p. 178)

Na nave central, fragmentos e peças surgem isolados sobre pedestais, adossados na parede ou instalados em vitrines nos muros que, transversalmente ou paralelamente à nave principal, continuam e dão lugar a galerias secundárias. Como um “framework”333 da vida dos objectos, assentando, como menciona Solá-Morales (op. cit., p. 184), na imagem “[…] que nasce de una redundancia: la iconografía del muro romano tomada como connotación adecuada para una exhibición de restos arqueológicos romanos.”334 A nave central, concebida como um enorme espaço aberto, tem como pavimento lousas335 de granito desenhadas uma retícula de 0.70 x 0,70m, evocando a memória do hipocausto336 romano.

331

José Saénz de Buruaga (1940 – ) – Director do Museu de Arte Romano de Mérida até 1985. “guardar e apresentar in situ, dando como exemplo os construtores emeritenses, os restos que conhecemos debaixo da muralha romana.” (Tradução nossa) 333 “moldura”. (Tradução nossa) 334 “[...] que nasce de uma redundância: a iconografia do muro romano encarada como uma conotação adequada à exibição dos restos arqueológicos romanos.” (Tradução nossa) 335 Lousa – “Laje de pedra com que se fabrica normalmente um pavimento.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 174) 336 Hipocausto – do grego hypo – sob; por baixo, e kaien – acender. (Tradução nossa) “Construção comum na antiga Roma, que consistia num sistema de aquecimento por ar quente que circulava sob o pavimento de uma sala, canalizado também pelo interior das paredes através de canais feitos com tijolo furado. O ar era aquecido num forno (praefurnium) adjacente. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 153) 332

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Ilustração 56 – Museu de Arte Romano. Acesso galerias; guardas metálicas; disposição peças “arquivadas”. (ilustração nossa, 2013)

Conferido como a variação do arquétipo que constitui a essência do hipostilo337, este espaço central define-se pela cobertura em lanternins que iluminam todo o espaço, aludindo aos banhos e termas romanos.338 A luz é conduzida pela matéria translúcida que confere a cobertura, aparentemente apoiada sobre os contrafortes do museu. O tijolo em opus isodomum339, ou os portões metálicos que sugerem uma reinterpretação do opus reticulatum340, definem a alusão ao processo romano no tratamento do paramento e da colocação dos seus materiais. A imagem geral das variações de um aqueduto reforça a solidez do espaço e onde, no interior, permite a deambulação nos seus espaços. Os materiais concebidos, acentuam a distinção entre peso e leveza num mesmo espaço. As carpintarias, juntas, passadiços ou encaixes metálicos sobre o tijolo acentuam este confronto, onde a luz aparenta descrever a habitabilidade desta analogia, reforçando a existência de um ritual próprio que encena subidas e descidas sobre os repetidos módulos,341 e onde se instalam os objectos de forma precisa, “[...]

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Hipostilo – “Designação das salas ou compartimentos cujos tectos são sustentados por colunas”. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 153) 338 “Moneo is clearly obsessed with the idea of a top lit hypostyle hall, expressed as an open grid or else as a series of parallel bays. The floor is thought of as a continuous social plane, though stairs and ramps may rise to galleries, balconies or plat forms. Light may creep in from the sides, but the greatest celebration is reserved for top lighting through slots, bays or wells. The ceiling may, or may not, be flat, but skylights are expressed directly, either as continuous factory roofs, or else as individualized pavilions.” (Curtis, op. cit., p. 559) “Moneo está claramente obcecado com a ideia da sala hispostila iluminada de modo zenital, expressa como uma quadrícula aberta ou como uma série de bandas paralelas. O solo é concebido como um plano social continuo, de onde partem escadarias e rampas que dão acesso a galerias superiores, plataformas e varandas. A luz pode introduzir-se pelos interstícios, contudo o maior acontecimento está reservado à luz zenital, que incide através das ranhuras, bandas e poços. O tecto pode ser plano ou não ser, mas as lucernarias mostram-se sempre directamente, tal como as coberturas continuas das fabricas o como a forma dos pavilhões individualizados.” (Tradução nossa) 339 Opus isodomum – “[...] aparelho regular, em que todos os silhares são aparelhados com as mesmas dimensões, formando fiadas regulares de altura constante e cujos planos verticais das juntas coincidem com o plano axial dos silhares das fiadas superior e inferior.” (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 33) 340 Opus reticulatum – “[...] aparelho onde se utiliza pedras de dimensões médias com aparelhos quadrados e dispostas regularmente.” (idem, p. 33) 341 “In this way too it bears witness to Moneo’s continuing obsession with the Mesquite (a fabric witch he helped to restore). It is no coincidence that the Mesquite itself may be read as an ingenious fusion of the

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Ilustração 57 – Museu de Arte Romano. Esquissos sobre a composição espacial dos muros. (ilustração nossa, 2013)

resaltando la blancura del mármol sobre el color rosado de la fábrica de ladrillo, y la finura de su cincelado sobre la rugosidad áspera de la cerámica.”342 (Solá-Morales, op. cit., p. 184) Os vãos, compreendidos entre os contrafortes, desenham-se, não pela sua relação visual com o exterior mas, antes, como os grandes envidraçados dos espaços góticos, por onde a luz incide delineando o seu intrínseco itinerário.343 Evidencia, ao ritmo dos muros paralelos, a matéria que os constitui ou até, e de súbito, um dos objectos que entre estes se encontra, surgindo momentaneamente sob um foco de luz, protagonizando o seu pedestal museológico. Esta imagem mental surge no articular que, o arquitecto vai produzindo, e transmitindo, talvez, que as bases modernas servem apenas de narrativa, de apresentação a um processo anterior. No acesso entre a nave central e as galerias laterais superiores, surgem novos vãos que, agora maiores, iluminam o acesso que interliga os pisos. Os elementos metálicos que conferem os pormenores e ligações entre materiais e passadiços, revelam-se a uma outra luz, num confronto de ambiências. Se no espaço central, a luz surge homogénea, nos espaços laterais, a luz encena toda a passagem até à entrada sobre o novo e mais pequeno arco que, agora, confere em reproduções sucessivas a galeria roman aqueduct idea, the hypostyle hall, and the vibrant, metaphysical space of Islam.” (Curtis, op. cit., p. 561) “Desta forma é testemunho da continua obsessão de Moneo com a Mesquita (um tecido que o próprio ajudou a recuperar). Não é por acaso que a própria Mesquita possa ser lida como uma engenhosa fusão da ideia do aqueduto romano, o salão hipostilo e o espaço vibrante e metafísico do Islão.” (Tradução nossa) 342 “[...] com destaque para a brancura do mármore no rosa do tijolo, e a finura de seus cinzelados sobre a rugosidade de cerâmica rústica.” (Tradução nossa) 343 “A luz constitui-se [...] um dos factores mais decisivos na definição da construção gótica. Com o alargamento das aberturas, cobertas agora com vitrais [...], joga-se com a [...] diversidade de fontes luminosas. A luz assume-se, deste modo, como um elemento sobrenatural relacionado com o próprio carácter transcendental da arquitectura. (Rodrigues, et. al., op. cit., p. 147)

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interior. Nas galerias laterais sobrepõem-se arcos abatidos344 aos arcos de volta perfeita que distribuem, sucessivamente, a passagem pela galeria. Define, de um modo geral, um itinerário gradualmente encerrado, menos luminoso, proporcionando, a par com a manipulação estratégica da luz, a redefinição à escala do Homem.

Ilustração 58 – Museu de Arte Romano. Axonometria composição espacial. Muros paralelos. (ilustração nossa, 2013)

As galerias adjacentes à nave central, possibilitam diferentes relações com um mesmo espaço. A nossa percepção admite uma correspondência entre a totalidade do espaço e a sua integral compreensão, como “[...] una cierta visión de lo que son algunos claustros romanos, o bien algunos grabados de Piranesi [...].”345 (Márquez Cecilia, et. al., op. cit., p. 158) A sensação de espaço central torna-se crucial à disposição do museu, permanecendo constante na nossa memória. Como espaço de passagem inevitável, admite uma ordem recorrente, encontrando nas suas proporções menores a sua manifestação-mãe. A nave central é o grande centro das proporções, sobre ela, equacionamos e familiarizamos todos os sucessivos espaços que parecem caber, ou ter sido retirados, à inicial atmosfera, reproduzidos agora sobre pequenos contextos. Esta ordem de proporção, permite reconhecer no seu espaço, mais que um passado, uma experiência actual. Para Moneo (2004c, p. 14), este é o reconhecimento da linguagem que a arquitectura estabelece connosco, entre obra construída e o seu espectador, permitindo reconhecer, na matéria que a edifica, o seu tempo. 344

Arco abatido – “Constituído por arcos de circunferência com a flecha bastante menor do que o vão.” (Rodrigues, et. al., op. cit., pp. 36-38) 345 “[...] uma certa visão do que são alguns claustros romanos, tanto como algumas gravações de Piranesi.” (Tradução nossa)

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Tanto as ruínas que envolve, como o sistema de muros que constrói, correspondem à expressão trabalhada pelo arquitecto. Se por um lado encena a construção das fábricas romanas, admitindo o arco como sucessivos vãos, por outro, evidencia a sua distinção temporal ao representar uma técnica construtiva dotada de maiores avanços na sua percepção espacial. E se, todo o corpo que se constrói sobre as ruínas, evidencia a sua continuidade matérica, na perspectiva de um todo, como um suporte único, será nos mecanismos metálicos, nas conexões entre tijolo e betão, nas guardas metálicas, que conferirá a todo o Museu uma ideia de enorme ruína. Aplicados numa sugestiva distância, em relação ao paramento exterior, estes materiais sugerem a toda a construção espacial um ar efémero ou sensível ao toque, susceptível à sua inerente degradação, como uma ruína apresentada. Existe, todavia, um confronto dialéctico entre o que é novo e as ruínas que se apresentam. Se na percepção do espaço, como uma enorme ruína, a nossa atenção é voltada para a sua contemplação, então a contemplação do que é uma ruína ganha na interpretação do programa o seu nível mais vasto. Apesar da estrutura revelar nas suas reentrâncias os fragmentos a que dá corpo e notoriedade, toda a estrutura presente é ela mesma suporte programático, espaço museológico construído numa antinomia dos tempos. Na verdade, a ambiguidade entre peças museológicas radica nesta constância quase evidente, que quando assim o é, altera, metamorfoseia, personifica, todo o carácter que o museu proporciona ao seu visitante. A alusão a uma ruína inerente, encontra o seu valor no lugar que ocupa, bem como na matéria que a expressa enquanto memória precedente para dar lugar ao seu tempo. O Museu revela, como menciona Curtis (op. cit., p. 554), “la noción de que los valores arquitectónicos intrínsecos son capaces de transcender períodos y estilos”,346 vinculados sobre a base de uma imitação que, sendo reconhecível, surge como motivo e momento de continuidade, na repetição de um modelo, sempre irrepetível. [...] ‘type’ as a key to generic features of the architectural discipline. He is interested in the ways that underlying schemes of organization may be transform to fit different contents and contexts. […] Moneo appears to think of ‘type’ as a tool to avoid both the 347 limitations of functionalism, and the pastiches of revivalism. (idem, loc. cit.)

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“[...] a noção de que os valores arquitectónicos intrínsecos são capazes de transcender períodos e estilos.” (Tradução nossa) 347 “ ‘tipo’ como chave dos traços genéricos da disciplina arquitectónica. Interessa-lhe o modo em que alguns esquemas de organização subjacentes podem transformar-se para dar resposta a conteúdos e contextos diferentes. [...] Moneo considera o ‘modelo’ como uma ferramenta que serve tanto para evitar as limitações do funcionalismo como os pastiches revivalistas.” (Tradução nossa)

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Ilustração 59 – Museu de Arte Romano. Perspectiva sobre a nave central. (ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 60 – Museu de Arte Romano. Perspectivas das galerias superiores sobre a nave central. (ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 61 – Museu de Arte Romano. Perspectiva sobre uma galeria superior. (ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 62 – Museu de Arte Romano. Nave central. Perspectiva Nascente. (ilustração nossa, 2013)

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Arte, cosa mentale

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Leonardo Da Vinci

4. DO PROCESSO 4.1. ABORDAGENS [2012]350 Do estudo sobre os princípios que parecem cingir a memória como instrumento de projecto, surge o momento da nossa prática académica como processo. A abordagem apresentada neste primeiro subcapítulo, recorda a importância que o desenho, entendido como instrumento de representação espacial, descobre e revela as qualidades espaciais, tentando compô-las sobre imagens que, ao serem ordenadas motivam e iniciam o exercício do projecto de arquitectura. Na prática da arquitectura torna-se fundamental o reconhecimento dos nossos sentidos e valores, que, associados a uma cultura arquitectónica, dirigem e acertam o nosso pensamento como resposta crítica a um problema futuro. É neste sentido, que a abordagem que apresentamos significa para nós um momento chave na relação entre investigação, compreensão e selecção do que nos emociona e constitui-se como filtro das relações espaciais por nós percepcionadas. Que, ao serem encontradas e reveladas, definem-se como as primeiras linhas condutoras das abordagens seguintes. 348

“arte, coisa mental.” (Tradução nossa) Da Vinci apud F. Morais (n.d.) – Arte é o que eu e você chamamos arte. In Faria, 2014, p. 95. “arte, coisa mental.” (Tradução nossa) 349 Leonardo Da Vinci – (1452 – 1519) cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor e arquitecto italiano. Das suas obras destacamos: “A Virgem das Rochas” (1483-86); “Homem Vitruviano” (1490), desenvolvido a partir do conceito do Homem ideal de Vitrúvio desenhado no livro III do seu tratado e onde descreve as proporções do corpo humano. “A Última Ceia” (1495-98); “Mona Lisa” (1503-07). 350 O presente trabalho contou com a participação de mais dois elementos: Bruno Simões e Pedro França Jorge alunos de Mestrado integrado em Arquitectura da Universidade Lusíada de Lisboa.

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A Pousada de Arraiolos351, surge como espaço arquitectónico submetido à nossa investigação. A compreensão que tentamos reter, ao abordá-la, remete-se à codificação intencional dos seus momentos espaciais que, tanto alimentam e instigam a nossa memória, como se acertam e definem à nossa escala e sentidos. Entender as relações espaciais que o espaço compreende, elege o desenho e a imagem como instrumentos de retenção sensível. Referia Eliade352 que “Ter imaginação é gozar de uma riqueza interior, de um fluxo ininterrupto e espontâneo de imagens.” (1979, p. 19) Assim, as imagens que apresentamos apoiam a nossa memória em fragmentos espaciais que, ao serem desenhados, representados e compreendidos acrescentam conhecimento às sensações que comportam. É nesta representação que os reconhecemos como instrumentos possíveis, tanto de entendimento espacial, como de síntese experiencial, capazes de serem traduzidos noutros tantos contextos. “Mas espontaneidade não significa invenção arbitrária. “[...] imaginação é solidária com imago, representação, imitação [...]” (idem, loc. cit.) das intenções que o espaço revela bem como das suas atmosferas, e que poderão, deste modo, através da nossa imaginação e génio, encontrar outras tantas sequências, metamorfoses e necessidades espaciais. A partir de uma composição espacial, na elaboração de uma imagem como percepção dos espaços que experienciamos, entendemos o modo de nos aproximarmos do espaço tanto na experiência como à nossa memória, tornando-se, esta última, consecutivamente mais operativa, que, quanto mais se relaciona com o espaço que observa e experimenta, tanto mais o imagina, ao reproduzir, ou mesmo no acrescer e no instigar, dos seus valores mnemónicos. Este processo de decantação espacial que o desenho permite, é realizado no confronto com a obra, esta, que oferece à nossa experiência, tanto física quanto mental, a sua ordem, a sua proporção, o seu modo de ter sido realizada, numa possibilidade de, nela, encontrar-se o resquício das suas sensações, circunscritas, constantemente, à nossa experiência crítica, que conforma, em última essência, o sentido do seu espaço construído. Um arquitecto sem imagens estaria “[...] isolado da realidade profunda da vida e da sua própria alma.” (idem, p. 20) 351

Pousada de Arraiolos, Évora. Recuperada e ampliada pelo Arqt. José Paulo dos Santos. No âmbito do nosso trabalho, o interesse recai apenas na abordagem espacial como decantação de um processo e não como estudo profícuo da obra nem do arquitecto em questão. 352 ELIADE, Mircea (1907 – 1986) professor, historiador de religiões, mitólogo, filósofo e romancista romeno, naturalizado norte-americano. Considerado um dos fundadores do moderno estudo da história das religiões. Da sua obra literária destacamos: “O Mito do Eterno Retorno” (1954).

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Ilustração 63 – Pousada Arraiolos. Igreja, pátio, claustro. Perspectiva em ‘frames’. Decantação espacial. (ilustração nossa, 2012)

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4.2. POUSADA, QTA. DA RIBAFRIA, SINTRA [2012-13]

Ilustração 64 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Entendimento de relações espaciais. (Ilustração nossa, 2012)

[...] elementos relativamente simples, dispostos de diversas maneiras, ganham uma complexidade. Ou de como a sequência espacial é determinante para o sentir de cada espaço que se vai percorrendo, mesmo sendo todos iguais. Ou semelhantes. E ao se encontrar um meio de os desenhar, vão ganhando vida própria. Para lá da ideia inicial. 353 (Santos , 2012)

O projecto incide na recuperação e reconversão do Palácio da quinta da Ribafria354 em pousada355. Edificado em Sintra, surge na continuidade do que é esta atmosfera resplandecente das suas construções sobre vales, erguidas em cada colina, manifestando a sua ostentação sobre a densa vegetação que os circunda, onde “[...] as plantas de folha persistente que no verão repousam pelo tom escuro da sua folhagem e no Inverno conservam o jardim sempre vestido.” (Cabral apud Caetano, 2005, p. 90) A sua atmosfera parece ordenar toda uma genealogia arquitectónica. É o lugar onde o tempo parece ter parado, e onde pode ser compreendido desde as fachadas que se erguem, até à atmosfera encerrada das suas quintas e palácios. 353

SANTOS, José Maria Assis e (1962 – ) arquitecto português. Formado em Arquitectura pela Universidade Lusíada de Lisboa (2002). Integrou o escritório de arquitectura do Arqt. Vitor Figueiredo (1986); Arqt. Gonçalo Byrne (1988) e João Luis Carrilho da Graça (1990). Funda o escritório LorenaAssis, Lda. (2006) e o escritório AWO, Lda. (2009). Actualmente exerce a profissão liberal com autoria, coautoria e consultoria em diversos projectos. Lecciona a cadeira de Projecto na Universidade Lusíada de Lisboa desde 1997. 354 Quinta da Ribafria – Situada em Sintra, compreende um conjunto de dois corpos que servia a família Ribafria no século XVII. (Caetano, 2005) 355 A pousada deveria compreender um total de 27 quartos, 3 suites, spa e piscina exterior, restaurante de autor, campo de ténis e recuperação das zonas ajardinadas, bem como a circulação em toda a parcela da quinta e o respectivo estacionamento.

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Ilustração 65 – Pousada, Ribafria. Quinta da Ribafria. Perspectivas in situ. (Ilustração nossa, 2012)

Sobre um destes vales, situa-se a casa dos Ribafria.356 Pelo seu carácter quinhentista, a utilização do corpo palaciano pré-existente surgiu desde início como protagonista, visando tirar partido das suas relações espaciais, elegendo-o como directriz no que se pretendesse construir. Compreendida numa expressão de construção vernácula local, caracteriza-se pelas suas casas de dois pisos357, como refere Raul Lino358 apud

356

“Gaspar Gonçalves, [...], erigiu, em 1534, um palacete [...], como glorificação do novo estatuto social [...], a torre armada na sua quinta reflete a vaidade do cortesão, [...] a margem fresca no fundo do vale que bordeja a ribeira de Lourel, não tem outra eficácia senão a de aparato. [...] a torre, enquanto atitude de reminiscência medieval, inscreve-se e dilui-se no edifício [...] [numa] mesclagem [que] traduziu [...] a modernidade [...] ao contribuir para a materialização de um ideário <ao mesmo tempo profundamente espiritual e triunfante de uma natureza que se quis ver ordenada” (Caetano, 2005, p. 11, itálico da autora) 357 “[...] a «afirmação do Renascimento foi (...) um processo gradual que evoluiu do conceito experimental de formas de carácter decorativo (...) [contando] com a formulação de escolas regionais (que) representaram, no seu decorativismo, um elemento de tensão à hegemonia do estilo chão» – de origem vernácula e fortemente influenciado pela arquitectura militar, que George Kubler identificou. Este fenómeno incentivou o surgimento tardio de uma arquitectura renascentista de modulação rural, [...]” (Caetano, 2005, p. 26) 358 Raul Lino – (1879 – 1974) arquitecto português. Integrou o atelier de Albrecht Haupt (1893) na Alemanha. Foi membro fundador da Academia Nacional de Belas Artes. Colaborador em diversas publicações periódicas como a revista “Atlantida” (1915-1920). Da sua obra arquitectónica destacamos: A Casa do Cipreste (1912); Casa do Marco (1920).

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Caetano359 (op. cit., p. 93), “[...] uma típica vivenda senhorial [...], onde bem se evidencia certa combinação [...]” de tempos arquitectónicos que nesta época invadia o país. As layers temporais apercebidas na sua compreensão vão, a seu passo, constituindo os seus interiores e exteriores. Os tectos abobadados, bem como colunas e ornamentos quase fora de contexto, enriquecem e protagonizam o seu espaço interior; dos grandes quartos às salas de refeição, da grande cozinha até às caves mais escondidas. Experienciar a sua escala, parece imprimir na nossa memória os seus tempos vividos. Poderíamos reproduzir os seus espaços mas, certamente, o pastiche seria imediato, sem sabor, desejando o tempo do original. Qualquer nova construção parecia atroz e sem sentido. Não podendo construir todos os quartos e respectivos equipamentos no interior do palácio, restou-nos compreender o modo de nos aproximar-mos dele. As chegadas e passagens, as saídas e momentos de deambulação sobre os seus espaços. Na verdade, a percepção da sua relação espacial encontra-se evidente na relação que mantém com o exterior através de pequenos vãos, ou a entrada sobre um alpendre, um arco que cruza os dois corpos entre a Natureza, seja até o pátio de chegada que configura passagens entre os dois, este sistema de relações tornava-se intensificador podendo, sobre ele, imaginar toda uma vivência de outros tempos. O início do projecto recai na percepção daqueles dois corpos palacianos. Na relação que mantinham entre si, sem que se isolassem da paisagem, incorporando-a na sua praxis consubstanciando-se “[...] na chamada torre [...]” (Caetano, op. cit., p. 86), que parecia enaltecer, sob ameias e merlões, a tipologia térrea. Assim, imaginou-se replicar estas ligações, estes interstícios, estas correlações. Projectámos, no seguimento do palácio, a continuação destes limites. Adquirimos as medidas das suas paredes e continuámo-las. Admitimos as suas áreas construtivas e repetimo-las; fragmentando um bocado aqui, sobrepondo outro além; interpretámos o seu limite como encontro de um sistema de relações a que nos propúnhamos descobrir, a alargar, a despertar sobre novos usos. Este foi o princípio, o modo como construir a partir de. Como quem pretende encontrar numa ordem passada os limites permeáveis à sua continuação, dando-lhe relevo e compreendendo-a até à sua ruptura.

359

CAETANO, Maria Teresa (1964 – ) historiadora portuguesa. Doutorada em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Ilustração 66 – Pousada, Ribafria. Esquema de planta do edificado. Relações espaciais. (Ilustração, nossa, 2012)

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Ilustração 67 – Pousada, Ribafria. Esquissos de compreensão sobre sistema espacial do edificado. (Ilustração nossa, 2012)

Admitindo os dois corpos como princípio, construímos espaços; distanciámos a sua intimidade, comprimimos e voltamos a afastar até encontrar uma medida razoável à sua intrínseca construção programática. Dentro de uma medida reconhecível, estendemos as paredes do palácio até se perderem do mesmo conjunto de onde tiveram sido retiradas. Num eixo longitudinal ao edificado, projectámos corpos, uns ao lado dos outros, estendidos sobre a vegetação que se pretendia agora redefinir sobre este sistema. Não se projectou um corpo único e finito, definiram-se vários corpos: os quartos da pousada. E que, só no poder da nossa imaginação e compreensão, na relação que temos da experiência daquele conjunto palaciano, poderiam relacionar-se. A comunicação do corpo palaciano – definido como “casas térreas pegadas com a dita torre” (Gonçalves apud Caetano, op. cit., p. 86) – e os espaços dos quartos, estabelece-se segundo uma contracção ou extensão das relações entre os seus limites. A relação com o palácio pré-existente continha-se numa subordinação visual, mantendo e enaltecendo uma relação com o torreão e talvez qualificando a intenção de Gaspar Gonçalves360, quando “ampliou em altura o corpo paralelepipédico, subindo-lhe mais um sobrado [...]” (Caetano, op. cit., p. 86). Os quartos definem-se, deste modo, como pequenas vilas, construídas sobre o espaço disponível 360

Gaspar Gonçalves de Ribafria – Cf. Nota 356.

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correspondendo a uma estrutura principal. A ideia de uma dimensão familiar, encontrase nas pedras aparelhadas, simulando muros pré-existentes, pequenos alpendres e degraus, muros e assentos que conferem ao espaço da implantação dos quartos, a sua ambiência e vivencia típica. Estabelecia um itinerário no encontro com a Natureza. Construídos em pedra local aparente, conferem a esta sucessão de construções uma imagem aparentemente fragmentada. Os materiais que definem os seus corpos construídos encontram nas caixilharias e coberturas a sua regularização. As coberturas privilegiam o espaço central do quarto e são construídas como pequenas chaminés onde a luz que incide tende a encontrar a sua homogeneidade no encontro da luz que limita o pavimento sobre um vão longitudinal. Projectados a uma cota elevada relativamente à entrada da quinta, têm como limite um espesso muro de pedra pré-existente que funciona como talude, de todo o terreno, sobre um vasto pomar. Na sua geometria regular, o pomar delimita percursos de contemplação a toda aquela vasta ambiência. Sobre o muro espesso de pedra, desenham-se escadas, projectadas a momentos oportunos que irrompem e redesenham o talude, permitindo o acesso entre as duas cotas.

Ilustração 68 – Pousada, Ribafria. Esquissos. Quartos. (Ilustração nossa, 2012)

O palácio definia-se como espaço social. Como contemplação, e como deambular da sua praxis inevitável para habitar uma pousada. Ele, palácio, era momento apresentável; cenário inevitável das suas vivências no confronto entre os tempos e protagonizava, às horas de lazer, nas suas salas abobadadas, aproveitamentos vários361 aos seus habitantes.

361

Salas de estar, salas de refeição, bibliotecas, salas lúdicas.

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Ilustração 69 – Pousada, Ribafria. Esquissos. Atmosferas e apropriações. (Ilustração nossa, 2012)

A Poente, projecta-se um estacionamento definido sob o solo. O “torreão do solar saloio”, que emancipa os corpos palacianos sobre a densa vegetação, “[...] elevandose nos céus, [quebrando] de maneira airosa a monotonia da horizontalidade do primeiro piso” (Fontes apud Caetano, op. cit., p. 86), surge como elemento introdutório. A torre que outrora fora aparato, mais do que propriamente defensiva, protagoniza a entrada sob o edificado, unindo estacionamento e espaço interior do palácio. Através desta, estabelece-se a cota térrea de distribuição da pousada recebendo, nos seus espaços salubres, o próximo visitante. Nesta vasta quinta onde só a vegetação e pequenas construções são protagonistas, a água é elemento essencial e percorre os seus caminhos, seja na orla da noite, ou na vegetação húmida, ou nos riachos que por vezes aparecem como que submergidos da densa vegetação. Deste modo, e sobre o tardoz do Palácio recupera-se uma cisterna pré-existente. Utilizada para distribuir as águas, tem ligação a uma pequena fonte que se situa mais acima sobre o monte que delimita a quinta a Sul. Esta ideia de conter a água longínqua sabendo que escorre inevitavelmente todo o vale, veio de algum modo fazer a ponte necessária à reanimação de uma ambiência intrínseca, e que só poderia protagonizar e altear toda esta vivência típica. Redefine-se o espaço da cisterna como momento de passagem, ligando palácio e banhos termais numa composição posterior sobre o monte a Sul. Recria-se a ideia primária de ruína aquosa, e onde parece encontrar a atmosfera necessária para banhos e actividades de spa. Projectados sobre o mesmo modelo de construção palaciana, os banhos encontram, na definição dos seus espaços, pequenos limites que agora conferem balneários e passagens interiores. Este espaço é definido sobre o terreno, a partir de um muro que corre longitudinal à propriedade definindo um talude sobre a cota inferior dos quartos. Este muro recorta, a seu modo, a percepção sobre a vasta quinta e a sua atmosfera. Aqui, poderíamos debruçarmos sobre o seu parapeito e contemplá-la. Estávamos como que dentro da concavidade de uma rocha, protegidos da chuva, sobre a água,

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superiores ao quotidiano da sua vivência. No nível inferior, a cota dos quartos recebia, momentaneamente o transbordar da água pelo talude como uma parede aquosa, de aparente passagem, que só a reminiscência das cascatas pode sugerir. Ao cair, a água corria as suas caleiras, construídas em pedra local até à sua última condução, a Natureza. Todo este processo visa, mais que uma piscina ou um spa de hotel de luxo, as condições programáticas que podem contribuir para uma experiência local, sem que isto se afaste do seu propósito. No lado Norte, o Palácio ergue a sua fachada sobre um tanque, “magnifico espelho de água” (Caetano, op. cit., p. 91) de desenho rectangular, adjacente ao seu corpo. Sobre este tanque, encontra-se um jardim pré-existente, “plasmado ao gosto renascentista, [...] amaciado [...] [ao estilo] barroco362, [...] com a reformulação do jardim de buxo centrado por fonte circular, [...] (idem, loc. cit.). O jardim, confere a ideia de palco, numa contemplação inevitável, podendo encontrar-se sobre eles ínfimos detalhes, permanentemente emersos aos nossos olhos. E é no seguimento do jardim, que se estende “um amplo escadeado de pedra que dá acesso a um relvado, [...]”363 (idem, loc. cit.) por onde reencontramos a Natureza na sua densidade característica local. No extremo oposto, a Norte, junto a uma nora adjacente ao muro pré-existente que se define do Palácio quase à entrada da quinta, projecta-se um restaurante: o restaurante de autor. Aparentemente autónomo do conjunto projectado, irá encontrar nas suas paredes a medida temporal do corpo palaciano. Reticulado, quase como manuseado, intersecta a nora e projecta-se a partir desta sobre o espaço verdejante que, coberto pelas massa arbórea, define a cobertura do restaurante, numa reminiscência dos “recantos e terraços debaixo de árvores bem copadas, [onde se constituíam] os lugares predilectos para estar e passear.” (Cabral apud Caetano, op. cit., p. 90) À sua frente, a escadaria leva-nos ao palco mental deste corpo palaciano, num reconhecimento das “[...] possíveis etapas vivenciais do solar de Ribafria, [...]” (Caetano, op. cit., p. 94) até à experiência que hoje podemos ter e, sobre o qual “[...] se afirmam momentos distintos, por vezes sobrepostos, mas que no devir do tempo foram construindo a sua história.” (idem, loc. cit.) 362

“A partir de um eixo central, subdividia-se o jardim simetricamente em linhas transversais e radiais de modo cenográfico. Elaborado como o jardim à francesa, uma concepção arquitectónica geometrizante, num diálogo com a Natureza, juntando elementos como escadarias, terraços, estátuas; estimulando os sentidos no seu percurso com o objectivo final de produzir espectáculo apelando à contemplação numa manipulação ideológica para afirmação do poder.” (Caetano, 2005) 363 “Todo este beneficio assinado por Vasco Regaleira – o arquitecto construtor que tratou da reintegração histórica do conjunto palatino e quinta anexa [...]” (idem, p. 91)

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Ilustração 70 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Articulação do corpo do Palácio enquanto gerador espacial. (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 71 – Pousada, Ribafria. Esquisso. Articulação do corpo do Palácio e o acesso às termas. (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 72 – Pousada, Ribafria. Conjunto da proposta. Planta e secção longitudinal. (Ilustração nossa, 2012)

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4.3. APARTAMENTOS, HOSTEL E GALERIA DE ARTE [2013]

Ilustração 73 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquisso inicial sobre embasamento e continuidade. (Ilustração nossa, 2013)

O propósito do projecto compreendia quatro apartamentos de luxo364, um hostel365 e uma galeria de arte366 a realizar na Av. da Liberdade em Lisboa sobre um lote de três frentes circunscrito entre três ruas: A Rua do Salitre (a Sul), e a Travessa da Horta da Cêra (a Oeste). No seu conjunto conferem a totalidade da parcela, destacando-se pela sua escala hierárquica, conferindo ambiências distintas. A dependência entre programas era determinada consoante a intenção do projecto. A abordagem constituía-se livre no modo como articularia o seu conjunto edificado: se num todo, se independentes, numa antinomia das suas vertentes programático-espaciais. Sobre o lote, encontravam-se dois edifícios pré-existentes. A sua permanência, encarada como contingência do projecto a implantar, fortalece o seu conjunto e prevê um diálogo que, de início, nos pareceu necessário e qualificativo. Através destas especificidades, estabelecendo desde logo uma hierarquia, a intenção de projecto começa, a par e passo, a tornar-se consciente pelas regras subjacentes, definindo pequenas estratégias inerentes à sua construção. Existiu, desde cedo, a vontade de comportar as diferentes características tipológicas através de uma única estrutura que, na sua definição, encontrasse as possíveis metamorfoses programáticas, necessárias às respostas de cada programa. Deste 364

Os quatro apartamentos de luxo compreendem 100m2 cada. Pedia-se que correspondessem a uma “extensão urbana da Pousada da Quinta da Ribafria” – Cf. Subcapitulo 4.2 da presente dissertação. Cada apartamento, T1, comporta uma sala de estar, cozinha, quarto e uma instalação sanitária. 365 O hostel compreende um foyer, gabinetes administrativos, espaços técnicos: arrumos e instalações sanitárias, uma sala de estar comum, bar e cozinha de apoio correlacionado. Os quartos compreendiam grupos de oito (duplos) e grupos de seis (quádruplos) bem como quartos de banho privativos. 366 A galeria de arte, compreende um espaço expositivo, gabinetes de administração e acervo.

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modo, definiu-se uma estrutura de secções regulares como uma malha geral comportando as particularidades que pudessem surgir, agregando-se ou distanciandose, numa consequente definição espacial, metamorfoseando uma mesma regra. Este sistema de secções regulares, equidistantes entre si, advém da reminiscência da estrutura do pombalino367. Tomando-a como modelo, tentámos encontrar na sua verdade temporal a permeabilidade da sua ideia. Pretendia-se uma distinção da estrutura, estabelecendo diferentes relações com as três ruas. O programa delimitava-se sobre estas decisões. Se a Av. da Liberdade conseguia ser manifestação genérica de luxo, de outro modo, o luxo poderia ser entendido como percepção das insinuantes e acutilantes vistas sobre as coberturas de Lisboa, voltados a Sul, sobre a Rua do Salitre, de carácter mais familiar. Por último, a Travessa, circunscrita entre o limite do lote e um outro edifício existente, configura-se, à cancela da nossa percepção, como elemento mediador entre estas duas escalas.

Ilustração 74 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos de introdução à ideia estrutural. (Ilustração nossa, 2013)

Para além de cada atmosfera distinta, as três ruas definiam-se a cotas distintas. Como analogia às caves dos edifícios pombalinos, que “[...] serviam para vencer desníveis do terreno [...]” (Santos368, 1989, p. 37), define-se a primeira cota, projectada num nível inferior às três ruas. A sua cobertura definia a cota de nível com a R. do Salitre (cota mais baixa das três frentes). 367

Pombalino – Sistema construtivo realizado na reconstrução dos edifícios da Baixa de Lisboa após o terramoto de 1755 segundo a política de Marquês de Pombal. Define-se por uniformização arquitectónica, de traçado geométrico e racionalidade. O edifício caracteriza-se pelas fundações em estancaria de pinho, caves e pisos térreos abobadados em pedra, paredes corta-fogo, corpo estruturado em madeira, a gaiola (da autoria do Arqt. Carlos Mardel) anti-sísmica e cobertura em telha sobre asnas de madeira. 368 SANTOS, Vitor (1949 – ) arquitecto português. Formado em Renovação Urbana pelo Departamento de Arquitectura da ESBAL e onde realizou a sua Pós-Graduação em “Conservação e Recuperação de Edifícios e Monumentos”.

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Ilustração 75 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Av. Liberdade. Perspectivas sobre pré-existente. (Ilustração nossa, 2013)

Definimos uma secção em toda a dimensão do lote. Como embasamento, definido à semelhança dos “[...] tecto[s] das caves [...] invariavelmente abobadados, [...]” (Santos, op. cit.,p. 37) no edifício pombalino, desenhou-se uma sucessão de arcos. Suporte de todo o corpo superior que, sobre eles, se apoiaria para dar lugar ao programa de carácter privado. Deste modo, definia-se por sua vez a fachada no encontro da secção com as ruas. “[...] o Piso Nobre [piano nobile]” definiu-se como cota de distribuição ao hostel – átrio – desenhando na cota superior pórticos regulares como uniformização da estrutura para dar lugar ao habitar e, na parte superior da secção, “[...] [no] decrescer de importância para os andares superiores” definiam-se os quartos do hostel sob a “cobertura de duas águas”. (idem, p. 90) Hoje, não mais encarados como espaços de menor importância, a ideia de habitar as águas furtadas reflecte o interesse da experiência das coberturas lisboetas. No modo como se desenhava a proporção necessária dos espaços interiores, a secção encontrava a antinomia programática.

Ilustração 76 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos de apropriação do lote e atmosferas. (Ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 77 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. R. Salitre e Travessa Horta da Cêra. Perspectivas. (Ilustração nossa, 2013)

Ao nível do embasamento definia-se o acesso à galeria de arte. As secções paralelas, definidas como muros encontram no desenho dos sucessivos arcos um jogo de cheios e vazios que caracteriza o espaço num itinerário arbitrário aos visitantes. A disposição das obras é concedida e ritmada pela disposição dos muros que, ao encontrarem a diagonal da Av., reiteram ângulos sucessivos. Sugere-se um espaço neutro, sem configuração visível para além da que lhe é inerente pelo espaço que a confere.369 Acedida pela cota da Travessa da Horta da Cêra, confere-lhe um carácter operativo. A sua atmosfera encerrada, momento de transição entre realidades programáticas encontra nos arcos que definem a fachada Este uma das entradas do edifício. A distância criada entre os primeiros arcos e a rua, confere uma galeria exterior, definida sobre arcadas.

Ilustração 78 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Esquissos introdutórios à secção no espaço. (Ilustração nossa, 2013) 369

Nos museus de arte contemporânea, o problema é cada vez mais o da organização de exposições temporárias. [...] O problema dos museus não é criar um cenário para obras especificas, mas espaços que permitam diferentes utilizações; é preciso flexibilidade e uma certa neutralidade. [...] Penso que um museu deve possuir o seu carácter próprio e manter as ligações com o meio a que pertence [...] capaz de acolher o que quer que seja. (Vieira apud Jodidio, 1999, p. 35)

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Ilustração 79 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção longitudinal pela galeria de arte. (Ilustração nossa, 2013)

Na sua entrada, as escadas que vencem a cota da Travessa, conferem, entre os pilares dos sucessivos arcos, a chegada cenestésica ao espaço da galeria. Sugerindo a compreensão da totalidade do espaço, este, desenha-se entre sucessivos pilares que suportam a estrutura e que, arqueada, define todo o espaço expositivo. Conferida na totalidade do lote, a galeria desenha-se de modo irregular. A distância que esta vai tendo em relação à Av. da Liberdade, compreende, na ordem dos muros paralelos, mais um e outro arco conquistando, a cada passo, mais espaço. A cobertura da galeria é desenhada em dois momentos. Pretendia-se de início que o espaço total se compreendesse com duplo pé-direito. Mas é no encontrar da cota da Av. da Liberdade, com a projecção da área necessária ao comércio, que a cobertura da galeria encontra a sua distinção. A fachada da Av. rompe o espaço central da galeria e sustem-se sobre os pilares comuns a toda a estrutura. Não sendo desenhada como uma caixa fechada e autónoma, o espaço que rompe a galeria, e suporta as lojas de comércio, funciona como mezzanine370 sobre o espaço expositivo, sem que as relações visuais sejam imediatas, de todo o modo, pertencem a um mesmo espaço, construído sobre o mesmo pilar, ancorado à sua ambiência comum. O duplo pé-direito da galeria define-se agora no espaço disponível, e inicia uma promenade architectural, desenhando-se entre os arcos que, numa sucessão paralela ao espaço das lojas, seguem o desenho das escadas de acesso à galeria de arte.

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Mezzanine – espaço de um edifício construído entre o piso térreo e o primeiro andar, normalmente rebaixado. Surge como alternativa arquitectónica para o aumento da área útil das construções.

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Ilustração 80 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção transversal pelo corpo do projecto edificado. (Ilustração nossa, 2013)

Os arcos da galeria desenham-se em altura até configurar as três entradas, sobre o lote comum, aos três programas. Conferem os acessos, tanto às casas antigas como ao corpo do edifício que se projecta. O nivelamento de cota entre a Av. e a Rua do Salitre define-se sobre degraus numa compressão espacial entre a nova construção e uma das casas pré-existentes. Define a entrada desta e permite o acesso livre entre as duas ruas. Todavia, a comunicação entre as duas cotas não ignora a permanência do edifício. E a malha que estrutura os sucessivos arcos encontra sobre o atravessamento público arcadas que protagonizam o inacabado do edifício que se constrói. A meio do percurso, e no cruzamento das secções que se estabelecem paralelas ao lote, uma outra ordem restringe e acerta esta, e que, ao cruzarem-se, evidenciam espaços de relevo. Neste dispor, um dos arcos paralelos que é interceptado por outro confere a esquina que inicia a escadaria de acesso ao hostel. Conferida como uma galeria ascendente, à semelhança das escadas “[...] colocadas [...] junto à parede de um dos pátios (saguões) afim de permitir uma melhor iluminação [...]” (Santos, op. cit., p. 35), circunscreve, no espaço que delimita, um vazio deixando respirar o espaço da galeria de arte, agora, sem cobertura aparente. O espaço total do lote, conferido em sucessivos pilares que conferem sucessivos muros, recebe sobre este acesso o seu centro a regularização necessária a toda a estrutura. Do mesmo modo, estabelece a distância entre programas. O arco de maior dimensão confere a união espacial e a distância necessária programática, ao desenhar, ao longo deste vazio, a cobertura.

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Ilustração 81 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectiva sobre a construção do corpo edificado. (Ilustração nossa, 2015)

A malha, que configurada num sistema uniforme e equidistante, encontra a sua dilatação e contracção do espaço que define no modo como agora pretende qualificar os espaços de cada programa. Se no Hostel, a retícula base de 3 x 3m compreende a unidade necessária ao conforto momentâneo de uma noite, nos apartamentos, este espaço pode ser compreendido entre 6 ou 9m entre pilares, aumentando a conformidade do espaço que os muros compreendem.

Ilustração 82 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Processo de evolução da secção Transversal. (Ilustração nossa, 2013)

Pela necessidade de projectar um volume significativo de quartos, estes distribuem-se entre dois pisos. Se no primeiro piso, de chegada pela escadaria, o espaço compreende as zonas administrativas, bem como salas de estar, cozinha e bares, no segundo e terceiro piso, os quartos compreendem todo o espaço, organizados segundo os limites dos muros, compreendidos entre os seus pilares. No seu último piso, o edifício comporta os último quartos. Num grau de maior intimidade, relacionamse por último com a cobertura de duas água, numa congregação última de todo o espaço construído.

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Ilustração 83 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Alçado Av. Liberdade. (Ilustração nossa, 2013)

A disposição dos quartos apresenta a mesma configuração que a galeria de arte. Voltados sobre a Av. da Liberdade, conquistam o seu espaço na irregularidade do lote que se apresenta distanciado no sentido Este-Oeste.

Ilustração 84 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção Transversal. (Ilustração nossa, 2013)

No sentido metafórico, o projecto vai redesenhar mais espaço ainda, fazendo com que a base do edifício se projecte alguns metros sobre a Avenida. Os muros paralelos, incidem sobre a fachada Noroeste como contrafortes que dilatam, a um ritmo pautado, toda a fachada e conferem à cota da Av., e sobre a entrada das lojas, pequenas arcadas que estabelecem o momento de transição entre o espaço de comércio e a rua. A luz que incide nas reentrâncias dos muros protagoniza a ambiência geral do edifício. Esta confere ao seu ritmo, espaçado sob os apartamentos, ou ritmado sobre os contrafortes dos quartos, ou ainda difusa sobre a galeria, a vivência latente dos três programas que comporta, numa intrínseca reminiscência do que lhes é comum.

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Ilustração 85 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectivas sobre o plano tardoz. (Ilustração nossa, 2013)

Planta. Apartamentos e Hostel. 43.00

Planta. Apartamentos e Hostel. 39.00

Planta. Galeria de Arte e Lojas. 29.00

Ilustração 86 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Axonometrias. Secções horizontais. (Ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 87 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Perspectivas sobre o plano da Av. Liberdade. (Ilustração nossa, 2013)

Cobertura

Piso Hostel

Piso Hostel

Contrafortes Av. Liberdade Acesso Lojas

Trv. Horta da Cêra Acesso Galeria

Ilustração 88 – Apartamentos, Hostel e Galeria de Arte. Secção longitudinal sobre o corpo do edifício. (Ilustração nossa, 2013)

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente dissertação indagou sobre a importância da imitação dos modelos que admitidos como base no processo de Arquitectura. Estes modelos constituem-se como uma sucessão de reflexões e reconhecem-se como herança cultural. Admitidos como verdade relativa do conhecimento, constituem-se geradores de princípio, conveniência e identidade, “[...] mas também é preciso que ao se identificarem com eles através do espírito, deixem errar, (...) livre, o génio da imitação [...] abandona [...] e deixa brotar, através da reflexão, os grandes princípios, motivo pelo qual são dignos de imitação.”371 Os sentidos permitem enquadrar a importância dos modelos na prática de hoje e é através de uma metodologia que os secundam ou libertam da sua origem. Os arquétipos, admitidos como composição ideal, permitem ao nosso tempo imprimir ao modelo constantes alterações. Reformular, traduz-se em requalificar todos os dias novas verdades. O arquitecto “altera, esclarece, confirma, exalta, recria ou cria de antemão”372 os modelos que admite. Reconhecendo-se como instrumento de projecto, conduz a sua imitação a novas origens, proporcionando o conhecimento. Parece-nos, como refere Ponty, que “[...] não é que qualquer destino nos retenha para trás, [...] Se as criações não são algo adquirido, não é apenas porque, como todas as coisas, passam, é também porque têm quase toda a vida à sua frente.”373 A composição da obra, a memória que cada um constrói, o lugar e a matéria que a revela constituirão sempre os mecanismos da expressão que cada um encontra como sintaxe reconhecível de um passado e de um agora, possibilitando experiências sucessivas e evoluindo o carácter da obra como expressão de um tempo. Reflectir sobre o que essencialmente nos parece digno de ser pensado, é utilizarmo-nos como mediadores do seu processo, desenvolvendo o conhecimento, como base e origem, da Arquitectura. E se, como indagou Praz374, os sentidos são o que realmente nos liga à percepção da obra, talvez seja, porque esta percepção é apenas realizada na memória, funcionando esta como resíduo de toda a arte. Talvez os gregos, em certo sentido, o tenham entendido, ao dedicar a memória à mãe das musas, a Mnemosine. 371

QUATRMÈRE DE QUINCY, Antoine (2008) – Sur la manière d’imiter la bonne Architecture grecque. In PEREIRA, Renata Baesso – Arquitectura, imitação e tipo em Quatremère de Quincy. p. 341. 372 MERLEAU-PONTY, Maurice, 2009, p. 74. 373 Idem, loc. cit. 374 PRAZ, Mario (1967) – MNEMOSYNE : The parallel Between Literature and The Visual Arts. Princeton: Princeton University Press. p. 71.

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GLOSSÁRIO Antigo

-

“[...], sinónimo de belo, de excelente, de perfeito. [...] [as] Suas artes foram aquilo que pretendiam ser como povo, [...] daí o verdadeiro princípio [...] [da] sua virtude original; daí esta progressão natural e lenta que secundou [o] seu desenvolvimento; daí esta profundidade de raízes que lançou a árvore da imitação, [...] é a[o] seu sistema de proporções que a Arquitectura antiga deve a superioridade que obteve e que conservou [...] o estudo e a imitação do antigo [...] devem ser considerados, [...], como uma espécie de equivalente [...] ao estudo e à imitação da natureza física, [...], o estudo das obras que melhor reuniram e colocaram em evidência as relações entre estas leis da Natureza e aquelas [...] [dos] nossos sentidos e [...] [da] nossa inteligência, sempre foi e nunca deixará de ser, [...] a arquitectura grega. [...], aquele que se formar, não na letra, mas no espírito destes ensinamentos, saberá que aquilo que deve ser designado por imitação do antigo, [...] não significa refazer aquilo que já foi feito [...], mas sim fazer como eles mesmos teriam feito, se tivessem que se submeter às exigências de outras necessidades e de novas condições; [...]”. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008a, pp. 103-129, itálico e maiúsculas do autor)

Arte

-

“[...] consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação. [...] a mentira, [...] é tão-somente a noção da existência real dos outros e da necessidade de conformar a essa existência a nossa, [...], assim nos servimos da mentira e da ficção para nos entendermos uns aos outros, [...] A arte mente porque é social.” (Pessoa, 2008, p. 232)

Arquétipo

-

“[...] Sentido metafísico – tipo supremo; protótipo ideal das coisas. Sentido psicológico e empírico – ideia que serve de modelo em relação a outras. [...] Sentido [...] dado por Jung sustentando que todos os inconscientes individuais apoiam sobre um inconsciente colectivo que lhes é comum. [...] em [...] arquitectura [...], é a matriz ideal na investigação do tipo que opera o caminho do Arquétipo, Protótipo, Tipo, Estereótipo. [...], usa-se no sentido de modelo original, imagem de autoridade que serve de regra para as outras imagens semelhantes.” (Rodrigues, et. al., 2005, pp. 43-44)

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Arquitectura

-

“[...] arte de construir. [...], excluiremos [...] toda a arte de construir distinta que apenas corresponde à parte material da arte de construir e nos limitaremos a todas as outras coisas exteriores às necessidades físicas, ou seja, às combinações da ordem, da inteligência e do prazer moral. [...] a Arquitectura só começa a ser uma arte [...] quando uma sociedade tenha atingido um certo grau de riqueza e de cultura moral. Antes desse período, há somente [...], construção, [...] [contudo, é sobre esta] que a arte de construir começa a adquirir [...] formas e [...] práticas usuais que lhe imprimirão as mais notáveis diferenças.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008b, pp. 135-159, itálico e maiúsculas do autor)

Aura

-

“[...] A singularidade da obra de arte é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de completamente vivo, algo de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga de Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente para os Gregos, que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais, que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma, era a sua singularidade, por outras palavras, a sua aura [...].” (Benjamin, 2012, p. 68, maiúsculas do autor)

Carácter

-

“[...] consiste na arte de imprimir [...] uma maneira de ser de facto apropriada à sua natureza ou ao seu emprego, de forma que nele se possa ler através de traços bem evidentes o que ele é [e] o que não é. [...], tonar sensível através das suas formas materiais e de fazer compreender as qualidades e propriedades inerentes à sua destinação, [...] [e que], só pode receber [o] seu desenvolvimento por parte do artista [...] [expondo] de forma fiel e verdadeira qualidades e ideias especiais que o uso confere ao [projecto] [...] conhecer os meios exteriores que a arte poderá empregar para corresponder à expressão que deverá manifestar[-se] aos olhos. [...] [operando sobre] o conhecimento da destinação especial do monumento, [...] da espécie de ideias que lhe correspondem e que podem encontrar na linguagem das artes os signos próprios para [...] tornarem [a] sua expressão mais ou menos clara. [...] [Existe no entanto] uma gradação a ser observada no emprego extremamente variável das linhas e das formas, das massas e das matérias, [...] que a arte pode aplicar, com muitas modificações, tanto ao conjunto como aos detalhes dos edifícios. Esta espécie de escala forneceu ao arquitecto um meio bastante poderoso de estabelecer entre si diferenças de fisionomia tão evidentes, que mesmo o olho menos erudito não se enganaria.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008d, pp. 193 e 201-203)

Composição

-

“[...] é tida como um jogo. [...] como especulação assente em combinações regidas pelo cálculo, pela geometria ou pelo acaso. [...] na Composição as funções arquitectónicas têm todas a mesma importância ao mesmo tempo, sujeitas como estão ao mecanismo da linguagem. [...] Jogo de relações de posição no espaço de elementos entre si.” (Tainha, 2006, pp. 98-99)

Conhecimento

-

“[...] os registos das imagens mentais que resultam da nossa interacção com o meio ambiente e, o modo como os

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relacionamos, de acordo com as nossas experiências [...]”. (Alves, 2009, p. 174) Essência

-

“Ao que uma coisa é como é chamamos a sua essência. A origem de algo é a proveniência da sua essência.” (Heidegger, 2014, p. 9)

Génio

-

“Do latim ingenium, formado pelo verbo gignere, que significa [...] engendrar, produzir. [...] Aquilo que [...] outros chamam de inspiração é apenas uma figura metafórica, adequada para exprimir unicamente os efeitos do génio sem dar conta de sua natureza. [...] é impossível constatar que tais movimentos rápidos, chamados de inspiração, não sejam eles mesmo o efeito de um trabalho desapercebido e ignorado por aqueles que o experimentam. Em quantos géneros a imaginação, que poderia ser chamada de memória do sentimento, faz, sem que demos conta, colecções e, se podemos dizer, provisões de ideias que parecem nos germinar espontaneamente apenas porque as sementes nos foram depositadas sem que disto tivéssemos consciência? [...] o génio poderia ter uma maneira de trabalhar que lhe seria própria e que somente ele poderia revelar e definir. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008e, pp. 239243, itálico do autor)

Génio Mitológico

-

“O génio criativo dos gregos imaginam seres dotados de virtudes elevados à máxima potencia e personificam-nos nas várias divindades mitológicas. Os deuses são assim configurações idealizadas de beleza universal, cujos personagens se tornaram protótipos humanos. O conceito de imitação transita da natureza para os homens greco-romanos.” (Tradução nossa) (Quatremère de Quincy, 1832, pp. 660-61)

Gosto

-

“Isto que é chamado de gosto, em matéria de arte, não é outra coisa senão a razão do sentimento. É ele que detém a atribuição de estabelecer a ideia do verdadeiro e do belo, e de desenvolver seus principais efeitos nas obras de arte, de uma maneira frequentemente mais clara e mais inteligível do que as que poderiam ser feitas pelas próprias obras da Natureza.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 245)

Identidade

-

“[...] una interrelación de identidades nocionales u operacionales y de identificaciones perceptivas, de las que ella no tiene en cuenta más que la continuidad y la igualdad, o sea las que permanecen constantes a través de una metamorfosis.” (Muntañola, nd, p. 81)

Imaginação

-

“[...] poderia ser chamada de memória do sentimento [...]”. (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008d, p. 241)

Imitação

-

“[...] quando [...], fazemos nossas as suas regras, [...] isto é o mesmo que imitá-la; ao operar de acordo com os seus princípios aos quais ela subordinou sua acção na conformação dos seres; [...] proceder, [...] segundo a direcção que [...] prescreve em seus meios, propondo-se o mesmo fim ao qual se aspira. Imitar não significa, [...] realizar a imagem ou produzir a semelhança de uma coisa, de um ser, de um corpo ou de uma dada obra; [...] Imita-se, [...], ao fazer como [...] faz [...] ao se apropriar dos princípios que servem de regra [...], do seu espírito, de suas

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intenções e de suas leis. [...]” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008f, p. 259, itálico e maiúsculas do autor) Informação

-

“[...] designa o conteúdo de tudo aquilo que permutamos com o mundo, à medida que a ele nos adaptamos e lhe aplicamos o resultado da nossa adaptação.” (Wiener apud Tainha, 2000, p. 72)

Invenção

-

“[...] dá-se o [...] nome à qualidade do espírito que inventa, [...], por consequência, é sinónimo de criação, [...] Convencionou-se, com efeito, que o homem nada cria no sentido elementar da palavra, e que não faz senão encontrar novas combinações de elementos pré-existentes. É o que ocorre [...] com o inventor: [...] encontra tais combinações. [...] a liberdade dentro das regras. [...] o mérito da invenção seria nulo, se fosse possível não haver regras, pois não haveria nenhum meio de julgá-la. [...] [o] seu campo encontra-se sempre aberto, e dentro deste círculo ilimitado, as combinações serão sempre inúmeras; que por fim é o génio que frequentemente falta às combinações, e que estas [...] [jamais] faltarão ao verdadeiro génio da invenção.” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008g, pp. 273-285, itálico e maiúsculas do autor)

Lugar

-

“Na genealogia do lugar, intervém o logos, onde começa a imitação de criação na natureza, e se manifesta a única lei, que rege todas as regras da natureza e de logos: a anterioridade e posteridade.” (Braizinha, 2006, p. 35)

Matéria

-

“aquilo de que um corpo é feito, que ocupa espaço, tem massa (por isso tem peso) e pode impressionar os nossos sentidos corporais; na filosofia de Aristóteles [...], é o que se contrapõe à forma; [...]” (Melo, 1999a, p. 1064)

Memória

-

“[...] função geral de conservação de experiência anterior, que se manifesta por hábitos ou por lembranças; tomada de consciência do passado como tal; [...] conjunto de elementos de um sistema que, em dado momento, são função da história do sistema; [...]”. (Melo, 1999b, p. 1077)

Memória Fabricada

-

“[...] a memória cultural adquirida por cada um mas contada pelos outros. Não experienciada com o corpo mas que é constitutiva da memória individual.” (Faria, 2014, pp. 142-143)

Memória Operativa

-

“As duas riquezas da mente, […] decorrem necessariamente uma da outra. […] Durante o processo da concepção em arquitectura, a riqueza da mente que se constrói, […] permite através do acumular sucessivo na memória de conhecimentos e das suas análises criticas, inventar no inconsciente da mente o que a riqueza conquistada descobre e revela. A riqueza conquistada, que podemos definir como subjectiva, transforma como inesperadas soluções encontradas por uma mente implacavelmente empreendedora, […] e reflexiva.” (Faria, 2014, p. 104)

Memória Viva

-

“[…] a memória que testemunhamos fisicamente, com o nosso corpo e emoção individual e intransmissível.” (Faria, 2014, pp. 142-43)

Mnemónica

-

“Aquilo de que falo é de uma barbárie inevitável, sintética,

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Marta Daniela da Silva Martins


Da Mnemosine ao processo de Arquitectura: memória, lugar e matéria na expressão da obra

infantil, que permanece frequentemente visivel numa rate perfeita [...], o Sr. G., traduzindo fielmente as suas próprias impressões, marca com uma energia distintiva os pontos culminantes ou luminosos de um objecto [...], ou as suas principais caracteristicas, algumas vezes mesmo com um exagero útil para a memória humana; e a imaginação do espectador, submetida, por sua vez, a esta mnemónica tão despótica, vê com clareza a impressão produzida pelas coisas sobre o espirito do Sr. G. O espectador é aqui o tradutor de uma tradução sempre clara e embriagante.” (Baudelaire, 2013, pp. 29-30) Mnemosine

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“A deusa Mnemosine, personificação da “Memória”, irmã de Cronos e Oceanos, é a mãe das Musas. [...] É omnisciente: segundo Hesíodo [...], ela sabe “tudo aquilo que foi, tudo aquilo que é, tudo aquilo que será.” Quando possuído pelas Musas, o poeta inspira-se directamente na ciência de Mnemosine, isto é, no seu conhecimento das “origens”, dos “primórdios”, das “genealogias”. Com efeito, as Musas cantam [...] o aparecimento do mundo, a génese dos deuses, o nascimento da humanidade. O passado assim desvendado é mais que o antecedente do presente: é a sua fonte. Recuando até ele, a remomemoração procura, não situar os acontecimentos num quadro temporal, mas atingir o fundo do ser, descobrir o original, a realidade primordial de onde proveio e que permite compreender o devir no seu conjunto.” (Eliade, 1997, aspas do autor)

Ordem

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“[...] não [...] uma constante universal determinista, [...] pelo contrário, [...] como uma rede de possibilidades abertas à composição arquitectónica e onde dentro dos limites da sua lógica interna tudo pode acontecer, até a desordem aparente.” (Tainha, 2000, p. 98)

Origem

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“[…] aquilo a partir do qual e através do qual uma coisa é o que é, e como é. Ao que uma coisa é como é chamamos a sua essência. A origem de algo é a proveniência da sua essência. A pergunta pela origem [...] indaga a sua proveniência essencial. [...] Qualquer que seja a resposta, a pergunta pela origem [...] converte-se em pergunta pela essência [...]”. (Heidegger, 2014, pp. 9-10)

Projectar

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“[...] significa, em grande parte, compreender e ordenar.” (Zumthor, 2005, p. 19)

Tempo

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“[...], temos que falar do tempo temporalmente. [...] A pergunta ‘o que é o tempo?’ transformou-se na pergunta ‘quem é o tempo?’ [...] este é sempre em cada caso o meu.” (Heidegger, 2008, pp. 71-73)

Tipo

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“A palavra tipo apresenta menos a imagem de uma coisa a copiar ou imitar por completo que a ideia de um elemento que devia ele mesmo servir de regra ao modelo. [...] o tipo [...] a partir do qual cada um pode conceber obras que não se assemelham entre si. [...] a imitação dos tipos não tem nada que o sentimento e o espírito não possam reconhecer, [...]” (Quatremère de Quincy apud Pereira, 2008i, pp. 303-305)

Marta Daniela da Silva Martins

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