Hipocondria
Domingo chuvoso, de trovoadas e ventania. Clima perfeito para exercitarmosembaixodoslençóisdesedamacia,otaldodolcefarniente de que falávamos na crônica anterior São seis horas da manhã e o telefonetocainsistentemente.Nãomeperdoopornãoterumidentificador dechamada.Quempoderiaestarmeligandoaestahoradamadrugada?
Nãosouotipodepessoaqueconseguenãoatenderaumchamado. Levanto me da cama, tonta e cambaleante. Atendo a ligação. Reconheço,deimediato,avozdooutroladodofio:MariadaConceição. Essanão!!!Essanããããããooooo!!!
Maria da Conceição, mais conhecida por Ceça, não é minha amiga. Não temos afinidade, ingrediente indispensável para se construir uma boaamizade.Mulherdemeia-idade,virgem,carentee...hipocondríaca!
Conheci Ceça em junho do ano passado em uma reunião musical. Festa animada, alegre e divertida, promovida por Aparecida, irmã de Ceça. Não sei exatamente como aconteceu, mas, quando dei por mim, estavasentadaaoladodeCeçaeenvolvidaatéopescoçocomassuas históriasdedoenças,asmaisvariadaspossíveis:desdeastropicaisaté asmaisletais.Todasexistentesapenasnasuamentedoentia. Contava-mesuadesgraçasemnenhumapressaecomumafabulosa riqueza de detalhes. Na família ninguém mais dava ouvidos às suas lamúrias,queixava-se.Andavasesentindomuitomal.Epelossintomas, podiaapostar,tinhasidocontaminadacomovírusHIV.Estavaempânico. Agarrava-se em mim como se eu pudesse salvá-la da terrível maldição. Nunca havia tido sequer uma experiência sexual, mas estava fazendo tratamento de canal e tratamentos dentários que – dizia-me – são altamente perigosos. Além disso, os alicates de unhas, as lixas e os temíveispauzinhosdelaranjeira!Sentia-seàbeiradamorte.
Aparecida veio ao meu socorro. Agradeci e saí de fininho. Ceça me olhava incrédula como a me dizer que ainda havia muito a ser compartilhado...
Não,meusamigos,nãoénadafácillidarcomhipocondríacos.Elessão umasverdadeirasenciclopédiasdetudooquepodeacontecerdeerrado aoserhumano.
Umasimplesdornascostaspodeserumafraturaexposta. Dormência naperna?Podeserumapossíveldoençararadostemposdaantiguidade
que,nãoraro,levaàamputaçãododedãodopé.Cisconoolhoesquerdo? Não, isso não está direito. Corres o risco de perder a visão. Resfriado? Cuidado. Resfriados são prenúncios de pneumonia. Uma verruga na palmadamão?Nãohádúvida,étumormaligno.Jápodesencomendaro caixão. Dordecabeça?Esqueçaenãoinsista,poistuavidaestáporum triz.Aneurismaàvista.
Mas como eu estava dizendo, o dia amanheceu chovendo, são seis horasdamanhãeotelefonetocainsistentemente.Atendo,tontadesono. É a Maria da Conceição, ou melhor, Ceça, a hipocondríaca. Está em pânico! Em pânico! Precisa de ajuda com urgência. Mal desligo o telefone,ointerfonetoca.Éela.Estácomfebreamarela.Nãoquermorrer sozinha.Apelouparaavizinhaquenãoaacolheu.Lembrou-sedemime veioparafaleceremmeusbraços.
Abraço-aafetuosamente.Tentoacalmá-la,informandoquenãoháum só caso de febre amarela no Rio de Janeiro. Pego o termômetro, tiro a temperatura para que ela veja que está totalmente normal: 36 graus. Incrédula, pondera que o termômetro deve estar com defeito. Sente-se quente e com dores no peito. Percebeu o momento exato em que o mosquito de nome esquisito pousou em sua testa. Dizia-me com olhos esbugalhadostersidoháexatosquarentaecincominutosatrás. Jásente fortementetodosossintomasdadoença.Ocasoégrave.Gravíssimo!
Sigoaminhaintuição.Preparoumbelocafédamanhã. ColocoumCD de músicas clássicas e mudo o rumo da prosa. Puxo conversas divertidas e convido-a para um passeio pelo quarteirão, agora que a chuvadeuumaboaestiada.Enãoéqueelaaceitou?
Saímosdebraçosdados,comosefossemosamigasdesdeainfância. Ceçajáéoutrapessoa.Derepente,algumacoisalhechamaaatençãode forma especial: é a nova farmácia do bairro. Saltitante e com olhar brilhante,convida-meparaentrareconhecermelhoroestabelecimento. Confessa-me que, apesar de não ser hipocondríaca (!?!?!?), é maníaca por farmácias. Entramos e, enquanto ela se diverte pesquisando os preçosdosremédiosempromoção,eupensocácomosmeusbotõesque na vida de um hipocondríaco nada parece ser mais afrodisíaco do que entraremumafarmáciaparaverasnovidades.
Ceça está visivelmente excitada. Vejo-a passar, cantarolando, com a cestinhaabarrotadaderemédios. Cruzcredo!
A Freirinha Que Era Má por Lúcia Senna
Nunca tive habilidade nem paciência para trabalhos ditos artesanais. Tomei consciência desse fato bem menina, quando cursava a segunda sérieprimárianotradicionalcolégiodefreirasSantaRosadeLima.
Uma vez por semana tínhamos aula de bordado com a Irmã Regina. Nesse dia, além da lancheira e da pesada pasta repleta de cadernos e livros,acestinhadebordadosnãopodiaseresquecida.Dentrodelahavia um tipo de pano próprio para bordar, linhas das mais variadas cores, dedaleagulhagrandeegrossa,especialparaaconfecçãodepontosde cruz.
Cruz credo! O meu paninho parecia mais um pano de chão, todo amarfanhado e amassado. Os pontos - que deveriam ser pequenos e delicados - feitos com zelo e capricho, eram simplesmente um lixo. Na minhaimpaciênciaenaânsiadedaraqueletrabalhoporterminado,fazia unsverdadeirosgarranchostortosemalacabados.
Como mostrar aquele trapo para a Irmã Regina? Eu ficava gelada só de pensar, meu coração descompassava de aflição. E assim, lá ia eu para o encontro fatídico: mãos frias e suadas, um passo pra frente, dois pratrás.
Irmã Regina, de pequena estatura, tinha a pele do rosto áspera e avermelhada. O olhar exprimia sentimentos de reprovação. Sobrancelhasgrossasenegras.Bocanãotinha,seuslábiosdetãofinos, há muito haviam desaparecido, talvez levados pela acidez da própria língua.Ovéupretoeapertadonatestacontribuíaaindamaisparaorigor dapostura.
IrmãReginaeracapazdedispararumraiodeluznegroemdireçãoaos seus alvos. E o alvo, agora, era eu. A sensação, acreditem, era a pior possível. Já sentia o peso de seus passos. O som cortante da sua metálicavozqueimava-meostímpanos.
Semvoz,hesitanteetrêmula,abroacestinhadebordadoseentrego paraamegeraindomáveloresultadodaminhainabilidade.Visivelmente mal-humorada, lança-me um olhar fulminante, seguido de uma
estrondosagargalhada.Mostra,comindisfarçávelprazer,omeutrabalho para a turma. Exposta ao ridículo, choro. Com voz de aço decreta o castigo:umasemanainteirasemrecreioe,pior,refazendoobordado.
Não há como negar: Irmã Regina, coitada, sem noção e sem tino, cultivavamétodosarcaicosdeensino.
Hoje, no entanto, vejo-a com bons olhos. O trauma, vivido ainda na infância,certamentemedeixoumarcas.Nãosuportotrabalhosmanuais. Até mesmo para fazer uma bainha ou pregar botão, preciso de um bom manualdeinstrução.Crochêoutricô?Ah,nãobrinquecomigo,faça-meo favor!Cerâmica?Colaresdeconta?
Não, não contem comigo. E os famigerados bordados com ponto de cruz?Cruzcredo!Eopontotreliça?Nemrezandomissa.Eopontoatrás? Eopontoxadrez?Ficarampratrás,nacompanhiadaminhainaptidão.
Irmã Regina, querida, a ti, minha eterna gratidão. Se tivesses agido comdoçura,quemsabeteriaeudeixadomeenvolverpelaslinhaselãs, tesourasetecidos.Quemsabe,estariaeu,nessemomento,sentadaem uma confortável cadeira de balanço, ao lado de uma cesta repleta de novelosdelã,agulhasdetricô,abordarebordarebordar...Levandovida sedentária, certamente estaria gordota, com as ancas avantajadas, pernasinchadaseparecendoterbemmaisidade.
Minha vida, irmã, graças a Deus, tomou outro rumo. Sem querer, me deste o empurrão inicial. Acabo por te transformar no personagem principaldaminhamaisrecentecrônica.
Agosto, Mês Infinito...
Agosto chega trazendo uma chuvinha miúda, convite perfeito para ficar em casa debaixo de mantas quentinhas lendo aquele livro que, por falta de tempo, não avançamos além da orelha. Lá fora, o vento despudorado derruba as últimas folhas das árvores, deixando as completamente nuas. Através da janela, vejo pessoas passarem agasalhadas,comseusguarda-chuvasretorcidospelaintensaventania. Éoinvernosefazendopresente.
Gosto que me enrosco de Agosto. Ele é berçário das sementes que irãoexplodiremfloresquandoaexuberanteprimaverachegar.Agostoé aconchego.Édiacurtoenoiteslongas,sugerindosopinhasfumegantes. Échuvafina,éabraço,éabrigo,écalor. Nãoseiporquecargasd'águao pobrezinhoétãomalvistoetãorejeitadoporumaboapartedapopulação. Tratam-nocomtotaldesprezo.Dizemqueéummêsperigoso,azarentoe que traz maus presságios. Muitos chegam ao cúmulo de não realizar nenhumtipodenegócioporacreditarquetudooquecomeçaemAgosto acabamal.
Andando pelo bairro, impressiona-me a quantidade de amuletos penduradosnasentradasdosestabelecimentoscomerciais.Percebendo meu estranhamento, a dona de uma loja de doces disse-me que não se podebrincarcomessemêsequetodocuidadoépouco.Háquerespeitálo, pois as bruxas estão soltas, espalhando gargalhadas e pavor pelos ares. E eu, que não sou nem um tantinho supersticiosa, senti correr um friogeladopelaespinha.Cruzcredo!
Na galeria em frente, o proprietário de uma loja de informática veio atender-me com vários galhos de arruda na orelha. Ofereceu-me um e, diantedaminharecusa,mostrou-sepreocupadoeaconselhou-meausar para afastar os males peçonhentos que chegam junto com Agosto. Acrescentou, com olhos esbugalhados, que, não é à toa que o mês é consideradoomêsdocachorrolouco.CACHORROLOUCO?Repitoeu, assustada! Sim, diz o homem, acrescentando que quem tem cachorro devecortaraspontasdassuasorelhasnaprimeirasexta-feiradomês–únicojeitodelivrá-losdoterrívelmal.Pobrescãesdeorelhaspicotadas...
As Espadas de São Jorge, conhecidas como uma poderosa arma contra o mau-olhado, estão por toda parte. Cortar cabelo emAgosto dá azar.Quebrarespelhossãoseteanosdedesventura.SeforemAgosto, triplicapra21. Aosairdecasa,nãoesquecerdesebenzer.Jamaisandar pelas ruas numa sexta-feira, 13 deAgosto - dia mais agourento do ano. Oslobisomens,dizem,estãoàsolta.Eatéeu,quenãoacreditoemnada disso,sintoarrepiosportodoocorpo.
Mas porque, diachos, Agosto tem esse estigma? Porque rima com desgosto? Não, não há como partirmos desse pressuposto. Seria tolo demais!Alguns enumeram acontecimentos catastróficos nesse período doanoparajustificartamanhaaversãoaomêsecitam,invariavelmente, asbombasatômicasquedestruíramHiroshimaeNagasaki,emAgostode 1945.
A meu ver, são explicações que não contêm o menor fundamento. SuperstiçõesexistemdesdequeAdãoeEvaforamexpulsosdoparaíso. Aoquetudoindica,talexpulsãosedeuemumaremotíssimasexta-feira do dia treze de Agosto. Desgostosos da vida, saíram sem rumo e, completamente desorientados, acabaram sendo mordidos por um cachorroloucoqueporalipassava.Comosolhosvoltadosparaoscéuse rogando por misericórdia divina, foram surpreendidos por um grande dilúvioqueosarrastouparaondeJudasperdeuasbotas.
Brincadeirasàparte,digoerepitooquantogostodeAgosto.Gostonão sediscute,eusei.Acontecequesempresouafavordosinjustiçados,dos oprimidosedosespremidos.Sim,eleéantesdetudo,ummêsespremido entreofestivoJulhoeofloridoSetembro.
Depois de ouvir as mais absurdas e variadas superstições sobre o fadadomês,resolvo-tãosomenteparaentrarnoclima-penduraraquela velha ferradura de sete furos atrás da porta, tomar um banho de sal grossoepediraosdeusesqueomêspassebemrapidinho.Aessaaltura vocês podem estar pensando que sou supersticiosa. Sou nada. Até porque,sersupersticiosa,ouvidizer,dáumazardanado.
Ah,oamoreassuasdeliciosascontradições!Camõesestavacertoao dizer que amor é ferida que dói e não se sente...é dor que desatina sem doer.NossopoetinhaViniciusdeMoraes-mestrenaartedeamar–eque foi “feliz para sempre” inúmeras vezes, decretou que não seja imortal posto que é chama, mas infinito enquanto dure. E um clássico da MPB prevêquequemandaatrásdeamorepaznãoandabem,porquenavida, quemquerpaz,amornãotem.
Arthur da Távola, cronista famoso, contribui com várias reflexões sobreoamor.Dizele:...os“grandesamores”imortalizadospelaliteratura sãograndes,nãoporseremamores,masporseremimpossíveis.Eque osgrandesamoresdavidarealsóquemsenteéquesabe.
Será que até no amor precisamos cair na real? Não é nada fácil escreversobreoamorsemcairnosclássicoschavões.Agorinhamesmo, tive vontade de dizer que o amor é o glacê do bolo da vida e já peço desculpaspelochavãocafona.
Ofatoéquetodostemosalgoadeclararquandooassuntoéoamor. Osconceitossãoosmaisvariadospossíveis. Paraavizinhadoprimeiro piso, senhorinha da quarta idade, o AMOR, assim mesmo, com letras garrafais, há muito deixou de existir E, bem baixinho, acrescentou, depoisdeumlongoeprofundosuspiroque,lamentavelmente,oshomens não fazem mais a corte. Confessou-me que já havia enterrado dois maridos.Agora,estavavelhademaisparaascoisasdoamor.
QuasemorridetantorirquandosoubequevivenaInternet,acessando sitesdepaqueraembuscadasuaterceiracara-metade.Fantástico! Umfamosoditadopopulardizqueoamorécego,surdo,mudoeburro. Discordo,concordando.Parececontraditórioeé.Conheçomulheresque sãoverdadeiraskamikazesdoamor.Malconhecemumhomemejáestão perdidamente apaixonadas. Promovem o primeiro sapo que encontram pelocaminhoàcondiçãodepríncipeencantado,aindaqueosujeitonão tenhaamenorvocaçãoparaanobreza.Seeleépreguiçosoejádásinais dequererviveràscustasdelas,insistememdizerparaaplateiaqueele saidiaenoiteembuscadetrabalhoenãoconseguenada,opobrezinho. Se bebe até cair no chão, está em depressão. Se é grosseiro e diz palavras de baixo-calão, ficou órfão muito cedo e não teve uma boa educação. Repetemcomosolhinhosrevirandodepaixãoqueofofinho sóprecisadealguémqueoame.
Horóscopo virtual pode ser uma boa ferramenta para as mais
precavidas. Na ânsia de encontrar a alma gêmea, conhecendo um gajo querem logo saber o seu signo. De posse dessa valiosa informação, partem ferozes para as previsões astrológicas. Acreditam que a Astrologiaéomelhordosinstrumentosnabuscadoparperfeito.Masse os astros forem contra, o jeito é desafiá-los. Afinal, um par imperfeito também tem sua graça. Sem graça mesmo é abrir mão de uma possibilidadedeamor,aindaqueremotíssima.
Deumanutricionistaouviumadeclaraçãointeressante.Disse-meque quando está amando, adora nutrir o próprio sangue com as vitaminas e proteínas coloridas da paixão. Mas, quando volta para o site de relacionamentos - uma espécie de sala de espera do amor- fica enfraquecida,anêmicaetotalmentedescolorida. ArelaçãocomRicardo, também nutricionista, chegou ao fim. Apesar de ainda gostar dele, não pode superar a mágoa de ter sido chamada de “gordura trans”, aquela quefazummaldanado.Riscou-acruelmentedoseucardápio.
Oamorésimplesmenteindefinível.Quemaniaessanossadequerer rotular sentimentos. Há amores de todos os tipos, de todos os jeitos, de todas as medidas e de todas as nuances. Pretensão absurda querer prendê-lo dentro de uma definição. Contraditório ele é. Traz sossego e inquietação. Tanto pode nos deixar em altíssimo astral como na mais profundadepressão.Ocertoéque,atémesmonoamor,oexcessopode serperigoso.Eamelódicaesuavelinharomânticatãodesejada,podese transformar, em questão de segundos, em um som estridente de um dramalhãomexicano.Ouemumabelatragédiagrega.
Não, o amor não é simples. Nunca foi e nunca será. E porque razão haveriadeser?
Jánasceucomotítulodereidossentimentos(outrochavãobreeeega) e, apesar de ter só quatro letrinhas, é de uma cera forma, bastante pedante.Cantadoedecantadoemtodasasépocas,emtodososidiomas elugaresdomundo,écompreensívelquetenhaadquiridoumcertoarde protagonistaaroubartodasascenasnoteatrodavida.
Com perfil de primeiro aluno da sala, peito coberto por medalhas de honraaomérito,desfilaorgulhosoentreseuspares.
Masoamor,minhagente,nãoémesmoassuntoparaamador.Freud, ao tentar explicá-lo, trouxe mais lenha para a fogueira, provocou uma verdadeira revolução com direito a pompas científicas teorizando sobre libido,fantasiassexuaiseotrascositasmás.
Dizem, que dessa tal revolução, nasceu a clássica pergunta: foi bom pravocê,meubem?KKKK!!!!
Aposentadoria, Tempo de Poesia...
Aposentadoria, quem diria? Ainda outro dia, estava eu vibrando ao saberquehaviapassadonoconcursoparaFiscaldaPrevidênciaSocial. Nãoqueeunãogostassedetrabalharnabiblioteca,muitopelocontrário. Mas,osaláriomaldavaparaobásico,paraodiário.Realmenteeramuito baixo. Eraprecisomelhorardevida,ganharmais.Afinal,haviatodauma famíliaportrás.
Passar no concurso era minha única opção. Era "passar ou passar", nãohaviaoutrasolução.Etomedeestudardiaenoite,noiteedia,além de muita, muita oração! Fiz promessa para todos os santos: São Judas Tadeu, o das causas perdidas; SantoAntônio, sem especial razão; São Francisco, pra não correr nenhum risco; São Jorge e seu dragão; São CosmeeDamião;FreiGalvão...sim,alistaeraenorme.Apeleiparatodos elescomumpacotedevelasnasmãos.Aospésdecadasanto,ajoelheimeetrêsterçosrezei.Cumpriocombinado!
Auditora Fiscal da Previdência Social, título pomposo, grandioso, horroroso,quememetiamedo.Debibliotecáriaafiscal,meuDeus,tudo mepareciatãonebuloso,tãoirreal!Afamíliaorgulhosadizia:“Agora,tens fépública".Eeu,naminhasantaignorância,achavaquefépúblicatinhaa vercomféemsanto,comoração,comreligião.Masnãoénadadissonão. ÉapenasumvotoamaisdeconfiançadadopeloEstadoàsautoridades públicas.Nãohaviadúvida:eueraumaautoridadeetinhafépública! Quantaresponsabilidade!Eagora,José?Seráquevaidarpé?
Logo me vi envolvida com empresas de todos os portes, com seus contadores, assessores, respeitosos senhores, mesas sem flores, paredessemcores,ambientescinzentos,tensosmomentose...cadêos documentos? E as folhas de pagamento? Onde está o livro Diário? E o Razão? Não estão escriturados não? E as guias de recolhimento, onde estão? E o contrato social? Onde fica o departamento pessoal? Onde está o diretor, o assistente, o presidente?Assim não tem jeito, não tem
nadadireito,voulavrarodébito,tenhoditoeestábemfeito!
O tempo voando passou, deixando em mim a sensação de dever cumprido e... comprido. Mais um ciclo está se fechando e outro ainda melhorjácomeçaasedelinear.Não,sinceramente,nãoguardosaudade da época em que tinha fé pública e era autoridade. Quanto ao título de AuditoraFiscal,sempremepareceupesadodemais.Tãopesadoquanto deveserafardadosimortais,tãoincomodoquantoumasaiajustaouum sapatoapertado.
SerAuditoraFiscalémuitolegalparadizernumareuniãosocial.Ainda assim, o melhor é ocultar, pois corre-se o risco de passar a noite inteira tirandoasintermináveisdúvidasdaquelechatoqueestáemdívidacoma PrevidênciaSocialequerdarumjeitodoilegaltornar-selegal.Quetal?
Aposentadoriarimacomliberdade,comalegria,comfolia,comnovos desafios, com novas formas de olhar o mundo, com Carlitos, o delicioso vagabundo,comviagensapaísesdistantes...
Antesdela,tudoerafeitocomhoramarcada,comotempocorrido,com os minutos contados. Depois dela, o relógio é esquecido, o tempo é amigo,ahoraéaliada,hátempopraprosa,proversoeatépragentese encantarcomouniverso.
Aposentadoria, hora de realizar aquilo que você tanto queria e, por faltadetempo,nãopodia.
Boa Segunda pra Todos!
“Domingoédiadepescariaelávoueudecaniçoesamburá...“ Aletradessamúsicamelevaaseguintereflexão: cadadiadasemana tem um significado específico e, por isso mesmo, influencia a nossa emoção das formas mais diversas. Quem, por exemplo, em sã consciência,pensariacomeçarumadietaemplenodomingo?Ninguém, acredito eu.Domingo édiade'domingar': fazerchurrasco nalaje,beber todas e jogar conversa fora. Tentamos, assim, evitar pensamentos tóxicosdotipo'amanhãésegunda'.Masquandoosoldesaparecee,no seulugar,entraoBigBrotherBrasil,nãoháserhumanoqueaguenteea depressãobatefundo.Aantipáticasegundajádespontanohorizonte. Segunda chega pesada. Todos temos uma agenda cheia de promessasacumprir.Osgordoscomeçamadieta.Frituras,refrigerantes e doces são repugnantes. Que venham os legumes, as frutas e os insubstituíveis sucos verdes. Dizem que não faz o menor sentido trocar deliciosos palmitos, tomates, alfaces e chicória – ah, os benefícios da chicória- por uma macarronada ou mesmo uma suculenta feijoada. E, com um pingo de imaginação, pode-se saborear rabanetes como se fossemtorresmosoumesmogenerosasfatiasdebacon.
Oscambaleantespinguçosdeixamdebeber.Osmaisradicaisevitam até mesmo bombons recheados de licor. Nada de medicamentos da homeopatia que contiverem álcool na sua fórmula. O corte é drástico e profundo.Definitivo.
Osqueestãocomaautoestimabaixa,vãomalhar.Segunda-feiraédia deacademiasuperlotada.Osexercíciossãointensosenenhumacelulite hádesobreviveraoviolentocombate.Todasasgorduraslocalizadaseos indesejáveis 'pneus' serão destruídos na manhã de uma segunda. Fumantes deixam de fumar e os preguiçosos vão à luta procurar o que nãoqueremencontrar.Masvão.Segunda,afinal,écomeçocomparávela umminiiníciodeano.
Terçafeiraamanheceeanoitecesemnenhumaexpectativa.Digamos que seja um dia normal, sem carisma, sem brilho, sem luz própria. Ninguémesperanadadeumaterça.Odiapassaembrancasnuvens.O mesmoacontececomavizinhaquarta.Umaduplapoliticamentecorreta. Uma dupla que não sai dos trilhos, que não faz nada de errado, que
percorreomesmocaminhoterçaapósterça,quartaapósquarta.
Quinta-feirajápossuiumastraldiferente.Hásonsdeviolinoportodos os lados e o momento é de esperanças no futuro próximo. Quinta tem charme,temespíritojuvenilenãotempressa.Pressapraquê,seofimde semanaaindanemcomeçou?Frustrações?Nenhuma.Quintaéo'antes', onde tudo pode acontecer. O trabalho já não nos parece tão penoso. O chefão, alegre e influenciado pelo magnetismo da quinta, assobia uma música do Martinho que diz: “canta, canta, minha gente, deixa a tristeza pralá....”Oqueavésperadeumasextanãofaz,hein?
Sexta-feira é paixão nacional. É o momento mais esperado da semana. Os bares ficam lotados. Homens afrouxam suas gravatas e celebramavidacommuitasrodadasdebebidas.Gordosesquecemsuas promessas e se fartam de tanto comer. Fumantes fumam exageradamente, como se estivessem à procura do tempo perdido. Pinguçosseencontramprabrindarochope.
Amulherada se afoga nos refrigerantes dizendo em alto e bom som queceluliteésexyequeaestriaéabelezamaisocultadeumamulher.
Anoite de uma sexta-feira é eletrizante. E o melhor de tudo é pensar queaindasetemosábadoeodomingopelafrente.
Sábadoépoderoso. Éaçãoeaventura.Todomundoesperaalguma coisadeumsábadoànoite.Aexpectativaébemmaiordoquenasexta. Oensaiogeralacaboueagoraépravaler.Ojogojácomeçoueascartas estãonamesa.Nãohámaistempoprablefes.Rolaumaangústiadotipo 'éhojesó,amanhãnãotemmais'.
Homens e mulheres estão atrás de uma companhia, de um lance, de um romance, de uma ilusão ou de uma fantasia. Vinicius de Moraes soube como ninguém, expressar esse sentimento de fissura e febre no seupoema“Porquehojeésábado“.
Eodomingochegacansado.Acorda-senahoradoalmoço.Ohumor nãoédosmelhores.Asensaçãoéadequelogologoseremosexpulsos do paraíso. Segunda é tão irritante que já começa na véspera: “poxa, amanhãéseguuuuuuunda!“
E, pra finalizar, uma citação engraçada: “Segunda-feira é igual a convidadoinconveniente.Chegarapidinhoedemoraumaeternidadepra irembora”.
Aindaassim,boasegundapratodos.
Cantar, que prazer que me dá...
Os bebês nascem chorando. Eu nasci cantando! Sou da região amazônica, tenho índios como ancestrais. Índios cantam para comemorar dias de sol, cantam para comemorar dias de chuva, cantam paracelebraraboacolheita,cantamnasnoitesdeluacheia,cantamseus mortosecantandonãosemetemnavidaalheia.
Índios cantam e dançam juntos, em grupo. Cantar pra índio é adubo. Cantando eles adubam a vida e enfeitam a morte. Tenho, sim, raízes indígenas, que sorte! Também canto e só não digo que canto e encanto porque a rima já anda cansada de rimar cantar com encantar. Posso, então,fugirdasrimasóbviaserimarcantarcomrede.
Achas que não rima? Não há nada que rime mais do que cantar na rede.Cantarnarede,temrima,temritmo,temgingado,tembalançoeeu nem me canso! Cantar na rede, digo, tem muito mais que uma perfeita rima: tem imã, pois depois que caio dentro, é certo, não saio nem por decreto.
Diz o ditado: "quem canta seus males espanta". Pois eu digo melhor: Quem canta, males não tem ". Cantar traz felicidade, acaba com inimizade, desfaz tempestade, reúne em torno de um bar amigos de verdade,aproxima,fazíntimaaintimidade,trazsemprepaz,serenidadee um tantinho assim de saudade. Traz em um triz aquele momento, um certosentimento,aqueleinstante,aqueleficante,aqueleciúme,oaroma daqueleperfume,aquelebeijoinesquecível.
Meu Deus, é incrível! A música, de repente, trouxe de volta o meu passado, o meu amado, há tanto tempo deletado. Cantar é no tempo viajar,devan,ônibus,naviooutrem,sentadoouempé,vemquetem!Tem cantigadeninar,cantigaderoda,cantigaromântica,cantigaparasonhar acordadaoupradormirsonhando...TemmodinhadeCarnaval,paracair na folia em alto astral, tem samba, xaxado ou xote e tem pagode, pra
passaranoiteinteiraenchendoopote.
Cantar bonito é divino. Cantar desafinado é desatino. Cantar por cantar é sabedoria pura, pois cantar cura! Eu canto divinamente desafinada, mas não me faço de rogada. Canto no banheiro, canto no chuveiro, canto na rua na fila do banco, canto na igreja e aos pés do santo,cantonarede,orasecanto.Cantonahoradasesta,cantoquando temfesta,cantonopalcoecantobemalto,nãocaiodosalto.
Cantaracalentaaalma,trazalentoaocoraçãoedequebra,alimentae apimenta qualquer relação. Se teu amor te deixou, chore não. Cante. Cantarabrilhantaoespíritoeafugentatodaequalquerenergianegativa.
Portanto,meuamigo,cantecertooucanteerrado,canteopresenteeo passado, cante leve ou cante pesado, cante sozinho ou acompanhado. Cante um bolero, um samba, um tango. Ou melhor: cante um fado: “De quemeugostonemasparedes,confesso...”
Bem,convenhamos,aquinãoémesmoolugaridealparacertostipos deconfissão.Mas,umacoisapossorevelar–te:cantaréminhasina,meu destino.Meufado!
Cartas, Doces Cartas...
Uma amiga acaba de me pedir algo inusitado. Quer uma carta de presente de aniversário. É isso mesmo: uma carta escrita de próprio punho e enviada pelos correios. Nada de ir ao shopping comprar lembrancinhas embrulhadas em papel padrão com o logotipo da loja. Você,nãosei,masachoaideiagenialejápensoemcopiá-la.Nopróximo Natal,voudarcartõesescritosàmãoparaafamíliainteira.Assim,melivro do consumismo desenfreado e ainda fico bem na foto. O país está passando por grave crise, portanto, nada mais sensato do que trocar presentespordocesefascinantescartas.
Abraço a ideia com grande alegria e entusiasmo. Receber uma carta hojeemdia,éumacontecimentodignodeserpostadonoface.Imagina chegaremcasaedarcomumadebaixodaporta.Claroquenãomerefiro acartasdecobrançaqueessassãoameaçadoras,insolentesenenhum ser humano merece. Refiro-me a uma carta, por exemplo, de um tio queridão, sumido pelo mundo.Ainda assim, pode ser uma furada , caso ele esteja querendo uma ajuda financeira por estar na última lona, o coitado.
Pensandobem,emummundorepletodeaplicativosdecomunicação instantânea, dos whatsapps, dos facebook, das mensagens rápidas escritas a toque de caixa (melhor dizendo, a toque de dedos) onde os sentimentoseasemoçõessãotraduzidasatravésdospopularesemojis, umacartaescritaàmãopassaaserumdesafioparatodosnós.Egosto deserdesafiada!
De cara, caprichar na caligrafia. Depois, o cuidado com a pontuação. As vírgulas são perigosas e escorregadias. Quando mal colocadas podem nos deixar de pernas pro ar. Cuidado redobrado com as aspas duplas. Sim, se você não tinha conhecimento, saiba que existem aspas simpleseaspasduplas.Emhipótesealguma,podemserconfundidas.Já as crases, deixam qualquer um em crise existencial. Os graciosos três pontinhos têm hora e lugar certo. Ponto de exclamação, também. O melhorécomprarumaboagramáticaedeixá-laaoalcancedamão.
Em uma carta, minha gente, os erros não são terceirizados. Nada de colocar a culpa na pressa ou no corretor automático que, diga-se de passagem, tem uma invejável liberdade criativa. Quisera eu ter a criatividade que ele tem. Cartas costumam ser guardadas por muito tempo. Portanto, o bom uso do português é tão importante quanto as emoções derramadas no papel. Um erro grave, pode causar uma dor agudanocoraçãodequemarecebeeacabaremtragédia.
Consciente da minha responsabilidade, dou a largada. Sento-me, corrijoapostura,vejoseailuminaçãoestáadequada,arrancoumafolha
do bloquinho especial e penso no que vou escrever Nada me vem à cabeça.Umvaziointenso,sócompartilhadocomafolhaembrancoque me olha desafiadora. O negócio é começar, eu sei. Depois, tudo há de fluirmagicamente.
Começarpelocomeço,semprefoiumaótimaideia.Eocomeço,sem dúvidaalguma,éocabeçalho.Masseráqueémesmo?Não,nãoé.Pulo ocabeçalho.
Cabeçalho pulado, faço uma calorosa saudação a minha querida aniversariante.Releioasaudaçãoeficotriste.Cafonademais!Omelhora fazer é substituir a saudação por uma pequena introdução. Risco tudo. Arranco mais uma folha. Ah, que falta me faz o delete. O bloco já está fininho. Impaciente, digo pra mim mesma, que é preciso dedicação, paciênciae,principalmente,amor,muitoamor! Partoparaaintrodução. Tenho que admitir que a introdução está muito superficial e de péssimo gosto.Comraiva,amassoopapele,comumacertaagressividade,atiro-o nalixeirinha.Estouvisivelmenteirritadaemecondenoporisso.
Alguns copos de suco de maracujá, exercícios de alongamento, respiração profunda e cadenciada, certamente são calmantes excelentes.Agora sim! Totalmente refeita, me envolvo por inteiro com a ideiagenialsugeridapelaminhaamadaamiga.
Voudiretoaoquerealmenteinteressa:ocorpodacarta.Querodemais queelaseemocione,ria,chore,danceequesedivirtacomotexto.
Precisoapenastomarcuidadoparanãoserrepetitivaeenviarnotícias velhas que ela já esteja farta de saber. É que trocamos e-mails diários, estamosnasredessociais,noswhatsapps praláepracá,twitter,skype, nada escapa. Além de tudo, é blogueira e todas as nossas histórias já forampostadas,vistas,revistasecomentadas.
Otempopassa,ocansaçochega,aesferográficacomeçaafalharea desafiadoraeantipáticafolhadepapelcontinuaembrancasnuvens.Ela mevenceu,ainsuportável.Esabedoquemais?Estamosnaeradigitale essa história de escrever cartas, já era. Que ideia mais antiquada! Eu, hein!Tôfora!
Felizaniversário,querida,nosencontramosnoface.
Celular, esse Grande Sedutor
Era um tipo muito estranho. Tacanho de tamanho e de ideias. Olhar ligeiramenteestrábico,bocaemformatodebicoesorrisodepoucosdentes. Tinha a pele do rosto suada e pegajosa, motivo de piada, já que portava constantementeumlençoparaenxugá-la. Vestia-sedeformadeselegante e não dispensava camisas de seda com estampas extravagantes, abotoadas até o pescoço. Frequentador assíduo do SOL E MAR, espaço dançante próximo à enseada de Botafogo, não era visto com bons olhos pela mulherada que sempre recusava suas investidas para uma dança. O sujeito,noentanto,nãoperdiaaesperançaeiademesaemmesaembusca deuma“princesa”queaceitassecomelebailar.Eoritualserepetiaacada baile.
Maseisquecertanoite,otipoaparecenaboîtecomumcelular,emuma épocaquecelularerasinônimodestatus.Chegaecomaraltivoedecisivo, caminhacomosefosseembuscadohorizonte,semdesceracabeçanem poruminstante.Dirige-seaobar.Pedeumatequiladagarçoneteeolhaem volta para ver o efeito que causara, retirando da pochette (sim, ele usava pochette) o seu acessório de exibição. É um pesado tijolão de dimensões absurdas,beirando30centímetrosdealtura.Felizdavidaporestarsendo notado,dedilhaotecladoefingeestarfalandocomalguém.Mesmocomo barulho ensurdecedor da música, radiante de orgulho, simula uma longa conversaquefluianimadamente.Nãoprecisademaisnadaparatornar-se ocentrodetodasasatenções.Asmulheresenlouquecidasgravitamaoseu redor,naesperançadeseremconvidadasadançarmas,desdequeelenão sedesgrudedocelular.Generosamente,dançavacomtodas.
Encaminha-separaomeiodosalãopuxandoadamaporumamão.Com aoutra,oobjetodedesejos,deloucuras,depaixão:osedutorcelular.Atoda horapededesculpas,masprecisainterromperadançaporcontadealguma ilusória ligação que acaba de entrar. E, a cada interrupção, o prestígio do agorabonitãoeravisível.Sim,ocelularohaviaretiradodefinitivamentedo chatoanonimato.
Hojeemdia,oscelularesjásãoconsideradospeçasdemuseu.Estamos naeradosSmartphones,nossospequenosefascinantescomputadoresde bolso. Outro dia esqueci o meu em casa e, apressada, não voltei para buscá-lo, o que considerei uma vitória! Passei, então, a observar o comportamento das pessoas e conclui que estamos totalmente dependentes de algo que eu chamaria de desejo excessivo de comunicação.Terummilhãodeamigos,aparelhotocandoacadainstante, ohglória! Eocelularvempreencheressanecessidadecompulsivaeque, aospoucos,estánoslevandoàbeiradainsanidade
Senta ao meu lado no Metrô uma moça de seus vinte anos acompanhada de um Smartphone, digamos, superdotado. Dedilha com
ansiedadeasteclase,emseguida,comvoztrêmula,fazumagravaçãoem altosdecibeis:“Oi,amiiiiga!Ligapramim,minhaliiiiinda!MeuSmaaartdeve está com problema. Não recebo chamadas há quase duas horas!Algo de muito grave deve estar acontecendo, concoorda, amiiiiiga? Depois, olhame com sofreguidão e acrescenta: “Nada pode ser mais triste do que um Smartmudo,quenãotoca.Concoordacomiiiiigo?“.Fiqueimuda. Desço do Metrô, um tanto atordoada, encontro Alda, uma amiga bibliotecária. Depois dos beijinhos de praxe, sugere que poderíamos almoçarjuntas,colocaropapoemdia,essascoisasqueasmulheresdizem quandoseencontrampelasesquinasdavida.Fomos.Malsentamos,Alda tiradabolsaoseuSamsungGalaxyJ7prime.Percebi,imediatamente,que havia caído numa cilada. Orgulhosa, foi logo me dizendo, com sua voz demasiadamente rouca: “Isso aqui, querida, é uma verdadeira joia da tecnologia. Ele tem memória RAM de 3GB e isso, sem falar no seu processador quod-core. E é excelente para selfies, com câmara frontal de 8MPeflash!Semfalardabateriade3300mAh.” Emseguida,pediu-meuns minutinhos pois precisava verificar alguns dispositivos, conferir mensagens,enviaralgunse-mailseresponderquatrooucincowathsApp...
Diante de tal situação, reajo fazendo cara de Mona Lisa, enfrentando assim,oentediantealmoço.
Voltopracasacomacabeçafervilhandoesentindoumaimensavontade deconversarcompessoasdeverdade.Quetalconvidarfilhosenoraspara uma pizza no novo restaurante que abriu no Baixo Botafogo? Ideia aprovada. Combinamos na porta do ECCELLENZA às nove da noite. Chegoumpoucoatrasadaevejoquetodosjáocupamseuslugares. Não notamaminhapresença,poisestãodecabeçabaixa,olhosfixosnatelinha. EnguloaminhadecepçãoesoltoumsonoroBOANOITE.Semlevantarem ascabeças,respondem-mecomumpálidoeanêmicooiiiiiiii.
Ah, minha gente, aquilo valeu como um golpe de açoite. Pode existir coisa mais melancólica do que uma mesa de seis pessoas, onde todas estão clicando? Não tive dúvidas, peguei meu celular e postei a seguinte mensagem dirigida ao grupo família: “alguém gostaria de conversar comigo?” Imediatamente, recebi uma enxurrada de divertidas carinhas, expressandoasmaisdocesesincerasemoções.Sim,todosqueriammuito saberdemime,pracomeçodeconversa,melhordizendo,demensagens, informaram-me que já haviam decidido o sabor da pizza. Caso eu não estivesse de acordo com a escolha, poderia enviar um whatsApp para o garçom.Fiqueiperplexa.Pretendiaterumaconversaàmodaantigacoma minhafamília.Queabsurdapretensão!
Não há como negar: o celular tornou-se uma mania, uma doença, uma loucura.Umaobsessão.Umvíciodifícildesereliminado.Estamosvendoa vidapassar,nãoatravésdajanela,comoaCarolinadoChicoBuarque,mas deumaminúsculatelinhadequatropolegadas. Concoordacomiiigo?
Chorar, acalma a alma...
Euchorocommuitafacilidadeeachoqueistojáéfelicidade.Não,não éapenasumarima.Éumaconstatação!Seidegentequesimplesmente nãoconseguechorar Queremchorar,precisamchorareaslágrimasnão descem, não rolam. Sentem-se sufocadas, com o peito oprimido, o coraçãopartidoeochoronãovem,nãochega.Nadamaisdesesperante, angustiante,frustrante,poischoroécalmante,éfaxinainterior,deixando aalmalavada,brilhante. Choro é reconfortante. Confesso que por várias vezes programei chorar.Bem...agoranãodá,estousuperocupada,otrabalhomechama, o colega reclama, o chefe não me ama, o aumento não veio, as contas estão chegando pelo correio, mas quando a noite chegar e na minha camadeitar,agarradinhacomomeutravesseiro,emposiçãofetal,euvou échorar!!! Vouchorarmuitoeaidequemmeinterromper!Eochorosai aos borbotões! Choro pela covardia dos vilões, pela meninada da periferia, pelas últimas manchetes dos jornais, pelos abusos sexuais, pelossofridospais,epormuito,muitomais...
Dou uma esticada no choro e choro ainda por mim, por meus parcos recursos financeiros, estou devendo a terceiros, o cartão de crédito estourou,não soumaisquem eupenso que sou,onamoro desandou, o telefone não mais tocou, o celular pifou, a plástica tão programada foi sumariamente cortada, o Cazuza me diz que o tempo não para, meu mundoestácaindo,juntamentecomomeutraseiroeaminhaautoestima! Aminhacaraestáinchada,osolhosdeumvermelho/sangue,onarizpra lá de entupido, as bochechas, de tão inchadas estão pesadas, mas a alma...Ah!aalmaestáleve,esvaziada,desestressada.
OchorofuncionacomoumaespéciedeRotoRooter,desentupindoe retirandodenossasentranhas,todosossaposengolidos,todasassaias justas que nos fizeram usar, todas as respostas que naquela ocasião, deveríamos ter dado e não tivemos a presença de espírito necessária, todoo"sim",quandoorazoávelteriasidoo"não",todoo"não",queteima emsepassarpor"sim"Enfim...
Gente há que tem vergonha de chorar. Outras choram a toda hora, a
todomomento,jáfazemdochoroumshowàparte,umevento.Outrassó choram no escurinho, sem plateia, agarradas a um lencinho romanticamente perfumado e após o uso, guardado no decote um tanto ouquantodespudorado.Algumasdeixamescorrerapenasumalágrima, olhandodistanteparaalgumpontodohorizonte,esbanjandosexualidade e um quê de vaidade, pois apesar da tristeza, não podem manchar a maquilagem.Ah,eaindaexistemcertasmulheresqueficamapenascom osolhosúmidos,lindos,lubrificadosporduaslágrimasmalabaristasque nãocaemdejeitoalgum
Tais criaturas são sempre, ao menos nas nossas fantasias, fascinantes, donas de personalidades marcantes, envolventes, insinuantes,queHollywoodsoubemuitobemexplorar Eoquedizerdas que choram escandalosamente? Estas choram e gritam ao mesmo tempo,sacodemocorpointeiro,parecemabateriadoSalgueiro,passam amãonojádesgrenhadocabelo,enãoháquemdêjeito,poisoqueelas querem é chorar. Em geral, já estão " mamadas " e rejeitadas por seus ficantes, ficam desvairadas, enlouquecidas... por se sentirem (quem sabe?)traídas!!!
Choraréentraremcontatocomasnossasprópriasemoções.Éestar antenadacomonossoprópriointerior.Érirpeloavesso.Afinal,todosnós jáchoramosdefelicidade,jáchoramosnoArpoador,diantedabelezade um final de tarde, já choramos de tanto amor, do que foi bom e deixou saudade, ao ouvir uma bela canção do Roberto, já choramos, por certo, aoouvirViniciusouTomerimosdechoraraorelembrardaquelamarcade batomquedeixamosondenãodevíamosdeixar...queazar!!!
Chorar é vital. É Fundamental! Portanto, não tenha vergonha, não. Sentidonecessidade,chore.Nãohácontra-indicação,poiséumLexotan natural. E quem disse que homem não chora? Que conceito mais preconceituoso!Pois,naverdade,homemquesepreza,chora.
E, além de tudo, que mulher resistiria a um choro masculino? Pense nissodápróximavezqueficarcomaquelenópresonagarganta.Desate onóeseafoguecomassuaslágrimas.
E,você,jádeuasuachoradinhahoje?
Chuva, Bendita Sejas!
Sempregosteidechuva.Achuvamecaicomoumaluva.Aindamelhor, seforànoitecomtodososfilhosdentrodecasa,debaixodaasa.Achuva me traz uma sensação gostosa de paz, de aconchego, de uma certa calma que me lava a alma. O cheiro da chuva então, é algo absolutamente indescritível, inigualável! Não há nada comparável! E cheirodeterramolhadapelachuva?Háquemnãogoste?Certamentehá. Omundoestárepletodepessoascomoolfatodanificado,estragado.
Pessoas há, para seu governo, que só dão valor ao cheiro de um hambúrguer ou ainda de comida frita, com óleo saturado, batata encharcada, fritura pura. Vivem com azia, mas não ligam pro azar. Comem de joelhos, rezando até se fartar ou...enfartar! Não entendem nadadecheirodechuva,nemmesmooquevemaser,deitadanarede, ouvi-la cair no telhado. Não, não adianta explicar: seria chover no molhado!
Achuva me faz pensar no passado, nas lembranças da infância, nas tempestadesdefimdetardequetransformavamacidadedeManausem um verdadeiro caos. Tomar banho de chuva era programa.Ameninada adorava.Odramavinhadepois,poisospaisnãoperdoavam,ascrianças apanhavamelevavamumsenhorsermão.Masdenadaadiantava.
Depois de um dia quente, uma chuva de verão era mais que um convite, acredite! Era uma verdadeira tentação. E a criançada, já esquecida das malvadas palmadas, corria para o meio das calçadas a gritar:"Solechuva,casamentodeviúva”ou"Chuvaesol,casamentode espanhol". Melhor do que a farra em si, só mesmo a sensacional sensação vinda do fato de estarmos transgredindo certas regras determinadas pelos nossos pais. Era demais! Valia uma surra e até um carão.
Chuva há pra todos os gostos.Tem aquela fininha, que não tem hora prairembora,parecequeenguiça,nosdápreguiçaeécapazdeficarali, diasediasdesafiandoanossaimpaciênciacomasuapermanência. Não adiantapedir“porfavor”,“dálicença”,elasóvaiquandobemquiser,sem nosdarciência.
Tem chuva pesada, que chega do nada, mas chega zangada e vem sempreacompanhadadeumassessorgrosseiro,metidoamachão,com vozdetrovão.Confessoquetenhoatémedo.Asorteéqueérápidacomo umraio,senão,seinão...Temchuvadegranizo,temchuvadegelo,tem chuvacomsol,temchuvadeventocujobarulhopareceumlamento,tem chuvadeoutonoedeinverno.Etemasdeverão,querápidaserasteiras são.
Chuva de verão, minha preferida... és forte, intensa, sabes te expor. Vensevaissemnenhumrodeio. Chuvadeverão,contigonãotemmaismais: se fosses mulher serias amante, 'ficante'. Casamenteira, jamais! Se fosses mulher, repito, serias meio Elis e terias muito da Leila Dinizque viveu pouco, mas soube ser chuva passageira, íntegra, inteira, intensa,feliz!Chuvadeverão,bonita,gostosaefaceira,sefossesmulher, seriasbembrasileira!
Com Que Roupa Eu Vou?
Tiro o dia para arrumar o meu armário. Não sou do tipo arrumadinha, mas também não sei conviver com muita desordem. Até por um certo comodismo,énecessáriomanterumaordem.Tomoadecisãodepoisde ter perdido um vestido e duas saias dentro dele. O fato pode ser hilário, masaquestãoéqueafaxinanãopodemaisseradiada.Desmarcotodos os meus compromissos do dia e, com afinco, enfrento sem GPS, o meu triângulodasbermudas.
Começooprocessopelosoitogavetões.Reencontroroupashámuito esquecidaseanalisopeçaporpeça.Horadeexperimentarodesapego. Pegoumaauma,omomentoédifícil,despeço-medelascalorosamente e, com olhos umedecidos pela emoção, decido jogá-las na bolsa que levarei para doação na igreja do bairro.Agora, apenas quatro gavetões estãoocupados.
Eocheirodenaftalinatomacontadocenário.
Oprocessocontinuae,comgarra,parto,literalmente,paraapartede dentro do armário. Vou, aos poucos, retirando as roupas dos cabides e colocando-as em cima da cama. Sei que muitas delas jamais voltarei a usar.Aindaassim,emfrenteaoespelho,experimentoumablusafloridae constatoqueestáapertada.Aoutra,demalha,curtaemeiodesbotada.O vestidoestampado,quetantogostava,nãotemmaisnadaavercomigo.A calçadebrimamarelaencolheuenãocobrenemmesmoacanela.Asaia de roda ficou fora de moda. Hora de continuar experimentando o tal desapego.
Leioemumadessasrevistasditasfemininas,dicasparaenfrentarde formagenerosaeemfeitiodeoração,sorrindoefeliz,odesapegonosso de cada dia.Amatéria começa afirmando que “é tempo de abrir espaço paraonovo”eque “tudocomeçanaarrumaçãodonossoguarda-roupa.“ Então,estoutrilhandoocaminhocerto.Animadaecomumlargosorriso nos lábios, trago mais duas sacolas para perto de mim e, praticamente, esvazio todas as roupas dos cabides, na mesma medida em que vou enchendoassacolasparadoação.
Missão cumprida. Faxina no armário e na vida. Isto mesmo, na vida
também,poisonossoarmário–aprendilendoamatéria–éosímboloda nossamente.Aodescartarmosvestidos,saias,blusas,calças,sapatose uma porção de quinquilharias que não usamos mais, sem nos darmos conta, estamos, ao mesmo tempo, modificando a nossa maneira de pensar.
Refletimos melhor sobre o que vale a pena guardar e o que deve ser retirado definitivamente por não fazer mais sentido nem nas nossas gavetas,nemnasnossasvidas.
Sinto-me livre, leve e solta! Junto com aquela blusa apertada, joguei fora alguns conceitos antigos, sem razão de ser, herdados não sei de quem e que andavam me incomodando por estarem, literalmente, “apertados”. Já com a de malha, curta e desbotada, descartei sentimentos mesquinhos e pequenos. Curtos mesmo, feios e descoloridos.
O vestido florido revela uma Lúcia de tempos idos e vividos. Será guardado na gaveta da lembrança, não na do armário. A calça de brim amarela encolheu. Não era de boa qualidade, assim como certas amizades.Nãoservemsequerparadoar.Jogueinolixo!
Easaiaderoda?Essaéaminhacara!Umasaiaexcessiva,cheiade panos, rodas e laçarotes. Revela meu lado brega. Retiro da sacola de doações.Ficocomela.
Armáriovazio,menteorganizada.Agora,éesperarqueonovoadentre no meu guarda-roupa e bem depressa. O desapego foi imenso e agora me bate um desassossego maior ainda. Desapeguei demais, exageraaaaaaadaquesou!Nãotenhonadapravestir
O telefone toca. Uma amiga convidando-me para ir pro samba. Emudeço e, em seguida, respiro fundo e respondo cantando que adoraria:
‘‘Mascomqueroupaeuvou,aosambaquevocêmeconvidou...’’
Crônica Entediante
Uma frase sobre o tédio inscrita na camiseta de um sujeito de idade indefinida chama minha atenção. Diz o seguinte: “Se tédio é tendência, hojeeutônamoda.”Queideiamaisbizarra!Estamosabordodoverão, cigarrascantando,praiaslotadas,céuazulanileocarasevestedetédio? Verãonãorimacomtédio;vidanãorimacomtédio.Nadarimacomtédio. Então,quehistóriaéessa?Jásei.Émaisumadasincansáveisfakenews que circulam pelos ares. Raul Seixas, nosso maluco beleza, fecharia a questãodizendoserumamaluquezcombinadacomalgumalucidez.
Afrasenãomesaidacabeça. Reflitoumpoucomaise,aflita,começo aadmitirquefazsentido.
A tecnologia está aí para nos deixar com mais tempo livre. Não precisamossairdecasaparafazerpagamentos.Temosumbancodentro docelulare,portanto,maistempolivre.Oscarros,embreve,jánãovão precisar de motoristas. As secretárias humanas, há muito, foram substituídas pelas eletrônicas. Os robôs estão chegando para executar todas as tarefas domésticas e não só. Gentis e generosos, invadem nossos trabalhos, apenas para termos mais tempo livre. Desempregados,temostodootempodomundoparacurtiravida. Masoquenosrestafazer,sejánãotemosnadaprafazer?
E vem uma sensação de vazio, de vida não vivida, de cansaço, de repetição, de chatice, de mesmice, de tédio. É aí que esse senhor enfadonhoganhaespaço,arrastandotoneladasdedesprazerpelasruas sonolentasdacidade.
Bocejos constantes, olhos de mormaço, pálpebras arriadas, ombros caídos, passos lentos e lá vem o tédio entediando todos a sua volta. É uma figura altamente democrata. Não discrimina ninguém. Idosos ou crianças, homens ou mulheres, negros ou brancos, homossexuais ou não, ricos ou pobres, todos andam contaminados por essa criatura insaciávelquesenutredovazioequersempremais.Monstrovoraz,mora dentro de um labirinto escuro, apertado e sem saída. Apesar da frágil aparência,temumaforçadescomunal.Equeninguémseenganecomo seu olhar de peixe morto. Ele é capaz de façanhas extraordinárias. Já declaroupublicamentequequasemorreudemonotoniaemplenaParis.
Otédiovivecomaagendavazia.Consideraomundodesinteressante enãovaidesperdiçarodiacompassatempossemgraça.Temfixaçãopor relógios,apenasparaconstatarqueotemponãopassa.Ecadahoranão passadavemacompanhadadeumsuspiroprolongadoedeumpedidode misericórdia divina. Sim, ninguém mais do que ele necessita dessa proteção.
Erraquempensaqueotédionãotemumpropósitonessavida.Claro que tem: tornar-se crônico. Não gosta nem de ouvir falar de um primo distante chamado ócio criativo. Considera-o inimigo mortal, pois esse cara é cheio de boas ideias produtivas e, frequentemente, tem seus momentos eureca. Quando crianças brincavam juntos. Ao se tornarem adultos, tomaram caminhos diferentes. Não havia afinidades. O ócio notouqueoprimotinhaumafortetendênciaparaapreguiçamentalese afastoudevez.
O tédio adora os Domingos. Se for chuvoso, melhor ainda. Fica que nem pinto no lixo. Passa o dia inteiro comendo e dormindo, dormindo e comendo. É dono de uma fome avassaladora. Mal abre os olhos de pálpebraspesadase,comarenfadonho,pegaocelularparaconferiras horas.Alguémsugerequeleiaumlivro,quevisiteumamigo,queassista um bom filme, que, ao menos, se mexa! Propostas recusadas. Ele quer mesmo é permanecer em ponto morto. Segunda feira é o início de uma novasemanaeessasimpleslembrançaoangustia:cadafalsoàvista.
Ocenárioérealmentedramático.Natentativadeentenderumpouco maissobreotédio,puxoconversacomumascensoristaconhecidomeu. Pergunto como é passar o dia apertando botões. A resposta é surpreendente.Comumsorrisolargoedepoucosdentes,disse-meque ali não existia monotonia. Ao contrário, uma vida estimulante, cheia de “altos e baixos”. E, ainda rindo, disse que chato mesmo é o trabalho de estátua dos guardas da rainha da Inglaterra que não podem se mexer e nemfalarcomninguém.Quedelíciadecomentário!
Acabodeassistirumacenaexplícitademotivaçãoverdadeiraedada por uma pessoa simples e de bem com a vida. Saio do elevador convencidadequesómesmoobomhumorparaexterminarotédiopela raiz.
Oascensoristaserá,poralgumtempo,meutipoinesquecível!
Depressão Pós-Festa
Sou festeira por natureza, é fato. Gosto de reuniões familiares, das festas de casamento, de aniversários, das comemorações natalinas, das festasjuninas,dosfestivosencontrosnascasasdeamigose,acredite,não ébalela,curtiaté mesmoo chádepaneladafilhadaIsabella,que estáde casamentomarcadocomopaidafilhadela,históriacomplicadaequenão vemaocaso.
Eusei,criatura,quenãohásdeacreditarnoqueagoraheideterevelar. Voufalarbembaixinho,ládentrodoteuouvido,comtodocuidadopranãote assustar: não perco festas beneficentes, festas religiosas, festas infantis, juvenisenemmesmo,pasme...festasdeformatura!
Sim, eu sei que estás perplexa e não tiro a tua razão. Mas sempre fui assim,meunascimentojáfoiumacontecimentoeaparandocertasarestas nãodeixoudeserumafestanaamazônicafloresta.Prometoqueumdiate conto como foi o tal evento. Por enquanto só te digo que tudo ocorreu a bordo de uma pequena embarcação regional de Santarém para Manaus, travessiadifícil,verdadeirocaos.Depoisveioacalmaria,oportoseguro,o caiseaimprevistafesta.Masissotambémnãovemaocasoenãovamos mudarorumodaprosa,oumelhor,orumodafesta.
Sou louca por festas não anunciadas que acontecem de repente, ao acaso,descontraídas,informaisequedãosemprecerto,poisaexpectativa ézero.
Eoquedizerdasfestasàfantasia,dasbaladas,dascirandaseserestas ao relento, daquelas que se arrastam madrugada adentro, viola já rouca, afônica,porémincansáveltocandotoadasdeamoraguardandoonascerdo dia?
Easfestasfolclóricas?EafoliadeReis?Eoboi-bumbá?
Umadasfestasmaistradicionaisdanossaregiãoamazônicaéadoboibumbá, que ocorre sempre no mês de junho e que através de seus personagens,contaumainteressantehistóriasobre anegraCatirinaeseu marido, o negro Francisco. Reza a lenda que a dita Catirina, grávida de muitos meses, sentiu um desejo incontido de comer língua de boi . A neguinhanãofalavaemoutracoisa,torrandoosacodenegoFranciscoque num acesso de loucura, cometeu um verdadeiro desatino: matou o boi prediletodofazendeiromaispoderosodaregião.
Podestuimaginarodesfechodestahistória?Então,escuta,quevoute contar.
Bem... assim que a morte foi descoberta, nego Francisco deu no pé, correu léguas e léguas, esquecendo de sua neguinha grávida e ávida de desejo por umalinguinhadeboi.Nego Francisco prezava demais sua liberdade e tinha pavor de ser pego e preso. Pois bem... na fuga encontra um pajé e várias curandeiras que cometemaincrívelfaçanhaderessuscitaroanimal.Oboi,vivinhodasilva,
dançacomonuncaeacomunidadefestejaporváriasnoitesedias.
Se frustração levo da vida é a de nunca ter tido oportunidade de participardafestadoboi-bumbá.Sempretivefascinaçãopelafiguradoboi, colorida,rica,misteriosa. Aindaguardoesperançadeumdia,quemsabe, ser o que é chamado de “miolo do boi”, pessoa que fica dentro de uma armação de madeira em forma de touro, coberta de veludo bordado e que tem a função de conduzir o animal pelas ruas da cidade. Não, não ria de mim,poiséamaispuraverdade!Eujátedisse,oraessa,oquantogostade festa.
Tenho percebido, no entanto, que o efeito pós-festa não presta, deixando-me comumasensaçãodevazio,parecidacomaquelaquecertas mulheres sentem imediatamente após terem parido seus bebês, a famigeradadepressãopós–parto.
Hábempoucotempo,aoinvésdelamentaraescassezdeconvitespara festas,resolviconvocaramigoseabrirasportasdomeuApezinhoparaum encontrofestivo.Osdiasqueantecederamotalencontroforamdeliciosos. Minha imaginação corria solta, sem rédeas, sem freios, qual criança à esperadeNoel.Eeraumtaldeenfeitaracasa,floresparatodososlados, mudança na arrumação dos móveis para a sala ficar mais confortável, preparar comidinhas, salgadinhos, queijinhos, salaminhos, tudo para o ninhotornar-seaconcheganteparaminhaqueridagente,algunsamigosda vidainteira,outrosdehoraemeia.
A reunião foi ótima, todos presentes, instrumentos de percussão à vontade, violão alegrando ainda mais o ambiente, conversas fiadas, animadas,muitaspiadaspicantes,azeitadas,risos,gargalhadasregadasa cerveja, vinho, caipirinha e no cardápio de bebidas também não faltava a nossabrasileiríssimaedevassacachaça.Cantamos,dançamos,recitamos Vinícius, fomos ridiculamente engraçados, bobos, tontos de tantas doses extrasdepingaresultandoem homéricos porresdeincontidafelicidade!
A noite já ia longe e aos poucos as pessoas foram se retirando e de repentemevisó,rodeadadelatasegarrafasvazias,móveisdesalinhados, almofadas pelo chão, copos sujos por todo lado e em cada canto da sala umasaudade,umaausência,umamelancolia,umaindefinidaagonia,uma vontade incontida de chorar, de esconder o rosto dentro das mãos, de esconderocorpodentrodarede,demeesconderdemimmesma,dedormir profundamentenumcoloquentequeinfelizmentenãoexistemais.Fiqueiali atéoromperdaauroraeaindadepois,pormuitasemuitashoras,noquarto frio,empanturradadesolidão.Fartadevazio.
Acho, sinceramente, que sofro de “Depressão pós- festa”, síndrome, pensoeu, aindanãorotuladapelamedicina,masquesintoesei quenão passa com nenhum chazinho ou cafeína, escalda-pé, sal grosso, cafuné, relaxante muscular e nem mesmo com a boa e velha aspirina. Melhora depoisdemuitochoroesópassacompletamentequandooutrafestajáse avizinha.
Dia de Festa, Espinha na Testa!
Elasempreaparecianofinaisdesemana,tipoencontromarcado.
E,quandohaviaumafesta,láestavaumadelas:aespinha,naponta donarizounomeiodatesta!Aquiloeraumverdadeirodrama!Etomade maquiagem para tentar escondê-la, mas era uma missão simplesmente impossível.Incrível,quantomaisbaseeuusava,maiselasedestacava, poisapeleficavaoleosa,brilhante...quecoisamaisirritante!Eujásaiade casa insegura, sentindo-me a última das criaturas, sem chances de ser paquerada,anoiteestavaperdida,acabada.Apenasum“chádecadeira”, pormimesperava.Eumedesesperava!
Lá pelas tantas, no meio da festa, cansada de estar sentada, dirigiameaobanheiro,loucaparaolhar-menoespelhoeaplicarumpoucomais de base, melhorar a aparência. No entanto, de nada adiantava a minha insistência.Aespinhatornara-seumpontodereferência.
Com a autoestima baixa, para a mesa voltava cabisbaixa, para a saideirademaisum'chádecadeira'.Aquilonãoerabrincadeira!Chegava em casa arrasada e minha mãe que não dormia enquanto eu não chegasse, ainda tentava me animar dizendo: 'Minha filha, espinha é juventude,émocidade'.Assábiaspalavrasdemamãesoavamcomouma verdadeira calamidade, pois davam-me a certeza de que delas só me livrarianaterceiraidade.
Amodahippiechegou,trazendosaiascompridas,camisetasecolares detodasascores,muitasflores,umcertoarrelaxado,nasroupasmuito bordadoenorostoestrelinhasautocolantes,feitasdepapelbrilhante,um verdadeiroachado!Meuproblemaestavaresolvido.Semeapareciauma espinha, eu colava uma reluzente estrelinha. Felicidade total! Bem... se nãofosseomeucabelo.
Sim, o cabelo era um capítulo a parte na minha adolescência. Eu o considerava quase uma indecência. Herança familiar, pra meu azar. Rebelde, indomável, cacheado e bastante desidratado. Piorava nos feriados e finais de semana. Confesso que nunca entendi a razão. Investia em bons shampoos, cremes caros, massagens com óleo de
babosa, abacate, vinagre e limão, mas tudo, tudo em vão. Meu cabelo, estaeraaminhadurarealidade,estavaforadopadrão.
Bacana era tê-los lisos, bem lisos. Uma amiga, tornou-se inimiga, ao confessar-me que o dela era tão liso, mas tão liso, que nem grampo segurava. Fiquei estarrecida com tal declaração e inconformada com o meu DNA familiar. Mas, não me deixava abater com facilidade. Afinal, mesmo com pouca idade, já havia aprendido que o mundo é dos fortes, dosquetemgarra.Eeu,tinha!
Usavadetodososrecursosdisponíveisparadeixá-losmaissedosos, bonitos, lisos e brilhantes. Sábado era dia de fazer touca. Touca pra lá, touca pra cá, touca pra cá, touca pra lá e só faltava ficar louca ao retirar lençoegramposeverificarqueomeucabeloestavatodoespigado,meio ressecado, totalmente, sem jeito. A touca não tinha produzido nenhum efeito!
Chegavaasentirdornopeitoeminhamãejáirritadapormeversofrer por tãopouco, por nada, da cozinha gritava: “Sabes de umcoisa, minha filha,ébemfeito.Tensqueaprenderateaceitar,aceitaroteucabelo”.
O tempo passou, a maturidade chegou e com ela, a aceitação dos fatos. Espinhas já não as tenho; o cabelo ondulado, vai bem, obrigada. Felicidade total! Bem... se não fosse por certas ruguinhas que estão surgindoe...
Mas isso, minhas amigas, será matéria para uma próxima crônica.A tônicapoderáser:
Deespinhasapésdegalinha,umaviagemnotempo...
Encontro Casual
Derepente,mevemàmenteumencontrocasualcomumaamigaem uma das esquinas da vida. Ela estava desolada, abatida, apática. Descolorida. Quis saber o que estava acontecendo. A resposta veio rápida e, com olhos lacrimejantes, disse me que o problema era exatamente pelo fato de, na sua vida, não estar acontecendo nada. A cadainstantealimentava-sedovazio.Otédioque,inicialmente,haviase instaladoemumapequenapoltronadasala,agora,jáocupavatodosos cômodos da casa. Comportava-se como uma erva daninha, dominando todaasuaexistência.
Por insistência minha, desfiou um rosário de lamentações, confessando-mequesesentiacomoa“Carolina”,doChicoBuarqueque, emestadodeprofundatristeza,viaotempopassaratravésdajanela,sem dar a menor bola para ela. Fiquei estarrecida com o relato da minha amiga.Sabiaquenãoerampalavrasditasaoléu,apenaspraconquistar minhaatenção.Aindaassim,nãoconseguiaentenderorealmotivopara tantosofrimento,paratantaaflição.Mas,defato,arazãoeraoquemenos importava naquele momento. Ela se despediu de mim, cabeça baixa, atravessouarua,dobrouaesquinaedesapareceu,deixando-mecoma dordafrustraçãodenadalheterditoquepudesse melhoraroseuestado deespírito.Eeuteriatantoalhedizer...
Poderiaterfaladosobreoineditismodavida.Semessadeacharque tudo está em compasso de espera ou em ponto morto e que nada de interessante poderá vir a acontecer. Tudo está acontecendo o tempo inteiro. Cada dia é uma tela em branco, onde vamos usar a nossa aquarela interior para pintá-la com as cores vibrantes das emoções vividas. Toda e qualquer rotina está repleta de surpresas, de novas experiências e desafios, de sons até então desconhecidos, de cheiros e sabores que nos remetem à infância, de músicas que nos invadem, trazendo lembranças guardadas no sótão da alma, de uma notícia há temposaguardada,dealguémquechegaenosabraçadeformaespecial edetantasetantaspequenasgrandesrelíquias.
A vida está pulsando lá fora. Passou da hora de espanar o tédio, agarraraalegriapelobraço,distribuirsorrisoseabraçoseabrir-separao novo, para o inusitado, deixar que venha à tona o seu “lado B”, mantido escondidohátantotempoporvocê.
Ouçaavozdasuacriançaquelhedizqueéchegadaahoradepintaro seteedetertopeteparairsemprealém.Degostardoverde,doamarelo, do cinza e do azul também. De ser de todos e de ninguém. De correr descalça ladeira abaixo, sem puxar o freio de mão. De dançar todas as danças, acompanhada ou não. De cantar no chuveiro e na chuva, na missa e na procissão. De falar de amor, em qualquer ocasião. De homenagearopôrdosol,noArpoador,emplenoverão.
Coisas acontecem a toda hora, basta tirar a venda dos olhos e ficar atentaaossinais.
Searotinaestáentedianteeacoisamaisestimulantedodiaédormir ou beber um copo de café com leite, não culpe a vida, pois a responsabilidadeétodasua.
Vaidependerúnicaeexclusivamentedevocê:quererpermanecerna inércia ou esforçar-se para provocar mudanças no seu mundo interior Mude, nasça, renasça, retome, reforme, realize, reaja, aja e... ponha FernandoPessoanoseudia–a-dia:“Sinto-menascidoacadamomento, paraaeternanovidadedomundo”.
Espelho, espelho meu...
Adoro um espelho, embora com ele não tenha uma boa relação. Sempremevejomaisgordadoquegostaria,masabalançanãoregistra isso não! Ainda assim, faço um balanço e decido cortar o pão, grande vilão!
Pão cortado, semanas passando, olho-me no espelho com toda atenção. Credo, estou muito magra, ossuda, descadeirada, desengonçada...Oefeitonãofoioqueeuesperava!
Voltoparaabalançaeconstatoquenãoperdiumasógrama.
Que drama! Então não me olhei direito e certamente dei uma engordada. Cortei o pão, é verdade, mas comi mais arroz com feijão, macarrãoaomolhodemanjericãoemuitasaladadeagrião.
Agrião? Claro, está “na cara“... o agrião, que grande farsante! Com aquele jeito de bom moço, de político do PV, fazendo estragos no meu visual.Portanto,abaixooagrião!
Agora sim, confiante, olho-me no espelho e... uauuuuuuu, emagreci demais, mas pareço um bacalhau! Estou feia, horrorosa, nada gostosa, sem bunda, sem peito! Deprimida, corro para o leito, do leito para a balança e nela percebo que o meu peso permanece o mesmo, sem nenhumaalteração,simplesmenteigual,ouseja,perfeito!
Encaro o espelho, de longe, de perto, pareço mais gorda ou pareço maismagra...Euvouficarlouca,espelho-pentelho,saidomeuquarto!!!
Espelho-pentelhosaiudomeuquartoecaiu...naminhabolsa!
Espelhopequeno,espelhodebolsa,ésdelicado,faceiro,nãoincorres em exagero, refletes apenas a face e um pouco dos cabelos. Não te importasseestougordaoumagra.
Sinto-me aceita, amada, espelho pequeno és camarada, gentil e educado. Espelho de bolsa, és mesmo um achado. Juntos vamos pros bares, pras festas, baladas e damos boas risadas. És disponível, acessível,estássempreàmão.Contigoretocoamaquiageme...
Epa!Umaespinhabemnomeiodatesta!Eumaruga,bemenrugada, entreassobrancelhas...emuitasoutrassurgindoaoladodosolhos, maisconhecidascomoastemíveis“pésdegalinha”!!!
O rosto também me parece meio magro, ossudo, marcado. Preciso urgente de botox, ácido hialurônico, uma loção secante para espinha e muito,muitomais!
A pele ressecada requer cuidados especiais. O cabelo, agora vejo, estámalpintado,meiomanchado,semgraça,semjeito.
MeuDeus,minhaautoestima,foiproburaco,proespaço.
Espelho palhaço, estás rindo de mim? O que te custa ser mais eleganteeasmarcasdotempodeixardemostrar?
Espelhoirritante,portuacausatomoumcalmante,voltopracasaeme ponhoachorar.
Espelho,espelhomeu,ensina-meateaceitar.
Nas Asas da Imaginação
Revendofotosantigas,encontroumaemqueestoucomdoisanosde idadefantasiadadeanjo.ParaocalorinsuportáveldeManaus,nadamais apropriado: uma auréola flutuante, duas pequenas asas e um largo sorrisoestampadoemumrostinhodetrêsouquatrodentes.
Acho que foi a partir daí que uma outra fantasia surgiu com grande intensidade: a de ser uma menina passarinha. Vivia com os olhos cravados no céu, acompanhando embevecida o voo dos pássaros. Quando a noite chegava e as aves iam se aninhar nas copas das frondosasmangueiras,eramasestrelasquemeencantavam. Nasasas da minha fértil imaginação infantil, uma delas poderia me pertencer. Adotei,sempestanejar,aEstrelaDalva.Sentia-megloriosadeserdona da estrela mais bonita e brilhante do mundo. Passei a andar de nariz empinadosemqueninguémentendessearazãodetantaarrogância.
Durante a infância, minha brincadeira preferida era sair correndo de braços abertos contra o vento, na esperança de que eles fossem substituídosporgrandesasaspotentesquemelevariamatéamoradado sol,oudaluaoudachuva....
Minhamãe-agoramelembro-sempremediziaque,casohouvessea chancedeumasegundavida,gostariadevoltargaivota. Gaivotas-dizia ela- são aves que se alimentam basicamente de peixes, vivem em ilhas oceânicas e não são molestadas por predadores. Minha mãe, sem dúvida,criouasaseestáplanandocomoavegloriosasobrealgumailha deserta.
Acabodeentenderarazãodafantasiadeanjo.Comtodacerteza,não havianaslojasnenhumadegaivota.E,asaporasa,sapecou-meumade anjinhomesmo.
Comaadolescência veioacertezadequeumdiaseriaaeromoça.O destino implacável disse não as minhas pretensões. A miopia arremessou-me pelos ares e o sonho adolescente bateu asas e voou. Comecei a duvidar de quem diz que somos nós os responsáveis pelo roteiro das nossas vidas. E já tinha duas boas razões para isso. Como nãoacreditarnaforçadodestinoquemefeznascersemasasemíope?
Julgomesmoqueexisteumsersuperiorque,ládecima,nosmanipula através de cordas tal qual marionetes. Detêm o controle e ainda nos faz
pensar que temos livre- arbítrio. Se livre- arbítrio tivesse, jamais teria escolhido para a minha vida uma atividade tão desprovida de encantamentocomoadeauditorafiscal.
Quem dera que pudéssemos criar as cenas dos nossos capítulos e, comonasnovelas,tivéssemosumasseguradohappyend.Infelizmente, não é assim que a banda toca. Não é nada fácil fugir do roteiro social: nascer,crescer,casar,terfilhos,trabalhar,envelheceremorrer.Voarestá definitivamenteforadonossoscript.
Mas,“senavegarépreciso”,voaréumanecessidade. Quandoestou feliz,corroparaaredee,comoumacriançaemumparquedediversões, embalo-me tão alto que, se não tomar o devido cuidado, saio voando janela afora. E já perdi a conta das inúmeras vezes que sonhei com tapetesvoadoresdas“MileUmaNoites”,transportando-meparapaíses exóticoselongínquos.
Umaamigaastrólogadisse-me,àsgargalhadas,queiriareveralguns conceitos sobre as características do signo de Touro. Taurinos, bem ao contrário, vivem com os pés fincados no chão. Como sou uma pessoa aérea, sempre com a cabeça lá nas nuvens, o meu touro, com toda certeza,éalado.Existemváriosnamitologiagrega.
Ofatonuecruéquenãonascemosparavoaredenadaadiantachorar pitangas. Deus, minha gente, acabou por se redimir ao nos dar asas à imaginação.Comelaspodemosabrirportasejanelasdomundo,mundo vasto mundo... podemos construir escadas para o imaginário, para o devaneio, para a utopia, para o sonho, para o irreal. Podemos estar no Brasil ou em Portugal, tudo isso em fração de segundos. Martha Medeiros, cronista excepcional, acerta no alvo quando afirma que “overdosederealidadeéaruínadoserhumano.”
Todos precisamos de uma boa dose de ludicidade. Descobri que, quandoescrevo,crescenasminhascostas,umbelopardeasas.Tantoé assim, que já estive jantando à luz de velas com casais imortais de séculoseséculosatrás.
Comojáestousoboefeitodelirantedocarnaval,escrevocantarolando baixinho, um dos nossos mais bonitos Samba Enredo: “...Liberdade, liberdade,abreasasassobrenós...equeavozdaigualdadesejasempre anossavoz“.
Eusébio Queirós, o Grande
Tudo aquilo que havia aprendido sobre cachorros caiu por terra no mesmo instante que Eusébio entrou na minha vida. Veio com a difícil missão de tirar-me de uma grande depressão causada pelo término de um namoro. Não houve tempo de preparar-me para recebê-lo. Chegou pelos braços de minha mãe que, louca para tirar-me de tamanho abatimento, considerou que um bichinho de estimação seria o melhor antídotocontradordecotovelo.
Olhei-o com total indiferença. Aos dezesseis anos estava, pela primeira vez, sofrendo por amor e não deixaria que nada nesse mundo fossecapazdeamenizaromeucalvário,omeusuplício,aminhaintensa apatia. O meu drama. Muito menos um cachorro langanhento, desmilinguido e com cara achatada, parecendo uma caixa de requeijão Catupiry Rejeitei-osolenementeparadesesperodaminhamãe.
Sofrer por amor é uma espécie de rito de passagem para a idade adulta.Estavaentrandoemumanovafasedavida.Entreadordaperda de um namorado e o glamour da mudança de status de menina para mulherdebatia-me,natentativadedominarorebuliçocausadoportantas etantasemoçõescontraditórias.
Eusébiocresciaaolhosvistos.Eaminhaindiferençaporeletambém. Indiferença,abemdaverdade,erarecíproca.Odanadodopequinêsnão me dava a menor pelota. Aquilo de uma certa forma, incomodava-me bastante. E quando o via refastelado na poltrona mais aconchegante da sala com aquele ar de daqui não saio, daqui ninguém me tira, recorria à respiração ioga para não deixar que meus instintos mais primitivos viessemàtona.
Seháumacoisaquedetestoéotaldocaradepau. E,pelojeito,teria queconvivercomum:Eusébio.Ocupavaacasainteirasemumpingode cerimônia.Nãosuportavavisitas,especialmentedecrianças.Tornava-se agressivo a ponto de espantá-las com seu olhar esbugalhado e latido ensurdecedor Algumas vezes, confesso, prestou-nos grandes serviços. Não precisávamos lançar mão de simpatias para nos livrarmos dos chatos.Ele,comasuaantipatia,resolviaaquestão. Minha mãe, certamente, apostou que Eusébio e eu teríamos uma relação inquebrantável. Na realidade, não foi exatamente assim que aconteceu. O toque focinho /cara não rolou. Nossos santos não cruzaram. Personalidades diferentes. Afinidade, nenhuma. Eu, rueira. Ele, caseiro, sedentário e preguiçoso. Eu, cheia de amigos. Ele, antissocial e mal humorado. Eu, brasileira. Ele, chinês. Oceanos de diferença!
Apesar de ser um cachorrinho feio, de focinho todo enrugado, muito mal –ajambrado, deselegante no andar e sem nenhum resquício de atração física tinha, no entanto, uma característica admirável: uma fantástica autoestima. Eusébio se bastava. Nunca abanou o rabo para ninguém da casa. Também não gostava de excessos de mimos e detestava ser carregado no colo. Convivia perfeitamente com a própria solidão.Ocontatocomoutroscãesdeixava-oraivosoeimpaciente.
DonodeumapersonalidadereservadaeindependenteEusébio,sem dúvidaalguma,eradonodopróprionariz,oumelhor,doprópriofocinho. Em uma noite muito fria de inverno tentei vestir-lhe uma roupinha de flanelaquehaviacompradonumpetshop.Péssimaideia!Olhou-mecom absolutodesprezoerosnandocomseuscaninosprafora,mostrou-mea suatotalindignação,fazendo-meentenderquejamaisaceitariasepassar porumsimpleshumano.
Vencida a raiva dos primeiros instantes, senti, repentinamente, uma grande simpatia por aquele pequinês arrogante, ingrato e rabugento. O fato dele não ter acatado minhas ordens foi fundamental para o surgimentodeumsentimentoatéentãoinédito:admiração.E,admiração, convenhamos,équaseamor.
Precisava inteirar-me um pouco mais sobre o comportamento de tão exótica criatura. Dia seguinte, comprei livros sobre a raça pequinês. Fiquei perplexa ao saber que aquele cachorrinho pulguento pertencia à realezachinesa.Equeassuasraízesestavamligadasàcorteimperialde Pequim.Sim,Eusébioeraumnobre!E,comotal,exigiasertratado.Daío seuarimponente,altivoepedante.
Orgulhosafiqueiaocertificar-medequeelejamaissesubmeteriaaos meus comandos, não me faria referências especiais, não suplicaria por meus carinhos e não abanaria o rabinho ao me ver chegar em casa. Nunca se prestaria a sair pelas ruas de botinhas, casaquinhos de frio, capinhasdechuvaoubonezinhosridículos.GrandedefensordosDireitos Caninos,reivindicavatratamentodignoesemfrescuras.
A partir de todas essas constatações, enchi-me de amor pelo meu “garoto”. Brindei-o com um sobrenome e um título: Eusébio Queiróz, o Grande. Umnomeàalturadesuasnobresorigens.
Naquela noite, sugeri que ele viesse dormir no meu quarto. Com alguma parcimônia, aceitou o convite. Parecia entender meu arrependimento por nunca tê-lo dispensado a atenção que sua ilustre condição merecia. E, já sonolento, filosofou: - “Não se esqueça, minha garota,quenós,animais,estamossemprecertos.Oerrosófazparteda condiçãohumana”.
Aceiteiacríticaeenfieiorabinhoentreaspernas.
Gafes e Mais Gafes
Venho de uma família famosa pelas gafes que comete. Diz o ditado popularque“quempuxaaosseusnãodegenera”.Tenhocontribuído,ao longo da vida, de maneira exemplar para que a parentada continue a merecerumaboaclassificaçãonoquesitomancadas. Acabamos por tirar partido dessas situações vexatórias e nossas reuniões familiares não seriam tão divertidas se não fossem por elas. Algumas, por serem extremamente hilárias, nunca saem do cardápio e garantemrisadascontagiantes,daquelasdetirarofolego.Oprotagonista dasituaçãosente-seorgulhoso,certodequeestáfazendoumbelopapel ecolaborandodemaneirahonrosaparaaperpetuaçãodoDNAfamiliar. Malterminamosdecontarumapateticealheiaejávemoutropedindo para ser escutado pois “aquela”, da vó Maria, é mais engraçada ainda. Para competir com a vó Maria, alguém diz, só mesmo a tia Eunice com suasdesventurasemsérie.Agargalhadafoiunanime.TiaEuniceerauma grandecolecionadoradegafes.Imbatívelmesmo!
Certa vez, foi convidada para uma festa na casa de Lulu, tia rica da família. O marido de Lulu era seringalista em Manaus. Mudou-se para o RioeaquicriouoLeitedeRosas,cosméticoquemudousuavida.Seera um bom tônico de limpeza para as peles femininas, não sei. O que sei é que o homem ficou milionário. A nata da sociedade tupiniquim frequentavaafabulosacoberturadaAvenidaAtlântica,nosanos60.
Paraumadessasfestasmonumentais,lásefoiEunice.Pertencenteà classemédia,nãotinhatraquejosocialparatanto.Aindaassim,jamaisse fazia de rogada. Convite feito, convite aceito. Naturalmente bonita, escolheuamelhorfatiota,vestiuomelhorsorrisoe,ansiosa,chegoumais cedodoquedeveria. Osalão,decoradocomrequinte,jáestavalotadode garçons oferecendo aos esnobes convidados as mais caras bebidas servidasemlindastaçasdecristal.
Um deles aproxima-se de Eunice e, gentilmente, pergunta se aceita algumabebida.Insegura,porestaremumambienterepletodepompase circunstâncias, informa que não aprecia bebidas alcoólicas. E, ao invés depedirumaáguatônica,confunde-see,cheiadededos,sugerequelhe traga uma água sanitária bem geladinha. O garçom, boquiaberto, assusta-se com tão inusitado pedido, deduzindo – quem sabe? – que aquelaestranhasenhoraqueriaporfimàprópriavida.
E, no entanto, era apenas Eunice sendo Eunice, exercendo os ossos doofíciodeumacabeçadistraída.
Também sou muito lembrada nas festas de família. Tenho alguns clássicos de minha autoria. Outro dia estive no Fórum para obter informações sobre um processo. Passando por uma das salas, percebo que o espaço está lotado, sinal inequívoco de que algum julgamento deveriaestarparaacontecer.Curiosa,entro. Aindaháumlugarbemna frente. Instantes depois, chega o juiz. Olha-me demoradamente e, incrédulocomaminhapatetice,medizqueaquelacadeiraédestinadaao réu. Levanto-me envergonhada sob os risinhos presos do público presente.
Acho que a palavra 'avoada' poderia perfeitamente fazer parte integrantedomeunome.
Umdosmeusgrandesfeitosfoicairdentrodeumlaguinhodechafariz, dessesqueservemparaenfeitaraspraçasdosjardinsdascidades.Era “Dia das Mães “. Família toda reunida no clube Piraquê para o almoço festivo. Cantarolando animadamente e, acompanhada do meu jeitinho estabanado de ser, tropeço nas próprias pernas e, qual uma equilibrista bêbadasemrededeproteção,mergulhonolagomachucandoacabeça nas ferragens do chafariz.Alguém me socorre e me deixa quarando ao sol. Aindazonza,ouçorisadinhasvindasdetodososlados.
Não me importo em contar que já entrei em velório errado, dei pêsames para a viúva errada, dei meu lugar no metrô pra mulher barriguda,achandoqueestavagrávida,que,poralgumtempo,trateiuma pessoadosexofemininoporSenhor,quechegueiemcasacomcompras que não eram minhas, que comi ração de cachorro pensando que era biscoitinhodeleite,quejábrigueifeiocomumpadrenasagradasacristia, que tropecei nas saias do sacristão que tentava apartar a nossa briga, entretantasoutrasbarbaridadescometidas.
SouPHDemderrubarprodutosempilhadosemsupermercados.Aqui, ponho a culpa na gravidade, uma das minhas grandes inimigas, que faz comqueeuderrubetudooquevejopelafrente.
A mais recente gafe aconteceu após o término de uma entediante reunião de condomínio. Querendo ser simpática com os meus novos vizinhos,puxeiconversasobreclubesdefutebol.Faleimaravilhassobre omeuBotafogoemuitomaldoFlamengo.Nãoseiporquecargasd´água, acheiqueerambotafoguenses.Nãoeram.Eramflamenguistasdoentes.
Umagloriosagafe,vocêshãodeconvir.
Ginástica na Academia, Mama Mia...
Soudaturmaquesofreaoamanhecerodiaeseobrigaairàacademia. Soutaurina,preguiçosa,adoroacordarelerosjornaisaindanacama, espreguiçando-me pra lá e pra cá, sem pressa, ora essa, sem correria, abrir as janelas e ainda sonolenta, lentamente caminhar em direção ao banheiroparasentirodeliciosocheirodejasmim,vindododesinfetante, escolhidoecompradopormim.Epracompletar,bocejar,bocejar,bocejar, até ficar com os olhos bem úmidos e só então, olhar-me no espelho e desejar-meumsonoro“Bomdia!”
Mas e a academia? Pois é! O problema é que sou mulher vaidosa e vaidade não combina com preguiça. E é justamente aí que a coisa enguiça,dá-seoimpasse,vounãovou,asemanamalcomeçouenãohá nenhumajustificativaparafaltaràginástica.Jáolheibemprocéu,nãohá sequer uma nuvem mais pesada, nada leva a crer que vai chover, ao contrário,sevocêquersaber,odiaestálindo,céudebrigadeiro,bastante quente é verdade, mas como já disse, sou mulher vaidosa, venço o impasseeapassoslargos,decididos,rumoparaaacademia. Chego ofegante e elegante na minha malha colorida, adquirida na feirinha da esquina. Chego querendo dar a impressão que estou muito bemdisposta,distribuorisosesimpatiasparatodososlados,façoaquele social,todosmeachamlegal,conversadecá,conversadelá,maschega detagarelar,poisvimaquiparamalhar.
Antes de começar, alguns procedimentos à frente dos espelhos, (sempre eles) que são muitos, são demais, precisam ser tomados: finjo que estou prendendo os cabelos em um rabo de cavalo bastante despretensioso, quando na realidade estou a me observar: a pele me parece meio sem viço, pálida, um pouco descamada, ( será efeito do ácido, que iria deixá-la simplesmente o máximo ?) os olhos ainda avermelhadoseaspálpebraslevementeinchadas,oscabelossaindodo corteeeu,mulhervaidosa,jáentrandonumasemidepressão.Não,isso não! Tento outro espelho, afinal todas as mulheres sabem que um
espelho mal posicionado, com a luz incidindo de forma incorreta, acaba comqualquerumadenós.
Oba!Acabodeencontrarumquemefavorece.Ficalogonaentradaem umlugarmeioescurinho,umachado,umpresente.Sinto-meempazcom minhaaparênciae,porfavor,dálicença,queeuqueroémalhar!
Compoucoentusiasmopegominhasérieelamentoterqueconfessar, masémuitochato,équaseumtormento.Massendomulhervaidosa,não tenho outro jeito a não ser aguentar todos aqueles aparelhos de tortura, alguns (credo!) parecem até mesmo com os usados durante a ditadura emcertascriaturas,cujoúnico"pecado"eradoregimediscordar.Àeles, abro aqui um parênteses, pois deram suas vidas para o reestabelecimento da democracia no nosso país, ainda que com tantos senões...
Mas ainda que com tantos senões e voltando à vaca fria, tenho ido à academia.Nãoseriajustodeixardeaquiregistrarqueháummomentode puro êxtase em todo esse, digamos, sofrimento. É quando termino a minha série e suada, olho-me no espelho e agora sim, com uma expressãodefelicidade,depuraalegria,lanço-meolharessedutores-já pareço mais magra, mais esguia. Nossa, estou ótima! Será que são os hormônios que com os exercícios resolveram sair pelos poros? Estrogênio, Progesterona, Estradiol, Feromônio – queridos amigos uterinos,ovarianos,meusdeusesumbilicais,nãomeabandonemjamais!
Se para tê-los em minha companhia, preciso frequentar a academia, euprometo,eujuro,nãofaltonuncamais!
HAPPY-HOUR
Elanãoteriaido,senãofosseainsistênciadealgunsamigos.Estava cansada, sem ânimo, depois de um dia de trabalho estafante. Mas era uma sexta-feira e a noite apenas começava a dar o ar de sua graça. Sendo ela daquele tipo de pessoa que jamais soube dizer 'não', acabou por ceder à pressão, aceitando convite para um happy-hour, em casa recém inaugurada no baixo Botafogo. Espaço charmoso, decorado com esmeroecomidinhasdetemperosemigual.
Como atração principal, um afinadíssimo grupo de jazz tocava para uma plateia um tanto ou quanto desatenta, falante, barulhenta, que os aplaudia ao final de cada apresentação, por mera formalidade, sem prestar-lhesadevidaatenção.
Sentou-se bem próximo ao palco para melhor degustar cada nota musical, cada nova improvisação, além, é claro, de uma taça de vinho tinto francês de ótima safra, aconselhado pelo maître como sendo o melhor da casa. Já sentia-se outra mulher, bem animada, relaxada, ouvindo música de qualidade inquestionável, os amigos em volta e ela envoltaemtodoesseclimadeprazereharmonia.
No primeiro intervalo do grupo, ela soube por alguém da casa que o palcoestariaabertoparatodosàquelesquequisessemcantar,bastando para isso, que se inscrevessem em uma lista que estava 'rolando' de mesaemmesa.Elaadoravacantar.Todosdiziamqueeraafinadaeque tinha um bonito timbre de voz. Já havia, na realidade, se apresentado algumas vezes, mas sempre entre amigos e familiares. De repente, não maisquederepente,eisquealistasurgeemsuamesaenãohátempo para inseguranças: “É pegar ou largar”, pensou. A ousadia venceu a agoniadomomentoe,pronto,estavainscrita.Percebeuqueonúmerode candidatoseraenormeequemuitoscantariamantesdela.Nadamalpara quem precisava urgentemente se recuperar do nervosismo que já dava visíveissinais.
Término do intervalo, os músicos voltam para os seus lugares e instrumentos. Na plateia, um certo alvoroço, uma certa tensão, alguém pedeatenção,poiso“showdoscalouros”vaicomeçar.Elatorceparaque o primeiro a cantar não se saia tão bem. Compreensível sentimento, convenhamos! E lá vem o segundo da noite, o terceiro, o quarto, o quinto... Ela está uma pilha, entorna de um só gole a metade da taça do tinto, o corpo pega fogo, mas a alma está gelada. Falta pouco para ser chamada. Acha que e meteu em uma grande enrascada. Os amigos a encorajam,essaéahora.E,agora?
Sobeaopalcoerecebeaspalmasdepraxe.Aadrenalinafazfestaem sua circulação. Os músicos, agora pode observar, não eram nada simpáticos. Por certo, não estavam gostando nem um pouco daquele inusitadocaraoquê.Eles,brilhantesprofissionais,aterquedividiropalco comamadores...Ah,meussenhores,nãoémolezanão!
Sobe ao palco e depois dos aplausos pontuais, comunica que vai cantarumacançãochamada“Antonico”.“Coméquié?”,pergunta,quase indignadoogordoebarrigudobaixista,porbaixodeseusóculosfundode garrafa,comcaradepouquíssimosamigosetolerânciazero.
Timidamenteelaseaproximadaimensaorelhadocarrancudosenhor eládentrodoseuouvido,comoquemfazconfidências,indagacomumfio de voz: 'Não pode?” Antes que ele respondesse que não, o pianista, sujeito fino e educado, bate nas costas do colega e com um sorriso amarelado,diz:”Cara,“Antonico”,cara!.
Ela,coitada,jáestavacomacaranochãoeloucapradescerdopalco, sair da terrível situação. Foi, então, que o sisudo baixista, visivelmente irritado, fez a segunda pergunta:” Tom?” Ela, mais que depressa respondeudizendoquenãosabiadizerquemeraoautordacanção.Ele, jánoaugedasuaimpaciência,fezmençãodeabandonaropalcosendo interrompidoemseugesto pelosdemaiscomponentesdabanda.
Ela,mortadevergonha,sópensavaemdebandar.Percebeuquehavia cometido um erro crucial: o de confundir o Tom Jobim, com o tom da escalamusical.
O pianista veio socorrê-la, pois ela não sabia qual era o seu tom. Cantoubaixinhoumtrechodamúsicaeomúsicodecretou:“ÉLáMaior”. Trêmula agarrou o microfone, encarou a plateia, respirou fundo, deu um mergulhoparadentrodesimesmaereunindoforças,murmuroubaixinho: “lávoueu“.
Avozgrave,pausadaeforte,agradoudeimediato.Podiaverpessoas cantando e batucando nas mesas, sinal inequívoco de que estava agradando. Tomou um segundo impulso e desta vez, mais confiante, deixouqueavozsaísseporinteira,entregando-sedecorpoealmaaoseu canto.
Ainda não havia terminado e já podia ouvir os aplausos do público. Ficoueufóricaquandoalguémpediubis.Sentiu-sevitoriosaetodaprosa atodosagradeceu,loucadevontadedeaindacantarmaisumavez,mais duas,maistrês...
Deixou o palco ovacionada. Nada poderia ser mais importante, naquele instante.As palmas, já não eram as de praxe. Eram palmas de verdade,conquistadasàduraspenas...
Estou em pleno Inferno astral. Para quem não sabe, inferno astralsegundoaAstrologia-éaqueleperíododetrintadiasqueantecedeàdata do nosso aniversário E, acredite, são terríveis Ando impaciente, intolerante e insensível. A chatice está no seu grau mais elevado. Ninguém, em sã consciência, pode aturar-me por mais de quinze minutos. Alémdetudo,deipara atrairoschatosdeplantão.Nadamais natural,jáqueestamosvibrandonamesmafrequência.
Saio à rua e encontro Damião, pessoa portadora de chatice crônica. Viveareclamar,diaapósdia,daprópriaexistência.Amulhernãolhefaz maiscafuné,osfilhosnãolheprestamnenhumfavor,afilha,outroratão prestativa, não lhe serve sequer um café. A saúde vai de mal a pior. Constantesaftasnalíngua,terçolnosolhos,narinasentupidas,calosnas solas dos pés e até mesmo caspas nos parcos cabelos. A cruz que carrega é insuportável! Damião implora pelo meu aval. Irritada ao extremo,faço-lheaperguntacrucial:“játentasteosuicídio?”.Ohomem, indignado com tamanha insensibilidade, sai de cena esbravejando palavrasimpublicáveis.
Livro-me de Damião e dou de cara com Marita, uma chata incomensurável! Consegue englobar, naquele corpinho mignon, vários tiposdechatice.Pracomeçodeconversa,sófaladomarido,dosfilhos,da famíliae,claro,desimesma.Comoseissojánãobastasse,fazquestão absolutadememostrarumasessãointermináveldefotosdaClarinha,do Andrezinho e da Marianinha, todos tão lindinhos! À medida que anseia pelosmeuscomentáriossobreascrianças,segredaaomeuouvidooqual inteligente são. Decidi conceder-me a honra de partilhar, secretamente, todasastiradasgeniaisdameninada.E,acada “genialidade”,risozinha, puxameubraço,cospenomeuouvidoeperguntaseestãoounão como QImuitoacimadamédia. Impublicáveltambémfoiarespostaquedeia ela.
Continuonaminhaperegrinação.Exausta,comapaciênciaemníveis alarmantemente baixos e esfomeada, entro em um restaurante munida dedoisfirmespropósitos:refugiar-medahumanidadeealmoçarempaz. Sim,lidarcomchatosdáumafomeabsurda.Consegui,commuitocusto, livrar-me de dois. Mas, por mais duro que possa parecer, não há como livrar-medemimmesma.Eeuestouchatíssima!Entro,escolhoumlugar lá no fundo, bem escurinho, com a intenção de ficar invisível por algum tempo. Que bobagem! Em tempos de InfernoAstral, haverá sempre um chato à espreita. Ele ficará atrás de um carro, de uma coluna, de um arbusto,nodobrardeumaesquinaouatémesmoescondidoembaixoda mesaqueescolhesteparatesalvardomundo.
Valdomirosurgiaminhafrente. Vendo-mesozinha,resolvemefazer companhia.Ficopálidaetenhoasensaçãodemorteiminente.Baixinho, rezoaoraçãocontraoschatos,deautordesconhecido:
“Livra-me dos chatos e te agradecerei, oh Senhor. Rouba-me o emprego, planta-me em cada dedo a tua unha encravada, mata-me de morte lenta e dolorosa, mas livra-me dos chatos. Há chatos demais, Senhor,nestaTuacidade.Cobreaminhacabeçadepiolhos,arranca-me osmeusolhosdasórbitas,Senhor,maslivra-medoschatos.” OSenhor, noentanto,fez-sedemoucoenãoouviuasminhaspreces.
Valdomiro, com um sorriso de dentes escuros e cavalares, chega acompanhado de um amigo. Ele é aquele tipo de chato que adora falar palavrasdifíceis,usaeabusadetrocadilhosesejulgamuitoengraçado. Vive contando piadas velhas e sem graça como se fossem de última geração. O tal amigo funciona como uma espécie de claque. Mal Valdomiroterminaumaanedotaeoseuassessorjáestáàsgargalhadas. E uma piada vai sendo emendada na outra como um colar de contas ordinárias e descascadas pelo tempo. Para meu total desespero, o acompanhantedechatosugerequeelenãoseesqueçadecontaraquela dopapagaioouaqueladobêbado,ouaquelaúltimadoJoãozinhonasala de aula. Valdomiro, numa inútil tentativa de valorizar o seu arsenal de besteirol, questiona se não seria mais interessante aquela outra do canguruperneta,ouainda,quemsabe...
Minha reação a esse espetáculo de horror foi totalmente inesperada. Sem despedir-me da dupla de chatos, saí correndo enlouquecida deixando a comanda na mesa para que eles pagassem a minha conta. Empoucosminutos,comosnervosàflordapele,chegoemcasa.Desabo na minha rede preferida e ponho-me a refletir sobre como estamos rodeadosdepessoaschatas.Etemmais:ochatonãosereconhececomo chato.Ninguémdizparaumchatooquãochatoeleé.
Amedicina ainda não tem nada a oferecer para a doença da chatice. Remédios não há. Intervenções cirúrgicas não resolvem. Tratamentos homeopáticos,floraisdebach,exercíciosfísicos,tudoemvão.
Problema social sério! Todos temos a nossa cota de chatice. Mas, trata-sedeumachaticepassageira,ocasional,esporádica.
Refiro-me aos chatos crônicos. Os que estão catalogados em livros. Os clássicos como, por exemplo, os chatos de galocha, os chatos de carteirinha e os chatos de plantão. O pior é que são espécimes longe, muitolongedeestaremameaçadosdeextinção.
Interrompo para verificar mensagens chegando aos borbotões do grupofamília.Cápranós,grupodefamílianoWhatsAppépraládechato. Ounão?
Jantar à Luz de Velas
O porteiro acaba de me avisar que vamos ficar sem luz por algumas horas. Recebo o comunicado, agradeço a informação e, já cheia de projetos para os momentos de escuridão, procuro lanternas e aquelas lindas velas coloridas e perfumadas recebidas tempos atrás em alguma especialocasião.
Derepente,ouçoumburburinhonocorredor.Atravésdoolhomágico, observominhasvizinhasquasehistéricas,avociferarquantoaoabsurdo da situação.Afinal, reclamavam elas, hoje é o último capítulo da novela dasvinteeumahoraseoprimeirodonovoseriadoqueseráexibidopor umadeterminadarededetelevisão.
Estãoquaseàbeiradeumacessodepânicoeoporteiro,coitado,sem saber o que fazer, decide chamar o síndico para que ele resolva a difícil questão. Síndico chamado, circo armado! As mulheres enlouquecidas falamtodasaomesmotemposemdarespaçoparaninguémquechegue trazendoumpoucodebomsenso. Osíndico-miúdo,magroefranzinopercebe, imediatamente, que está metido em uma grande enrascada e, quandovêotamanhodaconfusãoqueomulherilapronta,deixaoporteiro namãoedebandaescadaabaixo.
Enquantotudoissoacontece,peloolhomágico,eumedivirto.Acenaé surreal! Estou em total segurança e não preciso tomar partido. Chego a pensaremabriraportaedizeralgoquepossaacalmarofurordasminhas vizinhas. Nesse exato momento, no entanto, as luzes do prédio se apagam.Aos gritos, as loucas, deixam o corredor e correm em direção aosseusapartamentos.
Osilêncio,aospoucos,voltaareinar.
Abandono o meu posto de controle e ponho-me a acender velas por todos os cantos da casa. O efeito é mágico. Sensual. Inspirador Calmante.Excitante!
Minha mente se aquieta ao observar as chamas. O fogo me seduz e me hipnotiza. O exótico aroma das velas completam o meu encantamento.
Meus abundantes e fecundos pensamentos flutuam sem direção. Sinto-me plena e tenho uma certa pena das vizinhas, que ainda não descobriram o valor de uma noite escura, sem luar e sem estrelas ou mesmodepassaralgumaspoucashorassemtelevisão...
Acho que perderam a capacidade de sonhar, de pensar, de voar atravésdaimaginação...
Jantosozinhaàluzdevelas.Estoucomasensibilidadeàflordapele. Penso que o momento é ideal para viajar no tempo e escrever, não exatamente uma crônica, mas uma estória de aventuras, um amor idealizado,romântico,avassalador...umamorquenãorimecomdor,mas compaz!
E, de repente, tal como o vento que não sabe porque sopra, mas é constante na sua indefinição de direções, meus pensamentos cada vez maisférteis,levam-meaoencontrodoscasaisquealiteraturaconsagrou comosendoa imagemdoeternoamor:RomeueJulieta,DanteeBeatriz eMaríliadeDirceu.
Epa... a luz voltou! Em uma fração de segundo, volto também para o meumundo–omundoreal.
Comtristezaapagoasvelas.Fimdamagia,dapoesia,dafantasia...O universo tecnológico já se faz presente. Revejo, já na claridade, meus encontroscomoscasaisditosperfeitose,sempoderconteroriso,analiso cadaumdelesemseparado.
Começo por Romeu e Julieta que morreram em plena adolescência semternuncaenfrentadoasdificuldadesinerentesavidaadois.Dantee Beatriz, até onde sei, nutriam um pelo outro um amor platônico. Dante, inclusive, casou se com outra mulher e segundo alguns de seus biógrafos, foi bastante feliz. Quanto a Marília de Dirceu, a história conta queviveramumarelaçãomuito,muitolongedaperfeição.Dizemasmás línguasqueMaríliatevemuitosoutrosamantes,alémdeDirceu.
Ninguémconfirma.Muitomenoseu.
Na próxima vez que faltar luz, prometo que vou escrever uma bela crônicasobrecasaisimperfeitosefelicíssimos.
Malas na Passarela
Que existem pessoas que são verdadeiras malas, não é nenhuma novidade e sequer chega a ser engraçado. Mas que existem malas parecidíssimascompessoasénomínimointeressanteemuitodivertido.
Depois de doze horas de voo, voltando de Paris, chego ao aeroporto doGaleãobastantecansada,caraeroupaamarrotada,resultadodeuma noitetensaeintensa.Insone.
Apesar de tanto desconforto e ansiosa para, na minha casa chegar, tenhoaindatarefaliteralmentepesadapelafrente:esperarpelasminhas malas que, apesar das rodinhas, estão pesadíssimas, certamente pela quantidade de cremes e poções mágicas que me farão rejuvenescer, devolvendo-meofrescordamocidade.
Não há brasileira que vá à Paris sem que faça um tour pelas “pharmacies”dacidade,comparadaobrigatórianaCityFarma,poisselá os preços dos “anti-aging” são altamente convidativos, a promessa da eterna juventude nos deixa enlouquecidas e decididas a investir boa parte dos nossos euros, apostando no viço de uma pele macia, jovem, sem rugas ou flacidez. Aoutra parte do nosso rico dinheirinho será, já sabemos, para pagar os quilos excedentes, que fatalmente nos serão cobrados pelas insensíveis e quase sempre jovens mulheres, no momentodedespacharnossasbagagens.
Mas como ia dizendo, aqui estou eu acompanhada do meu cansaço, diante de uma esteira-rolante imóvel e tendo que ser um tantinho agressivaparaconquistardesdejáumaboaposiçãoemrelaçãoàesteira, antevendo a confusão que se formará quando as malas começarem a surgir e os meus trezentos companheiros de viagem, ávidos por reencontrar suas bagagens, possam, sei lá, me empurrar e eu que já estou prá lá de bagdá, acabar caindo dos saltos e sair rolando esteira abaixo.Quemmeconhece,sabemuitobemqueestascoisasacontecem comigo.
Pensando nisso, finco meus pés rente à esteira, abro as pernas procurandoumbompontodeequilíbrioefechoaindamaisosemblante, demonstrando que estou pronta para o embate. Eis que de repente, um barulho estranho acontece, a esteira começa a rolar e as malas, uma a umasurgemparaalegriadetodosnós.Mascomoalegriadebrasileiroem aeroporto dura muito pouco, depois de uma primeira leva de bagagens, queparecemnãoserdeninguém,jáquenenhumdenósfazmençãode retirá-las, uma interrupção no processo acontece. E a esteira rola, por algumtempo,semapresentarnovidadenopedaço.
Omalhumor,agoravisível,dominaorecinto.Maisumalevademalas. Maisoutra.Maisuma.Emaisumainterrupção...
O cenário torna-se cada vez mais pesado. Pessoas carrancudas vociferam o tempo inteiro. E é no meio desse coletivo inferno astral que algosurpreendentemeacontece.Sousalvadestamaldiçãoporcontade umsúbitoolhardiferentesobreoambiente,quemudacompletamenteo meu astral. De repente, a esteira não é mais uma esteira e sim uma passarela e as malas, em um piscar de olhos, transformam-se em “top models”nadaconvencionais.
E lá vem elas desfilando na esteira/passarela. Magras e elegantes. Novasebonitas. Velhas.Gordaserisonhas.Magrasetristonhas.Sérias. Discretas. Exuberantes. Exóticas. Grandes e pesadas. Pequenas e delicadas. Feias. Belas e refinadas. Comuns. Vulgares. Desavergonhadas, com seus fecho éclair entreabertos. Peruas, revestidasdepink,vermelho,roxobatataouazulão.Barangasdecintos ajustadosparaesconderobarrigão. Charmosas.Desbotadasebastante rodadas. E agora vem entrando uma turma de Obesas que de tão pesadasnãoconseguemsesustentarnosseuspésecaemdapassarela causandograndealvoroçonaplateia.
Eumedivirtocomtãoinusitadodesfile!
Passo também a observar que as dita cujas são parecidíssimas com seusdonos,nomomentoexatoemqueumsenhorgordoecareca,retira umadasObesasdapassarela.Emseguida,éavezdamulherdebolsae botasdouradasqueencontra-seaomeulado,retirarasuaPeruapinkda esteira rolante. E a bonita e discreta executiva, saindo com a sua charmosaerefinadabagagemdequatrorodinhas.
Em contrapartida, vejo uma jovem deselegante usando vestido extremamente curto e transparente, correndo feliz ao encontro de sua Desavergonhada de zíper entreaberto. E, agora, uma extravagante criatura alta e desengonçada, de gestos espalhafatosos e brega, tanto nas atitudes quanto na própria postura, sem pedir licença, quase me derruba ao reencontrar sua Baranga, velha, desbotada e muito, muito sambada.Eláseforamasduas,disputando'breguice',peloscorredores doTomJobim!
Epa,olhaquemeuvejosurgindonapassarela...Aminha!Nãochegaa ser bonita, mas vendo-a assim de longe, não posso deixar de afirmar e com uma pontinha de vaidade, que ela tem estilo e um certo charme. Possoapostarquejápassoupormimumaporçãodevezesmas,exibida comoelasóequerendo,portanto,permanecernopalco,nemnotouque eu estou aqui ansiosa por reencontrá-la. Vive viajando, a louca! Desligaaaaaaada!!! Nãohácomonegar:essamalasoueu!
Diga-me,caroamigo,comoéatuamala,etedireiquemés.
Manifestação ou Infestação Musical?
Não sei se vocês concordam comigo, mas, cá pra nós, as letras das nossasmúsicasestão abaixodacrítica.Émanobrother,acoisatáfeia! Mesmo sabendo disso, reservo o fim de semana pra tentar garimpar alguma que me deixe inspirada. Cantar sem emoção, pra mim não dá. Posso até desafinar, escorregar em alguma nota, mas, sem emoção, jamais!Absolutaperdadetempo.Impacientecomoempobrecimentodas composições, interrompo a pesquisa e me ponho a perguntar: afinal, o queaconteceucomamúsicabrasileira? Alguémconseguemeexplicar?
Prainíciodeconversa,afigurafeminina,ontem,fonteinesgotávelde inspiração, hoje, massacrada por uma onda de total desvalorização, vai chegandoaoaugedapornografianasmúsicastocadasnosbailesfunk.O queseouvesãoletrasobscenasevulgares.Asmulheressãochamadas de cachorra, cadela, potranca, égua e, muitas delas -pasmem-, não só gostamcomoaindasesentemempoderadas.Dizemquesãofeministas! Masqueraiodefeminismoéesse?Alguémconseguemeexplicar?
FeministamesmofoiChiquinhaGonzagaemumaépocaque,sequer, apalavraexistia.Ninguémmetiradacabeçaque,aocomporo“Ó,Abre Alas”, Chiquinha estava intencionalmente levantando a bandeira do feminismo,anunciandoqueamulherchegavaparaocuparoseulugarna músicabrasileira. Efoioquedefatoaconteceu.
Desdeentão,tivemosmomentosgloriosos.JáfomosLuizas,Emíliase Marinas. Já fomos a cabocla Maringá, a retirante que mais dava o que falá,que,comasuaausência,entristeciaosertão.Caymminoschamou de Rosa Morena e nos enfeitou com rosas no cabelo e andar de moça prosa.Viniciusnosdeclarouseuamoraoproclamarqueeuseiquevoute amar, por toda a minha vida. E Silvio César nos falou de saudade, essa palavraqueomundointeironãotraduziu...
E,porfalaremsaudade,alguémsabemedizerquefimlevouamenina moça, mais menina que mulher? E a Morena flor, a quem o poeta pedia um cheirinho, cheinho de amor, por onde andará? EAmélia, aquela que era mulher de verdade? Nunca mais se soube dela. Será que subiu o morro com uma lata d'água na cabeça? Não, quem subiu o morro foi a
Conceição,eumelembromuitobem,vivianomorroasonhar,comcoisas queomorronãotem.
Com Chico (ah, Chico...) fomos tantas! Fomos Carolinas de olhos tristesemelancólicos;
Januárias,aquelaqueomarhomenageiapraficarmaispertodela;a indecifrável Beatriz e ainda Terezinhas, Ritas e Ninas. Fomos Divinas Damas e até Genis. Chico traduziu em versos muitas das emoções que sentimos e não sabemos explicar. A identificação dele com o universo femininoétotal.Impressionante!
Impressionante mesmo, minha gente, é constatar que um país de compositores da importância de Pixinguinha e de Cartola, de Caetano e Gil,deMiltoneChico,deViníciuseToquinho,deTomJobim,deTimMaia, deErasmoeRobertoCarlos,deRenatoRusso edetantosoutros, está dominado por essa verdadeira poluição sonora, por esse lixo musical e cultural que é o Sertanejo Universitário, oArrocha e, principalmente, o patético funk carioca. Como pode esse tal de funk ter se transformado em um dos maiores fenômenos de massa no Brasil inteiro? Alguém conseguemeexplicar?
Não, não é preciso ser nenhuma pesquisadora da Universidade de CambridgeoudeHarvardprasacarotipodeconteúdoqueháportrásde um Vai malandra ou do Rock da cachorra, ou mesmo de um sugestivo Rabiola. O cenário é devastador e nem de longe se pode falar de manifestação,massimdeINFESTAÇÃOcultural.
Terminoessacrônicasementenderarazãodanossamúsica,sempre tãoricaeencantadora,estarcadavezmaisnabasedoritmopobre,banal esimplóriodopancadãoesendoatropeladapeloBondedoTigrão,pela TatiQuebra-BarracoepelaproliferaçãonefastadetantosetantosMCs. Incompreensívelosucessoestrondosodeletrastoscas,commensagens degradantes, dançadas na boquinha das garrafas. Como podemos dar IBOPE pra essa baixaria, quando deveríamos respeitar o nosso fantásticoDNAmusical? Alguémconseguemeexplicar?
Demorô! Bolada, saio de fininho, cantarolando, O Abre alas, que eu queropassar...
Medo de Avião
Não, não tenho medo de avião. Tenho sim, pavor. Na véspera da viagem já começo a ficar intranquila e a olhar para os meus familiares como se fosse pela última vez. Uma saudade antecipada me aperta o coração.Vontadeimensadedesmarcaratãodesejadaviagem.Omedo de entrar naquela engrenagem esquisita, mais pesada que o ar e lá permanecerporhorasafioéumdesafioetanto.Arrumoamalacomum frio mórbido na barriga. Apelo para o bom senso e penso que não há nenhum meio de transporte mais seguro que o avião. As estatísticas estãoaípracomprovarquesemorremuitomaisnasestradasdoquede quedadeaeronave.
Que alívio! Respiro fundo e, por alguns instantes, sinto-me confiante. Malaempunhosigoproaeroporto.AmedidaquemeaproximodoGaleão, percebo ausência de saliva, mãos úmidas de suor,nó na garganta eum levetremornocorpo.Tentoacalmaramentedeixandoqueoaradentreos pulmões em cinco tempos e expelindo-o em dez. O efeito é surpreendente!Arespiração cadenciada acaba com a tensão muscular. Relaxada, vejo que o meu medo é injustificável. Arriscado mesmo é trafegarnaLinhaVermelhaemorrerdeumabalaperdida.
Estou na fila do check-in, a mala já seguiu na esteira rolante e eu, novamente,invadidaporpensamentosterríveis. Respiraçãopresa,sem folego e com a coragem em ponto morto. Compro revistas, palavras cruzadasechicletes.Epensarqueumdiaquisseraeromoça.Aeromoça compânicodevoariaserbemcomplicado...
Hora do embarque, mais desgaste físico e emocional. O detector de metais apita na minha passagem. E é um tal de solicitação para retirar botas, casaco, cinto, celular, relógio etc.. Só na terceira tentativa é que aquelesantipáticosfarejadorestecnológicos,deixaram-meempaz.Láno íntimo, torcia para que eu não passasse nos procedimentos de segurança.
Intranquila,entronoavião,procuroomeulugareobservoatentamente a entrada dos companheiros de infortúnio. Invejo aqueles que chegam descontraídos,comosefosseacoisamaisnaturaldavidaestardentrode um tubo metálico, nas mãos de dois sujeitos fechados numa minúscula cabine,atravessandocéusemares,sabe-seláaquantospésdealtura. Entro em pânico quando, pelos alto-falantes, uma voz educada e pausada se faz ouvir: “Senhores passageiros, por favor, coloquem suas poltronas na posição vertical e prendam seus cintos de segurança. Em algunsmomentosestaremosiniciandooprocedimentodadecolagem”.
Encontro-menaposiçãofetal,issosim.Seiquemuitosvãomechamar
de covarde, ignorante tola e outros adjetivos depreciativos. Não me importo.Afinal,sertidaehavidacomoumaautênticaptesiofóbica,cápra nós,éumrótuloqueengrandecequalquerum.Sinto-mecondecorada!
O voo está lotado, mas estou só. Na hora do medo estamos sempre sós.Tentodisfarçareaparentarumaquaseimpossívelnormalidade.Todo o meu esforço, no entanto, cai por terra quando a voz impiedosa, divertindo-seàsminhascustas,voltaaatacar:“Emcasodeemergência máscarasdeoxigêniocairãoautomaticamente...”Enumainconveniência admirável, prossegue: “Lembramos ainda que os assentos de suas poltronassãoflutuantes,blá,blá,blá...“.
Pronto. O avião já levantou voo e eu acabo de perder o meu maior referencial:ochão.Aomeulado,umhomemgordoecalvodormecomo senão houvesse amanhã. Etalveznão haja, penso eu. Odeio pessoas que dormem só pra não ter que enfrentar o perigo. Jamais durmo em viagens aéreas. Se o avião cair, preciso estar em alerta.Avoz acaba de anunciarqueentraremosemzonadeturbulência.Estoupálidaecomas mãosempapadasdesuor.Precisodeajudapsicológica.Ascomissárias sumiramdoscorredores.Ovizinhodepoltronasequerrespira.Vaiverque morreudemedoefingequecontinuaemsonoprofundo.Grandefarsante! O calmante não fez efeito. Na fúria mastigatória, engoli o chiclete. Não passodeumfetoindefesoemedroso.Essadrogavaidespencareminha chance de sobrevivência é nula. Faço promessas. Prometo ajudar financeiramente meus parentes mais necessitados, visitar asilos, creches, casas de repouso e, a cada trepidação, aumento o valor da contribuição.Quesufoco,estoudesfigurada!
Ufa, saímos da zona de turbulência! O jantar está sendo servido. Credo, porque será que comida de avião é tão ruim? Não consigo distinguirseeracarne,frangooupeixe.Mascomotudonumaespéciede desesperofaminto.Ogordoacordae,comapetitevoraz,delicia-secom aquelacomidinhadequintacategoria.Derepente,avozanuncia:“Dentro de instantes estaremos pousando em Buenos Aires. Mantenham o encosto da poltrona na posição vertical e suas mesas fechadas e travadas...“.
Pousamos.Saiodoaviãocheiadepose.Quemnãomeconheceháde pensar que sou a mais descolada das mulheres e que nasci para voar. Cabeça erguida, ombros abertos, cumprimento os comissários com simpatiae,lávoueu,altivaefaceiraaguardarpelamalanaesteirarolante doaeroportodeEzeiza. Epravocêqueestápensandoquetenhomedo de morrer de desastre de avião, deixo aqui uma frase de Woody Allen, úniconasuamaneirairônicadeveravida:“nãoéqueeutenhamedode morrerdeavião. Équeeunãoqueroestarláquandoissoacontecer’’.
Medos e Fobias
A mente humana é realmente muito estranha. A minha, modéstia à parte, é estranhíssima! Não que eu queira ser melhor do que ninguém, masnãoconheçonenhumserhumanoquetenhamedodebaratamorta. Éissomesmo,minhagente:debaratamorta!Precisoconfessarquenão émedo,épânico!Seiqueéincompreensível,nadarazoávelenãoespero quepossammeentender.Sópeçoumpoucodecompaixãoequenãome julguemloucadepedra,poisestoumunidadebonsargumentosparame defender
Quehámedosefobiasdetodosostiposnãoénovidade.Algunssão comunsàgrandemaioriadaspessoas.Medodefalarempúblicopodeser um bom exemplo. Não conheço quem não padeça desse medo, um pouquinhoqueseja.Certavez,fuiescolhidapelomeugrupodeestudos para fazer a apresentação de um trabalho no imponente auditório da FaculdadedeLetras.
Diasantes,osdesagradáveissintomascomeçaramasurgir:tonteiras, náuseas,mãosfriaseumarrependimentoenormeemteraceitadoadifícil missão. Já não havia como recuar. No dia e hora marcada, subindo os degraus que me levariam ao cadafalso, tive a sensação de morte iminente.Eueraocentrodasatenções.Aimpiedosaefriaplateiaparecia mais um monstro sem alma a me aterrorizar. A experiência foi dura. Continuonãogostandodefalarempúblico,nãoéminhapraia,massema neuradeoutrostempos.
Hápessoasquefalamcomtotaldesembaraçoparaumaplateia,mas sãoincapazesdeescreverumapalavrasequerdiantedeoutraspessoas. É o famoso medo de escrever em público. Através da caligrafia, vários aspectosdanossapersonalidadepodemserrevelados.Aletra,alguémjá disse, é a fotografia da alma. A definição é poética. A alma desses medrosos,porém,podenãosairmuitobemnafoto.Paraessepessoal,o lemaénãoarriscar.
Comoestavadizendo,hámedosefobiasparatodososgostos.Medo de altura é bastante comum. Medo de aranha, medo de sapo, medo de escuro, medo de subir em elevador, medo de viajar de avião, medo de
entraremtúnel,medodedoenças,medodecachorroeporaívai.Alistaé interminável.
Emedodegalinha?Tenho umaamiga queentraemsofrimentocada vez que se depara com uma penosa. Se for galinha d'Angola, a coisa piora.Arazãoapontadaporelaéopescoçofinoepelado,parecendoode um cadáver em estado avançado de decomposição. Bizarro! Galinha, pramim,émãecuidadosaqueprotegeosseuspintinhos.
Dentrodetodoesseuniversodomedo,soubequeexistemunsmedos novos surgindo na praça e que estão fazendo o maior sucesso entre os pesquisadores da mente humana: são os medos de elementos tecnológicosequejáganharamumbelonomeedefinição:“Tecnofobiaé otermoquedescreveomedoanormalouaansiedadeexcessivasobreos efeitosdatecnologianavida”.
Ésumtecnofóbico,quandoomedoexcessivoteimpede,porexemplo, de usar um computador.Agora, se ficas visivelmente transtornado sem teu celular por perto, podes te considerar um nomofóbico. Não sei se já criaramalgumnomepraquemsesenteangustiadodiantederobôscom caradegente.Seriaomeucaso.Játiveterríveispesadeloscomrobôsde feiçõesasiáticas.Todoscomorostodolídernorte-coreanoKimJong-um. Socorro!
Medos e fobias não tem lógica. Se lógica existe é a do inconsciente, essaregiãoescuradanossamentequesómesmoapsicanáliseécapaz detrazeralgumaluz.Nuncadeiteiemumdivãparatentarentenderoque mefazteressemedoincontroláveleabsurdo,deumrasteiroerepulsivo insetoque,mesmomorto,causa-meindefiníveissensações.
Com toda certeza, a cabeça de qualquer psicanalista frente a essa excêntricafobia,sofreriaumapagão,umcurto–circuito,umapaneoualgo semelhante. E a barata morta, minha gente, acabaria me saindo muito carapois,opreçodecadasessãodeterapiaestápelahoradamorte.E alémdissoqueFreudnãomeouçamas,emúltimaanálise,nãoacredito muitoemanálise.
Mundo Brega
Recorroaodicionárioparasaberexatamenteosignificadodapalavra brega.Bregaésinônimodecafona.Ecafona,segundooAurélio,éaquele que “com pretensão de elegância, é de mau gosto”. O conceito é bem preconceituoso.Afinal,queméquedecideoqueédebomgostoeoqueé demaugosto?Alguémsabemedizer?Coisasquehojesãoconsideradas brega já foram moda no passado. Só que a moda do passado sempre volta e o que era brega até outro dia, já não é mais. Um bom exemplo dissoéapocheteque,desímboloclássicodacafonice,voltaglamourosa echeiadeestilo.Bregamesmoéaatitudedequemsesubmeteaessevai evemsemfimdomundofashion.
Agora,certascoisassãoinegáveis.Existemobjetosquenãohácomo alça-losàcondiçãodebacana.Nascerambregasehãodemorrercomo tal.Florartificialejarradeplásticoemformatodeabacaxisãoosgrandes íconesdacafonice.Eascapasdecrochêparaoseletrodomésticos? Eas toalhas de mesa de plástico do tipo linholene, floridas e rendadas? E o ursinho de pelúcia enfeitando a cama do casal da terceira idade? E as colchas de Chenille? E o que dizer então das almofadas vermelhas em formatodecoração,comdoisbracinhossaindodecadalado,escrito'eu te amo'? É a breguice em todo o seu apogeu.Alista é infindável.Ah, e aquela cerâmica horrenda em formato de patinho que você ganhou da sua sogra e que não pode dar fim por motivos óbvios? Eu sei, minha querida.Conheçodepertooseudesespero.Édeamargar! Cozinhasebanheirosnãodecepcionamquandooassuntoécafonice. Quemnuncatevefrutasdeceradentrodeumafruteiragiratórianocentro demesadacopa?Equemjánãoenfeiouobanheiro,espalhandotapetes para todos os cantos, inclusive colocando uma roupinha de princesa na tampadovasosanitário? Equemnuncateveumroupãodeoncinhapara sairdobanho,queatireaprimeirapedra.
Bobagem negar. Todos temos a nossa porção brega. Dou a largada dizendo que tenho vários gostos bregas. Não vou afirmar que seja fácil admitirqueadoropinguimemcimadegeladeiraequeaminha'playlist'de gostosquestionáveis–bastantequestionáveis,aliás- vaimuitoalémdos pinguins. Nunca cheguei a usar piercing nas unhas, mas já fui capaz de
usar anel nos dedos dos pés. Na música, devo confessar que curto algumas duplas sertanejas e adoro letras de sofrência. Racionalmente, sei que as composições são de uma mediocridade cristalina e até me perguntooquemelevaagostardelas.Ora,oquê? Meuladobrega.
Outro dia, estando entre amigas e querendo material para a crônica, sugeri que cada uma delas dissesse alguma coisa que considerasse cafona. Foi divertido. Todas foram unanimes em considerar que tatuagens com o nome do ser amado é de muito mau gosto. E que de extremomaugostoétambémserchamadade'princesa'pelonamorado. Grande destaque alcançou aquele sujeito que vive com um livro sobre Arte Contemporânea embaixo do braço, visando mostrar um conteúdo, quenãotem.Essetipo,dependendodascircunstâncias,alternaacarade conteúdocomacaradepaisagem,finalizandooprocessocomumsorriso amarelo. Breguice absoluta! Dos políticos brasileiros e suas madeixas pintadasdeacaju,oquepodemosafirmaréquesãocafonasatéaraizdo cabelo.
O mundo é brega e nem o amor parece escapar desse estigma. Fernando Pessoa já dizia que “todas as cartas de amor são ridículas. E complementou:“mas,afinal,sóascriaturasquenuncaescreveramcartas deamoréquesãoridículas”.Alinguagemdoamorémesmoumtantoou quanto infantil. Namorados perdem seus nomes e passam a ser chamados por apelidos: todos no diminutivo, é claro. Amando, somos capazes de cometer breguices respeitáveis e inesquecíveis, só para chamaraatençãodoobjetodonossodesejo.
Jáfuitestemunhadeumacenapatética.Umamigomeu,apaixonado pela sua colega de faculdade, vestiu-se com uma roupa em formato de coração e, dentro de um carro de som, microfone em uma das mãos e poesia na outra, resolveu conceder habeas corpus ao sentimento trancafiado na alma. Libertou-o em grande estilo e, qual seresteiro dos tempos atuais, declamou seu poema em alto e bom tom para a amada que,incrédula,sucumbiuàinescapávelbreguicedoamor.
Depois dessa história nada mais a acrescentar. Finalizo esta crônica meio brega, utilizando-me de uma das expressões mais bregas que conheço:“Umbeijoemseuscorações.”
Nasci para Dançar
Dançar é comigo mesmo. Danço sozinha, danço com a vassoura, dançocomasombrinhaesaiodançandopelacasaaosomdeumbaião, xoteouxaxadoouatédeumsambarasgado.
Danço por dançar. Danço pra me sentir solta, livre, dona dos meus compassos. Danço sem medo de errar o passo e, sem nenhum embaraço,voudesatandoosnóserefazendolaços.
Dançoemfrenteaoespelho,desengonçada,espalhopernasebraços. Dançosemcensura,sem postura, invento movimentos desencontrados e caio na risada com a minhaspalhaçadas.
Dançar é verbo e verbo é ação. Eu danço, tu danças, ele dança, nós dançamos,vósdançais,elesdançam.Navidaquemnãodança,dança.
Dançoconformeamúsica.Oqueviereutraço.Dançofrevo,maracatu, coco,maxixeelundu.
Dançoanoiteinteiraenemficonobagaço.
Danço valsa, salsa, milonga e não tropeço no passo. Faço caras e bocas,souadonadopedaço.
DançodaLapaaoLargodoEstácioqueacalmaossentidosdoserros quefaço...
Danço tango, fandango e flamenco. Danço ciganamente, sou a CarmendeBizet.Inventoposeegestual.Invistonovisual,coloridoefatal.
Dançoboleroe,semmuitolero-lero,passoamãonomeubichanode estimação. De rosto colado, lá vamos nós num dois pra lá, dois pra cá, muitobemcadenciado.
Dançorumba,merengueeforró.DançoatéoCarimbódosindígenas do Pará. Sigo a tradição: de pé no chão, na terra batida, entro na roda festivaeanimada.Adançasóterminaquandochegaaalvorada.
Danço pagode, ciranda, axé e todos os ritmos do candomblé. Nas andançaspelaBahia,trouxe namalaalegria,abadáemuitogingadonopé.
Dançobalésemdisciplinaouposturaexemplar Roupinhadebailarina, nem por decreto. Danço descalça, sem sapatilha. Leve e solta, como rezaacartilha.
Danço samba e não caio do salto. Adoro um samba de breque, um samba de roda e um partido alto. O samba é sedutor e bem-humorado. Temraizforteebonita.DNAafricano,belocartãodevisita.
Danço nas festas, nos bailes, nas reuniões de família. Danço no carnaval e também na quadrilha. Não perco nenhuma chance, estou sempreemcimadolance.
Danço pra celebrar a vida, pra espantar a morte. Dançar é instinto natural,linguagemuniversal, visceral. Corpo liberto de amarras, solto ao sabor do vento. Dança é acalento,acalantodaalma.
Dançanãoérima.Dançaésolução.Entediada?Dança.Estressada? Dança.Àtoa?Dança.Naboa?Dançamuito!
Dançanarua,napraçaoudescendoaladeira. Dançacomraça,com graça,balançaascadeiras.
Mostrapromundooquantoémaneira,boadançarinaebembrasileira.
O Dito pelo não Dito
Música boa, pra mim, é aquela que fica guardada na memória. Outro dia,mepegueicantandoumacançãoantigadeAtaulfoAlves,compositor brasileirodegrandesucessodofinaldadécadadecinquentaeiníciodos anos sessenta. Sem querer ser saudosista (e já sendo) os sambas de Ataulfo eram deliciosos. Letras rimadas, inteligentes, cheias de graça e commuitafilosofia.Usavaeabusavadosprovérbiospresentesnonosso cotidiano,dandoumtoquetodoespecialàsuaimensaobra.Quemnãose lembra de “laranja madura, na beira da estrada, tá bichada Zé ou tem maribondo no pé.” Ou ainda: “mas o meu nome, ninguém vai jogar na lama,dizoditopopular,morreohomemficaafama....”
Saber a origem desses ditados populares é sempre interessante e divertido. É intrigante pensar que textos tão cheios de sabedoria, são órfãosdepaiemãe.Fazempartedaculturabrasileira,vivemnabocado povoe“avozdopovo(sabemos)éavozdeDeus”.Curiosa,vouatrásdo significado de alguns deles. A escolha é feita baseada em um único critério:osqueeumaisouviaminhamãefalar.Abraçodetamanduá,era umdosseuspreferidos.
Tamanduáéumbichinhodesdentado,caçadordeformigaseque,em princípio,nãometemedoaninguém.Comardegenteboa,estásempre disposto a abraçar a galera da floresta. Mas tudo não passa de um tremendofakenews.Énoabraçoqueeleserevelaecravaasunhasnas costasdasuapobrevítima.Abraçodetamanduáéabraçofalso,dequem sedizamigosemser.
Eu já gosto de usar “Lágrimas de Crocodilo” se percebo que alguém está fingindo chorar com a única intenção de comover o outro. Pesquisando sobre a origem do termo, descobri que o crocodilo- glutão como ele só- ao devorar suas presas fica com olhos úmidos como se estivessechorandodearrependimento.Ledoengano!!!Elesóquerficar bem na fita. Na verdade, ao deliciar-se com o seu filet mignon, estimula nãosóassuasglândulassalivarescomotambémaslacrimais.Essaéa verdadenuaecrua.Sentimento?Nenhum!
A ideia de escrever um texto sobre os ditos populares já estava nos meusplanos.Masaforçadodestinoseimpôsnomomentoexatoemque madrugonarodoviáriadeRiodasOstras, aguardandooônibusquevai me levar de volta ao Rio. São seis horas da manhã e a rodoviária está repleta de madrugadores. Sento ao lado de duas mulheres que conversam acaloradamente sobre relações amorosas. Uma, jovem e graciosa, tinha mãos nervosas e olhos lacrimejantes. A outra, bem senhorinha, não parece se importar com a dor de amor da moça. Uma pedecolo.Aoutra,consolonãodá.Eeu,comtorcicolodetantoopescoço
espichar
Odiálogoqueseseguenãopodiasermaisinspiradorparaalguémque pretendiaescreverumacrônicasobreosprovérbios,fascinantemeiode comunicaçãodasabedoriapopular:
-Conheciocaranabaladaelogomeapaixonei.Pareciaserumsujeito legal,maseraordinário!
-Desculpaafranquezamascomodizoditado,“oapressadocomecru equente”.
-Comoassim?Oqueasenhoratáquerendomedizer?
-Que,comodizoditado,”quandoacabeçanãopensa,ocorposofre”.
- Mas é que preciso tanto de um amor... tenho tido tantas desilusões amorosas...
-Jáentenditudo.Comodizoditado,querida,pravocê,”caiunaredeé peixe”.
- Não fala assim, sou moça de família e da típica família tradicional mineira...
-Oditadodizqueem“casadeferreiro,espetodepau”.
-Nãotenhomesmosortenoamor.Vivocommeupatuádeferradurana bolsae,nemassim...
- Não conhece o ditado que diz que “se ferradura desse sorte, burro nãopuxavacarroça?”.
-Asenhora não tem mesmo um pingo de compaixão pelo sofrimento alheio...
-Oditadodizque”nãoadiantachorarpeloleitederramado”.
-Asenhoraéumainfeliz.Sófazzombardemim.Nãosabequeédando queserecebeamor?
E,jáquegostatantodeditados,deveconheceroquedizque“rimelhor quemriporúltimo”.
-Não,enganoseu.Quemriporúltimoéretardadoeédando,querida, queseengravida...
Foi o que bastou pra moça “rodar a baiana”. Deixou a voz mansa de ladoepartiupracimadasenhorinhaque,ácidacomoelasó,continuavaa dizerimpropériosaltamenteofensivos.Modificavaosditadosexistentes, dando-lhesconotaçãoirônicaemaliciosa.Aturmadodeixadissoentrou emcenapoiso“arranca-rabo”jáestavatomandoproporçõesalarmantes. Meu ônibus acaba de chegar. Deixo as duas se digladiando a golpes deprovérbios.Nãovejoahoradechegaremcasaeprocuraraorigemdas expressões”rodarabaiana”e“arranca-rabo.”Masissojáéassuntopara umapróximacrônica.
Ócios do Ofício
O ano começou, três meses já se passaram e todas aquelas promessasfeitasnoréveillon,aosomde“hojeéumnovodia,deumnovo tempo,”aindanãosaíramdopapel.
Estava radiante com a chegada de 2017. Era preciso acreditar e renovar esperanças no futuro que mal começara. Rodeada de amigos e sob a beleza dos fogos de artifícios que iluminavam a orla de Copacabana,deumamaneiralevianafizjurasdeamoraomeupaís.
PrometiqueiriasalvaroBrasil,iniciando peloRio.Quesairiaàsruas desfraldandobandeiras,convocandoopovoaparticipardemovimentos sociais e que não mediria esforços para proclamar a felicidade e a paz. Jurei que subiria morros ao encontro das carentes comunidades e que fiscalizaria a limpeza da nossa maravilhosa cidade. Isso só para citar algunsitensdainterminávellista.
Oprimeirotrimestredoanojápassou.Começosemfalta,noiníciode abril. Afinal, tudo neste país só recomeça mesmo depois do Carnaval. Sendoassim,porqueapressa,oraessa!
Mas,seráquefuilongedemais? Revendominhasdecisões,vejoque acargaédemasiadopesadaparaombrosnãotãofortesassim.Ponhoa mão na consciência e percebo claramente a utopia das minhas promessas. Acabo rindo de mim mesma. Sempre viajando em tapetes mágicos, acreditando em bruxas, em duendes e até na possibilidade de salvaroBrasil.Quantaousadia!Quantainsanidade!
Logoeuque,sendoumtantoouquantodesorganizada,nãoencontro tempo pra nada. Vivo permanentemente em falta com alguém ou com alguma coisa. Pra começar, faltam-me manhãs.Acordo cedo, mas elas parecem voar. Tento persuadi-las a ficar um pouco mais. Fazem ouvido demercadoredespedem-seàsgargalhadas,ingratasquesão.Quando doupormim,jáémeiodiaejápassoudahora.
Eagora? Nacontabilidadedavida,sinto-medevedora.
Devo palavras de agradecimento àquela amiga que, diariamente, me envia através do WhatsApp, mensagens floridas de bom-dia. Devo a receita daquela deliciosa torta para a minha vizinha de porta. Devo decorar a canção, despedir-me do verão, ir à exposição da Carminha, fazer meditação, entrar em Alfa, sair de cena, comprar o presente da Helena, ver meu horóscopo, acessar o blogue do Ruy, torcer pelo Glorioso,leroúltimoacrósticodopoetinha,respondere-mails,andarna praia, abaixar o colesterol, agendar para o mesmo dia a mamografia, a dessintometria e a tomografia. Devo, ainda, aceitar o convite para
almoçarcomoprimoNeyetantasoutrascoisasquenemsei...
Além, muito além de tudo isso, devo encontrar tempo para o ócio, benditoócio,desfrutadonarededavarandinha.Tempoparaouvirosom do meu silêncio. Tempo para entender os meus sagrados e secretos medos.Tempo para rever conceitos e deixar que venham à tona alguns tolossegredos.Tempoparacompreenderooutroeamimmesma.Tempo para voltar à infância e reencontrar todas as minhas pessoas, a casa arrumada,asredesarmadas,amesaposta,ovasocomfloresartificiaise uma autêntica paz. Tempo para perceber o tempo passando e o verão entregandoobastãoparaooutono,amaisinquietanteeinteressantedas estações.
Tempo,enfim,paraserdonadomeutempo.Nãosou! Eseestoulongedecumpriraagendadomeumundinho,quantomais realizarapromessadesalvaro Brasil,começandopeloRio!Sórindo... Conheçomulheresquesabemadministrarotempocomperfeição.Eu, não!Fazemodiaesticar,esticar,esticarecomissosãocapazesdecuidar da casa, da família, dos filhos, da sogra e do bichinho de estimação. Regam, diariamente, os vasinhos, fazem academia, dieta, supermercado, abraçam as árvores que encontram pelo caminho, ajudam ceguinhos, cadeirantes e velhinhos a atravessar o sinal. Não perdem reuniões de condomínio e algumas delas, fazem até parte do ConselhodeAdministração.Apesardetudoisso,aindaencontramtempo paraacessaroMundoBotafogo,embuscadasminhascrônicas.Deixam hilárioscomentários,poisbomhumoréoquenãolhesfalta. Euastenho emaltaconta.
Só lhes falta tempo para o “dolce fair niente”. Consideram-no pecado capital. Indócil,tentotrazer-lhesinformaçõessobreosbenefíciosdoócio criativo, no que sou sumariamente interrompida na minha explanação. Juntas, num coral de vozes estridentes e pra lá de desafinadas, dizemme, com o peito estufado de orgulho, terem a agenda superlotada até julho. A lista de tarefas é interminável: plantas a plantar, arbustos a abraçar,bichanosaacariciar,entulhosaremovereosolareverenciar. Diante deste forte argumento, lamento e retiro o time de campo. E porquehojeésábado,diadoencontrocomosagradoócio,armoarede, pernasproalto,pensamentosleves,soltosesemcompromisso.
Na porta do quarto, um aviso: “Não perturbe. Cronista em busca de ideiasparapróximostextos. “Ócios”doofício”.
Olha o Maaaate, Ó limããão!!!
No mundo de hoje, onde todos desconfiam até da própria sombra, gostodesaberquetenhoumardepessoaconfiável. Agoramesmo,sob ointenso sol de janeiro, protegida por uma barraca nas areias do Leme, sou interrompida a cada instante na leitura do livro que trouxe para me fazer companhia. São pessoas que pedem para dar uma olhadinha nos seus pertences, enquanto dão um mergulho no mar. Quando dou por mim, estou rodeada de cangas, mochilas, celulares, relógios, óculos e muitashavaianas.Fechoolivro.Riodemimmesmaporacharquepraiaé lugaridealparaleiturasouqualqueroutracoisaquenãosejatomarconta deobjetosalheiosoucorrerdospivetesqueinfestamaspraiascariocas. Fabiano, um simpático vendedor ambulante de biscoito Globo e chá Mate /limão, também se aproxima de mim. Com um sorriso de dentes brancos e saudáveis, chega descontraído e, com muita graça, pede desculpaspeloatraso.Justifica-sedizendoqueapraiaestálotadaeque só agora o GPS mostrou o endereço da minha barraca. E que pra compensarotranstorno,medaráumchorinhonocapricho.
Abroomeumelhorsorrisoeoolhocomprofundaadmiração.Comoter bomhumorcarregandonosombrosdoisgalõesdevintequiloscadaeum saco enorme de biscoito Globo nas mãos? E mais: andar do Leme ao Pontal,sobumcalorinfernal,tentandoseroriginalaoanunciaroproduto, umavezqueaconcorrêncianaareiaéenorme?
Estou perdida em reflexões quando percebo que deixou os galões comigo e foi dar uma refrescada no mar Na volta, comenta que as paradas são essenciais pra tirar o suor do corpo e tomar novo fôlego. Senta-se na areia quente, antes de retomar o trabalho. Olhando para o horizonte,vaidesfiandoorosáriocomoquemadvinhaqueestoucuriosa sobresuavida.
Dizqueapesardasdificuldades,docansaço,dasdoresnascostase eventuais queimaduras nas solas dos pés, gosta da profissão pois no verão dá pra levantar uma grana bacana. Já tem freguesia certa e os “dotô”ochamampelonome.Praterpúblicocativoéimportanteestarcom
ouniformeimpecável,sorrisãonorostoeumapiadanapontadalíngua. Senão,jáera.
Sobreaconcorrênciadosafricanos,nãotemreceiopoissãodevagar, quaseparando.Nãotêmcarismaaoferecersuasmercadorias.Limitamseamostrarenadamais.Provoco-operguntandosefezalgumcursode marketing.Osorrisosetransformanumasonoragargalhadaearesposta que me dá não poderia ser mais surpreendente: - “Deus me defenda, moça.Sóonomejáéumacomplicaçãododiacho.Aqui,moça,osujeito sótemqueterfilim.Senãotiverfilimprasvenda,vaisedámal”.
E feeling, minha gente, ele tem de sobra. Psicologia de venda, também.NãofoipropriamenteporsedequetomeivárioscoposdeMatee consumi três pacotes de biscoito Globo, enquanto ele me falava de sua cansativa rotina diária. A cada vez que se referia ao peso dos galões sobre os ombros, pedia mais um copo e mais um, outro mais... nesse processo, o galão ia se esvaziando e a minha barriga crescendo de tamanho. Mas era por uma boa causa (rsrs). Fabiano levanta-se, agradeceportudoesaicantarolando:“OlhaoMaaaate;ólimãããooo...”.
Pensativa, sigo-o até vê-lo desaparecer entre as barracas coloridas. Portrásdecadagrito,estãohomensdetodasasidades,buscandouma frase, um canto, uma dança ou qualquer outra coisa que possa ser um diferencial na hora de vender o seu produto. Incansáveis, começam a trabalhardemadrugadaesóparamquandoosolsepõe.
Opa, um nigeriano acaba de me oferecer óculos de sol. Chega sério, pede licença e discretamente aponta um modelo que julga poder me interessar.Tentopuxarpapo,saberumpoucodasuavida,jáimaginando quepoderiaterumótimoassuntoparaumpróximotexto. Qualnada!O homem é avesso a conversas de ordem pessoal. Vendo o meu desinteressepelasuamercadoria,vaiemboralevandoconsigootemade umacrônicanatimorta.SGNIFTT!
Ambulantes,cadaumcomasuacultura,comseujeitopeculiardeser, sãodefinitivamenteadeliciosamarcadoverãocarioca.
Peter Pan e Eu
Entristecidacomosdiscursosdeódiodosdiasatuais,abroajanelada infânciaemedebruçosobreoparapeitodamemória.Ouçooecodeuma voz longínqua, meio esganiçada e que me invade por inteira: “quem chegar por último é mulher do paaaaaadre!”. Já que não havia nascido comasaspravoar,correreraaminhabrincadeirapreferida.Gostavade pegar as amigas bem desprevenidas e, assim, largar na frente com enormechancedenãosereuamulherdopadre.Davasemprecertoessa inocentetrapaça.Reencontraraquelameninaalegre,desengonçada,de pernas e braços compridos, de alma arteira e dona de um carrossel de invencionices,mefazficarcomaemoçãoàflordapele.
Eu era a versão feminina de Peter Pan, o garoto que não queria crescer. Tinha total consciência que ser criança era maravilhoso. Em Manaus, morávamos numa casa antiga, dessas que tem porão. Não há cenário mais perfeito para viver aventuras assustadoras que um porão escuro, sombrio e amedrontador. Era lá que eu, deliciosamente, criava meusmedosemearrepiavatodacomvozeseimagensvindassabe-selá deonde.Atémoedasdeouroencontreiescondidasdentrodeumamala velhaemalcheirosa.Certamente,faziapartedotesourodealgumpirata que por ali habitara. Aquilo era demais! Infância tem que ter porão, verdadeirolaboratóriodecriaçãoedeludicidadeporexcelência.
Sim, Peter Pan e eu havíamos decidido que seríamos crianças por todaavida.ViveríamosnaTERRADONUNCA,parasempre.Adecisão eraousadaerevolucionária.Estávamosdecididosalutarporela.Crescer e viver com os pés presos ao chão era sofrimento demais para quem gostavadevivernomundodalua,dasnuvens,oumesmoembalando-se alto,muitoaltonasredesarmadasnosalpendresamazonenses.
Adolescênciachegandoe,comela,omedodenãocumpriroquehavia meprometido.Ofatoéqueeuestavacrescendoetodosdiziamqueeujá eraumamocinha.Umamocinhadesastradaedesajeitada,masmocinha. Crescer, virar adulto era o prenuncio de uma vida cinzenta, descolorida, sembrincadeiras,decarassériasemal-humoradas,decenhofranzidoe monotonia. NÃO, NÃO, NÃO!!! Eu não ia me deixar abater. Claro, iria resistirbravamente.
Minhas amigas, traidoras, começaram a substituir as roupas largas e confortáveis, por vestidos ajustados nos corpos magros, sem curvas e sem bumbum. Hor-ro-ro-sas! Pra dizerem que já tinham peito, sim senhora, usavam soutiens com enchimento e saíam empinadas, tropeçando em seus barulhentos e deselegantes sapatos de saltinho. Ridículas!Emesmonocalorescaldantedejaneironãosefurtavamausar
meia-calça preta, deixando os cambitos ainda mais finos. Grotescas demais!Orostotodoborradopormaquiagemmalfeita,batomporforada boca e olhos delineados “a la Cleópatra.” Umas figuras pra lá de esdrúxulas!
Não lembro se sofri o tal do bullying por continuar com as minhas roupasinfantis.Provávelquesim.Observandoàdistânciaasex-amigas, concluía que, em poucos anos, também eu conheceria a dor e as responsabilidadesdomundoadulto.Meudestinoestavatraçadoeainda nãotinhasequerpensadoemumplanoB. Aocompletar12anos,ganhei um soutien de presente.Ao perceberem minha tristeza, disseram: “será sempre o seu grande amigo do peito”.Amigo do peito?Amigo da onça, isso sim! Aquilo não passava de uma algema incomoda que me estrangulava o coração.Aquilo era um carrego limitador, uma peça dos diabos,umfardopesado.Pior,umritodepassagem.Estavaentrandona vidaadulta.DROGA! Invejavaasíndiascomseiosealmaslibertasacéu aberto.
Tomara que não estejas pensando que sou uma adulta infantilizada. Não, não sou. Tenho tido através dos anos o bom senso de estar em contatopermanentecomaquelagarotinhairrequieta,dealmamoleca,de joelhosconstantementeraladosequeaindamefazrirumbocado.Vejo-a subindo em árvores, caindo, tropeçando, tomando banho de chuva e pulandodentrodaspoças,lambuzadadealegriaevivacidade.
Descobri que não é preciso ser gente grande em tempo integral. Descobri que os adultos também sabem se divertir e que adoram frequentarumhappy-hournumasexta-feiraànoite.Descobriqueafesta continuaeébastantesedutora.Descobriqueeraprecisomesmocrescer para experimentar uma quantidade maior de vivências, percorrer caminhoscontraditórios,errar,acertaropasso,escorregaresereerguer. Aceitarasfrustrações,curtirprazeressuaves,melancoliasinexplicáveis, momentosdesolidão,outrosdeintensaeuforia,outrosdeprisão,outros deliberdade,dealforria.
Debruçada na janela da memória, ainda ouço a voz longínqua e esganiçadagritando:“quemchegarporúltimoémulherdopaaaaaadre.” Comaemoçãoàflordapele,olho-acomamorecumplicidade.Fechoa janela. Hoje é dia de pagar as contas do mês, fazer supermercado, resolver alguns problemas referentes ao condomínio, ligar para a operadora do celular, falar com a faxineira, desmarcar o dentista, responder e-mails, enviar mensagens e, só bem mais tarde, tombar de exaustão.
Finalizo com uma deliciosa citação de Simone de Beauvoir: “o que é umadulto,senãoumacriançadeidade”.
Pobre de Mim Que Não Caço Pokémons
Acabo de constatar que ando completamente desatualizada. Não sei maisdomundoeomundonãosabedemim.Mas,comoassim?
Acordocedo,leioosjornais,voualémdasmanchetes,leioosartigos de fundo e todos os editorias. Sou assinante de algumas revistas importantes,leiosobrepolítica,economia,gastronomia,oCadernoB,C, D e sei lá mais o quê. Leio o Caderno dos Esportes, o Boa Chance, os Classificadose,apartirdeagora,pormesaberdesinformada,incluireiaté mesmooObituário–derepente,quemsabe,jámorrienemmedeiconta. Apesar, meus amigos, de toda essa gama de informações, afirmo com precisão:nãoestouatualizadanão!
Alémdaminharesistênciadeaderiràsredessociais,decomprarem lojasvirtuais,decolecionarselfsnadaoriginaisedemuitasotrascositas máS, confesso, com algum constrangimento, que ainda não ando correndopelasruasdacidadepara caçarPoKémons.
Umacoisaécerta:se,hojeemdia,nãocaçasPokémons,meucaro,és figurinha totalmente fora do baralho. Na escola, estás fadado a sofrer bulling, trotes e com as garotas não terás sorte. É a maldição dos monstrinhos! E há boatos que a segunda geração deles já está a caminho.
Considero tudo isso uma verdadeira maluquice! E uma maluquice universal!
Aqui cabe com perfeição uma citação genial de Raul Seixas: “Pare o mundoqueeuquerodescer“.
EutambémqueroRaul,poistenhotambémmuitasemuitasqueixas.
Tomei conhecimento de uma matéria sobre uma livraria em Paris, situadanoQuartierLatin–conhecidopontodeencontrodeintelectuaisonde, acredite, não existe um livro sequer. No lugar deles, apenas uma impressora que os imprime em tempo recorde. A pessoa, ao entrar, é imediatamente apresentada a uma espécie de cardápio contendo mais de cinco mil títulos. Depois de escolhido o livro desejado, é só aguardar por alguns minutos e sair com seu exemplar debaixo do braço.
Surpreendente,nãoémesmo? Tudomuitoprático.Tudomuitorápidoe eficiente.
Tudosempoesia,semsabor,semcor.Semnenhumaludicidade!
Soutaurina,regidaporVênus,deusadabelezanamitologiaromana. Precisodotoque,doscheiros,dovisual,enfim,tudodeveresponderaos meus mais aguçados cinco sentidos. Se assim não for, nada fará muito sentido. Uma livraria onde não há livros a serem manuseados, explorados, tocados, onde não sentimos o delicioso e quase sensual cheirodepapelfresco,ficamuitoadesejar...
Ah!...oaromadoslivros-,simplesmenteirresistível.
Umalivrariahádetervidapulsando,pilhasepilhasdelivroscomsuas capasexuberantesetítulosquedetãoatraentes,nosconvidamaabri-los e agarrá-los pelas orelhas na tentativa de ouvi-los, advinhá-los e nos encantarmosdevez.
Imaginem,meussenhores,seamodapega?Teremos,então,aoinvés do prazer lúdico, o monótono e entediante barulho de uma impressora austeraeirritante.
Jádisseemalgummomentoqueestoulonge,muitolonge,deseruma xiita radical. Muito pelo contrário. Sou fascinada pelos avanços da tecnologia, adoro um smartphone e considero os aplicativos essenciais paranosajudararesolveralgunsproblemassimplesdonossodiaadia.
Mas, por favor, me peçam qualquer coisa, mas não procurem me convencerqueháalgumprazerementraremumalivrariaondesóexiste uma impressora e nada mais. Preciso demais ter livros de verdade nas minhasestantesnãovirtuais.
Quantosairpelaruas,aderindoafebreuniversaldecaçarPokémons, aindaqueelesseencontremnoslugaresmaisinusitados dacidade,só tenhoumacoisaadizer:desculpem,meuscaros,mastenhomaisoque fazer.
Rotina
Não sou de mudanças. Sofro com elas. Gosto da rotina, de morar há anosnamesmarua,namesmaesquina,desaberdecoresalteadocada palmodomeubairro,decompraropãodolanchedatardenatradicional" Padaria e Confeitaria Imperial ", dos meus tempos de menina, ou entrar na"GaleriaAtlas",ondemeumaterial escolareraadquirido,épocaidae vivida.
Gosto que me enrosco de falar com todo mundo, de ter um dedo de prosa com a Dona Rosa, tão sozinha, tão carente, tão necessitada de atenção,degente...GostodojeitodoSr.Antenor,queaindamechamade "pequena",poismeviucrescernarua,jogandobola,pulandoamarelinha, brincandodepolíciaeladrão,brincadeirasdeentão...
Etemaminhavizinha,nascidaSebastiana,masconhecidaportodos como"DonaMoreninha",quituteiradeprimeira,demãocheiaequeestá sempremepresenteandocomsuasdeliciosasreceitascaseiras.
Não sou de mudanças, repito! Gosto do que me é familiar! Chorei quandovia"CasaAugusto"fecharsuasportas,paradarlugaramaisum restaurante a quilo, sem nenhum charme, sem estilo.A"CasaAugusto" eraúnica,deliciosamentecharmosa,acomeçarpelavozdoSr.Augusto, dono da loja, que sempre muito elegante nos seus ternos de casimira, a todosdesejavaumsonorobomdia,acompanhadodaexpressão:"Oque vamoscomprarhoje,senhoracriatura“?Delíciapura!
Havia no bairro uma sapataria enorme, como já não existe mais, chamada Andorinha cujo slogan era: “Ande com linha, na Andorinha". Pois é! A linda " Andorinha " que sozinha, já se sabe, não faz verão, também acabou batendo asas, perdendo o seu lugar para um bar pé de chinelo, denominado "Bar do Alfredão.” Fiquei deprimida, sentida, mas nãohaviasaída.Ocenáriodobairroestavamudando,aregiãocresciaeo comérciooriginal...aospoucos,sumia!
E,eu?Sofria...
Não gosto de mudanças, mas já receio estar me expressando mal. Afinal,nãosounenhumaxiitaradical.
O que posso dizer com certeza é que gosto da rotina, e como diz a Lucinda,delanãofalomal.Rotinanadatemavercommesmicequerima com bolor, com chatice, com velhice, com a DonaAlice, cruz credo, que adoraum“disse-me-disse“,umamesquinharia,vivefalandomaldaDona Maria, que apesar dos seus oitenta anos, tem alto astral e não dá a mínimaparaasmesmicesdeAlice.
Gostoderotina,éverdade!Equando,empúblico,façotaldeclaração, sou quase apedrejada e solicitada a dar rapidamente uma boa explicação.Digo,então,quesoutaurinaequeapesardegostardarotina, juro,sougentefina,souafinadanocantoenarima,souengraçada,conto piada, falo besteira, no fundo sou quase igual a todo mundo, não quero ser rejeitada, a troco de nada - só quero ser amada e respeitada, ainda quenãotenhaumarazãoconvincenteparadarotinagostar.
Gostodefrequentarosmesmoslugares,baterpapocomosamigosde sempre,ouvirasminhasmúsicas,reveraquelefilme,relermaisumavez ascrônicasdaMarthaMedeiros,leromesmojornal,navegarpormaresjá navegados e redescobri-los a cada velha/nova viagem. Voltar sempre naquelapáginaeconstatarquehaviaaindatantoparasersacado.
Rotina é aprofundamento, é ter intimidade, é ver o novo no antigo, noaparente"déjàvu".
Mudança é claro, também faz parte de qualquer rotina. Mudança é, digamos assim, a dança da vida! Mas, às danças da moda, eu continuo preferindoodesempre,oeterno"...sãodoispralá,doispracá..."
Sedução Cigana
AsciganasestãoinvadindoaorladeCopacabana.Chegamcomsuas roupascoloridaseextravaganteseseinfiltramentrebanhistaseturistas que delas fogem como o diabo da cruz. Uma se aproxima de mim. Com umbrilhantesorrisodedentesdouradose,sempedirpermissão,puxaa minhamãoeiniciaaleituradomeudestino.Reajofortementeatamanho atrevimento mas, diante de tanta insistência e, já vencida pelo cansaço, deixo que ela prossiga na profecia.Animada com a decisão, afirma: “só vaipagarsegostardasuasorte”.
Enquanto lê as linhas da palma da minha mão, eu a examino atentamente. Não é uma mulher bonita. Atraente, sim. Tem um semblante indecifrável, olhos amendoados e um olhar profundo. Impactante. Por um instante saio do ar e me perco em devaneios. Difícil precisar a razão, mas há em mim uma espécie de encantamento em relação ao povo cigano. Não sabemos muito sobre eles e a sua origem continuaenvoltaemmistérios.
Em Rio das Ostras, morávamos próximo a uma comunidade de ciganos. Cantavamedançavamatétardedanoiteaosomdebelíssimos ritmos,manifestandoumexcelentebomgostomusical.Delonge,deitada na rede da varanda, ficava horas a fio vendo-os dançar uma dança semelhante ao flamenco, minha paixão. Fascinava–me a liberdade que demonstravam ter. As mulheres, com suas saias de cetim rodadas e coloridas,pareciambrilhantespirilamposavoaraosabordoventovindo do mar. Havia no ar um clima de magia. E, falando sério, é mais do que sabidoqueomistérioéaalmadasedução.Sim,osciganosexerciamum verdadeirofascíniosobremim.
Nãoconsigoassociá-losapessoasdemáíndole,emborasaibaquehá um consenso geral de que não são confiáveis e que estão sempre cometendoatosilícitos. Minhavisãoromânticaefantasiosafazcomque os veja apenas e, tão somente, como um povo andarilho, sem pátria, a vagarpelomundo.
Conhecem a milenar prática da quiromancia, um dado a mais de ludicidade.
Hápoucotempo,nocentrodacidade,umhomempassandopormim, com o dedo em riste no meu rosto e, com uma certa dose de agressividade, gritou em alto e bom som: “CIGANA!”. Imediatamente,
vieram as lembranças das ciganas de Rio das Ostras com roupas coloridas e excêntricas, cabelos e olhos escuros, a sensualidade quase palpável em um corpo moreno e sedutor. Que grande elogio, pensei, radiantedefelicidade!Senti-mecondecorada.
Saio das divagações e volto a atenção às ciganas. Cansada de estar com a mão esticada, digo-lhe que já estou satisfeita com as previsões. Aindaassim,fazquestãodeprofetizarque,parameuazar,háumaloura linda, fatal e satânica, chegando para roubar meu marido. Diante do perigo iminente, digo que não gostei de tão triste sorte e que não a pagarei, conforme o combinado. Ela, rapidamente, deu sumiço na louraça,retirou-adaminharotadecolisãoerecebeuseuganha-pão.
Omaisengraçadodessahistóriaéqueessatallouraçajámepersegue desde os meus tempos de garota, querendo roubar todos os meus namorados. Nunca houve uma morena, uma branca, uma ruiva, uma índia,umanegraoumesmoumaasiática. Sólouras,belas,enigmáticas e...magras.
Desdequemetorneicronista,fiqueimaisobservadora,maisatentaou, para usar uma expressão bem popular, mais enxerida. Nossa matéria primaéexatamenteoqueaconteceemvolta,dentrodonossocampode visão. E bem diante de mim, ainda permanece a atraente cigana com seus dentes metálicos, despertando curiosidade. Pergunto sobre a sua vida,ondemora,setemumamor,setemfilhos,doquevive,doquegosta, seéfelizetc...
Responde-me dizendo que mora em uma comunidade perto de AraruamaequetemvindotentarasorteemCopacabana,lugarcheiode gentebonitaecomdinheiro. Queixa-sedavidadifícilpoisninguémmais quer saber de ler mão. Mesmo assim é feliz e gosta de celebrar a vida dançandoecantando.
Dizqueamúsicaésuaalma.Émedrosaemrelaçãoaoamor“porque aprisiona mais que as parede e os teto”. Explica-me que os dentes dourados – marca importante da cultura cigana- recebeu de herança da mãequechegouaterumaboasituaçãofinanceira.
Comoolharinquieto,deixa-mefalandosozinhaeparteembuscade novas mãos. As pessoas passam apressadas e o desprezo por aquela criatura–porquemjámeafeiçoei–meincomoda.
Sigo-acomosolhos,desejandoquetenhaumamelhorsorte...
Rede que te Quero Rede!
Rede é uma das grandes invenções da humanidade. Eu mesma não passosemuma!Aminha,jáficaatadadiretonavarandinhadoquarto.Ela éaminhamusainspiradora!Quandochegoemcasa,cansadadalida,da vida,elamerecebedeumaformatãoespecialtãoaconchegantequeme tornopresafácildesuasedução.Dentrodela,tudoabsolutamentetudo, fica mais fácil. Problemas insolúveis, somem como em um passo de mágica. Dentro dela equaciono toda a minha vida. Não há nada que eu nãoresolvadentrodeumarede.Atéaminhamemóriamelhora,ficamais viva, mais esperta, fazendo com que eu relembre fatos há muito esquecidos,esmaecidosedesbotadospelotempo.
Nas noites quentes de verão, ela é simplesmente adorável Uma companheira e tanto! Embalo-me bem alto e sinto-me feliz qual criança emparquedediversão.Nãoexistenadamaisrefrescantequeumarede. Rede mata sede! Aliás, rede mata várias sedes: sede de aconchego, sededeliberdade,sededeintimidade...Éisto!Intimidade.Seredefosse música,seriaBossa-Nova."Umaredinhaeumviolão",umaduplamais que perfeita! Na rede embalo meus sonhos, minhas alegrias, minhas loucasfantasias...
Naredesouprincesa,rainha,fada-madrinha,usoroupasdecetim,sou aMarilyn,uso roupasdecouro,souadonadoouro,souMadona,sou mandona,sougatinha,sou vilãousoumocinha,souperua,soucantora, soucigarra,tenhogarra...eagarradaàs fantasiaspercoahora,eagora?
Rede, que delícia! És pura preguiça. Tens um balanço malemolente, sensual,quemexe comagente.Ésdeliciosamenteimoral,poispreguiça é pecado capital! Rede, fiel companheira, do dia, da tarde, da noite, no sono,nainsônia,naalegriaenatristeza,nasaúdeenadoença,amigairmã, digo e repito em alto e bom tom, tu és tudo de bom! Rede que te queroverde,quetequeroazul,quetequerobrancaoucru,quetequero comvarandasousem,quetequerosemprearmada,redeamada,semti, avidanãovalequasenada!
Rede,comotequero...