Revista Democrática de Direito Processual n. 01 – Fev 2014
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Revista Democrática de Direito Processual n. 01 – Fev 2014
Título - Santa Cecilia Museo Nacional del Prado Num. de catálogo - P00353 Autor - Antiveduto della Grammatica Cronología – Final sec. XVI – Início sec. XVII Técnica - Óleo Medidas - 128 cm x 100 cm Escola - Italiana Tema - Religião Em exposição Procedência – Coleção Real
Expediente JusCeará Rua Barão de Aracati, n. 644, 3º andar, sl. 32 – Meireles Fortaleza/CE, CEP 60.115-180.
Editor Matheus Cintra Bezerra
Publicação mensal Fevereiro de 2014 – n. 01
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Sumário
Apresentação
Artigo Intimação pessoal do Ministério Público Matheus Cintra
Jurisprudência escolhida PC001 - PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CITAÇÃO DE EMPRESA ESTRANGEIRA REALIZADA ATRAVÉS DE SUCURSAL BRASILEIRA. VIABILIDADE. ART. 13, VIII, CPC. PESSOA JURÍDICA. VIA POSTAL. AVISO RECEBIMENTO ASSINADO POR REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA. DESNECESSIDADE. REVELIA. ART. 319, CPC. EFEITOS. PRAZOS. RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. REVEL. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA NO CARTÓRIO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PROTESTO PELA JUNTADA POSTERIOR DE INSTRUMENTO PROCURATÓRIO. POSSIBILIDADE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS
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Apresentação
“Uma grande jornada começa com o primeiro passo” - Lao Tsé. Depois de alguns anos de tentativas frustradas para a abertura do diálogo entre os operadores do direito do Ceará, essa é a primeira palavra surgida nessa direção. A introspecção da escrita e da leitura, duas fontes essenciais dos operadores do direito, tornaram cada vez mais distante o ideal científico da formação da síntese. Por ser o poder estatal inegavelmente mais formal, com maior ritualística e carregado de ranço monárquico, ficaram seus operadores (e atores) praticamente ilhados em suas produções, não compartilhando os estudos eventualmente elaborados, nem tampouco as discussões que fomentam o engrandecimento da cultura jurídica. O primeiro passo foi dado em 2011 com o lançamento do sítio eletrônico [www. jusceara.com.br]. A pretensão era a criação de uma rede social para o nicho específico do Poder Judiciário cearense. Contudo, a pequena adesão fez com que a ferramenta de compartilhamento não seguisse adiante. Perdemos a batalha, mas não a guerra. Reunimos força de vontade para que o projeto não fosse abandonado por completo e agregamos ao conteúdo a formação de conteúdo colaborativo para subsidiar a presente revista de direito processual, que por seu cunho democrático, foi batizado de RDDP – Revista Democrática de Direito Processual. A segunda missão deste projeto é a de aflorar o eventual descontentamento dos atores do processo com a prestação jurisdicional recebida pelos tribunais locais, retirando o excessivo valor dado aos julgados de outros tribunais e o Superior Tribunal de Justiça. A mecanização do serviço jurídico trouxe vantagens e desvantagens tão equivalentes que o sopesamento entre elas mostra-se praticamente nulo. Enquanto os postulantes apresentam iniciais e arrazoados criados com o auxílio de teclas de atalho, os magistrados respondem na mesma moeda, basicamente se reportando aos precedentes coletados dos sítios eletrônicos disponibilizados pelos tribunais superiores. A profundidade do recurso tornou-se um espelho d’água, sendo difícil se encontrar decisões colegiadas com revolvimento fático. Isso sem mencionarmos a avassaladora massa de decisões monocráticas proferidas pelas cortes locais, sem nenhuma técnica processual, violando sobremodo o princípio da colegialidade. Em terceiro e último lugar, mas não menos importante, busca-se com a presente empreitada a difusão de um conhecimento básico a quem se presta atuar perante o Poder Judiciário: conhecer seus atores. Raro são aqueles que conhecem, ainda que fisionomicamente, os magistrados dos tribunais locais. É necessário que os participantes da prestação jurisdicional saibam a posição de seus julgadores, até mesmo para exigir coerência nas suas decisões, sendo muito comum nos depararmos com decisões políticas em manifestações que deveria ser de direito. Enfim, confiante de estarmos colaborando com o engrandecimento e resgate da cultura jurídica vanguardista do Estado do Ceará, concebemos a presente publicação, esperando que a reciprocidade e aceitação do projeto se dê com a resposta e intercâmbio entre os participantes. O Editor
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Revista Democrática de Direito Processual n. 01 – Fev 2014 Artigo
A intimação pessoal do Ministério Público Matheus Cintra Especialista em Processo Civil (UECE/FESAC), Advogado licenciado, Assessor de Desembargador - TJCE
Como se sabe, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Fazenda Pública possuem prerrogativa de intimação pessoal sobre os atos do processo, sendo que à última somente se dá tal exercício em execução fiscal, ou na sua fase de conhecimento, e em primeiro grau. Ocorre que ainda hoje nos deparamos com o uso de expediente pouco elogiável de intimação ao Parquet, principalmente em segundo grau, em que os autos são entregues ao servidor ou na repartição ministerial, mas seu membro somente apõe seu ciente em ato posterior. Assim, não raro coexistem em alguns processos a certidão de intimação feita pelo tribunal ao órgão do ministério público em um dia e o “ciente” noutro, com lapsos temporais dos mais variados. A defesa em favor dos promotores de justiça é de que a lei orgânica do Ministério Público lhes assegura a intimação pessoal, o que somente se dá, a seu ver, com a aposição do ciente na folha do processo. Essa a tentativa de alguns agentes ministeriais de tentar elastecer o prazo recursal, e que já foi objeto de muita crítica pela jurisprudência, trouxe a lume uma prática de efetivo mal uso das prerrogativas legais, criando disparidade de tratamento processual além das garantias pró-estatais existentes. 1
Sucedeu-se que a partir do julgamento do HC 83.255-5/SP , pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ficou consolidado o entendimento de que a contagem dos prazos para a interposição de recursos pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública começa a fluir da data do recebimento dos autos com vista no respectivo órgão, e não da ciência de seu membro no processo. In casu, a intimação se dá com a abertura e concretização da vista aos autos, sendo este o marco inicial para contagem dos prazos no processo.
Lei n. 6.380/80 Art. 25 – Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente
Lei n. 8.625/93 Art. 41 – Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: IV - receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, através da entrega dos autos com vista;
Dessa forma, encontra-se superada a discussão quanto a prerrogativa da intimação pessoal, não cabendo a interpretação gramatical quando a deontologia processual se finca 1
DIREITO INSTRUMENTAL - ORGANICIDADE. As balizas normativas instrumentais implicam segurança jurídica, liberdade em sentido maior. Previstas em textos imperativos, hão de ser respeitadas pelas partes, escapando ao critério da disposição. INTIMAÇÃO PESSOAL CONFIGURAÇÃO. Contrapõe-se à intimação pessoal a intimação ficta, via publicação do ato no jornal oficial, não sendo o mandado judicial a única forma de implementá-la. PROCESSO - TRATAMENTO IGUALITÁRIO DAS PARTES. O tratamento igualitário das partes é a medula do devido processo legal, descabendo, na via interpretativa, afastá-lo, elastecendo prerrogativa constitucionalmente aceitável. RECURSO - PRAZO - NATUREZA. Os prazos recursais são peremptórios. RECURSO - PRAZO TERMO INICIAL - MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o "ciente", com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predominante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas. (STF - HC 83255, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2003, DJ 12/03/2004, p.38)
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na interpretação sociológica (teleológica e axiológica) da comunicação dos atos processuais. Seria mesmo contrassenso que a conclusão da ação pudesse ser obstada por um dos atores do processo que se opusesse a dar seu “ciente” dos atos processuais. O sistema processual não permite ser colocado na condição de refém por um de seus atores, respeitando-se a prerrogativa de intimação pessoal com a carga dos autos, pelo próprio membro ou algum de seus prepostos.
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Para o STJ, tal procedimento “conferiria posição privilegiada de absoluto controle dos prazos processuais, afrontando os princípios do devido processo legal e da igualdade das partes.” (EDcl no AgRg no REsp 465388/SP – 6ª T, Rel. Des. Celso Limongi)
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Revista Democrática de Direito Processual n. 01 – Fev 2014 Julgado PC001
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CITAÇÃO DE EMPRESA ESTRANGEIRA REALIZADA ATRAVÉS DE SUCURSAL BRASILEIRA. VIABILIDADE. ART. 13, VIII, CPC. PESSOA JURÍDICA. VIA POSTAL. AVISO RECEBIMENTO ASSINADO POR REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA. DESNECESSIDADE. REVELIA. ART. 319, CPC. EFEITOS. PRAZOS. RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. REVEL. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA NO CARTÓRIO. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. PROTESTO PELA JUNTADA POSTERIOR DE INSTRUMENTO PROCURATÓRIO. POSSIBILIDADE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS 1. Segundo disciplina o art. 12, VIII, do Código de Processo Civil, a pessoa jurídica estrangeira será representada em juízo, ativa e passivamente, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. 2. Segundo precedentes do STJ, é válida a citação de pessoa jurídica por via postal, quando implementada no endereço onde se encontra o estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa. 3. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que o termo inicial do prazo para apelar o réu, que se encontra revel, é a publicação da sentença em cartório, e não a intimação do referido ato judicial na imprensa oficial, consoante o disposto no art. 322 do CPC. 4. Reconhecida a preclusão consumativa, o apelo não pode ser recebido. 5. Verificada a ausência da procuração outorgada ao subscritor do recurso de Apelação, tempestivamente apresentado, cabe ao magistrado abrir prazo razoável para que seja sanada a omissão. Aplicação do CPC, art. 13, aos dois graus da instância ordinária. 6. Recurso parcialmente provido apenas para reconhecer a possibilidade de concessão de prazo para regularizar a representação processual. 7. Negado provimento aos demais termos do agravo. (TJCE – Ag 44704-13.2010.8.06.0000, Rel. Des. MANOEL CEFAS FONTELES TOMAZ, 6ª C.Civ., j. 05/07/2013, DJ 759 – disp. 12/07/2013, p. 57)
RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento interposto por MICROSOFT CORPORATION em face de decisão proferida pelo juízo da 8ª Vara Cível da comarca de Fortaleza, nos autos da ação indenizatória proposta por EP HOLANDA COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA, tornando sem efeito o recebimento de recurso apelatório por suposta intempestividade, bem como pela ausência de instrumento procuratório pela recorrente, reconhecendo, assim, o trânsito em julgado da sentença proferida. Em suas razões, fls. 05/35, alega a agravante que a agravada propôs ação de reparação de danos materiais e morais, sob o fundamento de que fora solicitado, em 30 de agosto de 2000, a instauração de inquérito policial junto a Delegacia de Defraudações e Falsificações de Fortaleza/Ce, informando, para tanto, que havia tomado conhecimento de que algumas sociedades empresárias localizadas em referida cidade, dentre elas a recorrida, estariam executando o delito tipificado no art. 12, da Lei nº 9.609/[19981], requerendo a apuração desses fatos. Desse modo, a autoridade policial resolveu seguir adiante com o inquérito, resultando na apreensão de uma CPU, um mouse, um monitor de 14 polegadas, um par de caixas de som pequenas, um microfone, um estabilizador e dois CDs, que estavam em poder do
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Art. 12. Violar direitos de autor de programa de computador: Pena - Detenção de seis meses a dois anos ou multa.
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representante da empresa agravada, MARCELO BARRETO, que foi encaminhado à delegacia para prestar esclarecimentos, sendo que, posteriormente, foi realizado laudo pericial não sendo identificado qualquer sistema operacional na CPU, sendo, por isso, requerida sua liberação. Diante de tais fatos, a agravada ajuizou a ação indenizatória, apontando, a princípio, como representante legal da MICROSOFT CORPORATION no Brasil a empresa LANLINK INFORMÁTICA LTDA, a qual ofertou contestação, suscitando preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, o que foi reconhecido posteriormente, sendo, então requerida a citação da MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, sediada em São Paulo/SP, sendo expedida carta citatória à mesma, a qual retornou sem o devido cumprimento, tendo em vista a informação de que se tratavam de empresas distintas, sendo requerida a expedição de carta rogatória para a sede da demandada, situada nos Estados Unidos da América do Norte. Menciona que, antes de analisar tal pedido, o magistrado de origem solicitou que fosse esclarecido quem figurava no polo passivo da demanda, ocasião em que foi juntada aos autos nova petição da promovente, reiterando o pedido de citação em nome da empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, o que foi atendido mas não logrando êxito tal expediente. Por conta da infrutífera tentativa de comunicação via carta, foi requerida a citação por edital, o que foi deferido pelo juízo de origem, cujo despacho, segundo a agravante, não traz qualquer fundamentação para tal, tendo circulado referido edital em 04 de dezembro de 2008 e nomeado curador especial, o qual pugnara pela nulidade da citação editalícia, o que não foi considerado pelo julgador planicial. Posteriormente,foi anunciado o julgado da lide, antecipadamente, com o decreto de revelia da agravante, condenando ao pagamento de consideráveis valores a título de danos materiais e morais, além das cominações decorrentes da sucumbência. Argumenta a agravante que, tendo tomado conhecimento da demanda por meio da disponibilização da sentença no Diário da Justiça Eletrônico do Estado do Ceará, a MICROSOFT CORPORATION interpôs recurso de apelação, o qual foi certificado como intempestivo, o que, posteriormente, foi retificado, sendo recebido o apelo em seu duplo efeito. Em suas contrarrazões, a agravada requereu fosse tornado sem efeito o recebimento do apelo, sob o argumento de que não era o caso de aplicação do art. 37 do CPC, porque o recurso não seria urgente, em afronta ao art. 13 do mesmo diploma legal e unânime entendimento jurisprudencial sobre o tema, desaguando no trânsito em julgado pelo cartório (secretaria), determinando, ainda, a intimação da MICROSOFT CORPORATION, nos termos do art. 475-J, CPC, para que proceda ao pagamento da quantia que fora condenada sob pena de multa de 10% (dez por cento).
Súmula 115 STJ - Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos.
Argumenta ser nula a citação efetuada por edital, e, por se tratar de questão de ordem pública, pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição, por não se encontrar a agravante em local incerto e não sabido, não atendidos, pois, os requisitos legais para esse ato, restando desrespeitado o disposto no art. 232, CPC. Defende a necessidade de reforma da decisão agravada, por considerar não ser possível a fluência do prazo recursal em cartório, sendo imprescindível sua publicação para esse fim, repudiando a alegada ausência de representação do advogado da promovida, quando da interposição do apelo, salientando que foi requerido expressamente prazo para posterior juntada dos instrumentos de mandato.
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Requer, ao final, pela concessão de efeito suspensivo e, posteriormente, pelo provimento do agravo, para os fins pretendidos. Às fls. 798/815, em juízo de cognição sumária, foi aplicado efeito suspensivo ao agravo, considerando a plausibilidade dos argumentos encartados na peça recursal. Manifestou-se a agravada, fls. 825/836, alegando válida a citação por carta enviada à MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, tratando-se esta de representante legal no Brasil da MICROSOFT. Contudo, a mesma negou-se a receber a citação, porquanto abrindo a correspondência e vendo do que se tratava, a devolveu argumentando não ter poderes legais para receber correspondência em nome da representada, tratando-se, tal comportamento, de ardil. Suscita o disposto no art. 997, do Código Civil, com o escopo de demonstrar esse vínculo entre as empresas MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA e MICROSOFT CORPORATION e, consultando o sítio eletrônico desta última na internet, verifica-se ser a primeira representante da segunda em solo pátrio, constando como endereço o mesmo para o qual foi encaminhada missiva citatória, colacionando precedentes jurisprudenciais a apontar esse vínculo jurídico.
O art. 997 do CCiv trata dos requisitos na elaboração de contrato social para constituição da sociedade empresária. (N.E.)
Menciona, ainda, a existência de um outro processo, de nº 2002.02.13177-7, em tramitação perante a 15ª Vara Cível de Fortaleza, no qual a MICROSOFT CORPORATION foi citada no endereço de sua representante, MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, tendo ofertado contestação. Desse modo, a citação editalícia não teria passado de excesso de zelo do magistrado de origem e, desse modo, mesmo declarado nulo referido ato, é fato inconteste que a agravante fora efetivamente citada pela via postal, tendo aberto o envelope e tomado plena consciência de seu conteúdo. Por isso, a citação pelo Correio cumpriu todas as formalidades legais pertinentes. Defende a intempestividade da apelação interposta, vez que os prazos para o revel devem correr a partir da publicação em Secretaria, o que teria ocorri o no dia 24 de março de 2010, enquanto que o apelo foi protocolado em 17 de maio de 2010. Colaciona entendimento jurisprudencial nesse sentido, argumentando que a apelação interposta não deve sequer ter seguimento, em face de flagrante intempestividade. Discorre sobre a ausência de instrumento procuratório em favor da apelante, ora agravante, por considerar que a interposição de apelo não pode ser considerado ato urgente. Pede, por fim, pelo improvimento do recurso, mantendo a higidez do comando jurisdicional invectivado. Esse o relatório. Sem revisão. Passo a decidir.
VOTO Impondo-se um juízo antecedente de admissibilidade recursal, conheço do presente recurso, eis que próprio, interposto tempestivamente, encontrando-se, pois, presentes os chamados requisitos intrínsecos e extrínsecos ao transpasse para o juízo de mérito.
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A princípio, tenho que os argumentos lançados na peça recursal, ante seu teor impactante, acarretaram manifesta sensibilidade de discernimento, avultando como verossímeis os argumentos ali contidos, praticamente insuplantáveis, ante o sedimento amalgamado pela mera aplicação das normas jurídicas mencionadas. De notar, contudo, que o direito é, essencialmente, dialético e, embora não se admita ao aplicador da lei vagar e divagar pelas diversas teses suscitadas pelas partes, há de se ter em mente a necessidade de palmilhar cada ponto da controvérsia, de modo a se escolher não uma vereda de argumentos sofismáticos, mas uma avenida ampla e iluminada a convencer não só o signatário mas a todos que se deem ao trabalho de mensurar a construção jurisdicional ora talhada. Traçados os prolegômenos, cumpre fixar os pontos a serem analisados por esta via recursal, não sendo possível qualquer incursão ao meritum causae da ação originária. O debate tem, como pontos específicos, nessa ordem: a) nulidade da citação; b) tempestividade do apelo interposto; e c) nulidade de representação - ausência de capacidade postulatória, por parte do causídico subscritor da peça recursal. Vejamos cada um desses itens, desta feita através da ponderação argumentativa dos litigantes. Colho dos argumentos antes lançados que a tempestividade do apelo pressupõe a regularidade da revelia declarada na espécie, sem a qual o processo é absolutamente nulo e, ultrapassada essa fase, o efetivo momento da contagem do prazo do recurso obstado. Acerca da primeira questão, o ilustre mestre Humberto Theodoro Júnior, em sua obra Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 18ª ed., Editora Forense, pg. 253 leciona: "Tão importante é a citação, como elemento instaurador do indispensável contraditório no processo, que sem ela todo o procedimentos se contamina de irreparável nulidade, que impede a sentença de fazer coisa julgada. Em qualquer época, independente de ação rescisória, será lícito ao réu arguir a nulidade de semelhante decisório ..."
Portanto a gravidade do vício de citação é tamanha que a parte poderá argui-la, inclusive, em impugnação ao cumprimento de sentença (art. 475-L, inc. I, CPC), porquanto impassível de preclusão. A princípio, ponderei sobre a citação rogatória, ressalvando que a autora recorrida teve plena ciência da existência da empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA (fls. 277/278 e fls. 285/313), com sede em São Paulo e cuja sócia majoritária seria a MICROSOFT CORPORATION, motivo pelo qual poderia, em tese, receber a citação, na qualidade de sucursal (art. 13, VIII, CPC), o que foi requerido pela autora, ora agravada, sendo que a primeira correspondência retornou sem recebimento, em virtude da mudança de endereço. As duas correspondências anteriores (fls. 372/374), tiveram recusado o seu recebimento por ausência de poderes, sobrevindo daí a intimação por edital (fls. 541/542) e, posteriormente, o encaminhamento do feito ao curador especial (fls. 533). Este pugnou pela nulidade da citação, por não haver ciência inequívoca dos termos da demanda por parte da ré, ante o não recebimento das citações por via postal (fls. 554/555), o que foi recusado pelo magistrado (fls. 556/558), o qual, em seguida, sentenciou o feito decretando a revelia da empresa MICROSOFT CORPORATION, condenando-a em elevada quantia a título de danos materiais e morais.
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Mantenho o entendimento de que a trâmite processual acima relatado olvidou as regras pertinentes à citação por edital, bem como ofendeu o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal e, por isso, a nulidade desse ato é flagrante. Inovo, contudo, quanto à citação por carta. Explico. Efetivamente, a empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA é a sucursal da MICROSOFT COMPORATION em solo brasileiro, desse modo possível a citação em seu nome, conforme preceituam os arts. 12, IV, VIII e 215, do CPC: "Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] VI - as pessoas jurídicas por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores; [...] VIII - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (Art. 88, parágrafo único);"
Art. 93, inc. IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
"Art. 215. Far-se-á a citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado. [...]"
A princípio admiti que, havendo a indicação dos representantes legais da empresa, como destinatários da carta de citação, a recusa de recebimento da correspondência por pessoas diversas desqualificaria o ato em tela como apto a produzir efeitos. Nesse aspecto, entendo ser necessário evoluir no convencimento, uma vez que, a defesa de tal ponto de vista enseja abertura para os mais absurdos e impensáveis expedientes escusos, acarretando manifesto prejuízo ao regular andamento do processo, além de propiciar manifesto desequilíbrio entre as partes. Para sedimentar o entendimento ora explanado, transcrevo o art. 14 do Código Buzaid: "Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito. V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final."
Denota-se, no caso em análise, que a empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA, representante no Brasil da MICROSOFT CORPORATION, recebeu a carta de citação, através de envelope lacrado, revolveu seu conteúdo e, alegando incompetência para recebê-lo, a devolveu ao agente dos Correios. Essa atitude fulmina a anterior assertiva deste relator de que a citação não atingira seu desiderato, além de contrariar o entendimento sufragado em nossos pretórios sobre o tema. As partes têm o dever de se conduzir com ética e lealdade, cabendo ao juiz reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça. A boa fé, a ética, a lisura e a probidade na condução dos processos há muito deixaram de ser apenas aspirações de cunho moral. O ordenamento jurídico impõe e exige que tais vetores sejam acatados, impondo punições àqueles que buscam deles se eximir.
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O processo, e isso já foi repisado por diversas vezes, não é só um instrumento técnico. É, sobretudo, um instrumento ético. Está posto à disposição das partes não exclusivamente para a resolução de seus conflitos, mas também para a efetivação do Direito e a paz social. Desse modo, cada julgado deve ser um exemplo a demonstrar o alcance e a aplicação da lei da forma mais justa possível. A lealdade compreende postura ética, honesta, franca, de boa-fé, proba que se exige em um estado de direito; ser leal é ser digno, proceder de forma correta, lisa, sem se valer de artimanhas, embustes ou artifícios, como asseverado por integrantes da Corte Superior de Justiça: "O processo é instrumento de satisfação do interesse público na composição dos litígios e dois princípios de igual importância convivem e precisam ser respeitados - O da celeridade e do contraditório, que, muitas vezes, tidos como antagônicos, em verdade, não o são. Deve o magistrado usando de seu bom senso, para não infringir o princípio do contraditório, coibir atos que atentem contra a dignidade da justiça, impedindo que o processo se transforme em meio de eternização das ações e seja utilizado como arma para o não-cumprimento das decisões judiciais." (REsp 165285 - SP- Rel. Min. Waldemar Zveiter - DJU 02.08.1999 - p. 184) PROCESSO CIVIL. INTIMAÇÃO PELA IMPRENSA. AUSENCIA DO NOME DO NOVO PATRONO DA PARTE. QUATRO INTIMAÇÕES POSTERIORMENTE ENDEREÇADAS AO RECORRIDO. CONSTANCIA NESSAS PUBLICAÇÕES DOS NOMES CORRETOS DE AMBAS AS PARTES E DE SEUS PATRONOS. SUSCITAÇÃO DA NULIDADE PELA RECORRENTE APENAS QUANDO PUBLICADA INTIMAÇÃO COMUM AS DUAS PARTES. PRECLUSÃO. ART. 245, CPC. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. PROCESSO COMO INSTRUMENTO ETICO. RECURSO DESACOLHIDO. I - O PROCESSO NÃO E UM JOGO DE ESPERTEZAS, MAS INSTRUMENTO ETICO DA JURISPRUDENCIA PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA CIDADANIA. II NOS TERMOS DA LEI PROCESSUAL VIGENTE, NOS CASOS DE INTIMAÇÃO PELA IMPRENSA "E INDISPENSAVEL, SOB PENA DE NULIDADE, QUE DA PUBLICAÇÃO CONSTEM OS NOMES DAS PARTES E DE SEUS ADVOGADOS, SUFICIENTES PARA SUA IDENTIFICAÇÃO" (ART. 236 PARAG.1.). III - NÃO SE TRATANDO DE NULIDADE ABSOLUTA, E NECESSARIO QUE A PARTE INTERESSADA A DENUNCIE NA PRIMEIRA OPORTUNIDADE AO JUIZ DA CAUSA, A FIM DE QUE SEJA SANADA SEM MAIORES PREJUIZOS PARA O ANDAMENTO DO PROCESSO. IV - SE A PARTE TOMA CONHECIMENTO DA NULIDADE, TENDO HAVIDO QUATRO INTIMAÇÕES, DAS QUAIS, EMBORA ENDEREÇADAS A OUTRA PARTE, CONSTARAM OS NOMES CORRETOS DA RECORRENTE E DO SEU PATRONO, NÃO VIOLA O DISPOSTO NO ART.245, CPC, O ACORDÃO QUE AFIRMA CONSUMADA A PRECLUSÃO QUANDO ARGUIDO O VICIO APENAS NA OCASIÃO EM QUE PUBLICADA INTIMAÇÃO COMUM AS DUAS PARTES. (REsp 65.906/DF, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/1997, DJ 02/03/1998, p. 93) Em sede de direito processual, a lealdade, na concepção teleológica, significa a fidelidade à boa-fé e ao respeito à justiça, que, entre outras formas, se traduz não só pela veracidade do que se diz no processo, mas também pela forma geral como nele se atua, incluindo-se aí, o que não se omite. (PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, p. 461).
Trata-se, em realidade, a lealdade de um dever a ser observado pelo jurisdicionado. Está intimamente ligada ao princípio da probidade processual, segundo o qual cabe às partes sustentarem suas razões dentro da ética e da moral, na observação de Nery e Nery, não se utilizando da chicana e fraude processual. Divide-se a probidade em: a) dever de agir de acordo com a verdade; b) dever de agir com lealdade e boa-fé; c) dever de praticar somente atos necessários à sua defesa. (NERY JUNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 196).
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Essas duas citações de doutrina não se encontram em destaque no original. A colocação nesse formato de citação se dá pela relevância do conteúdo e da patente intenção do relator em delas se referir. Preservamos o formato oficial. (N.E.)
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Por seu turno, o não atendimento desse princípio, acaba por caracterizar o abuso de direito, a chicana processual, buscando eternizar um conflito, em manifesto prejuízo a todos os envolvidos e finda por descredibilizar a prestação jurisdicional. Desse modo, partindo-se da premissa de não haver qualquer dúvida quanto ao fato de que a empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA é a representante legal no Brasil da MICROSOFT CORPORATION, podendo, portanto, receber citação para responder aos termos da demanda originária, passo a observar a conduta daquela empresa, quando do recebimento da missiva. Se um preposto da MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA recebeu a correspondência, abriu e tomou conhecimento de seu conteúdo, tanto que se dera por incompetente para receber tal comunicação, deveria, incontinenti, ingressar nos autos e defender esse ponto de vista. Esse o posicionamento que se pretende de quem ostenta uma postura condizente com os deveres das partes no processo. Sem qualquer sentido, e destituída de um mínimo de compromisso, portanto, a atitude da empresa MICROSOFT INFORMÁTICA LTDA que entendeu por recusar o recebimento da carta citatória, fazendo um juízo idiossincrático sobre a situação em que se encontrava, olvidando, a seu talante, sua condição de representante legal da MICROSOFT CORPORATION em solo tupiniquim. A agravada, aliás, apresentou vários entendimentos jurisprudenciais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, firmando a correlação entre essas empresas e a possibilidade de se fazer a citação à representante local. Nesse ponto, superada a discussão acerca da legalidade de citação através da representante legal da empresa ré, o alvo dos questionamentos se volta para a validade ou não da citação por carta, ante a recusa no recebimento, por parte da empresa destinatária. Valho-me, nesse aspecto, da jurisprudência consolidada da Corte Superior de Justiça, conforme exemplos abaixo transcritos: CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CITAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. VIA POSTAL. AVISO RECEBIMENTO ASSINADO POR REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA. DESNECESSIDADE. 1. É válida a citação de pessoa jurídica por via postal, quando implementada no endereço onde se encontra o estabelecimento do réu, sendo desnecessário que a carta citatória seja recebida e o aviso de recebimento assinado por representante legal da empresa. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. Aplicação de multa de 5% sobre o valor da causa. (AgRg no Ag 1229280/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2010, DJe 04/06/2010) PROCESSUAL CIVIL - CITAÇÃO PELO CORREIO - PESSOA JURÍDICA - ART. 223, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC. I - No AR houve aposição de carimbo do Banco-réu, o que significa dizer que através de seu preposto a carta citatória ingressou na sua esfera de conhecimento. Entender em sentido diverso seria dificultar sobremaneira a citação pelo correio de pessoas jurídicas. II - Recurso conhecido e provido. (REsp 195.694/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2000, DJ 20/11/2000, p. 289)
Do voto proferido deste último aresto, oportuno e didático transcrever as seguintes passagens: O tema em questão - citação via postal de pessoa jurídica – é complexo e sabidamente controvertido, já tendo sido levado a debate pela Eg. Segunda Seção desta Corte, quando do julgamento do REsp. n° 119.818/RS, relator Sr.
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Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, tendo o aresto guardado a seguinte ementa: “Citação pelo correio. Art. 223 do Código de Processo Civil, com a redação da Lei n. 8.710/93. 1 . Há divergência entre as Turmas que compõem a Seção de Direito Privado sobre o alcance da citação pelo correio, em se tratando de pessoa jurídica. Com a redação da Lei n. 8.710/93, que não mais exige poderes de representação, mas, sim, poderes de gerência geral ou de administração, quando o Acórdão recorrido afirma que a pessoa que recebeu a citação pelo correio era o responsável no momento, não há razão alguma para invalidar o ato. 2. Recurso especial não conhecido "
Naquela oportunidade, ao proferir seu voto-vista, assim manifestou-se o Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR: "3. No caso dos autos, porém, vê-se que a carta foi entregue a funcionário do estabelecimento bancário, conforme admitido na contestação, o qual foi devidamente identificado pelo carteiro, que registrou o número da cédula (AR de fl. 27). Com isso, ficou demonstrado ter-se feito a citação na pessoa de preposto da empresa ré, devidamente identificado. Em tal hipótese, penso que se pode ter por válido o ato citatório, embora a pessoa a receber a correspondência não estivesse ela mesma investida de poderes de gerência geral ou de administração, mas ali desempenhando a função que o gerente ou o administrador lhe cometera. É da experiência comum que todas as empresas, pequenas ou grandes, indicam o empregado que irá atender o carteiro, função normalmente não reservada diretamente ao administrador, por óbvias razões. É também de se presumir que o encargo seja delegado a pessoa de confiança porque a tarefa, embora simples, envolve responsabilidade. Com isso quero dizer que a empresa, ao colocar na sua portaria um funcionário para dar recibo de correspondência registrada, delegou- lhe também, a seu beneficio, a função de receber validamente as cartas com aviso de recebimento expedidas pelo Judiciário. Para que assim não fosse, bastava-lhe incumbir o próprio gerente de receber o carteiro; como não o faz, nem lhe convém fazê-lo, e como o correio é via cada vez mais usada, célere e confiável, impende compatibilizar de um lado a preferência organizacional da empresa e, de outro, a utilização do correio como meio adequado para a comunicação do que se passa no processo. Portanto, quando a entrega da carta com AR é feita a funcionário da pessoa jurídica, encarregado da recepção, e identificado pelo carteiro, a citação se perfaz validamente. A falta de identificação obstaria a validade do ato se comprovado que a assinatura não corresponde a empregado da empresa com aquela atribuição. Cabia à citanda demonstrar, ainda que por indícios, não ser admissível no caso a presunção hominis, porque o endereço não era o mesmo, a pessoa do recibo não era empregada nem mantinha vínculos com a empresa, havia razões fundadas para concluir que a correspondência não chegaria ao seu destino, etc. É preciso criar, ao menos, afundada suspeita de que o serviço do correio funcionou mal, entregando a carta em lugar ou para a pessoa errada, sem a precaução exigida nas circunstâncias."
Tenho que estas razões de decidir amoldam-se ao presente caso, pois no aviso de recebimento houve aposição de carimbo do Banco-réu, o que significa dizer que através de seu preposto a carta citatória ingressou na sua esfera de conhecimento. Entender em sentido diverso seria dificultar sobremaneira a citação pelo correio de pessoas jurídicas.
Embora no voto conste o termo “Banco-réu”, no caso o recurso foi movido por empresa de tecnologia. Trata-se de erro material evidente e sem repercussão. (N.E.)
No caso concreto, a correspondência foi recebida, aberta e devolvida, sob o argumento, de
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que a representante da empresa, embora configurada com sucursal, não teria poderes para receber citação pela demandada. Depreende-se, de forma inconteste, pois, que o ato citatório levado a efeito pelos correios atendeu às exigências legais. De conseguinte, sendo a citação ato único, a posterior e reconhecidamente nula comunicação pela via editalícia, não pode influir na marcha processual. Ou seja, sendo a citação postal válida, surtiu, por si só, todos os efeitos legais e, não apresentada resposta no prazo preclusivo contido no art. 297, CPC, é de se reconhecer a revelia, segundo art. 319, CPC.
Conquanto o relator tenha decretado anteriormente a nulidade da citação por edital, acatou a tese de que a citação por carta foi válida, o que fez perdurar a revelia pelo decurso do prazo sem resposta da promovida . (N.E.)
Validada a citação por carta e configurada a revelia, passo à questão pertinente ao prazo recursal e sua contagem. Segundo disciplina o Código de Processo Civil: Art. 322 Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório. Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.
Não é possível confundir publicação com intimação, posto que esta é veiculada por aquela e direcionada especificamente a quem de direito. A publicação tanto pode ser feita através da imprensa oficial como por outros meios legalmente reconhecidos. No caso do réu revel, a Corte Superior de Justiça, inclusive por seu órgão especial, já consolidou o entendimento de que o termo inicial do prazo para apelar é a publicação da sentença em cartório, e não a intimação de referido ato na imprensa oficial. Nesse sentido:
A referência ao julgamento da Corte Especial do STJ é feita adiante, em citação de citação de jurisprudência. (N.E.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DA REVELIA. INTERVENÇÃO DO RÉU. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO FORMAL DOS ATOS SUBSEQUENTES. 1. Incidindo os efeitos da revelia, os prazos processuais correm a partir da publicação dos atos decisórios, independentemente de intimação, nos termos do artigo 322 do Código de Processo Civil. 2. A intervenção do réu no processo, ainda que tardia, passa, a partir de então, a tornar exigível a sua intimação formal para os atos subseqüentes. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 842.409/SP, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 25/02/2013) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REVELIA. PRAZO. INÍCIO. PUBLICAÇÃO. PRECEDENTES. CORTE ESPECIAL. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada do STJ, o prazo para o revel apelar conta-se da publicação da sentença em cartório, e não da intimação na imprensa oficial. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 655.956/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 15/08/2012)
Desse segundo exemplo, transcrevo passagens elucidativas do voto condutor da Ministra relatora, conforme segue: A matéria do recurso especial, tempestividade de recurso, de fato, foi devidamente prequestionada e não depende de reexame de matéria fática da lide. Trata-se de recurso especial interposto de acórdão que recebeu a seguinte ementa (fl. 145): PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INADMISSIBILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A RECURSO DE APELAÇÃO.
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INTEMPESTIVIDADE. REVEL. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA NO CARTÓRIO. I - Nos moldes do artigo 322 do CPC, fluem os prazos para o revel a partir da publicação do ato no cartório, independentemente de intimação. Como a sentença foi publicada em cartório em 25-11-02, para a ré o prazo para interpor recurso de apelação começou a fluir no dia seguinte, encerrando-se, nos moldes das determinações processuais, em 10-12-02. Ainda que o advogado constituído pela ré tenha requerido vista dos autos antes da publicação da sentença no órgão oficial, considera-se iniciado seu prazo desde 25-1102, restando-lhe apenas 04 dias para o escoamento. Em assim sendo, interposta a apelação somente em 19-12-02, resta evidente sua intempestividade. II - Por outro lado, cabe ao tribunal o exame definitivo da admissibilidade dos recursos, podendo ou não conhecer dos mesmos, porquanto o primeiro juízo de admissibilidade é preliminar e provisório, sujeito sempre a decisão definitiva do juízo ad quem. III - Recurso improvido. Alega-se ofensa aos arts. 125, 322 e 506 do CPC, bem como dissídio. Com efeito, o tribunal de origem negou seguimento ao recurso de apelação por intempestividade sob o fundamento de que, nos termos do art. 322 do CPC, "contra o revel fluem os prazos a partir da publicação do ato no cartório, independentemente de publicação no órgão oficial" (fls. 147/148). Tal entendimento, como bem demonstrado no próprio acórdão recorrido, se alinha com o posicionamento desta Corte Superior, inclusive no âmbito da Corte Especial. Confira-se: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. REVELIA. TERMO A QUO PARA RECORRER DA SENTENÇA. PUBLICAÇÃO EM CARTÓRIO. EXEGESE DO ART. 322 DO CPC. ITERATIVOS PRECEDENTES. O v. acórdão embargado, lavrado pela colenda Quinta Turma deste Sodalício, por unanimidade, entendeu que não merecia reparo o entendimento da Corte de origem, à luz do disposto no artigo 322 do CPC, no sentido de que o prazo para o revel recorrer da sentença se inicia com a sua publicação em cartório, e não a partir de sua publicação da imprensa oficial. Com efeito, a norma processual supra referida estabelece que contra o réu contumaz "correrão os prazos, independentemente de intimação", razão pela qual tanto a jurisprudência recente deste Sodalício quanto a doutrina têm sido favoráveis à tese esposada no v. acórdão embargado. Nesse sentido, os comentários de Luiz Rodrigues Wambier in "Curso Avançado de Processo Civil", vol. 1, 3ª ed., p. 439, Joel Dias Figueira Júnior, "Comentários ao Código de Processo Civil", Tomo II, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 389/390, dentre outros. Dessa forma, mesmo nas hipóteses em que a sentença não for proferida em audiência, e houver sua publicação na imprensa oficial para a parte regularmente representada nos autos, a contagem do prazo para interposição de recurso contra o referido ato do juiz, para o revel, terá início com a sua publicação em cartório. Precedentes: REsp 549.919/MG, Rel. Min. José Delgado, DJU 20.10.2003; REsp 318.381/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 01.09.2003; REsp 399.704/PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 04.11.2002, e REsp 236.421/DF, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU 19.11.2001. Embargos de divergência conhecidos e improvidos. (EREsp 318242/SP, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/11/2004, DJ 27/06/2005, p. 204)
Referência supra. (N.E.)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTESTAÇÃO E DOCUMENTOS CONSIDERADOS INEXISTENTES. REVELIA DO RÉU. INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. TERMO INICIAL. PUBLICAÇÃO EM CARTÓRIO. 1. Se oportunizado prazo para regularização processual (art. 13 do CPC) a parte permanece inerte, deve o ato processual praticado ser reputado como inexistente (art. 37, parágrafo único, do CPC). 2. A Corte Especial deste Tribunal Superior consagrou o entendimento de que o termo inicial do prazo para apelar do réu que se encontra revel é a publicação da sentença em cartório, e não a intimação do referido ato judicial na imprensa oficial, consoante o disposto
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no art. 322 do CPC. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 749.970/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 16/08/2010) Incide, no ponto, a Súmula 83 do STJ, a obstar a pretensão da recorrente. Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É como voto.
Desta feita, de se reconhecer dispensável a intimação como pretendida pelo revel, posto que válida a forma de publicação levada a efeito pela secretaria do juízo de origem. Postas tais ponderações, até o presente momento tenho que a agravante detinha poderes para receber citação; a citação postal é valida; e o prazo para interpor recursal apelatório conta-se da publicação da sentença em cartório, ou secretaria. Resta discorrer sobre a representação processual, ante o fato de que, ao interpor o recurso, ora reconhecido como intempestivo, a parte ora agravante protestou pela apresentação de instrumento procuratório em momento posterior. Entendo que a pertinência ou impertinência de analisar esse aspecto da controvérsia está, até certo ponto, comprometido, haja vista que, pelos elementos acima dispostos, o presente agravo já entremostra indisfarçável desfecho, fadado que está ao improvimento. Certo é que, nas instâncias ordinárias, é possível a regularização da representação, com base no que disciplina o art. 13, CPC e entendimento reiterado da Superior Instância Ordinária, conforme aresto abaixo colacionado: PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. REGULARIZAÇÃO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. POSSIBILIDADE. CPC, ART. 13. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. 1. Verificada a ausência da procuração outorgada ao subscritor do recurso de Apelação, cabe ao Relator abrir prazo razoável para que seja sanada a omissão. Aplicação do CPC, art. 13, aos dois graus da instância ordinária. 2. Precedente da Corte Especial Resp 50.538/RS, rel. Min. Costa Leite, DJ 19/12/94. 3. Embargos acolhidos. (EREsp 74.101/MG, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 09/05/2002, DJ 14/10/2002, p. 178)
O Superior Tribunal de Justiça integra a Instância Extraordinária no sistema recursal brasileiro, que conta apenas com duas instâncias ordinárias: o 1º e o 2º graus. (N.E.)
Ressalvo, no entanto, que, reconhecida a prevalência do julgado em reproche, admitindo-se a preclusão consumativa ocorrida e caracterizada pela deflagração do prazo recursal com a publicação da sentença em secretaria, este último aspecto, ou seja, o defeito de representação e sua retificação posterior, a discussão acerca desse tema não tem qualquer influência direta no deslinde do agravo interposto, vez que o núcleo do debate é a intempestividade do apelo ofertado. Diante de todo o exposto, dou PARCIAL PROVIMENTO ao presente agravo, apenas e tão somente para afastar o alegado defeito de representação, posto que a apresentação posterior goza de amparo legal. Contudo, reconheço extreme de dúvidas a regularidade da citação postal, bem como a ocorrência da preclusão consumativa, quanto ao recurso apelatório ofertado, não merecendo provimento o agravo, nesse aspecto. É como voto.
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