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CONTOS BIOGRテ:ICOS



Formação em Aconselhamento Biográfico - Turma II Associação Sagres, Centro Antroposófico de Educação Rua da Macela, 80, Rio Tavares, Florianópolis, SC

Coordenação: Maria Inez Cunha Vieira Gonçalves Diagramação: Matheus Moraes Impressão: Gráfica XX, Uberlândia, MG



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ALICE .............................................................................................................................................. 01 A MENINA E AS SEMENTES ...................................................................................................... 01 A PRINCESA ESTRELA ............................................................................................................... 01 CARLOS V. EM UM PINGO ........................................................................................................ 01 A VIDA DO OUTRO LADO DA MARGEM .............................................................................. 01 A MENINA DE NOME ESQUISITO .......................................................................................... 01 A MENINA DAS ALEGRIAS ....................................................................................................... 01 O PORTAL DA CORAGEM ........................................................................................................ 01 VOA, VOA, ESTRELINHA .......................................................................................................... 01 A JOVEM SACERDOTISA .......................................................................................................... 01 QUERIDAS AMIGAS E QUERIDOS AMIGOS ........................................................................ 01 A MENINA DO MAR ................................................................................................................... 01 O MENINO E SUA PIPA MÁGICA ............................................................................................ 01 A PEQUENA OLHO D´ÁGUA ................................................................................................... 01 AS PEDRAS ENCANTADAS E A FADA DO CAMINHO ....................................................... 01 A SENHORA DAS SEMENTES ................................................................................................. 01 É PRECISO SER FELIZ .............................................................................................................. 01


A PRINCESA E A CIRANDA ................................................................................................... 01 CAMINHOS: DESBRAVANDO, DESVENDANDO, CONQUISTANDO ........................... 01 TUM, TUM... TUM, TUM... TUM, TUM... ........................................................................... 01 UMA HISTÓRIA DE DOIS REINOS ..................................................................................... 01 A GOTA DA MENINA ÁGUA .................................................................................................. 01 A PRINCESA E OS TESOUROS ............................................................................................. 01 A VENTURA DA VIDA ............................................................................................................. 01 A MENINA DO NÃO ................................................................................................................ 01 APRENDENDO A OUVIR O VENTO ................................................................................... 01 A MENINA AVENTUREIRA ................................................................................................... 01 AS AVENTURAS DE PÍ ............................................................................................................ 01 FAZENDO COM O CORAÇÃO .............................................................................................. 01 O REI VIAJANTE – Vivendo e Aprendendo... .......................................................................... 01 A ESTRELA PERDIDA ............................................................................................................. 01 A PRINCESA CERTINHA ........................................................................................................ 01 NA TERRA DOS PÁSSAROS ................................................................................................... 01 HEXINHA E SEU APRENDIZADO ........................................................................................ 01


QUERIDAS AMIGAS E QUERIDOS AMIGOS

Queridas Amigas e Queridos Amigos


Em 26 de novembro de 2011 saímos todos juntos para uma grande viagem. Todos os preparativos que se necessitavam foram feitos e lá vamos. Embarcamos num grande barco, havia remadores, mas também algumas velas a serem hasteadas quando os remadores estavam cansados.

Eram trinta e cinco passageiros, 10 homens e 25 mulheres corajosos decididos de ir para uma viagem cheia de aventuras. O mar estava calmo naquele dia, os dez remadores postados no seu lugar.

Muita gente para despedida, pois a maioria casada e com filhos, e lá se vai o barco para o alto mar, numa manhã ensolarada e depois uma noite de luar. Ao primeiro porto chegaram; subiram num morro e avistaram a cidade que quase desaparecia de suas vistas, sua cidade natal, infância feliz, um fundo de quintal, universidades que nada lhes diziam. Tudo isso ficou para trás, os outros passageiros que se atrasaram embarcaram. A viagem continuava e uma passageira com uma linda criança, sentiu tanta saudade que ao descer do morro não mais embarcou.

O segundo porto era lá do outro lado, lá os elementos fogo, ar, água e terra os esperavam e alegres gritavam: - Venham, venham conosco festejar. Mas era necessário ao terceiro porto chegar. De lá avistaram todas as estrelas no céu, pois era noite escura e umas tantas a piscar. Lá a moradia dos Anjos e de todas as hierarquias gentilmente os acolhia. Desta feita um passageiro achou: - Essa turma de malucos, que desconhece a substância física de Marte, Júpiter e Saturno, com esses não dá para viajar, e dali mesmo de todos se despedia, seu nome era José. Se lembram do Zé, aquele gordinho? E agora era atravessar o limiar. Será que é o equador que vamos atravessar? Mas no quarto porto havia um gigante, sua sombra acolheu todos os viajantes e até os remadores

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também. As sombras se mesclavam, se cumprimentavam e dançavam, divertindo-se as custas dos passageiros, que mais que depressa se escondiam para não enxergar as próprias sombras, mas estas o perseguiam e só no próximo porto começavam a minguar, já estavam mais clarinhas, mas continuavam a aprontar, aprontavam tanto que um dos remadores resolveu descansar, encontrou uma linda donzela, resolvendo ficar por lá. Os outros barqueiros tinham que fazer força, mas como o Zé não estava mais lá, o barco agora parecia flutuar. Chegando no sexto porto não é que mais estrelas na escuridão se abriram? Ou será que agora todos já enxergavam melhor? E olhe lá, até as constelações do céu enxergavam e descobriram que eles eram seres humanos perfeitos, pois de todo pedacinho do céu tinham um pouquinho dentro de si. Os leões naquele porto conviviam em paz com os carneiros. E os gêmeos brincavam e montavam cavalos dourados alados.

Mas era preciso ir adiante, o mar também que atravessavam tinham tormentas, ondas altas e perigosas, era preciso saber nadar, se caso alguém caísse do barco. Não era só para sentir o prazer da água, a água ali, envolvendo o seu corpo, o calor da areia da praia aquecendo até a alma ou que nem um macaco em equilíbrio, exercitando-se naquele galho, daquela árvore frondosa, pois é, o navio não havia encontrado o outro

Queridas Amigas e Queridos Amigos

porto e teve que atracar numa das praias de uma ilha. Pois sim, agora o porto seguro teria que ser encontrado, pois um novo ser já de longe observava tudo que ia acontecer. Não é que mais um remador, do barco de mansinho se afastou. Tinham que alçar as velas, ouviram falar que mais um passageiro ia se juntar, mas também um outro passageiro foi chamado pelo seu paradeiro, o destino lhe disse: - Não é esta a tua missão – “Já cresci e aprendi o que foi necessário”. Mais quatro portos restavam. Uns diziam que era bravo, perigoso, dragões ferozes iriam os capturar, mas também sereias por ali nas ilhas cantavam e persuadiam passageiros a irem com elas morar; E acreditem, uma delas conseguiu persuadir mais um passageiro e levá-lo para longe.

Mais esta etapa foi vencida, mas quanta coisa abarca cada alma – dúvidas, receios, medos, conflitos, mas dizem que Micael vai ajudar! E agora no décimo primeiro porto o capitão do navio reuniu todos os passageiros e num discurso fez vê-los, se continuariam na mesma profissão, enriquecidos por esta longa jornada. Ou buscariam novos desafios, uma nova profissão, um estudo que nunca acabaria. E a promessa que no próximo porto a viagem terminaria segura.


Enriquecidos de novos instrumentos, transformados, feridas curadas, sombras clareadas e com seus cernes luminosos e brilhantes saem mudo afora, seus barcos aprontarão para levar pessoas por outros mares, deixando aquele grupo de irmãos, mas para todos a mesma estrela brilha é só olhar para o céu, se não é num dia, no outro onde o céu não estará nublado. E já marcaram um encontro depois de muito exercitar mais ou menos daqui um ano, para as suas espadas de novo afiar.

Gudrun Burkhard

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CAMINHOS: DESBRAVANDO, DESVENDANDO, CONQUISTANDO Mara Weber Lütke

Aconteceu uma vez ... onde foi? Na verdade ... onde não foi ???

espalhando e conquistando novas terras. Conquistando pela perseverança, provando sua tenacidade.

Era uma vez um jovem e destemido guerreiro, que decidiu sair de suas terras e atravessar o mundo, em busca de novas conquistas de vida e de conhecer outras terras e outros povos e levar a eles o que sabia.

Este jovem príncipe guerreiro, agora rei nesse novo reino, viu seus filhos ali crescerem, assim como os filhos de seus filhos, e todos eles ajudaram a transformar o reino onde, agora muito havia e muito estava feito.

Ele descendia de um rei cujo reino era de destemidos e corajosos guerreiros e desbravadores, oriundos de terras muito longínquas, frias, onde o verde para lá das densas e escuras florestas vai clareando, tingindo as estepes e escondendo-se na tundra que depois encontra o branco infinito, infinito. Esse povo foi se espalhando também para cá das densas florestas e conquistando novas terras. Conquistando pelas lutas, provando sua força.

O mais novo de seus netos, com o sangue desbravador a correr em suas veias, decidiu, ainda muito jovem, quase um garoto, sair dessas terras e estabelecer-se em outras, em busca de novas conquistas de vida, de conhecer outras terras e outros povos, de levar a eles o que sabia e de aprender com eles o muito que não sabia. Foi ele a uma terra diferente, uma cidade muito grande da qual ouvira falar, que abrigava tantas e tantas pessoas, tantas e tantas construções, que mal havia espaço para algum verde.

O jovem príncipe guerreiro partiu com sua família – esposa e filhos – atravessou o mundo e mais: atravessou um oceano inteiro e chegou a um reino com muitas terras ainda desbravadas. Numa delas fixou-se com a família. Seu destemor e sua coragem foram usados para vencer o novo e a nova terra, onde nada estava feito, nada havia, além de uma exuberante natureza, exuberante terra e um verde como nem nas florestas do longínquo reino de seus antepassados se via. Juntou outros guerreiros que também daquelas terras longínquas haviam para cá partido e também pessoas dessa nova terra. Ensinou a todos tudo quanto sabia e assim, construíram o novo reino, onde antes nada havia. O povo desse novo reino foi se

Caminhos: Desbravando, Desvendando, Conquistando

Aprendeu a ciência da precisão dos números. Depois de um tempo voltou à sua terra apenas para buscar uma esposa, também descendente daquele povo de terras longínquas e, na grande cidade para onde com ela foi, fundou seu pequeno reino. Neste colocou quanto verde pôde e ali o casal teve três filhas. Conquistou seu reino pelo trabalho, provando sua capacidade. Esperava com sua esposa que o primeiro rebento fosse um homem, como era costume desde seus antepassados, assim esperar. Mas o reino invisível aos homens havia escolhido aquela família para que no seio dela uma princesa, uma


menina, nesta Terra e nessa época viesse viver. A menina, de nome Mara, nasceu no final do verão para alegria e felicidade de seus pais. Príncipes da terra de seu pai e de sua mãe vieram para o seu batizado. Mara tinha toda a atenção dos seus pais, gostava de brincar e de estar no verde do pequeno reino-oásis que ficava em meio a tantas construções. Aprendeu com seu pai o amor e a arte de cultivar e cuidar do verde, o mistério das letras e das palavras escritas e a beleza dos traços de desenhos e, mais tarde, a precisão dos números e das coisas exatas, que seu pai viera aprender na grande cidade. E aprendeu com ele a ser firme, dura e forte. Mas em muitos momentos de dureza de seu pai para consigo, aprendeu também o dom de ser flexível e a arte de argumentar e argumentar (afinal, também não havia que aprender a ser dura e forte? ...). Herdou dele os olhos da cor do mar que um dia seus antepassados atravessaram de tão longe. Com sua mãe aprendeu as artes de brincar e cuidar, os segredos – que já vinham de gerações desde aquele reino distante - que transformavam os alimentos e a todos bem nutriam, a delicadeza das artes com as agulhas, e a língua diferente dos seus antepassados. E com ela viu e aprendeu o que era ser paciente, tolerante e emotiva. Mas em muitos momentos de fraqueza de sua mãe, aprendeu também o dom de ser firme, de ser ouvinte e a arte de alentar e confortar. Esta menina teve uma infância feliz e adorava – como adora até hoje – ir ao reino que seu bisavô aqui em novas terras no passado construíra, onde muito brincava, solta no meio de muito verde. Ali tinha liberdade. Nesse reino, também adorava ouvir histórias das pessoas, histórias de antepassados e assim pôde conhecer a história do reino do seu bisavô e de tantas vidas e de como essas vidas se entrelaçavam. Seus pais tiveram mais duas filhas. Mara brincava também com suas duas irmãs, as mais novas princesinhas, mas como eram muito pequeninhas, brincava a maior parte do tempo sozinha e tanto sonhava com reinos, conquistas, lugares diferentes, quanto imaginava e compunha seu próprio reino, com seu castelo, suas princesinhas e seus discípulos. Sim, porque no seu reino imaginário, ela era uma mestra.

Até que um dia, quase jovem, um raio caiu em seu reino e todas as janelas e paredes de um cristal fino e delicado estilhaçaram-se num rompante imediato. A ira do rei, em um de seus dias mais duros, fora dirigida à princesa, que do alto da torre do castelo por pouco não caiu. Sentiu o encanto do reino sendo quebrado e uma grande tristeza, além de injustiçada. Decretou para si mesma que sua vida a partir dali seria fora daquele pequeno reino, que já não lhe era mais um oásis. A várias atividades fora do reino passou a dedicar-se, poucas horas da noite nele passava. Amava – como ama até hoje – os estudos, o conhecimento, a pesquisa e a busca por novos saberes e pelo sentido das coisas. E a tudo isto foi se dedicando mais e mais. O mestre e o mago que lhe ensinavam na grande cidade e conduziam a igreja do reino chamaram-na, ainda jovem, a realizar um trabalho num reino muito semelhante ao de quando seu bisavô iniciara o seu, onde antes nada havia, mas que ficava mais ao norte. O chamado era para conhecer e entender aquele reino que havia começado também com pessoas daquelas terras lá longínquas, mas que vieram bem depois de seu bisavô, e ajudar a pensar formas de auxiliar para que ele crescesse tão bem quanto crescera o novo reino que seu bisavô fundara mais ao sul. A princesa Mara saiu muito confiante e muito feliz para esta jornada, mesmo contrariando seu pai que temia essa viagem para essa terra um pouco distante. Ela muitas histórias ouviu nas casas das famílias e muitos locais conheceu nesse outro reino. Foi uma alegria para ela, que sentiu ali pela primeira vez um grande preenchimento em seu coração. Sentiu que estava a serviço de algo muito maior que, na época, nem sabia bem o que era. O tempo foi passando, Mara dedicou-se muito a estudar, mas não ficou no papel de princesa; no reino da grande cidade, cedo pôs-se a trabalhar. Naquele tempo e por um bom tempo, uma conspiração de bruxos tomou o poder não só no reino da grande cidade, mas em todas as terras desse grande reino para onde seu bisavô tinha vindo. Mara viu o asfixiar da liberdade e viu muita injustiça à sua volta,

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cometida contra pessoas até bem próximas dela, até contra alguns de seus mestres e colegas. Logo depois, casou-se com um príncipe que conhecera quando ainda mais jovem, na igreja deste reino da grande cidade. Tiveram dois filhos muito desejados e amados: uma nova princesinha, “Cabelos de Ouro”, e um principezinho, “Olhos Penetrantes”. Agora, os pais de Mara estavam mais próximos, pois ela, então adulta, havia com eles se reconciliado e eles também se alegraram muito com os netinhos. Depois de um tempo um grande raio abateu-se novamente sobre a princesa: ela e o príncipe quase perderam todo o seu reino. Juntos e com muito trabalho e perseverança e com a ajuda de muitos preciosos anjos e verdadeiros e eternos amigos do reino da grande cidade, reconstruíramno. Mara, em seu ofício, passou por muitos reinos, desde grandes reinos distantes a grandes e pequenos feudos dentro da grande cidade. Por muitos anos ouvia sempre muitas histórias, desde as histórias dos regentes desses reinos e feudos até as histórias dos seus súditos e dos seus povos. Ela as interpretava, para que dessas interpretações algo novo pudesse surgir. Num desses lugares conheceu uma fada que lhe pôs em contato com novos conhecimentos, que desta vez falavam de um mundo espiritual. Mara procurou saber mais sobre isto e a partir daí nunca mais parou de buscar este conhecimento e este entendimento. Tornou-se reconhecida no seu ofício e tão bem o dominou que após um tempo, com o sangue desbravador a correr em suas veias, decidiu sair das terras da grande cidade e atravessar para outras, em busca de novas conquistas de vida, de conhecer outras terras e outros povos, de levar a eles o que sabia e de aprender com eles o que não sabia, assim como seu pai e seus antepassados haviam feito. Foi ela com o príncipe e seus filhos a uma terra que nem era tão diferente, nem tão distante; mas um reino muito organizado do qual ouvira falar, que abrigava também

Caminhos: Desbravando, Desvendando, Conquistando

muitas pessoas e construções, mas com muito verde. Lá ninguém sabia executar o seu ofício, por isto foi uma desbravadora nessa nova terra. Deu início a ele nesse reino, ensinando e levando tudo que sabia a muitos súditos e discípulos. Sim, porque nesse reino foi mesmo até uma mestra! Conquistou esse reino pelo conhecimento, provando saber compartilhá-lo. E nesse novo lugar, continuou na busca daquele conhecimento do mundo espiritual; fundou com outros um grupo que a isto se dedicava a estudar e a outros este conhecimento levar. Viajava muito em seu ofício e pelos novos estudos; e muitos novos mestres e algumas fadas conheceu. Logo, um senhor de outro reino, junto ao grande mar e a uma linda natureza, tomando conhecimento de suas habilidades, chamou-a para fazer o mesmo nesse outro reino. E lá foi ela. Outra vez novas terras desbravar, pondo em prática seu trabalho num reino que não tinha o domínio deste ofício, e novas pessoas ensinar. Agora também ensinava às pessoas não só os conhecimentos do ofício, mas outros que as punham a pensar e que as incentivavam no seu caminhar. O tempo, a maturidade, o conhecimento que acumulara e as habilidades que desenvolvera no exercer seu ofício com afinco, tudo isto somado aos novos conhecimentos que vinha buscando em outros níveis mais sutis, levaram-na à busca por novos horizontes. Empurravam-na para exercitar seu ouvir e oferecer seu auxílio não só junto a reinos, feudos e regentes, mas junto às pessoas em geral. Para isso foi de novo estudar. Estudar para transformar o antigo. Ouvir as histórias de pessoas era agora o que almejava conquistar. Conquistar pelo amor ao ofício e pelo amor ao outro, vindo a provar a capacidade de doar. A princesa Mara já não estava mais com aquele príncipe, que voltara à grande cidade. Mas ela seguia em sua jornada de conhecer – aprender – ouvir – auxiliar. Até então ainda morava na cidade junto ao grande mar e à linda natureza. Desejava um mundo melhor, no qual as pessoas se desenvolvessem com consciência, amor e liberdade, valores que passara a seus filhos. A princesinha filha, Cabelos de Ouro, também voltou à grande cidade. Casou-se com um


belo príncipe, abraçou um ofício sob os olhares de Netuno e à vida do mar passou a se dedicar. O principezinho filho, “Olhos Penetrantes”, que continuou na cidade organizada e verde, passou a viver com uma bela princesa e tinha por ofício a arte de construir e tornar realidade o que os sonhos de outros pediam, levando-os com as asas de Mercúrio a muitos e distantes lugares. Dois desbravadores de novos caminhos e ofícios também - não acham?

Sim, foi assim. E se o que aconteceu não se extinguiu, todos seguem construindo – ou desbravando ??? - esses seus caminhos. Quem sabe, novos caminhos ...

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Tânia Cristina Santos Matos

A PRINCESA CERTINHA Era uma vez, um reino bem distante no qual nasceram O Rei Eloquente e A Rainha Que Cuidava. O Rei Eloquente era o filho caçula temporão (de sete filhos) de um pecuarista e de uma Dona de casa. Era um menino bem esperto, inquieto e inteligente... tinha o dom da fala!!! Adorava brincar com carrinhos de rolimã e de futebol... com o passar do tempo se tornou até goleiro!! A Rainha Que Cuidava era uma linda menina... doce e meiga. A primeira filha de três; que perdeu o pai marceneiro ainda criança e cuja mãe era a professora rural. Estas duas crianças cresceram e viveram a infância e a adolescência se conhecendo, mas sem serem muito próximas. Um belo dia, a Princesa Cupida, irmã do Rei Eloquente, decidiu apresentá-los novamente, pois “sentia” que eles poderiam formar um lindo casal... dito e feito... se encontraram e se apaixonaram. Depois de um longo noivado, se casaram e formaram seu reino. Deste casamento nasceram três lindas princesas e esta história é da Segunda Princesa, a Princesa Certinha. Ela era sorridente e conversadeira ... antes mesmo de aprender a falar. O bom humor era sua marca e a alegria de viver também... movimento, artes e ação... estes elementos a mobilizavam. O Rei Eloquente passava o dia trabalhando por seus súditos no Centro bancário do reino, mais precisamente com as plantações das gotinhas vermelhas que, ao serem secas e torradas, davam um delicioso líquido preto... ele era um grande conhecedor destas “gotinhas” e a Rainha Que Cuidava, vivia a zelar pelas princesas e pelo Rei.

A princesa certinha

A infância da Princesa Certinha, foi animada e intensa. Ela foi uma criança muito ativa e falante. Deixava a Rainha praticamente louca com tantas perguntas. Adorava brincar... brincava de casinha com a princesa mais velha, de cantar, de bola com a princesa mais nova, de dar aulas, de roda, de corda, de fazer comidinha... ah!!! esta era a brincadeira que ela mais gostava e também de correr... brincadeira esta que lhe causou 5 imobilizações dos braços em função de quedas. Era ativa e danada... sempre tinha uma novidade para contar... pena que nem sempre havia espaço para ser ouvida!!! Era muito curiosa e perguntadora. Costumava ser comparada com a primeira princesa, pois era muito agitada e não parava por nada! Quando chegou a hora de ir à escola, ela adorou... se sentia encantada pelo aprender... parece que o ofício do ensinar, já estava se apresentando... Foi neste período, ainda menina e com os dentinhos trocando que a Princesa Certinha conheceu uma borboletinha, que logo veio a se tornar sua melhor e maior amiga: a Borboletinha Boazinha... personagem importante neste conto. A Princesa Certinha sempre foi uma ótima aluna... esperta, perspicaz, rápida e ágil... uma verdadeira líder. Pecava apenas em comportamento, já que era falante demais rsrsr. Ela aprendeu muitas coisas, dentre elas: dançar. Ah... sempre adorou dançar... pintar, praticar vários esportes, cozinhar. Quem lhe ensinou foi a Rainha, e ainda muitos trabalhos manuais... adorava a vida na natureza... sempre se encantou mais pelas montanhas do que pelas praias. A vida familiar seguia feliz.... No entanto... toda esta cor e brilho eram turvados pelo comportamento social do Rei Eloquente mais oscilante quando ele perdia a forma, falava alto e provocava ventos fortes dentro do reino. Por muitas vezes, a Princesa Certinha era convidada pela


Rainha a se conter em função da agitação causada pelo rei e pela necessidade de não “trazer ainda mais movimento” ao ambiente já tão instável... E este recolhimento, esta “contensão” lhe acompanhou por muito tempo!!! Neste período, as perguntas da Princesa Certinha eram... Porque eu não sou vista?? Porque eu não posso ser considerada ?? Ela seguiu a vida... sempre muito alerta e atenta para controlar qualquer brisa que aparecesse no reino. Ainda jovem a Princesa Certinha ganhou uma carruagem. Nossa, que alegria!!!. Este foi um marco, já que adorava conduzir os cavalos. Era uma travessura que ela adorava. A

sensação de liberdade e de independência que a carruagem lhe proporcionava a encantava e seus amigos confiavam totalmente nela, subiam e seguiam pelas estradas do reino. Neste momento... o mundo estava se abrindo... o desafio era a construção de seu próprio caminho... de um caminho no qual ela pudesse ser vista e ouvida. A escolha da profissão foi feita de maneira madura e segura... formas bem conhecidas da Princesa Certinha. Decidiu-se pelo mundo do movimento e do ensino e assim foi... determinada, firme e focada!!! Típica “cabra das montanhas”, já que tem como força zodiacal o

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Capricórnio. Construiu sua carreira de forma sólida e desde muito cedo, já no primeiro ano da faculdade iniciou este caminho... trabalhava, trabalhava e trabalhava. Sem perder de vista a sua carreira, a Princesa Certinha encontrou o amor e foi um encontro e tanto... mas ela não encontrou o seu príncipe! Ainda jovem, recém formada, descobriu uma doença que, pela análise dos alquimistas tradicionais, ela teria que viver um tratamento convencional e nada saudável; neste momento, a Borboleta Boazinha, lembram-se dela? Abriu

A princesa certinha

um portal e lhe apresentou a Antroposofia e aí... surgiu uma nova esperança para a Princesa Certinha e, mais do que isso, o verdadeiro caminho em direção à sua realização cármica. Desde esse momento ela nunca mais se afastou da “jornada”. Seguiu determinada e forte com as metas bem definidas... era praticamente uma lança... buscava e conquistava seus espaços com competência e determinação, até que o Rei Eloquente morreu. Foi uma morte repentina e súbita... Quando ele morreu deixou a princesa caçula com 21 anos; a Princesa Certinha com 29 anos; a Primeira Princesa


com 31,5 anos e a Rainha com 55,5. Neste momento as 4 mulheres do reino tiveram que verdadeiramente assumir seus destinos... estavam em uma encruzilhada. Envolvida com a dor da perda do Rei, mas com o ímpeto de seguir adiante, a Princesa Certinha foi capturada pela inconsciência e assumiu o papel do Rei em seu reino. A “tonalidade” desta fase é, no entanto, suavizada pelo encontro com o Príncipe Caloroso, o qual ela achou que poderia ser o seu Príncipe. O encontro lhe proporcionou carinho e calor, além de um breve e fundamental momento de companheirismo e descanso. A paixão os envolveu e eles decidiram se casar... viveram felizes por 7 anos, mas a magia do encontro se mostrou menos intensa com o passar do tempo e a Princesa Certinha percebeu que ele havia sido muito importante em sua vida, mas que não seria ele o seu príncipe. Decidiu então seguir seu caminho sem que ele estivesse mais ao seu lado...

luz. Ela passou a observar o Germinar da semente bem de perto. Era um movimento rítmico e sagrado como a massa do pão quando, em seu próprio tempo, cresce e “avisa” que está pronta para ser assada e... só depois está pronta para ser servida como alimento tanto do corpo como também da alma. O aprendizado desse evento foi tão grande, que a vida da Princesa Certinha mudou após conhecer este fenômeno. Com essas mudanças, a princesa conseguiu ouvir o som do seu próprio coração e foi este som que lhe soprou... “Princesa... o caminho é por aqui... siga-me...” Ela não sabia bem o que estava acontecendo... ficou confusa e indecisa no início, mas, por fim, decidiu ter a coragem de mudar e começou a construir este novo caminho. Essa construção não era nada fácil, havia muitos carvalhos grandes e pedras pesadas que já estavam por lá há muito tempo... ela já nem os notava mais, mas, agora tinham que ser removidos... precisavam dar espaço para novos elementos.

Algum tempo depois, após ter analisado a sua vida com um grupo de pessoas muito especiais na Artemísia, templo da Antroposofia, sob os cuidados de uma linda e preciosa Andorinha Encantada, sentiu um chamado... eu quero aprender isso... quero saber como posso apoiar as pessoas do reino a “olharem” para a própria vida. A Princesa guardou este chamado no coração, pegou a lança e seguiu seu caminho. Neste período, passou a vivenciar uma insatisfação profunda em relação à sua atuação profissional... questões como: Será que quero seguir neste caminho? Será que existe algo diferente? Será que encontrei a minha missão de vida???. Estas questões a incomodavam profundamente e turvavam seu desempenho profissional que, até o momento, era brilhante e seguro. Como a vida da Princesa Certinha era movimentada e rápida, neste período ela “ganhou os ares”. Voou em um tapete mágico e conheceu vários centros de mistérios diferentes... era como um segundo chamado... seguia a alma livre e leve e se encantava com as novas paisagens, com os novos sabores, com as mais diversas formas etc. Lá... nestes reinos distantes, ela podia se “expandir”, podia crescer... podia inspirar e expirar levemente... Com essas perguntas pesando em sua alma ela encontrou, certa noite, de forma simples, mágica e espontânea, uma semente que estava a Germinar... ela parou, respirou e se encantou com o movimento sutil que a planta fazia para quebrar a casca e crescer em direção ao céu... em direção à

Certo dia a Princesa Certinha estava caminhando desatenta, exau sta, completamente sem forças, pelas tantas pedras retiradas, por tantos galhos removidos, por tanta

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dureza e foco utilizados como espadas em seu caminho anterior e por tanto se empenhar para ajudar aos outros e, ainda envolta em seus pensamentos e angústias, caiu em um poço... ela caiu por 365 longos dias. O poço era escuro, úmido e muito frio. Sentiu muito medo e não conseguia fazer nenhum movimento... nenhuma ação era possível... pois não havia base para se apoiar... foi um momento de muita dor e angústia. A sensação de não poder se mover, para alguém que tinha o movimento como sua principal característica, foi quase insuportável. Ainda durante a queda, ela encontrou um Alquimista que sabia a fórmula de muitas poções mágicas. Estas poções podiam curar as maiores dores, tanto do corpo quanto da alma e ela conseguiu pedir ajuda... ela sentou e chorou... finalmente foi ouvida!!! O Alquimista lhe esclareceu as três possibilidades que tinha para vencer o desafio de retomar o caminho ascendente e voltar a encontrar a luz. A Princesa

A princesa certinha

Certinha, corajosa como sempre foi, escolheu o caminho da Consciência; mesmo sabendo que seria o caminho mais exigente. No entanto... preferiu manter o “EU” presente... e assim o fez.... Lentamente conseguiu subir as paredes do poço e levou mais 365 dias... até que pudesse reencontrar a luz do dia... em seu próprio reino... Assim que chegou à superfície, tomou uma decisão importante. Decidiu realizar seu primeiro chamado, aquele que havia ficado adormecido... aguardando o momento certo de ser ouvido. Decidiu entender mais sobre como as vidas são tecidas, como as cores das linhas são escolhidas e como se formam as imagens; mais do que isso: como podemos mudar as imagens, desfazê-las e refazê-las e ajudar às outras pessoas a compreender e a manusear o tear da vida. Assim ela retornou ao Tapete Mágico e voou para o Jardim Encantado de Sagres. Lá ela teve uma grande surpresa... encontrou um grupo enorme formado


Hoje... o desejo mais profundo da Princesa Certinha é que ela finalmente consiga “trocar de nome” e vivenciar seu novo caminho, com paz e coragem para “desatar” os nós que, certamente, vão surgir!

A PRINCESA CERTINHA, CORAJOSA COMO SEMPRE FOI, ESCOLHEU O CAMINHO DA CONSCIÊNCIA.

de violetas lindas, de borboletas encantadas, de joaninhas leves, de árvores frondosas, de trepadeiras dançantes, de pássaros alegres, de duendes brilhantes, de fadas suaves, de flores vermelhas, de fadinhas calorosas, além de muitos sons, cores e cheiros envolventes... todos eles estavam lá... no Jardim Encantado ... com sonhos bem parecidos com os seus, mas cada um com o seu caminho... e todos juntos, como verdadeiros companheiros de jornada... atualmente... seguem o caminho que nos levará aos nossos próximos capítulos biográficos...

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Ronaldo Lempek

O REI VIAJANTE

Vivendo e aprendendo...

Era uma vez, há muito tempo no Reino do Sul, um homem e uma mulher que trabalhavam para um importante alfaiate que fazia muitas roupas para vestir todos os tipos de pessoas, no frio e no calor, adultos e crianças. Num certo dia eles se encontraram em meio ao seu trabalho, e seus corações bateram tão forte que por muito tempo eles não conseguiram mais viver sem todo dia se encontrarem, se verem, e fazer planos para um dia se casarem. Meses se passaram e eles ganharam uma casa onde podiam morar juntos e logo foi feita uma grande festa celebrando seu casamento.

Ele gostava de observar a água correr no regato, ver os pássaros a cantar e voar. A pitangueira o encantava, repleta de gordas e vermelhas frutas que enchiam sua barriga. Ele via pipas que voavam lá no alto e participava de muitas outras brincadeiras. A diversão era enorme. Passado algum tempo ele mudou para outra escola, mas continuava longe de casa, e nessa escola nova o bom mesmo era poder andar e brincar, comer frutas do pomar e inventar peripécias com seus amigos. Ah! Essa era a melhor parte. Estudar? Ele até estudava, mas gostava mesmo era de ser o dono de seu próprio nariz.

Não tardou muito e logo a mulher, cujo nome era Menina, recebeu em seu lar uma linda menininha, sua primeira filha. Vovô e vovó vieram morar junto para ajudar a cuidar da família que crescera. Enquanto ainda cuidava de sua menininha, que ainda era bem pequena, ela logo desconfiou que mais uma criança estava a caminho. Nasceu um menino, num dia de domingo, no Dia de Reis, dia do batismo do Nosso Senhor. Um pouco antes da hora, mas no dia certo. Alguns anos se passaram e chegou mais uma menina, e a família agora estava completa.

Quando tornou-se rapaz, rapazinho, resolveu estudar à noite junto com tantos outros, que de dia, jovens, já trabalhavam. E começou a trabalhar, aprender a trabalhar. Adorava estudar as línguas faladas em outros países, ensinadas por mestres que amavam o que ensinavam. E foi aprendendo: latim, francês, inglês. Gostava de aprender algumas coisas, outras nem tanto. Dos números ficava longe, apreciava mesmo a história dos povos, das terras, dos mapas e dos países, e assim seguiu, estudando e trabalhando, até um dia parar de estudar nas escolas e então só trabalhar e aprender do mundo.

Esta é a história do pequeno reizinho, que cresceu conhecendo avôs e avós, muitos tios e tias, primos e primas, numa grande família. Suas brincadeiras eram quase sempre na rua, mesmo morando na cidade. Ele adorava brincar em volta de adultos trabalhando, olhando, observando, sempre perguntando e querendo aprender sobre tudo o que via. Chegou o dia de ir para a escola, e ele foi estudar muito longe, com outras crianças, mais de uma centena. Lá ele ficava por longos períodos sem ver seus pais e irmãs. Neste tempo ele adorava quando todas aquelas crianças iam junto com um pastor brincar nos bosques e nas campinas.

O Rei Viajante

Conheceu uma amiga que gostava de tudo que ele gostava e começaram a viajar juntos, conhecer o mundo. Cada semana era um novo lugar. Aprenderam a usar ervas e poções que aumentavam o conhecimento. Faziam longas viagens, em praias e montanhas, passaram por tantas paisagens lindas, que logo começaram a querer guardar um pouquinho de tudo aquilo que viam. Começaram a guardar retratos seus em visitas aqui e ali. Viviam uma paixão: um pelo outro e pela arte de fazer retratos, a fotografia. Certo dia, em meio a uns tantos amigos, houve um que falou: “Rapaz, fotografia é meio parado, no cinema tudo fica


em movimento!” Perguntou então porque ele não vinha junto para então trabalhar com esta arte maravilhosa, da fotografia em movimento. Começaram a fazer filmes sem parar, um atrás do outro e para preparar os filmes, muitas vezes o rapaz tinha que viajar para a Grande Cidade que ficava lá longe, no Reino da Garoa. Certa vez encontrou por lá uma linda princesa de cabelos encaracolados que amava avencas, e assim de repente, em sua primeira conversa, um feitiço tomou conta dos dois. Quando o rapaz voltou para sua casa não conseguia tirar do pensamento a princesa que morava na Terra do Pão de Açúcar. Assim que pôde partiu, deixando para trás seu amigo do cinema e sua amiga das viagens, e foi estar com aquela que iluminava agora sua alma. Se encontraram e logo fizeram planos. Não se agradavam da vida vivida naquela cidade, queriam sair dali, conhecer como é viver todo dia junto dos pássaros e borboletas, árvores e folhagens, das águas dos regatos e das lagoas. Pegaram o que tinham e encontraram um lugar onde havia tudo o que queriam conhecer, e onde viviam muitos pescadores, no Reino das Canoas Coloridas, também chamado Cidade das Flores. Fizeram uma casinha bem pequena, embaixo de uma enorme figueira povoada de orquídeas, bromélias e muitas, muitas avencas. Os caminhos do lugar eram cheios de milhares dessas avencas, pertinho de uma lagoa. Tinham poucos mas bons amigos e como vizinhos um casal de sábios anciãos. O rapaz havia se tornado um carpinteiro, desses que sabe fazer de tudo: o Rei faz tudo. A princesa dos cabelos encaracolados ou princesa das avencas, costurava lindas roupas, as quais inventava, conforme a pessoa que as fosse vestir. Viviam felizes e tranquilos, sem muita preocupação, até que chegou a notícia: iriam receber uma criança para viver com eles. Foi um alvoroço: “E agora?”, “Como vamos fazer?”, “Como é que se cuida de uma criança?” Foi com estas perguntas que se dirigiram a um sábio Mago que haviam conhecido e que muito estudava, de tudo que se vê na terra e também do que não se vê. Este Mago abriu para eles as portas de uma enorme biblioteca, e tantos livros ali havia, que eles nunca conseguiriam ler, nem até o fim de

suas vidas. Eles nunca mais seriam os mesmos. Conheceram obras de um Grande Mestre que contava de uma forma muito linda como era o desenvolvimento das crianças e ficaram bem satisfeitos. Era uma sabedoria que só poderia vir das estrelas. Assim que a menina nasceu, linda, com puros olhos azuis, os dois tiveram que viajar. A princesa dos cabelos encaracolados foi levar sua princesinha Nina para, no Reino do Pão de Açúcar, conhecer sua vovó, tias e primos. Todos que a viam ficavam admirados com seus olhos e com o sorriso constante no seu rostinho. Por sua vez, o reizinho de nossa história, agora já bem crescido, foi fazer uma longa viagem, para conhecer pessoas que viviam em comunidades. Haviam vivido tanto tempo sós, longe de muita gente, que do fundo de sua alma brotara a vontade de viver e trabalhar com outras pessoas. Conheceu muitos lugares, muita gente trabalhadeira, até que se deparou com um grupo de gente bem diferente dos tantos que visitara. Viviam em um vale, no meio de altas montanhas, num lugar que levava o nome do rio onde Nosso Senhor fora batizado: eram os Campos do Jordão. O rapaz ficou amigo de todos e logo foi convidado para fazer um teatro de Natal. Ele faria um pastor, daqueles que visitaram o Menino Jesus quando ele nasceu em Belém. Era uma comunidade especial e junto com eles viviam muitas pessoas, jovens e crianças, que tinham o coração tão puro que pareciam seres do céu e que precisavam de muitos cuidados. O Rei, agora já homem, se agradou daquilo tudo e ficou mais interessado ainda, porque lá encontrou os livros do Grande Mestre que havia conhecido na biblioteca do Mago. Cuidando daquelas pessoas havia uma princesa que derramava muito amor por todos em sua volta. O Rei logo percebeu que um tanto daquele amor tocara seu coração. Logo se casou com aquela princesa e se mudou para outras montanhas, no fundo de um vale, no meio das Montanhas Gerais. Lá passaram a cuidar das crianças, dos jovens e de todos que chegavam. Cuidavam das plantas, cabras, porcos, vacas e bezerros. Um dia tiveram a alegria de ver chegar

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O Rei Viajante


para eles um lindo principezinho com o cabelo dourado como a luz do Sol. Era o príncipe Ricardo. De uma comunidade longínqua, no Reino da Ilha das Muitas Chuvas, receberam um dia a visita de uma velha e sábia senhora, que tinha nome de fada. Morwenna falou de comunidades existentes no outro lado do oceano que precisavam de ajuda. Mas o Rei queria mesmo era trabalhar em suas terras e, não contente com o que tinha, pediu a outro rei, do Reino do Povo Loiro, uma ajuda para ter mais terras. Era um rei muito poderoso que logo avisou que tudo ia dar certo. Nosso Rei, afoito, impaciente, se pôs a arar essa nova terra, fez cercas, plantou e capinou. Essa pressa toda gerou no ambiente um terrível mal estar. Seus colegas de reinado acabaram por reunir-se e condená-lo a deixar o reino. O Rei ficou muito abalado, caiu como em um poço escuro, ficou doente. Uma fada das poções ajudou-o a levantar-se e a buscar um novo caminho. O Rei lembrou-se do chamado da fada Morwenna e lá foram eles, o Rei e a princesa amorosa, a cruzar o oceano, para o Reino das Muitas Chuvas. Gostavam de desafios, de trabalhar e de organizar muitas festas, celebrando todas as datas da vida de Nosso Senhor. Ajudaram por muitos anos a fazer casas, móveis para pôr nessas casas, grandes plantações de cenouras, batatas, milho e morangos. Faziam suco de maçã, pão e biscoitos para toda aquela gente. Continuaram estudando os livros e a sabedoria do mundo das estrelas, junto com outros discípulos do Grande Mestre que falava de tudo o que se fazia na Terra, somado à sabedoria contida nas estrelas. O Rei então foi estudar de verdade a Arte de Cuidar da Terra, das plantas e dos animais, com a ajuda da sabedoria das estrelas. Um dia voltaram, depois de muito aprender, para ensinar aos outros tudo aquilo que aprenderam e para continuar a cuidar das pessoas, plantas e animais nas Montanhas Gerais. Certo dia o Rei precisou de novo viajar e foi procurar novas terras, longe das Montanhas Gerais, para outra comunidade se mudar. Mas o destino brincou com ele, que tornou a encontrar uma princesa que conhecera há muito tempo, no Reino das Canoas Coloridas, uma princesa muito estudiosa. Mudou-se novamente. Voltou para a Cidade das Flores, para viver com esta princesa. Queria mesmo conhecer melhor o destino dela, que foi logo

anunciando: uma nova princesinha iria chegar para com eles morar. E o Rei, depois de tanto tempo trabalhando com a natureza, cuidando das plantas, campos e animais, não sabia agora o que fazer. Como arrumar um trabalho no meio de uma cidade? Sem campos para arar, sem cercas para fazer, sem plantações para capinar? Decidiu experimentar e virar professor, ensinar aos outros a língua que aprendera lá na distante Ilha das Muitas Chuvas. Havia tantas pessoas, de todas as idades, querendo aprender a falar como Povo da Chuva, que não foi tão difícil para ele, já que adorava falar outros idiomas. Tinha muitos alunos. Dois anos depois do nascimento da nova princesinha, nasceu um príncipe no dia da Festa das Fogueiras, dia do primo do Nosso Senhor, São João. A vida seguia tranquila, mas certo dia eles resolveram se mudar para um lugar distante onde conheciam muitos amigos, junto ao caminho do Peabiru, na Terra dos Bons Ares. O Rei logo foi trabalhar em uma escola com muitas crianças e começou a ensinar aquela língua do Povo da Chuva. Além disso as crianças também precisavam aprender a cuidar das plantas, e ele, feliz, logo foi ajudá-las. Em pouco tempo ele também foi aprender junto com outros mestres, a Arte de Ensinar as crianças a serem seres humanos livres e saberem buscar a sabedoria das estrelas nas mais pequenas coisas. Enquanto isso seus filhos cresciam a brincar nos campos e em meio aos animais. Aprendiam a cuidar da natureza, até que um dia chegaram do céu para viver com eles mais duas princesinhas que vieram juntas, assim, de uma vez. Era uma enorme família agora, com três princesas e um príncipe. A princesa estudiosa tornou-se uma mãe muito amorosa. A princesa Nina às vezes vinha visitá-los, e o príncipe Ricardo tinha vindo morar com eles já fazia um tempo. Depois de muito ensinar às crianças, o Rei decidiu ajudar um amigo, um outro Rei, que cuidava de terras e animais, a trazer a sabedoria das estrelas para as plantas e para os animais. Era muito trabalho, muita terra para cuidar,

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muitas vacas e bezerros, porcos e galinhas, muitos campos que se perdiam de vista. Tratavam da terra e das plantas com ervas e poções, olhavam para as estrelas para saber o que fazer, e deixavam a natureza cheia de vida. E o Rei decidiu ali plantar árvores, porque em volta havia muitos campos pelados. Primeiro foram dez, depois cem, depois mil, até que perdeu a conta. Cuidava delas desde a semente até encontrarem um lugar no campo ou na floresta para que crescessem. E agora, finalmente, ele começou então a estudar também a sabedoria do mundo que fica além das estrelas, indicada por aquela velha amiga do país distante, a fada Morwenna, uma Guardiã daquele novo mundo de sabedoria. Para melhor entender o mundo das plantas ele viajou mais uma vez ao Reino das Canoas Coloridas. Queria aprender com uma professora especial, que tinha uma visão muito clara, a como observar as plantas e o passo a passo de como elas crescem. Aprendeu a pintá-las e treinou seu olho, para conhecê-las bem de perto. Precisava viajar algumas vezes para lá. Depois de um tempo de estudo percebeu entre os estudantes uma princesa que vivia muito sozinha, também buscadora de conhecimento e, dentre outras coisas ela sabia muito do mundo das plantas. Ele então resolveu ajudá-la a não mais buscar o conhecimento sozinha. Mudou-se para seu palácio. Parece que a Cidade das Flores era mesmo o seu lugar. E agora, ao invés das plantas como trabalho, começou a ajudar a todos que querem mudar-se para terras distantes, e todos que querem voltar de terras distantes, a se comunicarem. Ele faz traduções de uma língua para outra, a língua do Povo da Chuva - de papéis e pergaminhos de todo tipo que as pessoas carregam para organizar suas vidas. Certo dia, numa Quarta Feira de Cinzas o Rei trabalhava em sua casa, quando recebeu uma notícia em seu coração: seu filho João, que havia nascido no dia das Fogueiras, havia partido do mundo dos homens e voltara ao mundo das estrelas. Foi como uma certeza instantânea.

princesas e amigos daquele anjo que vivera na terra entre os homens. Foi um grande encontro do Rei com todos os seus filhos. Na Cidade das Flores, a princesa buscadora não tinha filhos. O Rei sentia muita saudade dos seus que havia deixado para trás, sentia muita falta deles. Era o que incomodava e o deixava triste. Quando encontrou um lugar para morar, um palácio só seu, ele avisou a todos. Eles passaram a visitá-lo, vindo de perto e de longe, do outro lado do oceano e muitas vezes seu palácio ficava bem cheio. Esse lugar era muito especial, ele agora não tinha mais aquelas extensas terras para tomar conta. Cuidava de ervas e roseiras, lindas, cheirosas e variadas, num pequeno cantinho. Da janela avistava o mar, a Lua, o Sol, planetas e estrelas. Ele pôde então estudar, pertinho de onde morava. Estudar de verdade o que tanto buscava, a sabedoria além das estrelas, ensinada pelo Mestre dos mestres, a todos que quisessem fazer esse caminho para além das estrelas. Ele tanto estudou que um dos Guardiões do Mestre dos mestres chamou-o para ser também um Guardião e ajudar outras pessoas a encontrarem esse caminho. E agora, na Cidade das Flores, como gostava tanto de estudar e não parava mesmo, ele estava aprendendo junto com muitos outros a conhecer o caminho que se percorre quando se vem à terra, desde as estrelas, até encontrar o pai e a mãe, os irmãos, sua escola e seu trabalho. Estava aprendendo a ajudar, a fazer um caminho próprio aqui na Terra para depois um dia poder voltar para aquele mundo que fica além das estrelas. Estava aprendendo a Arte da História da Vida.

Logo o Rei viajou para a despedida, junto com as outras

O Rei Viajante

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Djane Tomé Sant Anna

A MENINA DE NOME ESQUISITO

Eles viviam de forma muito simples, com poucos recursos e lá tiveram 5 filhos!

A menina de nome esquisito logo percebeu que a vida era dura, mas “Deus ajuda quem cedo madruga”! Foi para a escola, descobriu as letras, os livros e o prazer de saber... queria ser sabida! Queria ser perfeita! Será que esta será uma de suas tarefas? Será que isso era parte do fardo?

O primeiro, menino – orgulho do pai, a segunda, uma menina linda e loira, a terceira era faceira e esperta, o quarto logo foi embora e nasce então a menina de nome esquisito!

Virou “colecionadora de gente”, seguiu sua vida estudando muito, brincando muito, namorando muito, dançando quando podia e logo se tornou...A Menina de nome esquisito trabalhadeira como seus pais!!

Logo se percebe que seria danada! Toda sardenta, rápida e que sempre fazia várias coisas ao mesmo tempo.

De tanto trabalhar o pai artesão prosperou e agora toda a família trabalhava junto...menos a menina de nome esquisito...ela queria mais, ir mais longe, ir sozinha! Queria ser melhor!

Era uma vez uma pequena aldeia, onde viviam um artesão muito trabalhador e sua mulher muito trabalhadeira.

Tudo era superlativo: muitos amigos, muitas brincadeiras, muitos sonhos e muita imaginação... E então, a aldeia ficou pequena demais para o artesão trabalhador e todos se mudaram para a cidade grande. A menina de nome esquisito teve um sonho...uma fada vestida de azul disse a ela: Você será muito feliz na sua missão e terá tarefas nobres, mas terá um fardo a carregar e este fardo poderá lhe trazer medo, vergonha e limitação... O Sangue fará parte de sua vida. Ela ficou assustada, mas seguia então com suas muitas brincadeiras, muitos amigos, muita imaginação e sonhos. Gostava de chamar e de receber atenção, mas a vida não era fácil para o artesão trabalhador...a mãe trabalhadeira fazia o que podia e o que tinha??? Tinha festa, música, gente, fé, alegria e claro...muito trabalho!

A Menina De Nome Esquisito

Não havia a palavra “não” quando o assunto era trabalho! E agora a moça de nome esquisito seguia: trabalhando muito, rindo muito, amando muito, brincando muito, rezando muito e ... dançando quando podia. Um dia, o amor maior do mundo a encontrou...claro que trabalhando! O mundo ficou colorido, saboroso, musical e muito mais divertido. Ela entendeu então que sua missão seria amar...e como amar é bom!! Se tornou “mulher de nome esquisito”. Mas Deus, um cara sabido lá de cima, mandou um amor também trabalhador!! Já viu no que deu?? Eles trabalhavam, riam, trabalhavam, brincavam,

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trabalhavam, namoravam, trabalhavam, viajavam e de repente uma coisa incrível aconteceu...a moça de nome esquisito se tornou uma... MÃE DE NOME ESQUISITO.... Uma princesa morena e rechonchuda fez o mundo parar... Nada na vida era mais fascinante que ser mãe...esse era seu principal ofício!

de colecionar gente, fazer gente feliz, trabalhar com gente... pode acabar com a gente! De tanto tentar ser melhor, de tanto se esforçar e se preocupar ela adoeceu. Dá-se o início de uma nova fase, de muitas perguntas, exercícios, pinturas, argilas e sabe o que descobriu?

Mas na vida e na estória tem sempre um mas...esta mãe de nome esquisito e colecionadora de gente, perdeu uma de suas principais peças de coleção...a irmã loira e linda...a dor e o medo de repetir a mesma trajetória e também partir tomou conta dela... e Deus (achando que ela podia ajudar) deu a ela um novo papel... tia mãe de outras duas menininhas!

Que a cura morava nela...

E a mãe de nome esquisito percebe então que este negócio

O sangue? O sangue faz parte da vida!!

A Menina De Nome Esquisito

Ela não precisa ser perfeita... Não precisa ser melhor... Ela precisa só

SER!

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Maristela Franco Paes Leme Pinheiro

A PRINCESA E OS TESOUROS Era uma vez, onde foi e onde não foi, um rei muito justo e valente. Ele se casou com uma linda rainha de grande coração e queriam muito ter um lar de verdade. Em pouco tempo, em um dia muito especial, nasceu uma princesa de olhos atentos e arregalados. Sua chegada foi noticiada para que todos, principalmente seus avós que moravam a muitas léguas dali, ficassem sabendo. Com a princesa ainda bem pequena, o rei, que era muito valente, resolveu partir com a rainha para um reino ainda bravio e à espera de colonização. A rainha, sempre muito companheira, embora achasse a nova terra esquisita, o seguiu com sua princesinha. A princesa logo ganhou a companhia do pequeno príncipe, da princesa morena e da princesa cachinhos dourados. Que alegria virou o castelo! Crianças de toda a redondeza vinham para brincar e se deliciar com as guloseimas feitas pela rainha, que tinha mãos de fada na cozinha. De tempos em tempos, o rei e a rainha iam para o campo com as crianças e seus amiguinhos e lá elas brincavam soltas, do primeiro raiar de sol até o céu bordar de estrelas. Aliás, a princesa adorava deitar na grama e olhar para elas quando a noite chegava e, de dia, não desgrudava de seu cavalo chamado Branquinho. A princesa, sempre atenta e cuidadosa com seus irmãos, observava e escutava coisas muito assustadoras que aconteciam naquele reino bravio. No castelo com o rei, a rainha e seus irmãos, ela se sentia segura. Muito curiosa, a princesa começou cedo a aprender outros

A Princesa E Os Tesouros

ofícios na escola. Percebeu que ali não havia somente fadas e ali mesmo conheceu a Fada Azul, que lhe encantava pelo entusiasmo com que ensinava. Mestre Reto também lhe inspirava a ser valente, sempre que precisava. Certo dia, enquanto a princesa tranquilamente brincava, uma mulher cinzenta gritou com ela e a insultou. Ah! A princesa não gostou nada daquilo e deixou os cabelos crescerem, crescerem muito, para ganhar força e beleza e assim representar o reino nas quadras e desfilar para a realeza. Tudo ia muito bem, até que a princesa sentiu que era hora de seguir o seu caminho, de partir para outro reino em busca dos primeiros tesouros que precisava recolher, como bem dizia o rei e a rainha. Por muito tempo, sentiu-se triste, sozinha e tinha vontade de voltar para o castelo. Quando estava com o primeiro tesouro em suas mãos, a princesa sentiu que precisava ir além, para um reino ainda mais distante, onde o trabalho era mais pesado. Sentia sua cabeça grande, pois ali, para o tesouro encontrar, equações precisava decifrar. Assim, a princesa foi ficando exausta, sozinha, com medo, até que ficou doente. E como não poderia ser diferente, a rainha coração quente levou a princesa de volta para o castelo e deu-lhe porções mágicas com delícias e amor. Como a princesa era valente, sempre soube que um anjo a guardava e que não se deve deixar ao vento algo inacabado. Como tinha a sorte de ter um mestre entusiasmado, recebeu outro tesouro com louvor. Novamente ela sentiu que precisava ir além e foi para o Grande Reino. Nossa!

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Encontrou tudo cinza, tudo frio, mas outro tesouro haveria de buscar. Um belo dia, um ser muito especial e raro de ser encontrado, convidou-a para seguir o rumo do Reino do Centro. Ela pensou: Será? Confiando no bom Deus, lá se foi a princesa. Era um lugar de horizonte infinito, onde tudo era bonito! Quantas fadas encontrou! Num dia de lua cheia, uma fada teceu um plano engenhoso para a princesa, e ela, que beleza! Seu príncipe encantado encontrou. Ela era do Reino do Sul e logo teve que partir. A princesa, muito atenta, enviou-lhe uma porção mágica e, em poucos dias, ele a pediu em casamento. Ela estava muito feliz e, para coroar, quando estava a caminho do castelo do rei e da rainha para uma breve visita, um homenzinho sábio noticiou-lhe que ela receberia uma grande horaria pelo seu trabalho, que lhe seria entregue por um importante nobre do Grande Reino. A princesa sentiu que seus esforços estavam valendo a pena. Em poucos meses a princesa e o príncipe já moravam no Reino do Sul, mas mais uma vez, a princesa quis seguir para o Grande Reino em busca de outro tesouro.

faltava calor. Ela então se perguntou: “De que valem tantos tesouros iguais?” Ainda ser ter a resposta, a princesa e o príncipe sentiram que, no reino celeste, dois lindos seres queriam descer para com eles viverem. Chegou primeiro, o cavaleiro João e logo depois o principezinho Enzo. Eles trouxeram amor, calor e tesouros multicores. Alguns anos se passaram e o príncipe e a princesa sabiam que, para a alegria ficar completa, outro ser haveria de vir. Num dia iluminado, nasceu a princesinha Mariah. Hoje a princesa está no seu castelo cuidando das crianças. Durante sua vida, foi juntando tesouros que eram de uma só cor. Com a chegada de seus três filhos, viu que no mundo existem lindos tesouros multicores. Sua vida adquiriu sentido e um significado especial, que a partir de então ela carregará para seus projetos futuros. Seu olhar, como um caleidoscópio, agora vê o mundo com muito mais riqueza. Sua alma, aquecida e revigorada, caminhará ao lado das pessoas além dos muros do seu palácio.

Encontrou-o no meio de outros, mas achou estranho: todos aqueles tesouros possuíam a mesma cor. A cada um deles,

A Princesa E Os Tesouros

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Paulo Silva

FAZENDO COM O CORAÇÃO... Era uma vez.... Lá em cima, num castelo de nuvens, um anjinho de cabelo claro e olhos grandes da cor do céu. Ele adorava ficar sentado em uma janela do castelo e isso lhe permitia ter uma ampla visão das terras do sul que ficavam embaixo, cheias de montanhas altas, com muita neve e amplas planícies, retas como uma tábua, com horizontes a perder de vista. Eram as terras patagônicas, lugar onde viviam pessoas guerreiras, observadoras e silenciosas. As terras do norte também possuíam belas montanhas, sem neve, com muitas e muitas árvores verdes, grandes rios e belíssimas praias com águas cálidas e limpas. O lugar era conhecido como “as terras onde cantam os sabiás” e lá viviam pessoas alegres, que gostavam de se divertir em festas. Elas eram reconhecidas por proporcionar os melhores abraços de todo o mundo, bem pertinho do coração. Ele estava tão animado com a beleza que via pela janela, que foi correndo para o Anjo Grande e lhe disse entusiasmado: “Eu quero conhecer essas terras!” E o Anjo Grande respondeu: “Você pode descer, mas primeiro precisa escolher um lugar onde queira morar e uma família que irá te cuidar”. Ele voltou ansioso para a janela, para poder olhar com atenção e encontrar sua família. Nas terras do sul, viu uma linda e jovem mulher, uma grande e alegre guerreira que, por onde passava, trazia muita alegria a todos. Tinha os olhos brilhantes, ele gostou muito dela e a escolheu para ser sua mãe. Mas ela morava

Fazendo Com O Coração...

numa planície conhecida como La Pampa, lá era muito frio e o anjinho não gostava de frio. Acompanhando-a por alguns dias, percebeu que ela estava organizando uma viagem às terras do norte, terras ainda próximas às terras do sul, onde o clima não era tão quente, mas já era melhor que em La Pampa. Ficou sabendo que ela iria para uma região onde havia um grande castelo, às margens de um grande rio, conhecido como Porto dos Casais, (antes que a menina da alegria rebatizasse o lugar como Porto Alegre) famoso por seu belo pôr do Sol. Que lugar maravilhoso para encontrar um bom companheiro para minha mãe, pensou o anjinho!! Com bastante atenção, olhava e olhava para encontrar seu pai, até que encontrou um belo e valente jovem guerreiro, cheio de ideias e muito dinâmico, que possuía uma grande alegria, característica de seu povo. O Anjinho foi rapidamente ao Anjo Grande para anunciar que já havia encontrado seus pais e providenciado que eles se encontrassem. Estava pronto para a jornada. Nove luas depois, ele deveria estar nascendo, mas gostou tanto de ficar mergulhando na barriga quentinha de sua mãe, que teve de ser retirado à força. Ficou com a cabeça deformada e assustou seu pai, que nunca tinha visto um recém-nascido e achou que seu filho estava muito feio! Mas logo o Paulinho se recuperou e chamava muito a atenção por onde passava, por ser um bebê muito lindo! Nessa época, seu pai estava com dificuldades no trabalho lá na vila do grande castelo e a família foi morar na pequena casa dos avós paternos. Lá Paulinho recebeu muito carinho, cuidados e o amor de

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sua mãe e de sua avó querida, originária de terras distantes, onde se fala: “Manja bene que te fato bene” e onde se construíam grandes e belos castelos, profissão essa de muito de seus antepassados, do outro lado do grande oceano.

ela sua família aproveitava as férias divertidas na praia. Paulinho sempre queria acompanhar seus primos maiores, nadando no mar em áreas mais profundas. Desse modo, se fez um bom nadador e era sempre o último a sair da água.

Depois de um tempo, mais duas queridas irmãs chegaram e a pequena casa da vovó ficou muito apertada para todo mundo. Eram momentos difíceis, de pouca fartura. Algumas vezes, eles visitavam o movimentado mercado do grande castelo. Paulinho não gostava muito de estar no meio de tanta gente. Sua mãe levava no colo a irmã caçula, dava a mão para irmã do meio e sobrava para Paulinho segurar com força na saia de sua mãe para não se perder no meio do povo.

Um dia, seus pais brigaram e sua mãe saiu de casa para fazer uma longa viagem. Paulinho tinha oito anos e meio, sentiu uma grande saudade dela e um vazio em seu coração. Ele só começou a melhorar quando sua querida avó das terras do sul veio morar com sua família para cuidar dele e suas irmãs.

Não demorou muito para que seu pai melhorasse no trabalho de vendas e comércio nos arredores do grande castelo. Eles então se mudaram para uma casa mais confortável, numa pequena vila com muitas crianças, com quem Paulinho e suas irmãs brincavam todo o dia, entrando e saindo das diferentes casas, como uma grande família. Às vezes almoçavam em casa com sua mãe e, às vezes, nas casas dos amigos, sempre correndo muito pelas ruas, travando grandes batalhas, com espadas de madeira e pedras verdadeiras voando em todas as direções. Era uma guerra e isso dava muito trabalho para os anjinhos e seus escudos, pois nunca uma criança se machucou. Era tudo uma grande alegria. Um dia, seu pai chegou em casa e disse que iam se mudar para outro castelo no alto das montanhas do norte, pois lá ele teria mais oportunidades de trabalho. Eram terras de altos pinheiros e, como os pinhões eram abundantes, o local se chamava Curitiba, da língua Tupi: Curi - pinheiro e tiba - muito. Foi uma adaptação bem difícil para Paulinho. A região era fria e cinzenta e ele sentia saudades das brincadeiras com seus amigos das terras do sul. A escola que começou a frequentar era grande e intimidadora, não tinha aulas de arte e os professores eram todos muito bravos. Os primeiros anos foram bem difíceis. A vida só começou a melhorar quando seus tios e primos das terras do sul também se mudaram para a vila. Paulinho adorava sua tia que sempre o recebia com quitutes quentinhos e com

Fazendo Com O Coração

Mas depois de um pequeno período, logo chegou em sua casa uma madrasta má que implicava muito com os pequenos e nunca tinha uma palavra de carinho e nem abraços para dar. Repetia bastante que Paulinho tinha que cuidar de suas irmãs, tarefa essa que ele não gostava nem um pouco. A família se mudou para uma linda região de florestas fora do grande castelo, conhecida como Santa Felicidade. Lá Paulinho fez ótimos amigos e viveu novamente a alegria de ter uma grande família de rua, o que o ajudava com as ausências de seu pai, que sempre viajava muito a trabalho e nunca tinha tempo para brincar com ele. Paulinho fazia grandes expedições com seus amigos pelos bosques próximos à sua casa. Nesses bosques cantavam muitos passarinhos, eles comiam uvas doces e azedinhas dos muitos parreirais da região, corriam muito pelas trilhas e empinavam coloridas pipas, sempre brincando até o dia escurecer. Passaram-se alguns anos, Paulinho e suas irmãs, foram morar com sua mãe e se mudaram para as terras Patagônicas ao sul, onde ela havia nascido. No início ela trabalhou no grande castelo dessa região, conhecido como Buenos Aires e Paulinho, começando a adolescência, foi viver com suas irmãs e com seus avós maternos que não os conheciam. Eles cultivavam terras nas planícies de La Pampa e tudo era novo para os meninos: a língua que não falavam, a cultura e as pessoas que, apesar de mais reservadas, os receberam muito bem. No começo, a vida no campo era uma delícia, cheia de novidades, com os diferentes bichos. Eles alimentavam as galinhas e os porcos,


tosavam as ovelhas, ordenhavam as vacas, ajudavam na colheita e andavam a cavalo. Mas logo a vida se tornou repetitiva e tediosa, nas frias planícies de horizontes sem fim. O avô das crianças era muito crítico, impaciente, gritador e ranzinza e isso tornava a vida no campo ainda mais difícil para Paulo e suas irmãs, que sentiam saudades de sua mãe, de seu pai e dos amigos que visitavam só nas férias de verão. Durante as férias, Paulo gostava muito de viajar com seu pai para estar ao seu lado, conhecer novos lugares e aprender os segredos da arte de vender. As irmãs de Paulo foram morar com sua mãe nas redondezas do grande castelo, onde ela trabalhava. Paulo

precisou ficar mais três anos morando na fazenda do seu avô, para terminar um ciclo de estudos em um colégio de habilidades manuais. Ele gostava do que aprendia, mas o colégio tinha uma disciplina muito rígida. Eram tempos difíceis em terras patagônicas, com muita restrição da liberdade e perseguição de pessoas. Todo esse período trouxe grande solidão ao jovem e a vida repetitiva sem liberdade e diversão se tornou muito tediosa. Com isso ele se tornou mais introspectivo, convivendo com seus avós de corações mais frios. No entanto, ele encontrava refúgio se concentrando nos estudos e com isso chegou a ser o melhor aluno da escola! Cavalgando pelas planícies com seu cavalo crioulo, de pelo negro, chamado Macuco, ele observava o gigantesco

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céu estrelado do sul nas noites sem nuvens e venerava e admirava a infinita imensidão e beleza do cosmos em seus momentos de reza antes de dormir. Esses momentos aqueciam seu coração e lhe traziam conforto.

vieram, conheceu uma bela princesa de cabelos claros, originária de terras onde os Reis perdem as cabeças em nome de Liberté, Fraternité, Equalité. Lugar de bons vinhos, queijos (fromage) e muitos “à côté”.

Aos dezoito anos, se mudou para junto de sua mãe e de suas irmãs nos arredores do grande castelo. O reencontro lhe trouxe grande alegria, ele foi estudar na maior e mais conceituada escola de trabalhos manuais, tendo sido aceito pelo seu excelente desempenho nos anos anteriores. Ele estudava química, mas a mistura de substâncias que mais lhe interessava era a comunicação e a interação entre as pessoas. Se envolveu com grupos de trabalho para cuidar de benfeitorias na escola e de melhores atividades físicas e sociais para os alunos. Descobriu que tinha qualidades para unir as pessoas, para trabalhar em conjunto em prol de um benefício comum e um talento especial para organizar festas divertidas.

Acostumado às mulheres tagarelas e frenéticas de sua família, Nathalie foi a primeira que o escutava antes de falar e deixava terminar suas frases! A amizade inicial e as muitas afinidades descobertas, levaram a um namoro. E em um belo Luau na praia, o amor entre eles cresceu. No entanto, logo sua bela princesa retornou para suas terras.

Foi uma época de grande desenvolvimento pessoal. Seus amigos eram confiáveis e ele sentia-se seguro com eles, para expressar suas opiniões e vencer os muitos anos em que ficara mais calado. Ao completar vinte e um anos, o ciclo em terras patagônicas estava encerrado. Acompanhando sua mãe, ele se mudou a uma terra ainda mais distante ao norte, conhecida como “região dourada” por ter ocorrido nela a grande corrida do ouro no passado: as terras Californianas. A língua, a cultura e as pessoas, eram totalmente diferentes. Era um lugar árido, mas com belos parques e uma longa costa oceânica. Chegando lá, nos primeiros anos ele trabalhou na área da construção e seu chefe e mestre foi um homem com quem cultivou uma relação de confiança muito especial. Bob lhe ensinou que se fosse fazer algo, sempre fizesse com esmero e capricho. Aprendeu tudo sobre os segredos de boas estruturas e fundações, a criar bons e belos jardins ao redor das construções e com isso seu corpo ficou forte. Aprendeu a balancear muito bem sua alimentação, fazia muitos exercícios, praticava corrida e obteve a melhor forma física de sua vida! Para o seu aniversário de vinte e seis, anos ele organizou uma grande festa e, entre os muitos não convidados que

Fazendo Com O Coração

No ano seguinte, ele decidiu voar do ninho de sua mãe, para criar o seu próprio ninho. Precisava de espaço para se ouvir, cuidar de si mesmo e assim encontrar seus caminhos. Aos vinte e oito anos, prestando atenção em um desejo que tinha desde criança, surgiu a oportunidade de realizar um sonho, que apesar das dificuldades e obstáculos que se apresentaram, ele acreditou que conseguiria realizar. Como foi persistente e não desistiu, em um momento de sincronicidade cósmica, a maior até então de uma série que viria pela frente, estar alerta e disponível, se lhe revelou um presente magnífico que encheu seu coração de alegria. Seu sonho desejado se realizara! Pouco tempo depois, a princesa retornou e foram morar juntos. Eles começaram a frequentar um centro de sabedoria cósmica, onde conheceram um casal de Magos que lhes ensinou a meditar. Aprenderam também a criar o que queriam em suas vidas, brincando sem esforço, deixando que elas fluíssem. O conceito das coisas sem espaço e sem tempo, e a fé de que tudo que se faz com alegria e entusiasmo frutifica, os ensinaram a ouvir suas próprias respostas, sempre com bom humor. Aos trinta anos ele se casou, na mesma praia onde o namoro havia começado. Foi uma cerimônia com os pés no chão, na areia. Usaram suas vestimentas favoritas, flores perfumadas e com eles estavam só os amigos e familiares mais próximos. O céu estava encoberto, o som que se ouvia era o do ritmo das ondas e os raios solares só saíram em um breve e mágico momento para abençoar a união e o amor compartilhado entre uma sábia princesa e um valente cavalheiro!


Após uma breve viagem às terras do sul onde nascera, vislumbrou uma oportunidade de realizar um sonho: voltar a morar junto do seu povo, depois de dezenove anos morando em terras estrangeiras. Sentia saudades dos abraços e da alegria das pessoas de sua terra. Estava com trinta e três anos e uma grande força proporcionou-lhe coragem para começar uma nova vida junto ao seu amor, em “terras brasilis”. Foi a primeira vez na sua vida que Paulo se mudou sem seguir sua mãe. Juntos iniciaram uma nova atividade que proporcionava às pessoas estar em contato com a natureza, interagir e brincar no mar e mergulhar em um mundo marinho desconhecido, cheio de belezas subaquáticas e muita interação junto à outras pessoas, proporcionando mais consciência para preservar a natureza e a experiência de um mergulho interno para descobrir preciosas pérolas que existem em cada um de nós. Viajavam muito e conheceram vários lugares muito bonitos, até encontrarem uma ilha mágica onde decidiram morar. Uma noite, a princesa Nathalie sonhou que um anjinho de cabelos claros e olhos azuis os havia escolhido como pais. Seu nome seria Tiago sem “h”. Após nove luas e um nascimento natural que durou a noite toda, nasceu um lindo e querido bebê que iluminou suas vidas! Ele cresceu e, aos três anos, seus pais encontraram uma bela Casa Amarela, uma escola com uma linda e sábia fada, que nutriu e estimulou Tiago a crescer brincando, subindo em árvores, desenhando, amassando o pão integral que comeriam, cantando e dançando nas festas de época e nas festas culturais. Tiago era tão cheio de alegria, que inspirou seus pais a construírem uma bela casa, com um jardim grande cheio de árvores e flores, que alimentavam a alma da família e de seus amigos. Uma segunda estrela viria, mas não chegou à terra. No entanto, sua luz iluminou o caminho de uma terceira, uma linda princesa sapeca e muito esperta da cabeça aos pés, de nome Luana, que também trouxe muita luz e alegria à família e foi para a mesma Casa Amarela, aprender os passos do irmão.

Nessa mesma época, a atividade de trabalho havia crescido muito e o cavaleiro Paulo havia acumulado muitas e muitas funções e tarefas. Ele começou a sentir que sua armadura ficava cada vez mais pesada e desgastado, adoeceu... “À côté” da Casa Amarela, ele descobriu um centro de sabedoria cósmica e começou a frequentá-lo. Esse processo germinou: ele aprendeu a silenciar, olhar e compreender com desapego a perspectiva do outro. Ele precisava reorganizar o seu trabalho, que contava com a ajuda de vinte pessoas, para poder delegar mais tarefas e apoiar o desenvolvimento de todos. Para esse projeto contou com a ajuda de outra fada, mestre em reorganização, que lhe ajudou a trazer ordem, ritmo e estrutura a sua atividade de trabalho. Aos quarenta e cinco anos de idade, iniciou um aprendizado mais longo, para aprender a olhar para a sua própria vida, no qual encontrou novos e sábios amigos e mentores. Nessa caminhada veio uma tempestade que o imobilizou. Recluso em casa, observou uma pequena planta que estava com suas flores marrons. Pensou que deveria descartá-la, mas sua sábia rainha Nathalie lhe mostrou que a planta precisava somente de uma poda. Na manhã seguinte, ele limpou todas as folhas mortas, trazendo nova vitalidade à planta. Foi um momento simples, mas mágico e terapêutico. Ele se deu conta de que precisava cuidar de seu jardim interno, fazer alguns cortes para dar lugar a um novo processo de cura e transformação. Hoje, novos caminhos estão se abrindo e ele ainda não sabe qual deles trilhará. Está consciente de que precisa usar vestimentas leves para poder alcançar novas alturas, realizando o que mais gosta, construir com o coração, para que sua luz cresça e se junte às luzes das outras pessoas, de modo que tudo na terra e no cosmos fique mais bonito e iluminado...

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Liliam Cristina Barbosa

A SENHORA DAS SEMENTES Era uma vez, em um reino não muito distante, um casal de camponeses que vivia com os seus dois filhos em uma casa de pedras, num vilarejo que circundava um enorme castelo. O lugar, num bosque simples, dispunha de todos os recursos naturais necessários para se ter uma boa vida e ser feliz. A diversidade de espécies era tão exuberante, que árvores frondosas e arbustos generosos floresciam e davam frutos durante todo o ano. O alimento era farto. À mesa sempre havia pão, peixe, frutos e todo tipo de castanhas e sementes. O pai da menina era um dos soldados da guarda do rei, responsável por proteger as pessoas. Sua mãe, que também se esmerava em cuidar das pessoas que a ela pediam ajuda, era uma prendada e dedicada dona de casa. Além disso, ambos eram mestres na arte de cultivar sementes. A filha do casal era uma menina cheia de energia, feliz, que teve o privilégio de nascer, crescer e se desenvolver nesse santuário. Logo após o seu nascimento, a casa se iluminou com a visita de sua Fada Madrinha que, como era o costume naquele tempo, quis saber dos pais qual seria a herança que deixariam para a menina. Enquanto observava a menina a dormir em seu berço de carvalho, a Fada Madrinha perguntou ao pai: - O que o senhor pretende deixar para sua filha? O pai olhou para aquele ser pequenino e respondeu: - Deixarei conhecimento, disciplina e o gosto pelas artes. A Fada Madrinha tocou levemente a testa da menina com sua varinha de condão e uma pequena estrela se desprendeu transformando-se em luz...

A Senhora das Sementes

Após alguns minutos contemplando aquele ser, a Fada Madrinha fez a mesma pergunta para a mãe da menina, e esta respondeu: - Eu deixarei sabedoria, para que saiba usar os conhecimentos que adquirir, coragem para ir além da disciplina quando for preciso e amor incondicional para com tudo o que a vida lhe proporcionar e assim transformar em arte. A Fada Madrinha tocou mais uma vez, suavemente, a testa da menina e mais uma vez uma pequena estrela se desprendeu da ponta da varinha de condão e transformouse em luz! Nesse momento, seu irmão que não havia sido consultado pela Fada Madrinha, secretamente desejou deixar para ela amizade, o gosto para aventurar-se pela vida e uma certeza: a de que distâncias não separam pessoas que se amam. Embora a Fada Madrinha não tenha compreendido muito bem, algo tocou seu coração naquele momento. Ela contemplou a menina mais uma vez e disse ao casal de camponeses: - De minha parte, ela herdará toda a proteção espiritual de que necessitar, um profundo senso de justiça para guiar seus passos e muita alegria para que sua alma não se desconecte nunca da sua essência. Dessa vez, ao tocar a testa da menina que ainda dormia, sentiu um ímpeto de fazê-lo por duas vezes e duas pequenas estrelas se desprenderam de sua varinha de condão, formando um fino feixe de luz! Os pais ficaram felizes com todas as bênçãos, mas


perceberam que tudo o que desejaram não garantiria o sustento de sua filha, depois que eles partissem para a vida espiritual. Conversaram baixinho e então perguntaram para a Fada Madrinha: - Tudo o que desejamos e oferecemos são dádivas divinas, mas o que garantirá que nossa filha tenha uma boa vida? Somos camponeses e nenhum nobre poderia se interessar em casar com ela. Desse modo, ela não poderá ser princesa, nem rainha. Os filhos de outros camponeses têm uma vida dura como a nossa e, continuamente são chamados para a guerra, de onde nem todos retornam. O que podemos fazer para que ela tenha uma vida melhor? A Fada Madrinha, que já se preparava para sair, retornou, sentou-se em uma cadeira próxima à porta, meditou por alguns minutos e respondeu: - Vocês devem dar a ela a herança que prometeram... Os pais retrucaram: - Sabemos que é um tesouro precioso, mas será suficiente? A Fada Madrinha meditou mais uma vez e em seguida falou: - Pois bem... Deixem então que ela vá para o mundo e descubra por si mesma como ter uma vida melhor. Os pais, notadamente frustrados com a resposta, conversaram baixinho e com a voz embargada perguntaram: - Mas uma menina ir para o mundo sozinha? E se ela se perder? A Fada Madrinha, após alguns minutos pensando e depois de um longo suspiro, tocou a ponta de sua varinha de condão e respondeu: - Já sei... Ela não irá sozinha. Com ela estará um burro que a carregará com paciência e persistência a todos os lugares, um cachorro que será o seu fiel companheiro e que a protegerá de qualquer ameaça e por fim um gato, que a ensinará a identificar e cuidar dos seus próprios interesses. Os pais da menina ainda assim sentiam que faltava alguma coisa. Mas, antes que pudessem expressar o seu desconforto, a Fada Madrinha continuou: - Mas há uma condição: ela só poderá partir quando o galo cantar por três manhãs, sobre a copa do pé de carvalho, que está plantado em frente à casa. Os pais da menina mais uma vez se entreolharam, falaram baixinho entre si e depois o pai perguntou:

- Mas como o galo alcançará os galhos dessa enorme árvore? A Fada Madrinha, com sua doçura e paciência inesgotável, suspirou profundamente e respondeu: - Tenham fé. Quando chegar o tempo, o galo cantará. E cantará pousado sobre a copa do carvalho. Vocês verão! Como essa não era a principal dúvida que havia ficado para os pais da menina, a Fada Madrinha se antecipou e perguntou: - Mas vocês ainda têm uma dúvida, não é? Dessa vez a mãe da menina, em toda a sua generosidade e simplicidade, perguntou: - A senhora não poderia contar agora quais serão os desafios que ela encontrará quando for para o mundo? Ficamos felizes por saber que ela terá esses dóceis animais como companheiros em sua viagem, mas e se ela tiver dúvidas sobre o caminho e perguntas a fazer? Não haverá ninguém com quem possa falar... Compadecida com o amor e a quase dor no coração da mãe devotada da menina, a Fada Madrinha pensou em contar um pouco do que sabia, mas ... rapidamente percebeu que se o fizesse estaria interferindo no destino dela. Isso não lhe cabia, mesmo sendo sua Fada Madrinha. Como fizera antes, meditou por alguns minutos e após um breve suspiro respondeu: - Compreendo a sua preocupação, mas os desafios que ela encontrará serão a consequência de suas ações. Ela só os descobrirá ao longo do caminho, fazendo, errando, acertando e aprendendo. Até lá cabe a vocês ensiná-la a andar no caminho do bem, a discernir o certo do errado e prepará-la para usar a herança que recebeu hoje. E fiquem tranquilos, pois a mim caberá sempre protegê-la e ampará-la, em todas as situações em que vocês, por qualquer motivo, não puderem ajudar. Ao notar que os pais ainda estavam preocupados com a menina e antes que eles se manifestassem, a Fada Madrinha teve uma ideia e comentou: - Mas além disso, há algo que eu posso fazer. Os pais novamente se entreolharam e um esboço de sorriso surgiu em suas faces. E a Fada Madrinha continuou... - Posso permitir que ela encontre mensageiros ao longo do

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caminho, que a ajudem em sua jornada. O pai preocupado, perguntou: - Mas ela encontrará muitas pessoas, como saberá quem são os mensageiros? A Fada Madrinha, rapidamente, pegou em uma bolsa que trazia colada à sua cintura, algumas sementes... As observou por alguns minutos e respondeu: Ela levará sete sementes. Com elas ela poderá fazer sete perguntas a sete mensageiros. Ela os reconhecerá, pois eles estarão carregando sementes da mesma árvore. De alguma maneira, essa resposta confortou ternamente os pais da menina, que receberam as sementes e as guardaram em uma caixinha feita de carvalho. Para eles, as sementes valiam mais que as moedas de ouro e assim foram guardadas. Os pais suspiraram aliviados, agradeceram a visita da Fada Madrinha que se levantou, girou sua vara de condão pelo ar e com esse gesto, se despediu e caminhou em direção ao bosque... até desaparecer na imensidão dos campos repletos de árvores. Os anos passaram e a menina cresceu alegre e muito peralta. Sabia como se divertir naquele enorme bosque. Corria de um lado para outro, subia e balançava em árvores, cuidava dos animais, estava sempre rodeada de amigos do vilarejo em que morava. Cheirava todas as flores que encontrava e se regozijava com seus perfumes e suas cores. Sempre que podia, acompanhava seus pais na arte de cultivar sementes e tinha um enorme prazer em lançá-las à terra e depois ver como se transformavam. Nessa época, ela tinha recebido muitas sementes de seus pais e já as considerava como sendo suas. A vida da menina era uma aventura! Todos os dias ela voltava para casa toda suada, despenteada, mas com uma energia que parecia não ter fim. Além de brincar, gostava muito de estudar. Ficava fascinada com todo o conhecimento novo que adquiria e, para ter os dois, a disciplina era seguida com muita atenção. Certamente nos momentos de lazer, a Fada Madrinha

A Senhora das Sementes

sempre estava alerta e presente para aliviar as quedas, os cortes e toda sorte de machucados que resultavam de tantas travessuras. Até quando a dor não era física e por ser ainda criança não conseguia se expressar ou nomear a sua dor, a Fada Madrinha a acolhia e cuidava de todas as suas feridas. Isso aconteceu quando a menina viu pessoas a quem muito amava, pegarem e levarem embora as suas sementes ignorando o quão importantes as sementes se tornavam após serem cultivadas por ela. Mas para cada semente roubada, uma nova semente recebia. Os pais da menina, às vezes se preocupavam, mas sabiam que a Fada Madrinha diretamente ou por meio dos seus assistentes, cumpria fielmente a sua promessa de protegê-la, pois como num toque de mágica, a cada machucado, físico ou não, a menina se refazia e começava tudo de novo. Ela não parava! Embora a menina não se achasse tão bonita como considerava suas amigas, foi chegando o tempo em que os jovens do vilarejo, quase todos camponeses, queriam se casar e ela era sempre visitada com esse propósito, mas sempre se esquivava. A ordem natural parecia ser casar-se, constituir uma família e permanecer no vilarejo. Mas a menina queria conhecer jovens de outros reinos. Sonhava com um cavaleiro! Ela havia recebido tantas dádivas, que parecia ser necessário dar um passo antes. Ela não sabia exatamente o que era... Mas sentia que seus pais a haviam preparado para ir para o mundo e isso a fascinava. E em quase tudo o que ela pedia aos pais, era atendida. E no que não era atendida... ficava apenas entre ela e a Fada Madrinha... mas ela também conseguia... A essa altura havia desenvolvido um senso de justiça que, com coragem e muita alegria a haviam levado a lugares e encontros inesquecíveis. Ela carregava em si o desejo de cuidar de pessoas como seus pais faziam, mas ela ainda não sabia... Dizem que nessa época, ela contava muitas histórias... e seus pais sempre acreditavam. No seu coração ela sabia que precisaria ir além, transformar o seu conhecimento em sabedoria e descobrir o que era o tal “amor incondicional”. Quando esses sentimentos começaram a se manifestar, os pais da menina lembraram que ela não poderia partir antes


que o galo cantasse por três manhãs, sobre o carvalho. Começaram a se preocupar e se perguntavam: - Seria mesmo possível que o galo cantaria sobre a copa daquele enorme carvalho? A resposta veio algumas semanas depois que a menina fez vinte e um anos. Em um final de tarde, o coaxar de sapos parecia anunciar um dilúvio. A quantidade de chuva que caiu foi pequena, mas nas três manhãs seguintes o galo cantou... e com vontade. No quarto dia, a menina estava pronta para ir para o mundo. O seu desejo não era como o de seus pais, ou seja, ter uma vida melhor, pois era muito feliz com o que tinha e sabia que não precisava de muito. Estava até enamorada de um jovem camponês muito especial, de quem gostava muito, mas que queria se casar e permanecer no vilarejo. Isso ela não queria. Ela esperava ter, durante a viagem, liberdade para descobrir e usar todos os seus dons e compreender qual era a sua vocação, sua missão. Essa era a questão que vivia em sua alma. Um dia, ela ouvia o canto dos ciprestes ao redor, quando seus pais a lembraram da importância de preservar a sua herança e lhe entregaram alimento para a viagem, juntamente com as sementes. Seu coração estava apertado. Havia chegado a hora de partir. Embora soubesse da existência de sua Fada Madrinha, a menina nunca tinha estado com ela e, mesmo sentindo sua presença, desejou fortemente abraçá-la, mas ela não estava lá. Com uma estranha mistura de alegria e tristeza, ela se despediu dos pais, do camponês por quem havia se apaixonado e dos amigos do vilarejo. E aos poucos a menina, o burro, o cachorro e o gato, iam sumindo na paisagem. A menina olhou para trás apenas uma vez, para ter certeza de que seus pais ainda estariam lá. E quando viu que estavam parados na frente do carvalho, seguiu confiante. Ela tinha uma herança, tinha as sementes e sempre saberia para onde voltar. Ela sabia onde havia fixado suas raízes. Durante muitos dias, andou maravilhada com tudo o que havia de novo. Pintava tudo o que via, escrevia sobre o que

sentia, dançava e cantava como se esse fosse o seu destino. Encontrou muitas pessoas que lhe contavam estórias. Quando podia, contava as suas. Às vezes ria e por vezes chorava, ao ouvir e ao contar. Muitas pessoas lhe tocaram o coração ao olhar para ela e muitas se disseram tocadas pelas palavras da menina. Muitas pessoas pareciam velhas conhecidas, apesar de nunca terem se encontrado antes. Em um certo dia, encontrou um senhor a quem chamavam de mestre e sentiu vontade de fazer uma pergunta. A sua primeira pergunta. Tirou as sementes da pequena sacola que a sua Fada Madrinha havia entregue à sua mãe, retirou uma semente de avelã e perguntou ao senhor: - Mestre, o senhor tem uma semente como esta? O mestre assentiu com a cabeça, ofereceu um sorriso e perguntou: - Vejo que você tem uma pergunta. O que quer saber? A menina, incomodada por ter encontrado tantas pessoas passando necessidades ao longo do caminho, falou: - Por que as pessoas sofrem? A pergunta era tão profunda, que ela passou cinco anos com esse mestre, conversando sobre o seu significado e, quando decidiu continuar a viagem, ainda não havia encontrado uma resposta. De volta ao caminho, a menina seguia feliz. O burro, o cachorro e o gato a seguiam fielmente, como se todos fossem apenas um. Havia uma harmonia entre eles, o que tornava a viagem muito agradável. Com a comida que havia levado de casa chegando ao fim, a menina começou a trabalhar nas paragens que lhe davam abrigo e nelas conheceu sábios senhores lhe apresentaram e ensinaram o seu ofício. Tudo o que era apresentado instigava a menina, e lá foi ela aprender a observar e entender pessoas. Os sábios apreciavam a sua disposição para fazer as coisas e ficavam felizes, pois ela trabalhava muito e quase não reclamava. No início, fazer isso lhe rendeu um certo prestígio, mas era pouco. Após alguns anos fazendo a mesma coisa, a menina decidiu dispor de uma semente para fazer uma pergunta ao sábio. Revolveu a sua sacola mais uma vez, retirou uma semente de figueira e se certificou de que o sábio tinha uma como aquela. Então perguntou:

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- O que mais eu posso aprender, além do que já aprendi? Ele entregou a ela alguns manuscritos e respondeu: “O que você quiser.” Aquela resposta lhe parecia uma coisa terrível. Achava que o que fazia era pouco, mas fazer o que ela quisesse... Ah isso parecia muito. E nem sabia por onde começar. Mas seguiu trabalhando com outros sábios... observando, entendendo e agora também podia fazer coisas para ajudar as pessoas. Mas achava estranho, pois algumas, apesar de tudo o que a menina fazia, não eram felizes. Algum tempo depois decidiu dispor de outra semente, sendo esta de abeto e se dirigiu ao segundo sábio. Certificou-se de que ele tinha uma semente como aquela e então fez a pergunta: - O que eu posso fazer para ajudar as pessoas? O mestre, intrigado, resumiu tudo o que pensava sobre essa questão em uma resposta. - Você precisa gostar de pessoas. Precisa gostar das pessoas. A menina estava muito satisfeita com aquela resposta. Era direta e muito simples de compreender. Ela já tinha sido tão feliz ajudando a sua família, tinha tantos amigos, que acreditava que não teria dificuldades para gostar e ajudar outras pessoas, em especial, aquelas que pareciam não estar felizes. Mas havia uma coisa nesse ofício que a menina achava estranho. Ela havia aprendido a gostar das pessoas, entender as suas necessidades, mas não podia ajudá-las a realizar o seu destino, pois todas eram tratadas desde o nascimento como propriedade do rei e, mesmo não sendo, viviam como se fossem. Ao refletir sobre isso, a menina percebeu que ela também vivia assim. A diferença é que ela não era considerada propriedade de um único rei e sim de todos os reinos por onde passava. Aquela imagem a assombrou por muito tempo e, de repente, foi crescendo dentro dela uma pergunta antiga, mas que havia sido guardada. - Você está fazendo o que veio fazer nessa vida? No que você está investindo o seu precioso tempo?

A Senhora das Sementes

Em um momento de profunda reflexão, a menina encontrou três pastores. O momento parecia mágico. Perfeito. Sentia que todo o seu ser estava em comunhão com aqueles seres espirituais e quis fazer a eles uma pergunta, mas não podia usar mais de uma semente. A menina apresentou uma semente de sabugueiro e perguntou: - Por que tenho a sensação de estar sendo chamada para alguma coisa que eu não sei? Como não havia regras sobre os mensageiros fazerem perguntas, um dos pastores pensou por um momento e perguntou: - Qual é a sua idade menina? Nesse momento ela se deu conta do quanto havia caminhado em sua jornada. Ela estava em vésperas de completar trinta e um anos e foi assim que respondeu ao pastor. Os três se entreolharam, conversaram baixinho e responderam: - É que você ainda não começou a realizar o propósito que a trouxe para essa vida. A menina ficou estarrecida. De certa forma a pergunta que havia surgido dentro dela estava respondida, mas para ter uma dica de por onde seguir, teria que usar mais uma semente. Daí só sobrariam três para completar a jornada de ir para o mundo... Na resposta dos pastores não havia nenhuma dica de como ou para qual direção dar o próximo passo. Então, a menina continuou seu relacionamento com os sábios e os pastores. Sempre que possível, enviava e recebia notícias de casa. Já havia se acostumado com a ideia de seu pai ter partido para um reino distante, mas ainda se preocupava em ajudar a mãe que havia adoecido e a qual mantinha sob cuidados permanentes, provendo tudo o que era necessário ao seu bem estar. Em dado momento, achou que teria que interromper a jornada, voltar para a casa e se adaptar à vida do vilarejo. Pensou em desistir daquela viagem. Mas para descobrir a resposta para a pergunta que vivia em sua alma e também para não desamparar a sua mãe, a menina permaneceu no mesmo ofício. A pressão só


aumentava e cada vez ela se ressentia mais, infeliz com o resultado do seu trabalho. Esperava ajudar as pessoas, mas o muito que fazia parecia pouco para quem recebia. Logo, frustrada e triste com a ausência de respostas, adoeceu. Sem perceber, contaminou seus companheiros de viagem com sua angústia e apatia: o burro, o cachorro e o gato adoeceram também. Não era mais possível continuar e uma pausa se fez necessária. A imagem criada com a resposta dos pastores a deixava inquieta. Trinta e sete anos haviam se passado desde a visita de sua Fada Madrinha e, em um dia de setembro, pensou em meditar sobre a primeira pergunta que havia feito ao mestre: Por que as pessoas sofrem? Durante algum tempo a menina conviveu com a pergunta, com a possibilidade de resposta e com uma enorme dificuldade para mudar. Ainda era necessário se submeter às regras do rei, para preservar o que era mais importante para ela naquele momento.

E assim foi até o dia em que sua mãe adoeceu repentinamente e, após cinco dias de uma luz radiante, uma longa noite preencheu o seu coração enchendo-o de culpa. Ela queria tanto ajudar as pessoas e agora tinha dúvidas sobre a ajuda que havia dado à sua amada mãe. Mas a herança de amor incondicional permeava aquele encontro, mesmo quando a noite custava a passar. A menina teve então que aprender a perdoar a si mesma. E se amou incondicionalmente. A presença e a proteção de sua Fada Madrinha foram um grande bálsamo para curar as feridas que se abriram com essa passagem. Ela estava lá. Dessa vez a menina se sentia abraçada e amparada. Embora sua mãe não morasse mais naquele reino, a menina ainda queria fazer muitas perguntas para a ela e daria todas as suas sementes para ter esse momento. Não houve despedida. Um buraco enorme estava se formando e a menina desejou fortemente esse encontro.

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Naquele dia, ela colocou suas últimas sementes sob o travesseiro e, como este também era o desejo de sua mãe, em uma noite de setembro elas se encontraram em um reino em que a morte e a vida se misturam. A menina descobriu que o que é importante nunca acaba. Sua mãe estava linda! Mas parecia preocupada em aproveitar o pouco tempo que teria para falar algo muito especial. Ao vê-la, todas as perguntas se calaram e a menina ganhou um presente inesperado. Com a voz doce, sua mãe lhe falou: - Filha, a sua jornada comigo terminou, mas a sua continua ... Então vai... Sua mão tocou levemente o rosto da menina e, com o coração acelerado, ela despertou. Despertou e agradeceu, pois em seu coração ela confirmava que sua missão e seu propósito nessa vida era ajudar as pessoas, como a sua mãe continuava a fazer. Naquele momento sentiu solidão e naquela enorme casa de pedras ela se recolheu. Depois de um tempo, se refugiou no carinho e amparo de sua família e amigos. Visitou o seu pai em seu novo reino e com ele relembrou tudo o que havia herdado. Ia de um reino a outro e sempre voltava para casa. Apesar de toda a sedução do rei, dono do vilarejo em que morava, um dia a menina soube que deveria continuar a sua viagem. Mas dessa vez deveria olhar para fora e para dentro de si, pois percebera que, mesmo sabendo que a sua missão era ajudar pessoas, ainda assim precisaria entender como fazer. Eram tantas as possibilidades... Havia aprendido tanto com seu mestre e com os sábios que conhecera... Mas não sabia por onde começar. E assim a menina saiu novamente, atravessou o bosque e iniciou nova jornada. Ainda lhe restavam três sementes. Enquanto caminhava, ela foi redescobrindo os reinos por onde já havia passado, e se abrindo para coisas novas que havia para aprender. Mas tudo o que experimentava, não bastava. Num certo dia, já um pouco cansada de caminhar, encontrou um grupo de pessoas que pareciam ciganos. Vinham de vários lugares diferentes, falavam línguas

A Senhora das Sementes

diferentes, estavam o tempo todo falando, cantando, cozinhando, pintando, costurando, dançando, escrevendo e se reinventando. Com todas aquelas pessoas reunidas, a menina pegou uma de suas sementes, a de uma figueira e decidiu perguntar: - Como eu posso ajudar as pessoas? Todos os que lá estavam se puseram a falar. A menina então descobriu que ela podia fazer uma pergunta, mas que não havia regras sobre obter várias respostas. Assim ela foi aumentando o seu arcabouço de conhecimentos e experiências. Mas uma das respostas tocou a menina de um modo muito especial: - “Primeiramente, ocupe-se em se autoconhecer. Parte da resposta à sua pergunta, virá nesse processo. A outra parte você descobrirá depois.” A menina que, sem perceber havia se tornado uma mulher, decidiu seguir com o grupo e descobriu aos poucos que essa seria a jornada mais difícil que já fizera. Entraria em reinos desconhecidos, teria que enfrentar muitos demônios, até sentir-se pronta para então descobrir o “como” que tanto almejava. Para ajudar as pessoas, precisava antes aprender a ajudar a si mesma. E assim foi, até que o “como ajudar as pessoas” foi se tornando tão claro, que ela poderia voltar ao mundo para oferecer o que a vida havia lhe ajudado a preparar, com um único propósito: doar. Quando compreendeu que havia tomado a vida nas próprias mãos, que era responsável por suas escolhas e livre para ir, como a sua mãe amorosamente a havia lembrado, uma felicidade enorme preencheu todas as lacunas das respostas que faltavam. Dessa vez, estava contaminando positivamente seus companheiros fiéis: o burro, o cachorro e o gato... Estavam todos felizes! Não havia desafios que não pudessem ser superados. Nesse momento, decidiu que podia não só voltar para a casa, mas mudar de casa... Deixar a enorme casa de pedras onde havia aprendido a cultivar sementes. Sabia que a coragem nunca lhe faltaria. Sabia que podia se aventurar quantas vezes fossem necessárias, por saber onde estavam as suas raízes.


Ao regressar e iniciar os preparativos para a mudança, ouviu o coaxar dos sapos como acontecera quando ela saiu para o mundo e, por um momento, achou estranho, pois desta vez estava voltando para a casa. Naquela noite choveu muito e, no dia seguinte, envolto em raios de uma luz muito intensa, cruzou o seu caminho um nobre cavaleiro. Sem muitas pretensões ele começou a conversar e a encantou. Ela não entendia o encantamento, pois ele era de um reino muito distante de todos os que ela havia conhecido, mas estar com ele era tão bom que ela mudou o jeito antigo de pensar e começou a confiar no que vinha do seu coração. Mas o coaxar dos sapos também lhe fez lembrar de que seu pai havia envelhecido e que precisaria dela. Além disso, agora ela tinha um irmão mais novo a quem talvez precisasse ajudar. A mudança que ela havia planejado, pensando em viver em terras ancestrais, não era mais possível. Aliás era possível, mas não era mais necessária. Pois muito do que a menina buscava no mundo já havia encontrado em si mesma. Ao chegar em casa, ela lembrou das sementes e desejou muito encontrar a sua Fada Madrinha, a Senhora das Sementes. A Fada Madrinha recebeu em seu coração o pedido, mas não podia aparecer. Então lembrou à menina que ela sempre poderia recorrer aos assistentes que havia encontrado no caminho e assim a menina decidiu compartilhar as suas preocupações sobre o futuro com os três assistentes da Fada, que prontamente a receberam e a acalmaram. Mas eles falavam por parábolas.

O outro entregou a ela peças artesanais que remetiam às suas origens ancestrais. A terceira lhe entregou livros e apenas disse para não se preocupar com o tempo. Como ainda tinha duas sementes, pensou em seguir viajando e fazer logo as duas perguntas a que tinha direito, mas a Fada Madrinha, em sua sabedoria, se antecipou e colocou no coração da menina que o que ela ainda queria perguntar talvez não fosse mais necessário. Bastava que ela soubesse quem era. Com o coração aquiescido a menina sossegou. E naquela noite dormiu tranquila. Não apenas ela, mas o burro, o cachorro e o gato também. Quantas bênçãos haviam sido derramadas na vida da menina e que agora permeavam a vida da mulher! Ela agradeceu mais uma vez a Senhora das Sementes e decidiu guardar as duas que haviam restado. Pretende cultivá-las, multiplicá-las e já se considera pronta para ser uma Mensageira, uma Assistente de Fada Madrinha. E será... sempre que for necessário, pois esse é o seu chamado. E assim a história continua feliz! Continuará... Sempre!

Uma cantou para ela.

QUANTAS BÊNÇÃOS HAVIAM SIDO DERRAMADAS NA VIDA DA MENINA E QUE AGORA PERMEAVAM A VIDA DE MULHER.

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Mônica Fraga Lima Motta

A MENINA DO NÃO

Era uma vez uma menina que nasceu do sim de um homem e de uma mulher lindos demais. Era uma linda menina, carequinha e bochechuda, uma boneca de louça como na música que sua mãe fez para ela. Nasceu lá no sul, mas logo depois mudou-se para perto da família de seus pais e foi morar numa cidade pequena e linda, com muitas montanhas, muito verde, numa linda casa rosa, aconchegante e com uma lareira que aquecia todos nos dias de inverno.

sentia. Afinal, como se mostraria tão frágil, cheia de dúvidas e incertezas? Não, isso não podia... E de tantos nãos, uma caixa crescia em torno de seu coração e transformava as incertezas em uma raiva que nem ela sabia de onde vinha. Coitado dos namorados da Menina do Não: quando eles queriam ficar mais coladinhos, chegar mais perto do seu coração, ela dizia... não! Afinal como alguém poderia pensar em ameaçar sua liberdade, ou o que ela achava que isso era?

Algum tempo depois a menina ganhou um irmãozinho lindo, com cabelos louros e cacheados. Passava os dias brincando com seu irmão e seus priminhos. E brigando também, voando de bicicleta ladeira abaixo, comendo fruta tirada do pé, tomando banho de piscina gelada porque em casa o calor da família a todos aquecia.

A menina cresceu um pouco mais e foi estudar matemática. Entrou em crise com os estudos, mas disse não para outras alternativas. Até quando sua mãe disse “vai estudar outra coisa” ela disse “não, eu só gosto de matemática”. E foi estudar para ganhar dinheiro, ter sua liberdade, sua independência, e acabou deixando para lá que realmente queria estudar.

A menina foi crescendo e um dia a família se mudou para uma cidade grande e foi morar numa casa empilhada, cercada. A cidade era assustadora, fazia muito calor! Na escola quase todos os colegas eram assustadores e raivosos. E assim a menina começou a dizer seus nãos. Mas, mais do que para os outros, ela dizia não para si mesma: “não posso ter medo”, “não posso chorar”, “não posso errar” e o seu sim maior era “sim, eu sou forte”. A Menina do Não era muito boa aluna, amava a matemática e saber o porquê de certas coisas. Queria saber o que estamos fazendo aqui, de onde viemos e para onde vamos, o que tem lá em cima, por que um mundo tão desigual, onde está Deus em tudo isso, aliás quem é Deus e porque ela se sentia tão sofredora. Mas não fazia as perguntas, não estudava para saber, não mostrava o que

A Menina do Não

Pouco depois sua mãe ficou doente, muito doente, e morreu. A Menina do Não chorou, mas não o bastante, pois ela era forte e não podia chorar tanto assim. E seu coração ficou muito mais fechado. E ela não entendia mesmo onde estava Deus nessa hora – ficou com raiva Dele. Então a Menina se mudou para outra cidade, saiu da casa do seu pai. Parecia que as coisas começavam a mudar, pois ela disse sim para essa mudança. E lá a vida foi boa. Conheceu um mundo novo, pessoas especiais, ganhou seu dinheiro, passou a ser dona da sua casa, trabalhava muito. Mas seu coração estava apertado. E quando um “namorado” queria mais sim, ela disse não e voltou para casa do seu pai. E disse sim para um outro trabalho, onde


trabalhava, trabalhava. Trabalhou, comprou sua casa e começou a viajar. Era uma profissional bem sucedida, gostava do seu trabalho, ganhava bem. E viajava, adorava viajar, era sua paixão. Mas seu coração continuava fechado, e um dia os números já não eram suficientes para alegrar sua vida. Mudou de trabalho, conheceu pessoas mais especiais ainda e o mundo se abriu. Ela se divertia, trabalhava e viajava. Para o resto ainda dizia não – até para a vontade que um dia teve de ser mãe, afinal todo filho merece uma mãe muito boa e isso ela achava que não conseguiria ser. Um dia duas lindas estrelas apareceram em sua vida: duas menininhas de quem foi madrinha. Que alegria! E seu coração se abriu para elas e começou a dizer sim, ganhou até uma faixa de “Miss Dinda”. Isto sim era muito bom! E viajou com as meninas e elas amaram, foi uma delícia! E então mais um sim, de onde menos imaginava, apareceu em sua vida: foi quando se abriu para o mundo espiritual, quando seu coração, cansado de ficar preso, começou a dar sinais do cansaço de tantas certezas e de ter que ser forte. Então a Menina que sempre disse não para as coisas do coração começou ver as coisas de forma diferente e a aceitar que de certos assuntos nada sabia, mas valia a pena tentar aprender. De resto, a vida continuava, uma vida que ainda deixava

cada dia mais dura a caixa que encerrava seu coração. A Menina do Não insistia, pois afinal ganhava dinheiro com aquela vida, era uma executiva bem sucedida. E ia dizendo não ao seu coração, pois ela era forte e imbatível e não era coisinha de nada que a faria sucumbir, fracassar. Então ela viajava, viajava, viajava e cada vez menos queria voltar para casa. Mas por fim a tristeza tomou conta da Menina, adoeceu seu corpo. E ela não via mais graça em nada, nem no dinheiro que ganhava. E foi largando tudo pra lá, sem coragem de se mexer. Então, como uma benção, um anjo a tirou daquela vida e lhe deu um novo caminho para trilhar. E aí a Menina do Não precisou começar a dizer sim para si mesma. Foi atrás de encontrar respostas para aquelas perguntas que nunca teve coragem de perguntar. Está aprendendo a aceitar o que o mundo para ela traz. Fez novos amigos muito, muito especiais, reuniu-se de novo com sua família. Está deixando para trás tanta tristeza e mostrando ao mundo que é muito engraçada e divertida. E abriu seu coração para chorar o que estava preso e desmanchar aquela caixa que o aprisionava. E a dar amor e se abrir para receber. Voltou a acreditar em Deus e na humanidade. E assim está a Menina do Não, tentando se tornar a Menina do Sim, pois não.

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Maísa dos Santos Guapyassú

A PRINCESA E A CIRANDA

“Vamos maninha, vamos, na praia passear Vamos ver a lancha nova que do céu caiu no mar Nossa Senhora vai nela Os anjinhos também vão Santo Antônio é o piloto E Jesus o capitão” Há muito tempo atrás, havia um reino que ficava em uma ilha. Neste reino havia um príncipe, um filho entre muitas filhas, que tinha os olhos azuis como o mar que cercava sua ilha. Um dia, em um dos festivais que havia naquela terra, o príncipe conheceu uma linda moça, filha mais velha de um pescador. Os dois se apaixonaram e o príncipe, humildemente, foi pedir a mão da moça a seu pai. O pescador a concedeu, e ao comunicar ao rei o que tinha feito, este lhe disse: “- Meu filho, conheço e honro muito aquele pescador. Devias ter me avisado antes, pois eu iria com muito gosto pedir a ele a mão da filha. Do jeito que fizeste, parece que não aprovo a união...” Mas tudo deu certo, e houve o casamento. O rei não tinha muitos bens, mas havia dividido as terras que cercavam seu castelo entre os filhos para que construíssem suas moradas. O príncipe, usando o fruto de seu trabalho, construiu uma casinha modesta, onde o jovem casal foi viver. A jovem esposa logo engravidou de gêmeos e foi uma festa no reino. Mas na hora do parto as duas crianças, dois meninos, morreram. Quase que a mãe morre também. Depois de algum tempo, nova gravidez. O tempo previsto

A Princesa e a Ciranda

para o parto chegou, mas nada acontecia. Todos estavam muito preocupados, mas um velho e sábio médico aconselhou paciência: “Tudo tem seu tempo, e os bebês sabem quando têm que chegar”. Então, bem no meio do inverno finalmente aconteceu: nasceu uma menina de olhos verdes, que foi saudada com muito amor. O velho rei e o velho pescador se tomaram de amores pela netinha. E ela cresceu uma menininha linda, esperta, falou cedo, e como morava dentro dos domínios do rei, passava com ele muito tempo. Aposentado, o rei lhe ensinou as primeiras letras embora ela fosse muito, muito novinha. Um dia, esse rei morreu. A menininha consolava a todos, dizendo que ele estava bem, e que sempre conversava com ele. Com o avô pescador, a princesinha dava longos passeios na praia, ouvindo histórias de mar, de pesca, aprendendo a ler os segredos do oceano. “O mar, quando chega na praia É bonito, é bonito” Mais uma princesinha nasceu. Corria tudo bem em casa, uma casa pequena, muito bem cuidada pela esposa do príncipe, muito limpa, com boa comida e um pequeno jardim. A princesinha brincava com primos e primas, e com as crianças da vizinhança. Um dia, quando tinha cinco anos e visitava uma das


irmãs de sua mãe, em meio a uma brincadeira, entrou no escuro de um galinheiro, onde num cantinho eram criados pequenos coelhos. O homem que cuidava do lugar foi se aproximando no escuro, de mansinho, se transformando em um monstro, e tentou pegar a princesa. Ela se esgueirou pelas passagens estreitas entre as gaiolas dos coelhos e fugiu correndo, o coraçãozinho batendo forte. Nunca contou isto para ninguém, e nunca mais foi brincar com os coelhinhos. De novo a esposa do príncipe, que raramente se sentia uma princesa, engravidou. Nasceu outra menina que, no entanto, viveu muito pouco. A dor foi tanta que não se falava disso na casa. A dor se ocultava no fundo de um baú bem trancado. “Ó pedaço de mim, ó metade amputada de mim ... a saudade é pior que um parto É pior que arrumar o quarto De um filho que já morreu” A princesinha estudava na escola do reino e os mestres a elogiavam por sua inteligência. Era muito lindinha, os olhos verdes brilhavam, os cabelos louros refulgiam ao sol. Embora gostasse de brincar com outras crianças, precisava de momentos de solidão. Pegava então seus livros preferidos, subia no alto de uma grande árvore no quintal e lá ficava lendo. Lá em cima também brincava, a imaginação correndo longe. Quando tinha oito anos, nasceu uma nova irmã. Como já era mais velha, ajudava nos cuidados com a caçula. As duas eram muito apegadas. Aos nove anos, brincando nas terras de uma amiguinha, um novo encontro assustador: um parente da amiguinha também se transformou em monstro, ali na frente delas. A amiguinha sequer percebeu a transformação, achando que era brincadeira. Mas a princesinha já havia visto aquele tipo de mal. “Sueño com serpientes Las mato y aparece una mayor... Las mato y aparece una mayor...” Desta vez, preocupada com a amiguinha e com uma sensação de perigo iminente, a princesinha rompeu o código de silêncio, implícito entre as crianças e suas

brincadeiras: procurou uma das mestras da escola, contou para ela o acontecido. Isso causou um furacão, mas ela foi preservada de toda a confusão. Em casa, ninguém soube de nada... Enfim, a vida era casa, escola, cuidar da irmã, algum trabalho doméstico e brincadeiras. Brincadeiras de roda, na praia. Inventava brincadeiras e enredos fantásticos, em que os amiguinhos embarcavam. E foi crescendo. O mundo além da ilha era uma aventura: morto o rei, a rainha havia se mudado para o continente com uma das filhas e visitá-las era muito bom. Bom também era conviver com o avô pescador e a avó calada mas sempre presente, sempre fazendo crochê, com mãos mágicas para plantar e cozinhar. Foi estudar numa escola mais adiantada, no outro extremo da ilha, para onde ia sozinha. Começou também a ser mandada para a feira da aldeia, onde comprava os mantimentos para a casa; também era ela quem levava a irmã caçula para a escola e cuidava dela. A velha rainha havia ficado cega e quando vinha de visita à ilha, a princesinha dela cuidava. Conversavam muito, conversas de outros tempos. Mas com a saída da velha rainha, o reino degringolou. As suas filhas começaram a brigar entre si e humilhavam a esposa do irmão. Esta sofria calada, engolia muitos, muitos sapos. A princesinha achava que sapo era para se engolir, e que “não” era coisa que não se dizia, coisa feia, que nem palavrão. Sempre educadinha, sempre gentil, inteligência fina e viva, que a valorizava diante da família de seu pai, o príncipe, mas que assustava um pouco a família de sua mãe. Com doze anos descobriu que algumas meninas e jovens do reino faziam parte de um grupo que acampava, ajudava os outros, e ela pediu para fazer parte dele. Começou então a conhecer outras famílias, outros jeitos de viver, e descobriu muitas habilidades que nem sabia ter. Com criatividade, empenho e coragem, ia subindo no grupo, sempre dando a mão aos outros. E foi crescendo, engolindo sapos, que a faziam ficar gorda. O pai criticava, as irmãs do pai também, sempre críticas

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veladas, alfinetadas. A mãe se sentia culpada, mas ninguém conversava sobre isso com ninguém. E ninguém fazia nada! O primeiro namorado foi uma surpresa e um encanto. Durou pouco, ela nem sabia o que fazer... Foi então estudar no continente, em uma enorme escola onde se estudava para ser mestra, caminho seguido pelas irmãs do pai. Lá conheceu muita gente. Escrevia o jornal da escola, aprendeu a cantar num coral de vozes de anjo. E começou a praticar o ensinar em escolas de crianças pobres. Só sabia cuidar, estudar, ler. Lidar com a natureza e com os livros esquentava sua alma jovem. Uma sementinha foi

A Princesa e a Ciranda

plantada em sua cabeça... Uma vontade de trabalhar com a natureza... De não seguir o caminho pré-destinado. Uma das irmãs do pai, o príncipe, resolveu que ia dar um jeito: levou a princesinha a uma curadora, e seguindo um tratamento mirabolante, os quilos foram ficando para trás. A princesinha, agora moça, uma princesa, terminou os estudos nesta grande escola. Havia concurso público para ser mestra. Fez o concurso, passou nos primeiros lugares mas... Sempre tem um mas... Era nova demais e não poderia assumir as classes. Teria que esperar. E na espera, o caminho se abriu, a coragem chegou e ela falou para os


pais sobre a vontade de trabalhar com a natureza. E para seu espanto recebeu incentivo. E lá foi ela, mais uma vez estudar muito para entrar na academia dos cuidadores da natureza. Mas... “Sueño com serpientes Las mato y aparece una mayor... Las mato y aparece una mayor...” Um dia estava em casa sozinha. Sentiu uma coisa estranha e quando ela percebeu, o próprio pai, o príncipe de olhos azuis, começou a se transformar em um monstro. Era mais horrível que todos os outros que tinha visto, pois minava a confiança e ameaçava o amor. Um monstro feio, cheio de tentáculos que a seguravam, a envolviam. Mas a princesa reagiu e fugiu. Mas, (olha o mas de novo!) nunca contou aquilo para ninguém. Nem conversou com o próprio pai, já desfeito monstro. Guardou dentro de si. Um dia, em visita à sua casa, a avó calada, esposa do pescador, morreu de repente. E três meses depois, de amor e de saudade, morreu o avô pescador. Conseguiu passar na academia de cuidadores da natureza. Foi morar lá, em outro reino e fez amigos excelentes. Estudava muito, viajava; trabalhava na academia para se manter. Vivia com pouco, mas era feliz, muito feliz. Se apaixonou uma, duas, três vezes. O terceiro virou namorado. Príncipe mimado, filho de rainha que o achava um presente dos céus. Era um moço que cantava, que lidava com rochas, com pedras. Que a levou para conhecer seus amigos, seu reino, seu mundo. Ela visitava a casa dos pais nos finais de semana, quando convivia com as irmãs e os pais. Mas viver em família parecia tão distante... O dinheiro foi ficando escasso. Finalmente ela se formou na academia dos curadores da natureza, bem em meio a uma recessão que afetava o reino dos reinos. E enquanto não conseguia emprego como curadora da natureza, fazia pequenos trabalhos. Até que finalmente surgiu uma oportunidade de verdade, mas ela trabalhava com a natureza não do jeito que queria. No entanto, foi em frente. Revelou suas habilidades, suas

capacidades e muito jovem já liderava uma equipe grande. Viajava pelo reino dos reinos, conhecendo todas as florestas e muitas gentes, muitas aldeias. O namorado? O príncipe das rochas? Foi virando sapo, até que virou sapo de vez. Ficou coaxando no caminho. Um dia havia um concurso para mestra na academia de curadores. Ela estudou muito e conseguiu a vaga. Em casa foi uma festa! E mais, começou a ajudar a manter a casa. As irmãs buscando seus caminhos, os pais envelhecendo... Ela morava em outro reino, mas estava sempre ali, cuidando, ajudando, provendo. O príncipe-pai começou a ficar doente de tristeza por não mais conseguir sustentar sozinho a família. Um dia, chamou a princesa para conversar e pediu perdão. Não falou porque, mas ela o perdoou. E foi nos braços dela que ele morreu. A princesa viu a luz da vida se acabando nos olhos do pai. Mal teve tempo de chorar. Tinha 28 anos e, já tomando o escudo, o elmo e a espada do pai, foi cuidar da família, da mãe que quase morreu de tristeza. Assumiu o principado com garra e coragem. E assim, por algum tempo, dividiu a vida entre o principado e o reino onde trabalhava, na escola de curadores da natureza. Era mestra muito querida, conseguia despertar a chama da vontade de curar nos seus pupilos. Mas... “Sueño com serpientes Las mato y aparece una mayor... Las mato y aparece una mayor...” Um dia, do nada, surgiu um monstro que já vinha atacá-la. Ele não conseguiu e a princesa soube que há muito ele a espreitava pelos caminhos e vielas escuras. Sua vida então virou fugir e se esgueirar do monstro, que a qualquer oportunidade tentava atacá-la. Sempre se cercava de cavaleiros que pudessem escoltá-la. Mas um dia teve que galgar a montanha que levava à sua casa sozinha, sem escolta. Um dos cavaleiros lhe havia emprestado uma espada. Ela foi subindo e ouviu passos atrás de si. Sacou da espada, ia atacar quando viu que era só um camponês, que fazia o mesmo caminho. Deixou cair a espada e, do fundo de seu coração, disse adeus ao medo que quase a paralisava e enlouquecia. Elevou sua voz numa profecia: “Nunca mais isso vai acontecer comigo! Nenhum monstro desses vai me assustar e perseguir”. E assim foi. Tinha 31,5 anos, princesa madura, bela e destemida.

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Um dia, o impulso de viver a própria vida, outra vida, foi muito forte. Abandonou o elmo, o escudo e a espada, se despediu da família e foi morar em um reino mais distante, ao sul daquele local. Foi estudar de novo, para ganhar mais habilidades de cuidar da natureza. Nesse novo reino se sentiu em casa como nunca em outro lugar. Desabrochou com força em suas habilidades, sua inteligência foi desafiada, fazia muitas, muitas coisas. Os impulsos adormecidos do seu coração amoroso. Uma das irmãs que havia se casado teve duas filhas, princesinhas que a nossa princesa sempre amou profundamente. A irmã caçula foi trabalhar no mesmo reino que ela, e com ela passou a morar. Sua mãe, debilitada, adoeceu da doença do esquecimento, do esquecer do outro, de si, do dia a dia. Do esquecer de como tudo se fazia. A princesa e seu irmão a trouxeram para viver com eles. Foi um período de muito cansaço, pois o peso da alma era grande na luta da inexorabilidade do esquecimento. E o esquecimento do corpo acompanha o esquecimento da mente. Até que um dia a mãe se foi. A princesa se viu um pouco perdida... de quem cuidaria agora? Não sabia viver sem cuidar. Tinha até desenvolvido de novo um corpo grande e gordo para poder aguentar todo o peso do mundo que era colocado em suas costas. O que fazer com tudo isso agora? Demorou a perceber que não precisava cuidar, não daquela forma. Que precisava era cuidar de si... Mas, (olha ele aí de novo...) velhos hábitos são difíceis de perder. E aí surgiu uma grande paixão. Um príncipe de olhos negros e sorriso brilhante. A certeza de já ter vivido esse amor em outras vidas. Mas logo percebeu que nesta vida não o viveria. Não do jeito que se vive um grande amor. E ela disse não. Foi o primeiro de uma série de nãos que foi aprendendo a dizer. A cada não ficava mais leve. Era uma ciranda maluca: um não e um monte de sim. Dois nãos, um pouco menos de sins. Mais nãos e alguns sins. E ainda está aprendendo a dançar essa dança maluca. Redescobriu a habilidade do fazer com as mãos. Foi reaprendendo, passo a passo, perdendo a vergonha, o medo, deixando fluir essa coisa que vinha da ancestralidade,

A Princesa e a Ciranda

de mulheres hábeis com agulhas. Aprendendo do tecido, do fio, da lã. Dos retalhos que se transformavam em flores, dos fios que se transformavam em seres. Do nada, fazer algo com as mãos. O trabalho de cuidadora da natureza era exercido com paixão... Treinava jovens para serem cuidadores. Um dia conheceu um lugar onde algumas pessoas contavam histórias para curar as almas de outras pessoas. Todas as histórias que ouvira dos avós, do pai, da mãe, nas aldeias por onde viajara, as que contara para as sobrinhas, os afilhados, começaram a se movimentar dentro dela. E ela se deixou se levar por elas e se juntou ao grupo. Pareciam duas vidas: a de cuidadora da natureza e a de contadora de histórias, mas no fundo era uma vida só. Cuidar de um jeito diferente. E mais ainda: achou uma história que ensinava a cuidar de gente. A cuidar de um jeito mais diferente ainda, mas que no fundo era do mesmo jeito: de cuidar da natureza, de cuidar com histórias e de cuidar da história de vida das pessoas. Aprendeu que quando cuidamos da natureza mantendo-a forte, ela cuida de si mesma. Aprendeu que quando cuidamos das pessoas com histórias, levando até elas as imagens sagradas, elas se tornam mais fortes e com vontade de cuidarem de si mesmas. E lá vai ela, a princesa dos olhos verdes, mais velha, mais experiente, sabendo aproveitar melhor o que a vida lhe traz e indo atrás do que a vida não traz. Caindo e levantando, vai seguindo com passos lépidos, confiando no seu coração. Partilhando. Fazendo coisas surgirem das mãos, do nada, com fio, agulha e tecido. Dançando a ciranda maluca do “sim-não”, tendo o coração como guia, e com sua alma passarinha, cantando e contando histórias. “Ando devagar porque já tive pressa Levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, Mais feliz quem sabe. Só levo a certeza De que muito pouco sei Ou nada sei. Cada um de nós completa sua história Cada ser em si carrega O dom de ser capaz de ser feliz.”

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Juliana Paula Cisotto Grave

A PEQUENA OLHO D´ÁGUA Plim, plim, plim ... E assim a água vinda do gelo derretido das montanhas lá do alto foi aos poucos descendo por entre as rochas e adentrando no solo... E ali permaneceu por um tempo, em um longo silêncio encantador, onde só o que se ouvia eram as gotas que a faziam crescer. Mas era hora de aparecer e iniciar sua jornada. E quando o Sol estava a pino e a Lua a protegia em seu dia, surgiu a pequena Olho d’Água, tão delicada e inocente da grandeza em que poderia se transformar. Veio aos poucos, tentando reconhecer o local que parecia um pouco estranho e diferente do que estava acostumada. Seus amigos do Céu estavam sempre por perto e, quando eles se aproximavam, de seus olhos brotavam mais águas para que ela nunca esquecesse de que não estaria só. E na Terra, grandes feiticeiras a rodeavam, impregnando em suas águas todas as magias e sabedorias vindas de outros tempos e outros lugares que, certamente um dia, ela iria reconhecer. Elas trouxeram, de várias formas e cada uma de um jeito muito especial, tudo aquilo que de mais sagrado tinham a oferecer. E assim foi crescendo, aumentando, horas com o solo fértil, horas com o solo árido, acompanhando aquilo que a vida oferecia. Já se tornara um pequeno riacho. Precisava explorar novos territórios, aprender as coisas que na Terra seriam importantes e foi adentrando em outros solos, com muita vontade de conhecer e saber ... curiosa, Olho d’Água escutava o canto das lavadeiras, a conversa das mulheres que areavam suas panelas, os passos

Olho d`Água

silenciosos dos homens que procuravam peixes em seu curso. Gostava de adentrar nos bosques, procurar cogumelos e conversar com as fadas; adorava observar o céu, algumas vezes encontrar estrelas cadentes e de ter em suas margens as pessoas com quem se sentia segura. Um dia conheceu o mar e se apaixonou imediatamente! Suas encostas com pedras enormes, a brisa quente que batia em seu rosto, aquele ir e vir das águas que tinham um sabor diferente do seu ... tinha certeza do seu caminho e que um dia seria mar também! Mas enquanto alargava o seu curso e se tornava um rio, Olho d’Água sentiu medo. E já não sentia mais que todos aqueles que a rodeavam estavam presentes, pois não acreditavam em seus medos. Escutou o som de suas águas e se sentiu só ... teve dúvidas da sua existência e de sua origem. E começaram a aparecer pedras em seu caminho, das quais se desviava com muita dificuldade e dor. De seus olhos, cada vez mais, brotavam águas e seu curso não era calmo e tranquilo, mas intenso de uma forma em que não podia mais perceber algumas coisas à sua volta. Só sabia que precisava se manter forte para não secar! Até que uma grande queda d’água apareceu ... chegou lá em baixo, ainda tonta, não conseguindo respirar direito em meio a espuma que se formou com a queda. Percebeu o quanto a vida era sutil e que nem todos os rios chegam ao mar. E depois de um grande silêncio, resolveu seguir seu curso.

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Decidiu olhar as belezas de suas águas e da vida que se formava em sua volta. Peixes, aves, frutos, árvores ... quando os conhecia, brotavam de seus olhos águas de

Olho d`Água

alegria, tristeza, decepção, mas sabia que, como as pedras do seu percurso, essas águas eram necessárias para que pudesse crescer.


A geleira, lá do alto, insistia em dizer que ela não era esse rio tão formoso, apenas um pouco de água que derreteu; que não deveria se iludir com o seu reflexo, assim como Narciso o fez, e assim suas águas começaram a ficar revoltas e a se distanciar cada vez mais das montanhas que, lá do alto, trouxeram sua origem. Foi quando conheceu um boto que insistia em nadar em suas águas e que quis lhe mostrar que a vida poderia ser diferente. Que podia se transformar em homem e apreciar as coisas que os homens construíam e que a vida de um rio poderia ser mais emocionante do que apenas correr em direção ao mar. Atordoada com as pedras e quedas que continuavam a aparecer, e com a geleira que insistia em a depreciar, resolveu acompanhar o boto em novas aventuras. As pedras e grandes quedas não deixaram de acompanhá-la, mas um lindo afluente se juntou a ela, trazendo para sua vida uma nova luz. O fluxo continuou, crescendo, intenso ... mas, de repente, ela viu seu leito correndo entre pedras e concreto ... os peixes, pássaros e vegetações foram desaparecendo de suas margens. Seu curso corria rápido, reto, mas sem vida ... Foi como se entrasse em um estado de sono profundo, onde não conseguia mais reconhecer as suas forças, pois todo o trajeto já estava traçado, duro, frio. Conseguia, com suas águas limpas, irrigar os sonhos dos outros ... via hortas crescendo ao longe, mas nada da qual se sentisse pertencente. Em alguns trechos, era coberta por grandes avenidas e muitas vezes só era lembrada quando transbordava pelo grande volume de água que surgia de seus olhos. Suas águas começaram a ficar turvas, sem vida. Já não lembrava mais a história do seu percurso, da sua origem e nem para onde deveria ir. Um novo afluente se ligou a Olho d’Água ... mas a frieza do seu caminho era tão grande, que mal pode recebê-lo com os braços abertos ... sua força era comandada pelos ponteiros do relógio, para que as horas passassem rápido e ela pudesse se livrar desse destino no qual vivia. Seus olhos começaram a secar.

Foi quando uma pequena rachadura no concreto que a delimitava permitiu que parte de sua água infiltrasse novamente na terra e, aos poucos, Olho d’Água começou a acordar. Seres especiais começaram a fazer parte de sua vida: fadas, elfos e outros seres elementais despertaram um novo sorriso em seus olhos. Suas águas começaram a clarear e em todas as reuniões e festas onde Olho d’Água encontrava seus novos amigos, a força de suas águas começavam a reaparecer ... os olhos enchiam de alegria, outras vezes de tristeza ao revisitar situações em que superar o percurso não foi fácil. Descobriu que estes seres mágicos estavam por todos os lugares por onde ela começou a escoar e deixou de se sentir só mesmo estando sozinha. E em meio a aridez de sua vida canalizada, decidiu que reencontraria seu caminho rumo ao oceano. Respirou fundo e começou a infiltrar suas águas pela terra em maiores quantidades. Decidiu que seu curso no concreto não deveria secar imediatamente, para que todos os que ainda dela se hidratavam, pudessem aos poucos procurar um novo meio, mais saudável, de regar suas vidas e que pudessem também apreciá-la como um rio cheio de vida. Assim colocou força para formar um novo lençol que está próximo de se romper e reiniciar o seu ciclo. Dos seus olhos, agora mais amadurecidos, brotam águas de esperança, reveladas em seu tom esverdeado. Da geleira, lá distante, ela sente compaixão, pois poucos são os que têm coragem de derreter seu gelo em busca de um caminho chamado felicidade. Ela sabe que, quando renascer, novas pedras virão, mas para massageá-la ... novas quedas d’água aparecerão, mas para fazer com que seu curso se torne mais rápido em situações das quais ela não precisa permanecer por tanto tempo; que também novos afluentes se unirão para formar seus outros braços ... e outros peixes, plantas e árvores darão um novo colorido para suas águas. E que seu caminho, rumo ao mar, não será mais desviado, pois junto dela estarão os mais luminosos raios de Sol, as rosas brancas mais perfumadas e estes seres mágicos, que trarão a esta história um grande final feliz!

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Maria Inez Cunha Vieira Gonçalves

UMA HISTÓRIA DE DOIS REINOS

Num passado não muito longínquo, em tempos de muita prosa, existiam dois reinos muito diferentes dos atuais, sem televisão, computador, telefone celular e demais tecnologias que hoje, dependendo do uso, aproximam as pessoas ou as afastam do convívio social.

coloridos, cheirosos e muito gostosos. Descobriu as goiabas, jabuticabas de espécies diferentes (como esquecer a Olho de Boi, enorme, maravilhosa?) laranjas, mexericas, figos, carambolas, bananas, seriguelas, Manga Rainha, Coração de Boi, Coquinho, Sabina, Comum, Espada, Roxinha... Ora! Era tanta variedade que ela se perdia no meio de tanta fartura e simplicidade: era só estender a mão e apanhar – de faca não precisava: usava os dentes, os dedos, uma pedra... Assim ela ia aprendendo a resolver seus problemas com opções diferentes para situações similares.

Num deles, chamado reino das sombras, vivia uma princesinha magrelinha, de lábios vermelhos e olhos que pareciam duas azeitonas, curiosos e vivos, que a ajudavam a ver como era o seu mundo, muito diferente do que os outros podiam imaginar. Nesse reino havia uma rainha cuja escuridão se revelava como o maior temor da princesinha. Além disso, ela obrigava a menina a fazer os serviços domésticos, a castigava e não lhe dava amor e carinho. Sem saber que a deixava no pavor e na tristeza, a rainha continuou a castigá-la, não por maldade, mas simplesmente por não saber agir de outra maneira. Quando a princesa fez seis anos, a rainha, muito estressada, mandou-a para um lugar que ela nem sabia que existia, bem longe do palácio das sombras. Era um mundo diferente e não era em uma cidade, mas num lugar no meio de uma floresta. Era o reino da luz, com animais espetaculares e um castelo entre árvores que davam frutos, os quais ela passou a saborear, dos mais variados,

Uma História de Dois Reinos

Em seu novo lar havia um rei, o rei Sol, muito brilhante e sua forte luz tingia tudo com tonalidades muito particulares. Sua arte fazia cada coisa se diferenciar - não só em cores, mas em formas variadíssimas. O rei cuidava de tudo, ajudando a nascer, morrer, brotar, multiplicar - como um mago! Os animais de sua propriedade eram de três tipos: os que eram usados para trabalho e alimento do reino - outros


para reprodução, bem tratados e separados dos demais e outros que enfeitavam os arredores e serviam para divertir, brincar e aprender a amorosidade do nascer, cuidar, alimentar e curar. Eram bichinhos que ensinavam as leis da vida para aquela princesinha curiosa de cabelos negros e ondulados. Nesse reino de luz, cor e vida, havia uma rainha chamada Rosa que coordenava tudo, parceira do rei, que se encantou pela princesinha desde o primeiro momento em que a viu. Enquanto o rei Sol era grande e forte, a rainha Rosa era pequena, de rosto arredondado, cabelos curtos e anelados. Ela gostava de trabalhar e trabalhava muito, sempre cantando! Era alegre, sorridente, otimista, carinhosa, brincalhona e habilidosa. Cozinhava, costurava, plantava, estocava alimentos, bordava, fazia flores de pano, brincava de roda, de cabra- cega, contava histórias diferentes e, como ela administrava tudo, era obrigada a tomar decisões difíceis como a morte dos animais que iriam alimentar o reino. Nesse aspecto, algumas coisas ficaram na lembrança da princesa e é impossível não contar o que acontecia quando uma cadelinha rabicó tinha seus filhotinhos: a rainha Rosa ia ao ninho com uma tesoura na mão, pegava um cachorrinho de cada vez sob o olhar atento da mãe que não reclamava e cortava os rabinhos de todos eles de modo certeiro, confiante. Enquanto ia cortando, a mãe cuidava lambendo, com todos chorando ao mesmo tempo e o efeito era visto um mês depois. As pessoas do reino se encantavam quando os viam andando atrás da mãe, bem iguaizinhos, com os cotós muito bem aparados... Hoje em dia não se usa mais fazer isso, os cachorrinhos ficam com seus rabinhos, mas era um dos costumes daquela época.

O rei Sol, por sua vez, lhe mostrava como o mundo era bonito: levava-a na garupa de seu cavalo para ver os rios abundantes de peixes e pegava cágados que eram soltos em seguida. Atravessava de uma margem à outra no grande rio que passava perto do castelo, mostrava-lhe os garimpos e os diamantes que seriam usados para fazer as joias do reino e, quando cavalgavam de volta, o rei catava pedras com formatos inusitados que só ele via pelo caminho. Essas pedras isoladas em suas características especiais, tinham formas muito variadas e para cada uma delas o rei contava casos muito intrigantes. Elas eram então colocadas em vários altares do castelo e pareciam troféus que serviam para documentar toda a história do lugar. Ele também lhe mostrava as plantas, as flores, os passarinhos, corujas, papagaios e assim tudo se expandia, o que alimentava ainda mais sua imaginação, fazendo-a flutuar em um universo cósmico cheio de magia! Agarrada ao cinto do rei Sol ela se alegrava, sol batendo na testa, cavalo trotando ritmado, cheiro de mato e do suor do Sargento - esse era o nome do alazão! Eram momentos de muita importância: andar abraçada ao rei, conhecer o seu mundo e receber seu carinho, porque dela ele gostava, era amor arretado! Mas não pense você que era só isso. Esse rei e essa rainha tiveram muitos filhos que também tiveram mais filhos ainda! E a rainha, muito animada, levava todos eles para junto dela, o que deixava a princesa ainda mais feliz! Todos os dias pareciam dia de festa. Ela não se sentia sozinha, brincava até o sol se pôr e as noites do reino continuavam coloridas. Ela sentia-se segura ao lado daquela meninada que dormia toda num quarto só, tinha sonhos lindos e acordava junto com a bicharada. Com o galo cantando bem cedo, com as galinhas descendo dos poleiros, com o barulho das porteiras do curral do gado de leite e com fome! Era uma maravilha chegar à cozinha e ver a rainha preparando as taças de metal prateado com açúcar e café para cada criança. Com os copos nas mãos elas seguiam saltitantes em direção à ordenha para beberem do leite quentinho e espumoso da Mimosa, Manchete, Malhada e outras mais. O rei grandão ficava no entremeio da vacada, coordenando aquele momento como se fosse um guardião

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da qualidade do atendimento de seu súdito tirador de leite e da higiene da ordenha. A princesinha ficava intrigada com o seu poder misterioso. Por que as vacas não avançavam nele? Seria porque ele conversava com elas? Ali também ela experimentava coisas novas junto às outras crianças. As vacas, éguas e cadelas pariam diante da meninada curiosa e eles não perdiam esse milagre da vida por nada! As conversas entre eles sobre tudo o que era proibido falar perto dos adultos, eram momentos de muita seriedade e, para ela, parecia que Deus dava o modulado das vozes, tudo muito devagar, em tom baixo, com o colorido e a magia do mistério do segredo e do sagrado! Esses momentos eram cultuados num santuário muito bonito: o pátio do engenho, onde corria um córrego muito calmo, com um paredão enorme que dava a queda necessária para que as bicas de garapa descessem para os tachos de cobre que ficavam sobre os fogões à lenha e nos quais a rainha fazia melado, açúcar mascavo e rapadura. Na parte de cima o Alazão, animal obediente e educado, girava numa marcha mais lenta para moer a cana cheirosa que caía nos tachos. A princesinha não sabia, mas naquele mundo ela via Deus em tudo... O engenho funcionava em épocas de colheita da cana, mas na maior parte do ano ficava às moscas, parecendo esperar por cada menino ou menina curiosos dos assuntos que poderiam ser tratados num escondidinho como aquele... Como todos aprendiam da vida com os mais velhos ensinando aos mais novos! E o que havia de mais precioso em tudo? Ora, ora, era a liberdade! Aquele bando solto nos arredores do castelo só precisava obedecer a três regras do reino de luz: hora de comer, dormir e de tomar banho... Mas chegava o dia em que era preciso voltar para seu outro reino triste e sem graça e ela então deixava as cores, odores, calores e amores do reino de luz. Uma grande nuvem triste ficava pairando sobre ela durante um tempo que parecia não ter fim. Nesse mundo ela aprendia coisas das quais nem sempre gostava e a palavra de ordem era: obrigação. Assim nessa alternância, porque logo vinha o tempo de voltar para o castelo encantado do rei Sol, essa princesa foi crescendo, até que, aos quinze anos, conheceu um príncipe que se enamorara dela desde o primeiro momento em que a vira.

Uma História de Dois Reinos

Cheio de coragem e determinação, ele a pediu em casamento. Mas a rainha do mundo das sombras não permitiu e por causa disso foi obrigada a esperar sua maioridade para poder tomar as rédeas de seu destino. Para sua alegria, ao encontrar seu par, uma magia aconteceu: seu mundo cinza se encheu de esperança e essa esperança lhe trouxe cores, sabores, magia e música. O amor inundava sua alma de modo único, nunca antes experimentado, nem no castelo do rei Sol. A princesa então sentiu uma força muito forte vinda do seu coração e decidiu seu futuro de forma inabalável. Sua vida passou a se movimentar muito rápido, ela buscava entender o que acontecia e então, eis que surge diante dela, sua fada madrinha! Era ela o ser transformador que coloria sua vida e que passou a lhe sussurrar coisas que ela não via. Com todas aquelas mudanças, a princesa passou a ver a rainha do mundo das sombras com outros olhos. Suas exigências se tornaram oportunidades para saber como cuidar do castelo que viria a ter - as obrigações domésticas uma oportunidade para quando viesse a ser rainha também e, juntas, a rainha das sombras e a princesa passaram a planejar o casamento que aconteceria em breve. Chegou o dia em que ela se casaria e uma grande festa reuniu as pessoas que ela mais admirava, com as que ela mais amava. Aquela meninada com a qual brincava, todos já bem crescidos estava ao seu lado, seus amigos mais preciosos também comemoraram. O rei Sol fez a noite parecer dia e toda a corte dançou até a noite seguinte. A fada madrinha decorou todo o palácio com as flores do reino, a rainha Rosa fez o bolo, os doces, contratou os músicos para o baile até que, no dia seguinte, na carruagem de seu príncipe, ela partiu para o seu castelo.


SEU CORAÇÃO NOVAMENTE SE AQUECEU.

A princesa teve três filhos lindos, viajou muito para outros reinos, aprendeu a falar outras línguas, ajudou o príncipe a administrar seus domínios, aprendeu a curar pessoas e, numa bela manhã de sol, enxergou o rei sol de sua infância numa nuvem branca, montado em seu alazão. Seu coração novamente se aqueceu e ela ficou pensando em que canto do seu destino se escondia a menina medrosa e apavorada que, de vez em quando, saía do ninho para correr no meio das flores, sentir o vento de frente e o espetáculo da liberdade.

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Não demorou muito para que ela entendesse. Sentiu o frio de sua sombra roçando em seu braço, se viu de fato e entendeu seus medos e os ensinamentos que o inesperado coloca na vida de cada pessoa. No seu reino ela vive até hoje, junto com o único amor de sua vida e o que era sonho virou fato: eles vivem felizes desde então e agora é possível vê-los juntos cuidando de seus netinhos do modo como eles merecem ser cuidados! O rei Sol e a rainha Rosa não vivem mais e a rainha das sombras, já velhinha, deixou o seu mundo triste para viver ao lado da princesa. O tempo dirá como terminará essa história, se é que ela termina um dia. E ele, que tudo transforma, também dirá se existe alguma coisa a mais para ser contada. Quem lê essa história poderá encontrar suas próprias respostas para situações parecidas - quem sabe poderá até colaborar com o que a alma ainda não vê?

Uma História de Dois Reinos

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Meiri Inoue

A VENTURA DA VIDA Era uma vez ... Um rei muito sábio que gostava de criar coisas e também de ensinar as pessoas sobre como as coisas funcionam, e uma rainha muito elegante e que tornava belo tudo que tocava! Viviam felizes e sua alegria aumentou quando a rainha soube que teria seu primeiro filho! Logo uma menina, rosada e sorridente chegou! O rei fez uma grande festa que durou vários dias ... mas, a rainha, decepcionada, olhava para a criança com um certo ar de desapontamento: Queria que tivesse sido um menino! A princesa desde pequena era muito curiosa... gostava de se aventurar pelos jardins do palácio, falar com as plantas, os insetos e os animais... em especial curtia estar com sua avó: sentia como se estivesse conversando com um anjo. Logo vieram seus irmãos... uma outra princesa, um

príncipe e muito mais tarde uma princesinha... o rei organizava expedições para explorar a mata... os preparativos na noite anterior já eram uma festa! A exploração, sempre uma grande aventura... e todos voltavam ao castelo cheios de grandes estórias... a noite caia para acolher os aventureiros e retirar-lhes o cansaço do dia agitado! Certo dia sua avó passeava pela floresta e um grande animal que estava passeando, não percebeu que ela estava ali colhendo flores e passou por cima dela. O reino todo ficou consternado: ela era muito querida... inspirava ternura, tranquilidade ... a pequena princesa não entendia bem o que estava acontecendo... todos diziam que sua avó havia partido: Por que será que dizem que ela foi embora se ela está aqui, conversando comigo? – durante muito tempo, não soube o que era medo... quando algum monstro estava a espreita, era só virar-se um pouco para o lado, olhar para sua vó e tudo se tornava colorido! Todos os dias pela manhã, as crianças do reino precisavam ir para a floresta. Lá encontravam a coruja que ensinava como medir e contar as coisas, o papagaio mostrava como falar em diferentes línguas, a tartaruga fazia experiências para provar a existência das leis da natureza... além deles, havia as fadas e os duendes revelando os segredos da magia e da alquimia! Tudo era muito divertido e a princesa adorava as novidades! Uma vez, um desses bichos estava meio amalucado e tentou comê-la... quando ela percebeu que havia alguma coisa estranha, foi mais esperta e saiu bem devagarinho, de fininho... esse episódio fez com que ficasse desconfiada e em alerta sempre que percebia um olhar parecido com aquele! Adorava ir à floresta aprender com os bichos e tinha o

A Aventura da Vida

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dom de mostrar os ensinamentos às outras crianças usando um jeito mais fácil, como se pudesse entrar na cabeça

a arte de desembolar emaranhados, dissolver coisas duras, tornando as coisas simples e fluídas. Mais belas e mais leves! Era chegado o momento de enfrentar sozinha a floresta! Algumas vezes, percebia-a amistosa. Outras vezes, cheia de perigos. Mas era sempre uma aventura que valia a pena! Partiu determinada a conhecer o mundo além do reino

delas para saber como elas pensavam. Eles perceberam e a chamaram para ajudar nas atividades. Se divertia descobrindo jeitos diferentes de passar os ensinamentos. O rei olhava para a princesa, sabia que ela estava crescendo e que logo partiria em busca de novas aventuras. Para que estivesse forte quando isso acontecesse, alimentava-a com coragem, tranquilidade e sabedoria. Sempre que tinha oportunidade, levava-a para assistir como conduzia seus cavaleiros em uma batalha! A rainha, que era mestre em desembaraçar fios, ensinou-lhe

de seu pai. Sentia gosto pela exploração de novas terras, pelas batalhas, pelo desconhecido. Estava sempre em ação, buscando novos desafios. Numa dessas empreitadas, um de seus cavaleiros foi tingido por uma cor escura, que aos poucos foi lhe tirando a vida. Ninguém sabia o que poderia ser aquilo que lhe comia por dentro e fazia com que desaparecesse aos poucos... todos foram se afastando, tinham medo de chegar perto. A princesa ficou ao seu lado, até que um dia ela soube que seria a última vez que o veria... foi a primeira vez que sentiu medo da morte! Saiu em disparada para o meio da floresta e percebeu que já não entendia tanto o que diziam as plantas, os animais, as fadas e os duendes. Sentiu-se perdida no mundo que achava que tanto conhecia! Deu-se conta que havia sido enfeitiçada: somente suas mãos e pés estavam vivos... sua mente e seu coração estavam adormecidos!

A Aventura da Vida


o que não se consegue olhar, ouvir o que não se consegue escutar. Tum, Tum... Tum... Tum, Tum... Tum... Tum, Tum... Tum – seu coração começou a batucar de um jeito diferente. Percebeu que ele fazia eco e dançava com um outro. Os dois corações se atraiam como se fossem dois ímãs... quanto mais próximos, mais era linda a dança e contagiava todo o redor. Sentia um calor diferente! O sol esquentava por fora! O coração, por dentro! Era um cavaleiro que tinha o segredo para aquecer o coração da princesa!

Quieta na mata, aos poucos foi aquecendo seu coração. Começou a sentir o cheiro do verde, da chuva, das flores. Ouvia as formigas caminhando, uma abelha se aproximando e os pássaros namorando. Via o verde das plantas, o brilho das estrelas contrastando com o negro do céu.

Ele trouxe suas filhas, que encheram a floresta de risos e brincadeiras. De repente, a princesa se viu como o seu pai: enchendo as meninas de coragem para poderem ir para suas próprias jornadas!

Não soube por quanto tempo ficou lá, quieta. Quando sentiu o calor que corria em suas veias, pode se erguer e descobriu que reconhecia tudo o que estava em sua volta mas não conhecia nada do que via. Foi como um novo renascimento onde tudo parecia novo! Saiu para o mundo com um novo espírito, agora não era mais exploradora de lugares e de coisas, mas buscava ver

A princesa e seu cavaleiro adoravam viajar, conhecer novas pessoas, o modo como elas vivem, o que fazem. Sentiam-se livres! Tudo parecia fácil e organizado. Certo dia, ouviram um chamado! Havia um reino pedindo a presença deles. Seu povo sentia a terra árida, a vida tinha se escondido! Não tiveram dúvidas: esta poderia ser mais uma grande aventura!

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Aline Streb

ALICE ... Era uma vez ... ... num vilarejo distante, uma menina que morava com seus pais e seus 3 irmãos. O pai trabalhava duro todos os dias no campo e a mãe cuidava da casa e das crianças. A menina Alice foi crescendo, atenta ao que o pai sempre dizia para os filhos: “nós não temos bens materiais; seu único e maior tesouro é o conhecimento. Sejam esforçados (streben) nos estudos para que, no futuro, tenham um bom trabalho”. O tempo foi passando e a menina aprendia muitas coisas novas e conhecia pessoas vindas de todos os cantos do mundo... Ela gostava de ouvir as histórias das pessoas e queria saber de todas esquisitices e curiosidades sobre elas! Alice também tinha uma esquisitice: ela adorava ouvir os problemas das pessoas! Um dia, seu irmão mais velho, o filho primogênito, foi estudar num vilarejo próximo e, em seguida, sua irmã mais velha também foi. Alice ficou morando sozinha com seus pais e estudava cada vez mais. Ela também gostava muito de brincar na rua com seus amigos e aprender sobre as árvores e os animais. Certo dia a menina Alice achou que estava na hora de conhecer a terra distante, de onde vieram os avós dos avós de seus avós... Disseram para ela, que as pessoas daquele lugar eram muito sérias e tão frias quanto o frio que fazia no inverno mais frio que ela já tinha sentido. Para chegar lá, tinha de atravessar o maior oceano que existe. Mesmo assim, ela queria – porque queria! – conhecer o que os adultos chamavam de suas “origens”. Ela achava que só saberia qual o seu verdadeiro lugar no planeta e o seu destino, depois de conhecer este tal país. Despediu-se de seus pais e partiu para sua primeira aventura. Alice foi acolhida por uma família de nobres importantes

Alice

naquele país. Ela ficou muito feliz, pois achou que teria uma família de verdade, com pai, mãe e novos irmãos! O conde e a condessa tinham 4 crianças pequeninas, todas lindas, como anjinhos, de pele muito clarinha e olhos azuis da cor do azul do céu da sua terra natal. Mas... os dias foram passando e a condessa tratava Alice cada vez com maior crueldade: ela era obrigada a fazer trabalhos domésticos pesados e cuidar o tempo todo das crianças, sem descanso. Sua comida era racionada e ela só podia se banhar raramente, pois as pessoas daquele país não gostavam de tomar banho... Quando a família viajava, deixava Alice trancada em casa sozinha com um cachorro e sem comida suficiente. Os meses foram passando, e Alice ficava cada vez mais triste e doente, pois era muito frio no seu quarto, que ficava no porão daquela linda casa, num lugar escuro e com apenas uma janelinha para o jardim. Seus amigos da floresta, observavam tudo que acontecia com ela e logo fizeram um plano de fuga. Durante a madrugada, os passarinhos Dourado e Douradinho entraram pela janelinha e, num piscar de olhos, juntaram suas poucas roupas numa trouxa e levaram para o cavalo Thor, que já os esperava embaixo da janela. Os esquilos Twins jogaram uma escada para dentro do quarto, para que Alice saísse do porão, enquanto a gatinha Sossô vigiava o jardim. Todos estavam contentes em ajudar Alice e a levaram para uma pequenina casinha, escondida no meio da floresta, onde quase ninguém sabia como chegar. O tempo foi passando e Alice foi, aos poucos, recuperando sua saúde e alegria de viver. Ela tinha em seu quintal plantas medicinais e um belo jardim, com flores encantadas e coloridas, que contavam os segredos da natureza para ela


e alegravam seu coração. Ela passava muito tempo lendo os livros que alguém tinha deixado na casinha, e continuava aprendendo sobre as pessoas e a vida. Certo dia ouviu um barulho em frente à sua casa. Olhou pela janela e reconheceu Thor, o cavalo branco que havia ajudado na sua fuga. Logo atrás dele vinha correndo à sua procura, seu dono, um belo príncipe. Thor empacou em frente à porta e o príncipe não conseguia tirá-lo dali. Alice abriu a porta e, naquele instante, seus olhos encontraram o olhar mais doce que jamais vira. Eles se apaixonaram antes mesmo de um piscar de olhos! O resto, vocês já sabem: se casaram numa noite de lua cheia e prateada, e dançaram com seus convidados até o amanhecer, num lindo baile. E viveram muito e muitos anos felizes.

Os contos de fadas em geral acabam aqui: não há relato da vida futura do casal, nem de filhos, trabalho ou dificuldades da vida adulta... Aqui, portanto, daria para começar outro conto...ou outro capítulo...ou outra encadernação... Para mim, é mesmo como se fosse outra encarnação...

fadas, anjos, crianças encantadas e amigos encantadores. Um belo dia, Alice percebeu que, das cicatrizes de suas antigas feridas, surgiam pedacinhos de pele nova, de uma cor diferente de todas as cores! Ela olhava, e via seu corpo sendo recoberto por uma pele aveludada e perolada! O seu coração se encheu de gratidão e, de dentro dele, surgiram luzes multicoloridas e notas musicais! Ela então, que gostava muito de viajar, pôs-se a caminhar mundo afora, com sua pele novinha em folha! Nestas andanças, encontrou muitos príncipes e por eles ficava fascinada! Ela já não era mais uma menina, mas continuava ingênua e romântica, por isso, demorava (ela era meio estrábica também) para descobrir os sapos por detrás da roupa dos príncipes! Certo dia, cansada de procurar, resolveu descansar num porto, que o povo chamava de Alegre. Ali, foi então encontrada por um nobre cavalheiro, que por ela se encantou. Ela ainda não sabe se ele será apenas mais um sapo na sua vida, ou se este será, finalmente, o príncipe herdeiro de seu coração... Isto ainda não é o FIM... A seguir cenas dos próximos capítulos...

Certo dia, porém, uma princesa malvada enfeitiçou o príncipe, e eles fugiram juntos. Alice ficou sozinha e entregue a uma tristeza e solidão que pareciam não ter mais fim. Por muitos anos, dedicou-se a estudos profundos sobre os enigmas da alma humana. Trabalhou, trabalhou e trabalhou... sempre em busca de soluções e alívio para os sofrimentos de crianças e adultos. Neste trabalho com tantas feridas de tantas alminhas, Alice foi, aos pouquinhos, também curando algumas das feridas de sua própria alma. Ela recebia ajuda nos momentos mais inesperados – e nos esperados também! – de

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A MENINA DO MAR Era uma vez uma menina pequena, de olhos atentos, que contemplava as estrelas, a lua, o sol e o mar. Vésper a acompanhava. A natureza estava em si, os animais estavam próximos. A brisa soprava e ela se sentia acariciar, sua alma se soltava e ela começava a sonhar. Nascida de uma filha da Terra com um guerreiro das estrelas, avós amorosos a ajudavam a criar. Sua fiel escudeira, Diana, cadelinha amiga e parceira, na natureza juntas a brincar. Pensava nas estrelas, sentia saudades Sozinha brincava, mas tinha a certeza que não sozinha estava. Aos seis anos nasce sua irmã, filha da Terra como a mãe, que desta não se separava. Seu pai a acolhe e lhe ensina a ir ao mar. Ao ver as ondas, o azul profundo, descobre amigos, cores e um novo mundo, beleza infinita, novos seres. Para onde olhasse, sentia vida. A água a envolve e acaricia, surge uma sereia que lhe diz que neste mundo será sua guia. Recebe as boas vindas, pois ao mar sente que retorna, vinda das estrelas.

A Menina do Mar

Heloisa Soares de Oliveira

Sente-se alegre, em seu lugar, com seus amigos a mergulhar e assim vivia feliz Ao completar nove anos a família resolve se mudar e da cadelinha teve que se separar. Sairia da casa na natureza e na torre, longe, iria morar. Doeu muito em seu coração, mas tanto amava sua família, que sentia sua alegria e resolveu se calar. Por três anos viveu na torre, tão perto e tão longe do mar. Lembrava da amiga Diana, da natureza e dos amigos do fundo das águas. Na terra queria ser amada e tudo fazia para agradar estudava, ajudava, sozinha brincava. Não tinha medo. A natureza era amiga, as estrelas a guiavam e protegiam, confiava. Queria cuidar. Aos animais amava, tratava, sonhava com templos, Deuses, mitos.


Presentes em sua vida, cada vez mais da janela da torre, com Vésper via o dia começar e terminar. O pai, a mãe, a irmã, viajam para terras longínquas e com eles levam a Filha do Mar. Lá rios imensos, florestas, animais, natureza selvagem e intensa ao redor. Amigos, jogos, brincadeiras, movimentos, alegria jovial. Filha das águas, protegida de Vésper-Vênus. Como resistir à paixão? E assim forte pulsava seu coração. Mas a fase boa pouco durou, era preciso estudar e à torre retornou e então, tudo teve de novamente deixar. E recomeçar... Gostava de ser livre. Por anos viveu presa. Mas com quem tanto amava, os avós e o amor que sempre aquecia seu coração a fazia serenar. Inicia a escola de cura, para sacerdotisa se tornar no bem e cura iria trabalhar. Os anos se passam, amores, paixões, tocam seu coração.

O mar de longe a observa, as estrelas e mitos, presentes estão. Ouvindo a paixão, com o moço de cachos vai se casar. Nas montanhas, bem longe, morar. A cura, aprende e pratica, bem longe do mar. A paixão vira grilhão, sente-se presa, vigiada. O dito amor a queria sufocar. O tempo acabou, precisava se libertar, respirar. Pede conselho às estrelas, lembra do mar e para ele luta para voltar. Consegue, recomeça. É recebida com alegria e agora vai mergulhar ainda mais fundo. Aprender a vida e a ser, nas águas do mar. Coragem, desafios, perceber seus próprios limites, se superar. Desenvolver a sensibilidade, o sutil, a vida e a si mesma conhecer, através das águas do mar. Pensava o mundo, o universo,

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o significado, a origem, as influências, ligações, a natureza e seus ciclos. Onde tudo se encontraria? Questiona a forma de cura que aprendera... Muito lia, muito a pesquisar... Muito a entender e interpretar... Muito a desvendar... O tempo passa, sente-se só, pede às estrelas seu par, o amor desejado: o encontro desde antes traçado, pelas tecelãs com fios de estrelas... O sacerdote de cura a vem encontrar. Se amam, se reconhecem entre montanhas e águas. Um caminho juntos decidem trilhar. Como benção do universo, nasce uma linda menina. Alegre, esperta, de grande coração, mais amor a criança ainda desperta. O sol traz mais luz a essa nova vida e com a benção dos Deuses vivem felizes.

A Menina do Mar

Neste caminho de conhecer os fios de estrela trazem dois amigos, reencontro. Na trilha juntos a percorrer, a estes mais um se junta e vem somar. Neste caminho de busca com tanto a fazer, o sonho, a pergunta e a ação de como colocar no mundo essa nova visão. Assim buscando como crescer e ajudar, vem ela trilhando seu caminho, aprendendo do corpo e alma cuidar. Zelando por sua família e com seus irmãos, com a benção das estrelas, e das águas do mar, na luz do sol, no amanhecer de um novo dia.

ASSIM BUSCANDO COMO CRESCER E AJUDAR, VEM TRILHANDO SEU CAMINHO, APRENDENDODO CORPO E DA ALMA CUIDAR.

Porém novo chamado das estrelas a faz questionar. A cura que pratica seria o melhor? A irmã da Terra lhe mostra uma direção. Ela procura os centros de mistérios da alma, na busca de novas formas de entender e tratar.


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Mariana Albuquerque Lavor

A GOTA DA MENINA ÁGUA! Era uma vez, num tempo em que o próprio tempo escutava seu tic-tac lento... Que um Rei e uma Rainha aguardavam a chegada de sua primeira filha.

O castelo era envolto por águas e grandes dunas de areia, ao redor havia um maravilhoso jardim. Quando a princesa pelo jardim andava, via as formiguinhas abrirem seus caminhos, os beija-flores costuravam seu ninho, das frutas pegava no pé. Mas o que mais a intrigava era subir em Estrela, o pônei que tinha uma mancha branca na fronte. Lá do alto se sentia como uma estrela no céu e conseguia avistar todo o reino além das dunas e das ondas do mar. A hora mais aguardada, porém, do seu dia era ao se deitar, pois escutava as mais lindas histórias, por sua mãe contadas... Sua imaginação ficava fértil e pintava no teto do seu quarto pela noite adentro: As mil e uma noites. E assim aprendeu a amar as histórias. O jardim era encantado e pássaros cantarolavam e traziam mensagens de futuros acontecimentos do reino. Mas o mais sábio era o de penas lilases. Um dia ao se levantar a princesa recebeu em sua janela, ao primeiro raio de sol, o pássaro das penas lilases, que anunciou:

Nasceu num campo grande, terra dos pássaros e de “concertos ao céu aberto para o solo das aves” poesias de Manuel de Barros. Foi colocada num bercinho de vime e pra outras terras levada aonde seus dois irmãos chegaram e suas vidas iluminaram. O Rei engraxava seus sapatos até ficarem espelhados e com leite-de-colônia se perfumava. A Rainha, vaidosa de leitede-rosas se perfumava e colhia do seu jardim as flores com as quais lindas coroas os seus filhos enfeitava.

A Gota da Menina Água

-“É chegada a hora de aprender sobre o mundo... além do muro”. Até os sete anos a princesa não soube o que era escola. E até então sua instrução foi trazida pelo ambiente que a rodeava. A Rainha sua mãe lhe mostrava o A num rabo de Andorinha, quanto às contas, servia-se de Andorinhas pousadas, e não só aprendia a somar e a subtrair, mas chegava a dividir sete Andorinhas por dois galhinhos... o que dava três Andorinhas e meia para cada galho. Como essa meia andorinha podia equilibrar-se é um mistério que


os maiores cálculos do mundo não podiam explicar.

futuro de sua filha, aceitou de bom grado.

Com a tarefa terminada era agora necessário levar a princesa a uma professora de verdade. Chega assim ao vilarejo com um belo avental, uma pasta, um tinteiro... Lá feliz se sente a começar a ter sua turma de amigos. Tem sua primeira lição de ciências: a história da gotinha d’agua. Que do céu desce e ao céu vai subindo formando os rios, as nuvens quentes e assim sucessivamente. Que beleza ela exclamava! Esse ciclo da natureza.

E assim partem para o Reino empedrado. Ao ouvir sobre a partida a princesa sente um pesar em seu coração e tem de dar adeus ao seu adorado jardim... Ao sair no portão uma promessa faz: De um dia retornar, depois do mundo girar!

Porém quando começava os desfiles pelo quadro negro dos três-vezes-três, dos sete –vezes-sete a princesa sentia que a voz de sua professora ia se transformando numa canção de ninar; a noite descia sobre o quadro negro. E a princesa tinha aulas de sonhar... Sua professora alarmada um bilhete lhe entregava: “senhores: fica desde já declarado que essa menina ficou mal acostumada e só será despertada quando sair do Palácio Real para o real”. Uma preocupação em todo o reino crescia: Como podia uma futura rainha não ser calculista? Sendo somente inventiva qual seria seu ofício? Acompanhar gotas d’agua? Ouvir suas histórias? Sua professora, porém, reconhece que não é de todo ruim crescer nesse encantado jardim. E negocia com o Rei uma troca de terras. Dali iria cuidar e de muitas outras crianças que como a princesa até os sete, necessitavam de muito sonhar. O Rei preocupado com o

O Rei e a Rainha lhe entregam um dos pássaros que a guiará no seu caminho, o de pena-lilases por ser o mais sábio e assim segue em seu ombro.

Ao se despedir do pônei Estrela, as gotas de suas lágrimas são tantas que o pássaro das penas liláses lhe diz: “pobre menina, vou secar o seu penar, suas lágrimas guardar e quando precisar minhas asas sacudirás e ao guardião das águas vou te levar!” De posse do seu mais estimado pássaro das penas lilases ela se sente segura e confiante. Olhando pela paisagem percebe que o verde ali já não há, o rio se torna mal-cheiroso e assim teria que se acostumar com o Reino Pedregoso. Os anos se passam e agora a jovem com 14 anos estava e num passeio em família recebe o anúncio do pássaro fiel que continua a protegê-la apesar de já se avistar algumas peninhas acinzentadas. - “Se prepare dentro em breve para tomar as rédeas”. Ela dá de ombros e segue no aconchego da carruagem com seus irmãos a conversar. O Rei adoentado estava e a jovem

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princesa pede permissão para ao seu lado sentar e com ele ficar nessa travessia. O Rei lhe concede o lugar, dá o último suspiro e a asma lhe tira a vida. Perde as rédeas e cai. Sente a dor da falta e depois de muito lutar, novas forças encontra para achar seu lugar. Quando moça vai explorar outras terras além dos oceanos, conhece tantos outros países de reinados distantes, línguas e pessoas tão interessantes, suas acompanhantes. Descobre o gosto e a magia dos encontros humanos e se intriga por seus ciclos e destinos. Nessas andanças descobre seu tanto almejado ofício. A sua tão admirada gota d’agua seria agora transformada: no rio das almas. Mas como acompanhar seu fluir, suas margens, tirar suas barragens? Árduo trabalho! Precisava à sua terra natal retornar e com seus 21 anos ao Reino pedregoso regressar. Observa que ali as pessoas estavam cinzentas, ficando apressadas, se esbarrando, não se dando tempo, o tempo de se olharem... E assim iam se entristecendo. Resposta a essas questões buscava, estudava, pesquisava e até mesmo calculava, mas cada vez que entrava nesses afluentes mais sentia que sua própria água também ressecava e fria ficava. Intrigada se questionava: Mas a alma é assim olhada? Anatomizada? E reparou que sua pele cinza estava e que seu tempo lhe era roubado.

- “Um caminho lhe sugiro: se quer acompanhar almas, precisa pesquisar primeiro suas águas”. Inicia o caminho e já da janelinha de sua carruagem avista as velhas dunas e o barulho das águas a quebrar na praia de quando menina. Dá um grande suspiro e nem acredita de tanta alegria. Encontra companheiros nessa jornada de reinos longínquos que percorrem tantas margens e diferentes paisagens. Que tesouros lapidam com tanto afinco! Um dia à toa ao Castelo entre as dunas vai, pois ao lado ali estava, porém escuro e só as ruínas avistava. As crianças que ali brincavam a outro jardim tinham migrado... Ao chegar próximo ao portão da promessa feita, o mundo realmente rodou... naquele instante notou como sua mochila agora estava bem preenchida e que a gota d’agua, o pássaro das penas-lilases, o Rei e o Guardião das Águas na sua alma estavam. A mais feliz menina, um dia princesinha, a aguardava com sua coroa de flores para coroá-la, pois havia ali pintado mil e um dias durante o seu caminho. E colorido novamente seus sonhos se tornaram...

Chega a tão aguardada hora da sua decisão: O Guardião das águas buscar e só podia achar ajuda no seu pássaro lilás. Que cinza estava, pelos anos que passava... Querido pássaro fiel, podes finalmente me mostrar o caminho do Guardião das Águas? “Lembra-se da instrução: ao me sacudires, minhas penas sobre ti cairão e um grande portal se abrirá: escuro vai estar, mas não tenha medo de entrar”. Ele sacudiu suas asas até perceber que um portal se abria: das palmas de suas mãos restou só cinzas, seu pássaro tão amado se ia e ela percebeu que para entrar ali seria somente de mãos vazias. O Guardião das Águas era tão plácido que sua presença mal se notava: então resolveu logo perguntar: Quanta coisa preciosa foi perdida em meu caminho, e como posso reencontrar? Já nem sei para onde andar! O que tenho para dar? Para sua surpresa escutou: essa busca é natural, pois com 28 você está!

A Gota da Menina Água

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Carlos José Carneiro de Vilhena

CARLOS V. EM UM PINGO Era uma vez um pingo d´água chamado Ping, que nasceu num reino muito quente e ensolarado, numa fonte que ficava entre o mar e a montanha. Ping era descendente das mais puras águas minerais que nasciam nas montanhas do interior do reino e de águas muito antigas que vieram há muito tempo de um reino distante, do outro lado do mar. Ping cresceu num regato bem tranquilo e sossegado, sombreado pela floresta e pertinho da praia. Ping sempre foi um pingo-menino muito comportado e obediente, que tinha poucos pingo-amiguinhos com quem brincava no regato onde viviam. Ele estava sempre por perto de sua pingo-mãe, que passava o dia cuidando da família enquanto que seu pingo-pai trabalhava lavando a sujeira que outros faziam. Quando estava sozinho, Ping gostava muito de brincar de encaixar pecinhas para montar as coisas e as imagens que criava em sua cabeça. Quando perguntavam a Ping o que ele seria quando crescesse, ele respondia logo: Quero ser um montador de coisas. E resolveu estudar bastante para entrar no melhor regato-escola para montadores de coisas do reino. Estudou tanto, mas tanto, tanto, que foi um dos primeiros a entrar na escola e lá descobriu que montar coisas era mesmo sua praia. Adorava desenhar, fabricar e montar. Também descobriu que era bom como representante dos pingocolegas de turma e passou a falar em nome deles com os pingo-professores. Lá, Ping conheceu seu grande pingoamigo, com quem passou a dividir os seus dias. Ping continuou estudando muito. E estudou tanto, mas tanto, tanto, que passou direto para o melhor regatofaculdade para montadores de coisas do reino. Também arrumou seu primeiro trabalho, já como pingo-desenhista de coisas. Seu pingo-pai ficou muito orgulhoso. Mas

Carlos V. em Um Pingo

tão orgulhoso que resolveu dar a Ping uma folha-carro para ele poder andar rápido de um regato para o outro. Ping estava se sentindo um verdadeiro pingo no lixo. Ele estudava e trabalhava muito, mas também curtia muito com seu grande pingo-amigo. Virou um grande pingonamorador. Mas, guardava em seu coração o sonho de um dia encontrar sua pingo-princesa. E ela apareceu um dia, meio disfarçada, como uma pingomenina muito simples. Ping demorou para perceber que era ela a tão sonhada pingo-princesa, mas depois de um tempo se apaixonou e decidiu pedir sua mão em casamento. Enquanto isso, Ping continuava estudando muito. Estudou tanto, mas tanto, tanto, que conseguiu emprego no maior lago-empresa de todo o reino e, mais uma vez, como primeiro lugar de sua turma. E foi trabalhar naquilo que mais gostava, desenhista de coisas. Só que agora, ele desenhava grandes cavernas de aço para morada de dragões cuspidores de fogo. Lá os pingo-operários trabalhavam duro, transformando o ouro negro em energia dourada. Ping sabia o quão perigosas essas cavernas eram e por isso, se dedicava como ninguém ao seu trabalho. Continuou estudando e estudou tanto, mas tanto, tanto, que virou pingo-mestre desenhador de coisas. Ping vivia muito feliz, com o regato de sua vida correndo calmo e plácido como nunca, com o casamento e o trabalho perfeitos. Logo depois, veio sua pingo-filha, aquela ungida de Deus, e seu pingo-filho, bravo como um leão. Ping trabalhava muito, e trabalhou tanto, mais tanto, tanto, que foi desafiado a desenhar, não mais cavernas, mas sim regatos para ajudar os outros pingo-trabalhadores a fazerem seu trabalho cada vez melhor. E Ping decidiu aceitar o desafio e trabalhar ainda mais. E trabalhou tanto,

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mas tanto, tanto, que foi escolhido o pingo-destaque do ano e convidado a se tornar pingo-gerente.

não quis acompanhar e ficou agarrado na beira do regato, cheio de dúvidas.

As coisas não podiam estar dando mais certo e isso deixou Ping muito seguro de si. Estava tão seguro, mas tanto, tanto, que não percebeu que as águas da vida começavam a mudar à sua volta. Uma feiticeira havia enfeitiçado sua pingo-esposa no papel de mãe, e aos pouquinhos ela foi deixando Ping de lado.

Ping não conseguia entender, e muito menos aceitar o que estava acontecendo. E pela segunda vez, Ping decidiu tentar consertar as coisas para não perder aquela que seria a companheira perfeita. E tentou tanto, mas tanto, tanto, que começou a se perder de si próprio; perdeu sua autenticidade e voltou a aproximar-se daquele fosso frio e sombrio que apagara o brilho de seus olhos e o sorriso de seu rosto.

No trabalho, ninguém lembrou de ensinar para Ping o que ele devia fazer como pingo-gerente. E ele nunca tinha estudado para isso. Pela primeira vez, Ping não sabia o que fazer para controlar as coisas. Mas seguro de si, ele não tinha dúvidas que conseguiria botá-las de volta em seus lugares e que não perderia o que havia conquistado. E mesmo com seu coração começando a dizer que era chegada a hora de transformar, ele insistiu em tentar consertar. E tentou tanto, mas tanto, tanto, que se perdeu de si próprio e afundou num fosso frio e sombrio. Lá a angústia apagou o brilho de seus olhos e a tristeza tirou o sorriso do seu rosto.

Pela segunda vez, demorou um tempão para Ping ouvir seu coração e tomar coragem para transformar. Mas fez, mesmo sabendo quão dolorido seria. E assim, Ping continua aprendendo. E um dia, talvez, tenha aprendido tanto, mas tanto, tanto, que conseguirá viver feliz para sempre.

Levou um tempão para Ping descobrir o caminho de volta e precisou da ajuda de algumas fadas madrinhas para se reencontrar e juntar coragem para transformar. Não foi fácil, mas Ping decidiu romper com sua pingo-esposa e buscar outros lugares para trabalhar. Logo, logo, o curso das águas da vida levou Ping a novos encontros. Primeiro, encontrou dois pingo-mestres que orientaram Ping de volta ao caminho de pingo-gerente. Mais para frente, ele encontrou duas pingo-amigas, verdadeiras almas gêmeas que se uniram a Ping na exploração do rio vermelho de suas vidas. O regato da vida voltou a correr calmo e plácido e Ping estava seguro de ter aprendido a lição. Decidiu montar um novo regato-casa para ele e seus filhos e voltou a ser um pingo-namorador. Lá no fundo de seu coração, Ping voltou a sonhar com sua pingo-princesa. Pela segunda vez, ela apareceu. E era tão linda e tão perfeita, que Ping a reconheceu imediatamente e decidiu mergulhar de cabeça nessa oportunidade. Mas seu coração

Carlos V. em Um Pingo

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Patricia Busatto

A MENINA AVENTUREIRA Era uma vez uma menina que, talvez muito desejada como um menino, era uma menina aventureira. Queria descobrir e explorar o mundo. Vivaz e curiosa ao extremo: O que será que tem logo ali à frente? Vamos mais um pouquinho? Deixa só eu ver... eram as atitudes tão dela... Sua primeira grande aventura aconteceu quando ela era muito pequena ainda, com um ano e meio, quando passou por uma cirurgia para tirar um dos ovários (para ficar mais parecida com um menino? Não, acho que agora já era tarde...). Ela não se recorda desta aventura, que certamente não foi uma das mais divertidas, mas sim de todo o cuidado e proteção que a cercou depois. “Não ande descalça, menina!”, foi uma das coisas que mais ouviu na sua vida. E talvez essa chegada assim já sinalizasse que o seu caminho não seria pelas escolhas mais fáceis. Intrépida, ela não gostava de toda esta proteção e aperto – e muito menos de dormir! Seu pai-herói, afeito, treinado e conhecedor das alquimias alopatas, a “ajudava” a relaxar com o uso de um “melzinho” calmante, sabor que permanece na sua memória até hoje. Em uma noite comum, quando ela ia feliz receber de seu pai a dose diária, a mãe repentinamente aparece e o repreende fortemente. Aquele momento ficou guardado na sua memória, quando a menina percebeu que talvez quem queria o seu bem podia também estar fazendo o mal. E aquele momento ficou em suspensão na sua memória, assim como ela ficou em suspensão em toda a cena. Com uma profunda sensação de desamparo, ela cresceu sabendo que pouco poderia contar com referenciais de seu ex-pai-herói. De comportamento sua mãe era muito diferente dela. Avessa às aventuras, uma pessoa para dentro de casa e da família, preocupada com as aparências, e menos preparada para enfrentar o mundo. Se não herdou dela o gosto pelas

A Menina Aventureira

aventuras, dela recebeu os valores morais, a retidão, a ética, e o anseio pela estética. Pouco, mas muito. Forjou o seu caráter. De seu pai vieram as expectativas depositadas, de quem desde cedo ensinou-lhe a ler e a queria inteligente, bonita mas também poderosa – deveria competir, ser mais, sempre mais. Ser no mundo uma pessoa importante e de destaque. Sua casa era muito pequena para ela, que queria descobrir aonde estavam as fronteiras do mundo. E para reforçar, muito sufocante, com pouco respeito pelo seu espaço. Suas brincadeiras eram então “mundo” afora, preferencialmente sobre as rodas de sua bicicleta. Nas poucas vezes que suas brincadeiras eram de casinha, era ela quem sempre saía para trabalhar e ganhar dinheiro. Aquele universo interno, que replicava o lar, não a agradava. E ela cresceu, e se envolveu em muitas aventuras. Tinha, ainda menina, fiéis escudeiros, amigos selecionados para cada tipo de aventura, imprescindíveis companheiros do caminho, com quem dividia as conquistas e as frustrações. Se no seu mundo porta adentro não tinha muita privacidade, ou espaço, mundo afora as decisões e o espaço eram seus, sem pai ou mãe invadindo ou impondo. Contando consigo mesma, foi escolhendo suas aventuras, tomando suas decisões e colecionando suas conquistas. Já maiorzinha, quanto tinha 12 anos nasceu sua segunda irmã, e ela experimentou o máximo amor que já tinha sentido até aquele momento. Mais crescida ainda, tornouse bela e desejada, mas sua diversão era a conquista dos meninos – claro que aqueles impossíveis, pois, por que não fazer disso uma aventura também? Ah, e os estudos. Como ela gostava de estudar, de aprender. Tinha muita facilidade, e muita curiosidade. Gostava das conversas profundas, gostava de ouvir as histórias das

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pessoas, gostava da música. Sempre foi boa para guardar segredos. Adorava o estrangeiro, adorava aprender línguas novas, culturas novas. Queria se comunicar, ser sua própria interlocutora, falando diretamente com os seus porta-vozes. Nada de intermediários. Nunca na superfície. Sempre profunda. Buscou o estudo de homens, que foram sua companhia preferencial por muito tempo. Sua pergunta naquela época era como funcionam as coisas, o que tem por detrás delas? Das coisas, não das pessoas. O mundo material. O trabalho, o sair, o ganhar dinheiro, vieram logo em seguida. Quanto dinheiro é dinheiro? Quanto é necessário para poder viver? Eram as perguntas que se fazia. Mas o seu mundo ficou pequeno. Queria sempre mais, estava sempre em busca. E para longe foi, acompanhada. Encontrou um guerreiro de terras distantes, e deixou a casa de seus pais, nas terras do sul. Foi para onde o Brasil era mais Brasil, onde o Brasil começou. Lá foi ela ganhar dinheiro para financiar as suas próprias aventuras, sem ter de prestar conta para ninguém. Tornou-se uma guerreira. Teve seus percalços. Demorou muito a se acostumar com o clima e o estilo das novas terras, daquele novo mundo, se é que algum dia se acostumou. Densa que era, conversas sobre amenidades não a preenchiam – e por outro lado, para os outros também era vista como um bicho esquisito. E se sentiu muito frágil para explorar. A menina aventureira ficou medrosa, insegura. E se a menina aventureira já não era mais uma menina aventureira, o que era ela então? O que era a vida? Para que estamos aqui? De onde viemos? Para onde vamos? Morte... Pavor da morte... Ninguém para compartilhar as perguntas, ninguém para refletir junto, ninguém para trocar, ninguém interessado. Ninguém. Solidão acompanhada. Depressão. Lutou muito. Criou casca, dura que só. Construiu sua fortaleza, atendeu as expectativas de seu pai, conquistou o material. Mas o mundo de dentro estava vazio. Tão vazio que quase fazia eco. Estava perdida, e perdeu seu companheiro, que disse que para ele ela não servia, mas que de fato há muito já não era mais seu companheiro. E o pra sempre morreu. Ela nem sabia mais em que jornada

A Menina Aventureira

estava. Quando achava que não dava para ficar mais perdida, mais perdida ficou. Tempo de balanço. Quando não se está preparado para tomar alguma decisão, qualquer decisão vai ser mal tomada, era uma de suas filosofias. E resolveu esperar, dar-se um tempo, ver o que o mundo trazia. Simplesmente observar. Não demorou muito e encontrou um novo amigo. Com cara de príncipe encantado. Um príncipe e uma aventureira, tem a ver? Passada uma vez por uma frustração tão grande, nenhuma seria pior, era o que imaginava. O que será que viria? Foi deixando o tempo lhe mostrar. E aquele encontro, com cara de improvável, se transformou em um grande amor. Quanta sensibilidade, quanta feminilidade vinda de um homem. Que atitude ele tinha, de correção e de sabedoria. Um homem que aprecia a arte? É, os príncipes devem ter essa criação pensava ela. Era um mundo diferente para a menina-mulher aventureiraguerreira. Mas ela, com forças semi recuperadas, decidiu se entregar àquela aventura. E o príncipe lhe deu uma princesinha. No começo ela não soube honrá-la no nível que ela merecia, porque era mais um empecilho para suas aventuras, como uma âncora que a forçava ficar dentro de casa. E para completar, descobriu uma doença, como que pedindo-a para parar e desacelerar. O príncipe, dono de uma fortaleza interna tremenda, a fez experimentar pela primeira vez um amparo incondicional. E pela primeira vez na vida ela parou e se deixou cuidar. Logo depois, outra princesinha veio, que a coroou Rainha e fez de seu príncipe um Rei. E com eles, suas princesas e seu rei, ela descobriu o calor do seu reino, a sua dimensão, e como era possível viver aventuras tão lindas dentro dele. E aquela casa, onde ela nunca se sentiu realmente em casa, ficou há muito para trás. Agora a menina aventureira havia crescido, e formado a sua família e a sua casa. E lapidado cada espaço deste mundo interno, do jeitinho que ela nunca imaginou mas sempre quis, tão ricamente e tão repleto, que as aventuras dentro dele são inimagináveis, incontáveis,


infindáveis e muito diversas. E seu coração cresceu e cresceu e hoje dá conta de todas as pessoas que passaram e passam pela sua vida. E ela pela primeira vez olhou o céu e descobriu nele tantas estrelas e planetas e constelações, e principalmente estrelas-guia.

Então agora ela está sentindo que é hora dos limites do seu reino se alargarem, hora de transcendê-los. Está se fortalecendo e sente-se que está próximo o momento de se preparar para a sua próxima aventura. Mas não qualquer aventura. É momento de transbordar os limites, com a certeza de ter sempre este porto seguro aqui de dentro para a alimentar.

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Angela Vega Martinez

A PRINCESA ESTRELA Era uma vez uma princesinha que vivia em um lindo castelo em uma aldeia. O castelo era branco, com janelas e portas de madeira. Seus pais, o Rei e a Rainha, tinham vindo de um reino muito distante, em terras do além-mar e, como acontece em contos de fadas, conheceram-se durante a viagem de navio; depois, encontrando coisas em comum, decidiram se casar. Nove meses após, nasceu a princesinha de pele branca e olhos castanhos, a Princesa Estrela. E ela cresceu cercada de árvores e flores, sendo cuidada pela Rainha Mãe e por sua Duquesa Tia-avó. Quando ela fez 4 anos, nasceu sua irmã, a Princesa Morena; e aos 8 anos, nasceu seu irmão, o Príncipe Olho Verde. No início, ela era quieta e calada e aos poucos foi despertando para o mundo exterior, fazendo amizades na aldeia e na escola. Era uma princesinha estudiosa e, quando uma ninfa que vivia na aldeia lhe mostrou o caminho até a biblioteca, os livros também passaram a lhe fazer companhia. Deles aprendeu muitas coisas e com eles alimentava sua imaginação e sua capacidade de sonhar. Ela se sentia atraída pela religião e pedia para ir à missa na Capela próxima à aldeia. Recebeu o sacramento da Primeira Comunhão, seu primeiro encontro com Jesus. Todos os anos, os Reis costumavam levar seus filhos a um Santuário onde eles precisavam subir um degrau para cada dia do ano para chegar até a Capela. Essas jornadas já configuravam sua primeira peregrinação. Quando estava sozinha, escrevia em seu diário e, às

A Princesa Estrela

vezes, sentia-se diferente de todos, como se tivesse uma marca, e sofria com isso. Aos 12 anos, seu pai enviou a Rainha Mãe com as duas princesas e o príncipe para o reino distante, a fim de conhecer a família distante e o lugar onde o Rei e a Rainha haviam nascido. Foi um tempo maravilhoso, e a Princesa Estrela pôde conhecer suas origens, a língua daquele outro reino e alguns povoados históricos a que a Rainha Mãe a levou. Em um deles, havia uma rara comemoração religiosa (somente acontecia de tempos em tempos) e de lá trouxe uma concha comemorativa. Uma estação do ano passouse, e a Rainha Mãe com seus três filhos retornaram para o castelo na aldeia. Com o crescimento das princesas e do príncipe, os Reis decidiram mudar-se para um castelo maior em uma aldeia vertical. A princesa crescia e se desenvolvia, estudando, convivendo com seus irmãos e participando da comunidade na Capela próxima. Como ocorria com todos, chegando à maioridade a princesa precisou escolher um caminho e, como ela gostava dos vários campos do saber, escolheu dois para seguir: a comunicação e a química. Começou então pelas artes da comunicação, interrompeu e decidiu seguir pela química. Naqueles tempos ela já se interessava por pessoas e suas relações. A princesa não sabia que, ao nascer, havia recebido quatro tarefas, as quais seriam reveladas ao longo de sua vida, à medida que ela fosse cumprindo as etapas e realizando as tarefas. A primeira delas foi usar suas habilidades para


dominar a química das substâncias e coordenar pessoas. Enquanto desenvolvia essa tarefa, ela percebeu que precisava ampliar seu campo de conhecimentos.

nasceu um menino pequenino, cujo nome já escolhido, confirmava-se pela batalha que precisou vencer para nascer: David.

Em um dos passeios na natureza que a princesa gostava de fazer, juntamente com seu grupo de amigos, ela cruzou o olhar com o Príncipe Olho Azul, e ficou encantada por ele. O tempo passou e passou e, por um capricho do destino, a princesa voltou a encontrá-lo. Dessa vez, o relacionamento começou e se solidificou com o pedido dele aos Reis para desposar a princesa. As bodas aconteceram no mês das noivas, e a princesa casou, seguindo a tradição familiar, com a mesma idade que a mãe dela tinha ao se casar. E eles foram viver em um castelo que o Rei havia construído para eles em outra aldeia vertical. E a vida seguiu...

Enquanto a Princesa Estrela estava realizando sua segunda tarefa – trabalhar com “alquimia de gente” – eis que surge uma fada madrinha em sua vida e a leva a ser reconhecida como Princesa chefe. A fada madrinha também a apresentou a uma Sociedade que usava arquétipos inspirados em um conhecimento milenar e muito profundo, e ela conheceu um mago de cabelos brancos, que muito a impressionou na sua forma de lidar com os grupos. A princesa juntou-se àquela corrente e começou seu caminho de iniciação naquele conhecimento antigo, com a sensação de que havia encontrado seu destino.

Em sua busca por autoconhecimento, aos 28 anos, a princesa sentiu surgir um chamado em sua alma e tomou a decisão de ir peregrinar naquele reino distante dos seus antepassados. Seguiria um caminho medieval por onde muitos já haviam passado e que levava ao Campo das Estrelas, onde diziam que o Apóstolo Santiago estava sepultado. Ela se preparou e, aos 29 anos, levando a concha comemorativa trazida de lá aos 12 anos, percorreu os 800 km que separavam o início sofrido do final glorioso. O segundo encontro com Jesus Cristo aconteceu nessa peregrinação. A princesa entrou em contato com diferentes “famílias”, peregrinos que, como ela, estavam no caminho... Aprendeu que obedecer a seu ritmo interno era muito importante e sentiu que o caminho era uma preparação para a maternidade.

E o tempo passou a rodar, a rodar, rodar... A princesa se desenvolvia e amadurecia.

No ano seguinte, a Princesa Estrela engravidou e, juntamente com o Príncipe Olho Azul, começou a preparação para receber a criança que passaria a fazer parte da vida deles. A barriga da Princesa começou a crescer e foi crescendo, crescendo até que, em uma noite de lua cheia, um sinal anunciou que a criança estava a caminho. A Princesa tinha muito desejo de ter seu filhinho em um parto especial para o qual tinha se preparado. Contava com a fada Fadynha e o mago Rios do Nascimento, conhecedores da antiga arte do parto natural, para que a criança nascesse com a força dos antigos. Depois de horas de trabalho intenso e na presença do Príncipe pai,

Então, nuvens negras caíram sobre a cidade e um bruxo lançou uma maldição sobre a princesa para que seu trabalho não fosse mais valorizado. Foi quando um Cavaleiro encantado vindo de outro reino a salvou, e ela encontrou outra missão junto às pessoas com as quais já tinha convivido em tempos idos. A princesa queria manter-se quieta no seu canto, mas isso não foi possível porque ela não conhecia essa forma de agir... Ao demonstrar suas habilidades, a princesa caiu nas graças de uma mulher muito poderosa, sendo seduzida por seu convite para conhecer o castelo dela e seus afazeres. Entrando em contato com as atividades dessa mulher poderosa, ela vislumbrou uma possibilidade de aplicar as habilidades que vinha desenvolvendo em sua vida. Com o passar do tempo, ela percebeu que a mulher era uma bruxa disfarçada e que estava novamente em perigo. Ao ser jogada de volta no furacão, novamente surgiu o mesmo cavaleiro encantado que já a salvara, oferecendo-lhe abrigo em um novo campo. Ela passa a aprofundar seu conhecimento em transformações. Percebe então que está realizando a terceira tarefa – entender e estudar as relações entre as pessoas, entre os grupos, a circulação do poder.

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Em um dos projetos que a Princesa Estrela desenvolveu, surgiu uma amizade profunda com uma princesa de outro reino, a Princesa Be que a levou de volta ao mundo das corridas. No ano em que fazia 17 anos que a Princesa Estrela havia peregrinado, outro chamado surgiu e, dessa vez, não seria o caminho dos templários e dos celtas. A Princesa Estrela e a Princesa Be percorreram antigos caminhos romanos, desde as terras de Portucale até chegar à Hispânia, ao Campo de Estrelas. A princesa foi percebendo que já tinha realizado as 3 tarefas que lhe haviam sido conferidas e continuava a seguir seu caminho, persistentemente, buscando significados... Era chegado o tempo de iniciar a quarta tarefa. “Por onde começar?”, a princesa se perguntava. Decidiu prosseguir em seu caminho iniciático na Ilha da Magia, onde havia uma maga muito sábia que inspirava muitas pessoas, inclusive a princesa. Junto

“ A Princesa Estrela

a essa maga trabalhava um grupo de escolhidos, homens e mulheres entusiasmados, que orientavam os iniciados. A princesa entrou em contato com muitos conhecimentos ancestrais e entendeu que aqueles conhecimentos seriam necessários para sua próxima tarefa. Como um presente vindo do infinito, chegou às mãos da princesa um livro encantado, enviado por um Elfo, companheiro de jornada... e ela descobriu muitas coisas, entendeu algumas delas e percebeu que precisava esperar para entender as outras... Navegando nos ensinamentos contidos naquele livro, ela entendeu que o verdadeiro encontro com Cristo acontece em seu coração, dentro do peito. Por fim, a princesa percebeu o quanto era abençoada pelas oportunidades que teve, pelas pessoas que conheceu, pelas ocasiões vividas, por isso, abriu os braços para os Céus e agradeceu por todo seu caminho e seus aprendizados. Sentia-se fortalecida e renovada para prosseguir em sua missão. E, se ela não morreu, vive até hoje, até o dia que Deus quiser.

E O TEMPO PASSOU A RODAR, A RODAR, RODAR... A PRINCESA SE DESENVOLVIA E AMADURECIA.

A princesa seguiu seu caminho aplicando os ensinamentos aprendidos e o mundo “passou a rodar, a rodar, a rodar...”

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Andrea Amaral de Almeida Prado

A MENINA E AS SEMENTES No mundo dos sonhos, onde tudo era e não era, vivia uma linda menina muito feliz. Vivia num bosque encantado, de pés descalços, a correr. Logo ali borbulhava o riacho alegremente e passarinhos voavam e cantavam sem parar. Numa simples casinha com chaminé ela morava. Sua mãe cuidava dela com esmero e fazia pães deliciosos que saíam quentinhos do forno. Seu pai era lenhador e mantinha o fogo sempre aceso. Ele conhecia as histórias das estrelas e as contava à noite antes da menina adormecer contente... Mas do mundo dos sonhos, uma hora acordamos e numa outra história nos lançamos. E assim foi: Era uma vez onde foi onde não foi uma menina que carregava sementes de perguntas preciosas em seu coração. Nasceu relutante mas forte e saudável numa fresca tarde de primavera, quando as primeiras flores se abriam depois do rigoroso inverno... foi num reino distante, lugar de conhecimento e tradição, de uma beleza sólida. Sua mãe era jovem princesa, filha de um poderoso rei de terras distantes e seu pai, também jovem e estudioso, tornara-se príncipe ao casar-se com a princesa. Eram jovens pais, recém-saídos do ninho, dando seus primeiros passos no vasto mundo. A menina às vezes chorava forte, imersa na insegurança dos dois jovens. E assim ela passou seus primeiros meses neste reino distante, onde no inverno um manto branco cobria toda a terra e os pássaros voavam para regiões mais quentes. E assim aconteceu que também ela voou com seus pais para terras mais quentes, para a terra onde seu avô era rei. Lá foi crescendo debaixo de um sol que brilhava forte, terra das palmeiras, das águas, de uma natureza exuberante que a menina ainda não conhecia. Havia um calor diferente nessa terra, e a proteção do velho rei e da velha rainha que em tudo mandavam. A menina era feliz quando ia de férias com seus priminhos reais e convivia com as vacas

A Menina e as Sementes

e seus bezerrinhos, com os cavalos correndo no pasto e podia olhar as estrelas brilhando no céu escuro à noite. Que delícia tomar o leite quentinho da vaca! Mas nem tudo era bom e belo nesse reino pois ventos gelados muitas vezes sopravam e por mais que a menina fechasse as janelas, o vento encontrava frestas por onde passar... e nestas horas ela sentia frio pois não sabia ainda se esquentar. E então não havia nada melhor do que correr para debaixo das saias de sua madrinha do coração; só ali a menina encontrava o abrigo que tanto buscava e um calor verdadeiro. Era uma menininha linda e tímida que trazia consigo as qualidades de sua terra natal, observadora, séria e compenetrada. Ela podia ficar horas escutando as conversas das suas tias, jovens princesas, no palácio real; elas teciam em palavras imagens de um universo feminino fascinante e colorido. Sua mãe nem sempre a compreendia pois era falante e vergonha de nada ela tinha... E assim começou a brotar uma primeira pergunta preciosa no coração da menina: por que sua mãe era de um jeito e ela de outro? Pois as diferenças ela percebia... Um belo dia a jovem menina soube que partiria novamente para terras distantes, junto com seus pais, o príncipe e a princesa. Houve uma grande despedida, sentiria saudades de sua querida madrinha, do rei e da rainha. Viajaram noite afora, era uma grande aventura que se iniciava agora. A menina sentiu-se lançada de repente num mundo que lhe pareceu enorme e sem limites, sem proteção. Que língua estranha era esta que se falava lá? Tudo ali lhe lembrava sua terra natal, mas esse reino era ainda mais antigo: era um reino sóbrio, com centenas de anos de história e

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tradições, de reis, rainhas, príncipes e princesas, gnomos e fadas. Terra cinzenta e fria, com belos castelos, palácios e construções. E a alma da nossa pequena heroína deleitavase com a beleza, a ordem e o conhecimento criados pelos homens deste reino. Era um belo lugar.

ajuda e proteção. Suas preces foram escutadas e uma capa especial ela ganhou: da mais pura seda era feita e assim que a vestia, invisível ficaria. Um escudo de ferro, forte e pesado também recebeu: assim se protegia e os raios e trovões não a atingiam.

Porém muitas dificuldades aqui veio a enfrentar. Muito cedo percebeu as diferenças que havia nos costumes desta terra mais séria e fria. E tratou de se adequar para não ficar de lado. Boa menina haveria de ser, e boas maneiras assim aprender.

Nos contos e livros se refugiava: e com as histórias de damas, cavaleiros, heróis, santos, fadas e monstros se deleitava. Era um mundo encantado. Sonhava com histórias dos vestidos tecidos com os fios dourados do sol, prateados da lua e brilhantes das estrelas. Brincava também: das suas bonecas cuidava com esmero, às vezes mãe, às vezes mestre, ninando e ensinando.

O príncipe, seu pai, vivia a viajar, sempre distante. Sem a proteção do rei e da rainha, a princesa indefesa sofreu um terrível feitiço e numa bruxa apavorante se transformava sem aviso. Trágico era que a princesa, de bom coração, nada sabia do feitiço, aquilo que fazia enquanto bruxa e depois tudo esquecia! A menina não podia mais refugiar-se debaixo das saias de sua querida madrinha. Nuvens negras e espessas frequentemente pairavam no ar, mal dava para respirar. Quando a bruxa se revelava, terríveis ataques lançava, uma força destrutiva que tudo queria aniquilar. A menina descobriu que sobrevivia: havia um lugarzinho escondido no seu coração que nem as mais terríveis palavras da bruxa conseguiam alcançar, era um lugar sagrado, e ali a menina descobriu-se forte. E com toda sua força, a menina à noite se ajoelhava e rezava pedindo

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Pela manhã a menina escapava, pois havia um outro lugar onde podia respirar e ali passava horas aprendendo com professores especiais, que acendiam nela o desejo de saber cada vez mais... música, teatro, história, geografia, línguas, literatura...até os números lhe davam prazer... séria e compenetrada, curiosa e observadora, assim continuava e até prêmios ganhava. Amigas tinha de vários cantos do mundo: e com estas amigas cresceu, numa amizade especial que nunca mais perdeu. Com todas elas a menina aprendia e se divertia. Muitas viagens chegou a fazer e culturas diversas conhecer. Cada língua tinha um som e cada povo seu jeito... em algumas coisas iguais, em outras só se enxergavam defeitos. Tudo isso a menina não se cansava de observar e depois se


colocava a pensar... Um dia o sol nasceu brilhando especialmente forte. De sua madrinha querida um presente especial ganhou, pois a ela seu filho caçula confiou...que honra, que alegria, ser madrinha, tão novinha. Os anos foram se passando, a menina tornava-se bela jovem. O príncipe e a princesa não mais se entendiam, e com guerras e batalhas todos conviviam. Crescia em seu coração o desejo de tornar-se logo grande, sua vida conduzir. Contava mesmo era consigo, não podia se iludir... Tantas coisas queria realizar e diferente se tornar. E mais perguntas preciosas não paravam de brotar: Pertenço aqui ou pertenço lá? Qual é meu lugar? De onde venho? Para onde vou? Quem afinal será que eu sou? E no meio de uma tormenta, breve sonho viveu pois seu primeiro amor conheceu. Agora ela sabia que seu lugar seria no reino de seu velho avô, terra quente onde conhecera o calor. Com ajuda de uma fada madrinha, que a princesa convenceu, a jovem moça pôde enfim para o ensolarado reino regressar. Trazia consigo sua capa e seu escudo pois com eles ainda buscava refúgio. Com grande alegria chegou: agora nada mais a impediria de seguir o seu caminho... Uma coisa não havia como negar, ela estava para sempre dividida, com um pé lá e outro cá. “És neta do rei” lhe diziam, mas simples moça se sentia. E assim como intuía não tardou a conhecer belo rapaz, com olhar gentil. Nele poderia confiar e viu que bom pai um dia seria. Casaram-se e foram morar num aconchegante ninho, pois a moça descobriu-se artista que com cores e magia transformava um espaço em branco num lar quentinho. E a moça frequentava um lugar onde aquilo que mais a fascinava podia estudar: os mistérios do ser humano procurava desvendar. Quem somos afinal? E nos mais profundos recintos mergulhava em busca das respostas... pois precisava compreender, e se conhecer. Uma coisa aprendia: bruxa às vezes também ela era, mas o segredo era não adormecer, manter-se acordada. De braços dados com

a bruxa, quase comportada ela se tornava! E assim a moça se abastecia para trilhar o seu caminho. Um dia sonhou que três filhos ela teria, já há anos sabia que mãe um dia seria. A hora certa chegou e assim aconteceu: a primeira filha, tão esperada, nasceu: era doce e tranquila e forte cresceu. Com ela a moça tornou-se mãe e muito aprendeu. As perguntas preciosas brotavam sem parar, tudo havia para questionar! O nascimento, que momento sagrado! Mas numa linha de montagem, assistida por robôs a magia desaparecia, parecia feitiçaria. A moça foi pesquisar e muito descobriu, especialmente que havia, outra forma mais gentil. E, determinada, as boas novas espalhou: para todas as mulheres do reino contou. Assim aconteceu que seu segundo filho nasceu: em casa, em seu ninho. E ela o recebeu inteira, feliz em poder este sagrado mistério viver. Alegre, curioso, com coração de ouro foi crescendo e com ele a moça aprendendo. Um menino e uma menina, diferentes eles eram desde pequenininhos. Agora formavam uma família... mas ainda faltava uma. Também muito aguardada, esperava sua hora, e assim finalmente a terceira filha chegou sem demora. A própria criança ela era e com sua graça a todos encantava. Que privilégio acompanhar os três filhos a caminhar: crescendo, mudando e se desenvolvendo. Cada um era um, havia uma essência que a moça descobria. Tudo questionava e queria saber: onde vão estudar, o que precisam aprender? Como posso educar, no que devo mudar ? E assim sobre o ser humano aprendia e se conhecia. Com muitas pessoas queridas cruzou, e com cada uma delas alguns passos a mais andou. Uma noite, sem conseguir dormir, envolvida por luz amorosa ela foi, e assim , embalada, adormeceu. Aquilo que era crença, ela enfim experimentou e muito a tocou. Diálogos com os Anjos buscou e novos caminhos assim trilhou... Algo havia mudado, apontando uma nova direção: lembrou-se agora que sozinha de verdade, nunca estivera então. Mas algo faltava, não estava completo, vivia pela metade e um vazio sentia... É que todo esse tempo a moça, agora mãe, continuara carregando sua capa e seu escudo. Preciosos eles eram e grande serviço lhe haviam prestado, mas a hora chegara

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de deixá-los de lado. Agora a atrapalhavam, pesados se tornaram, e com eles ficava difícil caminhar, deixar-se amar. Leve ela queria ser, dançar, pular e cantar sem pensar... Pois da bruxa agora estava salva, não precisava mais se proteger, era somente dentro dela que a batalha se daria e o medo venceria. Passo a passo ela iria, sem nunca desistir, experimentando como era aparecer e se abrir. Gratidão sentiu por tudo ter passado, se não como teriam tantas perguntas brotado?

A Menina e as Sementes

Acontece que um dia a moça, agora mulher, às vezes ainda menina assustada, de uma vez se deu conta: espiou dentro de si e viu no meio das sementes e dos brotos, (que ainda haviam) frondosa árvore que agora crescia. Olhou mais de perto e enxergou: carregada de deliciosos frutos estava. E como todo conto bem termina, à colheita se dedicou nossa heroína!

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Nelson de Campos Pires Jr.

APRENDENDO A OUVIR O VENTO Num certo lugar denso do espaço, onde o tempo era contado pelas voltas ao redor do Astro Rei e os dias e as noites pelo girar ao redor de si próprio, Rei e Rainha, descendentes de ancestrais que vieram de outras paragens em busca da fortuna e da riqueza, conceberam um Príncipe. Era comum que fosse assim naqueles tempos. No pequeno Castelo da Vila, viviam o Rei e a Rainha e o Príncipe, sempre visitados pela Rainha Vó, que sabia muitas coisas. Acho mesmo que sabia de tudo e era mandona como ela só. Aos 3 anos do Príncipe, mudaram-se para um Castelo da Torre. Virava moda morar alto do chão. Lugar bom, espaçoso, perto da escola e perto de tudo. Ali o Príncipe tinha seu próprio aposento, às vezes visitado, em geral de manhã, por um amiguinho que aparecia e desaparecia. Quando vinha, convidava para brincar. Não dava medo. Só era estranho.

Gostava de discos voadores (chegou a ver dois) e até pensou em ser astronauta. Como mostrava interesse pela música, ganhou um piano e foi estudar e aprender a repetir o que chamavam de clássicos. Já com 11 anos, nova fase escolar se iniciava. Ia-se de uniforme a um lugar onde o nome, ginásio, significava “lugar onde se vai nu”. Estranhos esses terráqueos. As amizades se consolidavam e um vento musical totalmente diferente do que até então se ouvira, soprava do oeste da Europa. Eram os 4 Meninos de Liverpool. Aquele som (o Príncipe tinha então seus 12 anos) mexeu-lhe a

Rei e Rainha, trabalhadores que eram (estranhos esses Reis, não?), precisaram contratar uma pessoa que cuidasse do pequeno e dos afazeres do castelo. Dirce era seu nome. Ouvia o dia inteiro uma estranha caixa de madeira que acendia por dentro e às vezes tocava músicas e às vezes dela saíam vozes. E o Príncipe, desde cedo, gostava de ficar ouvindo tudo o que dali emanava. Era, talvez, o primeiro vento que ouvia. Aos4 anos era hora de ir para a escola. Chamavam pré, talvez porque fosse muito cedo mesmo para se começar qualquer coisa. Lá havia muitas crianças e muitas brincadeiras. Dona Chica cuidava de todos. Aos 7 era hora de começar o estudo sério. Desvendar os mistérios da junção das letras e dos números. Nesse tempo fez amigos que até hoje vez por outra se encontram.

Aprendendo a Ouvir o Vento

cabeça. E tanto ouviu e tanto gostou que aos 15 anos trocou o piano por aquele instrumento estranho de seis cordas que fazia um barulho de se ouvir muito longe. Não demorou

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para juntar-se aos amigos (sim, alguns daqueles mesmo) e formarem um grupo. Compunham letra e música. Os encontros eram num lugar do castelo de um deles onde se guardavam as carruagens. Todos os sábados. Sem exceção. Que vento seria esse? Era morno, leve, agradável. Estranhos poderes tinham aqueles encontros. Espantavam quaisquer bruxas que estivessem na ronda. E, querem saber? Funciona muito, mas muito bem até hoje. Mas, estudar para, como diziam os antigos, ser alguma coisa na vida, era mais importante. Assim mudou, por volta dos 16 anos, para uma “escola mais forte”. Foi uma quebra importante. As pouquíssimas amizades que lá fez, não levou adiante. De lá não se lembra de quase nada. Coisa que ajudou no futuro foi o aprendizado daquela língua que se falava em Liverpool e na América do Norte. Era muito bom poder entender o que cantavam aqueles grupos de fora. E aí a tal da escolha do que aprender para tornar ofício. Era até meio fácil. Não havia muitas opções: Medicina, Engenharia, Direito ou Normal. Ficou então o Príncipe, utilizando um critério de exclusão por simpatia, com a segunda opção. Não dá para dizer que foi infeliz com a escolha. Afinal, era assim que devia ser. Se teve aí um vento, passou despercebido. Lá pelos 22 anos, conhece aquela que viria a ser sua Princesa. Linda como ela só. Que ventania! Não demorou muito, aos 24, casaram-se, mudaram-se para seu próprio palácio, e lá tiveram as três princesinhas, que desde então, graças aos cuidados (e à beleza) da Princesa Mãe, só trouxeram brilho e alegrias para esta família. Por volta dos 28, passaram um ano em outra terra, na época só com a primeira Princesinha. Isto se repetiu 10 anos depois, por algo mais que 2 anos, já então com as três meninas. Aquele aprendizado da outra língua foi decisivo para que tudo desse certo. 40 anos. Alguma coisa incomodava. O sentimento não era dos melhores. Será que era aquilo mesmo que o Príncipe queria fazer de sua vida profissional futura? Não sabia. Não sabia a quem perguntar. Será que estava certo duvidar de

Aprendendo a Ouvir o Vento

um “emprego tão bom”? Estava surdo e insensível ao vento. Como se todas as portas e janelas estivessem fechadas. Aliás, nem pensou nisso. Vez por outra, ainda aconteciam os encontros que espantavam as bruxas e as coisas seguiam seu curso. Esta sim: brisa boa, acariciante. De volta das Terras do Norte, lá pelos 41 ou 42 anos, soprou um vento novo. E o Príncipe ouviu. Fora convidado para redigir e ministrar um treinamento. Aquilo foi muito bom. Deixar a técnica um pouco de lado e exercitar uma outra instância, nunca antes experimentada para valer. E não parou por aí. Entre os 45 e 49 anos, assumiu posições de liderança, onde compreendia (e se preenchia) cada vez mais dinâmicas muito diversas daquelas em que por tanto tempo se detivera. Desse momento em diante, a partir dos 50 anos e até hoje, sua vida tomou outro rumo. Começou a dedicarse a compartilhar seus conhecimentos técnicos e buscar fundamentos para aprofundar o entendimento do ser humano sob um ponto de vista diferente. E agora, com 61 anos, está todo ouvidos para outros ventos que já sopram: um principezinho neto que já chegou, trazendo alegrias e movimento para toda a corte. Outro vento, ainda uma leve brisa, fala de um novo castelo, com torre e tudo. Diz que lá terá um porão para os hobbies e, lembram-se? Um cantinho para aqueles encontros musicais mágicos. O que mais virá .............? Que soprem os ventos!

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Paulo Muro

AS AVENTURAS DE PÍ Um conto de fadas

Num reino de um país muito grande vivia um mercador. Para fazer seus negócios visitava muitos artesãos, produtores e fabricantes de tantas coisas. Por isso, ele ia a muitos lugares, às vezes longe, e às vezes mais perto. Esse mercador era muito sábio. Conhecia muitas coisas e muitos lugares. Conhecia lugares que nem mesmo para lá tinha viajado. O mercador era casado com uma mulher muito bonita, simpática e que era bastante querida por todos do reino. Ela ficava em casa cuidando de seus três filhos. Seu filho mais velho, chamado de Pí, gostava muito de ficar com ela. Ele tinha muito medo que alguma coisa acontecesse a sua mãe. Quando ela saia para fazer compras no comércio do reino, costumava levar o menino com ela. Mas às vezes, quando não podia levá-lo, ele ficava em casa com muito medo que algum mal pudesse acontecer à sua mãe no caminho que passava por uma floresta muito densa e perigosa, e que algum acidente pudesse acontecer com ela. Temia que ela não voltasse. Pí era muito curioso e gostava de ouvir as histórias que o mercador contava de seu trabalho e outras histórias engraçadas que o faziam rir muito. Algumas vezes a família viajava para passear. Iam normalmente a uma aldeia que ficava perto do mar. Desde muito pequeno Pí, como também seus irmãos, já conhecia o mar. Embora

As Aventuras de Pí

ainda fossem crianças, já sabiam construir castelos, estradas e túneis. Em seus castelos viviam príncipes e cavaleiros. E pelas estradas e túneis passavam carruagens e carroças com cargas e com pessoas. Mas o mar se enfurecia e ondas gigantescas invadiam a aldeia destruindo os castelos, as estradas, os túneis e tudo mais que eles tinham construído. Mas não desistiam. No dia seguinte voltam lá e construíam tudo de novo, ainda maiores e mais bonitos. Durante as viagens, o mercador ia mostrando para o filho as oficinas e as fábricas que estavam no caminho. Pí ficava admirado por saber onde eram feitas as coisas. Por isso, na carruagem em que viajavam, o menino sempre queria ficar perto do pai, para ouvir as histórias e saber o que eram aquelas construções que existiam no caminho. O menino sabia andar acima dos telhados e das árvores. Ele apenas relaxava o corpo e conseguia flutuar voando levemente e lá de cima podia ver as pessoas as coisas que estavam no chão. Mas ele foi crescendo e pode ser que por ter ficado mais pesado, não conseguia mais fazer esses voos. Parece que seus pés foram ficando mais fixados na terra, o que não mais permitia que ele flutuasse.

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No reino aconteciam muitas batalhas entre os povos. Pí participou de muitas delas. Faziam uso de armas poderosas, construídas de madeira e borracha que atiravam rajadas de mamonas contra os terríveis inimigos. Havia os povos das aldeias do Jardim São Paulo, que queriam invadir a aldeia em que Pí e seus amigos moravam. Outros, como os da Rua São Francisco, eram bárbaros que atiravam também pedras além das mamonas. Se não fossem combatidos poderiam tomar a aldeia e ocuparem os campos onde aconteciam os jogos entre as aldeias. La perto, depois de umas colinas, havia um grande lago em que morava um monstro devorador de crianças. Quando as crianças percebiam que o monstro iria sair do lago, elas subiam num rochedo muito alto e lá ficavam observando o monstro. Quando ele saia do lago para subir no rochedo atrás delas, todas pulavam para o lago e nadavam fugindo do monstro. Então o monstro também pulava e perseguia as crianças. Sempre conseguia pegar algumas. O mercador era um homem bom. Mas era muito bravo e costuma bater nos filhos quando eles faziam coisas erradas. Na verdade, muitas vezes todos eles apanhavam, e apenas um tinha de fato feito algo errado. Pí sentia que isso era muito injusto. Aceitava seus castigos quando os merecia, mas os castigos injustos o deixavam com muita raiva. Ele então prometeu que quando crescesse, e também tivesse seus filhos, jamais bateria neles. O tempo foi passando e o menino cresceu e precisava ir para escola. Ele gostava muito da escola. Sentia-se importante porque ia à escola. E aprendeu muita coisa sobre o mundo. Conheceu novos amigos e mestres inspiradores.

As Aventuras de Pí

Nessa época o mercador não estava conseguindo ganhar muito dinheiro. E a vida foi ficando um pouco mais complicada. Mas as coisas principais, como a comida, nunca faltavam. Ai então Pí pensou que logo poderia fazer algum trabalho e assim também ganharia algum dinheiro. Além disso, se ir à escola o fazia importante, trabalhar o tornaria um cavaleiro de verdade. Na aldeia acontecia um mercado de rua, bem ao estilo medieval, onde os camponeses vendiam frutas e verduras para as pessoas que lá moravam. E Pí queria vender limão na feira. Mas o que ele realmente fez, foi construir uma enorme carroça e então transportava as compras para as pessoas da aldeia.

E o tempo passou de novo. Agora Pí trabalhava de verdade. Tinha responsabilidades e procurava fazer tudo bem feito. Organizava as coisas, os processos de trabalho e foi aprendendo a criar as formas e os instrumentos que os outros usariam para o trabalho. Um dia conheceu a filha de um cavaleiro que tinha vindo de outro reino. Eles se gostaram, casaram e tiveram duas filhas. A Ma, e a Cê. Então agora, Pí não era mais um menino que aprendia com o pai, mas era um pai que aprendia com as filhas a ser pai. Sabia que tinha que ensinar muita coisa para suas filhas, até mesmo o que ele ainda nem sabia. Ele gostava muito das filhas. E como tinha aprendido com o pai, também procurou ser um bom pai para elas. Com confiança


ele cumpriu o que havia estabelecido para si, e assim suas filhas jamais apanharam dele. E também pensou: ai do marmanjo que um dia aventurar-se a bater nelas. Para Pí, essas meninas eram o tesouro mais precioso que tinha construído e fez tudo para que elas fossem felizes e pudessem aprender bastante sobre o mundo.

Um segredo que desafia, Uma dúvida que provoca, Um enigma que encoraja, Uma mística que fascina, Um brilho que deslumbra, Uma leveza que seduz.

Eles tiveram um casamento feliz, mas não foi daqueles que viveram felizes para sempre. Cada um tinha uma aventura diferente para viver. E assim, cada um foi viver sua própria aventura. Pí ficou triste porque perdeu o contato cotidiano com suas duas filhas queridas.

Enfim, guarda um tesouro, Que não basta enxergar, É preciso aprender a conhecê-lo, É maravilhoso senti-lo. Foi assim que Pí se encantou com o porta-joias. Percebia que era algo especial e que embora fosse pequeno, guardava muitas coisas valiosas que não caberiam nem mesmo num enorme depósito. O porta-joias também poderia criar muitas outras coisas também valiosas. Mas ainda estava fechado e ele não sabia como abri-lo.

Pí já era um cavaleiro que nas batalhas comandava um grupo que lutava bravamente pelo mundo. Eles enfrentavam dragões que cuspiam labaredas e Pí sabia que era preciso preparar essas pessoas para que também comandassem grupos para combater outros dragões. E assim ajudá-las a se tornarem cavaleiros confiantes e capazes. Foi então que ele conheceu um sábio marceneiro que havia vindo de muito longe. Ganhou dele um valioso presente. Um pequeno porta-joias.

Algum tempo se passou e quando Pí voltava de uma batalha por uma floresta, encontrou um alquimista que lhe falou sobre o porta-joias. Disse que era realmente mágico e que se Pí o beijasse de forma verdadeira, poderia libertar o porta-joias de seu encanto. Mas se o encanto não se quebrasse, uma maldição cairia sobre Pí e ele seria infeliz para sempre. Então, Pí refletiu e pensou, e depois ponderou: Seria realmente possível realizar aquilo que o alquimista lhe desafiara? E se ao beijar o porta-joias o encanto não se quebrasse? Estaria então amaldiçoado? Concluiu que valia a pena correr o risco. Assim um dia, quando teve oportunidade, tomou coragem e então beijou o porta-joias. Nesse instante, um silêncio ocupou o tempo, e silenciosamente o tempo parou por um momento. Então o porta-joias foi se transformando numa linda princesa por quem Pí já estava apaixonado.

De muito longe, O marceneiro veio acompanhando o sol. Ficou aqui, porque era o seu lugar. Construiu sua obra de artista, Onde trancou sua riqueza: Um mistério que assusta,

Pí e a princesa se casaram. Dessa vez não tiveram filhos. Foram morar num castelo e uma das filhas de Pí foi morar com eles. Foi um período muito bom. Por um tempo Pí e a princesa lutaram juntos em algumas batalhas. Venceram a maioria. Mesmo aquelas que não foram vencidas, serviram

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para enfraquecer os inimigos, e preparam o terreno para os futuros cavaleiros lutarem com mais chances. Foi uma jornada significativa na vida. Ambos ainda hoje se orgulham do que fizeram em suas aventuras. Viajaram juntos por vários outros reinos. Conheceram lugares maravilhosos, entenderam a cultura desses povos e perceberam que viajar é o mesmo que estudar para aprender e para o deleite. Aprende-se muito. É uma forma muito agradável de conhecer coisas novas.

Sua outra filha, uma menina muito capaz, tão capaz que nem ela percebe o quanto, começava a conquistar sua autonomia e passou a construir sua própria aventura. Assim, concluía-se o tempo de preparar as filhas para lidarem com o mundo. Cada uma agora faria suas próprias escolhas, e quaisquer que fossem estariam tão bem acertadas quanto o que deveriam ser. Não cabia mais influenciar, apenas contemplar e orgulhar-se. Novas aventuras foram acontecendo. E Pí e a princesa, em uma nova aldeia, ainda continuaram viver nesse mesmo reino que parece não ter rei, ou tem um rei que parece que não reina. É preciso que o trabalho não seja mais lutar batalhas. Mas ajudar na formação de cavaleiros que possam construir o futuro e quem sabe tornar esse reino mais agradável e justo. E menos suscetível aos maus reis.

Um dia aconteceu algo que entristeceu Pí. Aquele mercador que tanto ensinava, não ia mais contar as aventuras. Nem as histórias engraçadas. Havia concluído sua missão. Não estava mais aqui. Foi embora para sempre. Eles viviam numa aldeia chamada Stressberg. A aldeia tinha se transformado em um lagar de muita gente. Ali era o entroncamento de rotas de muitos mercadores. Então muitos moradores da aldeia criaram negócios e lá se ganhava bastante dinheiro. Mas parecia que não havia mais condições para que tantas pessoas pudessem viver no mesmo lugar. Embora grande, a aldeia se tornara pequena para tanta gente. E a vida foi se tornando desgastante. Pí e a princesa começaram a perceber que as lutas que lutavam já podiam ser comandadas por outros cavaleiros. Suas tarefas estavam cumpridas. Ora, então precisavam encontrar outras missões, mas já não mais naquela aldeia estressante. Assim pensando, foram viver no mesmo reino, mas numa aldeia mais ao sul. E decidiram que fariam coisas diferentes daquelas que vinham fazendo. Nessa mesma época, a filha mais velha de Pí, uma menina muito corajosa, entendeu que seu destino estava num reino muito mais longe. Do outro lado do mundo. E para lá ela se mudou para encontrar seu propósito. Pí sentiu muita saudade, e mesmo com um nó na garganta, entendeu que ela precisava encontrar o lugar certo para construir sua biografia.

As Aventuras de Pí

Então a missão agora passou a ser trabalhar para formar jovens conscientes e preparados para suas próprias batalhas. Ao mesmo tempo contribuir para que os negócios prosperem e evoluam com qualidade e cumpram seu propósito social e econômico. É um desafio e não uma tarefa, não há certeza do resultado, mas dará algum resultado com certeza. Mas o que era doce ainda não acabou! As aventuras de Pí não terminam com “e viveram felizes para sempre”. Aliás, viver feliz para sempre parece ser monótono. Pí continuará sempre em sua jornada procurando torná-la feliz e desafiadora... Como será que as aventuras de Pí vão terminar? Ninguém sabe como e, muito menos, quando vão terminar. Mas isso não se dá em conta. Viver o conto é que conta.

To be continued...

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Denise Luciene de Souza Lima Impellizieri

VIDA DO OUTRO LADO DA MARGEM. Era uma vez, há tempos atrás, em um reino distante, um rei e uma rainha que deram à luz sua tão esperada princesa. Chamaram-na de Vida, pois tinha olhos bem abertos e grandes. A princesa crescia e dava um trabalhão para a rainha. Adorava ficar sozinha na floresta onde passava horas ao redor de um lago, hipnotizada pela água e seus reflexos que cintilavam malaquites, pequenas pedras no fundo do lago que a encantavam. Muito curiosa, Vida sonhava em mergulhar naquela água que reluzia, mas era sempre impedida pela rainha – ela dizia que no fundo daquela água morava um monstro. Numa noite de lua cheia, no meio da floresta, a água foi se ondulando, ondulando mais e mais. De repente, saiu de dentro do lago a mão de um monstro que pegou a princesa distraída e a fez adormecer. Quando acordou, Vida pegou alguns livros e fechou-se dentro de uma caixa. A sua companhia passou a ser seus sonhos e as histórias que lia. O tempo passava, a princesa crescia, e um dia foi embora sorrateiramente. Vida encantou-se com o mundo novo, seu frescor, seus aromas. Sentia-se como uma alquimista, experimentando novas poções mágicas. Tempos depois, ela se apaixonou por um belo príncipe vindo de terras distantes. Com ele ganhou luz e coragem para explorar novas poções mágicas.

Vida do Outro Lado da Margem

Numa noite fria, conversando com as estrelas, Vida disse: “Ah, se eu tivesse uma filhinha para alegrar o nosso reino”. Não demorou muito e os sons das trombetas vindas do céu foram ouvidos na terra, trazendo a notícia de que seu pedido fora atendido. Estava a caminho uma linda menininha para dar alegria ao seu reino. Passados alguns anos, Vida ficou encantada com o comunicado que chegou ao castelo: seu reino brilharia outra vez. Desta vez, estava a caminho um lindo menininho para completar a família. Eles celebraram a notícia com muita alegria. Tudo transcorria calmamente e a família foi morar em um castelo maior e mais bonito. Lá eles ganharam a companhia de um amiguinho chamado Nick. Todo pretinho, lindo e pequenino, ele vivia balançando o rabinho. Tempos se passaram e mesmo parecendo tudo bem, Vida ficava cada vez mais aflita. Percebendo que seu príncipe tornara-se um sapo, ela estava muito atormentada, com o coração apertado. Vida se via presa no fundo do lago do seu próprio castelo. À noite, quando ficava só, muitas lágrimas corriam pela sua face. Vida não tinha com quem conversar, sentia-se só e sem rumo. Implorava aos deuses para ajudá-la a transformar a sua dor. Num belo dia ensolarado, entrou pela janela um lindo anjo. Tinha a pele branca como algodão, cabelos cheios de cachinhos, rosto sereno e olhos meigos. Usava uma roupa branca, que iluminou o ambiente, cantava e tocava harpa.

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O anjo conversou longamente com a princesa. Ele lhe trouxe uma luz nova e mostrou um caminho desconhecido a ser trilhado. Vida teria que construir uma ponte para sair do castelo e atravessar o lago. Chegando à outra margem, estaria livre.

a desafio para construir a ponte. Ao final da mesma, do outro lado da margem, uma surpresa: abriu-se um enorme clarão na floresta e os raios de sol vieram na direção do seu coração, aquecendo-o e dando-lhe uma vida nova.

A tarefa não era simples, mas Vida sentia uma força que não sabia explicar. Decidida a começar, ela foi superando desafio

E viveram felizes para sempre.

Vida do Outro Lado da Margem

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Lúcia Helena dos Santos

“É PRECISO SER FELIZ” Era uma vez em um lugar muito distante, um castelo com um lindo jardim, onde morava o rei, a rainha e os seus três filhos, todos, meninos. Conta à história que o rei sonhava em ter uma princesinha e dizia que ainda realizaria o seu sonho. Até que um dia, a rainha engravidou e a tão esperada menina veio ao mundo. A notícia espalhou-se rapidamente pelo reinado. O rei que estava ausente retornou imediatamente, dizendo que se sentia o homem mais feliz do mundo. O castelo ficou em festa com o nascimento da princesinha, de pele tão branquinha como o leite. A vida mudou para todos. Os irmãos queriam brincar com ela o tempo todo, e até se esqueciam de fazer as peraltices a que estavam acostumados. O tempo foi passando e a princesinha foi crescendo, até que um dia o rei precisou mudar para outro castelo. Então, todos foram para outro reinado. Depois de um breve espaço de tempo, novamente outra mudança ocorreu, mas a princesinha se sentia amada e acolhida. Muitas bonecas ela ganhou. As mudanças não pararam aí - mais uma, duas e agora, lá chegaram. Era um lugar bonito, muitas amigas ela encontrou. Aos domingos, ia à missa com a rainha, usando belos vestidos rodados de renda. Até que um dia a rainha acordou dizendo que precisariam fazer uma viagem, pois a avó, mãe da rainha, estava muito doente. Então de trem viajaram e quando chegaram, a avó havia morrido e a princesinha ficou muito triste. Sentiu pela primeira vez a dor de separar-se de alguém muito especial.

É Preciso Ser Feliz

A vida continuou e mais uma vez o rei precisou mudar de reinado. O castelo era grande. O jardim era ainda mais bonito. A princesinha ganhou um cachorrinho que ela chamava de “Broto”, que ficou ao seu lado durante muitos anos. Chegou a hora de a princesinha ir para a escola. Os seus cadernos eram feitos com muito capricho. Gostava de ler, desenhar, brincar com os irmãos e muitos amigos ao redor do castelo ela encontrou. A vida era cheia de curiosidades, novidades e alegrias. Mas, um dia a rainha decidiu que era melhor, naquele momento, ela ir morar juntamente com os dois príncipes mais velhos, na cidade grande, para que eles pudessem continuar os estudos. Assim, aconteceu. Ficaram no castelo o rei, o príncipe menor e a princesinha, que sentiu uma grande tristeza e saudade da mãe e dos irmãos que partiram. Passaram-se alguns meses que pareciam uma eternidade, a rainha veio buscá-los para novamente morarem juntos, mas o rei ainda precisava ficar naquele reinado até cumprir uma missão importante. E uma nova vida começava distante do rei que ela tanto amava. Por outro lado, a princesinha estava ao lado da rainha e de todos os irmãos. A rainha trabalhava bastante e a princesinha se sentia solitária. Então, os livros eram os seus melhores amigos. Nos finais de semana encontrava-se com a prima, ambas cuidavam da evangelização das crianças pequenas, que frequentavam a igreja do reinado. A vida continuava, muitas obrigações ela tinha que cumprir, mas a escola vinha sempre em primeiro lugar. E assim o tempo foi passando, até que um dia um cavalheiro surgiu montado em seu cavalo branco. Usava um uniforme azul marinho com muitas insígnias e a princesinha logo se encantou.

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De repente, sentiu uma vontade enorme de ajudar os outros. Queria ajudar a todos que moravam no castelo e também nas redondezas. Era pretenciosa e decidiu que era a hora das pessoas deixarem de serem tristes deprimidas e solitárias. Espalhou cartazes convocando todos os habitantes do reinado e até um príncipe de muito longe veio. Todos estavam curiosos para saber como alcançar a felicidade interna, apesar das dificuldades que surgem no dia a dia! Entã, começaram a trabalhar, e cada vez mais, pessoas chegavam. O príncipe de terras distantes resolveu que não ia mais embora, percebeu que ao lado da princesa, unidos, poderiam contribuir para que um número maior de pessoas encontrasse a felicidade. A princesa ficou tão feliz que um dia olhou para o príncipe e ele olhou para ela, e um grande encantamento surgiu. Não era uma mágica, era um sentimento singelo, puro e com muito carinho. O rei ficou sabendo e o casamento foi inevitável. Um banquete, lá nas terras distantes aconteceu. Foram dias de muitas festas e alegrias, que jamais serão esquecidos. A família cresceu e mais duas lindas princesinhas chegaram para aumentar a felicidade do reinado. Não faltava mais nada. O tempo foi passando, as princesinhas cresceram, fizeram muitas

festas, viagens, sempre com muita alegria no coração. Entretanto, num dia de verão, o rei acordou indisposto. Estava fazendo um forte calor. Chamou a sua princesa querida e despediu-se dizendo que precisava fazer uma longa viagem. Ela não podia impedi-lo de ir pois, novamente, ele tinha outra missão a cumprir. Com o coração apertado e com um grande abraço, o viu seguindo rumo a uma montanha bem alta. A rainha ficou muito triste com a viagem do rei e quis ir ao seu encontro. Era um dia frio de inverno, e também não foi possível impedi-la de partir. Mas, na vida existem grande mistérios inexplicáveis e, nesse conto de fadas não poderia faltar também. Vocês se lembram da prima querida do coração? Ela também decidiu ir, logo em seguida, para a mesma montanha, aquela bem alta, certamente a montanha mais alta de todo o universo. Conta um anjo, que a viagem deles continua por mares distantes e, quem sabe um dia, todos se encontrarão novamente para que num lindo castelo, tudo possa recomeçar! A primavera chegou e a princesa podia ouvir o canto dos pássaros na sua janela. No jardim os lírios estavam se abrindo, assim como as margaridas, as roseiras e os cravos cor de rosa e vermelhos perfumados. O sol, com a sua luz intensa, iluminava as montanhas, além do horizonte. Então, uma ideia ela teve. Desceu as escadas do castelo e convocou os mais corajosos soldados do reino para desbravar novas terras que precisavam ser conquistadas. Os projetos eram muitos. A sua missão de vida precisava ser realizada e não podia mais perder tempo. E assim, a princesa partiu em busca dos seus sonhos, pois existem muitas coisas ainda para serem feitas.

A PRINCESA FICOU TÃO FELIZ QUE UM DIA OLHOU PARA O PRÍNCIPE E ELE OLHOU PARA ELA, E UM GRANDE ENCANTAMENTO SURGIU.

É Preciso Ser Feliz

Sonhos novos surgiram e na cidade grande eles foram morar. Mas um dia voltaram e no castelo do rei a princesinha resolveu ficar. Nem olhou para trás e destemida, seguiu em frente. Um novo horizonte ela avistava. Sabia agora que o caminho era tranquilo. Além da bússola, o coração também sinalizava. O castelo foi arrumado inteirinho, uma nova cor recebeu. O jardim mais lindo ficou. Novos projetos surgiram. Ah, aquele enorme desejo de estudar, aprender e tudo realizar!


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Marcel Pedral Pinheiro Rodrigues

TUM, TUM... TUM, TUM... TUM, TUM... Tum tum, tumtum... bate o coração de um homem que vive na terra apaixonado por uma linda mulher, com dois filhos homens... tumtum, tumtum... um ser ainda celeste escuta o bater do coração desse homem de forma intensa e sente que ele o ajudará em sua caminhada na terra, decide que será o seu guia, seu pai.

já mais treinado, solta as mãos, desafiando o equilíbrio em prol da liberdade. Na mesma época começa a frequentar a escola e esse sentimento de liberdade muitas vezes é tolhido, pois se sente preso ao sentimento de impotência em relação aos questionamentos sociais do ter além de ser alvo de brincadeiras indesejáveis.

Chama a atenção desse ser celeste o ar que inspira de maneira intensa e mágica, preso dentro desse homem nos momentos de decisão até ser transformado e solto novamente de forma contida e delicada.

Tum Tum tumtum... em casa também existe o mesmo sentimento: o pai é cobrado pela avó materna, nutre sentimentos estranhos de raiva, incompreensão, insatisfação e profunda tristeza; decide que não quer aquilo para ele. Até que um dia seus pais, muito sábios, tomam uma decisão importante: sentindo e vendo o sofrimento daquela criança, decidem que ela deverá mudar de escola e assim o fazem. A criança inicialmente se revolta porque não tem discernimento do certo e do errado. Todavia, mal sabe a criança que aquela decisão a transformaria por completo, pois dali em diante começa uma transformação no ambiente e com as pessoas e sente soltar-se mais, libertar-se, vêm-lhe de maneira intensa sensações boas e ruins. Ainda sem discernimento sobre o que é certo ou errado, começa a se conhecer como humano e decide aprender, decide viver, abre o sentir e vai para o mundo, vai agir.

Tum tum, tumtum... depois de viajar pelas estrelas da amplidão celeste nasce o humano, sob a benção da mãe que, no seu nascimento, grita três vezes: Deus te abençoe, Deus te abençoe, Deus te abençoe... Desde cedo escutava seu coração, e aquele tumtum lhe dava coragem. Certa vez acordou em sua casa e se viu sozinho; seus pais e irmãos não estavam; lançou-se pela janela, saltando-a em busca da liberdade e ao encontro de alguém. Recebeu como presente uma poção, uma bebida mágica chamada chocolate, o cacahuatl dos indígenas astecas. Teve contato, embora ainda de maneira inconsciente, com o sentimento da recompensa. Tum tum, tumtum cresce o ser, agora criança, menino bonito, tamanha delicadeza em seus traços alinhados a seus cabelos longos, encaracolados e loiros. Às vezes parece não ter sexo, como um anjo, a ponto de ser confundido com uma menina. E isso o faz experimentar sentimentos de indignação e revolta com o presente divino da beleza. Em sua jornada, livre, brinca com os irmãos, sobe em árvores, sente o vento quando desce as ladeiras em cima do carrinho de rolimã e quando aprende a andar de bicicleta;

TUM, TUM... TUM, TUM... TUM, TUM...

A vida é um caldeirão; às vezes ele para de escutar o tumtum do coração e passa a escutar o blábláblá das pessoas; se perde e chora, chora e grita, não se entende e estende a incompreensão própria e alheia, mas em momentos antagônicos se sente e vira protagonista como certa vez que criou uma história que foi eleita a melhor da classe e lida para todos os alunos. Sua mãe o leva para conversar com uma sábia mulher, que diz que aquele menino tem o dom da palavra. Conhece o poder da sedução. Primeiro é seduzido, mas se confunde.


Como agir, se ainda não está presente? Por isso se comporta de maneira insegura, e inseguro não se impõe, não se faz respeitar e perde. Agora, quando vai à escola, muitas vezes sente que aquele lugar é sim o seu lugar, é onde aprende e se solta, e se soltando sente que se liberta. Às vezes sua sensibilidade se acentua, sente o frio do vento no inverno, sente o frescor do vento no verão, consegue

sentir o coração quando corre, se sente como se fosse um animal selvagem a correr, sente a liberdade. Conhece poções mágicas feitas com álcool que abrem outras sensações e emoções; utiliza essas poções na socialização. Mas ao seu redor sente muito calor das pessoas amadas, o que lhe dá força para confiar e acreditar que o melhor acontecerá; sente dor, sofre dissabores amorosos, um

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caldeirão de emoções, até que um belo dia, na flor da idade, aprende também a seduzir e deixar seduzir-se, faz-se homem, sente-se homem, e como homem consciente decide procurar outros aprendizados, outros lugares e outras culturas. Um belo dia ele encontra outro sábio que lhe conta um segredo do feitiço do autoconhecimento e lhe ensina um feitiço para limpar a mente como se limpa um baú velho trancado e protegido por correntes num canto escuro. Não se sabe o que há dentro desse baú, se existe chave, mas há que se ter coragem para trazer o baú para um local mais claro, pegar o molho de chaves para tentar achar aquela que o abrirá. Mas a chave certa muitas vezes se encontra escondida no próprio bolso. Ensina que para abrir o baú há que se ter coragem de encarar o que estiver por vir, pois podem aparecer ratos, baratas ou... até luz... tumtum, tumtum... bate o coração novamente, pois ele passa a ter conhecimento de quantos baús já havia aberto e fugido, aberto e encarado, aberto e fechado... quantos baús... decide então viver e ter a coragem de abrir. Ele se joga na vida num lugar distante da família e dos amigos, fica sozinho, está livre das pessoas que o fazem lembrar-se dos dissabores do passado e das pessoas que lhe deram tanto calor. Começa a escrever novas páginas em sua vida; tudo é novo; sensação de que tudo começa de novo, chance de partir para um novo objetivo, sabendo o que não quer, mas o impulsiona aquilo que quer. O mundo está ali, as sensações também, os dissabores também, mas ele começa a perceber o segredo e como lidar com os dissabores, com as desilusões, embora ainda não saiba lidar direito com as vitórias, pois ainda não sabe celebrar as conquistas; é rígido consigo mesmo, até bruto, mas haveria alguns encontros com outros sábios. Conhece mestres, professores, amigos e aprende; sorri, encontra o mar, sente muita sabedoria quando se banha; um remédio e uma benção. Dedica-se aos estudos, escolhe seus amigos e companheiros,

TUM, TUM... TUM, TUM... TUM, TUM...

cresce, conhece o mundo dos números, do cálculo, estuda e estuda... tumtum, tumtum... conhece o esporte e se dedica a ele e ao estudo; sente que a água é sua amiga e companheira e que lhe dá vida. Até que finaliza uma etapa da vida, fecha o ciclo do aprendizado de uma profissão e começa novamente outra etapa de vida. Encontra um sábio rei que tem duas capas (uma de luz e outra de sombra) e inicialmente veste a capa da luz e o orienta em outros estudos (conhecimento tecnológico), outros caminhos, ensina uma nova profissão. Encontra também outro sábio, Cle-mar, que o ensina alguns encantamentos para sobrevivência e com ele decide iniciar um reinado. Com o tempo se afasta de Cle-mar e decide dividir em dois o reinado que acabara de formar (ficando cada um com uma parte do reinado) para que possa assumir uma identidade própria. O outro sábio, que agora já é um grande rei, com grande poder, permanece por perto; às vezes coloca a capa da sombra, e quando se aproxima traz consigo agora sentimentos baixos, pois quer submissão do agora rei Mar-do-Céu, que sente isso e tenta sabiamente neutralizar tal sentimento e tal controle. Mas muitas vezes o rei sábio o neutraliza e o confunde, fazendo-o perder identidade e força. TUM TUM TUM TUM... Aparece a linda princesa Mar–de-estrela, muito sábia, que além da beleza tem o encantamento do saber; bela e contagiante, faz o guerreiro Mar-do-céu se apaixonar e rapidamente se unir a ela com uma benção. TUM TUM TUM TUM... bate forte o coração. Chega o João Pedro, presente divino que mostra para o guerreiro Mar-do-céu que ele pode transformar-se em urso nos momentos felizes, e que os pequenos se aproximarão e amarão essa fera de alegria. Mar-do-céu e Mar-de-estrela formam um reinado e se aproximam de vários sábios que os orientam. Um belo


TUM TUM TUM TUM... nasce Enzo, robusto e feliz, e o urso o acolhe e o esquenta todas as noites, fazendo-o dormir. O castelo, agora povoado, lhe dá mais forças: já existem dois príncipes, lindos, que têm a oportunidade de se orientar com sábios que acreditam no que o rei e a rainha acreditam. Por causa de algumas batalhas, o rei e a rainha quase perdem o castelo. Tum Tum Tum Tum... existem outras batalhas difíceis que quase levam o Rei à morte: ele quase fica sem ar, passa dias difíceis... o urso desaparece, hiberna, e sua rainha assume o reinado, até o seu retorno. O Rei promete mudar, ser menos rígido consigo mesmo, rir mais, brincar mais; ele se recupera, escreve um tratado e desaparece. TUM TUM TUM TUM... São brindados com um anjo que não chega a encarnar e mais tarde outro lindo anjo chega como um presente: uma linda princesa. O urso ressurge. Passa o tempo, várias aventuras acontecem, o rei e a rainha procuram sempre as poções mágicas chamadas de aprendizado. Conquistam reinos, ajudam reinos. Mas o rei aliado, que detém as capas de luz e de sombra, agora coloca a capa da sombra, se faz presente e, num gesto de pavor e medo, o rei Mar-do-Céu perde aliados, perde força, fortes atritos acontecem, até um grande ataque do rei sombra; é preciso estratégia e paciência. Depois de negociações, chegam a um acordo de paz. Sabendo da ameaça, o rei decide intensificar esforços na

criação de um reino independente e forte, mas de maneira enigmática se vê ligado ao rei Luz/Sombra que detém um poder enorme nos reinados vizinhos. Tum Tum, tumtum... hoje o rei Mar-do-céu ainda trabalha para sua independência e liberdade, e em cada reino que visita ou conquista procura com cuidado hastear sua bandeira que simboliza seus valores, sua missão e sua visão, não como dogma, mas como orientação para que fique atento à existência da capa da sombra e da capa luz, que lembre sempre que é humano e que tem alma; pensa, sente e age e quer evoluir para a liberdade, liberdade feita de pequenas ações do dia a dia, pequenos presentes, detalhes que somados significam vida. Trabalha com aprendizado, às vezes alinhado a tecnologia, já foi duro, rígido, hoje tem mais consciência da dor, da sua estrutura, mas crê que, como ser humano, pode ajudar o humano, pois dentro de si bate o coração: TUM TUM TUM. Mas na verdade mesmo, o que o rei Mar-do-Céu quer e o que mais gosta de fazer é se transformar em urso!!! Uma fera cheia de alegria!

O CASTELO, AGORA POVOADO, LHE DÁ MAIS FORÇA.

dia ele tem um aviso dos Deuses através de um sonho: ele respirava embaixo d’água vendo montanhas verdes. Mais tarde ele constrói seu castelo naquele lugar e um dia, debaixo d’água, no lago em frente ao seu castelo, vê revelado o ambiente do sonho.

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João Luiz Pasqual

O MENINO E SUA PIPA MÁGICA Era uma vez um menino que se imaginava um príncipe, não pela beleza física muito menos pelas posses, mas pelo ambiente sereno e quentinho onde havia nascido, numa família que ele achava muito diferente. A avó paterna, uma portuguesa dedicada ao bem estar da família, cozinheira de mão cheia e casada com um Italiano típico, tiveram quatro filhos: três homens e uma mulher. Eram eles: Laerte, Antônio, Amélia e Donato, mas todos tinham apelidos carinhosos que foram adotados por toda a vida, nessa ordem: Lelé, Melí, Duda e Nenê. O pai do menino era o filho mais novo, o Nenê, e todos diziam que ele era o mais sonhador dos irmãos, considerado um artista, pois adorava cantar e interpretar personagens das histórias infantis e dos contos que faziam parte da cultura familiar. Foi na casa dessa avó que o menino viveu seus três primeiros anos e a partir desse período, diz a lenda, o menino foi sendo influenciado pelo universo mágico das diferentes culturas e histórias, de um mundo que para ele parecia muito distante. Assim ele foi crescendo, sonhador como o pai. Do outro lado havia o convívio com outros primos, vindos de uma família na qual as mulheres eram muito fortes e presentes: a família de sua mãe, com ascendência espanhola e portuguesa. Desse lado da família o menino não conheceu seus avós, que morreram muito, muito jovens e cresceu então tendo a tia mais velha como avó, “a vovó Dete”, sua madrinha de batismo que o chamava de “meu príncipe”. Ela era como uma fada e o levou ao mundo da leitura. O desejo de ler e conhecer coisas novas fez com que o príncipe sempre lesse muito e a vovó fada (que era avó sem ter tido filhos) o incentivava trazendo para ele livros incríveis.

O Menino e sua Pipa Mágica

Foi também com o seu tio Luiz, o vovô Luiz marido da vovó Dete, que o menino aprendeu a pescar, a gostar de conhecer os pássaros, a viajar e mais tarde a dirigir. O pequeno príncipe era tão ativo e ágil que o vovô lhe deu o apelido de “mosquito elétrico”. Depois de alguns anos eles se mudaram para um outro castelo, que o pai do menino costumava chamar de “seu reinado”, um lugar onde tudo era maravilhoso e onde o faz de conta tinha cor, cheiro e vida. Foi nesse mundo encantado que o menino cresceu gostando da natureza e nele havia um quintal enorme com muitas plantas, flores e uma horta que o príncipe tinha como tarefa, desde muito cedo, cuidar. Ainda havia um cachorro, patos, galinhas e um cabritinho de estimação, o Bito. O mundo do faz de conta não tinha limites nem muros. Um dia, depois uma noite muito agitada e com muitos sonhos, ele disse ao Pai que gostaria de viajar para conhecer a terra de seus avós e do Padre Guilherme, que era seu diretor na escola. O Pai então disse que isso seria muito difícil e que ele teria que usar de sua imaginação. De tanto imaginar e conversar com o Padre, um holandês muito bem humorado, culto e um contador de histórias, o principezinho teve a ideia de colocar uma foto sua em uma pipa que seu Pai havia feito para ele. Além disso, o menino não deixava de imaginar como seria se pudesse conhecer onde seus avós nasceram. A pipa era muito colorida, feita de papel de seda e com uma estrutura de bambu bem fininha em forma de cruz. Foi num passe de mágica que ela ganhou o céu e, sem medo de perde-la, ele soltou a linha para que ela fosse cada vez mais longe, na esperança de poder ver e sonhar com o outro lado do mundo usando aquele artefato.


Quando aos seis anos ele aprendeu a fazer sua própria pipa, fez uma enorme que, de tão pesada não voou. Insistiu e colocou menos cola, mudou a rabiola e.... Viva! a pipa foi para tão distante que quase não se podia vê-la lá no céu. Era só um pontinho preto bem pequeno que fez com que o príncipe viajasse na imaginação, pensando e sonhando. Como seria se ele pudesse, de verdade, voar e conhecer aqueles lugares retratados pela família e pelo amigo Padre Guilherme?

Olhando para um menino que uma pipa soltava, da janela de minha sala eu o observava.

Num belo dia de céu muito azulado com nuvens brancas como algodão, quando a pipa foi trazida de volta, a foto do menino não estava mais no lugar e ele pensou: “Será que minha foto foi cair do outro lado do mundo?”

E quanto mais para o alto a pipa ia subindo, mais linha ele soltava com isso se divertindo. E quando, já lá no alto, ela estava bailando, ele firme aqui na terra a linha ia puxando.

O sonho foi se repetindo e o menino foi crescendo. Ele dizia para quem quisesse ouvir que ele iria conhecer o mundo, falar diferentes idiomas e conhecer muita gente diferente de todos os cantos. Um belo dia, sua prima do lado da família de sua mãe, disse que ele era louco, que nunca sairia da sua cidade e muito menos que iria conhecer outros países. Com muita revolta o menino respondeu: “Você vai ver e eu vou te mandar uma carta de cada lugar que eu vier a conhecer”.

Durante muito tempo fiquei a observar, o menino aqui na terra e a pipa lá no ar.

Esse fato marcou muito o príncipe. Ao ler uma poesia chamada O menino e a Pipa, de Irene Coimbra, isso o inspirou a seguir firme na busca de seus sonhos. A poesia dizia:

Toda vez que alço voo em direção ao Infinito, você, segurando a pipa, me segura enquanto agito.

Comparei-me àquela pipa bailando ali no espaço, e a você com o menino com a linha aqui embaixo.

TODA VEZ QUE ALÇO VOO EM DIREÇÃO AO INFINITO, VOCÊ, SEGURANDO A PIPA, ME SEGURA ENQUANTO AGITO.

Os anos foram passando até que, aos oito anos de idade, o pequeno príncipe teve um sonho em que ele era capaz de voar de um lugar para o outro, conhecendo outros reinos e encontrando gente que falava uma língua estranha, diferente daquelas com as quais ele estava acostumado.

Ele ia soltando a linha enquanto a pipa subia, sem perceber que da janela seus movimentos eu via.

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E quando penso estar livre para mais alto subir, sinto-o puxando a linha pra meu voo impedir. Nesse momento percebo que meu voo tão fugaz é tal qual o da pipa que na mão o menino traz. A conexão com esse mundo encantado com ventos e céu muito azul, despertou uma paixão por voar tão grande e tão vívida, que um tio-avô paterno, que era piloto, levou o menino para voar num avião pequeno que lembrava muito sua pipa, conhecido por teco-teco. A viagem foi linda e quando o menino olhava para baixo, via as casas como se fossem casinhas de brinquedo e, de novo imaginou ele próprio na pipa, olhando para baixo - imagem que nunca mais saiu de sua cabeça. O menino continuou lendo tudo que encontrava, incentivado pela vovó e madrinha Dete, sempre sensível e carinhosa e que não deixava de chamá-lo de príncipe. Quando o Príncipe completou dezoito anos e já trabalhava, passou a ter contato com documentos e selos postais que vinham de outros países, e de novo o sonho de um dia conhecer o outro lado do mundo foi ficando cada vez mais claro e mais próximo. Nesse período de sua vida, tinha como referência o seu chefe, mestre e mentor, um sábio alemão de nome Ulrich. Ele lhe disse que gostaria que ele fosse trabalhar numa cidade muito distante. Não era no exterior, mas quase. O príncipe sentiu um frio na barriga, mas aceitou e pela primeira vez entrou numa pipa metálica que fazia um barulho danado, chamado avião. Viajou durante três horas e meia e percorreu 2.700 quilômetros para chegar do outro lado. Uau! Aquela pipa voava alto e muito rápido!

O Menino e sua Pipa Mágica

O menino, já não mais um menino, mas um jovem homem, pensou então que a primeira etapa de seu sonho estava acontecendo e enviou um cartão postal para sua prima. Aquela que um dia, em pensamento, ele havia chamado de bruxa. Limitou-se a colocar o nome dela e o endereço com uma única pergunta: “Lembra?” E assim foram muitos os cartões enviados para ela, sempre com a mesma pergunta provocativa e agora, pensando bem, ele percebia que ela nunca havia entendido - ou se entendeu, nunca se manifestou... As viagens continuaram, o príncipe estava mais maduro e elas aumentaram tanto, que seu avô Luiz mudou seu apelido de “mosquito elétrico” para “caixeiro viajante”. Seu pai, em tom poético, por vezes o chamava de “Bartolomeu o apóstolo viajante”. Um dia, o jovem príncipe se casou com uma princesa loirinha, teve duas filhas (duas lindas flores) e viajou para o outro lado do planeta, para um mundo de verdade: um lugar de reis, rainhas, príncipes e princesas, cheio de tradições e mistérios. Era um reino frio e com dias cinzentos, mas um Reino Unido onde viveu por quase oito anos. Lá ele teve medos, dúvidas e grandes desafios. Enfrentou todos por causa de um sonho que, por conta do destino, combinava com os sonhos de sua amada. Juntos conheceram muitos lugares, educaram suas filhas e hoje vivem uma vida serena perto delas e de seu pequeno neto, um principezinho chamado Luca, que talvez um dia tenha sonhos que também possam parecer impossíveis. Mas o príncipe dessa história, agora no papel de avô, deseja poder inspirar e orientar seu herdeiro para que ele aprenda a construir sua própria pipa. E agora, depois que alguns contos já foram contados, esse é mais um que, como aqueles, farão parte ou não dos que ainda virão.


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Tereza Vianna

NA TERRA DOS PÁSSAROS Era uma vez uma terra de pássaros muito diversos: uns coloridos outros não, uns que cantavam outros não, uns que ficavam num galho só, outros que ficavam em vários.... Moravam em ninhos ou gaiolas douradas ou não... Nasciam os pássaros em ninhos ou gaiolas, onde geralmente já havia um casal de pássaros que recebiam os novos. Na maioria das vezes.... A passarinha dessa história nasceu num ninho confortável sem ser dourado, onde o casal de pássaros que a desejara foram lhe buscar. Ouvia-se muita música naquele ninho. Eles trabalhavam e falavam muito de ofícios, independência e gostavam muito de carnaval... Um dia anunciaram que chegaria outro pássaro, o que deixou a passarinha numa alegria indescritível…. Quando o pássaro novo chegou a passarinha teve a intuição que jamais viveria um amor tão grande como aquele.... O pássaro novo tinha um defeitozinho na asa, necessitava de muitos cuidados, mas não tinha nenhum defeito na alma... Os tempos eram felizes, às vezes preocupantes, mas ela ensinava tudo ao pássaro pequeno. Era o que a passarinha mais gostava de fazer... Mas houve um desencontro... os pássaros grandes perderam o rumo do ninho por um bom tempo e quando o acharam de volta, a passarinha havia perdido o dela…ficara o tempo todo sendo mãe do pássaro pequeno. Isso aumentou muito o amor deles, mas a passarinha, que já tinha dúvidas... perdeu o sonho do próprio ninho e foi ficando naquele....

Na Terra dos Pássaros

Como é do destino, os pássaros foram indo... um a um. A ida do pássaro pequeno foi a mais difícil.... O ninho da passarinha foi recebendo pássaros eventuais que precisavam de pouso, mas que também iam embora, alguns muito abruptamente, outros muito recentemente.... A passarinha trabalhava muito, também se divertia, tinha muitos amigos que a respeitavam, gostava muito de estudar e nem sempre tinha muito juízo... Um dia, chegando em casa depois do trabalho, encontrou um pássaro lindíssimo, grande, sentado na sala do ninho... numa poltrona... - Você anda, hein? Gostei dos gatos...eles não comem passarinhos....... - Como você entrou aqui? - A porta estava aberta... você nunca fecha... aproveitei e tomei a liberdade de enfeitar um pouco o ninho... aliás, bem bonitinho... A passarinha então olhou as paredes e viu milhares de fotos... - Nossa, de onde você tirou isso tudo? - Da sua vida: todos os seus namorados (Êta vida colorida, hein?) as pessoas que você ajudou a formar, seus filhos postiços, as pessoas que você magoou e que a perdoaram, as que não perdoaram, as pessoas que se foram (tantas...) os coringas que você descartou... Mas deixei um espaço em branco, ali à direita, para você colocar quem você ainda quer que venha….


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- Quero meus amigos antigos, os que estão comigo desde a infância e adolescência, os novos, sérios e divertidos, quero aprender a dançar, ter mais carnavais, quero trabalhar sempre com muitas pessoas, quero um ano sabático para conhecer São Paulo. Quero mais encontros e menos fusões. E, principalmente, quero guardar todos os coringas. Quero também que você esteja no quadro. Apesar de invasivo, entrar sem ser convidado, mexer nas coisas dos outros, achei você um charme e, desculpe a abordagem sem cerimônia, gostei demais de você... - Vou estar, quer você queira ou não... como sempre estive em toda a sua vida. Preste atenção nas fotos da parede. Olhe a sombra das minhas penas como pano de fundo... Você me deu muito trabalho nos momentos que quis desistir... E como deu!

“ Na Terra dos Pássaros

A passarinha olhou atentamente e, suspendendo o habitual desligamento, percebeu o reflexo das penas do pássaro, às vezes brilhantes, por trás das fotos e também se esgueirando, sorrateiro e insolente, pelo quadro do futuro... - Que coisa... - Desculpe a intromissão, mas você não quer um outro pássaro no futuro, já que eu vou estar lá mesmo? A passarinha olhou séria... - Por incrível que pareça, embora eu não tenha muito mais tempo, não estou muito segura... Até agora estive envolvida com outra questão, essa de desistir... Do que estou segura, isso sim, é que não quero mais desistir... Por falar nisso, esse papo todo, essa intimidade... Como você se chama? - Alguns me chamam Michael.

OS TEMPOS ERAM FELIZES, ÀS VEZES PREOCUPANTES, MAS ELA ENSINAVA TUDO AO PÁSSARO PEQUENO. ERA O QUE A PASSARINHA MAIS GOSTAVA DE FAZER...

A passarinha olhou toda a sua vida naquele flash e respondeu com certa segurança:

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Dulce Maria Feijo Ribeiro

A MENINA DAS ALEGRIAS noturnas das crianças na calçada também celebravam, curvando-se em reverência feito caniços. Os bem-te-vis e os beija flores ficaram roucos de tanto cantar e as flores foram beijadas e beijadas sem parar. A lama das casas escorria para a rua, mostrando paredes branquinhas com cheiro de tinta fresca. Todas as portas e janelas das casas se abriram. Os vizinhos na calçada aguardavam a anunciada chegada da Menina das Alegrias. “Ela está vindo, venham, venham”, diziam uns para os outros. Amontoando-se queriam ver de perto a criança. Quando ela se aproximou da casa amarela de dez janelas e quatro portas, onde iria morar por 23 anos, um calor tomou conta do dia. Era 24 de junho e o jornal matutino havia divulgado ser o dia mais frio dos últimos 10 anos. Entretanto, um vento quentinho fazia movimentos divertidos nos vestidos das vizinhas, deixando à mostra suas coxas. Os rapazes, sem perder tempo, aproveitavam para dar uma espiada. Os cabelos das meninas voavam tapando seus olhos, enroscando-se nas árvores e girando seus corpos até tontearem. O coração de todos batia em ritmo acelerado, alguns davam gargalhadas e ao mesmo tempo choravam. Outros, sorriam simplesmente. Uma fila que serpenteava o bairro Floresta formou-se para vê-la. Todos queriam tocar na Alegria.

Quando ela nasceu os jacarandás da rua começaram a florir em pleno junho. Ninguém acreditava no que acontecia. Explodindo feito pipocas, os brotos abriam-se sem parar, anunciando a sua chegada. O dia estava todo azul, do céu à terra, feito mar. Os paralelepípedos da rua São Carlos dançavam e saltavam acompanhando o ritmo. Os postes de luz que sempre iluminaram as brincadeiras

A Menina das Alegrias

No final daquele dia, ao voltarem para as suas casas, algo estranho havia acontecido. Quem estava triste alegrou-se, quem começara uma briga acalmou-se, quem reclamava de tudo começou a agradecer e quem queria morrer deu graças ao bom Deus por estar vivo. A Alegria havia contagiado toda a rua, o bairro, a quadra e a cidade que até de nome trocou e passou a se chamar Porto Alegre. Até à noite, muito depois do sol se por, ainda ouviam-se risadas e o bom humor derramava-se feito calda de chocolate sobre as camas e cobertores, acariciando o sono de cada um.

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Passaram-se muitos anos. Os anjos tinham deixado ao pé da lua um cesto carregado de bocadinhos de alegria para a menina distribuir por toda a sua vida sobre a terra. Entretanto havia uma advertência: se ela se tornasse arrogante por pensar que era mais alegre, mais inteligente ou melhor do que os outros, os bocados se transformariam em tristeza e frustração. Ela perderia seus amigos para sempre. A não ser que, dando-se conta através da sua consciência, pedisse desculpas para todos a quem magoasse ou humilhasse.

caminho e você terá um homem apaixonado, três filhos amorosos e uma viva boa”. E foi assim que tudo aconteceu. Até hoje na Rua São Carlos, no dia 24 de junho, as crianças começam a rir, os vizinhos que habitam os novos arranha céus param de brigar, as mulheres sentem um vento quente nas coxas. Ninguém entende o que ali acontece de tão estranho nesse dia.

Certo dia, esquecendo-se do aviso dos anjos, ela fuzilou algumas pessoas com a sua ironia debochada, rindo e falando bem alto palavras ofensivas e desqualificadas. Um balde de dinheiro caiu na sua frente imediatamente e ela pensou: estou com sorte! Vou gastar em roupas, comprar tudo o que eu desejo e aproveitar a minha alegria para viver bem. Uma corda presa ao balde envolveu-a, aprisionando-a em laçadas. Algo lhe puxava pela mão como se quisesse levá-la para baixo da terra. Não, eu não quero!” Gritava pelos amigos, pedia socorro, desculpas, chorou sem parar por muitos dias. Um rio de lágrimas formou-se no cordão da calçada da Rua São Carlos. A água batia nas paredes das casas enchendo-as de lama. Os velhos jacarandás sem brotos afastavam os beija flores. Os vizinhos brigavam, adoeciam e pediam para sair dali. A menina dormiu de tanto chorar. Quando nasceu o sol um lampejo de luz saltou do seu coração. Colocou seus velhos chinelos, vestiu suas roupas mais simples e sentou-se ao pé do velho Jacarandá. “O que está acontecendo?”, ela perguntou. Ele lhe disse em tom sério e preocupado: “Você recebeu dos anjos a Alegria para tocar o coração das pessoas no mundo. Elas poderão se sentir melhor ao seu lado. Você precisava ser humilde, persistente e humana. Você precisava ser, não precisava ter. Tente outra vez. Seu cesto ainda está cheio de bocados da verdadeira alegria e você deve distribuí-los com amor. Um dia você terá 60 anos e vai ver que seus amigos estarão com você por isso. Seja simples, espontânea, viva e flexível. Mantenha-se nesse

A Menina das Alegrias

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Fernanda Otto Fonseca Pitta

A JOVEM SACERDOTISA Em um local muito distante daqui, em uma manhã ensolarada, o Grande Ser, guardião desse lugar, manda chamar uma de suas jovens sacerdotisas ao Grande Salão. Assim que a jovem entra no auspicioso recinto, o Grande Ser comunica: - Chegou sua vez, da semente carregar. Ouça, em mundos distantes daqui, muitas almas dormem. Vá e ajude acordá-las. Mostre os lindos campos floridos que existem, se puderem abrir seus olhos. A jovem sacerdotisa com entusiasmo aceita e reconhece a grandeza da tarefa. E então sai do Grande Salão fazendo uma singela reverência. Eis que chega o dia da jovem viajar para muito distante. Ao se despedir de seu mundo, olha ao redor e observa a beleza de tudo à sua volta: a floresta, as montanhas, ao fundo, a cachoeira onde outras sacerdotisas trabalham e no horizonte o mar, onde golfinhos nadam livremente. Assim, admirando aquela grandeza, caminha em direção ao Grande Salão, onde através da Fonte Universal, viajaria para outros mundos. Ao entrar no Salão avista, bem no centro, junto à Fonte, o Grande Ser. Ao se aproximar, é tomada por uma luz vinda da parte alta do Grande Salão. Aos poucos foi sentindo seu corpo se tornando menos denso e começou a entender que aquele era o momento da partida. Por um breve instante sentiu um pesar por deixar aquele lugar. Pela primeira vez sentia algo assim. “Que estranho”, pensou. Foi então que o Grande Guardião lhe disse: “Vá com coragem. Muitos já foram e muitos irão fazer essa mesma jornada, carregando consigo essa mesma tarefa. Você vai encontrá-los e não estará sozinha. Em seu coração coloco, neste instante, um lindo diamante. Esse diamante brilhará toda vez que sua tarefa estiver sendo cumprida, mas se ele parar de brilhar você saberá: algo terá que mudar e a tarefa não se cumprirá. Assim ela se pôs a viajar. Passou por um mundo, passou por

Vida do Outro Lado da Margem

outros e neles ia encontrando muitas almas dormindo. E por cada mundo que passava ela ia dizendo: Hei, você! Acorda! Quero te mostrar um lindo lugar! Campos floridos, luzes a brilhar. Acorda, venha comigo! Tantos lugares, tantas almas encontrou, porém poucas conseguiu despertar. E conforme ia seguindo sua viagem, uma saudade lhe batia, daquele lugar de onde veio. Muitas vezes fechava os olhos, tentando lembrar daquilo que lhe era tão familiar, mas que por vezes já parecia tão distante, tão estranho. Assim, seu diamante deixava de brilhar. Eis que outros vieram lhe ajudar, para no grande sono não pegar. Cansada de tanto viajar, ela clama: “quero voltar!” O Grande Guardião aparece e lhe diz: “sua tarefa não esta terminada. Lembra de olhar o brilho do diamante. Mais uma jornada lhe cabe. Escolha seus companheiros muito bem, de modo que no sono profundo não possa pegar”. O Grande Guardião sopra fortemente em seu peito, reavivando o brilho do diamante e assim, mais uma vez, a jovem sacerdotisa se pôs a viajar. Chegou a um mundo tão belo que lhe fez lembrar-se do lugar de onde veio. Porém, toda vez que chegava a um novo mundo, de sua tarefa se esquecia, mas o diamante em seu coração, brilhando se mantinha. Quando pequena, nesta última jornada, no mar se reconhecia. Tão próximo parecia de seu mundo, que seu diamante florescia. Assim um vislumbre de sua tarefa se fazia presente. Muito serelepe a jovem sacerdotisa foi crescendo e seu diamante a sinalizar, brilhando ou esmaecendo, o que tinha que realizar. Ainda jovem, na serenidade do mar podia lembrar: já sei como começar! Muitos companheiros encontrou que lhe ajudaram a lembrar. Muita vontade tinha a sacerdotisa de compartilhar com seus

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companheiros a vontade de acordar aquelas almas que se punham a dormir: Hei, você, acorda! Quero te mostrar um lindo lugar! Campos floridos, luzes a brilhar. Acorda, venha comigo! Mas eis que, nessa jornada, a medida que o tempo passava, a sacerdotisa se viu sem seus companheiros para lhe ajudar. Alguns até no sono profundo pegaram. Sozinha ela se perguntou: “Onde foram todos?” Até do mar se distanciou. Seu coração agonizou e seu diamante quase sem brilho ficou. Rapidamente lá do céu foram enviados dois novos companheiros. Tão importantes foram suas chegadas que o coração da sacerdotisa voltou a brilhar. Logo encontrou outros companheiros e via que em seus corações diamantes brilhavam. Assim mais forte ficou a vontade de almas acordar: Hei, você, acorda! Quero te mostrar um lindo lugar! Campos floridos, luzes a brilhar. Acorda, venha comigo! Logo então pensou: “forças vamos unir, todos nós companheiros de jornada, e nossa tarefa mais fácil se tornará”.

Vida do Outro Lado da Margem

As montanhas subiram, muitas belezas encontraram, mas também muitas almas dormindo e então ela começou: Hei, você, acorda! Quero te mostrar um lindo lugar! Campos floridos, luzes a brilhar. Acorda, venha comigo! Porém o sono destas almas era tão profundo que por mais que ela os chamasse, elas não queriam acordar. E enquanto não se cumpria o que veio realizar, seu diamante perdia o brilho. Saudades ela sentia do seu lugar e, até mesmo do mar. Nas montanhas a jovem recebeu um lugar para cuidar e almas acordar. Muitas vezes lhe parecia grande demais a tarefa e se perguntava: “será que conseguirei despertar?” A dúvida lhe trazia a lembrança de outras jornadas, aquelas onde muitas vezes ela no sono pegou e seu diamante apagou. E assim ela vai seguindo, aprendendo a se guiar pelo brilho de seu diamante. Quando ele apaga, novo rumo precisa adotar para um dia, quem sabe, poder voltar aquele lugar de onde partiu. Mas não sem antes poder acordar as almas de muitos lugares e poder mostrar: tão lindos são os campos floridos, basta querer olhar e seu coração mostrará.

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Soraya Massignan

A ESTRELA PERDIDA E m meio a montanhas verdejantes, coroadas de pinheiros, corria ligeiro um rio, serpenteando nas encostas, dançando por entre as margens, lavando as pedras, imitando praias, muito abundante, assim como fértil e abundante era toda a natureza à sua volta. O Céu conseguia ser tão, mas tão azul, que nada era mais belo! Nesse vale encantado moravam muitas pessoas, de um lado e de outro do rio. Do lado de cá, entre duas pontes, havia uma estação de trem e uma grande igreja, com sinos e tudo, que marcavam sonoramente as horas do dia. Em meio a essa paisagem nasceu uma menina. SIM! UMA MENINA! Tinha olhos azuis e sorriso fácil. Mas nasceu só depois de muito lutar. Sua mãe, que já tinha trazido ao mundo outras três crianças, não entendia porque tanta dor e sofrimento. Tanto lutou que, entre nascer e morrer, nasceu! Era uma noite muito fria de inverno e o sino já havia anunciado meia noite! Deram-lhe o nome de Estrela da Manhã. Era filha de um bravo cavaleiro e de uma dama vinda de um reino bem distante. Eles queriam um menino, esperado, anunciado... porém... bem... lá veio ela... UMA MENINA! Apesar da diferença de idade, entendia-se bem com seu irmão mais velho, a quem admirava e respeitava. Como era curiosa, com ele aprendeu a ver as horas na torre da igreja, a consertar coisas, a conhecer as árvores, a ler e ouvir estórias. As irmãs, bem... eram envolvidas com seus próprios assuntos e não gostavam muito da pequena menina por perto. A menina foi crescendo e o tempo foi passando rápido. Gostava de brincar ao ar livre, coletar bichinhos, descobrir o que havia na natureza, contemplar as nuvens no céu e as estrelas brilhando no escuro da noite! A casa onde nascera agora era um lindo castelo

A Estrela Perdida

com muito espaço para brincar, correr, andar de bicicleta, jogar bola. Era um lugar seguro. Seu pai, o valente cavaleiro, trabalhava muito. Conhecia as pessoas do lugar e, como tinha um coração justo e bom, todos gostavam muito dele. Sua mãe, a dama do reino distante, cuidava da casa, cozinhava bem, costurava com esmero e, houve um tempo em que fazia lindos bolos. Mas... sentia muita saudade do reino que deixara e das pessoas queridas que lá ficaram. Era longe e as estradas eram difíceis, por isso não podia ir e voltar quando quisesse. Assim, a saudade apertava e apertava e uma grande tristeza foi tomando conta dela, até que ela sucumbiu. Adoeceu. Então, colocaram-na para dormir, na esperança de que ao acordar estivesse melhor. E assim, passaram-se muitas luas e o céu azul do vale foi perdendo a cor e ficando cinzento. A pequena menina, que era serelepe e curiosa, aprendeu a sossegar, silenciar e a zelar pela mãe tão querida. Guardou a alegria, calou a voz e passou a cumprir (ou tentar cumprir) suas tarefas para poupar a mãe que tanto amava. Como estava acostumada a acompanhar seu pai, reparou que também ele se calara mais e perdera um pouco do viço. Seu olhar estava distante e ela já não sentia o cuidadoso aperto de sua mão e o alento de sua voz. Um dia, quando ela completou 12 anos, o coração dele não agüentou e o cavaleiro em silêncio partiu. A pequena menina não pode fazer nada. Ela sentou-se na escada e sequer conseguiu chorar. Sentiu um profundo abandono e ali ficou e talvez ali ficasse pela eternidade se não ouvisse uma voz lhe dizer “vá para casa, aqui não há mais o que fazer”. Sozinha tinha ido e sozinha voltou para casa. E ela que já sentia falta de sua mãe ausente pelo longo sono, sentiu que ficara desamparada, pois o valente cavaleiro que a protegia, agora estava morto! Sabia que precisava continuar. Já se calara antes, agora era

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necessário emudecer. Sentia-se só. Para sobreviver a menina preparou uma capa bem grossa e resistente e a vestiu, pensando que assim estaria protegida e forte. Seus olhos eram suas janelas para o mundo e suas mãos estavam livres para ajudar se assim fosse necessário, embora ainda não soubesse fazer muita coisa. A dama ficou ainda mais doente. Mais lágrimas, mais remédios, mais sono... Quanto às suas irmãs, uma logo se casou; a outra, talvez também sofrendo com tudo aquilo, mais distante ficou. Seu irmão lhe dedicava alguma atenção, até que encontrou uma princesa com quem seguiu um novo caminho. A menina ia para cá e para lá, esperando que um dia sua mãe acordasse. Enquanto isso ficava na casa de algumas fadas com quem aprendeu coisas novas, coisas de menina. Aprendeu a fazer crochê, a bordar, a tricotar, a tecer, a organizar e limpar as coisas e até a fazer bolo! Também viu como as pessoas podem parecer boas e serem más como bruxas feias, dizendo coisas que magoam e amedrontam as crianças sozinhas. Nessas horas agradecia por ter sua poderosa capa que a encobria e a protegia de alguns males. Portanto, era importante cuidar bem dela! Claro que a capa também a mantinha afastada de algumas boas alegrias e brincadeiras, porém... não havia mesmo tempo para isso. “Quem sabe um dia”, pensava ela, “quando minha mãe acordar...” agora é preciso sobreviver! Tudo parecia confuso. Um dia a dama de fato acordou e tomou uma grande decisão: voltar para o reino de onde viera. E assim fez, levando as filhas menores! Parecia assustador para a menina, pois lá tudo era diferente e PERIGOSO! As pessoas eram estranhas e moravam em grandes prédios, cheios de janelinhas, Não havia escolha. Tinha que ir. Para levar, tinha sua capa e foi então que a revisou, reforçou, colocou alguns adereços e, de quebra, fez uma nova para a mudança. Do vale, restaram as lembranças que levou num bolsinho perto da cintura, Guardou aquilo com muito carinho, embora não pudesse olhar, pois chorava cada vez que via. Sabia que tudo aquilo ficaria para traz

A Estrela Perdida

para sempre. No reino distante, havia o barulho de grandes carros soltando fumaça negra, freios e buzinas nervosos, céu cinzento e ar cheio de fumaça, claro! No colégio, o verbo era “estudar”. Assim a pequena menina fez. Procurou desfrutar do que havia de bom naquele lugar. Estudou, estudou e estudou. Foi crescendo e descobrindo esse outro mundo, E, claro, capas novas! Capas sobre capas! Falava pouco, pensava muito. Mais uma vez a morte veio. Sua irmã ficara viúva. Resultou que... nem percebeu que não havia sido convidada! Ofereceu-se para acompanhá-la em sua decisão de mudar-se para o reino onde ficava o antigo vale, com o mesmo céu, o mesmo verde, o mesmo ar puro e também um pouco de calmaria. Para isso era preciso buscar uma profissão. Acrescentou uma capa mais. Precisava ser séria, adulta e muito responsável com esta mudança. O que havia aprendido de valioso no reino distante, guardou no seu bolsinho. Ao chegar na terra nova ficou deslumbrada! Era ainda mais linda do que imaginara. Além de montanhas verdejantes e céu azul, havia MAR! Mar por todos os lados! Por onde andava, via o mar. Era uma Ilha! Uma ilha mágica de tanta beleza! Teve certeza: era ali que queria viver PARA SEMPRE! Como um presente, no seu primeiro dia, encontrou um cavaleiro. Um cavaleiro sorridente, gentil, como ela sabia que eram os deste reino. Encontraram-se uma vez mais, e outra. Estudavam juntos. O tempo foi rápido e os sonhos também. Casaram-se! Agora, uma capa a mais e pronto. Só que ele era um cavaleiro andante e... logo seguiu... andando... partiu... Antes, porém, lhe deixou o melhor presente que já recebera: um lindo bebê, de pele macia e quentinha, cujo sorriso iluminava


o mundo. ERA UMA MENINA! Alguém capaz de lhe fazer esquecer qualquer dificuldade e de lhe transmitir ânimo para as adversidades. Era a experiência de felicidade com que sonhara! Plenitude! Hummm... mas agora era preciso reforçar as capas, vestir novas, pois precisava dar conta de cuidar com zelo desse SER tão precioso! Não podia falhar! Assim o fez... E, claro, guardou as boas lembranças no bolsinho perto da cintura e seguiu.

Andou por outras terras até conseguir voltar para a ilha mágica. Queria aprender coisas sobre a vida e sobre as pessoas e a cuidar melhor de si e de sua preciosa filha. Trabalhava e trabalhava muito, mas no tempo que lhe sobrava, procurava respostas para suas perguntas. Perguntas cujas respostas, acreditava, a levariam a compreender melhor a sua vida, a sua sina e a das pessoas que como ela sofriam, pois nesse tempo a morte levou também seu irmão. Era necessário aprender a lidar com tantas “perdas”. Suas capas já estavam pesando muito e lhe davam muito trabalho para carregar e, por outro lado, já estavam ficando velhas e pareciam não ajudar mais.

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No caminho em busca de respostas, encontrou muita gente que também perguntava. Encontrou ainda fadas, magos, feiticeiras e sábios e, às vezes, uma bruxa ou outra que tentava lhe desviar do seu intento.

Com esse fio, viu que poderia tecer uma linda e nova vestimenta, porém não seria como as antigas capas que carregara por tanto tempo. Esta seria especial, pois seria feita com o que de mais precioso havia para ela; seria feita com esse precioso fio, o fio de sua própria Vida!

O tempo foi passando e algumas respostas encontrou. Não todas, pois esta foi uma de suas descobertas: ninguém tem todas as respostas e, muitas vezes, sequer umazinha!

Já não tinha pressa.

Algumas fadas bondosas às vezes lhe indicavam o próximo passo ou lhe acendiam uma luz a fim de lhe orientar o caminho. O que lhe servia, guardava no seu bolsinho secreto, sempre com carinho e amor.

Percebeu que o fio luzia como as estrelas no céu e foi então que se lembrou de seu nome: Estrela da Manhã!

Ao final, as capas estavam ao chão. Sentiu-se leve, porém quase nua. Vislumbrou então o bolsinho secreto, junto à sua cintura, que ficava embaixo de todas as capas, onde guardava as preciosidades: as boas lembranças, as experiências valiosas, as respostas importantes. Abriu-o e dentro encontrou uma meada de um precioso fio. Um fio que se formara a partir de tudo o que ela colocara ali. E também de tudo e de todos os que considerava ter perdido ao longo do caminho. Compreendeu que quando uma pessoa faz parte de sua vida, ela continuará ali. Entendeu que ninguém perde ninguém. As pessoas apenas seguem o seu caminho, cumprindo o seu destino, seja morrendo ou simplesmente seguindo sua vida. Ao saber disso, sentiu-se forte e teve certeza de que não precisava mais das pesadas capas.

A Estrela Perdida

Decidiu deixar de lado tudo o que lhe ocupava incessantemente até então. Já não precisava lutar, nem contra si mesma. Parou de fazer o que habitualmente fazia e calmamente foi rearranjando as coisas para colocar-se, com todo amor, a tecer pacientemente o precioso fio... Poderia tecer o que quisesse, Não sabia qual seria o resultado, afinal, ninguém sabe tudo e nem pode saber, pois o mistério é que impulsiona e faz a Vida... e se revela a cada passo, a cada momento... indivisível...

AS PESSOAS APENAS SEGUEM O SEU CAMINHO, CUMPRINDO O SEU DESTINO, SEJA MORRENDO OU SIMPLESMENTE SEGUINDO SUA VIDA.

Bateu em muitas portas e num dia chuvoso encontrou uma fada com mãos mágicas que lhe tocou com ternura. Num instante ela pode olhar para as dores antigas, a primeira e a última... Sentiu o nó que prendia as pesadas capas sobre si desatar... com ele, também se soltaram as lágrimas... as mais antigas e todas as outras guardadas no fundo de seu coração. A menina então chorou. Chorou toda a dor, todo o medo, toda a raiva que sentira na vida.

Ficou ali a contemplar aquela meada...

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Fernanda Delfini Cera

VOA, VOA, ESTRELINHA Era uma vez uma estrelinha que nascia. Nascia num lugar de areia imensa, com o sol que brilhava no mar sem fim e que refletia o azul intenso do céu. O parto foi difícil, precisou até de fórceps, mas ela logo encontrou a estrela pai e a estrela mãe. Eles já tinham gerado uma estrelinha primogênita, chamada Rosa. Depois, ainda vieram muitas outras estrelinhas, mais cinco: Deca, Juli, Crica, J e Rey. E a vida foi acontecendo até chegar o momento de ir para a escola. A estrelinha não gostava nada disso. Ela foi cedo, mais cedo que seus irmãos. Isso porque era briguenta e dava trabalho para a mãe. Mas, como tudo na vida, nada como o tempo e os anos para revelar: ela pegou gosto pelos estudos e livros. Quando pequenina vivia numa constelação de irmãos, primos e mais primos da mesma idade, novos e mais velhos também. Havia brincadeira de toda natureza e muita briga também. Castigos não faltavam e, como vieram! Onde estava a estrelinha tinha confusão, não precisava de explicação! A culpa era sempre dela e justa ou injustamente, era ela. A estrelinha se sentia como um patinho feio e achava que se encontrava numa constelação errada. Ela foi crescendo e não faltaram viagens para o interior do oceano, lugar onde ficava a constelação da onde vieram os seus pais. Nessa época duas estrelas foram capturadas por aqueles monstros do oceano, que moram na escuridão e que a gente não vê, mas sabemos que existem. Eles paralisaram as estrelas para o resto da vida e nunca mais foram vistas. Perdas sofridas, pois avô e tia eram estrelas muito especiais e deixavam saudades na constelação. A casa da estrelinha vivia cheia de muitas outras parentes, amigos da família e dela também. Quando tinha quinze anos, eis que seu príncipe surge. Foi amor à primeira vista, mas como o príncipe

Voa, Voa, Estrelinha

não sabia o que era alma gêmea naquela época, com seu cavalo marinho foi-se embora. A estrela conheceu de verdade o que era sofrer de paixão. A estrelinha tocou sua vida: estudos, amigos e diversão, até decidir-se por entender mais o comportamento das estrelas e seu desenvolvimento também. Seu sonho era ajudar as estrelinhas a crescerem. Crescerem felizes para brilhar. Fez os exames necessários para esses conhecimentos acessar e, quando descansava na praia, eis que aparece do nada, sua antiga paixão. Finalmente agora era para valer, o namoro sério rolou. Depois de dez longos divertidos e pesados anos da “discussão da relação”, acabou por desenrolar. Não era para nessa vida lograr. Nessa época a estrelinha já tinha se formado e trabalhava rumo à sua realização e independência. Mas não só de trabalho vivia uma estrelinha. Ela saia muito e conheceu um rapaz simpático e brincalhão, que sua grande amiga lhe apresentou. Amigo divertido e alguém para contar. A estrelinha precisava de uma pausa e uma desculpa arrumou. Viajou para o outro lado do oceano. Num certo dia, o divertido amigo, pôs-se a lhe procurar. Quando se encontraram, ele tornou-se o companheiro ideal, até quis casar. Casaram tão rápido, que ninguém na igreja os viu entrar. E a vida foi sendo curtida com amigos, viagens, comilanças e tudo mais. Nesse tudo mais, o sagrado era o trabalho, que ocupava lugar especial. Tão sagrado era, que os filhos demoraram a chegar. Mas chegaram duas lindas estrelinhas, meninos a rolar. E a vida foi estrelando, tudo era corrido... trabalho, filhos, marido e tudo mais. Não sobrava tempo nem para o xixi fazer. Mas a vida é assim mesmo e ela foi em frente. Um belo dia, sentindo

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A estrelinha sentia que tinha diante de si um mar sem fim para explorar. Ela queria desbravar as profundezas e belezas escondidas. Sentia que caminhava nessa direção. Mas, quando estava por chegar, uma onda forte lhe trazia de volta ao seu lugar. Todo dia a estória se repetia. Todos os dias, idas e vindas para na praia chegar. Será que esse não é o meu caminho? Começou a questionar. Angustiada, pedia ajuda aos deuses e anjos. Todos os dias acordava com resignação e começava a rolar. Recuperava sua energia e mais uma vez buscava seu destino. Um belo dia, enquanto praticava seu exercício costumeiro, o sol foi embora muito cedo e o céu virou noite, sendo dia. O vento

Voa, Voa, Estrelinha

não deixava nada no lugar, o mar ficou revolto. E a cor do céu mudou. Era a aurora boreal. Fenômeno raro - com isso a estrela começou a voar e a voar. E acredito que um dia seu caminho vai encontrar.

A ESTRELINHA SENTIA QUE TINHA DIANTE DE SI UM MAR SEM FIM PARA EXPLORAR.

areia no olhar, saiu da empresa. Depois de 12 anos sentia seu ciclo fechar. Respeitou esse sentimento e com uma coragem que não lhe era peculiar, saiu sem nada no “braço” (mão) a lhe ocupar.

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Kátia Tavares da Silva

AS PEDRAS ENCANTADAS E A FADA DO CAMINHO Era uma vez um reino... um imenso reino que ficava entre rios e montanhas. Lá viviam todos os elementos da natureza: pássaros, plantas, vários tipos de animais, duendes e anões, fadas e dragões e também faziam morada por lá alguns seres humanos. Em uma das casas desse reino, um casal deu à luz à sua terceira filha e como esperavam agora um menino, haviam prometido, caso não fosse, dar a menina a uma irmã do pai que não podia gestar seus próprios filhos. A menina chegou... Seus pais, ao recebê-la, desistiram da doação e como madrinha escolheram essa irmã. A menina então cresceu, cresceu, e, às vezes, conversava com seus amigos invisíveis que encontrava em meio às plantas e sempre perguntava: qual era, na verdade, o seu lugar? A resposta era sempre a mesma – uma luz por entre as frestas das árvores se transformava, bem próximo dela, em um arcoíris; na verdade ela enxergava um caminho arco-íris e aquilo ao mesmo tempo que a intrigava, deixava-a feliz e assim seguia... De um lado, brincando com seus irmãos nas ruas do reino e na casa de seus pais, de outro, brincando na casa de sua prima, que a madrinha havia adotado, e também ouvindo muitas histórias que a madrinha contava... não se sentia parte integrante por inteiro, nem de uma casa, nem de outra... mas sentia-se totalmente parte do reino todo, especialmente parte dos jardins, dos bosques, das montanhas e rios... ... continuou sua travessia... conheceu muitos bichos, plantas, adorava observar as pedras - seus formatos e texturas, mas fez poucos amigos humanos no reino porque era tímida e gostava mesmo era de conversar com seu anjo e os duendes todos que encontrava em seu caminho. E foram eles que, um dia, quando já não era mais criança, lhe trouxeram a imagem de um príncipe... Ela ficou encantada, mas não sabia onde encontrá-lo, passou a sonhar muitas

As Pedras Encantadas e a Fada do Caminho

vezes com ele... Quando já era quase uma mulher feita, seus pais e seus irmãos, cada um em seus caminhos outros, em um dia lindo de verão, caminhando com sua mesma pergunta aos duendes, qual era o seu lugar? Olhou e viu a figura do príncipe dos seus sonhos... ele estava ali, bem próximo, contemplando as árvores do bosque com um jeito de menino e de um ancião sábio ao mesmo tempo... o coração quase saiu pela boca... o príncipe se aproximou e nada disse, apenas lhe deu uma linda pedra azul e sorriu... Nessa hora o arco-íris apareceu novamente... foi quando teve a certeza que um dia encontraria o seu lugar. O príncipe tinha como missão trazer harmonia para o reino. Ele era conhecido como um encantador de palavras. Por onde passava, suas palavras se transformavam em gestos de cuidado, principalmente nos jardins, mas também de muitas plantas, dos bosques, dos rios, pois havia uma ameaça muito grande, de que o dragão que vivia atrás da montanha seca, iria dominar todo o reino e ele começaria pelos jardins. Passado algum tempo, agora juntos, eles seguiram - o príncipe e a que se tornou princesa – encontrando pessoas que também amavam a natureza toda e, em especial, as que gostavam de cuidar dos jardins. Suas missões agora se uniam... Um dia o príncipe, após ter chegado de uma de suas jornadas, disse à princesa que havia recebido a missão de ajudar a cuidar de uma sementinha plantada em um jardim de uma pessoa especial em sua vida, antes de conhecê-la. A princesa achou muito bonita a atitude do príncipe e também, mesmo que por breves períodos, ajudou aquela sementinha a ir crescendo e ir se tornando uma planta. No meio desse tempo, os dois construíram um lindo jardim

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As Pedras Encantadas e a Fada do Caminho

SUAS MISSÕES AGORA SE UNIAM


e nele plantaram três sementes muito especiais... uma a cada quatro anos, mais ou menos... E elas foram crescendo, crescendo... assim eles seguiram cuidando muito bem do seu próprio jardim, mas também de outros... Com o tempo, a princesa começou a perceber que a outra planta, do jardim distante, acabava precisando sempre de um cuidado maior do príncipe e que este, mesmo sabendo que o dragão da montanha seca estava sob controle, temia que aquela plantinha, que agora já era uma árvore do jardim distante, ficasse desprotegida. Ela iria precisar de sua proteção sempre. A princesa não concordava com a maneira de cuidar daquela árvore, mas não conseguia falar o que sentia... tinha medo de magoar o príncipe e também a árvore e esta ficar com mais problemas ainda. Assim, a princesa foi levando, cuidando do seu jardim com o príncipe, vivendo momentos muito felizes. Ela já acreditava que caminhava pelo caminho arco-íris e que havia encontrado o seu lugar... e caminhava por todas as cores, na maioria das vezes tranquilamente, mas em outras uma tristeza lhe invadia a alma e ela, mesmo que por um curto período, esquecia todo o encantamento daquele lugar... mas seguia e recuperava olhares e gestos... Um dia, parecia estar vivendo um grande pesadelo. Ela caminhava feliz pelas cores, cuidando de outras tantas sementes e plantas, pois suas três árvores já estavam grandes e não precisavam mais de tantos cuidados quando, de repente, se deparou com o dragão da montanha seca, olhando gravemente para ela. Ficou tão assustada que caiu do caminho arco-íris, perdeu os sentidos, acordou sem chão, sem luz ... a escuridão era imensa e parecia não ter saída. Sentia uma dor interna muito grande, mas não havia nenhum machucado, apesar da grande queda e quando parecia que nada ia mudar, seu anjo guardião apareceu, iluminou o lugar e ela viu o caminho arco-íris novamente em sua frente... Só precisava ter força para levantar e novamente seguir, mas lembrava do dragão e o medo a deixava sem forças. No entanto, via a luz do seu anjo e se sentia fortalecida... até que esta foi mais forte e ela levantou, vagarosamente, perdeu novamente os sentidos e quando acordou, viu o príncipe ao seu lado, cuidando dela. Ele lhe trouxe três belos frutos das árvores especiais cuidadas por ele. Não estava entendendo o que aconteceu, se sentia fraca, não conseguia nem mesmo falar. O príncipe, todo cuidadoso a alimentou, sempre com os frutos das suas três

árvores e um silêncio profundo os acolheu e ela foi, dia a dia melhorando, recriando forças, mas havia ainda uma dor interna que ela não sabia de onde vinha que logo já tomava o seu pensamento: a árvore distante que precisava de cuidados especiais, do esforço quase em vão do príncipe. Ela ficava bem por um tempo, mas voltava a murchar, adoecia, e lá voltava ele... A princesa nem conseguia dizer o que sentia... Um dia passeando pelo bosque, pensando na sua vida, nas três lindas e fortes árvores especiais que ela e o príncipe conseguiram cuidar e que sempre comtemplavam e eram acolhidos pelas serenas sombras, parou para contemplar uma bela paineira. Nessa hora apareceu o seu anjo apenas para lhe fazer ver no chão uma linda pedra azul. Ele sabia do seu amor por elas. Ao pegá-la e admirá-la, uma fada surgiu na sua frente e disse lhe que poderia ajudá-la a descobrir o porquê daquela dor que sentia, mas para isso elas deveriam se encontrar, sempre no mesmo dia e horário e a princesa teria algumas tarefas a cumprir. A princesa concordou em tudo com a fada e a agradeceu. Voltou a olhar para pedra, ia falar algo para a fada, mas ela já havia sumido. Assim, a princesa contou para o príncipe tudo que havia acontecido e aguardou ansiosa... Seguiu encontrando-se com a fada e realizando as necessárias tarefas, às vezes, difíceis tarefas, mas a cada dia que passava, sentia que aquela dor interna estava diminuindo e se espaçando no tempo. Descobriu que aquela dor era de sua voz que foi interditada em vários momentos da vida. Ela estava adoecida, precisava sair para se curar. Ao acolher a sua voz que pedia para sair, a princesa foi se fortalecendo... Hoje, segue cuidando de seu jardim com o príncipe e de alguns outros jardins, pois o dragão da montanha seca ainda não foi totalmente domado. Sua voz agora consegue quase sempre sair por inteiro. Em um pequeno saquinho de pano, carrega sempre sua pedra azul e, como suas tarefas ainda não acabaram, os encontros felizes com a fada continuam...

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Eliana Marta Mangini Salvetti

O PORTAL DA CORAGEM Era uma vez uma menina que se chamava Eliana e que vivia num reino muito tranquilo, cheio de paz, luz e alegrias. Nesse reino vivia sua família humilde e honesta. Os pais eram trabalhadores e tinham muitos filhos, mais precisamente eram onze filhos. Uma noite a família foi viajar para um reino distante e quando lá chegaram, a menina que tinha por volta dos três anos nessa época, escorregou da mão do pai e caiu numa vala profunda e escura, foi um grande susto, sentiu muito medo e chorou. Depois de consolada a caminhada continuou e a viagem foi maravilhosa. No reino onde vivia contavam-se histórias de gigantes, de dragões, de bruxas e de fadas. Algumas eram assustadoras, mas outras enchiam de curiosidade e fantasia as crianças do reino. Existia também um Ser Todo Poderoso que tinha o poder de ver tudo o que acontecia naquele reino, não existia uma descrição muito precisa Daquele Ser, porém os mais velhos falavam Dele com muito respeito e carinho. De repente uma ameaça a todo reino. Aquilo que eram apenas contos de bruxas e fadas transformou-se numa realidade terrível. As pessoas se reuniram para suplicar ao Ser Todo Poderoso, até as crianças imitavam os mais velhos em seus pedidos. Mas nada, aparentemente aconteceu. O reino foi invadido por dragões furiosos, que chegaram de todos os lados, soltando fogo pelas ventas e ameaçando a todos. A correria foi para todos os lados. Tudo que tinha uma ordem natural se perdeu. Todos quase se perderam também. A família mal teve tempo de pegar os filhos, algumas roupas e alguns alimentos. Saíram em disparada e sem rumo;

O Portal da Coragem

acabaram por se perder no meio da floresta. Depois de alguns dias, encontraram o compadre Belo que emprestou uma cabana a eles e ofereceu ajuda para cuidar da terra. A vida era muito difícil nessa época, faltava quase tudo. Em alguns dias passaram fome em outros passaram frio precisaram de muita coragem naquele momento. Nessa cabana em que viviam, as noites eram iluminadas por lampiões e lamparinas de óleo; um fogão de lenha que mantinha a comida quente e o ambiente mais aquecido, tudo isso mantinha a família unida e animada para o dia seguinte. Certa noite quando todos já dormiam, um acontecimento inesperado sacode aquela pequena cabana. Não se sabe muito bem o que aconteceu, mas o único terno do pai que tinha uma cor “verde oliva” pegou fogo e encheu o ar de fumaça e medo, saíram de casa no meio da noite até conseguirem apagar o fogo, aquilo abalou novamente a família que já tinha muito pouco e ainda se recuperava do desafio anterior. O pai não se conteve chorou, esbravejou e duvidou da bondade daquele Ser Todo Poderoso, que permitiu aquele novo desafio, que parecia tão grande num momento em que a fragilidade de todos estava muito aparente. Aquela menina, que acompanhou tudo bem de perto e sentiu os desafios de cada dia, sentiu a dor do pai naquele momento, o desalento, a incapacidade diante dos acontecimentos. Chegou a conclusão de que aquele Ser Todo Poderoso não via tudo que acontecia. Aquela menina passou a ser mais observadora, começou a perceber as diferenças entre as pessoas, começou a olhar para tudo com muita desconfiança. Começou a imaginar


que a vida era muito difícil e não havia quem pudesse ajudar quando acontecia uma tragédia, porém sua mãe falava que a vida era maravilhosa, não entendia muito bem de onde vinha o otimismo de sua mãe, mas reconhece o brilho que acrescentou em todos os seus dias. Queria entender mais de tudo, numa espécie de busca de proteção, sua curiosidade levou-a na busca de defesa. O mais velho da aldeia contou a ela sobre uma antiga lenda existente desde os tempos antigos sobre um portal de iniciação e isso aguçou sua curiosidade e fantasia. Passou a visita-lo regularmente e ele aos poucos contou a ela mais detalhes sobre esse tal portal e que guardava um objeto mágico. É uma longa caminhada minha filha, dizia o ancião da aldeia. Cheia de desafios e transtornos, encontros com seres que não estamos acostumados a ver. Em alguns momentos ficou tentada em desistir, mas a sua curiosidade e a necessidade de querer resolver os desafios falaram mais alto. Contou para a família o que tinha ouvido e o que pretendia fazer. Os pais ponderaram que ela era muito jovem e talvez aquele não fosse o momento mais apropriado, para essa tal busca. Diante de tanta insistência, os pais acabaram por ceder. Deram muitos conselhos e uma mochila com alguns objetos que podiam ser úteis para o tal desafio. O pai deu a ela um rolo de arame e dois pedaços de pau para fazer fogo, e ensinou como usá-los. Os irmãos contribuíram com algumas peças também. Abraçaram-se e fizeram uma oração para que ela voltasse vitoriosa, sã, salva e feliz. E aquela menina saiu com os pés firmes de quem sabia o que buscava. Entrou floresta adentro e ouviu os sons que todo aquele universo produz. São pássaros, borboletas, sapos e rãs, o barulho das águas caindo em algum lugar, o vento que soprava suavemente as folhas das árvores, parecia tudo encantado mesmo. Seguiu contente pela trilha que o ancião havia lhe ensinado.

Mas tanta confiança não resistiu ao cair da noite. Os sons agora eram outros, estava sozinha, no escuro e num lugar que não conhecia, ouvia ao longe o uivar dos lobos, o piar de uma coruja que a seguia, cada folha seca que pisava criava um barulho que lhe parecia assustador e quase se arrependeu. Respirou fundo, lembrou-se da sua busca e dos apetrechos de sua mochila. Parou numa clareira que lhe pareceu familiar, pegou os pedaços de paus que o pai havia lhe dado para fazer o fogo e tentou acender uma fogueira, mas estava muito difícil e dizia: não sei fazer isso, não consigo fazer o fogo. Mas não desistiu, precisou de muita perseverança até aparecer uma faísca. A fogueira estava garantida, usou o arame que estava na mochila e fez uma cerca em volta das árvores, comeu um pedaço de pão, olhou para o céu cheio de estrelas e pediu proteção, encostou-se numa árvore, cobriu a cabeça com o véu azul e adormeceu. Só acordou com os pássaros dizendo: Bom dia. Caminhou, caminhou, caminhou. Encontrou uma gruta e nela uma velhinha pendurando sua roupa lavada nos galhos das árvores, aquela senhorinha puxou conversa e queria saber o que aquela menina sozinha fazia ali. A menina ajudou a pendurar as roupas e gentilmente contou a sua busca. A velhinha disse que naquele caminho existiam muitos desafios. A menina quis desistir novamente, mas a velhinha a encoraja dizendo que ela saberia o que fazer quando os desafios aparecerem. Despediram-se amigavelmente e a menina deixou para a velhinha sua corda para que fizesse um varal, ela riu muito da preocupação da menina em querer facilitar o seu serviço. Agradeceu o presente e disse que lhe será muito útil. Começou a se preparar para tudo aquilo que a esperava. Saiu confiante e caminhou rapidamente antes que anoiteça novamente. Mal começou a andar, logo se defrontou com um desfiladeiro. Não sabia muito bem o que fazer, colheu

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O Portal da Coragem


muitos ramos de cipó das árvores próximas e imaginou mil formas de resolver a situação, por fim iniciou um trabalho com a agulha de tricô que a mãe havia lhe dado naquela mochila. Animou-se por sua solução criativa, e o trabalho vai tomando forma de ponte, porém quando estava na metade do trabalho seus dedos começaram a sangrar e a desafiála na sua tarefa. Naquele momento, gritou até ouvir o eco de si mesma, engoliu a sua dor e decidiu continuar tecendo. Terminou a sua ponte, atravessou o desfiladeiro equilibrando de um lado para outro, continuou confiante e determinada a sua empreitada. Procurou nesse momento água para cuidar dos dedos, viu um arco íris e ouviu o barulho de um rio que corria nas rochas, porém quando se aproximou da margem, alguém falou firme: “esse lugar é meu.” Se assustou com aquele vozeirão, parou estarrecida com o tamanho daquele ser: era um gigante de verdade. Não sabia se falava, chorava, corria ou se escondia. Ficou observando cada movimento para saber qual seria a sua melhor atitude naquele momento. Com a ponta dos pés o gigante jogou água em sua direção que caíram como uma cachoeira, o gigante observa a menina que se encheu de coragem e jogou um pouco de água pés do gigante também e esperou para ver sua reação. Começaram a brincar e no final sentaram para comer um pedaço de pão com geleia. Perguntou a ele o que fazia ali sozinho. Ele respondeu que esperava os viajantes que não tinham medo, pois os outros fugiam somente de ver sua aparência. Despediram-se naquele momento e o gigante pediu a ela um presente, ela ficou meio sem saber o que poderia ser um presente para um gigante. Olhou em sua mochila e arriscou com o que possuía. Deu a ele as duas bolinhas de gude e o seu pote de geleia. Sem que ela soubesse, ele também deu um presente, que ela percebeu depois de muito tempo. Quando se sentia em grande dificuldade e às vezes sem mesmo saber o que

fazer, de um momento para o outro parecia que se tornava um gigante e o seu desafio por um passe de mágica era diminuído infinitas vezes. Voltou a caminhar, pois o seu objetivo estava ainda bem distante. Vai caminhando alegre e distraída com o canto dos pássaros, mas de repente estava de frente para uma fada linda e gentil, porém seu primeiro sentimento foi de medo, pois já havia ouvido falar das fadas que se tornam bruxas. Começaram a conversar sobre aquele lugar, sobre a vida com suas belezas e desafios, sobre as alegrias e encantos que estão presentes em todos os dias. Riram muito quando a menina escorregou e quase caiu, a fada não se tornou bruxa e até fez um aceno de despedida, quando a menina partiu. Ela queria só o seu tempo. Depois de tantos desafios por esse caminho de busca, chegou ao portal que tinha uma inscrição: “Portal da Coragem”, atravessou por ele e não encontrou nada e ninguém que pudesse contar sobre o lugar. Estava muito cansada. Ficou desanimada, ficou com raiva, chorou de tristeza por ter caminhado por nada, chorou tanto que fez uma poça de lágrimas, onde se formou um arco íris e começou a aparecer uma guerreira refletida em seu lugar. Não conseguia entender o que está acontecendo. Será que o objeto mágico era aquela armadura? Tinha também uma espada, um escudo e uma lança. Gostaria que tivesse uma mágica que explicasse tudo. Conversou com as árvores, com os passarinhos, com as borboletas e abelhas. Que só ouviam e nada respondiam. De repente apareceu um duende, aparentando mil anos e dizendo que era o guardião daquele portal. O duende disse à menina: “Você é forte, corajosa, destemida mas ainda é uma criança. O que pretende com tudo isso, vindo até aqui?” A menina respondeu: quero estar preparada para os desafios da vida.

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Voltou para casa cheia de coragem e alegria, imaginava que havia conseguido o que precisava para viver. O fato de perceber que era uma fortaleza, trouxe a ela uma outra preocupação. E os outros? Tomou a decisão de sempre ajudar as pessoas com o que fosse do seu conhecimento e dependesse de sua força e coragem. E fosse solicitado. A vida foi passando, passando. Encontrou um príncipe que lhe pareceu maravilhoso e com ele caminha até hoje. Com ele teve dois filhos também maravilhosos, um menino gentil e carinhoso e uma menina iluminada, que se tornaram sua estrela guia. Mas nem tudo era maravilhoso na vida que escolheu. Muitas alegrias e tristezas, muitos enganos e desenganos, muitos desafios e não lembra quantas vezes precisou caminhar naquele caminho onde fez a “iniciação da coragem” e vestir aquela armadura para se sentir forte e corajosa e enfrentar os desafios dos seus dias. Aquela guerreira descobriu depois de muito tempo que a sua fragilidade e o seu medo que ficaram escondidos, faziam parte do seu ser como um todo. Aos poucos começou a experimentar aquilo que colocou a sete chaves. Sentiu como se ouvisse o duende contando um outro segredo e desencantando a guerreira menina, e sua voz dizendo: “relaxe menina, a vida é boa, gentil e segura; você não está sozinha”. O duende trouxe para perto também a imagem daquele Ser Todo Poderoso do qual a menina havia duvidado da sua existência. Disse que Ele esteve sempre por perto,

O Portal da Coragem

nas pessoas com as quais ela se encontrou: na velhinha, no gigante, na fada, e em outros tantos personagens que passaram por sua vida. Ela revelou ao duende que sentiu. Essa Presença Divina intensamente no nascimento dos filhos, que pelo simples fato de chegarem ao seu encontro modificaram e iluminaram tudo que estava por perto. Essa sensação da presença do Ser Todo Poderoso sempre a fortaleceu, mostrando sua luz, mesmo que distante. Agora experimentou falar para si mesma “eu não consigo”, “eu não entendo”, “eu não estou só e preciso de ajuda”. E se surpreendeu com a sensação de bem estar que invadiu o seu corpo e sua alma, percebeu e sentiu o peso que saiu de seus ombros. Encheu-se de confiança e falou um pouco mais alto, para que além dela, outras pessoas também pudessem ouvir. Ela percebeu a bondade com que foi acolhida. O príncipe e os filhos foram os primeiros a ouvir e assim ela teve certeza de que poderia a partir desse momento experimentar novamente sua fragilidade e com segurança saber que não está sozinha e todos estavam prontos para acolhê-la.

VOLTOU PARA CASA CHEIA DE CORAGEM E ALEGRIA, IMAGINAVA QUE HAVIA CONSEGUIDO O QUE PRECISAVA PARA VIVER.

O duende se surpreendeu e riu com tanta determinação e coragem daquela criança, que para chegar até aquele lugar, ele tinha certeza que ela havia passado por muitos desafios. Contou a ele sobre sua família, o reino onde viviam. Contou também da invasão dos dragões e como ela se sentia com aquilo tudo que aconteceu. Imaginou que no “Portal da Coragem” encontraria uma varinha mágica ou um exército ou uma poção que a fizesse entender tudo. Nesse momento o duende contou a ela que tudo aquilo que ela imaginou que estaria lá, já lhe pertencia, a partir daquele momento era uma guerreira. A menina sentiu nesse momento que guardou a sete chaves a sua fragilidade, o seu medo, a sua infância.

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Vera Zinkhahn

HEXINHA E SEU APRENDIZADO Era uma vez um tempo, no qual num enorme combate, o reino do sul tinha vencido o reino do norte. Em tempos longínquos, alguns habitantes deste último tinham deixado sua terra, atravessando um mar imenso, para vir morar no belo, grande reino do sul. Agora, porém, nesta situação pós-combate, eles foram marginalizados e perseguidos. Não mais podiam falar o seu idioma. Então, na primavera, quando o sol brilha através da constelação da balança, numa manhã de domingo, nasceu uma menina de cabelo escuro, para o grande espanto de seus pais. Ela era diferente do que eles esperavam. Queriam dar-lhe o nome da sua madrinha, entretanto este nome não foi aceito na cidade, por ser o de uma deusa do reino do norte, lembrando o inimigo vencido. Assim, à menina foi dado um nome relacionado à verdade, sendo benquisto e aceito em todos os povos da terra. Ganhou também um apelido: Hexinha. Depois de pouco tempo, chegou o seu irmãozinho. Viviam às margens de um grande rio, que de vez em quando com as abundantes chuvas aumentava muito; subia e subia em seu nível e tornava-se voraz, como um dragão. Chegava até próximo à casa de Hexinha e arrastava consigo tudo o que podia, principalmente as árvores frutíferas de seu quintal. Com isso as aberturas feitas na margem do rio tornavam-se sempre maiores, colocando em risco a casa e enchendo de temor o coração de Hexinha e o de sua família. Quando o rio se acalmava, a vida novamente era bela e risonha, pois a casa tinha um vasto jardim muito bem cuidado por sua mãe. Nele havia flores, arbustos e dois altos ciprestes em frente da casa, lembrando duas velas gigantes. Hexinha gostava muito daquele lugar e das brincadeiras com seu irmão, porém queria também brincar com outras crianças. Isto era difícil, pois a sua mãe preferia um certo isolamento.

Hexinha e Seu Aprendizado

Quando conseguia, escapava para brincar com a menina da casa vizinha. Sentia muito o rigor dos seus pais e a expectativa deles, de que fosse uma filha aplicada, exemplar. Este anseio, durante todo o período escolar, ela conseguiu satisfazer-lhes, sendo uma das primeiras da classe. Por vezes toda família passava um final de semana na praia próxima. O enorme mar começou a tornar-se seu amigo. Ele era cheio de mistérios, de surpresas, de caprichos: era um ser vivo, que ela observava atentamente. Chegou então o tempo em que Hexinha estava mais ou menos apta a sair da casa paterna, indo morar e trabalhar na maior cidade do reino do sul. Lá teve contato com o que já há muito tempo procurava: a água da vida. Era ainda bem jovem e não a reconheceu de imediato: apenas um pouco mais tarde. Neste tempo recebeu o convite para viajar para o reino do norte, do qual tanto os seus pais lhe tinham falado. Com muitos cantores e músicos, num grande navio, Hexinha lá chegou, cheia de expectativas. Ficaram cantando e fazendo música em muitas, muitas cidades daquele reino ao longo de muitas semanas. Ao voltar novamente para onde nascera, formou a sua casa própria com um jovem que já conhecia há muito tempo. Ele tinha dois semblantes: um de touro e o outro de um príncipe. Não demorou para que ele sempre apresentasse mais o seu lado touro, deixando pouco cultivado o de príncipe. Hexinha, com muito esforço mantinha numa atmosfera aconchegante, na casa com seus dois filhos que tinham nascido. Com o auxílio da água da vida conseguiu sempre de novo abastecer a si mesma e ao seu lar. Até aprendeu um ofício de vivificação através dela, que lhe iria garantir o sustento, também em fases posteriores de sua

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Passado algum tempo, veio um outro príncipe. Este tinha um semblante de um majestoso leão. Com seu peito enorme, sua destreza e fineza, conseguiu cativar de imediato Hexinha. Agora começou um tempo de muitos altos e baixos e a vida parecia como uma viagem em alto mar, onde nenhum dia se assemelha ao anterior. Ora havia ondas gigantescas, espumantes e céu escuro, pesado, com fortes ventos soprando, ora havia calmaria, as águas feito um espelho e o céu de azul anil. As forças do coração da menina foram muito solicitadas, sacudidas e colocadas à prova. Quando o leão rugia, a terra toda tremia e a casa ameaçava ruir. Hexinha desenvolveu muita coragem, humildade e também amor-próprio. Foi um período de grande exaustão, até que não mais aguentou. Para sua sobrevivência e a de seus 4 filhos, pois lhe nasceram mais dois, ela pediu ao príncipe-leão que a deixasse e que seguisse o seu caminho sem a família. Estava muito debilitada e precisava de recuperação. Assim agora ficou com os seus num oásis, por algum tempo. Até que, em dado momento, aproximou-se um príncipe cuja face oculta era a de uma águia. Ele sabia muito dos ares, das nuvens, do tempo, das estações do ano. Veio voando do reino do norte e para lá a convidou. Ela perguntou-lhe, se lá também havia a água da vida, da qual tanto necessitava. Com a confirmação recebida, ela, com seus dois filhos pequeninos, seguiu para o reino do norte. Os outros dois já eram grandes e não quiseram ir junto. Assim começou um tempo de muitas privações, muito aprendizado, um tempo onde o dentro ficou para fora e o que estava fora, foi para dentro. Hexinha se deparou com o ser do frio, que faz encolher, que faz silenciar, que faz acordar, que faz conservar, que, quando finalmente se despede, faz renascer. A vida com o príncipe-águia trouxe-lhe muita lucidez. Ela teve que aprender mais uma vez a falar e a pensar, pois no reino do norte tudo era diferente do que conhecia. Muito tempo ela viveu com o príncipe-águia: um terço, de sua trajetória terrena. Mas, certo dia, um enorme pesar a

Hexinha e Seu Aprendizado

atropelou: foi lhe revelado o que ele sempre lhe ocultou e, assim, o vaso de sua vida em comum se quebrou. Hoje Hexinha incorporou os frutos da vida compartilhada com os seus príncipes: a força, o calor e a luz e continua a zelar por eles, para que não pereçam e sim, continuem com viço. O rio de sua infância ficou sendo-lhe um norteador em sua vida. Aprendeu com o comportamento de sua água, bem como com a água do mar, com suas cheias e vazantes, sua calmaria e tempestade, com suas diferentes colorações, toda a diversidade dos estados anímicos do homem. Atualmente Hexinha voltou a viver no reino do sul e visita muito o reino do norte. Sente em si uma certa clivagem entre o sul e o norte, estes extremos de uma imaginária linha vertical, necessitando das forças da balança que a acolheram na hora do nascimento, a equilibrar, dentro de si, os dois reinos tão distintos um do outro. Seu olhar interior está voltado para o eixo central da balança, formando com os pratos equilibrados uma linha horizontal, ou seja, uma cruz. A partir do centro desta cruz, vislumbra uma esfera dourada, em ascensão, da qual tem a impressão de perceber tenuamente um semblante sereno, repleto de paz. E, se Hexinha não morreu, continua viva, até hoje!

A VIDA COM O PRÍNCIPE-ÁGUIA TROUXE-LHE MUITA LUCIDEZ.

vida. Querendo ou não, deveria saber lidar com o touro e assim adquiriu sempre mais valentia e capacidade de atuar com as forças da vontade. Mas a dado momento, o touro resolveu procurar uma outra pastagem, deixando os seus para trás. Já nas fases difíceis anteriores e agora, mais do que nunca, Hexinha teve o amparo de fadas, que a acalentavam e que lhe davam suporte.


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Formação em Aconselhamento Biográfico - Turma II


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