Madrugada de sábado, 08 de outubro de 2016.
Foto: Kelvin Sanches
Para nossa primeira entrevista, fomos ao SIS Lounge Bar, onde nossas entrevistadas trabalham como hostess. Conhecemos o local como a palma de nossas mãos, já que estivemos naquela área inúmeras vezes, seja por trabalho ou por diversão. Dessa vez estávamos lá, e não era para um trabalho qualquer, e sim O TRABALHO! Enquanto pensávamos no nosso tema já tínhamos em mente o nome de duas drags que com certeza aceitariam fazer parte deste projeto: Lolla Milan e Chloe Millan. Ambas fazem parte da equipe do SIS, ocupando cargo de hostess e, de vez em quando, fazem performances e shows incríveis para o público da casa. Antigamente elas eram um casal, mas atualmente mantêm uma grande amizade a nível de filme, sendo parceiras na vida real e no trabalho. Após uma da madrugada, nos encontramos com as duas no camarim, que fica reservado no interior da boate. Ambas faziam retoques finais na maquiagem e realizavam uns ajustes em seus trajes. Chloe, por ser mais tímida, decidiu que falaria depois de Lolla, e,
portanto, saiu para tomar um drink, deixando a parceira encarregada de ser nossa primeira entrevistada.
Lolla e Chloe fazem retoques nas maquiagens. Foto: Pedro Augusto
Com um visual bem jovial, inspirado na cantora Ariana Grande, Lolla sentou-se confortavelmente no sofá, jogou o cabelo preso em rabo de cavalo para o lado, endireitou seu boné e disse animada “Estou pronta, vamos lá!”. Ser drag é uma arte, e isso é inquestionável. Mas o que fazer drag é para Lolla Milan? “Acho que assim, ser drag é como uma magia sabe? Porque é lúdico. A gente que é drag acaba sendo como um teatro ambulante, é maravilhoso o retorno que a gente tem nos dias de hoje”, responde. Definir uma drag pode ser uma tarefa muito difícil. Perguntamos para Lolla como ela definiria essa arte, e ela esclarece que hoje a drag vai muito além de estar bonita e querer chamar a atenção de forma desnecessária. “O papel da drag pra mim, é você conseguir modificar um pouco a vida chata, sabe? O cotidiano chato. Por que as pessoas estão acostumadas com o que é normal, o que é comum e a vida fica muito sem graça. A gente trabalha o dia inteiro. Drag é um personagem onde a gente tenta transpassar uma realidade que na verdade é um personagem. A mesma coisa que um teatro. Pelo menos, pra mim, drag é isso. Além de claro, saber posicionar o personagem e passar uma mensagem”.
Lolla durante a entrevista. Foto: Pedro Augusto
A escolha de fazer parte da cultura drag Para ela, escolher fazer arte drag não foi nada fácil, pois como pessoa havia sido muito preconceituosa, quando não existia sua personagem, apenas Pablo. Não conseguia entender uma pessoa que sente que nasceu no corpo errado, também não via motivos para uma pessoa fazer drag. Lolla conta que tinha preconceito, mas que considera isso comum, porque acredita ser falta de conhecimento. “A gente teme o que não conhece. A gente estranha o que não conhece, a gente duvida, e isso é algo natural do ser humano. O ser humano tem esse defeito. Como a Lady Gaga disse numa entrevista, o maior erro do ser humano é julgar, é você odiar a pessoa sem saber quem é e o que que essa pessoa já passou na vida, ou o que essa pessoa já sofreu, sabe? ”, argumenta. Para completar sua resposta, fala que ao conhecer Chloe, com quem ficou casada por três anos, foi sendo introduzida aos poucos nesse mundo das drags e perdendo o preconceito. Foi com RuPaul que a vontade realmente apareceu e Pablo decidiu ceder. “Até porque a RuPaul é uma drag que todas queriam ser. Quem não queria ser inteligente, finíssima e guerreira como ela sempre foi? Ela já passou por todas as fases, entende? Ela é uma Cher no mundo das drags, não tem outra que possa substituir em questão de luta e sucesso”, Lolla comenta, admirada. Sobre sua primeira experiência ao se montar, confessa que não conhecia nada de maquiagem, e não tinha ideia de como realizar, só sabia que queria fazer, pois tinha acabado de conhecer o programa RuPaul e queria aproveitar a época de Halloween. O lado bom é que tinha certa experiência em andar de salto, pois havia feito aulas de dança em vários estilos como contemporâneo, stiletto e vogue, então nesse aspecto houve mais facilidade. Lolla considerou sua primeira montação como brincadeira, e que depois disso ficou meses sem se montar. “Quando comecei não estava pensando em ser drag, queria só viver uma aventura e pronto. Até que o carnaval do ano seguinte foi
chegando, uma drag do programa da RuPaul, a Milk, estaria aqui na cidade, eu falei “por que não? ”. Era a primeira vez que uma drag estrangeira pisava em Campo Grande. Comecei a praticar muito a arte de maquiar, porque até então eu não sabia nada”, admite. “Mas eu tinha que ir, porque a Milk era uma drag da RuPaul e lá é exatamente onde eu quero estar, portanto precisava mostrar que eu estava querendo. Bonita eu não era, mas eu estava lá, realmente tentando, e é isso que importa”.
Concentrada, Lolla responde perguntas. Foto: Pedro Augusto Questionada sobre o que a comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) representa, ela é rápida na resposta “A gente levanta, como diz Inês Brasil, a bandeira do amor. E o que é isso? É você olhar as pessoas e não julgar, o que é quase impossível, eu sei”. Lolla fala que as pessoas tentam seguir os passos de Jesus Cristo, mas que elas falam somente referente a pecados, esquecendo que a única pessoa que pisou na terra e não pecou foi Jesus, e mais ninguém. “Todos nascem do fruto do pecado e somos pecadores desde que nascemos. E qual foi o maior legado que Jesus nos deixou? Ele não apontou, não julgou, não disse quem iria merecidamente para o inferno ou não. Ele abraçou, curou e plantou amor. E é essa a bandeira que nós, da comunidade, levantamos. O amor! ”, completa. Levando em conta suas últimas falas, paramos para pensar no preconceito que tais pessoas sofrem, mesmo deixando claro que só querem distribuir amor. Lolla comenta que as pessoas julgam como se os outros fossem os únicos que pecam, mas não olham para o próprio umbigo, e que temos essas pessoas em nossas famílias ou em nosso círculo de amizades. “Enquanto a gente veio para plantar o amor, eles julgam, desprezam, e mesmo assim nós amamos eles, ou pelo menos tentamos continuar amando. Nós somos tachados de covarde porque as pessoas partem pra cima, agridem a gente e nós não agredimos. Não fazemos isso porque a gente ama, e a gente chora por não entender o porquê de tanto ódio que não é recíproco”, reflete.
A dificuldade em se assumir gay Deixando o preconceito de lado e indo para o campo oposto, o da aceitação, resolvemos perguntar para Lolla como foi para o Pablo se aceitar como gay. A personagem fala que sempre foi e sempre soube, e que sofreu muito por isso. Considerado o galã do colégio, namorou várias meninas para tentar ignorar que sentia atração pelo sexo oposto, e acabou se assumindo apenas depois dos 18 anos, antes disso nunca teve nenhum tipo de relação sexual com homens, e nem com mulheres, mas não foi por falta de tentativa. “Cheguei a tomar viagra com 16 anos, juro, tentei de todos os jeitos fazer sexo com meninas, mas não conseguia. Me sentia muito reprimido, não queria ser gay. Pensava que se eu realmente fosse gay, estava ferrado. Noveleira que só, pensei até em forjar um acidente, morrer e depois conseguir uma identidade falsa. Tudo isso para não ter que lidar com a pressão de familiares e da sociedade. Pensei em virar trans, sumir, pegar minhas coisas e fugir de casa. Isso com 17 anos”, explica. Por dois anos namorou uma menina e ela dormia na casa dele. Ela sempre tentava algo a mais na cama, mas Pablo usava a desculpa de que, por vir de uma família cristã, só consumaria essa relação depois do casamento. Enrolou tanto, que nunca aconteceu. O relacionamento foi esfriando e, num belo dia quando resolveu ir para o bar na frente da faculdade, conheceu um garoto pelo qual se encantou. Foi para o bar com o pretexto de ver a cantora Ana Carolina, onde teve a sorte de conhecê-la e pode se declarar fã. Lolla ainda diz que foi a artista que incentivou Pablo, dizendo que a vida só vale a pena ser vivida se for para ser livre da forma que desejar. No local, teve contato com um rapaz que o intrigou exatamente por nunca ter tido contato com um gay antes. Depois de números de telefones trocados e muita conversa, percebeu que estava interagindo pela primeira vez no meio LGBT e estava gostando. Cada vez mais próximos, Lolla conta que estava se apaixonando, então resolveu ser sincero e terminar tudo com a menina que namorava, declarando que precisava se conhecer melhor. A descoberta e a rejeição por parte do pai Depois de Pablo finalmente se dar uma chance para conhecer o que tanto despertou sua curiosidade no mundo gay, não demorou muito para o pai descobrir o que ele andava fazendo. Desconfiado do término do namoro de seu filho, ele leu todas as conversas salvas no notebook entre o menino do bar e Pablo. Ao confrontá-lo sobre o assunto e finalmente descobrir a verdade, o pai expulsou o filho de casa. Lolla fala que sua mãe já sabia e que revelou que o maior problema era mesmo o seu pai. “Nessa época eu já estava aceitando como eu realmente sou, aceitando meu verdadeiro eu, então eu fiquei irredutível com a minha posição e não cedi. Ou ele me aceitava como filho do jeito que eu sou, ou eu saía de casa. Não deu outra!”, lamenta. Expulso de casa, ele foi direto para Cuiabá. Sozinho e apenas com o apoio da mãe, foi conhecer os amigos que fez pelo MSN, com os quais adquiriu muita intimidade. Nesse meio tempo em que morou no Mato Grosso, aproveitou para experimentar tudo o que reprimiu por conta da família. Pablo então, saiu de Cuiabá e, junto de sua mãe, começou a morar em Campo Grande, onde conheceu e se casou com Chloe Millan. Cinco anos mais tarde, seu pai veio a cidade para o velório de um parente. “Foi bem breve, a gente se abraçou, mas foi como se fosse um “oi, tchau”, e eles chegaram a cumprimentar meu companheiro também, com respeito e sem nenhum drama. Esse foi o primeiro contato que tive depois de cinco anos. Foi só depois de sete anos que meu pai me ligou pedindo
desculpas, falando que começou a ter sessões com um psicólogo e que via as coisas de maneira diferente. E eu entendia meu pai, afinal, cada um teve uma criação diferente, e ele teve a dele, mas rejeição é algo muito difícil de superar e aceitar”, diz Lolla, ressaltando que não deseja que ninguém passe pelo que passou. Lolla Milan nos dias de hoje, inspirações e positividade para o futuro Tudo são fases, e quando paramos para pensar no presente e comparamos com o passado, nos deparamos com inevitáveis mudanças. Lolla, atualmente, consegue ser a personagem que Pablo quer que ela seja. Ser fina e ter postura de diva, ao mesmo tempo em que é ‘porra louca’, como a mesma se refere. Ela também é festeira. Além disso canta, performa e é maquiadora profissional. Ela se vangloria ao dizer que consegue ver uma carreira para si mesma e que está chegando aonde quer chegar. Quando estamos por cima, nunca podemos nos esquecer do que nos ajudou a ficar no topo. No caso das drags, é praticamente impossível produzir tal arte sem se inspirar em algo ou alguém. Lolla tem como referência personalidades como Lorelay Fox, Andromeda, e claro, RuPaul. “Lorelay foi muito importante pois me fez aprender a respeitar todos, e seu jeito de falar doce e cativante, somados a sua simplicidade e conhecimento, é algo que eu quero transmitir. Além dela tem a Andromeda, uma drag local bem culta que me inspira e eu admiro muito, fazendo um trabalho que me deixa de queixo caído. RuPaul, obviamente, não tem nem o que falar. Não posso deixar de citar que na hora de me montar, a inspiração vem das grandes divas internacionais, como Rihanna e Britney Spears. Quero ser como elas no palco.” “Mas acima de tudo, quero agradecer a era medieval por criar a drag queen”, complementa. Por fim, comentamos com Lolla sobre o ressurgimento das drags no cenário atual e a força com que isso anda acontecendo. Ela acredita que isso tudo acontece graças a RuPaul, que deixou a arte drag em evidência novamente, e que finalmente há chances de ganhar dinheiro com isso, pois os trabalhos delas estão no foco. “Fechei vários trabalhos e posso dizer que as pessoas estão comprando a ideia, isso é muito importante. Agora vai, gata! Vamos conseguir o espaço merecido! ”, comemora.
Madrugada de sábado, 08 de outubro de 2016
Foto: Weverton Ramires Assim que Lolla se retirou da sala, Chloe se aproximou e sentou-se no sofá, acomodand o-se de forma bem refinada. Pudemos perceber que ela é visivelmente mais tímida, poré m se porta elegantemente, e, além disso, ser uma característica própria, pode ser que gan har o Miss Gay MS 2016 tenha ajudado a manter e assegurar sua postura mais sofisticad a.
No começo da entrevista, Chloe garante que ser drag significa a realização de um sonho, pois ela sempre se viu dessa forma, e que passou grande parte da sua vida guardando es sa visão apenas no seu íntimo. Ela revela que pra fazer essa arte deve-se ter carisma, sim patia, saber conversar com o público e se entregar completamente. Sobre as principais mudanças da Chloe de antigamente para a de hoje, ela responde sem hesitação “A maquiagem, a aparência, os looks, a personalidade principalmente mudou muito, pois antes eu era “despirocada”, muito fora da casinha. Hoje já não é assim, sou f ora da casinha, porém com consciência (risos) ”. Sabemos que Chloe trabalha no SIS, e ao tocarmos nesse assunto, Chloe expressa muita gratidão pela visibilidade que a casa lhe proporcionou, porque muitas pessoas da comu nidade LGBT e até mesmo da cidade acabam indo para o bar nem que seja apenas para conhecer, e a notoriedade acaba acontecendo. Além de tudo, ela agradece a casa por aju dá-la a se descobrir e se aceitar, pois era disso que ela precisava. Voltando ao início de quando tudo começou para sua personagem, Chloe conta que aco nteceu no último ano do Bistrô, em 2012, quando tinha uns 18 anos e sua mãe drag Ray ssa Mendel, a ajudou a montá-la. Depois disso se montou mais duas ou três vezes e paro u, tornando a se montar de novo apenas no carnaval de 2014, e desde então não parou m ais. Na hora de citar referências, Naomi Smalls e a Raja do programa RuPaul são os primeir os nomes que lhe vêm a cabeça. “Não diria que eu me inspiro, é que procuro ver os meu s looks, maquiagem, de acordo com o que eu quero, então não chega a ser inspiração, m as essas são drags que eu admiro bastante”, explica Chloe. Queríamos saber o significado de RuPaul para ela, que foi só elogios para a drag mais f amosa do mundo. “Ela é uma deusa, maravilhosa, ela é tudo. Foi graças a ela que a mai oria das portas no mundo drag foram abertas, ajudando a todas nós. Como citado anteriormente, Chloe venceu um concurso o qual conquistou o título de Mi ss Gay Mato Grosso Do Sul, e ao relembrarmos desse fato, ela explica que iria participa r na versão do ano passado, mas que não estava preparada e deixou para tentar neste ano, tendo em vista que estava se sentindo mais confiante, e já sabia dominar o salto alto. O utro fator importante que contribuiu para a presença dela na competição foi o suporte de Lolla, que a incentivou dizendo que Chloe merecia estar na passarela, se tornando sua maior motivadora para mergulhar de cabeça na ideia. O cenário drag começou muito forte antigamente na cidade, teve um tempo que parou e agora esse movimento voltou com força. Para Chloe, antes havia muito medo e preconc eito, mas que isso mudou devido ao enorme sucesso do programa RuPaul, o que acabou influenciando essa nova geração. Chloe destaca para que as novas drags não deem muit o close errado e shade com as manas, porque isso é feio, e todas tem que acolher umas à s outras como humanas que são. “Vamos nos unir, juntar as mãos e ir para a causa!”, pe de.
Chloe compartilha seus pensamentos. Foto: Pedro Augusto
Assumindo a sexualidade aos 18 e a reação da mãe Tocando em um assunto mais pessoal, Chloe diz que foi muito difícil para Diego se acei tar gay por ter nascido em um lar evangélico, então toda a família era evangélica, acentu ando o peso que isso tem. Namorou uma menina na adolescência por mais de 2 anos, m as sempre teve atração por meninos. Ao completar 18 anos foi quando decidiu se assumi r. Não queria trair sua namorada, então contou para ela que queria terminar, explicando que se sentia atraído por homens e queria provar. “Aí então comecei a ficar com os hom ens... e gostei”, Chloe diz. Ao finalmente abraçar esse lado gay e se assumir, Chloe se sente maravilhada falando q ue tudo fica mais colorido, mais alegre, pois é libertador, mas que não dá para ficar cem por cento feliz, uma vez que se lembra da presença esmagadora do preconceito atualme nte. Ela fala que a aceitação da mãe não foi tão ruim, mas um pouco chata às vezes. “Acho q ue minha mãe desconfiava, pois sempre ficava fazendo umas perguntinhas, umas indiret inhas. E um dia ela estava na sala assistindo TV e eu mexendo no meu Facebook, e entã o ela falou uma coisa lá que eu não gostei muito. Aí eu virei pra ela e disse: "mãe, olha aqui", e ela olhou e eu perguntei "o que a senhora quer saber? Pode falar. A senhora que r saber se eu sou gay?" Ela então já começou a se emocionar, com os olhos cheios de lá grimas, e eu respondi "sim, eu sou, e eu gosto", conversamos bastante e foi isso”, detalh a Chloe. Isso acontecendo aos 18 anos, ela esclarece que essa foi a idade que decidiu ser quem realmente é e fazer tudo o que tinha vontade. No começo entende que para a mãe foi bem difícil, pois chorou muito. Até que chegou um dia em que Diego, que estava fic
ando com um menino, disse à mãe que dormiria na casa de um amigo, considerando que ele sempre foi muito aberto em relação a tudo para sua mãe. E ela aceitou sem dramas, soltando um simples “Está bem, meu filho, a mãe te ama”, conta Chloe. A revelação de fazer drag Já quando contou para a mãe sobre fazer a arte drag, Chloe revela ter dado a notícia pel o celular, achando que seria mais complicado, o que felizmente não foi. Ficamos mais s urpresos ainda quando Chloe explicou que contou pelo aplicativo WhatsApp. Isso acont eceu após o término do casamento com Lolla. Ela estava se sentindo muito mal e contou para a mãe, perguntou se a aceitava de volta em casa e ela respondeu com firmeza que s im. Chloe então decidiu abrir o jogo com a mãe, dizendo que trabalhava no SIS como dr ag, e para a surpresa dela, sua mãe disse que já sabia, pois uma vez resolveu chamar o fi lho pelo muro que os separava, mas que sempre o usavam pra se comunicar, e quando el a foi chamá-lo viu que ele estava junto de Pablo, ambos vestidos de mulher. “Ela disse q ue só colocou o rosto, mas olhou a cena e voltou pra sua casa. Depois falou que estava t udo tranquilo. Minha mãe é de boa”, disse, achando graça ao relembrar do momento.
Chloe abre seu coração em entrevista. Foto: Pedro Augusto
O momento mais emocionante foi quando Chloe, logo em seguida, nos contou a história de quando comentou sobre sua transexualidade com a mãe, que aconteceu logo em seg uida após revelar ser drag. Ela disse para a mãe que a Chloe não era só um personagem, mas sim quem ela era de verdade, pois se identifica completamente. “Ela disse que não estava entendendo e perguntou se eu queria ser a Chloe, e eu respondi que sim, por 24 h oras. Ela então me disse que estava tudo bem, que se era isso que eu queria, ela iria estar
aqui pra me ajudar no que for preciso e que eu teria seu apoio, ela me disse "pode vir pr a cá que eu vou te aceitar de braços abertos", ela me falou essas palavras mesmo eu sabe ndo que ela não concordava com minha orientação, e isso é ótimo”, Chloe conta emocio nada. Do ponto de vista de Diego, esse descobrimento de saber que Chloe não era só um perso nagem, mas sim ele mesmo, foi complicado. Ela informa que nunca foi feliz com seu co rpo enquanto era Diego, pois se estranhava ao olhar no espelho. Chloe confessa que que r realizar sua hormonização o quanto antes, pois demorou para pensar nisso pela aceitaç ão tardia de como se sentia, embora isso seja o que sempre quis. A mulher interior e as complicações no relacionamento Ainda como Diego na época, Chloe afirma que não se aceitava, mas já pensava em fazer a resignação sexual. Até que começou a se montar e se sentiu realizada, pois gostava de como seu corpo ficava quando colocava o sutiã, e quando colocava a blusa por cima ap reciava o volume que formava e aparentavam seios. Para ela era tudo muito lindo. Um d os maiores conflitos de sua mulher interior é querer torná-la real, pois isso inclusive des encadeou o término do relacionamento entre ela e Pablo. “Tipo, ele é gay, o que ele vai querer com uma mulher? Portanto eu preferi terminar logo, mandar a real do que ir emp urrando assim e chegar lá na frente e falar para ele que perdemos tempo, vivemos tantos momentos juntos assim para chegar no final e não dar certo de qualquer jeito... então pr eferi abrir o jogo”, explica Chloe. “Ele disse que me aceitava do mesmo jeito, sendo tra ns ou não, pois ele me conhecia como pessoa. Mas eu não achei legal (continuar daquel e jeito), não acho, e foi para o melhor”, complementa. Atualmente, Chloe diz que sua relação com Lolla são como o de duas irmãs. Emocionad os com o sentimento bonito que emana da relação das duas, comentamos para ela que ta mbém achamos muito bonito o carinho que se nota entre elas, desde quando estão dividi ndo um cigarro, uma cerveja, ou se maquiando, o apreço é perceptível. “O relacionamen to terminou, mas o carinho continua”, Chloe acrescenta. Na reta final da entrevista, sugerimos que Chloe desse um conselho para o Diego lá de t rás, reprimido, que estava começando no Bistrô. “Arrasa, viado! Se é isso que você que , vai. Se joga, pintosa. Põe rosa”, ri Chloe. “Arrasou”, comentamos, logo em seguida, pa ra agradecer pelas palavras e deixar nossa Miss Gay MS de volta ao trabalho, enquanto nós também teríamos muito chão pela frente.
Chloe Millan. Foto: Pedro Augusto
Tarde de domingo, 09 de outubro de 2016.
Foto: Foto Divulgação
Lorelay Fox tem 29 anos, é Drag Queen há mais de 10 anos, e ainda possui um canal no Youtube que conta com mais de 170 mil inscritos. Como tivemos a sorte de conhecê-la pessoalmente, podemos dizer que todo esse sucesso se deve principalmente pelo seu car isma invejável, alegria contagiante, inteligência, conhecimento, simpatia, interação com o seu público e, claro, dedicação. Além de tudo já foi escolhida como uma das youtuber s mais influentes na luta pela causa LGBT e fez uma participação linda na última tempo rada do programa de auditório semanal Amor & Sexo, da Rede Globo. Quando surgiu a ideia de escrever este livro reportagem, tínhamos em mente algumas Q ueens que iríamos entrevistar para compor o material, que até então seria apenas sobre a s drags locais. Porém o SIS Longe Bar nos presenteou de uma forma indireta quando co
ntratou a Lorelay Fox para se apresentar na casa na noite de sábado. Ao sabermos da vis ita da mesma em Campo Grande vibramos com a possibilidade de introduzir a artista e m nosso projeto, portanto enviamos uma mensagem no Facebook dela pedindo para que nos ajudasse, contribuindo para um material mais diversificado. Após aceitar o pedido e despertar um enorme entusiasmo para nós, Lorelay fez seu sho w no SIS sábado a noite. No domingo de tarde fomos juntos com uma amiga, que se con sidera muito fã da estrela, até o hotel em que esta estava hospedada, e aguardamos sua p resença na recepção, mais ansiosos a cada minuto que passava, até que Lorelay “out of drag” saiu do elevador. Estávamos frente a frente com Danilo, e o convidamos para lan char em uma cafeteria no centro da cidade.
Danilo bate papo com o entrevistador. Foto: Pedro Augusto Chegando lá, sentamos à mesa e começamos a olhar o cardapio como uma forma de que brar o gelo e começar uma conversa. Sempre direto, Danilo passou nossos pedidos para a garçonete e disse: “vamos lá então”. De início, procuramos saber sobre o que é a arte drag na visão de Lorelay. Nesse mome nto, Danilo achou a pergunta um pouco dificil de ser respondida já que existem várias v ertentes de drag. “Para mim, a drag é uma grande porta-voz do movimento LGBTT, ela é a junção dos estereótipos gays e afeminados, com uma vasão artística, ela junta tudo i sso e cria um personagem. ” Danilo também diz que um dos auges da drag é estar mont ada na frente da balada recebendo as pessoas. Danilo conta que cada artista dessa é únic a. A dele foi criada 11 anos atrás e é o mesmo personagem até hoje. O principal atributo da drag não é apenas a maquiagem ou a roupa, não dá pra definir como personagem en graçado ou feminino, não se basta a isso. “Drag está na criação de um personagem e co mo ela se encaixa no meio. É também um personagem que interpreta outros personagen s, por exemplo: eu sou a Lorelay, e tem dia que a Lorelay está gótica, outro dia ela está
princesinha, então eu crio esse personagem e ele tem uma vida que interpreta outras. ” Lidando com bom humor ao se descobrir gay Sobre sua vida pessoal, ele faz piada e comenta com bom humor “Uma bosta, uma desg raça só”, aos risos. Sua espontaneidade é outra característica que apostamos que ajudou a Lorelay a fazer tanto sucesso. De volta a entrevista, estávamos curiosos pra saber com o Danilo se descobriu gay e como foi se assumir. Ele deixa claro que sempre foi gay, se aceitou facilmente e nunca pensou que iria para o inferno por conta disso. “Lembro que percebi que comecei a me interessar por meninos com 12 anos, achava que o Leonardo DiCaprio era o cara mais lindo do mundo, até por que eu sou da época do Titanic, né?!”. Parecendo bem aliviado, Danilo esclarece que essa parte de aceitação foi muito tranquil a na vida dele, e as pessoas sempre esperam uma história triste ou emocionante, mas nã o foi bem assim que aconteceu.
Danilo, sempre divertido, responde perguntas. Foto: Pedro Augusto “Eu lembro que eu descobri que era gay, quando percebi que eu era gay, daí eu comecei a rir horrores. Eu lembro que estava dentro do ônibus, aí eu pensei "nossa será que eu s ou gay? Aí eu comecei a rir. ” Com uma vasta experiência no mundo drag, acreditávamos que Danilo teria muitas hist órias de preconceito em sua bagagem, já que além de gay também dá vida à personagem Lorelay Fox. “Ah, preconceito a gente sofre todo dia, né? Porque preconceito não é só você apanhar na rua com uma lâmpada na sua cara, preconceito é tudo o que a gente sen te. O olhar de uma pessoa é um preconceito que a gente sofre”, Danilo responde. Sobre momentos pontuais, ele diz não conseguir se lembrar muito bem, mas que se recorda de preconceito dos amigos que não o aceitavam como drag. Para ele, esse foi um dos maio
res sofrimentos pelos quais já passou. Notamos tristeza por parte dele ao falar da record ação, mas ele informa que nunca se deixou abalar diante dos xingamentos que ocorrem na rua, o que acontece com frequência para vários membros da comunidade LGBT. Neste momento fomos interrompidos pela visão dos lanches que a garçonete trouxe e su spendemos a entrevista por um tempo, o que nos deu a oportunidade de se aproximar m ais de Danilo, tendo conversas sobre coisas aleatórias como se fossemos velhos bons am igos. Depois de alguns minutos e com o pôr do sol compondo a paisagem de fundo, era hora de voltarmos para a entrevista. Inspirações Toda drag tem alguém em quem se inspira, seja por personalidade, maquiagem ou inteli gência, perguntamos para Danilo quais foram as drags de referência que o inspiraram na criação da Lorelay. “Pro começo da minha carreira foram as locais da minha cidade, foi com elas que aprendi a me maquiar e tudo sobre ser drag. Jeffree Star é outro nome ma rcante. Atualmente uma drag que me inspira muito é a Nanny People, que é extremame nte inteligente, com um discurso muito engajado.” Quando se trata de drags brasileiras, LaBelle Beauty e as Deendjers são mencionadas. Apesar de já se montar antes de RuPaul’s Drag Race surgir, Danilo conta que o seriado o inspira bastante, já que tem diversos desafios na vida real que são parecidos, como faz er a própria roupa e se virar com a criatividade. Mas as grandes inspirações para ele são os filmes, musicais, seriados, musicas e clipes. “Por exemplo, aquele filme Maria Anton ieta com a Kirsten Dunst, sabe? Nossa, achei aquele filme incrivel, e eu pensei "tenho q ue fazer algo inspirado na Maria Antonieta", daí eu fiz meu show de Maria Antonieta. E ntão de um filme aleatório nada a ver com drag ou algo assim, surgiu a inspiração. No f undo, eu queria mesmo era ser a Kylie Jenner, das Kardashians, sabe?! (risos) Mas não deu muito certo, enfim, me inspiro muito nessas mulheres. Tem também a Jennifer Lop ez, adoro as roupas dela, enfim. Várias coisas. Não dá pra você criar um personagem tão complexo, como é o da drag, se você buscar a inspiração em um lugar só. Acho que tod a arte é isso, nao dá pra se basear numa fonte só, tem que ter um repertório muito amplo pra criar algo mais consistente.”
Participação em um programa global Danilo relata sobre o momento em que foi gravar o programa "Amor e Sexo", da Rede Globo. Ele observou que a emissora tem uma equipe imensa de pessoas para te ajudar. Enfatizou que tem mesmo muita gente. Tem manicure, cabeleireiro, pedicure, etc. Conta também que tinham três pessoas no camarim só para ajudar a colocar a roupa. Mas, par a a surpresa de todos no estúdio, eles ficaram praticamente sem ter o que fazer porque a s drags todas faziam tudo sozinhas. As drags levam a própria roupa, fazem a maquiage m e resolvem tudo sozinhas. “Mas claro que aí a gente resolveu abusar, já que estávamo s ali, eu pedi para fazer a unha... close de rica, tem que aproveitar, né? Mas tipo, drag é i sso. Nosso meio é muito marginalizado, não temos quem nos ajude e, muitas vezes, que
m goste do que fazemos. Então, se não fizermos sozinhas, ninguém vai nos ajudar, sab e? ” Danilo pontua a autossuficiência como algo crucial, por que existem pessoas que q uando você pede uma ajuda, elas fazem o possível para te derrubar na primeira oportuni dade. Neste ponto da conversa, surgiu a parte da independência, da questão de fazer tudo sozi nho. Danilo considera essa uma característica muito importante para todos que se monta m, e para quem é artista, é essencial. “A gente tem que saber se virar. Correr atrás de tud o. Hoje em dia se vou a uma balada ou outro lugar, me monto sozinho. Ontem precisei d e alguém pra fechar meu vestido, o que já me irrita ter que pedir pra alguém fazer isso, s abe? Não é legal, gosto de fazer tudo sozinho mesmo. Eu fazer a minha maquiagem é fu ndamental, e considero isso algo fundamental para uma drag. Saber fazer a própria maq uiagem. Mesmo que ela não se maquie sempre, ela tem que saber fazer a porra da cara d ela, né? Porque a drag é a maquiagem, e isso pode gerar discussão até porque a própria RuPaul não faz a própria maquiagem. Mas pra mim, drag tem que saber se maquiar sim, pois isso reflete na autosuficiência.” Danilo disse, com muito orgulho, que foi maravilhoso representar todo o meio LGBT co mo drag, e mostrar pra televisão que as essa cultura não funciona de maneira tão caricat a como antigamente. Ele declara que também ficou muito feliz por abordar temas mais s érios como preconceito, aceitação, homofobia e estereótipos. “Acho que o futuro é esse, achei incrível finalmente algum programa de TV com notoriedade chamar as drags não pra rir da cara delas ou só bater palmas, mas sim para conhecer e apresentar mais do no sso universo. Não somos somente uma atração, o que somos vai muito além disso”, com plementa. Adentrando em um assunto mais polêmico, Danilo comentou sobre a frase “quem se mo nta está a um passo da prostituição” dizendo que nunca ouviu isso, mas que tal fato deve ocorrer porque as pessoas confundem drag com travestis e transexuais, e essas estão re almente mais pertos da prostituição por uma questão social de exclusão, mas não as dra gs. “E também não veria problema, acho que existe um grande preconceito com a prostit uição que deve ser discutido também, muita gente se prostitui porque quer e isso não de via ser visto como um problema, né? Mas isso já é outro assunto...”, argumenta. O impacto das redes sociais Um grande diferencial da Lorelay é que ela comanda um vlog de sucesso no Youtube. P rocuramos saber como foi a origem dessa ideia e como ela ajuda na carreira da drag de Danilo. Viciado em PC Siqueira, ele admite ser muito fã do site e que sempre assistia ví deos nele, o que já não acontece mais hoje em dia por falta de tempo. “Daí eu já me montava há 11 anos, 10 anos na época, e na minha cidade Sorocaba já nã o tinha mais meios pra drags. Não tinha uma boate que acolhesse as drags igual tem aq ui, um meio de drags efervescente. Aí eu pensei "bom, com 10 anos já é um bom tempo, na minha cidade já sou bem conhecido, tenho minha carreira como Drag em Sorocaba, então não tem mais muito o que fazer, ou eu paro de me montar ou eu faço algo diferent e", aí decidi criar o canal”. Foi a partir daí que o jogo virou. Tudo deu certo, e o segund o vídeo de Lorelay já havia viralizado e Danilo é muito grato até hoje por isso. Além dis
so, ele conta dos privilégios, sendo que agora pode viajar muito, conhecer várias pessoa s e fazer coisas que nunca imaginou que poderia fazer. Porém, adquiriu uma responsabil idade muito grande. “Tudo o que eu falar as pessoas vão ouvir, e elas vão pautar as deci sões delas baseadas no que eu falei no meu vídeo ou em alguma rede social. Então hoje em dia sinto um imenso comprometimento, e essa é a principal diferença na minha vida: ter que pensar bastante, e não por mim, mas por tudo o que trago junto comigo”. FOTO
Já que estávamos falando do canal, surgiu uma enorme curiosidade quanto ao nome do canal. Danilo relata que foi um inferno, pois após fazer um super brainstorm e criar um logotipo para 5 canais possíveis, ele foi pedir ajuda para os amigos, que não gostaram d o “Para Tudo”, e este era o título que mais o agradava, e então decidiu optar por esse no me mesmo assim. “Foda-se, vou usar o que eu quero”, disse em pensamento na época. “Mas eu o escolhi porque é uma gíria tipo "Ai, para tudo", uma gíria bem gay, e é també m algo tipo "Para tudo e vamos falar sobre alguma coisa" e também é algo que serve par a tudo, para tudo e para todos, então tem várias maneiras de você entender”, explica. En tretanto, no fim das contas, as pessoas acabam definindo como o canal da Lorelay Fox, o que alimenta mais as buscas pelo nome da drag e valoriza o canal. Danilo ainda comp artilha que vários youtubers famosos o conhecem pelo nome Lorelay, mas sem nunca te rem visto seu canal, e ainda citou o Luba como exemplo, dizendo que o mesmo já conve rsou com ela dizendo que apesar de não ter assistido a nenhum vídeo de Lorelay, a conh ecia por nome pois ouviu falar muito dela. Danilo não tinha vontade alguma de se montar aos 16 anos, quando começou a frequent ar o meio gay, e conta ainda que achava drag a coisa mais estranha do mundo, não que f osse feio, mas sim bizarro. Mas após uma maior frequência em ambientes LGBTT e con quistada muitas amizades com drags, essas pediam para que Danilo se montasse, e ele r elutou por preguiça, até que seu melhor amigo na época resolveu ser drag, o que fez sur gir interesse da parte dele também. Foi aí que um concurso de drags estava pra acontece r em Sorocaba, onde Danilo fala que foi junto do amigo após este pedir bastante. “Foi lá que começou. Entrei por causa do concurso mesmo, e antes dele terminar eu já tinha sid o contratada pra ser hostess da boate. Quando acabou eu fiquei em segundo, e o meu am igo ficou em primeiro. Sou uma eterna perdedora. Todo concurso que eu entrei, eu perdi. Mas hoje em dia não participo mais de concursos, tô aqui pra julgar os outros”, brinca Danilo. Insistimos para que ele desse mais detalhes da primeira montação, e Danilo demonstra i ndignação pois achou horrível e que, durante muito tempo, foi horrível para ele. Ele julg a seus primeiros vídeos do canal no youtube e vê o quanto está diferente, e que a evoluç ão em um ano e meio de “Para Tudo” foi bem nítida. “Eu sei que eu não era tão feia qua nto parece nos vídeos, mas eu não tinha a produção que eu tenho hoje em dia: tenho ilu minação, lentes diferentes, um cenário, tem tudo. E eu também aprendi a filmar mais bo nito, sabe? Então no começo do canal eu era feia mas não tanto, o que estragava mais er a a iluminação, eu usava umas lâmpadas normais, enfim...”, informa Danilo. Ele acresce nta que não sabia de nada no começo de sua carreira como Lorelay e penou muito para a prender, e ao olhar para a nova geração de drags que surge no cenário LGBT fica muito
surpreso e até se assusta com o empenho delas, pois com pouco tempo de montação, mu itas já sabem muito bem se maquiar e se montar, e estão lindas. Sobre esse novo cenário para as drags, ele se mostra admirado e fala que é incrível. Dan ilo relembra que sentia isso quando começou a montar e que assim como em Campo Gr ande, Sorocaba também tinha esse meio forte onde todos queriam ser drags, até que a fe bre passou e agora voltou com tudo, graças a RuPaul’s Drag Race, a arte drag está em al ta no cenário LGBT novamente. “E é isso que a gente tem que fazer, não podemos nos l imitar a ser drag de boate não, a gente tem que ser drag em todos os lugares. Temos que estar na internet, televisão e dominar os espaços, acho que é isso aí. Temos que dominar o mundo, eu sou tipo um Hitler das drags”, ele ri. RuPaul para Danilo significa a abertura de caminhos, pois ele diz que foi o programa qu e abriu o espaço para as drags retomarem seu devido lugar no Brasil e no mundo, e ele a credita que no Brasil e nos EUA a febre do show de realidade ainda é maior do que no r esto do mundo. Mudanças vem e vão. O tempo passa e com ele as coisas vão, outras permanecem, e tud o vai se reajustando. Com Lorelay não poderia ser diferente, e Danilo fala que são muito s anos e muitas fases que o marcaram. “Primeiro que quando eu disse que tinha o Jeffre e Star como inspiração, eu queria ser a louca. Sempre quis ser tatuada e até hoje queria s er tatuada igual ela, queria fazer a punkzinha louca. Mas o tempo passou e fui me tornan do um personagem mais sério e de acordo com minha idade, e hoje em dia acredito que a grande diferença é que eu pauto minha postura como drag baseada nas coisas que eu f alo em vídeo, então sou uma drag mais séria, mais tiazona, mais politizada. A diferença é gritante mesmo”, se expressa de forma perplexa.
Conversa flui no período da entrevista. Foto: Pedro Augusto
Para uma breve pergunta objetiva, uma breve resposta. “O que a Lorelay fora do Danilo significa?”, indagamos, extremamente intrigados para ouvir a resposta. “Significa uma b oa fonte de renda”, brinca Danilo, em meio a risadas de todos. Voltando a focar na perg unta, de forma séria dessa vez, Danilo afirma que a personagem é como se fosse um alto -falante das ideias dele, pois é ela que faz todo mundo ouvir o que ele tem a dizer. “A L orelay é minha roupa de trabalho, meu uniforme, me visto dela pra trabalhar. Então é ela que possibilitou eu poder espalhar minhas ideias”, salienta. Com a entrevista chegando ao fim, o comecinho de noite nos cutucava para nos relembr ar que precisaríamos nos apressar para realizar a próxima entrevista e dar conta de cheg ar no local combinado a tempo. Deixamos para a última pergunta a clássica dica para qu em quer seguir no mesmo ramo e seguir os passos de Lorelay. Danilo instrui que quand o se começa a montar, tem que fazer isso para se divertir, então é bom que se divirta ao máximo. “A regra é diversão mesmo. Mas se você quiser virar uma drag mesmo e levar isso pra sua vida, é comprometimento. Dar o máximo de si, pois é uma arte e tem que te r dedicação em tudo, desde a maquiagem até o visual. Se dediquem ao máximo. Esse é o conselho que eu tinha que dar, meu nome é Lorelay Fox e é nessa que eu vou!”, se des pede.
Foto: Weverton Ramires
Noite de domingo, 09 de outubro de 2016.
Foto: Arquivo pessoal
Marcamos a entrevista com as Thompson’s no Drama Bar, onde aconteceram duas apre sentações de drags, além da exibição do último episódio de RuPaul. Para entrar, pagamo s 5 arô e fomos super bem recebidos pelas hostess do local , que nos disseram para ficar a vontade. Aos poucos fomos conhecendo o local enquanto entravamos, sendo o espaço todo decorado com coisas new and old, a pick-up dos djs decorada com luzes e balões, um corredor que segue até o fundo do bar, onde nossos olhos enchiam de detalhes, vária s fotos expostas, árvores, pedrinhas no chão que levavam até o bar, cadeiras posicionada s ao longo do jardim, dando um ar aconchegante e diferente dos demais lugares da cidad e. As entrevistadas da vez são duas personagens do cénario drag de Campo Grande: as The Thompson’s. Logo quando retiramos gravador e câmera fotográfica da mochila, viramo s alvo de olhares curiosos e as pessoas começaram a se aproximar disfarçadamente para poderem saber o que estava acontecendo. Com certeza era um movimento atípico que es tavam vendo no bar.
Pedro e Weslley são casados há 4 anos, e no começo apenas Weslley fazia a arte drag, mas com o passar do tempo, seu esposo começou a sentir extrema vontade de saber o m otivo que levava Weslley a ser tão fissurado pela sua drag, Amanda Thompson. Depois de uma viagem para São Paulo, Pedro deciciu viver a aventura de se montar pela primei ra vez, foi quando nasceu a Paola Thompson.
Entrevista em andamento na entrada do Drama Bar. Foto: Pedro Augusto
Amanda Thompson conta que foi criada em 2011, na antiga boate Non Stop, que ficava na rodoviária da cidade, "eu tinha duas amigas, uma era Miss Simpatia e a outra se apre sentava no Bristot, elas eram muito conhecidas e eu tinha curiosidade em me montar, m as por conta do namorado da época não gostar da ideia eu nunca pude experimentar." At ualmente casado com Pedro, Weslley conheceu seus amigos que eram viciados em Rup aul, seriado que até então ele conhecia mas não acompanhava, e aquela vontade de se m ontar voltou, nessa mesma época, um amigo propôs um desafio no clube Daza, e ele dis se que se ganhasse, se montaria para ir na próxima edição da festa. E a resultado já sabe mos, Amanda Thompson está ativa até hoje nas noites da cidade e tem muito coisa para compartilhar. Já a história de Paola é um pouco diferente. Desde o começo ela tinha preconceito com a arte drag, devido à forma de criação de sua família "extremamente tradicional", como ela mesma define. Após a rejeição da família e tendo que sair de casa, batalhou muito pa ra conseguir comprar a própria casa, até que conheceu seu atual marido, Weslley. Foi ne sse relacionamento que ela teve mais contato com o meio LGBTT. Nesse período, Ama nda Thompson começou a ganhar vida, enquanto Pedro relutava contra o movimento. A té que, em uma viagem para São Paulo, decidiu viver uma aventura se montando pela pr
imeira vez, na Blue Space. Foi então que Paola Thompson conseguiu mudar o pensame nto do Pedro, porque agora ele entendia o motivo de seu esposo gostar de se montar. "Drag é uma arte muito incrível, que contagia as pessoas. Somos artistas da noite, nós cr iamos uma personagem e damos vida a ela, na qual podemos sair do nosso mundo de ve rdade", define Amanda. Paola, a drag de Pedro, acredita que drag seria um afloramento do que se esconde no meio gay. “No meio gay a gente fica um pouco retraído, mas quan do entramos no meio drag ficamos mais libertos, porque você tem a liberdade de coloca r aquilo que você pensa para fora”, afirma Paola. “E com o passar dos anos você vai se desenvolvendo cada vez mais, pode até começar reprimido e calado, mas de repente esta rá fazendo shows, se tornando mais conhecida, acredito que o reconhecimento do públic o é o que tem de mais vanglorioso em ser drag”, completa. Indo para o descobrimento de sua orientação, Amanda conta que na época de escola, em uma festa, havia acabado de terminar o relacionamento com uma menina e estava chora ndo muito, e então um amigo da garota foi consolá-lo no quarto. "Ele me deu apoio com o se fosse meu melhor amigo, e no final ele acabou me beijando. De primeiro impacto n ão senti nada, mas no outro dia eu fiquei com aquilo na cabeça e concluí que queria mai s", disse. Ela ainda reflete que tinha relacionamentos com meninas mas sempre sentiu c omo se faltasse alguma coisa, pois não se sentia completo, mas no dia em que ficou com esse menino que a consolou, descobriu o que faltava. Logo depois de um tempo, aos 16 anos, ele se assumiu para a mãe e ocorreu tudo bem. Porém, depois de algum tempo, a situação com a mãe começou a ficar difícil. Com a separação da mãe e o padrasto, houv e uma aproximação muito forte entre mãe e filho, foi nessa mesma fase que os dois com eçaram a sair juntos. "Começamos a frequentar os lugares gays que eu ia e ela amou, ela viu que não era aquilo que ela pensava, que eu não ia virar travesti ou fazer programa, c omo todo pai pensa." Weslley sempre teve a mãe interpretando o papel de pai em sua vi da, mas depois de 20 anos que seus pais estavam separados, seu pai apareceu novamente e ele conta que conseguiu fazer com que os dois voltassem a ficar juntos mesmo após ta nto tempo. "Meu pai é uma pessoa super moderna, ele já é um senhor de quase 60 anos, mas é super moderno, é tatuado e descolado. Ele foi a primeira pessoa pra quem eu falei sobre a minha drag, e foi ele quem fez a cabeça da minha mãe pra aceitar a drag." Nos dias de hoje a mãe de Weslley acompanha os shows da Amanda e assiste as transmissõe s ao vivo que a drag do filho faz no facebook.
Paola confessa sempre saber que o lado feminino não era o que mais lhe atraía, mas vin do de uma família tradicional se sentiu na obrigação de ter uma namorada. "Tive uma c om 15 anos, só que não era aquilo que eu realmente queria, eu sentia que estava engana ndo ela e a mim mesmo, então com o passar do tempo decidi por um fim naquilo." Paol a relata que foi então que conheceu um cara mais velho e se distanciou da família, por p referir sair no meio gay do que ficar em casa onde sofria repreensão, uma vez que seu p ai sempre foi muito tradicional e nunca aceitou esse tipo de coisa. Até que um dia a mãe de Pedro o seguiu e descobriu tudo. Quando seu pai ficou sabendo, ofereceu duas opçõ es: ou o filho se tornava um homem como ele, ou saía de casa. "Fui irredutível e decidi s air de casa, indo sozinho dos 18 aos 19 anos batalhando para comprar minha própria cas a, foi quando conheci meu atual marido." Paola fala que, hoje em dia, seus pais frequent
am sua casa e aceitam seu esposo e possuem total respeito à família deles. Pudemos perceber o orgulho de ambos por fazerem parte da arte drag, e portanto pergun tamos sobre a maior realização desse trabalho para eles. Para Amanda, a maior realizaçã o em se montar é poder receber todo o carinho do público, “é gratificante sair montada e reconhecerem seu trabalho, elogiar sua maquiagem, a roupa, isso nos fazer melhorar ca da vez mais para chegarmos aonde queremos estar, que são os palcos.” Ela conta que o começo não foi fácil, ela precisou ver muitos vídeos de tutoriais no Youtube, e também se arriscar na montação, a cada dia que passava ela aprendia algo novo, “mesmo não sen do polida, é preciso arriscar, se tem uma blusinha pega e vai, não tem um estereótipo de que uma drag deva ser assim.”
Foto: Pedro Augusto
Nesse ponto, Paola acha importante relembrar sobre o preconceito que tinha com a arte drag, “vindo de uma familia tradicional muito forte, eu pensava que homem se vestir de mulher era travesti e eu não aceitava isso”. Hoje com a mente totalmente aberta, ela ente nde que arte drag não tem relação com gênero ou orientação sexual. “Eu tenho a arte dra g como um eu interior, que você coloca para fora e as pessoas veem como algo bom, a a rte drag é muito clara pra mim, é uma coisa pura.” As vidas de Weslley e Pedro mudaram totalmente após a criação de suas personagens. P aola considerava o movimento transexual obscuro, mas que hoje pensa completamente d iferente pois acredita que a transexualidade nasce com a pessoa. “A pessoa nasce com o gênero diferente daquele que considera em seu interior, então o Pedro de hoje acredita q
ue o transgênero é uma pessoa que nasceu num corpo diferente, no qual ela não deveria ter nascido. A Paola abriu a mente do Pedro.” Na visão de Amanda, a personagem ajudou Weslley a entender que as pessoas são real mente diferentes uma das outras. Ela pensa na sociedade como formadora de padrões, q ue impõe um comportamento onde todos devem parecer iguais. “A drag vem pra quebra r tudo isso, a drag não tem que seguir um padrão, hoje a gente vê que tem drag que faz musculação e tem um braço enorme. Ou seja, ela pode ter várias vertentes e deve-se res peitar todas elas. Não podemos desclassificar ela se ela não seguir um padrão.” Ser gay já não é fácil, agora ser gay e fazer drag é bem mais complicado. Sobre o preco nceito ou dificuldade que enfrentam no meio, elas foram bem objetivas ao responder qu e nunca sofreram preconceito fora do meio, “inclusive somos bastantes apoiadas e incen tivadas a continuar nos montando. A única barreira que encontramos no meio drag é que algumas gostam de xoxar apenas para desmotivar, eu acho que se não for para ajudar, n ão elogie, mas também não atrapalhe” diz Paola. Quando abrimos nossas cabeças para algo novo, sempre podemos aprender alguma cois a, isso gera uma mudança no nosso interior, seja ela por iniciativa ou por imposições do meio em que vivemos, seja da forma como essa mudança vem, ela chega para ser positi va em nossas vidas, deixamos de lado preconceitos enraizados que adquirimos com a so ciedade em que estamos inseridos. Sobre algumas dessas mudanças, vocês lembram que no começo da entrevista Paola tin ha dificuldades em aceitar o mundo drag? Pois então, ela também se tornou um exemplo de alteração de comportamento após conhecer Amanda. Além disso, Paola conta que er a muito fechada, porém a personagem lhe proporcionou mais liberdade para brincar e se divertir, se tornando bem extrovertida. Amanda acrescenta que toda drag é mais introve rtida no começo, mas que depois acaba se soltando, e que sua personagem antes era bem chata, o que já mudou com o tempo, tornando-se mais acessível, visto que são pessoas públicas. Levando em conta que fazer drag está na moda, Paola acredita que a febre vai passar, e apenas as que possuem amor pela arte vão continuar. Amanda ressalta que ser drag não é barato e que essas artistas deveriam estar em todos os lugares e serem muito bem reco nhecidas “Devemos ganhar bem por isso, porque não é fácil você estar no salto a noite t oda, parecendo bonita para todos”, ela afirma. Com 4 anos fazendo drag queen, é certo afirmar que as Thompsons já possuem uma boa experiência, e que como existem muitas artistas novas surgindo nesse meio transformist a, pedimos para elas deixarem uma dica para essas novatas no cenário. Amanda usa o di tado de Rebecca Foxx: “Se a gente quer, a gente tem que começar”, e portanto, basta co meçar que com o tempo as coisas vão se aperfeiçoando. Ela afirma que maquiagem não é dom, e sim prática. “Tudo o que a gente faz na vida é prática, todo dia se a gente fizer um delineado diferente, um esfumado diferente, a gente vai aprimorando nossa arte até chegar naquilo que queremos pro rosto da personagem”, complementa. Paola sugere mais respeito, sem richas e sem brigas. Ela gostaria que as drags trocassem ideias, informações importantes e que passem à frente, pois isso ajuda muito. Além do mais, com mais amor e parceria, só deverão haver ganhos como recompensa para todas.
Por último, sabemos que é difícil seguir num ramo artístico sem inspirações e, portanto, sugerimos que elas deixassem suas referências para a arte que criam e contribuem. Paol a declara que sempre teve Tiffany Bradshaw como modelo, pois adora a drag paulista. A manda considera Christina Aguilera uma musa inspiradora, por se julgar mais plus size e ter um referencial mais gordinho. Além de Christina, também cita Rebecca Fox, por q ue a maquiagem dela é de um nível que a Thompson almeja chegar. Com essa entrevista chegando ao fim, mas a noite acordada como uma criança, as pesso as ao nosso redor continuavam bem ativas e constatamos que a diversão não acabaria tã o cedo, exceto para nós, afinal, era hora de ir embora para poder produzir mais e descan sar, pois vinham mais entrevistas por aí.
Madrugada de terça, 12 de outubro de 2016
Foto: Arquivo Pessoal Ravenna Queenie é uma mulher trans, ela também faz drag e com apenas 6 meses de m ontação já conquistou um grande público no cenário noturno de Campo Grande. Carism a, simplicidade e simpatia, essas são algumas pouquissimas coisas que podemos dizer d essa artista que adora brilhar e distribuir sorrisos as pessoas. Por tudo isso e muito mais, decidimos convidar essa queen para participar do projeto, e ela, sempre prestativa e ami gável, topou. Chegamos no Sis Lounge por volta da uma e meia da madrugada, dessa vez sem câmera, pois o equipamento estava descarregado para nossa surpresa. Falha Nossa! O local esta va decorado com balões da Disney, mesas de doces, carrinho de pipoca, maquina de alg odão doce e claro, uma cama elástica para deixar tudo completo na festa tema de dia das crianças. Ravenna chegou as duas da madrugada, no meio de tanta gente, e ainda assim é fácil de reconhece-lá. Maquiagem gótica, alta e sorridente, decidimos ir para um local com menos barulho e começar a entrevista, afinal de contas, não é sempre que temos alg odão doce na balada. Sobre o significado de arte drag, Ravenna acredita que é fazer a arte do desconhecido, d o inesperado, da junção de todas as artes em uma só, onde se pode transformar, criar e r enovar uma ideia. Ela acredita que isso ainda possa mudar todo um meio da sociedade. Para ela, as características de uma drag devem ser resumidas em ser simpática, gostar do
que faz (afinal devemos fazer só aquilo que gostamos) e seguir em frente. “Não tem um padrão ou modo de fazer drag, não precisa ser barbiezinha nem monstruosa, vai de que m cria”, opina. Ravenna diz que a primeira drag a inspirá-la foi Stripprella Uber em 201 4. Assim como ela, era uma drag transsexual. Pearl, do programa da RuPaul, e Trixxie Mattel são outros nomes das quais Ravenna se lembra. “Eu gosto de drags que além de possuir uma personalidade forte, sejam engraçadas. Eu criei minha personagem em insp iração a Adore Delano, Stripprella influenciou na dança, e em looks eu diria que a drag da RuPaul”, explica. Uma coisa que nos deixou curiosos até este momento era o por que do nome Ravenna. Comentando em como escolheu este nome, ela conta que foi por causa da madrasta da B ranca de Neve, cujo nome é Rainha Ravenna. Como queria uma figura mais das trevas, mais dark, ela optou por essa personagem por considerar a personalidade dela muito fort e. “Ela é tão má que ela domina tudo, eu acho que posso ser dominadora, eu posso domi nar os olhares para a Ravenna. E também pelos jovens titãs, que tem uma personagem c om o mesmo nome que apresenta gótica como característica”, completa Ravenna. Montando-se há seis meses, ela diz que amadureceu muito nesse tempo, especialmente e m questão de performance, observar os temas que quer abordar com o público e em rela ção à maquiagem. Um de seus maiores atributos é sua persistência, e apostamos que foi essa característica que a fez aprimorar todas essas habilidades. Motivações para virar uma drag A pergunta que não quer calar: por que Ravenna decidiu se montar? Ela conta que foi bailarina clássica, dançando desde os cinco anos, e parou há dois anos por falta de tempo no dia a dia. “Sempre quis ser famosa e ter os holofotes pra mim. Desde criança se perguntar pra minha mãe ela vai te responder o que eu queria ser quando crescer, eu falava que queria ser uma estrela, eu gostava de brilhar e chamar atenção”, diz. No começo foi relutante, mesmo amando ver drags, tinha um preconceito próprio que a fazia rejeitar a ideia. “Eu já sou mulher, pra que vou ser drag queen?”, Ravenna compartilha seu pensamento da época. Mas foi Lorelay Fox, em um vídeo no youtube, que a fez mudar de opinião. A drag vlogueira tem um vídeo que se chama “É drag ou é trans?”, e finalmente Ravenna pode perceber que drag era um trabalho mais artístico, e como sempre quis ser atriz e fazer performances para se destacar, pensou em fazer uma personagem que se encaixasse em tudo. Dona de uma história controversa demais, Ravenna compartilhou um pouco de sua vida, que a mesma considera ser bem polêmica. Desde criança não entendia por que não podia tomar banho com seus primos ou por que não podia ver ninguém pelado dentro de casa, até descobrir que realmente teve um problema. Ravenna admite ser mulher trans sim, mas uma que produz hormônio feminino sem o corpo pedir, e a mesma acredita que isso influenciou muito, afinal, “como um homem vai produzir hormônio feminino?”, pensa alto. “Desde a minha gestação eu fui feminina, meu nome era pra ser Emanuelle, mas aconteceu, e os médicos já tinham alertado meus pais que eu iria nascer com distúrbio hormonal e dois tumores nos seios, e isso foi algo que tivemos que viver com durante toda a minha infância e é por isso que não gosto de relembrar dela. Não cresci
brincando com crianças, mas sim em hospitais psiquiátricos. Fiquei 4 anos em hospital psiquiátrico, meus pais me prendiam demais, por não saber explicar o que eu era, mas entendo eles. Continuo acreditando que sempre me senti mulher, independente do meu órgão genital e da minha forma física, me sinto mulher porque sou mulher e ponto”, complementa, dizendo que já perdeu muito tempo tentando explicar sua condição para quem não tinha a mente aberta, muitas pessoas não entendem e julgam mesmo assim, e esse é o maior mal das pessoas.
Foto: Arquivo pessoal
Ravenna diz que o tipo de discriminação que mais a atinge é a que vive das próprias drags, o que é bem pesado uma vez que este é o meio em que você deveria ter o maior tipo possível de apoio, e não sofrer ataques dele. “Eu tô em um grupo de drag aqui na cidade e comentam coisas do tipo “ai o seu estilo de drag todo mundo já sabe, você é mulher e acaba sendo mais fácil, e o homem quer ficar com você por ter duas personagens femininas” e eu fiquei triste porque disseram que eu tinha duas personalidades femininas, sabe? E que eu não deveria ser drag”, conta Ravenna. Ela relata que conhece muitas drags que pararam de se montar por preconceito de outras do
meio, e que quase desistiu também. Neste momento, como fãs, falamos para ela que não desistir foi uma de suas melhores decisões, pois no SIS ela tem todo o apoio que precisar e é muito bem querida por todos. Ela, grata, agradece pelas palavras de conforto e fala que gosta muito de todo mundo do SIS, cujo espaço chama de casa. Compartilhando mais da história de sua personagem, Ravenna narra sua trajetória desde o começo, dizendo que foi criada na Universidade Estácio de Sá, em Campo Grande, num projeto de uma festa que acabou não acontecendo, cujo nome era o “Baile de Favela” da festa do galo, da Unigran. Os organizadores do evento queriam que ela performasse junto de Lunna Kolt, Rafa Spears, Violet e Tiffany Versace, sendo que ela nunca havia se apresentado antes. Mas então a personagem resolveu se entusiasmar e ficou animada com a ideia, levando em conta que o nome Ravenna Queenie já possuía. Começou a se montar no dia 30 de maio, numa quinta-feira, e sua inspiração veio do Cirque du Soleil, pois usou uma maquiagem mais circense. “Ficou parecendo uma boneca de vodu, mas gostei, ficou dark. Foi ótima a experiência, o que mais gostei foi ver as manas contribuindo uma com as outras para tudo dar certo e me convencendo a não desistir”, comenta. Um dos maiores desafios na carreira de sua drag, Ravenna cita o Drag Star. Um concurso promissor para deixar em evidência as pessoas com talento para a arte drag que estão escondidas. A personagem achou que não ganharia, mas diferente do que esperava, saiu como vencedora. Ravenna diz, orgulhosa, que mereceu pois lutou muito por isso. “Fiz uma apresentação da Lady Gaga, usando as músicas Mother Mary e Born This Way, que mostram os dois lados de uma moeda. Mostrei a Ravenna boa e a ruim, eu fiz o que eu queria e deu tudo certo”, entra em detalhes.
Foto: Arquivo Pessoal Um exemplo de superação, Ravenna não desistiu e seguiu em frente com seus desejos e vontades. O significado de sua personagem para ela? A resposta é clara “Ela me mostrou que eu sou capaz de tudo, basta eu querer e correr atrás, que sou capaz de
mudar um todo, mas isso só depende de mim, e seu eu não for forte pra mim, não conseguirei nada, já que sou a minha própria força”, esclarece. Diferente de sua pessoa real do dia a dia, Ravenna conta que é destemida, forte, atrevida e despojada, coisas que sua out of drag não é normalmente, pois esta é mais tímida. “A Ravenna me traz tudo aquilo que eu não posso ser, mas tenho vontade. Eu tenho uma barreira, mas a minha personagem quebra essa barreira e me torna mais poderosa”, completa. Falando em poder, RuPaul é a drag mais poderosa do mundo, sendo a mais rica e influente, e Ravenna já admitiu que a mesma é uma de suas inspirações. Queríamos saber o significado da drag mais bem sucedida de todas para Ravenna. “RuPaul é a mãe de todas, né? Uma personalidade que mudou a história do mundo drag, que mesmo tendo um passado e uma história muito pesada, continua sendo um ser humano normal e ainda sim fabulosa. Quando assisto o programa, percebo que além de um reality show incrível, a apresentadora mostra muito apoio para todos na disputa. Nunca teve um sashay away em que RuPaul deixou de enaltecer as competidoras, nem mesmo quando eram eliminadas. Então é um tipo de apoio que acho muito legal. E ela tem uma frase, funciona como lição de moral, que acho sensacional “Se você não se ama, quem vai te amar?”, destacando para nunca desistir de você mesmo. Maravilhosa!”, responde Ravenna. Encerrando a entrevista, para a tradicional dica Ravenna aconselha que as drags devem primeiramente construir uma biografia para suas personagens, pois foi assim que ela fez. Deve também escrever um roteiro para descobrir a melhor parte que se tem. Se a pessoa é boa em dublagem, se arrisca e faz a dublagem. Se é boa em dança, se joga na pista para dançar. “Tem que buscar prática em outras áreas porque querendo ou não, as drags têm várias vertentes. Hostess, performer, um ‘Q’ de atriz. A personagem vai interferir na sua vida e você também vai ter que aprender a lidar com isso”, Ravenna dá um toque, admitindo que não aprendeu a lidar com isso da melhor forma, mas que o importante é seguir em frente. “Nunca desista, mesmo se alguém falar que você está feia, se você se sentir incrível, continue. Porque você é maravilhosa e tem coragem, afinal, não é qualquer uma que sai montada e glamourosa, dando a cara a tapa para olhares feios. Se você se sentir bem consigo mesmo, é o que importa”, concluí
Madrugada de domingo, 16 de outubro de 2016
Cruella Bloom e Maya Bombshell. Foto: Arquivo pessoal Uma semana havia se passado desde nossa última entrevista, as anteriores já estavam to das decupadas e editadas. Era hora de arregaçar as mangas e ir a campo novamente. No meio de uma festa no SIS Lounge, faltavam poucos minutos para o horário de verão, ag endamos duas drags para conversar conosco ao mesmo tempo: Cruella Bloom e Maya B ombshell, criadas por José Augusto e Luís Alexandre, respectivamente. Encontramos pr imeiro com Cruella na entrada do local, e então vimos do outro lado da rua Maya com s uas amigas, que atravessou para se juntar a nós.
Foto: Pedro Augusto Com a atenção redobrada por causa do tempo, já que Cruella tocaria na festa em meia h ora, decidimos nos sentar na calçada bem na frente da boate. Quando todos se acomodar am, demos início à entrevista com a primeira pergunta de praxe: “O que é fazer drag? ”. Cruella foi bem categórica na resposta: “O que você achar que é drag, é drag. Pra mim é isso. Não tem uma definição exata, porque se eu for definir o que é drag vai ser as coisa s que eu faço, e vai ser a minha definição, mas a de outra pessoa vai ser diferente. Se a p ergunta fosse “O que é a sua drag”, aí seria algo mais pessoal e eu responderia diferente. Então, para mim, o fazer drag é você usar o que você quiser, quando você quiser, onde você quiser.” As duas amigas são tão conectadas que logo em seguida Maya completou o pensamento da Cruella, “É tipo, você exteriorizar algo que tem dentro de você. Fazer drag, pra mim, é liberdade também. Como a Cruella falou, é você poder ser várias coisas, representar v árias pessoas. É a liberdade de você querer fazer o que quiser com o seu corpo, sair na n oite e mostrar a sua verdade para todos, mostrar o seu interior, porque dentro de cada m ontação tem um significado e uma característica da pessoa que está se montando.” No ramo das inspirações, Cruella de cara cita: Madonna, David Bowie e Raja. Ela ainda conta que tudo pode se tornar uma referência, desde um filme ou uma lenda, como é o c aso da inspiração dela para tocar na festa de hoje. “Mas tudo, muitas coisas, para mim, p odem funcionar como referência, um filme ou uma lenda, por exemplo a minha montaçã o de hoje, que é Bloody Mary. É uma lenda a qual eu me inspirei e transformei em mont ação. Então tudo pode ser. Você pode pegar uma planta, uma make de orquídea, e fazer virar uma montação, acho isso muito legal.”
Foto: Arquivo pessoal Maya não gosta de se inspirar em drags de fora, ela acredita que a gama de drags que o Brasil tem a oferecer é imensa, nisso ela cita a Lola Lewinsky. “Ela tem uma make total mente garota, ela já foi bem drag, mas agora ela busca uma make mais natural. De uns d ias pra cá, eu acabei dando uma reviravolta na minha drag, eu quis inovar. Sempre me c onsiderei drag antes, mas me preocupei demais com a opinião dos outros. Porém, atravé s de um conselho da própria Cruella, decidi não ligar mais pra isso e fazer o que eu quer ia apenas.” José deu vida à drag dele em uma festa a fantasia em que foi vestido de Cruella do 101 dálmatas, e foi daí que surgiu o nome para sua personagem. Ele achou legal tantas pesso as pedindo para tirar foto com ele e acabou gostando, logo depois da festa ele viu que er a legal se montar e percebeu que era isso que queria fazer. “Eu nem considerava como d rag o que eu fiz, o look tava ok, mas a make não tava boa, comparado com a minha estét ica de hoje, não tava nada boa. Quando Luis Alexandre resolveu dar vida a Maya, ele recebeu apoio de seus amigos, mas confessa ter sentido preconceito no começo, tanto que alguns o chamavam de travestis. “E eles faziam isso por ingenuidade, porque nem sabem a diferença, e ainda utilizaram o termo como pejorativo, e isso que é o pior”, diz. Mas de forma geral, Maya fala que foi tranquilo, não sofreu agressão, só olhares que depois de um tempo passam a ser frequentes. Por parte dos professores na faculdade, ela pôde perceber o tom de preconceito na voz de alguns, de vez em quando, por mais que estes parecessem ser sossegados quanto a isto.
Já Cruella comenta que nunca sofreu ataques verbais ou físicos, mas concorda com Maya sobre os olhares preconceituosos que recebe constantemente. Felizmente, sua família e amigos também ofereceram apoio e não discriminaram sua personagem. Mudando a linha de pensamento, enquanto estivemos no meio gay, pudemos perceber que muitas vezes o termo “mãe drag” é usado, e questionamos o significado dele. Maya responde que é como se fosse uma mãe representativa, que vai ensinar e proteger quem quiser aprender e fazer drag buscando conselhos, além de guiar e dar várias dicas. Por sorte, Maya diz ter tido uma mãe que a ajudou muito. Assim como em outras entrevistas, perguntamos também sobre o que RuPaul significava para nossas personagens da vez. Para Cruella é um reality show normal, e que aprecia o formato e como funciona, mas acredita que já viu drags melhores do que várias que passaram pelo programa, tanto em termos de maquiagem e look como em carisma. Inclusive há brasileiras que são melhores, na opinião dela. “Mas eu assisto, acho divertido e gosto”, completa.
Foto: Arquivo pessoal
A drag pode transformar a vida de uma pessoa, e no caso da Cruella de José, ela responde que a maior mudança foi na auto-estima. “Ajudou muito, me dando uma visão diferente de como as pessoas nos veem, e como a aparência é uma coisa superficial. Várias pessoas me conhecem como Cruella, mas não conhecem o José”, explica. Maya completa o raciocínio da amiga falando que seus nomes verdadeiros são conhecidos no meio gay, mas que é bem menos do que seus nomes de drag, ou seja, quando estão montadas. Falando em montação, claramente a maquiagem é mais do que essencial no processo. Indagamos sobre como elas aprenderam a se maquiar. Cruella, sozinha, via imagens de make-ups e tentava reproduzir nela mesma com os produtos que tinha e com os recursos que estavam disponíveis para ela na época. “Eu usei vários produtos que eu tinha para fazer um brilhinho que custa uns 250 reais, e eu não vou comprar isso. Sem condições. É por isso que nem assisto tutoriais no youtube, não vou ter os produtos que eles tanto falam, e é por isso que prefiro ver uma foto e tento copiar. Mas uma boa base é tudo!”, acrescenta. Como dica para quem está começando, Maya aconselha ser essencial treinar maquiagem em casa, e que se não puder investir em coisas caras, que compre qualquer coisa que ajude, mas que praticar é fundamental. O tempo passou mais rápido do que prevíamos e havia dado o horário de Cruella tocar na festa, então nos despedimos dela e de Maya, gratos pelo tempo e pelas palavras concedidas. Nós, que também não tinhamos tempo a perder, pedimos um táxi para ir ao encontro de nossa próxima e última entrevista do projeto.
Madrugada de domingo, 16 de outubro de 2016
Foto: Arquivo pessoal Chegamos à Non Stop, cuja fila na entrada quase dobrava a esquina. Trabalhando n a door, Lauanda recebia os clientes da boate com sorrisos e simpatia. Alta, loira e to da de preto, nos ofereceu entradas para esperarmos por ela dentro do local, pois ela t eria que permanecer no seu posto até que todos que estavam na fila entrassem. Acei tamos, entramos e aguardamos. Já tinhamos estado ali outras vezes e nossos olhos s e encheram de cores logo ao passar pelos seguranças. Demorou um pouco, mas fina lmente Lauanda nos encontrou e nos guiou novamente até a frente do estabelecimen to, onde nos posicionamos. Montando-se há mais ou menos 8 anos, Lauanda sempre pertenceu à Non Stop. Co meçou a se montar em um evento chamado “Festa das bonitas”, na capital de Mato Grosso do Sul. Na segunda edição da festividade, Diego fazia parte da organização,
e uma colega ia fazer hostess para ele, mas avisou uma semana antes que não poderi a mais. Pensando em uma solução, conversou com seu parceiro e perguntou se aque la seria uma boa hora para Lauanda ressurgir. “Aí foi quando Lauanda veio para a N on e não parou mais. A Amanda Hoffman e a Fox não queriam mais prestar serviço s aqui e resolveram me passar a coroa. Eu abracei a causa e assumi a door, e hoje já vai fazer três anos que estou aqui”, esclarece. Pelo tempo em que Lauanda se monta, ela é considerada veterana e uma das drags mais respeitáveis de Campo Grande. Ela diz que já ouviu isso de uma amiga, mas q ue não se sente amada por todas as drags, e que sua popularidade se deve aos gays, pois esses sim demonstram carinho e a fortalecem. “Eu não me sinto melhor que qu alquer outra drag, acho que todo mundo é capaz de conseguir chegar onde quer, mas eu acho que tô construindo uma carreira boa porque sou muito exigente com meu tr abalho, com minha maquiagem e com meu figurino, e no que essas coisas vão acres centar a minha personagem. Tenho que estar impecável ao sair de casa, por que que rendo ou não o público gay é exigente. Eles não vêm aqui só pela música boa e as b ebidas, às vezes tem gente que aparece só para me ver, e eles querem me ver cheiros a, bonita e bem vestida. Isso me faz exigir mais da minha arte e o que eu faço”, expl ica Lauanda. Tal personificação para a drag significa trazer a arte para o público e lidar com ele, l evando um pouco de sua essência e de seu personagem interior, porque todo mundo tem um dentro de si, e é só colocar ele para fora. “Cada uma tem uma caracteristica propria. Pra mim a pessoa que colocar uma peruca, passar um delineador e por uma roupa de mulher e falar que é drag, pra mim é drag. Independente de tudo, pode ser uma mulher, jovem, idoso, travesti, porque drag é arte, ela não tem gênero”, acresc enta.
Motivações, inspirações e filhas drags Contando mais sobre seu trabalho, ela fala que Tiffany Bradshaw é uma inspiração e que teve uma história com a personagem de São Paulo. Quando a drag veio para C ampo Grande, Lauanda dividia o camarim com ela, e aproveitando a oportunidade, perguntou: “Tiffany, o que faz sua drag? Por que você escolheu isso?”, e a resposta foi tão marcante que ela lembra com carinho até hoje: “Lauanda, eu escolhi ser boni ta, por que eu me inspirei em umas drags no passado e escolhi ser bonita”. A partir desse momento, ela começou a exigir mais de si mesma como personagem e investi r na sua estética. Lauanda possui duas filhas drags atualmente Daffyny Storm e Rafa Spears. Ela lam enta que nesse meio existe muita gente que quer ser melhor do que a outra, mas que aconselha suas aprendizes a focarem apenas nelas mesmas. “Eu exigo muito das du as e cobro muito a pontualidade delas, profissionalismo...”, Lauanda comentava, qu ando foi interrompida por um grito alto vindo de um carro que passava na rua “MA RAVILHOSA, TE AMO! PERFEITA!”, gritava uma moça para a nossa entrevistad a. Provavelmente uma fã. Nesse momento de descontração, rimos bastante. Sem gra
ça, Lauanda volta na linha de raciocínio e continua “... eu exijo delas então porque q uero ver o melhor delas e dos meus amigos drags, sempre. O que eu puder fazer par a ajudar, se eu achar no meu entender que a pessoa merece, eu vou ajudar. Além de um bom trabalho, é preciso ser humilde apesar de tudo. Muitas vezes já me falaram que não me acham humilde, mas acho que é porque sou muito sincera”, diz, ressalta ndo que não consegue mentir quando algumas drags perguntam se estão bonitas e el a acredita que a resposta seja negativa. Ela conta que fala na cara sua opinião, e que pontua o que considera que precisa ser melhorado, se a pessoa quiser ajuda está à di sposição, mas que se quiser melhorar por conta própria, manda uma boa sorte. Nesse caminho, é preciso ter muita força de vontade. Lauanda que o diga, uma vez que ela faz tudo que compõe sua personagem, como a peruca, roupa e maquiagem. “Pelo fato de eu ser gordinho, é difícil achar coisas para mim em algum lugar aqui”, diz. Ela lamenta que ser hostess em casa noturna não dá dinheiro, mas que seu sust ento ela ganha com com viagens que faz para tocar e animar festas. Enfatiza també m que aprendeu a fazer tudo sozinha para economizar custos e gastos.
Foto: Pedro Augusto
O mal de muitas drags atuais, opina Lauanda, é que elas querem começar hoje e est arem viajando para São Paulo amanhã. Querem recompensas grandiosas e rápidas. Ela admite que era assim, reclamava que não viajava, não aprendia nada e não fazia nada. Até que seu amigo Jel, uma noite em seu camarim, falou que as coisas aconte ciam naturalmente. “Pega o Johnny Luxo como exemplo, lembra de quantos anos el e ficou trabalhando na noite sem muitas promessas e olha para ele hoje”, comenta. Apesar disso, Lauanda afirma estar satisfeita com o que faz, e que ser independente é uma característica que a ajudou e que lhe traz conforto. “Não há nada melhor do q
ue olhar no espelho e se orgulhar dos seus feitos. Não vejo muito sentido em chegar e falar pra alguém “nossa, como estou maravilhosa, fui maquiada por fulano, comp rei a roupa de ciclano, tenho sapato Louboutin”, sendo que foi tudo conquistado à b ase de outros, foi comprado. Prefiro ostentar o meu trabalho. Se me perguntam que marca eu visto, logo respondo “Ai, foi tudo eu que fiz”. Assim começam a te dar va lor e você se valoriza mais também”. Essa é uma característica que procura ensinar suas filhas, treinando maquiagem e costura com elas.
Uma das maiores realizações de seu trabalho, segundo ela, foi o Miss Plus Size 2016, qu e aconteceu no fim de setembro e foi um concurso o qual saiu vencedora. As pessoas co bram dela que use mais a faixa e a coroa conquistada como se fosse um troféu, mas a m esma não vê esses itens como troféus, apesar de achá-los lindos, ela enxerga os prêmios como um reconhecimento por tudo o que fez e um mérito por seu trabalho, luta e esforç o. O título abriu várias portas, e Lauanda se considera muito grata por isso. Embora não use a faixa e coroa para ostentar, não recrimina quem o faz em eventos e várias vezes, af inal, faz parte do trabalho delas, e ela fala que se ganharam, é porque mereceram.
A origem de Lauanda
A personagem conta que existem duas histórias que podem ser consideradas como sua o rigem. A primeira diz respeito a uma experiência na escola, através de uma brincadeira com uma amiga, que colocou o nome Lauanda no trabalho. A professora perguntou “Qu em é Lauanda?”, deixando Diego envergonhado, enquanto a sala toda enchia seu saco. A outra história, considerada como a oficial por ter sido levada a sério, conta da época q ue Diego trabalhava em um salão de beleza, e num dia com uma colega, estavam se arru mando para uma festa à fantasia, na qual Diego iria montado de drag, era uma de suas p rimeiras vezes e ainda não possuia um nome para sua personagem. Sua colega então, pe gou um esmalte para passar na unha e estava escrito nele “Lauanda”. “Ela leu em voz al ta e me perguntou o que eu achava, eu disse que gostei e era bem legal. Daí ficou.”. Nun ca teve um sobrenome. O motivo? Para ela, quando se leva um sobrenome, leva junto u ma carga. É a mesma responsabilidade de carregar o nome do pai ou da mãe. “Se eu tive sse um, eu teria que ser responsável por levar isso adiante. Então nunca tive pra não ter que me preocupar em levar isso pra frente”, diz. Ela conta que houve uma vez que adoto u um sobrenome mas que não durou muito tempo. Lauanda Dumore Stars foi um dos pr imeiros nomes que recebeu, de uma travesti em uma festa no interior. “Ela passou minh a cara no seu peito e me batizou. Mas não levei o sobrenome pra frente e logo tratei de a bandoná-lo, porque eu queria um legado só meu, do nome Lauanda, apenas, e não da La uanda filha de fulano, entende? É isso que eu faço com as minhas filhas, aconselho elas a colocar o nome delas em primeiro, pra depois serem filhas da Lauanda”, relata.
De sua personagem do passado para a que se encontra em pé diante de nós, ela diz q ue praticamente tudo mudou. Ela até confessa que comprava um ruby rose, corretiv
o facial ou paint stick bem barato, que segundo ela era o mais sem vergonha que tin ha no mercado. O elemento também é conhecido como pó tango, para quem ainda n ão havia se familiarizado. Mas conforme o dinheiro foi entrando com o trabalho, as coisas foram progredindo e assim os produtos foram melhorando de qualidade, o qu e também influenciou no desenvolvimento de Lauanda. “Drag é que nem vinho, só melhora com o tempo. A gente vai se aperfeiçoando, eu sempre estou buscando isso, até porque a maquiagem, como a arte, não tem limites. É que nem conhecimento, v ai até onde você quer alcançar e aprender”, pontua.
Um fator que considera polêmico nos gays atualmente, é a falta de noção e bom sen so ao pertencer em um mesmo espaço de héteros, o que acaba gerando o preconceit o. Não querendo transferir a culpa para os gays, afinal eles são as vítimas e os alvos, mas conta que nunca sofreu discriminação por saber se comportar diante de pessoa s diferentes e em ambientes que não são tão confortáveis para ele. “Por mais que vo cê seja um gay bem masculino, ou um mais afeminado, se você entrar em uma festa hétero, se comporte como eles. Mesmo se sua orientação for diferente, você está no universo deles, então por mais que queria soltar a franga, você tem que entrar no par âmetro deles. Deixa pra despirocar num ambiente mais favorável pra isso. Então, ac redito que nunca passei por uma situação indelicada ou sofri preconceito por saber e ntrar e sair das situações”, afirma.
Foto: Pedro Augusto Lauanda aponta uma curiosidade interessante, que só foi conhecer RuPaul quando v eio morar em Campo Grande. Acompanhou a vida noturna de São Paulo antes disso, e para ele drag era o que ele presenciou na cidade grande. Ao acompanhar RuPaul com uma amiga, se inspirou e colocou muitas referências da drag em sua personage
m. “Acredito que tem bastante RuPaul na Lauanda. Por que, querendo ou não, faço parte das novas drags, por mais que eu já tenha idade, me considero. Por exemplo, a s drags do RuPaul’s inventaram o côncavo da maquiagem, tem mais expressividade do que as de antigamente. Acredito que entro nos padrões delas, pois se tornaram re ferência pra mim”, explica.
Lauanda, para Diego, significa a mesma pessoa, porém com as características poten cializadas. Assim como acontece na maioria dos casos de drags, Diego é mais tímid o, quieto e reservado, enquanto sua personagem é festeira, quer beber, dar risadas, f umar e socializar. Diego, caseiro, só sai da cama de sua casa se for pra pegar um cin ema, enquanto Lauanda vai extravazar na boate. ”Sempre busque e aprenda. Por mais que exista maldade por parte das pessoas e inc lusive de algumas drags, que infelizmente tem, vai atrás do que deseja. Se acha que não está bom, melhore. É querer ter conhecimento para fazer aquilo que tanto gosta. Mas acima de tudo, seja você mesmo, enalteça sua pessoa e personagem, sendo feli z da maneira que achar melhor”, aconselha Lauanda para todas as drags locais que d esejam seguir o mesmo caminho que ela.
Agradecemos a entrevistada, que partiu no meio de abraços com sua filha Daffyny Storm, que acompanhava atenta a entrevista de sua mãe drag.