COLÉGIO OFÉLIA FONSECA
PROMETEU E PANDORA: A CRIAÇÃO DO HOMEM E A ORIGEM DOS MALES DA HUMANIDADE
Daniele Aparecida Alves
São Paulo 2013
Daniele Aparecida Alves
PROMETEU E PANDORA: A CRIAÇÃO DO HOMEM E A ORIGEM DOS MALES DA HUMANIDADE
Trabalho realizado e apresentado sob a orientação da Professora Cristiane Bastos Ferreira, da disciplina de Literatura.
Dedico
a
aquelas
pessoas
que
tornaram os meus dias no OfĂŠlia cada vez melhores.
AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer à professora Cristiane pela paciência que teve com o meu processo de escrita e pelas suas maravilhosas ideias, ao João Victor pelo amor e apoio, estando sempre disposto a ajudar; aos meus pais pela compreensão, principalmente nos momentos de elaboração desse trabalho e aos meus amigos por contribuírem de forma valiosa e alegre no meu dia a dia. Sou grata também a aquelas pessoas que se dispuseram a ajudar e a colaborar na elaboração e na leitura deste TCC.
“A caixa que não tem tampa Fica sempre destapada Dá-me um sorriso dos teus Porque não quero mais nada.” – Fernando Pessoa
RESUMO Todos já se questionaram sobre a sua origem. Sobre a origem do mundo. Sobre a humanidade. Com isso, já escutaram diversas histórias a respeito, como as histórias mitológicas, que narram vários fatos naturais históricos ou filosóficos com o intuito de justificar a origem e as ações humanas no mundo, isso desde a Grécia Antiga. Neste trabalho será apresentado o mito grego de Prometeu e Pandora e também será feita uma análise comparativa entre a mitologia greco-romana e a judaico-cristã, ambas referentes ao mesmo tema: a criação do ser humano e o surgimento dos males no mundo mortal. Dessa forma, será possível compreender como os personagens mitológicos Prometeu e Pandora apresentam um vínculo com a realidade na tentativa de explicar as questões sobre a existência e o surgimento dentro da humanidade. Portanto, se essas histórias são conhecidas até os dias atuais é sinal de que existe uma transmissão de conhecimento além do tempo e do espaço e que esta provavelmente é feita através do inconsciente.
SUMÁRIO 1. CAPÍTULO I (INTRODUÇÃO)................................................................................. 6 1.1. O início.................................................................................................................... 6 1.2. O inconsciente através da história........................................................................... 8
2. CAPÍTULO II (DESENVOLVIMENTO)............................................................... 12 2.1. Introdução à mitologia.......................................................................................... 12 2.2. O mito de Prometeu e Pandora............................................................................. 15 2.3. Os símbolos civilizatórios..................................................................................... 22 2.4. O sacrifício............................................................................................................ 24 2.5. As técnicas do fogo............................................................................................... 27 2.6. A imagem de Pandora........................................................................................... 29
3. CAPÍTULO III (CONCLUSÃO).............................................................................. 31
4. ANEXOS..................................................................................................................... 33
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 38
1.
CAPÍTULO I “[...]
a
Abriu-se
máquina
do
majestosa
e
mundo
[...]
circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável” – Carlos Drummond de Andrade 1.1. O início A origem do mundo, até os dias de hoje, ainda é um enigma para o ser humano. Mesmo havendo descobertas e explicações acerca desse imenso universo em que vivemos propostas por teorias científico-filosóficas, algumas destas continuam tentando desvendá-lo totalmente ou, até mesmo, buscam chegar o mais próximo possível da verdadeira história desta enorme criação, desta enorme máquina que é o nosso (des) conhecido mundo. As descobertas e explicações, já existentes e conhecidas, acerca do universo, auxiliam também em um melhor entendimento sobre a existência do ser humano. Afinal, todos os seres vivos, até mesmo os extintos, são peças essenciais e indispensáveis para a compreensão do fenômeno da criação, pra entendermos o funcionamento e a finalidade de uma máquina, metáfora para o planeta Terra. “Eu imaginava que o mundo todo era uma grande máquina. As máquinas não vêm com peça a mais. Elas têm a quantidade exata de que precisam. Então eu pensei que se o mundo fosse uma grande máquina, eu não podia ser uma peça extra, eu tinha que estar aqui por uma razão [...].” 1 A utilização de metáforas referentes ao mundo e ao ser humano (máquina = mundo e peça = ser humano) ajuda-nos a refletir sobre a função do homem no mundo. Em cada ser humano estão contidos qualidades e defeitos que lhe foram atribuídos em sua criação para futuras ações, para dar continuidade a sua existência e preservar o mundo ou, mais especificamente, a sociedade na qual está inserido.
1
Filme A invenção de Hugo Cabret. Direção: Martin Scorsese. Roteiro: John Logan. 2011.
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Atualmente, existem variadas histórias que narram acontecimentos e ações da humanidade desde muito tempo, como ocorre com as histórias mitológicas, as quais narram diversos fatos naturais históricos ou filosóficos sob a forma de alegorias2, tornando-se uma história fora da realidade habitual, fabulosa, e distanciando-se do mundo no qual o ser humano se encontra. A história alegórica que será utilizada como base para este trabalho será o mito grego de Prometeu e Pandora, que trata justamente de um tema que aborda a forma de criação do ser humano e o surgimento dos males existentes no mundo mortal que, segundo o próprio mito, foram libertados da caixa de Pandora, resultando no que será dito brevemente nos versos abaixo: “Nosso mundo ficou tomado Por tudo que há de errado Destinos selados, dentro desta caixa [...].” 3 Os versos acima são uma amostra dos males e das desventuras em série que escaparam mundo adentro graças à caixa e à curiosidade de Pandora. Apesar de essa história ter sido criada na Grécia Antiga, este trabalho mostrará que ela aplicase a qualquer lugar, pois retrata a criação da humanidade, isto é, a origem do ser humano e, como resultado – ou por consequência –, a ação do homem no mundo a partir de então. Será feita, portanto, uma análise comparativa entre a mitologia greco-romana e a judaicocristã referente à criação do primeiro ser humano e à origem dos males da humanidade a partir da interpretação dos mitos de Prometeu e Pandora e Adão e Eva.
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Alegoria: forma de metáfora que significa uma coisa nas palavras e outra no sentido; forma figurada – Minidicionário Silveira Bueno. 3 Excerto da canção Caixa de Pandora, da banda nacional homônima. Canção completa, vide anexo 2.
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1.2. O inconsciente através da história “Os mitos são sonhos públicos; os sonhos são mitos privados.” – Joseph Campbell Nas histórias mitológicas é possível encontrar como se deu o nascimento e o desenvolvimento da consciência humana, mas elas também podem nos revelar a inconsciência do ser. O inconsciente é o não conhecimento de algo, o que não é racionalizado. Segundo Freud4, ele pode se manifestar de três maneiras: por meio dos traumas, dos atos falhos e dos sonhos. “O trauma psíquico é compreendido [...] como aquelas experiências emocionais que se constituem como fator etiológico para o aparecimento da Histeria, ou seja, é toda impressão ou vivência que provoque afetos penosos de medo, susto ou vergonha e que o sistema psíquico tem dificuldade para resolver por meio do pensamento associativo ou por reação motora. Dessa forma, essa patologia se formava como resíduos de traumas psíquicos e o caráter particular a cada um desses sintomas era explicado pela relação com a cena traumática.” (BATISTA, S.d., p. 2). “Na psicanálise, o ato falho tem um significado psíquico pleno e revela muito mais do que se possa supor superficialmente. ‘É uma ferramenta que a psicanálise utiliza como porta de acesso ao inconsciente do ser humano. São fragmentos do que está guardado no inconsciente e que escapam em algum momento, através de palavras ou gestos’, explica o psicanalista Ailton Bastos. Geralmente, são incidentes insignificantes, como erros de expressão, de escrita, de leitura ou de audição, esquecimento de palavras, perdas incompreensíveis de objetos familiares. Muitas pessoas explicam os atos falhos como falta de atenção, acaso, cansaço. No entanto, para Sigmund Freud, o pai da psicanálise, os atos falhos são expressões de intenções omitidas ou resultado de um confronto entre duas intenções, uma delas inconsciente.” (GONÇALVES, 2008). “Segundo Freud (1915), sonhos são fenômenos psíquicos onde realizamos desejos inconscientes. O sonho é o resultado de uma conciliação. Dorme-se e, não obstante, 4
Sigmund Schlomo Freud (1856-1939), nascido na região da Morávia, parte do Império Austro-Húngaro na época e hoje se encontra na República Tcheca, ele se formou em medicina, se especializando em Neurologia, e, em seguida, fundou a psicanálise. Especializado em tratamentos para doentes mentais, Freud, resolveu tratar esses casos através da interpretação dos sonhos das pessoas e também através do método da associação livre, sendo este último, fazer com que seus pacientes falassem qualquer coisa que lhes viessem à cabeça.
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vivencia-se a remoção de um desejo. Satisfaz-se um desejo, porém, ao mesmo tempo, continua-se a dormir. Ambas as realizações são em parte concretizadas e em parte abandonadas.” (SIRONI, s.d.). “Na obra Teoria dos Sonhos, Freud postula que o homem precisa dormir para descansar o corpo e, principalmente, para sonhar: ‘o sonho é a realização dos desejos reprimidos quando o homem está consciente’. Quando o homem dorme, a consciência ‘desliga-se’ parcialmente para que o inconsciente entre em atividade, produzindo o sonho: através do id5, os desejos reprimidos são realizados. Para Freud, as causas dos traumas que geram certos comportamentos tidos como anormais estão escondidas no inconsciente das pessoas, onde estão guardados os desejos reprimidos.” (LOPES, 2012).
Entretanto, para Carl Jung6, o inconsciente tem muitos significados que se apresentam de duas maneiras: através do inconsciente pessoal e do inconsciente coletivo. O inconsciente pessoal é o local onde se armazena o que em algum momento foi consciente, mas que foi esquecido ou extinguido. Já o inconsciente coletivo é resultante das experiências ancestrais da espécie humana. Este seria o depósito de imagens primordiais referindo-se ao mais primitivo desenvolvimento da psique7, as quais seriam herdadas de um passado ancestral, que inclui os nossos antecessores humanos, pré-humanos e animais. Assim, responderíamos ao mundo tal como os nossos ancestrais, comportando-nos de modo semelhante a eles em situações similares. Essa representação do inconsciente coletivo é chamada, por Jung, de arquétipo ou experiência arquetípica (do grego, arché + typein = princípio que serve de modelo). Jung investigou criações artísticas e místicas de civilizações antigas e descobriu símbolos de arquétipos comuns, mesmo sendo entre culturas distantes no espaço e no tempo, sem nenhum vestígio de contato ou influência direta. Dessa forma, os arquétipos são uma forma de pensamento universal que é herdada e que, ao ser vivida, ressalta Jung, torna-se perceptível e consciente e pode ter dado origem às mitologias de todas as épocas. Afinal, o inconsciente 5
Segundo Freud, corresponde à sua noção inicial de inconsciente, seria a parte mais primitiva e menos acessível da personalidade. 6 Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e psicanalista suíço, foi o fundador da psicologia analítica, propôs e desenvolveu conceitos sobre o inconsciente pessoal, inconsciente coletivo e arquétipos. Foi considerado pelo próprio Freud o seu substituto e herdeiro do movimento psicanalítico. Em 1914, rompeu-se a amizade entre eles e Jung desenvolveu a psicologia analítica em oposição a grande parte do trabalho de Freud. 7 Psique: Conjuntos de fenômenos da vida mental, e que inclui processos conscientes e inconscientes – Minidicionário Aurélio.
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coletivo, somado aos arquétipos, são elementos vivos e dinâmicos, assim como a vida e a história da humanidade. Nós somos herdeiros da história da humanidade através dos arquétipos. Podemos trabalhar com eles de forma consciente ou eles poderão atuar de forma inconsciente na nossa psique. Um mito arquetípico reflete e expressa diversas experiências universais da humanidade através de histórias. Porém, os mitos não foram criados simplesmente para leituras de entretenimento, mas sim, são maneiras de apreensão da realidade e do processo de formação e transformação do ser humano, com o intuito de mostrar uma verdade que se aplica a toda a humanidade. Para os povos antigos – gregos, romanos, egípcios – mito era sinônimo de religião e continha praticamente toda a sabedoria humana, já que era por meio da religiosidade que se explicava os fenômenos da existência. Hoje, compartimentamos esse conhecimento em áreas como a ciência, filosofia, história, sociologia, entre outras. A espiritualidade não mais rege, como bem sabemos, a sabedoria acadêmica. Os arquétipos são importantes para o entendimento da história e para a ampliação da consciência. O inconsciente, tanto pessoal quanto coletivo, manifesta-se através da linguagem simbólica, arquetípica, tornando-se possível entendê-la a partir dos mitos. Assim, cada personagem mitológico apresenta um vínculo com as situações existentes e, como as situações geralmente se repetem, surge a necessidade de estudar os acontecimentos da humanidade para que se possa tecer comparações, sejam elas feitas por meio de mitologias pagãs ou religiosas. Verifica-se, portanto, que existe uma transmissão de conhecimento além do tempo e do espaço. No mito judaico-cristão, Deus é o único e supremo criador dos homens e Eva, a primeira mulher. No paganismo grego, Prometeu é o criador, defensor e benfeitor da humanidade e Pandora é a representação, em imagem, da primeira mulher mortal. Portanto, tais representações arquetípicas, além de transmitirem experiências ancestrais ao longo do tempo e em diferentes espaços, fazem com que haja uma união entre diferentes povos, entre passado e presente, deuses e homens, imortais e mortais, interligando-os de tal modo que estejam presentes em cada indivíduo como um conhecimento inato – um tipo de conhecimento que já nasce com o ser humano. Segundo Bachelard, “As imagens imaginadas são antes sublimações dos arquétipos do que reproduções da realidade.”
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(BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneios da Vontade. São Paulo: Martins Fontes, 2008.)
Este trabalho será baseado em bibliografia bastante variada: livros e documentos, pesquisas na internet e nas bibliotecas da Universidade de São Paulo - Butantã (USP) e na Biblioteca Mário de Andrade, localizada na região central de São Paulo. Também utilizaremos músicas e poemas condizentes com o tema para um trabalho melhor fundamentado.
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2. CAPÍTULO II “Não pretendemos mostrar como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos se pensam nos homens, e à sua revelia.” – Claude Lévi-Strauss 2.1. Introdução à mitologia O conhecimento inato representa a conquista progressiva do passado individual do ser humano assim como a história compõe para o grupo social a conquista do seu passado coletivo. As etapas e o desenvolvimento dessa história deram-se através de documentos que foram elaborados com uma vasta mitologia de reminiscência na Grécia Antiga. Mas o que é mitologia? Mitologia (do grego, mytho + logía = estudo da palavra) tem por objeto o estudo de mitos, contos ou sagas com elemento histórico e histórias de aventuras, os quais têm um caráter social desde sua origem e só são compreendidos dentro do contexto geral da cultura em que foram criados e explicados através de seres imaginários divinizados. “A mitologia primitiva é a língua poética de que se serviam os povos antigos para explicar os fenômenos naturais. [...] Tudo quanto nos apresenta a natureza exterior era, aos olhos dos antigos, a forma visível de personalidades divinas.” (MÉNARD, 1991, p.1).
Geralmente, quando escutamos a palavra “mitologia”, associamos o termo à palavra “grega”. Isso ocorre porque a mitologia grega se destaca sobre a mitologia de outros povos devido à influência que a civilização e o pensamento grego exerceram sobre o mundo, em particular sobre o Ocidente. Todas as culturas têm histórias tradicionais, as quais os povos da antiguidade procuraram, de alguma forma, entender, relatar e explicar para justificar aspectos da vida e da natureza – como origem do Cosmo (Universo) – a existência dos fenômenos naturais e a origem do homem e suas atitudes.
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Na mitologia grega criaram-se divindades, dispostas numa hierarquia: de deuses primordiais, titãs e deuses olímpicos a seres inimagináveis. Os deuses primordiais, representantes da primeira geração, foram os que geraram o mundo e que representavam as mais primitivas e poderosas forças da natureza. Os titãs, representantes da segunda geração e descendentes da primeira, além de também representarem forças da natureza, já apresentavam uma aparência semelhante à humana, mas ainda eram divindades consideradas poderosas, incontroláveis e até monstruosas. Posteriormente, com o desaparecimento dessas duas primeiras gerações, as antigas divindades e as novas acomodaram-se, cada uma em seu domínio e, após este, surgem os deuses olímpicos, a terceira geração, os quais adquiriram uma forma totalmente semelhante ao homem, principalmente em questões comportamentais. No entanto, possuíam poderes, mais beleza e perfeição. Segundo os mitos gregos, os deuses interagiam constantemente com os mortais e os filhos deles constituiriam a quarta e última geração divina. Muitos destes tornaram-se heróis gregos, considerados quase gregos, e eram capazes de destruir monstros, guerrear com inimigos e realizar feitos impossíveis ao ver dos mortais. “Os gregos deram aos deuses a forma humana, e Fídias explicou o motivo de tal procedimento, dizendo: ‘Se damos aos deuses a forma humana é por desconhecermos forma mais perfeita. Mas só foi após lenta elaboração que a arte conseguiu fixar os tipos dos deuses tais quais os conhecemos. ’.” (MÉNARD, René. Mitologia Greco-Romana.Tradução de Aldo Della Nina. São Paulo: Opus, 1991. p.5)
As mais antigas fontes literárias das lendas gregas são os poetas épicos Homero (-750) e Hesíodo (-700); o poeta lírico Píndaro (-522/-446); os poetas trágicos Ésquilo (-525/-456), Sófocles (-495/-406) e Eurípides (-484/-406); o historiador Heródoto (-484/-425); e vários eruditos helenísticos e greco-romanos, como Calímaco (séc. -III), Apolônio de Rodes (séc. III), Diodoro Sículo (séc. -I) e o viajante Pausânias (séc. II). No entanto, Homero e Hesíodo se destacam com três obras que podem ser consideradas as fontes básicas para o conhecimento da mitologia grega: a Teogonia, que narra a origem dos do mundo e dos deuses – a teogonia (do grego, théos, “deus”, e gonos, “origem”) passa a ser também uma cosmogonia (do grego, kósmos, “mundo”, “ordem”, “beleza”) –; a Ilíada e a Odisséia, que tratam de aventuras de heróis, respectivamente Aquiles e Odisseu, sendo a participação dos deuses fundamentais em ambas as narrativas. Merecem destaque também Ésquilo, Sófocles e Eurípides por suas obras teatrais (as tragédias), por meio das quais é 13
possível perceber com maior facilidade a simbologia que os mitos têm para a própria existência humana, evidenciando os significados desses mitos em termos psicológicos, o que acabou levando psiquiatras, como Sigmund Freud e Carl Jung, a fazerem da simbologia desses mitos objeto de estudo e de análise. Abaixo, confira a genealogia dos deuses gregos. Para uma visão mais ampla desta árvore genealógica, vide anexo 1.
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2.2. O mito de Prometeu e Pandora “Com uma palavra, diz ele, tu saberás tudo. Todas as artes vêm aos mortais a partir de Prometeu.” – Ésquilo, Prometeu acorrentado, p. 506. Segundo os antigos pagãos, o mundo foi criado a partir do caos. No início, havia uma massa informe, o Caos, e Deus e a Natureza intervieram separando a terra do mar e o céu dos dois. Com isso, um deus misterioso se encarregou de organizar as outras partes essenciais da Terra, dispondo-os em seus devidos lugares tal como conhecemos hoje. Urano, o Céu, e Gaia, a Terra, foram os responsáveis por gerar uma porção de seres estranhos, nascendo, primeiramente, os Titãs e as Titânides, todos de natureza divina, assim como os seus pais que, posteriormente, também gerariam mais seres. Um dos titãs, Jápeto, casou-se com Clímene, uma filha de Oceano, e tiveram quatro filhos: Atlas, Menécio, Prometeu e Epimeteu. Dentre esses titãs, Prometeu foi o que mais se destacou. Prometeu (do grego, pro, “antes”, e metheus, “vidência”, ou seja, significa “aquele que sabe antes”) tinha dons de profecia e foi incumbido, juntamente com seu irmão Epimeteu (do grego, epi, “depois”, ou seja, em oposição ao seu irmão, significa “aquele que pensa tarde demais”), de criar animais mais nobres para povoarem a Terra e de dar-lhes as funções necessárias para se preservarem. Prometeu criou o homem a partir da terra misturando-a com água e o fez semelhante aos deuses. Epimeteu deu aos animais muitas qualidades físicas que os permitiu uma perfeita adaptação ao meio natural e esta distribuição parecia equitativa e equilibrada entre as diversas espécies. No entanto, ele gastou com os animais todos os seus recursos e não restara nada para os homens. Os homens haviam sido esquecidos. Epimeteu recorreu a Prometeu para uma solução e este se proveu de sentimentos de compaixão pelos pobres mortais, pois ele acreditava em sua criação, sabia que os homens eram inteligentes o suficiente para sobreviverem utilizando-se de seus próprios recursos para isso, mas sabia também que eles precisavam de algo que tornasse possível a continuidade de sua existência. Caso nada não fosse encontrado, os homens seriam extintos.
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Para Prometeu, esse elemento que permitiria a sobrevivência do homem era o fogo, pois assim o homem poderia forjar suas próprias armas para se defender, criar ferramentas para o cultivo da terra, aquecer sua morada e se aquecer não mais dependendo do clima para isso, e criar várias outras artes para prosseguir com a sua existência. Mas o fogo era o elemento privilegiado dos deuses e eles o conservavam com o maior cuidado. Entretanto, visando o bem de sua obra, Prometeu resolve roubar o fogo divino e é punido por Zeus. Há algumas versões a respeito da forma como Prometeu roubou o fogo e como foi punido por Zeus. Uma das versões é a seguinte: “[...] Prometeu, que, com a ajuda de Minerva8, subiu ao céu e acendeu sua tocha no carro do sol, trazendo o fogo para o homem. Com esse dom, o homem assegurou sua superioridade sobre todos os outros animais. [...] A mulher não fora ainda criada. A versão [...] é que Júpiter9 a fez e a enviou-a a Prometeu e a seu irmão, para puni-los pela ousadia de furtar o fogo do céu, e ao homem, por tê-lo aceito. A primeira mulher chamava-se Pandora. Foi feita no céu, e cada um dos deuses contribuiu com alguma coisa para aperfeiçoá-la. Vênus10 deu-lhe a beleza, Mercúrio11, a persuasão, Apolo, a música etc. Assim dotada, a mulher foi mandada à Terra e oferecida a Epimeteu, que de boa vontade a aceitou, embora advertido pelo irmão para ter cuidado com Júpiter e seus presentes. [...] O rei dos deuses entregou-lhe, como presente de casamento, uma caixa, em que cada deus colocara um bem. Pandora abriu a caixa, inadvertidamente, e todos os bens escaparam, exceto a esperança. Assim, sejam quais forem os males que nos ameacem, a esperança não nos deixa inteiramente; e, enquanto a tivermos, nenhum mal nos torna inteiramente desgraçados.” (BULFINCH, 2006, p. 24).
Uma outra versão diz que “Prometeu teve que penetrar discretamente na forja de Hefesto, o deus do fogo, para roubar a chama, que levou para os homens oculta no oco de uma raiz. Zeus não ignorou por muito tempo esse furto. Assim que notou o brilho de uma chama entre os mortais, o poderoso soberano deu vazão à sua cólera.” (POUZADOUX , 2001, p. 14-15). 8
Minerva: Atena na mitologia grega; deusa da sabedoria, das estratégias de guerra e das artes. Júpiter: Zeus na mitologia grega; senhor do Olimpo e deus dos céus. 10 Vênus: Afrodite na mitologia grega; deusa da beleza, do amor e do sexo. 11 Mercúrio: Hermes na mitologia grega; deus mensageiro dos deuses, deus dos viajantes e das estradas, dos atletas, dos poetas e das invenções. 9
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“Irritado com um atentado tão audacioso, Júpiter mandou Vulcano12 forjar uma mulher que fosse dotada de todas as perfeições e apresentá-la à assembleia dos deuses. Minerva vestiu-a de uma túnica de alvor figurante, cobriu-lhe a cabeça com um véu e guirlandas de flores que encimou com uma coroa de ouro. O próprio Vulcano levou-a nesse estado. Todos os deuses admiraram essa nova criatura e todos quiseram lhe dar um presente. Minerva lhe ensinou as artes que convêm a seu sexo, entre outras a arte de tecer. Vênus difundiu em torno dela o encanto, junto com o desejo inquieto e os cuidados cansativos. As graças e a deusa da Persuasão13 ornaram seu pescoço com colares de ouro. Mercúrio lhe deu a palavra com a arte de conquistar os corações por meio de discursos insinuantes. Enfim, tendo todos os deuses lhe dado presentes, ela recebeu o nome de Pandora (do grego, pan, “tudo”, e doron, “dom”). Quanto a Júpiter, deu-lhe uma caixa bem fechada e mandou entregá-la a Prometeu. Este, desconfiado de alguma cilada, não quis receber nem Pandora, nem a caixa, e inclusive recomendou ao irmão, Epimeteu, que não recebesse nada da parte de Júpiter. Mas Epimeteu, [...] só julgava as coisas após o acontecimento. Ante o aspecto de Pandora, todas as recomendações fraternas foram esquecidas e ele tomou-a por esposa. A caixa fatal foi aberta e deixou escapar todos os males e todos os crimes, que a partir de então se difundiram pelo Universo. Epimeteu tentou fechá-la, mas já era tarde demais. Só reteve a Esperança, que estava prestes a escapar e que permaneceu na caixa hermeticamente fechada. Por fim, exasperado por não ter sido Prometeu ludibriado por aquele artifício, Júpiter mandou Mercúrio conduzi-lo ao alto do monte Cáucaso e prendê-lo a um rochedo, onde uma águia, filha de Tífon14 e Équidna15, deveria devorar-lhe eternamente o fígado.” (COMMELIN, 2008, p. 100-102).
Há ainda o relato de mais uma versão do mito dizendo que os homens já existiam e que viviam em conjunto com os deuses. Prometeu, além de ser o responsável por fazer a partilha de alimentos entre os deuses e os homens, ocupava no mundo divino uma posição ambígua: não era inimigo dos deuses e nem um aliado fiel a eles, era um Titã ambicioso e rival de Zeus, não por ansiar a realeza dos céus e o seu poder, mas por contestar a ordem estabelecida por Zeus e a justiça divina. Dessa forma, Prometeu provoca a ira de Zeus por duas vezes:
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Vulcano: Hefesto na mitologia grega; deus do fogo, do trabalho, dos artesãos, dos escultores e da metalurgia. Deusa da Persuasão: Peithô na mitologia grega; deusa da persuasão e da sedução. 14 Tífon: Tifão na mitologia grega; um titã e um monstro. 15 Équidna: Equidna na mitologia grega; um monstro gigante como um titã, que possui um corpo de ninfa (ou mulher) e uma cauda de serpente. 13
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“Uma dia, durante um sacrifício de um boi aos deuses, Prometeu cobriu com o couro a carne e as vísceras do animal; quanto aos ossos, passou neles uma espessa camada de gordura. Convidado a escolher a sua parte, Zeus, sem saber da trapaça, atraído pela gordura, acabou ficando com os ossos. [...]. Ao descobrir que tinha sido enganado para favorecer os homens, o pai dos deuses resolveu vingar-se privando a humanidade do fogo. Novamente, porém, Prometeu interveio em socorro dos mortais, desta vez roubando para eles uma centelha do fogo divino. A cólera terrível de Zeus maquinou uma punição exemplar. Zeus enviou aos homens a primeira mulher, que os deuses Hefesto e Palas Atena 16, ajudados pelos demais, criaram. Cada um dos deuses lhe concedeu determinadas características: [...] a chamou Pandora, que foi enviada à terra como se fosse um presente para os homens. Essa primeira mulher levava consigo uma jarra tampada, na qual os deuses haviam colocado todos os males e desgraças imagináveis. Na terra, Pandora não conseguiu conter a curiosidade e destampou a jarra. Imediatamente, males e desgraças espalharam-se por todos os lados. Até então, os homens tinham vivido em paz, sem doenças, fome ou guerras. Pandora precipitadamente voltou a tampar a jarra, mas já todos os males tinham escapado, com exceção da esperança. Foi assim que a justiça de Zeus puniu os homens. Quanto a Prometeu, foi acorrentado a um rochedo. Uma águia vinha de dia roer-lhe o fígado; à noite, a parte que faltava renascia milagrosamente, tornando eterno o seu suplício. Muito tempo depois, Hércules, um outro benfeitor da humanidade, mataria a águia e libertaria Prometeu.” (VASCONCELLOS, 1998, p. 21-22).
Há mais algumas versões sobre o mito de Prometeu e Pandora com poucas diferenças em relação a essas versões aqui apresentadas. Dando continuidade ao mito, pode-se observar que Zeus se vingara por três vezes pelo roubo do fogo. A primeira vingança foi a abertura da caixa dada a Pandora, pois ele sabia que um dia alguém a abriria para descobrir o seu conteúdo e libertaria todos os males contidos na caixa. A segunda vingança atingiu Prometeu ao acorrentá-lo a um rochedo com cadeias que o prendiam dolorosamente pelos braços e pernas, deixando-o exposto, indefeso e sofrendo com uma ave comendo-lhe o fígado, o qual todos os dias se recompunha. E a terceira vingança 16
Palas Atena: Outra forma grega de chamar a deusa Atena.
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caiu sobre os homens, servindo-lhes de lição, para que aprendessem que um bem podia vir acompanhado de uma grande desgraça. “Titã, a cujos olhos imortais As dores dos mortais Mostram-se em sua crua realidade, Como algo que os próprios deuses veem, Que prêmio mereceu tua piedade? Um profundo e silente sofrimento, O abutre, a corrente, a rocha, E o orgulho de sofrer sem um lamento.” (BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Tradução de David Jardim. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 28.).
O mundo, agora, encontrava-se povoado, constituindo uma era inocente e próspera, chamada de Idade de Ouro, em que reinavam a verdade e a justiça. A terra produzia de tudo para o homem, que nem mesmo precisava dar-se ao trabalho de lavrar ou colher, e os seres humanos vivenciavam uma primavera eterna. A era seguinte foi chamada de Idade de Prata, inferior à de Ouro, na qual Zeus reduziu a primavera e dividiu o ano em estações. O homem passa a ter que suportar os rigores do calor e do frio, o que torna necessária a procura e a construção de abrigos, e passa também a plantar o alimento para poder colhê-lo. Houve outra era denominada Idade de Bronze, sendo esta não inteiramente má, porém o mundo já se encontrava mais selvagem e sob a ameaça de armas. Entretanto, a pior dessas teria sido a Idade de Ferro. “O crime irrompeu, como uma inundação; a modéstia, a verdade e a honra fugiram, deixando em seus lugares a fraude e a astúcia, a violência e a insaciável cobiça. Os marinheiros estenderam as velas aos ventos e as árvores foram derrubadas nas montanhas para servir de quilhas dos navios e ultrajar a face do oceano. A terra, que até então fora cultivada em comum, começou a ser dividida entre os possuidores. Os homens não se contentaram com o que produzia a superfície: escavou-se então a terra e tirou-se do seu seio os minérios e metais. Produziu-se o danoso ferro e ainda mais danoso outro. Surgiu a guerra, utilizando-se de um e de outro como armas; o hóspede 19
não se sentia em segurança em casa de seu amigo; os genros e sogros, os irmãos e irmãs, os maridos e mulheres não podiam confiar uns nos outros. Os filhos desejavam a morte dos pais, a fim de lhes herdarem a riqueza; o amor familiar caiu prostrado. A terra ficou úmida de sangue, e os deuses a abandonaram, um a um, até que ficou somente Astréia17, que, finalmente, acabou também partindo.” (BULFINCH, 2006, p. 25).
Com o mundo nesse estado, Zeus indignou-se e convocou os deuses para um conselho, todos compareceram e tomaram o caminho do palácio do céu. Esse longo caminho, onde ficam os palácios dos deuses ilustres e da plebe celestial, pode ser visto por qualquer indivíduo nas noites claras e é chamado de Via Láctea. Zeus apresentou ao conselho dos deuses as condições terríveis em que se encontrava a Terra e anunciou a sua intenção de destruir todos os seus habitantes para criar uma nova raça mais digna para povoar o mundo e que saberia cultuar melhor os deuses. A forma que Zeus encontrou de destruir o mundo foi inundando a terra, já que o destruindo com fogo poderia acarretar um perigo para o próprio céu. Para isso, pediu a ajuda de seu irmão Poseidon18. Os ventos norte e o sul se espalharam, o céu escureceu, torrentes de chuva caíram, rios foram soltos, houve terremotos, o refluxo do oceano lançou-se sobre as praias e tudo ficou embaixo das águas. Exceto uma montanha. De todas as montanhas, apenas Parnaso ultrapassava as águas. Nela se refugiavam Deucalião, um homem justo, e sua esposa Pirra, devota fiel dos deuses, da raça de Prometeu, os quais foram os únicos sobreviventes. Visto isso, Zeus ordenou a cessação da destruição do mundo. Após a cessação, o casal saiu da montanha, se dirigiu ao templo dos deuses e rogou à deusa do oráculo que lhes ajudasse perante aquela situação em que se encontrava a Terra destruída.“‘Saí do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe’ – respondeu o oráculo.”19 Deucalião e Pirra ouviram essas palavras com assombro e a mulher contestou, porém Deucalião refletiu sobre a resposta do oráculo e falou: “Se minha sagacidade não me ilude, poderemos obedecer à ordem sem cometermos qualquer impiedade. A terra é a mãe comum de nós todos; as 17
Astréia: Deusa grega da inocência, da pureza e da justiça. Ao sair da Terra, foi colocada entre as estrelas, formando a constelação Virgo (Virgem). 18 Poseidon: deus grego dos mares. 19 Op. cit., p. 27.
20
pedras são seus ossos; poderemos lançá-las para trás de nós; e creio ser isto que o oráculo quis dizer. Pelo menos, não fará mal tentar.” (op. cit. p. 27) O casal então resolveu seguir o que disse o oráculo. Ambos disfarçaram o rosto, afrouxaram as roupas, apanharam as pedras e as atiraram-nas para trás. As pedras amoleceram e começaram a assumir uma forma semelhante à forma humana. “As pedras lançadas pelas mãos do homem tornaram-se homens e as lançadas pela mulher tornaram-se mulheres. Era uma raça forte e bem disposta para o trabalho como até hoje somos, mostrando bem a nossa origem.”20 Assim, deu-se início à formação de uma raça semelhante à que fora inicialmente criada por Prometeu. Apenas semelhante, pois agora os seres humanos seriam perfeitos… Se é que isso é possível. “Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito.” (Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1982. p. 404.)
20
Op. cit., p. 27.
21
2.3. Os símbolos civilizatórios “A história não busca, na verdade, explicar a origem, está mais interessada no valor do fogo.” – Joseph Campbell, O Poder do Mito, p. 136. Uma das versões do mito grego de Prometeu e Pandora diz que o homem foi criado a partir da terra e feito a partir da imagem de uma divindade pelo Titã Prometeu. Assim como Deus, considerado pelo judaísmo-cristão como o único e supremo criador do universo e do homem, criara o homem também a partir do barro e à sua imagem, segundo o livro “Gênesis” da Bíblia. A diferença é que, para o catolicismo, Adão é um ser provido de sabedoria divina e livre para escolher o próprio caminho. Já no mito grego, os homens são desprovidos de inteligência, vontade e pensamento. De qualquer forma, ambos são conhecidos como os criadores e os “pais” da humanidade. Ainda no mito grego, foi preciso que a deusa da sabedoria, Atena, vislumbrada pela criação do Titã, interviesse para que os homens possuíssem uma alma, por mais que eles não soubessem o que fazer com ela. Assim, cabia a Prometeu ensinar tais conhecimentos à humanidade. Por esse motivo, ele rouba o fogo divino e o entrega aos homens, rompendo definitivamente com o estado paradisíaco dos deuses e distinguindo-os dos animais. O fogo torna-se o princípio da sabedoria e o símbolo da civilização à humanidade, pois está ligado à origem do pensamento, do conhecimento e da linguagem. A raça humana aprendera a usar o fogo, domesticando-o, orientada por Prometeu, e, agora, poderia viver livremente, dando continuidade a sua história de forma independente, sem mais precisar dos deuses. Prometeu, então, torna-se símbolo da consciência e da libertação da mente intelectual individual humana e herói civilizador da humanidade. Zeus castiga o Titã, recorrendo ao filho Hesfesto, deus ferreiro,
e
ordenando-lhe
que
crie
correntes
extremamente fortes e as use para prender Prometeu no
Pintura de Peter Paul Rubens e Frans Snyders, Prometeu Agrilhoado, 1610. Prometeu acorrentado no Cáucaso com a águia comendo-lhe o fígado.
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alto do monte Cáucaso e o deus obedece ao pai. Com o Titã já aprisionado, Zeus envia-lhe uma águia para devorar-lhe o fígado durante o dia e a noite o órgão se regenera, prosseguindo assim pela eternidade. Retomando a tradição católica para uma comparação, Prometeu não só intervém no futuro da humanidade como sofre por ela em sua própria carne acorrentado no monte Cáucaso, assim como Jesus Cristo, mandado por Deus para salvar os homens de seus pecados, sendo crucificado na colina do Calvário. Segundo Joseph Campbell, o sacrifício como heroísmo tem um objetivo moral: “O objetivo moral é o de salvar um povo, ou uma pessoa, ou de defender uma ideia. O herói se sacrifica por algo, aí está a moralidade da coisa. Mas, de outro ponto de vista, é claro, você precisa dizer que a ideia pela qual ele se sacrificou não merecia tal gesto. É um julgamento baseado numa outra posição, mas que não anula o heroísmo intrínseco da proeza praticada.” (CAMPBELL, 1990, p. 135)
23
2.4. O sacrifício “O sacrifício aparece assim como o ato que consagrou, ao efetuar a partilha pela primeira vez, a segregação dos estatutos divino e humano.” – Jean-Pierre Vernant, Entre mito e política, p. 264. De acordo com um dos mitos de Prometeu e Pandora, deuses e homens viviam juntos e, portanto, sentavam nas mesmas mesas para dividirem o alimento em um banquete comum. Cabia ao Titã Prometeu realizar a partilha de alimento. Na Grécia Antiga, essa partilha era simbólica para os gregos que continuaram a realizá-la em forma de rituais ou festas, nos quais eram feitos sacrifícios aos deuses gregos, queimando-se a gordura e os ossos de um animal em troca da aquisição de boas graças. A carne e as vísceras eram comidas pelos participantes do ritual. O sacrifício do animal simboliza uma ambiguidade, pois une os homens aos deuses e, simultaneamente, ressalta a distância entre eles. Os animais compartilham a condição mortal com os homens e somente os homens têm a existência semelhante a dos deuses. Representação de um sacrifício oferecido em conjunto com uma libação num vaso da Grécia Antiga. Figuração Ática em negativo de preto sobre o vermelho do barro enócoa, ca. 430-425 BC (Louvre).
“Existe assim, no início, uma correspondência entre o personagem de Prometeu, seu estatuto no mundo divino, a partilha que preside, o sacrifício e a posição do homem entre os animais e os deuses.”21
Retornemos ao mito para destacar a simbologia a partir do momento em que Prometeu opera a partilha. Para realizá-la, Prometeu, primeiramente, abate e corta a carne do animal na frente dos deuses e dos homens, cortando cada pedaço em duas partes para já igualar a carne do animal sacrificado destinado àqueles. E uma das partes, Prometeu cobre com couro a carne e as vísceras do animal, passando nos ossos uma grossa camada de gordura, e na outra, conserva todos os bons pedaços comestíveis. Zeus, ao escolher a sua parte, sem saber do feito do Titã e atraído pela gordura, acaba por ficar com os ossos. Com isso, tem-se a razão pela 21
VERNANT, 2009, p. 264.
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qual os homens queimam os ossos brancos do animal para os deuses e comem as carnes. Para o Titã, a parte boa do animal era a carne e a ruim eram os ossos. No entanto, diz-se que os ossos calcinados formam a única porção autenticamente boa, pois se homens: “[...] sentem prazer em se refestar com carne de um animal morto, se têm uma necessidade imperiosa deste alimento, é porque sua fome sempre renascente implica o desgaste das forças, o cansaço, o envelhecimento e a morte. Ao contentar-se com a fumaça dos ossos, ao viver de odores e de perfumes, os deuses revelam ser de uma natureza diferente: são os Imortais sempre vivos, eternamente jovens, cuja existência não comporta nenhum elemento perecível, nenhum contato com o campo do corruptível.” (Op. cit., p. 265)
Para se vingar da fraude cometida por Prometeu no banquete, Zeus pune os homens escondendo o fogo celeste deles, que antes o usava livremente. Prometeu, em defesa da raça humana, rouba o fogo. Algumas das versões desse mito sobre o modo como Prometeu rouba as chamas dos deuses e algumas dessas já foram apresentadas anteriormente neste trabalho. Os homens e os deuses passam a compartilhar novamente a posse do fogo. Isso é o que os une ao divino, pois eleva para o céu a fumaça do animal sacrificado. “A função do fogo sacrifical também é, entretanto, distinguir a parte dos deuses no animal, completamente calcinada, da parte dos homens, cozida do suficiente para não ser consumida crua.”22 Essa questão do animal sacrificado está presente também no judaísmo-cristão, sendo Jesus Cristo chamado de o Cordeiro de Deus. Nessa religião, aquele que peca está sentenciado à morte. O sacrifício de animais, entre eles cordeiros, fazia parte de rituais do povo hebreu como uma forma de remissão dos pecados cometidos. Ou seja, a pessoa que pecou levava um cordeiro como oferta para a remissão de seus pecados e esse cordeiro passa a ser o seu substituto. No momento do sacrifício, o sangue do cordeiro era derramado no lugar do sangue daquele que pecou e já se arrependera. No Novo Testamento da Bíblia, no Evangelho do apóstolo João Batista, Jesus é citado da seguinte forma: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo”23. O Antigo Testamento diz que o sacrifício era imperfeito por vir diretamente das mãos dos homens e
22 23
Op. cit., p. 266. Essa mesma frase é citada até os dias de hoje nas orações que são realizadas durante as missas católicas.
25
Jesus, por ter sido dado por Deus como “o Cordeiro”, seria o sacrifício perfeito, que veio substituir os pecadores que estavam condenados.
26
2.5. As técnicas do fogo “O fogo prometeico é um fogo engenhoso, um fogo técnico, mas também precário, perecível, voraz: não subsiste só; é preciso [...] conservar sob as cinzas uma brasa quando se apaga.” – Jean-Pierre Vernant, Entre mito e política, p. 265. Além do fogo sacrifical, o fogo desempenha outro papel na humanidade. Desenvolvendo-se fora do meio doméstico e constituindo as primeiras “profissões” especializadas, deu início à questão do trabalho. Associam-se três divindades às artes do fogo: Atena, Hefesto e Prometeu. Atena simboliza a função técnica, vinculando-se aos artesãos; Hefesto, como o seu próprio mito diz, é o deus dos ferreiros e vincula-se aos que executam as técnicas da construção e Prometeu, por ter roubado o fogo celeste dos deuses, tornando possível a execução das obras dos dois anteriores na humanidade. O mito do roubo do fogo apresenta um problema que concerne à função técnica, afinal, o trabalho surge como consequência do conflito entre Zeus e Prometeu. O fogo apresenta um sentido de “alimentar”, pois é aquele fogo, inicialmente, usado apenas para cozinhar, e quando
Prometeu com o Fogo Divino. Pintura de Heinrich Fueger , 1817.
Zeus, por vingança, o esconde dos homens, condena-os a morrer de fome. Daí surge a necessidade para Prometeu, para salvar a raça humana, de oferecer-lhes novamente o fogo, roubando uma chama dos deuses. A partir disso, homens e deuses se separam e aqueles, que antes possuíam o privilégio de terem tudo à disposição por viverem com as divindades, agora teriam que trabalhar para dar continuidade à humanidade. Antes, quando homens e deuses viviam juntos, as riquezas e os alimentos nasciam da terra espontaneamente e, agora, com a separação, os homens precisariam dar-se ao trabalho de plantar para poder colher o próprio alimento, por exemplo. Dessa forma, a posse do fogo e o cultivo de suas técnicas permitiram aos homens se organizarem ao seu redor de forma independente, avançando cada vez mais em seus 27
conhecimentos e precisando cada vez menos dos deuses. Cozinhavam os prĂłprios alimentos, forjavam inĂşmeros metais, se aqueciam do frio no inverno, fundiam o ouro e a prata, construĂam abrigos e cultivavam a terra.
28
2.6. A imagem de Pandora “Ninguém tachou de má a caixa de Pandora por lhe ter ficado a esperança no fundo. Em algum lugar há de ela ficar.” – Machado de Assis Zeus, furioso com a astúcia de Prometeu, manda elaborar uma mulher como punição e todos os deuses contribuem com algum dom. A primeira mulher é batizada de Pandora. No mito, ela aparece como a primeira esposa e como a ancestral da espécie feminina. Mas o que significa esta “artificialidade” da primeira criatura feminina, fabricada como se fosse uma estátua ou um manequim em vez de ter nascido da terra como os homens? Segundo Vernant (2009, p. 323), com base em Teogonia, de Hesíodo, Pandora é uma exceção; foi produzida por meio de uma operação técnica por iniciativa de Zeus. Quando os seres femininos foram criados, todos os seres
Criação de Pandora, pelo pintor da Tarquínia pintor ático de vasos de cor vermelha, activo 470 460 a. C. Deuses colocando as vestimentas em Pandora.
humanos, não importando o seu sexo, conheceram uma nova forma de reprodução, pois anteriormente, a mulher não existia e os homens nasciam diretamente da terra, que os produzia sozinha. Com a mulher, o nascimento passa a ser por geração e, por consequência, a raça humana passa também a conhecer o envelhecimento, o sofrimento e a morte. Portanto, “A partir do dia em que a mulher foi ‘produzida’, os seres humanos precisariam reproduzirse para existir.”24 Pandora foi modelada à imagem das deusas imortais: uma jovem virgem, bela e desejável, que é, ao mesmo tempo, o bem e a causa da desgraça para os homens, representando o início da degradação da humanidade. Ao ter sido mandada como presente a Prometeu – ou a seu irmão, Epimeteu, de acordo com alguns mitos –, foi enviada junto com ela uma caixa – ou jarro – que ao ser aberta libertaria vários males à humanidade. E, sim, a caixa foi aberta por
24
VERNANT, 2009, p. 323.
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Pandora, que estava repleta de curiosidade para revelar o seu conteúdo. Os males se espalharam pela terra e restou na caixa, que fora tampada a tempo, apenas a Esperança. Com isso, Pandora torna-se a provedora dos males da humanidade. De acordo com a tradição judaico-cristã, Adão e Eva viviam no Paraíso, mais especificamente no Jardim do Éden, teriam sido criados pelas mãos de Deus e dado origem a humanidade. Eva, a primeira mulher, também teria libertado à humanidade Pandora, de John William Waterhouse, 1896. Pandora abrindo a caixa.
grandes males por ter comido um fruto proibido, assim como Pandora e sua caixa.
No entanto, Eva sabia das consequências se comesse o fruto. Ela e Adão foram advertidos por Deus para não comê-lo, caso contrário seriam banidos para o mundo da mortalidade. Porém, Pandora não fora advertida sobre a caixa. Na verdade, a caixa fora mandada junto com ela a Prometeu ou, de acordo com outra versão do mito, recebera a caixa como presente de seu casamento com Epimeteu e foi justamente por não saber de seu conteúdo que a sua curiosidade se intensificava cada vez mais chegando ao ponto de finalmente abri-la. A partir da semelhança existente entre essas histórias, é possível observar, de forma breve, que a figura da mulher se apresenta como a responsável por toda a degradação da raça humana. E que as mulheres, assim como Pandora, são vistas de forma depreciativa por uma sociedade há muito tempo patriarcal.
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3. CAPÍTULO III O fogo é um elemento cercado de simbologia; além de o fogo ser uma produção simultânea de calor, luz e gases resultantes da combustão de substâncias inflamáveis, segundo o dicionário, as chamas são também simbólicas nos mitos gregos, tornando-se o princípio da sabedoria, do alimento e da civilização, vinculado à origem do pensamento, do conhecimento e da linguagem. Os símbolos atravessam a história de várias culturas em tempos e em espaços diferentes, principalmente em forma arquetípica, um pensamento universal herdado que ao ser vivido torna-se perceptível e consciente e, provavelmente, pode ter dado origem às mitologias existentes. Portanto, um mito arquetípico reflete e expressa diversas experiências universais da humanidade através de histórias de todas as épocas, apreendendo a realidade e o processo de vida do ser humano. É por esse motivo que os povos antigos tinham o mito como unívoco de religião, ambos explicavam a existência dos fenômenos da natureza e da raça humana. Logo, o mito está interligado, de alguma forma, com todas as religiões. Como exemplo, temse a semelhança entre o mito de Prometeu e Pandora e de Adão e Eva, isto é, entre as religiões pagã e judaico-cristã. Apenas esses dois mitos foram apresentados e interpretados nesse trabalho com o intuito de analisar tais semelhanças. É importante ressaltar que o mito grego que conhecemos hoje era considerado na Grécia Antiga a religião do povo nativo de lá e que as histórias, mitológicas e religiosas, carregam elementos históricos com um caráter social que só podem ser compreendidos dentro do contexto geral da cultura em que foram criados. Assim, não cabe interpretá-los e aplicá-los dentro do contexto social e cultural em que nos encontramos atualmente. Sabemos que em todas as culturas os povos da antiguidade procuravam justificar a existência dos fenômenos naturais e a origem do homem e suas atitudes, pois não eram providos dos estudos e das informações científicas que possuímos hoje. Aliás, essas informações constituem os nossos atuais elementos históricos estando de acordo com o nosso contexto sociocultural. Portanto, é admirável preservar de forma simbólica as histórias e os mitos dos antigos povos, afinal, contribuíram de alguma forma para a construção da história coletiva e da identidade de cada ser humano. Em algum momento e em algum lugar. Se tudo isso tem algum sentido? Talvez. Jean-Pierre Vernant arrisca um palpite sobre “o sentido” que damos à vida. Segundo ele: 31
“A ciência, a razão, o universal, por definição de certa forma, nada têm a dizer ao indivíduo, em particular sobre a questão do sentido. A ciência pode expressar-se sobre a questão dos fatos, sobre a questão das causas, mas não sobre a dos sentidos. Havia realmente algo de ilusório em acreditar, como o fazíamos então, que o movimento da história, ao fazer-nos passar da necessidade para a liberdade, resolveria para cada um de nós a questão do sentido. Em tudo isso, contudo, eu me virava como podia, ensaiava respostas. Hoje, é tendendo para uma resposta não-religiosa – sem dúvida ao modo dos Antigos, ninguém é perfeito… – que eu procuraria um início de resposta para essa questão do sentido. O sentido que damos a nossa existência, a nossas amizades, a nosso modo de pensar. Digo: que nós damos, pois, em si, nem o mundo e nem a vida têm sentido. E também esse sentido que vem porque, ao observar as coisas tentando distanciar-se delas, talvez adquiramos uma forma de sabedoria – que cada um coloca onde quiser, onde puder, sendo essa uma questão eminentemente pessoal.” (VERNANT, 2009, p. 510)
Em suma, o sentido existe a partir de cada indivíduo, uma questão que só cabe a ele, ao seu ponto de vista, a sua vivência ou ao seu modo de vida. Mas, na realidade, o sentido não existe em si, por conta própria, por algum significado já existente. Existe para cada um em seu pensamento como parte da formação de sua sabedoria. Cada ser humano é possuidor de uma ampla curiosidade, o que faz com que esteja sempre procurando, observando, buscando por um sentido, por um significado, por uma única verdade. Apenas uma. A sua. O mundo no qual nos encontramos está sendo regido pelo individualismo proporcionado pelo atual modelo econômico, o capitalismo. Desse modo, “Em uma sociedade como a nossa, feita de exibição e de indiferença, cada um pretende poder conduzir seu barco como deseja.” (op. cit., p. 511)
32
Anexos Anexo 1 Genealogia dos deuses:
(Imagem
retirada
de:
http://fabiomesquita.files.wordpress.com/2010/08/genealogia.jpg
[Setembro 2013]).
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Anexo 2 Música: Caixa de Pandora Silvio Kazza/ Heitor Mazzotti
Não sei se é conto, verdade ou ficção Uma caixa abrindo, nossa dimensão Um poder avassalador que está Dentro de nós...
Caixa de Pandora
Uma história cercada de maldição Formada, vivida e escrita em toda dimensão Por deuses do olimpo, está escrito Por deuses do olimpo, está escrito
Caixa de Pandora
Pandora foi criada por Zeus, Eros, Afrodite e outros mais Pra castigar o desafio de Prometeu Deus da estirpe dos titãs
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Mesmo sendo a mulher Mais bela do mundo Pandora não teve Prometeu Mais acabou encantando o irmão dele Pandora abriu aquela caixa Trazendo ao mundo a fúria suprema E todos os males foram soltos Restando na caixa apenas a esperança
Pandora selou nosso destino Epimeteu em um arrependimento tardio Tentou concertar aquele erro Mais era tarde demais
Nosso mundo ficou tomado Por tudo que há de errado Destinos selados, dentro desta caixa
Caixa de Pandora
Agora no século XXI Existem coisas que parecem comuns Drogas, guerras, doenças e traição 35
As matas destruídas Estamos sem pulmão Todos nós estamos perdidos Neste mundo guiado pelos lucros Violência e morte sem razão Perdemos o controle da situação Estamos a mercê, de homens de guerra Que nos impõem a destruição Não dá mais pra esconder Chegamos pra contar a nossa história
Caixa de Pandora
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Anexo 3 Texto sobre o mito de Pandora: “Conta a mitologia grega que Pandora foi criada pelos deuses do Olimpo sob a ordens de Zeus. Pandora teria sido a primeira mulher, surgida como punição aos homens por sua ousadia em roubar aos céus o segredo do fogo. A vingança de Zeus contra a humanidade veio em forma de uma linda donzela. Pandora, a que possui todos os dons, recebeu uma caixa onde guardou os presentes recebidos de cada um dos deuses do Olimpo. Afrodite deu-lhe a beleza, Hermes o dom da fala, Apolo, a música. Mas além dos dons, a caixa de Pandora recebeu também uma série de malefícios. A história é longa, mas importa saber que Pandora abriu sua caixa e a humanidade passou a conhecer não só as bondades, como os males que até hoje nos assolam: mentira, doenças, inveja, velhice, guerra e morte. Os presentes saltaram de forma tão violenta da caixa que Pandora teve medo, e a fechou antes que a última delas escapasse: a esperança. Pandora tornou-se, assim, a provedora natural dos talentos divinos e dos males da humanidade. Como nos conta a tradição judaico-cristã, Eva no Paraíso teria tido o mesmo papel. O que só comprova que a figura da mulher aparece sempre como a grande responsável pela desgraça do gênero humano. Eu vejo de maneira distinta. Como Eva no Paraíso, Pandora distribuiu aos homens as duas faces da realidade, tão contrárias quanto complementares. Coube a todos a escolha. O mágico desta lenda está no papel desempenhado pela esperança. Crescemos e vivemos sob o jugo masculino. Todas as formas de poder são exercidas há séculos por homens, que com liberdade preferiram escolher os piores caminhos para atingir objetivos duvidosos. O mundo está devastado. Na caixa de Pandora ainda resta a última bondade não destruída por nosso egoísmo e ambição. Uma maneira lúdica de nos mostrar o caminho da redenção. A esperança é um dom feminino. Ainda há tempo para aprender a lição.” (Texto de Alexandre Pelegi em 11 de Abril de 2008.) 37
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