o
velocidade e o tempo eram novas dimensões
EXPRESSIONISMO NA ALEMANHA 1860-1900
que exigiam formas de percepção "mais aceleradas". O mundo parecia completamente
o cidadão
DO EXPRESSIONISMO AO SURREALISMO
rente
embasbacado
marcha, para quem antes só estava habituado
assim como novos conhecimentos
decisivos
nas ciências naturais e humanas marcaram o
No entanto, a euforia com que esta nova gera-
princípio do século XX A teoria da relatividade
ção de artistas acolheu as transformações radi-
de Albert Einstein, a criação da psicanálise por
cais posteriores a 1900 ficou muito aquém da
Sigmund
dos Impressionistas, 30 anos antes, em relação
Freud, o descobrimento
dos raios X
por Róntgen ou também a primeira desintegra-
às inovações da sua época. Os outros aspectos
ção nuclear obrigavam o homem a pensar de
da modernização - a alienação, o isolamento e
uma forma diferente, mais abstra cta, Os conhe-
a despersonalização
cimentos
grandes metrópoles, eram mais que manifestas.
mais recentes tinham
demonstrado
- principalmente
nas
ia mais além do que era
O sentimento de vida destroçada de uma gera-
directamente visível. Já ninguém acreditava na
ção que procurava novos valores, não só no
grande capacidade perceptiva do olhar. A nova
seu dia-a-dia
geração
num crepúsculo dos deuses e em visões utópi-
que a "realidade"
de artistas
Realismo superficial
criticava
duramente
dos Impressionistas
poder apreender
o mundo
o que
num
mas também
cas de um mundo
na arte, desabou
novo. Obcecados
com a
ideia de melhorar o mundo, desejando quebrar
único "instante", Estes novos artistas queriam
a ordem vigente, os artistas estavam à procura
destituir
de uma "nova arte para o novo homem". Ima-
a realidade
do puramente
visível e,
gens comovedoras
deviam abalar o homem
aparência das coisas" para, deste modo, dese-
nas suas mais profundas sensações. Com uma
nhar uma imagem
pintura influenciada por Van Gogh e Gauguin, e
mais verídica do mundo.
Para isso, necessitavam de uma nova lingua-
marcada pelo sentimento e pela ideia, os artis-
gem pictórica.
tas queriam reactivar as necessidades primárias
Sobretudo
porque a própria percepção física
e primitivas do homem, e indicar-lhe assim um
estava sujeita a alterações radicais, a invenção
futuro melhor.
do automóvel e do motor aéreo, a transmissão
"Com a fé no desenvolvimento, numa nova ge-
telegráfica
ração dE?criadores e de consumidores,
de informações,
etc, conferiam
à
vida quotidiana uma vertente mais dinâmica, A
1923.: Marcha de Hitlersobre a "Feldherrnhalle"em Munique. 1926: Alban Berg compõe Wozzeck".
1912: RudolfSteinerfunda a "SociedadeAntroposófica", Naufrágiodo "Titanic",
mos um apelo a toda a juventude,
faze-
e como
o Atlântico num voo sem escala (Novalorque/Paris) \
1933: Hitlertorna-sechancelerdo "Reich".
1929: "Sexta-feiranegra":colapso da Bolsaem Novalorque. Construçãodo Museu de Arte Moderna de Novalarque.
1934: Depoisda morte de Hindenburg, Hitlerassumeos cargosde "Führere chancelerdo Reich·, 1935: Leisraciaisde Nuremberga contra os judeus na Alemanha. 1936: Jogos Olímpicosde Berlim. Inícioda GuerraCivilem Espanha.
1914: Inícioda PrimeiraGuerra Mundial. que dura até 191 8,
1937: Anexaçãoda Áustria pela Alemanha.
1916: Iníciodas denominadas "batalhastécnicas",Nascimentodo Dadaísmoem Munique,
1939: Com a invasãoda Polónia pelaAlemanha começa a Segunda GuerraMundial.que dura até 1945.
1917: A Revoluçãode Outubro na Rússialevaao derrube dos czares,
1940: As tropas alemãs invadema Françae outros países.
191 8: Proclamaçãoda República de Weimar,Fundaçãodo "Bauhaus",Inícioda "LeiSeca" nos EUA
1941: Invasãoda União Soviética. O Japão entra na guerra com o ataquede PearlHarbour. 1943: Ponto de viragem da guerra com a batalhade Estalinegrado.
1918/19: Rebeliõesna Alemanha e em outros Estadoseuropeus, 1922:tinaFcha de Mussolínisobre Roma.
em
à velocidade dos fiacres a cavalo e dos peões.
como eles próprios diziam, "olhar por detrás da
1910: Igor Stravinskicompõe o "Pássarode Fogo",
dife-
de um automóvel
Uma série de invenções técnicas e industriais
pensavam
1905: Inícioda RevoluçãoRussa (motim a bordo do couraçado Potemkine)
e novo visto
o homem
como peça da maquinaria: Chariie Chaplin no seu filme, satírico Os Tempos Modernos de 1936.
1945: Capitulaçãoda Alemanha. Os americanoslargam bombas atómicasem Hiroshimae Nagasaki.
juventude
portadora
de futuro,
queremos
reivindicar a liberdade, viver e lutar contra as forças conservadoras
e o poder estabelecido.
Todo aquele que representar directamente
e
sem falsificações aquilo que o impele a criar, é um de nós". Esta fórmula digna de uma profissão de fé fez furor na história de arte, apesar do termo "arte" nunca ter sido mencionado. O elogio da juventude, da liberdade de viver e do futuro, marcado pelo entusiasmo
enfático tão
característico daquela época, constitui o ponto de partida do Expressionismo alemão: é o manifesto que assinala o nascimento
do movi-
mento artístico "Die Brücke". Paralelamente aos fauvistas em França, quatro jovens pintores, todos eles autênticos piantes no domínio em 1905, grupo
princi-
da pintura, organizaram
na vetusta cidade de Dresda um
de arte para fazer frente à bolorenta
cena artística do império
guilhermino.
Estes
novos artistas rebelaram-se, apresentando uma arte que se desembaraçava venções
académicas
uma maneira
de todas as con-
vigentes,
assim como
de viver demonstrativamente
boémia.
Kirchner, Erich Heckel, Karl Schmidt-Rottluff
e
O seu grupo iria fazer escola: círculos seme-
Fritz Bleyl, entre outros Max Pechstein, Otto
lhantes eram frequentes nas primeiras décadas
Müller e Emil Nolde, os últimos apenas por uns
do século entre escritores e também entre pin-
meses. Nos anos iniciais, os pintores desenvol-
tores. Os artistas
veram um estilo comum: a temática e a técnica
apresentavam-se
como
o
terror da burguesia e assim situavam-se defini-
pictórica utilizadas nos seus quadros apresen-
tivamente fora da "sociedade pequeno-burgue-
tavam semelhanças
e cafés, nas
primeira vista, era difícil reconhecer quem era o
e nas galerias, a
seu verdadeiro autor. Com este estilo colectivo,
sa': que odiavam. Nas tabernas revistas por eles publicadas
tão aCE;lntuadas que, à
subcultura de vanguarda floresceu em Berlim
os pintores demonstravam
até aos anos 20. Porém, não eram sempre os
porativismo", mas rompiam com a concepção
mesmos objectivos e interesses artísticos que
tradicional
uniam os pintores, mas muitas vezes apenas
como génio.
necessidades psicológicas
Os pintores do grupo "Die Brücke" caracteri-
e económicas
- já
não só o seu "cor-
burguesa e individualista do artista
que a vida de pintores livres, submetidos às leis
zam-se por um vocabulário
de um mercado de arte orientado pelo lucro,
damente simplificado,
com formas reduzidas
era muitas vezes penosa. A vida em grupo
ao essencial,
distorcidos
dava-Ihes não só apoio moral, mas também
diluídos
auxílio pragmático: contactos, ateliers comuni-
Cores luminosas, saturadas, aplicadas superfi-
tários, a possibilidade de exporem em conjun-
cial e independentemente
corpos
que ignoram
estético delibera-
e espaços
as leis da perspectiva.
da cor local com o
to, e sobretudo a certeza de que um punhado
auxílio de um pincel grosso, muitas vezes en-
de artistas poderia despertar mais as atenções
volvidas por uma linha de contorno, imprimem
que um só. Os mais importantes
aos quadros um carácter grosseiro, rude e ele-
artistas da época anterior
grupos de
à Primeira Guerra
mentar.
Preocupados
em causar um efeito
mundial foram "Die Brücke" (A Ponte) e "Der
intenso, os expressionistas da "Brücke" empre-
Blaue Reiter" (O C~eiro
gavam frequentemente
contrastes
mentares, que permitiam
uma acentuação da
o movimento
Azul).
artístico "Die Brücke"
luminosidade
comple-
das cores. A sua pintura apai-
No oitavo aniversário deste grupo, juntaram-se
xonada e colorida correspondia
aos quatro membros fundadores, Ernst Ludwig
conferir à cor uma nova importância
ao desejo de não só
Erich Heckel, O Lago da Aldeia, Óleo sobre tela, 56,5 x 73,5 cm. Sprengel Museum, Hanôver Erich Heckel faz parte dos membros fundadores do grupo de artista expressionistas " Die Brücke". Cor1O os Impressionistas, os Expression s-.as grupo procuraram a natureza, onoe pensavam encontrar, segundo d -,..a "autenticidade" e a "livre natura lOá : a que aspiravam. No entanto, os Expressionistas não pintavam ao ano verdadeiro sentido da palavra Realizavam unicamente esboços 'T! que depois serviam de base para os trabalhos realizados em atelier Ao contrário dos seus antecessores os Expressionistas não pretendia reproduzir a impressão visual imeo.a:a Distorciam o que viam, acentuand a expressão, e assim provocava as sensações do observador. O lago dê aldeia de Erich Heckel não é exa ponto de vista da representação, idílico ou intimista. A sua significação não radica no mundo material representado, mas sim na forma com foi representado. Heckel não reproo.JZ a luz de maneira "realista"; ela é apresentada no contraste entre o vermelho e o verde, e brilha por s própria. Nos quadros de Heckel, a e a forma, aplicadas de forma suoe - e sem qualquer relação com a cor constituem os verdadeiros veícu os da expressão.
distorção
que intensificava
a expressão.
Em
1911, Herwarth Walden, eloquente galerista e promotor da arte de vanguarda, apelidou esta concepção derivado
artística
de "Expressionismo",
da palavra francesa "expression". A
princípio, o termo designava todas as correntes artísticas internacionais que se distanciavam da representação
imitativa da realidade, como o
Cubismo e o Futurismo, por exemplo. Embora os expressionistas tivessem declarado que a sua arte era a manifestação de um sentimento de vida que se manifestava numa pintura intuitiva, eles também se enquadravam
na
tradição artística antiga. Os quadros sintéticos de Gauguin constituíam para eles um modelo, tal como a pintura de van Gogh e o simbolismo expressivo de Ensor e Munch.
Redesco-
briram a pintura de EI Greco e de Grünewald. Além disso, também
encontraram
a expressi-
vidade que tanto procuravam na arte de outras culturas: no início do século XX, as esculturas e as máscaras de África e da Oceânia, cujo efeito subjugante reside precisamente no seu aspecto primitivo e arcaico, revelaram-se uma valiosa fonte de inspiração para os artistas europeus. Nas diferentes vertentes da arte de vanguarda do início do século, encontramos
por toda a
parte uma tendência para o denominado
Primi-
tivismo. Como os desenhos infantis ou a arte popular, a arte primitiva também portanto
era aberta e
mais verídica que a académica,
na
opinião dos Expressionistas. Assim, o estilo de Max Beckmann caracterizaErnst Ludwig Kirehner, Cena de Rua
emocional,
(G336J. 191 3. Óleo sobretela, 121 x 95 em BrüekeMuseum, Berlim
mas também
com
traços
de
composição, ou seja unicamente relevante sob
o ponto de vista estético imanente ao quadro. Na literaturae na pintura expressionista, Tal como os Fauvistas, também estes artistas a cidade é um tema que sempre retorna. queriam pintar os quadros apenas a partir de Srrnbolodo dinamismo,da modernidade e do êxtase,ela também cores e formas puras. Rejeitavam a estilização representaa alienaçilo,o anonimato e a e a codificação simbólica. Em contra partida, despersonalizaçilo- experiênciasque reduziam a sua linguagem formal a formas marcarama vida dos cidadilos do início do século xx. Na Cena de Rua de Berlim deliberadamente primitivas e simples. Nesta de ErnstLudwig Kirchner,o membro pintura, marcada pela experiência individual mais famoso e influentedo grupo de não só do pintor, mas também do observador artistas"Die Brücke",a pinceladanervosa e sacudidasimbolizaas pulsaçõesda -, os artistas viam a possibilidade de uma cidade.Os transeuntesapressados, expressão "directa e aberta" já reivindicada no aglomeram-senuma rua sem espaço, no primeiro plano do quadro.Apesarda ---''''seu programa.
se por uma linguagem
formal impetuosa, de
uma rudeza impressionante, de modo nenhum preocupada com a precisão da representação. Com linhas de contorno pretas, o pintor envolveu superfícies cromáticas claras e luminosas para realçar
a superficialidade
das personagens,
incorpórea
a miúdo comprimidas
nos
quadros. Beckmann foi um artista solitário. Só depois da Primeira Guerra Mundial, que aliás o abalou profundamente, encontrou uma técnica de configuração
expressionista e desenvolveu
um estilo completamente
pessoal. As telas de
Beckmann são autênticas metáforas profundas da existência humana. Codificados, repletos de
proximidade,quase inoportuna e efusiva,
Consideravam o mundo exterior visível apenas
as prostitutase os transeuntesagitados parecemestardistantese inacessíveis.O azul glacial afasta-osO pintor transpôs
como um invólucro
paraa tela a vibrantevivacidade,o ritrno e o fluxo arrebatadordos transeuntes, assimcomo a frieza,a aflição e a vertigem,que faz vacilaro chão por debaixo dos pés.
pode ser vista, mas só sentida, devia surgir da
uma maneira
signos simbólicos
cuja origem poderia ser o
privado de vida, que era
repertório surrealista, os seus quadros giram à
decerto o seu ponto de partida, mas que na
volta da existência humana, dos enredos emo-
verdade era unicamente
um pretexto para o
cionais, dos traumas colectivos e individuais, já
verdadeiro conteúdo do quadro. A "verdadeira '"..' ., _ realidade, a essencla das COisas, que Ja nao
A Noite, Beckmann integrou no seu estilo, de
que são mitologias modernas. No seu quadro
bem singular,
o vocabulário
Max Beckmann, A Noite, 1 91 8-1 9. Óleo sobretela, 133 x 1 54 cm Colecçilo de Arte do Estadoda Renânia do Norte-Vestefália,Düsseldorf A Noite é um verdadeiropesadelo.Num
espaço tilo estreitoque provoca c1austrofobia,cujos ângulos inclinadose perspectivasdistorcidastornam impossíveluma localizaçiloprecisa, decorre estacena de crime.Verdugos maltratamum homem e duas mulheres. A situaçilo é confusa e também angustiante.Qual é o motivo deste acto de violência?Quem são os autoresdo crime?Os atributosdo conforto burguês - as velas,ogramofone, o gato - no primeiro plano do quadro,assim como a indumentáriarelativamentecorrectados verdugos,sugerem que o pintor nilo representauma verdadeiracâmara de tortura.Trata-sede urna alegoria.O ser humano,desamparadosente-se impotente perantea invasãodo horror no seu mundo familiar.Beckmann,que só adoptou um estilo expressionista durante a PrimeiraGuerraMundial, desenhou no quadro A Noite uma imagem aflitivada impotência humana. A técnica representativadrásticaconfere a este pintor uma proximidadecom as representações.veristas'de George Grosze Otto Dix. formal pré-expressionista. mente pinceladas contornos
incisivos
maneira ilusória, porque esta se tinha tornado
Utilizou deliberada-
grossas e rudimentares do estilo do grupo
e
"Die
complexa
e mais incompreensível
nunca. O objectivo era, portanto, ultrapassar o
Brücke" para reforçar o tema da brutalidade
superficial. Segundo
criminal.
devia
reproduzir
Paul Klee, a arte "já não
o visível,
visível". Esta concepção A comunidade
pintura
artística "Der Blaue Reiter"
do que
de qualquer
mas sim tornar
artística
libertava
a
com
a
semelhança
Por ocasião da primeira exposição dos pintores
realidade. Por isso os pintores ganharam uma
que abandonaram
'Iiberdade
a "Nova Associação
de
representativa
que os incitava
Artistas" de Munique, foi publicado um almana-
realizar quadros cada vez mais abstractos.
que com ensaios internacionais sobre arte con-
Os pintores
temporânea,
sobretudo
intitulado "Der Blaue Reiter". Este
do grupo
a
"Der Blaue Reiter", e
Marc e Kandinsky, interessaram-se
nome ilustre - que, segundo se diz, se deve à
principalmente
predilecção de Franz Marc e Wassily Kandinsky
tos para a tela. Desejavam realizar quadros que,
pela transposição de sentimen-
pelo azul e à sua tendência pelos cavaleiros -
conforme explicavam, "fizessem vibrar a alma".
veio desde então a designar um grupo de artis-
Kandinsky
estava convencido
de que estas
tas pouco
"vibrações
da alma"
ser desenca-
coeso,
constituído
por Marc
e
podiam
por
deadas sobretudo por quadros desprovidos de
outros artistas, como o sEJl'lconterrâneo Alexei
qualquer referência representativa e concreta à
Jawlensky
Marianne
realidade visível. Foi ao observar um quadro de
Münter
Monet que ele, de repente, chegou a esta con-
Kandinsky, de origem russa, mas também
e a sua companheira
Werefkin,
August
Macke,
Gabriele
e Paul Klee, cuja adesão ao grupo
data de
Ao contrário
clusão, lembrando-se
dela, mais tarde, da se-
guinte maneira: "O catálogo explicava-me que
1911-1914. da pintura rude dos artistas do
aquilo era um carro de feno. Fiquei aborrecido
grupo "Die Brücke", a arte do grupo "Der Blaue
por não o ter reconhecido.
Reiter" parece
que o pintor não tinha o direito de pintá-Io tão
espiritual.
mais delicada,
sublimada
Embora a formulação
e
artística dos
indistintamente.
Também
pensei
Na minha tristeza, senti que
dois grupos fosse diferentes, ambos estavam
faltava o objecto
nesse quadro. Espantado e
unidos pela convicção
confuso,
que o quadro
de que uma obra de
arte já não podia representar
a realidade de
tinha
reparei
impressionado,
não só me
mas também
tinha
uma verdade ou sabedoria, mas ser um pretexto para alertar o observador para as "vibrações da sua alma", e despertá-Ias. A participação activa do observador no trabalho de "construção" do significado do quadro e a comunicação
secreta entre o quadro
e o
observador, que está na origem da criação do sentido, tornaram-se cada vez mais importantes para a pintura no decorrer do século XX, e principalmente Abstracto
para as obras do Expressionismo da segunda
metade
século. Só os pensamentos
do mesmo
e os sentimentos,
as associações e a confrontação criativa com a obra a tiram da sua letargia e transformam-na numa coisa especial - em arte. O sentimento Franz Marc, Os Pequenos Cavalos Amarelos, 1912. Óleo sobretela,
66 x 104 cm. StadtischeGalerieim Lenbachhaus,Munique O simbolismo naturalde FranzMarc denota panteísmo,e transformaos animais em alegoriasda originalidadee da pureza.ParaMarc, os animais encarnavama ideia da criação,já que vivem em simbiosecom a natureza. O pintor quis expressara sua utopia de um mundo paradisíaco,mediante formas novase coressimbólicas.Criou as suas própriasleis cromáticas, segundo as quais o azul representao masculino,o amarelo o feminino e o vermelho a matéria. As influênciasdas obras de Delaunay foram decisivaspara o seu desenvolvimentoartfstico,pois foram elasque acabaram por o conduzir à abstracçãonas suas últimasobras,por volta de 1914.
ficado
para sempre
gravado
na minha
me-
de vida era contraditório,
mesmo se podendo
o
dizer das manifestações
mória."
artísticas dessa época. Na sua tentativa de dar
Kandinsky começou então a descurar cada vez
uma expressão pictórica à nova realidade, os
mais o objecto, até abandonar por completo a
pintores
representação figurativa. Os outros pintores do
caminhos,
grupo "Der Blaue Reiter" também
pelo
preferiram o
enveredaram
pelos
mais diversos
por vezes paralelamente,
qual
é absolutamente
motivo
impensável
"como" da representação ao "quê". Mesmo nas
apresentar os movimentos
obras em que ainda se vislumbram
XX de maneira ordenada e metódica. Paralela-
reminis-
e estilos do século
cências evidentes ao mundo material. não é o
mente ao Expressionismo alemão, em França,
objecto que produz um efeito, mas sim a com-
um novo artista começava a fazer furor com a
posição. As cores e as formas são os elemen-
sua linguagem
tos decisivos. Graças aos interessantes contras-
Utilizando
tes entre linhas duras e suaves, formas abertas
rude esse artista
pictural completamente
uma técnica
pictórica
reproduziu
nova.
cortante
um grupo
e de
e fechadas, cores aveludadas e metálicas, os
raparigas despidas: as Oemoiselles d'Avignon
pintores imprimiram
(As Meninas
aos seus quadros ritmo e
melodia. Kandinsky comparou
várias vezes os
d'Avignon).
O nome do pintor:
Pablo Picasso. Em 1907,
a sua técnica
que
seus quadros à música, como o mostram os
parecia estilhaçada e os rostos das mulheres,
títulos
semelhantes a máscaras, chocaram os próprios
"Composição"
observador
ou "Improvisação".
O
devia tentar perceber o "tom" do
quadro, como se se tratasse do tom de uma
artistas de vanguarda.
Nos anos seguintes,
Picasso partiu da composição
de formas face-
determinada música.
tadas, surgida pela primeira vez nesta tela de
Os artistas já não queriam transportar para os
grandes dimensões, para desenvolver um estilo
seus quadros
pessoal, juntamente com o seu amigo Georges
mensagens
inteligíveis.
Antes
pelo contrário, viam no quadro uma superfície de projecção,
capaz de desencadear
sensa-
ções. Os pintores do grupo "Der Blaue Reiter" concebiam
a transmissão
Braque: o Cubismo.
de sentimentos
o
CUBISMO 1907-1925
como uma cadeia entre o artista e o observador. primeiro havia a "comoção da alma do ar-
A desintegração
tista". O pintor exprimia as suas emoções
Os cubistas tinham
na
obra de arte. O quadro, por sua vez, desenca-
possibilidade
deava certas emoções
da forma deixado
de acreditar
na
de representar
a realidade
de
e por-
maneira ilusionista. Contudo, ao contrário dos
tanto era responsável pela "comoção da alma
expressionistas alemães, não se basearam na
do observador", durante a fase de observação.
simples sensação sentida durante a produção
Deste modo, cabia ao observador conferir ao
e a observação do quadro, para criar as suas
quadro um significado, criar um sentido indivi-
obras. Pelo contrário,
dual. A obra de arte torna-se numa fonte de
uma atitude mais analítica. Desenvolveram um
inspiração, que contudo
novo método de estruturação
no observador
não pretende revelar
os cubistas adoptaram
sistemática
do
quadro, semelhante àquele aplicado na pintura pós-impressionista, libertada do objecto, nomeadamente
na sistematização
da
estrutura do espaço sobre a superfície do
quadro,
levada
a cabo
Cézanne. Os cubistas
por
- além de
composição
analítica e da re-
no sentido de formar um organis-
mo dotado de leis próprias, é manifesto na tela de Braque Mulher com Bandolim. A decomposição em cubos, as sombras claras e escuras que imprimem
ritmo à tela, dão origem a um
conjunto pictórico que parece verdadeiramente
também pertenciam ao grupo Jean
abstracto.
Os fragmentos
cortantes
Metzinger, Juan Gris, Albert Gleizes
assemelham
mas sim a rochas cristalinas. O espaço profun-
os objectos
do transformou-se
para depois voltar a
cilindros,
cones
cubos,
polidas
e esferas. Na fase
quadro
como
inicial, "os objectos" utilizados nas suas experiências
produzido
artísticas de desintegração
foram principalmente
naturezas mortas, que
os pintores compunham
e pintavam a partir de
minimamente
não se
e Fernand Léger - decompunham
tos estereométricos
em superfície, o objecto foi
a partir de uma série de formas engrenadas
entre
não se distingue
um elemento
si. O fundo
do primeiro
que, comparado
ainda parecia constituir quadro, transforma-se "fundo",
quando
do
plano,
com outro,
o primeiro
plano do
simultaneamente
em
se cruza com um terceiro
musicais. Substituíram o olhar unidimensional
elemento.
fixo, sobre um ponto preciso do objecto, por
Depois de 1910,
um olhar que englobava
objecto, a confrontação
várias perspectivas.
ao objecto inicial,
porque se interpenetram. Assim por exemplo,
jarros, garrafas, copos, livros e instrumentos
a interrogação
com a realidade
do
Representaram, em simultâneo, vários ângulos
objecto
realizar experiências pictóricas, em que já não
para assim os exibir de uma maneira
mais
e do quadro
artística do
de um objecto, ignorando a sua forma original,
levaram os cubistas
a
pintavam apenas com tinta e pincel, mas integravam nos seus quadros objectos da realida-
"completa". do
de, os chamados "objets trouvéS' (em francês:
"tempo" na pintura, um pouco como os Futuris-
objectos achados) como bocados de papel de
tas que, quase na mesma altura, desenvolve-
parede ou recortes de jornais, a que deram o
Deste modo,
introduziram
ram uma nova linguagem
a dimensão
pictórica
na Itália.
Este elemento temporal é particularmente
evi-
nome de "papiers cal/és" (em francês.: papéis colados). Esta foi a data de nascimento da
co-
Nu a
lagem. Ao passo que antes os cubistas desin-
Oescer uma Escada. (Duchamp, porém, nunca
tegravam o objecto para depois voltar a com-
fez parte do núcleo
pô-Io, agora davam-lhe uma forma totalmente
dente no quadro de Marcel Duchamp
Mareei Duehamp, Nu a Descer uma Escada Nr.2, 191 2. Óleo sobre tela, 146 x 89 em. Philadelphia Museum of Art
da desintegração
Georges Braque e Pablo Picasso,
compô-Ios, reduzindo-os a elemen-
Georges Braque, Mulher com Bandofim. 1910. Óleo sobre tela, 92 x 73 em. Staatsgalerie moderner Kunst Munique
princípio
fechado
dos cubistas.
Como artista solitário e inovador, abriu novos
livre e sintética. Por isso, fala-se de "Cubismo
caminhos
Sintético" para designar o período a partir de
à arte do século XX, sobretudo
ao
inventar o ready-made). Sobr~ a tela bidimen-
1912, e de "Cubismo Analítico" para a fase ini-
sional, a perspectiva simultânea permitia agora
cial. Nestes quadros, os objectos do quotidiano
uma fragmentação
da forma, que de facto era
plástica, numa multitude
de facetas entrecru-
colados nos trabalhos
zadas que penetravam umas nas outras. Assim,
são elementos
o artista dava origem a uma estrutura super-
mesmos direitos.
ficial
que negava
ordenado
radicalmente
o espaço
da perspectiva central. Os cubistas
do Cubismo
Sintético
têm a mesma função que a superfície pintada, de composição
com
os
Com esta integração de elementos banais provenientes da realidade, os cubistas fomentaram
não viam no quadro uma ilusão, mas sim um
diferentes tendências da arte moderna (a cola-
organismo sujeito a leis próprias e relacionado
gem, a fotomontagem,
com a superfície e o formato do quadro.
disso, a colagem
Para pôr em relevo, na tela, as relações internas, o ritmo
a
as formas do quadro, os cubis-
também
constitui
uma prova irrefutável da autonomia
conquis-
tas renunciaram com frequência a um croma-
leis próprias, necessária
tuasse a imagem limitaram-se
representada.
Geralmente,
a aplicar tons castanhos ou cin-
zentos, repartidos uniformemente
no quadro. O
cubista
tada pela obra de arte: como conjunto sujeito a
tismo que reproduzisse sentimentos
ou acen-
o assemblageJ. Além
a obra de arte possui a força
para se apoderar
da verdadeira
função do objecto quotidiano, pelo seu valor útil, convertendo-o puramente
estético.
que se define num objecto
Um pedaço
de jornal
adquire uma nova identidade, ampliada, pelo simples
facto
Apreendêmo-Io também
como
de se encontrar
no quadro.
como objecto quotidiano objecto
estético.
Assim,
mas as
colagens cubistas possuem um carácter extremamente Mediante
abstracto e ao mesmo tempo esta combinação
de factores
real. os
artistas querem descobrir a relação entre a arte e realidade - uma questão que irá preocupar os artistas, cada um à sua maneira, durante todo o século XX.