Prefácio.
Quem sobe o tom descendo a Augusta sentido angustia perto do tempo e urina no poste a luz do dia feito um cão por dentro de um sonho, transa, dobrando a esquina que nunca termina em encontro, a dor outdoor no espaço que ocupa nos olhos do outro. A paixão do mundo o deita em chão hediondo impondo a vida acontecimento extraordinário. O lirismo dessa cultura (feito sexo em que se goza vira a cara e ignora) faz do verme um homem e dele Deus. Admitindo o fruto do próprio inferno pela audiência da falta no ilimitado querer de um pódio histórico, a especulação existencial o torna imaterial cheio de humanidade. Num pedaço da realidade em que as fronteiras têm propagandas na parede da Republica até a Consolação, os nomes da estrutura atesta sanidade para que pessoas sem esperança exerçam apenas função, subsistindo do musgo ao sol. Estes corpos se projetam na cidade sem sombra de arvore na calçada como suportes de uma placa que vende o horizonte. Sem autonomia, entre o gesto mecânico do guindaste acima das cabeças e na asfixia dos carburadores, preenchem o molde vazio do próprio corpo dançando nas dobraduras do tempo, garantindo a lei dos improvisos: Artigo 1º – Paragrafo Único. - Quem não sonha amanhece intacto. O dia nasce sobre o espelho escuro de aguas mortas dos rios que cortam a cidade. Essas duas veias abertas estufam o efeito do caos no peito e provocam a síntese de existir desnaturalizado. Os assuntados na padaria, saboreando o silêncio com pão na chapa e café coado no meio do mês (próximo do vencimento do aluguel) vivem na velocidade que lhes sobrepõe os dias dando violência ao propósito humano. No descaminho de chegar sem nunca ter partido, articula o pensamento clareando falhas, despe desculpas talhando formas, despetala a flor da pele petrificando pequenas coisas nos rins. Por conta corrente e risco, a cidade cresce em prateleiras de mercado e suas pessoas despojadas em bicicletas cor de laranja pedalam em cercos de segurança. Maquinas fazem prédios sobre o nada, a definir felicidade: ninguém é mais comum!
Nesse trecho estreito a utopia publicitaria vela a paz instituída de um nicho distinto levando em banho Maria, mas com porte de arma, os atados ao mérito e não a criação. Rogando por todos à liberdade ao custo caro e cover artístico. Em contra canto, uma cisma de face coletiva revela o aparato bem organizado cinza, por dentro de tudo permanecendo a margem, entoando linha após linha, no embalo da ladeira abaixo, a resposta.
Parte 01. Domingo, fim de tarde. Com rosto exposto ao sol nomeando santo o dia de descanso, estendendo no varal o uniforme branco e o avental. Maria que Dona Isabel classe-idade-média emprega, louva quase no meio de maio um contra cheque a contra gosto, cicatrizando ao redor de sua moradia o “faz de conta” sobre suas costas. Na parede o retrato de seu filho que, desfeito da infância logo cedo, tornou-se arrimo. Juntou-se aos ajudantes gerais, operadores, atendentes, repositores, mocinha do caixa, tia da limpeza e esse bando sem nome batendo o ponto. Oito horas e vinte centavos por dia, ardido, sem contar a distancia. Pondo-se ao meio dia em sublime melancolia e desajuste, fodido do tipo que alimenta grandes teses, nítido aos olhos do teórico que não vive sob sua pele, o então menino, detido num céu por inteiro desigual, observa entre nuvens de chumbo ao sol uma pipa. Na infância, sem ter com quem deixa-lo aos sábados, era levado por sua mãe ao trabalho. Alguns condôminos o elegeram desde então mascote da liberdade intelectual deles, permitindo inclusive que brincasse com seus filhos. Escreviase ali, nas entrelinhas da sua existência, o que perante os outros da mesma laia o faz uma exceção à regra. Hoje, tomado pela consciência do seu Estado na comunhão dos que fincam em sua cabeça uma bandeira, a perversidade daquele elogio resulta em sua casa como um desejo fora dela, tornando cada ambiente um novo sócio sentido. Com alguma imagem e semelhança crucifica no peito e na parede o seu retrato de vitima e de herói, repartido na prática politica que abraça suas causas em ações afirmativas e o estimulo que caracteriza economicamente o bem sucedido. E ele, no transporte público vê a medida do possível ganhar vertigem na mesma proporção que a vida ganha em materialidade. A realidade então parece utopia e
é preciso mais do que margem e solidão para fazer o caminho de regresso para casa. Os outros passageiros acessando o instante em toda parte, presentes pelo que entendem e para o que esperam, beatificam a informação que gera alguma percepção de si sobre o mundo e vice versa. Tão dispersos quanto contraditórios, curtem e compartilham um imaginário sublime submerso num presidio encantado semiaberto para o amanhã que nunca vem, decorando esse deserto certo do que tem de subsídio num regime de tédio. E o efeito colateral das horas e do medo manifesta-se assim como um novo folclore expresso da soma das desistências e desaparições. Não há onde caiba à contemplação de uma paisagem sem acontecimento ou um sentimento que não se transtorne em nome de Deus. Para dizê-lo em verdade, de Nike aos pés, um possível redentor bate o tiro de meta no campo de várzea. Para dizê-lo em verdade o sol brilha no reflexo de armas prateadas empunhadas por moleques sem camisa à beira da estrada. Para dizê-lo em verdade, moleques com símbolo da Nike desenhado na nuca em uma estrada interrompida pelo deslizamento de suas casas. Enquanto isso, a cada ponto o cobrador projeta a voz para rua recobrando a atenção dos passageiros para o destino final da lotação. Ouvem-se as queixas de sempre em meio ao empurra-empurra. Uma senhora diz ter o direito de passar a frente, reservou-se no assento dedicado a ela contando com veemência o que fez da vida para se aposentar. Ao fundo responderam-lhe que não deveria estar na rua àquela hora.
Parte 02.
Ela, constrangida pela voz sem identificação que veio do fundo do transporte publico, acumula instantes sem pertencimento em espaços forjados para apropriação. Nesse lugar cabe o que se ganha de importância e afeto. Por mais óbvio que pareça amanhece sobre tudo, mas, a luz ainda cai sobre o trajeto que se permite ver. Eis que a sutileza do apreço pela feijoada num restaurante chamado Senzala e o clareamento de Iemanjá no folhetinho dão-nos os vestígios. O que é publico encontra-se definido nas entranhas do Google, conforme a busca articula-se em rede a estrutura, o que permite à condição de sê-lo é assédio em suas margens. Por isso refazem as leis para contenção do marginal, afinal, somente quem é capaz de consenti-lo mais como ele é do que para a sua própria reeducação pode concebê-lo. O marginal, sintoma em seu nome, configura a violação dos
direitos humanos em sociedade anônima, atraí como vitima quem quer ver os olhos do inimigo em face do sistema para confirmar a si fora do espelho. Assim, como quem arrasta sem querer Claudia durante séculos para entender no trajeto da viatura a cultura, sem se dá pelo sangue, sal e suor da pavimentação dessa estrada, mantem nos dois lados da mesma moeda a construção do vocabulário controlado para arquivos a contento de uma nuvem de satisfação. Então em tese, através do entendimento do mundo, passa para o lado bom da historia quem distorce a realidade que nos assombra em duvidas e a bota na ordem de nomes, notas de roda pé, estatística, estampa de camisa, etc. Fazendo possível (como exemplo edificado dessa consciência), às margens do museu da Resistência, a Cracolandia no centro da cidade ou, no espelho escuro de aguas mortas dos rios que a cortam (como duas veias abertas estufando o efeito do caos no peito) a síntese de existir desnaturalizado. Acontece que na beira de um desses rios que de tão escuro se faz espelho há um shopping também espelhado e, na (entre) linha do trem que percorre toda extensão desse rio (que apesar de morto é digno da paisagem que refleti), permanece em contrapartida o que não se espelha. O rio morto não corre, não respira e está lá para ser espelho do que é belo sendo ele mesmo trágico, o que enfim traduz a civilização. Fora dele há ninguém ou os cotados a nunca completar a própria fala. Ninguém é alcunha dos inocentes na forma física de todo medo que por sua vez vem da afecção na memória que agora consigna a imaginação. Ninguém vive como um efeito sem causa. Assim falou autoajuda. A senhora ainda trabalha dando forma ao Estado, sai antes do sol e retorna no paradoxo que prospera junto dele, o Estado. Nessa manhã, na porta de sua casa a chuva abriu-lhe uma cratera na perna que sem plano de saúde que lhe cubra os vermes em festa ao ar livre, infeccionou sua espera no SUS... Não houve quem lhe acompanhasse. Foi de manhã, voltou naquela hora que era então a hora errada. Eis a razão de estar na rua. E não importa. Qualquer que fosse a hora seria impreciso através de sua história. Calou-se daquele instante em diante e na Tv quando chegou em casa, viu-se assistida nas verdades dela, as 18h. Sentou-se no sofá sem fome, cansada sentiu-se apropriada no mundo, com sono foi se banhar. Depois dormiu, como todos nós durante o tempo despercebido.