Lagoa de Fora: Gastronomia e Identidade
“As pessoas não serão capazes de olhar para a posteridade, se não tiverem em consideração a experiência dos seus antepassados.” Edmund Burke
Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo Lagoa de Fora: Gastronomia e Identidade Maurício Dall ‘Agnol Professora: Ma. Giovana Santini Cruzeiro do Sul Educacional Centro Universitário da Serra Gaúcha - Tecnologia e Inovação Caxias do Sul - 2018
Agradecimentos: Agradeço primeiramente a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, por todas as conquistas e oportunidades que me permitiram chegar até este momento. A todos aqueles que marcaram minha vida, principalmente ao Dougue, meu fiel amigo de infância que esteve ao meu lado nos momentos mais importantes, formadores de meu caráter. Aos meus avós Avelino Dall ‘Agnol, Carmen Paniz, Maria Edith Bueno e Luiz Paim, pelo amor e ensinamentos sobre a ética e honestidade. Aos meus pais Cladismar Dall ‘Agnol e Maria Francisca Dall ‘Agnol, pelo esforço e apoio necessários para a minha formação. À minha família, em especial a minha irmã Manuela Dall ‘Agnol, que de maneira recíproca entende todos os meus sentimentos. À Ordem Demolay, por tornar-me conhecedor das responsabilidades e meus propósitos para com o mundo. Aos meus amigos que estiveram presentes durante meu período de formação. À Maria Luiza Maragno pela compreensão e apoio. Agradeço também aos que de alguma forma contribuíram para este momento, em destaque Cláudia Caporal e Kátia Maragno pela disponibilização do material bibliográfico que tornou isto possível. Ao Leonardo Giovenardi e Rodrigo Romanini por me ensinarem a compreender a arquitetura. Aos meus professores Amanda Bertoni, Carla Souza, Giovana Santini, Mariana Fedumenti e Rafael Artico, pelas conversas, ensinamentos e apoio a mim concedidos. E é com imenso prazer, que apresento este trabalho. Obrigado!
Resumo: Em meio a crises financeiras e o crescimento desordenado das grandes cidades, esquecem-se valores fundamentais para a formação de uma sociedade que reconheça os aspectos formadores de sua identidade. Assim sendo, apresenta-se pesquisas bibliográficas que possibilitam relacionar atividades culturais com um desenvolvimento econômico sustentável. Tendo como objeto de um estudo um terreno na comunidade da Lagoa de fora em Balneário Gaivota, realizou-se uma pesquisa da história e economia local, encontrando no setor de serviços a principal fonte de renda da região. As descobertas de um forte vínculo com o período da colonização, resultaram em uma proposta de um complexo arquitetônico, que através de equipamentos de hospedagem, gastronomia e lazer, apresenta a população os costumes de seus antepassados. Palavras chave: Carijós. Comunidade. Colonização. Gastronomia. Identidade. Lagoa de Fora. Hospedagem.
Abstract: In the midst of financial crises and the disorderly growth of large cities, fundamental values are forgotten for the formation of a society that recognizes the formative aspects of its identity. Thus, a bibliographical research is presented making possible to relate cultural activities to a sustainable economic development. Having as object of a study a site in the community of Lagoa de Fora in Balneário Gaivota, a research of history and local economy was realized, finding in the services sector the main source of the region income. The discoveries of a strong bond with the colonization period, resulted in a proposal of an architectural complex, which through lodging, gastronomy and leisure equipments, presents the population the customs of their ancestors. Keywords: Carijós. Community. Colonization. Gastronomy. Identity. Lagoa de Fora. Lodging.
Sumário: 1. Apresentação....................................................................................................................................................................15 1.1 Introdução......................................................................................................................................................................17 1.2 Localização....................................................................................................................................................................19 1.3 Justificativas de tema e terreno.......................................................................................................................................23 1.4 Objetivo geral.........................................................................................................................................................................29 1.5 Objetivos específicos................................................................................................................................................29 1.6 Metodologia.....................................................................................................................................................................31 2. Referencial teórico...................................................................................................................................................33 2.1 História local.........................................................................................................................................................................35 2.2 Gastronomia e identidade........................................................................................................................................39 2.3 Economia e aspectos demográficos..........................................................................................................................43 3. Análise de referências.............................................................................................................................................47 3.1 Cabana na montanha Oberholz......................................................................................................................................49 3.2 Hotel Fasano na fazenda Boa Vista...............................................................................................................................57 3.3 Mercado Público de Florianópolis...................................................................................................................................65 4. Características do entorno.......................................................................................................................................69 5. Partido arquitetônico...............................................................................................................................................75
5.1 Conceito.........................................................................................................................................................................76 5.3 Programa de necessidades......................................................................................................................................76 5.4 Intervenções...................................................................................................................................................................78 5.5 Diagramas......................................................................................................................................................................80 5.6 Implantação....................................................................................................................................................................84 5.7 Zoneamento interno.................................................................................................................................................85 5.8 Técnicas construtivas...............................................................................................................................................91 6. Considerações finais..........................................................................................................................................................95 7. Referências bibliográficas.......................................................................................................................................97
1. Apresentação: Este trabalho consiste na elaboração de um complexo arquitetônico de uso híbrido que conecte o indivíduo com a cultura regional, através de experiências que sutilmente entrelaçam a história, gastronomia e a paisagem da região. Localizado nas margens da Lagoa de Fora, no município de Balneário Gaivota, extremo sul do estado de Santa Catarina, este local possuí moradia e trânsito de pessoas de diferentes faixas de renda, sendo assim o desafio desta intervenção é fortalecer a relação dos habitantes com o espaço e com a sociedade em que os mesmos estão inseridos. Além disto é fundamental despertar o interesse da população de outras cidades da região, que frequentando espaços desta natureza, tornam-se conscientes da ligação entre o ser e o território em que vive. 15
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< Figura 1. Açorda de marisco. Fonte: Teleculinária.
1.1 Introdução O tema desta Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo surge a partir da descoberta de uma área de lazer e contemplação na comunidade da Lagoa de Fora, esta pertencente ao município de Balneário Gaivota, Santa Catarina. Visto que a área de intervenção possui mais de 11 mil metros quadrados, busca-se compreender diversos aspectos, não apenas relacionadas a comunidade do entorno imediato, mas a todo o estado onde o objeto de estudo está inserido, estabelecendo assim, os possíveis frequentadores da proposta. Em um primeiro momento, apresenta-se as características geográficas, culturais e econômicas da região, relacionando-as com autores que analisam a influência destas em diferentes escalas. Posteriormente se produz uma análise de referências e das características do entorno, sendo esta, necessária para a elaboração de um partido arquitetônico, concebido na etapa final deste trabalho. Ressalta-se também que as diretrizes aqui expostas, não são as únicas necessárias para que se desenvolvam todos os potenciais dos temas estudados, porém tem como objetivo provocar outras ações de mesma intenção. 17
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< Figura 2. Vista do terreno para a lagoa. Fonte: do autor.
1.2 Localização 19
Figura 3. Mapas de localização. Fonte: do autor.
Brasil - Santa Catarina - Balneário Gaivota - Perímetro Urbano de 2017 da Região da Lagoa de Fora
O terreno analisado neste trabalho localiza-se no município de Balneário Gaivota, distrito da cidade de Sombrio até o ano de 1995 quando se emancipou através da lei estadual nº 10.054. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima-se que em 2018 mais de 10 mil pessoas residiam no município, porém segundo a prefeitura do local, este número chega a 35 mil pessoas durante a temporada de verão. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do município era de 0,728 no ano de 2010 considerado alto e superior ao índice de 0,699 registrado pelo Brasil neste mesmo período. Seu território é de aproximadamente 148 km² e faz fronteira ao leste com o Oceano Atlântico, uma de suas principais atrações turísticas. A região da Lagoa de Fora, ponto específico onde objeto de estudo está localizado, é um destino conhecido pelos habitantes da região e dos municípios vizinhos, estes costumam frequentar a lagoa — divisa de fundos do terreno — que dá nome ao local, bem como a casa de shows que ali se encontra. 20
< E.E.F Prof. Doralina C. Da Silva Igreja e Pastoral São Brás >
< Rodovia José Tiscosky
Lagoa de Fora > < Sítio do Cássio
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< Figura 4. Entorno imediato. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
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Figura 5. Mapa polĂtico. Fonte: IBGE. Adaptado pelo autor. >
1.3 Justificativas de tema e terreno 23
< BR101
< Itajaí Balneário Camboriú >
Florianópolis >
Criciúma >
Sombrio >
< Araranguá < Balneário Gaivota 24
O potencial do turismo como agente de mudança cultural e econômica vem sendo observado com maior atenção por governos do mundo inteiro nos últimos anos. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2017 como o ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento, sendo este setor um dos principais aliados de um plano de ação assinado pelo Brasil e mais 292 países comprometidos em cumprir Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até o ano de 2030. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT) esta área da economia pode contribuir com esta agenda gerando empregos que promovem a cultura regional, além de trazer um crescimento da economia em pequenas ilhas e vilas de pescadores em países menos desenvolvidos, através do turismo e da comercialização de produtos originados da pesca sustentável. Ainda de acordo com a OMT afirma-se que no ano de 2017 o setor turístico foi responsável por cerca de 10 por cento do PIB e dos empregos em um cenário mundial. Entretanto, estes índices não se refletem com a mesma positividade no âmbito da economia brasileira, a média mundial de chegadas internacionais conforme dados da OMT cresceu cerca de 4 por cento nos últimos oito anos, sendo que em território brasileiro, neste mesmo período de tempo o aumento deste mesmo indicador segundo dados do Ministério do Turismo foi de pouco mais que 3 pontos percentuais. Eventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas foram essenciais para esta evolução, que seria praticamente nula sem os mesmos. Estes
contribuíram para um aumento significativo do número de chegadas internacionais, que após o maior aumento percentual da série histórica em 2014 continuou estável durante os anos seguintes, chegando a atingir em 2017 o maior número de turistas internacionais já registrado por este indicador. Ainda que registre pequenos aumentos, o cenário do turismo no Brasil tem muito que avançar, um dado que surpreende é a comparação do número de desembarques internacionais no Brasil e da cidade de Miami. De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) os aeroportos brasileiros obtiveram no ano de 2017 cerca de 10,6 milhões de desembarques com origem internacional, um número menor que os 10,9 milhões registrados pelo Aeroporto Internacional de Miami no mesmo ano. A prática da viagem como uma atividade intelectual e não apenas como um meio de buscar recursos para a sobrevivência, tem seus primeiros registros na Roma Antiga, quando viajantes partiam em direção a Atenas coletar artefatos do Partenon, para posteriormente colocá-los em exibição ou a venda para o povo romano. Neste mesmo período, Sêneca, membro do senado romano declara que, viajar ou mudar-se de local, implica em um ganho significativo para o intelecto. (GMELCH, 2004) Apesar de possuir sua origem na antiguidade, o turismo durante muito tempo limitou-se aos burgueses e à aristocracia, foi somente a partir do ano de 1930 com algumas das conquistas sindicais, como as férias remuneradas, que a atividade deixa de ser apenas um privilégio e começa a 25
manifestar-se como um objetivo viável para quase todas as classes sociais. Após a Segunda Guerra Mundial, consolida-se o que é conhecido como turismo contemporâneo, e este torna-se neste período, um bem econômico ligado a indústria de serviços. (PÉREZ, 2009) Dito que a atividade possui um potencial inexplorado no território brasileiro, e apresenta-se desde meados do século passado como uma parte sólida da indústria de serviços, possui um papel fundamental no combate ao desemprego, a desigualdade social e no auxílio do desenvolvimento da educação e cultura da população. Entendida em sua forma mais abrangente, a cultura é conhecimento e prática, forma de explicar e intervir na realidade, portanto instrumento de provimento e de resolução de problemas da humanidade. Ainda sob este conceito, não se pode separar cultura e desenvolvimento, cultura e subsistência humana. Não há ser humano sem cultura. (ARAÚJO, 2005)
O município onde localiza-se o objeto de estudo possuía no ano de 2010 de acordo com o IBGE cerca de 27 por cento da população com renda familiar per capta de até 1/4 do salário mínimo e o Índice de GINI era de 0,475 sabendo que, quanto mais próximo de 1 maior a desigualdade. Afirma-se que este número era neste mesmo ano cerca de 12 por cento menor que os números registrados pela média brasileira. Apesar de possuir um cenário mais positivo em relação àquele encontrado em um panorama geral do território brasileiro, ainda há muito o que 26
ser modificado para atingir índices de renda e igualdade encontrados em países mais desenvolvidos. Neste contexto surge a proposta de um complexo arquitetônico de uso híbrido, que através de atividades relacionadas a cultura, gastronomia e o turismo, possa ampliar diretamente a qualidade de vida da população presente no entorno imediato ao terreno da proposta, e através da gastronomia proporcionar o reconhecimento da identidade cultural da região. As diferentes formas de preparo dos alimentos, e os diferentes significados simbólicos a estes atribuídos, fazem da gastronomia um elemento que sintetiza as especificidades de cada região. (SCHLÜTER, 2003) Os municípios de Araranguá, Balneário Camboriú, Balneário Gaivota, Criciúma, Florianópolis, Itajaí e Sombrio somaram em 2018 segundo o IBGE mais de 1,1 milhão de habitantes, que por possuírem acesso direto à rodovia BR-101 e a Avenida Interpraias, são classificados como potenciais frequentadores do empreendimento proposto. As principais tipologias geradoras de renda para a manutenção do complexo arquitetônico são aquelas relacionadas a hospedagem e alimentação, sendo a primeira estabelecida para melhor atender aqueles que vierem dos municípios mais distantes, e a última vinculada ao fato de que no ano de 2015 conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) em torno de 25 por cento do rendimento mensal das famílias brasileiras era destinado a alimentação em estabelecimentos comerciais, justificando assim o potencial econômico da atividade.
< BR101
Sombrio > Avenida Interpraias >
Lagoa de Fora >
< Balneรกrio Gaivota
< Lagoa do Sombrio
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< Figura 6. MicrorregiĂŁo. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
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1.4 Objetivo geral: • Propor um partido arquitetônico de um complexo de uso híbrido que se adeque as necessidades do local, atendendo aos interesses da população próxima a área de intervenção, e também aos moradores de outras regiões do sudeste ao nordeste do estado de Santa Catarina, possibilitando a integração entre diversas classes sociais, permitindo a todos por meio das atividades condicionadas aos usos do projeto, o reconhecimento da identidade, da cultura e da história do território em que estão inseridos.
1.5 Objetivos específicos: • Compreender os elementos determinantes na cultura local e os fatores que influenciaram a população catarinense ao longo da história. • Identificar coeficientes econômicos, afim de compreender as necessidades e o potencial do setor de serviços no estado e no município. • Pesquisar empreendimentos com tipologias relacionadas ao tema proposto, para verificar os pontos que foram determinantes para o êxito destes negócios e assimilar como estes adaptaram-se as particularidades do lugar. • Analisar os condicionantes físicos e legais para constatar a viabilidade do projeto. • Realizar visitas ao terreno de implantação da proposta, para absorver as necessidades do entorno e perceber como ocorre a utilização dos espaços públicos no entorno imediato. 29
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1.6 Metodologia: Quando necessária a compreensão dos agentes formadores de um determinado fenômeno social, sem que o resultado do diagnóstico seja indispensavelmente apontado através das ciências exatas, opta-se por métodos qualitativos para o desenvolvimento de uma pesquisa. (GOLDENBERG, 2002) A apresentação de uma análise da bibliografia anteriormente publicada sobre os assuntos pesquisados, garante ao leitor, um contato objetivo com diversos fatores relacionados ao assunto. (LAKATOS E MARCONI, 1987) Sendo assim, opta-se por métodos qualitativos e pela leitura de obras, por vezes escritas por autores do local, para então elaborar uma sólida fundamentação teórica. 31
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2. Referencial teรณrico 33
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< Figura 7. Garota indígena. Fonte: Pedro França.
2.1 História local 35
A história do extremo sul de Santa Catarina tem suas raízes na cultura indígena. Segundo estudos feitos pelo arqueólogo João Alfredo Rohr, já haviam índios há pelo menos 1500 anos na região sudeste do estado de Santa Catarina, estes eram conhecidos como homens do sambaqui e guaranis. (FARIAS, 2000) Quem primeiro descreveu o índio catarinense do litoral foi Binot de Gonneville, navegante francês que pisou em nossas terras por volta de 1504. De pele mais clara, viviam seminus ou em nudez total, adornavam-se de peles e penas trançadas atadas na cintura. Habitavam choças de palhas. Reuniam-se em grupos chefiados por um líder. Sua alimentação era baseada na pesca, agricultura, caça, tubérculos e frutas da terra. Sua plantação era rudimentar, feita no sistema de coivaras, onde se queimava o mato, usando a cinza como adubo. Cultivavam o milho, a mandioca, a batata e o inhame. Usavam como armas de ataque e defesa o tacape, a zarabatana, o arco e a flecha. Traçavam cestos, redes e esteiras. Seus objetos de uso diário como fachas, machados, pontas de flechas, lanças panelas, urnas funerárias, alguns de rara beleza, eram na maioria de pedra, osso ou barro. (SCHMITZ, 1984, p. 28)
Os índios guaranis, também descritos como índios carijós, tem uma influência direta sobre os topônimos catarinenses, dado que as cidades de Itaguaçu, Maruim, Imbituba, Itapema e Jurerê tem a origem de sua nomenclatura na língua tupi-guarani. (LADEIRA, 1996) Ainda em meados do século XVI, mais precisamente 36
no ano de 1534 há registros de um índio chamado Etiguara vindo de Buenos Aires, que pisou em terras sombrienses para ensinar aos seus semelhantes sobre a palavra cristã. Avisou aos carijós que ali habitavam sobre os homens da igreja que ali viriam, e os orientou a serem gentis e acolhedores para com estes homens. (REITZ, 1948) Estes nativos eram descritos como dóceis, e representavam uma grande importância para os colonizadores, visto que contribuíam para a obtenção de água, madeira e alimentos. (SALVADOR, 2017) Porém, este período de cordialidade foi rapidamente abalado ainda no século XVI quando os europeus passaram a ver os carijós não apenas como ajudantes, mas também como escravos. (VIEIRA FILHO, 2001) De maneira curiosa, a captura de nativos para os utilizar como escravos, acontecia, a partir do século XVII com a ajuda dos próprios índios. Os que traíam seu próprio povo eram conhecidos pelos bandeirantes paulistas como Tubarões. (REITZ, 1948) No século XVIII se inicia a imigração do povo açoriano para o Brasil Meridional, favorecendo aos interesses da coroa portuguesa, já que em 1748 esta área do território brasileiro era pouco habitada, o que representava um risco para Portugal. A linha divisória do Tratado de Tordesilhas cortava a região e isto poderia culminar na perda deste território para o Império Espanhol, além disto os Açores nesta época possuíam uma densidade populacional relativamente alta para a extensão de seu território, enfrentavam riscos sísmicos e não obtinham as
promessas de prosperidade encontradas em solo brasileiro. (FARIAS, 1998) Segundo este mesmo autor, o local onde encontra-se hoje o município de Balneário Gaivota, mostra-se conectado a história da colonização antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral no território nacional. De acordo com o Tratado de Tordesilhas esta parte do estado encontrava-se em uma terra pertencente ao Império Espanhol, porém era subordinado a Laguna, que por sua vez estava em território português, gerando incertezas em relação ao seu verdadeiro domínio. Vários foram os conflitos entre padres espanhóis e os bandeirantes paulistas, estando os primeiros interessados em cristianizar os índios para conquistar estas terras ao império espanhol e os bandeirantes nas riquezas da região, dentre estas, os milhares de índios que poderiam ser escravizados. Estes conflitos se encerraram nos anos de 1750 com o Tratado de Madri e 1777 com o Tratado de São Idelfonso que corroboraram o pertencimento desta parcela do território a Portugal. Segundo relatos desta mesma época, afirma-se que o comportamento dos índios já havia sido modificado por medo da destruição de seu povo, estes pilhavam os bens dos colonizadores, raptavam e até matavam os novos habitantes da região. Os europeus a partir desta época tiveram como objetivo não mais a escravidão e sim o extermínio dos indígenas, e os conflitos entre os colonizadores e indígenas, culminaram na extinção do povo nativo de Santa Catarina no final do século XIX. Os portugueses juntamente com os espanhóis, foram responsáveis pela
saga da conquista, genocídio do povo indígena iniciado ainda no século XVI. O final do século XIX foi marcado pela vinda de novos imigrantes da Europa, tendo como os principais pontos de origem a Itália, Alemanha e Polônia. Estes estabeleceram-se em Araranguá, Tubarão, dentre outras regiões nas proximidades, desfrutando do aprendizado já adquirido pelos luso-açorianos que neste momento foram essenciais ao sucesso dos novos imigrantes, os garantindo tecnologias, produtos agrícolas e gêneros alimentícios adequados ao clima e as terras desta região do Brasil. Até meados do século XX a economia local era baseada na plantação de mandioca, cana-de-açúcar, milho, amendoim, além da criação de gado e os seus subprodutos, como charque, linguiça e couro, que eram levados ao Rio Grande do Sul para serem trocados por outros produtos. As riquezas das famílias desta época eram medidas pela quantidade de escravos, gados e terras, não sendo ainda relacionadas com o dinheiro em espécie. (FARIAS, 1998) Constata-se assim que a história desta localidade possui uma grande pluralidade étnica e cultural, contendo a influência de imigrantes oriundos de diversos países da Europa. É evidente também a influência dos povos nativos na formação de vários aspectos presentes no território catarinense, e em virtude dos vários anos de caça aos índios e extermínio de sua cultura, é de grande importância o conhecimento da relevância destes primeiros habitantes.
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< Figura 8. Polenta e frango assado. Fonte: Williams Sonoma.
2.2 Gastronomia e identidade 39
A história da humanidade se confunde com as práticas de alimentação, sendo esta essencial para a sobrevivência, tem um papel fundamental nos estudos dos instintos mais primitivos e inerentes ao desenvolvimento da cultura de um determinado grupo de indivíduos. Nos primórdios da civilização humana quando o homem descobre as primeiras técnicas de cozimento, as diferenças entre o homem e os outros animais foi se tornando mais acentuada. Acredita-se que a relação entre o homem e a prática de cozinhar, seja anterior até mesmo ao controle do fogo, já que associava fontes naturais de calor a temperatura de suas presas e assim cozinhava sua caça para restaurar os aspectos de temperatura e sabor existentes característicos ao animal recém abatido. (FRANCO, 1995) A respeito das mudanças nos hábitos e na genética causadas por esta descoberta, este mesmo autor afirma: A cocção dos alimentos torná-los-ia mais fáceis de mastigar. Assevera-se que o menor desenvolvimento dos músculos faciais e o maior crescimento da cavidade craniana e do cérebro decorreriam de menos esforço na mastigação.
É possível determinar assim que os pontos que relacionam a gastronomia ao desenvolvimento do ser humano, não se limitam apenas a evolução da sociedade e dos traços culturais, mas também estão vinculados até mesmo com a evolução genética ao longo dos anos. Pode-se distinguir os sistemas alimentares presentes 40
ao longo da história da humanidade em duas classes, a tradicional e atual, a primeira trata dos alimentos que podiam ser obtidos em qualquer época do ano e a segunda diz respeito aos alimentos que graças as descobertas feitas ao longo dos séculos, podem ser consumidos em qualquer época do ano. As conservas e a adição de sal a carnes e pescados, podem ser apontadas como os primeiros métodos de preservação dos alimentos por um longo período de tempo. (SCHLÜTER, 2003) O desenvolvimento de um sistema que garantiu ao homem a habilidade de preservação dos alimentos por um maior período de tempo, foi substancial também para a migração de um estilo de vida mais instável, onde a espécie necessitava migrar entre várias localidades em busca de alimento, para um momento em que o homem pode se estabelecer com mais serenidade em um ponto fixo, sabendo que suas técnicas de conservação o permite ingerir todos os alimentos necessários, mesmo em um período onde há a menor produção natural de determinados mantimentos. Os gostos e hábitos alimentares de uma comunidade não estão associados apenas ao instinto de sobrevivência a necessidade de alimentar-se. Desde os primeiros segundos que sucedem o nascimento, o ser humano passa por um processo de aprendizado, preparando-o para a vida em uma comunidade, sendo que a formação da preferência por determinados grupos de alimentos é um importante ponto neste processo, criando assim raízes profundas na identidade social. A predileção por um determinado grupo
de alimentos, criada durante a infância permanece presente durante toda a vida, e por vezes a degustação destes pratos típicos provoca lembranças relativas a região onde o indivíduo teve suas primeiras interações com um grupo de indivíduos. (FRANCO, 1995) Comida não é apenas uma substância alimentar, mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido como também aquele que ingere. (DAMATTA, 1986)
Assim é possível afirmar que o alimento é, não apenas parte integrante do processo de formação identitário, mas sim um dos elementos mais importantes neste processo. Em razão de o primeiro contato com este símbolo social acontecer ainda nos primeiros instantes da vida, é um agente muito mais intrínseco a personalidade do ser, que aqueles formados por influências midiáticas. É de grande valia o conhecimento dos diversos alimentos consumidos em uma região para compreender a relação dos mesmos com a formação da cultura de uma determinada região. Existem registros que vinculam os alimentos e os costumes presentes na culinária do município de Balneário Gaivota, com aqueles existentes na época em que os nativos habitavam o local. Alguns dos alimentos que eram consumidos pelos primeiros habitantes apresentam uma maior similaridade com aqueles presentes na atualidade, sento estes o pirão, a farinha, a pamonha e a canjica, derivados principalmente
dos produtos agrícolas cultivados pelos nativos, sendo os principais o milho, a mandioca, a batata-doce, o amendoim, a abóbora e o feijão. As técnicas de preparo das carnes permanecem as mesmas, as aves, os mamíferos e os peixes obtidos através da caça eram consumidos assados, ensopados ou fritos. Os açorianos ao chegarem, depararam-se com um ambiente inadequado para a cultura de trigo, o que resultou na substituição deste pela mandioca. O mesmo aconteceu com a carne que foi aos poucos sendo substituída pelo peixe, mais abundante na região litorânea do sul de Santa Catarina. Pratos que já possuíam o peixe e mandioca como o principal componente, mantém-se dentre os mais populares atualmente. Destes pode-se citar a rosca de polvilho, o caldo de peixe, o camarão ao bafo e a moqueca de bagre. (FARIAS, 1998) O cultivo de arroz, cevada e uva foi introduzido pelos imigrantes advindos da Itália e da Alemanha, responsáveis por somar ao conhecimento dos povos que aqui já estavam estabelecidos técnicas e produtos agrícolas até então desconhecidos. (FARIAS, 2000) Percebe-se então a pluralidade cultural do estado transmitida a sua culinária e também as práticas agrícolas. Na mesa dos habitantes do sul do estado, corrobora-se diariamente a relação dos costumes atuais com aqueles dos nativos e dos primeiros imigrantes que chegaram em terras gaivotenses.
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2.3 Economia e aspectos demogrรกficos 43
A economia do estado de Santa Catarina possui uma estrutura diversificada, com uma atuação importante de diversos setores que vão desde a agricultura, até a indústria e o comércio. A diversidade e dinamismo da economia catarinense interferem diretamente na qualidade de vida dos habitantes, que desfrutam de índices de alfabetização, emprego e distribuição de renda superiores à média nacional. (SEBRAE, 2013) No censo populacional de 2010 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Santa Catarina possuía 6,2 milhões de habitantes, sendo que os municípios com o maior número de habitantes naquele momento eram Blumenau, Florianópolis e Joinville, que juntos possuem mais de 1,2 milhão de habitantes. Dados deste mesmo instituto apontam que a população do estado chegue a 8 milhões no ano de 2030. O estado atingiu em 2015 de acordo com o IBGE o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) e o quinto maior PIB per capta do território nacional, números extremamente positivos para o oitavo menor estado brasileiro, que possui pouco mais de 95 mil km². Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no ano de 2015 a população economicamente ativa era de 3,7 milhões, cerca de 54% da população total no estado, e a média salarial das pessoas com idade acima de 16 anos em trabalhos formais, era em 2017 conforme o IBGE de 2275 reais, oitava maior média do Brasil. O Índice de Desenvolvimento Humano do estado, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) era em 2015 de 0,813 terceiro 44
mais alto se comparado a outros estados e cerca de 6% superior à média nacional, além disto Santa Catarina e mais dois estados da federação, foram os únicos a terem o IDH classificado na faixa de muito alto desenvolvimento humano. Os diversos setores da indústria presentes no estado se dividem através de suas regiões de maneira bem definida, negócios vinculados a produção de cerâmica, exploração de minérios e produção de componentes químicos movem a economia do sul do estado, que possui na produção de vestuários outra parcela importante de suas finanças. No vale do Itajaí, indústrias do setor têxtil possuem a maior influência, e ao norte, principalmente na capital Florianópolis, o setor da tecnologia tem uma forte representatividade nos índices econômicos. O planalto catarinense tem sua economia vinculada principalmente a produção de celulose, madeira e papel, e de maneira similar, através de atividades de cunho primário a parte oeste do território desenvolve-se em torno da produção agrícola. (SEBRAE, 2013) De uma maneira geral, apesar de o estado possuir uma economia diversificada, é no setor de serviços que se encontra o maior número de empregos e empresas. No ano de 2017 havia 1,4 milhão de habitantes empregados e mais de 160 mil estabelecimentos registrados neste ramo da economia. Sendo assim a sua representatividade é de grande importância para se compreender a vocação econômica do estado, visto que os números atingidos, representam mais de 60% dos 2 milhões
de empregos existentes e em torno de 70% do número total de empresas. Além disto, outros dados que devem ser observados, são aqueles apontando que dentre estes números 120 mil empregos e 20 mil estabelecimentos são relacionados ao turismo. (FIESC, 2017) Apesar da semelhança com a divisão econômica das atividades no estado, afirma-se segundo a mesma base de dados que a região sul concentra cerca de 7,8 por cento dos empregos totais no estado e possui como principais protagonistas de sua economia, a indústria e o setor de serviços, representando juntos mais de 90 por cento do PIB regional, que foi de aproximadamente 18 bilhões de reais em 2015 apresentando uma superioridade de quase 60 por cento em relação aos valores registrados por este mesmo índice no ano de 2010. Sobre isto, aponta-se que a indústria de transformação, responsável por transformar a matéria prima em um produto final, representa mais de 70 por cento da produção financeira do setor industrial, demonstrando assim um alto grau de desenvolvimento. Em relação ao município de Balneário Gaivota afirma-se que o mesmo tem sua economia baseada principalmente em atividades relacionadas ao turismo. Uma faixa de apenas 12 por cento dos 125 milhões do Produto Interno Bruto é relacionado a indústria, e desta parcela cerca de 70 por cento da produção econômica vem da construção civil. No ano de 2017 de acordo com dados da FIESC a região possuía mais de mil empregos formais e 191 estabelecimentos registrados, sendo que cerca de cinquenta por cento destes, estão concentrados em atividades
relacionadas ao comércio e turismo. Apesar de apresentar um IDH um pouco inferior em relação ao estado, a economia demonstra aspectos sustentáveis, com praticamente a totalidade dos estabelecimentos do município sendo considerados micro empreendimentos, e destes, apenas sete por cento são de pequeno porte, o que enfatiza o caráter turístico da região, que não possui grandes empresas na área industrial. Além disso, percebe-se que o desenvolvimento do setor de serviços é perceptivelmente observado pelos estudantes no estado, visto que, segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico 11 por cento de todos grupos de pesquisa das instituições de ensino, tem como objeto de estudo a área do turismo. Neste panorama o Programa de Desenvolvimento Industrial Catarinense denomina de Caminho dos Canyons a região turística onde o município de Balneário Gaivota está inserido, e tem nesta área o desenvolvimento do turismo de orla como um dos principais objetivos a serem atingidos até o ano de 2022, evidenciando as intenções do investimento privado no local.
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3. Análise de referências As referências foram analisadas de acordo com a metodologia de pesquisa, explanando através de textos e imagens a história e as intenções do projeto. 47
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< Figura 9. Vista oeste da cabana na montanha Oberholz. Fonte: Oskar Dariz.
3.1 Cabana na montanha Oberholz 49
Figura 10. Imagem de satélite. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
Figura 11. Imagem da área externa de alimentação. Fonte: Oskar Dariz. 50
A escolha deste projeto como objeto de estudo, se deu em razão da necessidade de compreender as técnicas de projeto, e a escolha dos materiais que permitem a um equipamento de grande escala se integrar a natureza e o local onde está inserido, mimetizando as cores e texturas da paisagem presentes em seu entorno imediato. Esta edificação situa-se nas regiões montanhosas do norte da Itália, mais precisamente em um pequeno vilarejo chamado Obereggen, pertencente a comuna de Nova Ponente. Esta região administrada pela província autônoma de Bolzano possuía no ano de 2017 cerca de 900 habitantes, segundo a prefeitura do local. Em uma altitude que supera os 2000 metros, o projeto encontra-se dentro de uma propriedade do Resort Obereggen, onde todos os anos durante o inverno, turistas e habitantes costumam frequentar o local para esquiar e admirar sua paisagem. No início do ano de 2015 o escritório de arquitetura Peter Pichler Architecture com sede em Milão, juntamente com o arquiteto eslovaco Pavol Mikolajcak, venceram uma competição que surgiu da necessidade de se construir em um dos pontos mais altos da montanha Oberholz, um equipamento de apoio as pessoas que ali chegam por meio de teleféricos, visto que, apesar de se encontrar muito próximo ao hotel, as vias terrestes são bloqueadas durante o inverno devido a grande quantidade de neve acumulada nas rodovias. Após uma análise das edificações e dos materiais presentes no entorno do terreno, os arquitetos buscaram uma interpretação contemporânea da arquitetura típica da região,
não apenas utilizando as mesmas fontes de matéria prima, mas também pelas decisões dos aspectos formais, que através da grande inclinação do telhado sintetizam a volumetria das cabanas, características da montanha onde o projeto se encontra. Os visitantes acessam a edificação por meio de um deck orientado para o sudeste, conectado diretamente a entrada principal, sendo esta posicionada na área social do projeto. Ao adentrar a edificação o observador é direcionado para um lounge com uma lareira, que traz ao inconsciente de quem por ali passar, a mesma sensação de calor e aconchego experienciada pelos moradores do vilarejo de Obereggen após um passeio pela neve. Seguindo pela edificação, neste mesmo ambiente, os clientes caminham em direção as mesas do restaurante, organizadas em um bloco que vai aos poucos se dividindo em três ramificações. Esta divisão dos blocos foi pensada pelos arquitetos para que enquanto seja experimentada a gastronomia típica da região, o olhar do observador seja direcionado estrategicamente por meio da arquitetura, para cada uma das três principais montanhas do entorno. Um espaço mais intimista é criado em um dos blocos, fazendo referência as cozinhas italianas onde as pessoas sentam-se ao redor de uma grande mesa para comer e conversar. Neste mesmo pavimento, encontram-se a cozinha, um depósito e o núcleo de circulação. A disposição destes equipamentos em planta, garante que, mesmo estando expostos aos clientes em áreas de uso comum, os seus
acessos sejam quase imperceptíveis. Mais abaixo, no pavimento inferior, encontram-se os vestiários de apoio aos esquiadores. O mesmo núcleo de circulação dá acesso ao dormitório dos funcionários que ali ficam durante a temporada de trabalho. Além disso os depósitos e também os equipamentos técnicos da cabana estão concentrados neste nível, em um local de caráter totalmente hermético. Em um ambiente de baixas temperaturas durante alguns períodos do ano, intensifica-se a preocupação com o isolamento térmico da edificação, e esta torna-se muito clara quando analisada as decisões de implantação. As maiores aberturas e o terraço ficam orientados ao sul, recebendo luz natural durante todas as horas do dia, e os pontos de observação das montanhas, com fechamento em vidro, se projetam a sudoeste, o que permite aquecer o ambiente de forma passiva durante o período da tarde. Os blocos foram todos construídos com madeiras do local, sua estrutura, localizada nas extremidades, foi feita em madeira de abeto, que contribui não somente para o isolamento térmico, mas também influencia a percepção de calor no ambiente devido a sua tonalidade quente e amarelada. Os móveis foram feitos em carvalho, o telhado e os revestimentos externos com lariço, que de aparência escura parece unificar-se a paisagem monocromática do intenso inverno da montanha de Oberholz. A referência a vegetação do norte europeu, está presente também na volumetria da cabana, que tem em sua divisão a referência a forma de uma árvore caída, com seus três galhos que se espalham pelos terrenos da montanha. 51
Figura 12. Restaurante da cabana na montanha Oberholz. Fonte: Oskar Dariz.
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Figura 13. Vista aproximada da cabana na montanha Oberholz. Fonte: Oskar Dariz.
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Figura 14. Bar da cabana na montanha Oberholz. Fonte: Oskar Dariz.
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Figura 15. Vista das montanhas no entorno. Fonte: Oskar Dariz.
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< Figura 16. Vegetação em frente ao hotel. Fonte: Fernando Guerra.
3.2 Hotel Fasano na fazenda Boa vista 57
Figura 17. Imagem de satélite. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
Figura 18. Vista do restaurante e hotel. Fonte: Fernando Guerra. 58
A similaridade do programa de necessidades e da necessidade de se interagir com a paisagem, foram pontos determinantes para que se analisasse este projeto. O hotel possui 8600 metros quadrados e está inserido em uma fazenda, no município de Porto Feliz, que encontra-se a aproximadamente 100 quilômetros da cidade de São Paulo. Percebeu-se também, que as problemáticas relacionadas a luz natural, são exatamente idênticas, visto que por razões relacionadas a visuais, este projeto poucos o quase nenhum dos vãos de esquadrias direcionados para a fachada norte. O terreno de implantação possui cerca de 750 hectares, sendo que esta generosa área abriga casas particulares, um spa, um centro equestre, um centro esportivo, dois campos de golfe e alguns lagos em meio a mata. O projeto volta-se para o sudoeste e é posicionado sobre um talude em um dos pontos mais altos do terreno, para que deste modo possa oferecer uma vista privilegiada dos lagos, da vegetação e das outras edificações do complexo. Possui formas lineares e um eixo transversal que demarca a forma simétrica com que são distribuídas as suítes do hotel. A diferenciação entre os usos ocorre por meio da materialidade, o bloco central de aparência rústica utiliza diversos tipos de madeira e empenas de pedra, já os módulos das suítes possuem um acabamento mais sereno, de alvenaria rebocada. Recortes e adições nos volumes buscam evidenciar os limites de cada um dos apartamentos, que são totalmente revestidos por uma pintura na cor branca.
Lajes avançam em direção a paisagem, de modo a integrar os espaços de uso comum, com o lago que ali se encontra, sendo que no pavimento inferior, uma discreta escada permite aos visitantes banhar-se em uma piscina natural. O acesso ao lobby do hotel é feito através de um caminho de pergolados, que em seu redor possui uma densa vegetação, fazendo o observador experienciar os reflexos da luz natural em meio a mata para posteriormente neste mesmo eixo encontrar uma grande varanda com áreas de permanência. Dada a sofisticação e as proporções do projeto, o bloco principal abriga um programa de necessidades de relativa simplicidade. Visto que a maior parte dos equipamentos de lazer já se fazem presentes em outras partes da fazenda, o hotel possui apenas duas salas de jogos, localizadas em pontos equidistantes no pavimento térreo. As diversas mesas e poltronas espalhadas ao longo dos espaços faz com que as áreas de espera, lazer e contemplação possam funcionar como lounges do restaurante, localizado um pavimento abaixo. Sendo estes os locais que possuem a maior permeabilidade visual, sua utilização durante várias horas do dia permite que isto torne-se uma estratégia para aproveitar ao máximo os potenciais do entorno. Ainda neste mesmo pavimento encontram-se os blocos administrativos e o apoio as áreas de uso comum ali presentes. O acesso aos quartos se dá por meio de uma faixa de circulação inteiramente ao nordeste, para que assim
a vista das suítes voltadas para a lagoa ao sudoeste seja completamente aproveitada pelos hóspedes. Um nível acima encontram-se apenas a parte superior dos módulos de duplex e o acesso dos quartos de apenas um pavimento. Além do restaurante, no pavimento inferior estão localizadas as áreas de uso técnico do hotel ou áreas de apoio a outras edificações do conjunto, como no caso de uma sala de refeições projetada para ser utilizada pelos moradores da fazenda. Uma grande área de descargas, de forma circular, conecta-se a um espaço de refeições que serve ao condomínio do empreendimento. Rampas internas dão acesso a salas de manutenção, e ao amplo programa de uso dos funcionários. Por fim, de forma semelhante ao pavimento térreo, as áreas de depósito que não possuem relação com as visuais, são posicionadas ao nordeste do projeto. Dado que esta tipologia de empreendimento busca atrair visitantes que tem como interesse uma estadia calma e similar as experiências de uma casa de campo, os materiais da parte interna são atenciosamente escolhidos. A madeira, presente no forro, estrutura, paredes e esquadrias, tem como matéria prima a perobinha mica, o goiabão, o ipê e o freijó, árvores que tem sua tonalidade quente acentuada por processos que visam aumentar a sensação de calor e aconchego. O mobiliário em couro, madeira e fibras naturais, acompanha a amena rusticidade dos ambientes e em contraponto, materiais mais claros como concreto, e as paredes de massa corrida são adicionados para equilibrar a estética do espaço interno. 59
Figura 19. Interiores do duplex. Fonte: Fernando Guerra.
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Figura 20. Lobby do hotel. Fonte: Fernando Guerra.
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Figura 21. Mรณdulos do hotel. Fonte: Fernando Guerra.
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Figura 22. Vista de um dos mรณdulos. Fonte: Fernando Guerra.
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Figura 23. Vista aĂŠrea. Fonte: Felipe Russo.
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3.3 Mercado PĂşblico de FlorianĂłpolis 65
De maneira a entender os primeiros contatos de Santa Catarina com estabelecimentos de uso gastronômico, estuda-se não apenas o projeto, mas também os fatores que levaram este a ser construído. A partir do fim do século XVIII, por meio de balcôes, barraquinhas, quiosques ou até mesmo em canoas, os mercadores da atual Florianópolis reuniam-se em frente a praça hoje chamada de XV de Novembro, para vender alimentos oriundos principalmente da pesca nos arredores da ilha. (JORGE, 1996)
Figura 24. Imagem de satélite. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
Figura 25. Vista da área de alimentação. Fonte: Felipe Russo. 66
Em 1834 a regência ordenou a destruição das barraquinhas, ordem que não foi cumprida. Neste episódio, podemos perceber a importância das barracas: como se pode imaginar, a vida social e econômica da cidade, na época, girava em torno dessas barraquinhas. Apenas em 1845, ainda que provisoriamente, algo foi feito. Viria à cidade D. Pedro II, e em decorrência de sua estadia no Palácio do Governador, as barraquinhas seriam removidas da praça – que ficava em frente ao palácio – e poderiam voltar assim que o imperador partisse. Desse modo garantiria uma vista mais higienizada da cidade, passando assim uma impressão de cidade grande e organizada. (YAMAMOTO, 2008)
As disputas em torno das decisões relacionadas ao comércio nesta região, tiveram tamanha representatividade que culminaram na criação de movimentos sociais e dos dois primeiros partidos políticos da atual cidade. Ainda durante o século XIX é eleito representante da província um jovem chamado Joaquim Augusto do Livramento, este
por possuir negócios próximos a praça onde ficavam os mercantes, tinha como interesse a construção de um Mercado Público no local. (YAMAMOTO, 2008) Foi construído em 1851 e era um bloco de quatro faces, retangular, com uma porta em cada lado, com quatro pares de olhos de boi nas faces mais extensas, e de dois, nas menores. Os cantos eram ornados com um jarrão de alvenaria e a platibanda do lado que fazia frente para a praça era enfeitada por um tímpano bastante simples, situado sobre a sua porta principal. O telhado era baixo, achatado, de telhas goivas e havia um pátio inferior com pavimento de lajes de pedra. (CABRAL, 1979)
No final do século XIX, após a proclamação da república, juntamente com a mudança do nome da cidade de Nossa Senhora do Desterro, para Florianópolis, um novo Mercado Público é construido, no local onde se encontra até os dias de hoje. (YAMAMOTO, 2008) Mesmo tendo uma de suas fachadas voltada para uma via de fluxo intenso, o entorno do mercado possui vias peatonais e passeios de boas dimensões que garantem a indiscutível apropriação do espaço. Comércios e principalmente bancas de comida, fazem do local um dos mais movimentados do centro florianopolitano. A variedade de preços, a democracia de um espaço aberto, o cheiro dos frutos do mar e os gritos dos vendedores, anunciam não apenas um alimento, mas também a preservação da memória dos primeiros mercadores que lutavam pela permanência de suas barraquinhas.
Figura 26. Vista interna da nova cobertura. Fonte: Felipe Russo.
Figura 27. Imagem da fachada externa. Fonte: Esse mundo é nosso. 67
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Figura 28. Edificação do entorno. Fonte: do autor. >
4. Características do entorno 69
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As edificações do entorno possuem no uso residencial a sua tipologia predominante, as poucas edificações de uso misto, comercial ou institucional, não são suficientes para suprir as necessidades de emprego e lazer desta população, que se desloca diariamente até o centro de Balneário Gaivota e o município de Sombrio, para suprir suas necessidades básicas. Em parte isto se deve ao fato de que mesmo recebendo um grande número de turistas durante a temporada de verão, a diminuta população local, não atinge os números mínimos para que se desenvolva um Plano Diretor de acordo com o Estatuto
da Cidade, e a inexistência desta ferramenta, dificulta a criação de centralidades em regiões mais afastadas. De maneira conexa aos usos, as edificações em sua maioria não possuem mais que 1 pavimento de altura, sendo então as alturas superiores a 2 ou 3 pavimentos um elemento de distinção visual entre as tipologias de uso. Percebe-se também que ocorre uma maior verticalização apenas junto a principal via da região, aspecto positivo, visto que, permite a visualização da lagoa até mesmo por aqueles que se encontram em pontos de observação mais afastados.
Figura 29. Mapa dos usos. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
Figura 30. Mapa das alturas. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor. 71
Figura 31. Edificação de três pavimentos no entorno imediato. Fonte: do autor.
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No entorno imediato predominam os espaços verdes. Mesmo que o município ainda não possua uma legislação específica a respeito de afastamentos, de maneira orgânica criaram-se núcleos de vegetação entre as edificações e nos miolos de quadra. Este tipo de postura ocorre, devido a apropriação do espaço pela população local, que por meio de frases e símbolos presentes em placas e mobiliários feitos de forma artesanal, enfatiza que este é um espaço que pertence a todos, e as ações que ali ocorrerem refletirão em toda a comunidade. Identifica-se então através dos vazios urbanos e a preservação dos mesmos,
que a importância da lagoa já encontra-se presente no inconscente coletivo, cabendo ao poder público apenas administrar e auxiliar as ações que já estão acontecendo. As vias locais apresentam alguns problemas de continuidade, sendo estas interligadas através da Rodovia José Tiscoski, via coletora responsável por conectar o trânsito da Região da Lagoa de Fora à BR-101 — ao oeste — e à Rodovia Interpraias — ao leste — do sul de Santa Catarina. Sendo um ponto de conexão entre duas importantes regiões, constata-se que as proximidades desta via possuem um grande potencial de investimento.
Figura 32. Vazios urbanos. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor.
Figura 33. Hierarquia viária. Fonte: Google Earth. Adaptado pelo autor. 73
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5. Partido arquitetĂ´nico 75
5.1 Conceito. Valorização da cultura, identidade e natureza da região.
Figura 34. Intervenção feita pela comunidade local. Fonte: do autor.
5.2 Diretrizes. As diretrizes adotadas para o desenvolvimento do projeto são as de manter inserida a comunidade local, sendo a apropriação do espaço pela mesma um dos motivos de criação da presente proposta. Incentivar a geração de empregos e valorizar a história e identidade do estado de Santa Catarina, através de experiências nos equipamentos de cultura, gastronomia e lazer, sendo todas estas, intervenções arquitetônicas criadas também para introduzir no inconsciente coletivo a importância da preservação ambiental. 76
5.3 Programa de necessidades. O programa de necessidades surge a partir de uma análise das demandas da população, porém vislumbrando ter nos espaços de lazer não apenas um elemento de entretenimento por um curto período de tempo, mas uma forma de gerar empregos e beneficiar a comunidade permanentemente. As tipologias de uso, vinculam-se a pesquisa da história local e as formas de torná-la acessível a diferentes faixas de renda. Os usos diretamente ligados a cultura, permitem que o público em geral participe de atividades que o conectam com o seu passado, além de oferecer um novo espaço para atividades da pastoral, presente em um terreno vizinho. O comércio, gastronomia e hospedagem faz com que através de experiências gastronômicas e da interação com a natureza, o indivíduo possa de forma sútil compreender todos os elementos que moldaram a cultura contemporânea. Piscinas, salas de ginástica, salas multiuso e áreas de contemplação, garantem dinamicidade ao programa, possibilitando a criação de um clube de sócios que utilizam os equipamentos ali presentes, durante todos os períodos do ano, dessa forma gerando a renda necessária para a manutenção do complexo, mesmo em épocas em que ocorre uma menor circulação de pessoas. A grande quantidade de áreas destinadas a contemplação e lazer ao ar livre, faz do terreno de estudo um local de uso público e reflete a preocupação de que o projeto não resulte em uma gentrificação do espaço, hoje muito utilizado por todas as classes sociais.
1. ESPAÇO PÚBLICO PROGRAMA ÁREA DE CONTEMPLAÇÃO E LAZER AO AR LIVRE ÁREA TOTAL
QUANTIDADE 1
ÁREA (M²) 5500
USUÁRIOS FUNCIONÁRIOS E PÚBLICO
ÁREA TOTAL (M²) 5500 5500
2. COMÉRCIO PROGRAMA SANITÁRIOS SALA COMERCIAL ÁREA DE ESTAR ÁREA TOTAL
QUANTIDADE 1 1 1
ÁREA (M²) 80 80 360
USUÁRIOS CLIENTES, VISITANTES E FUNCIONÁRIOS CLIENTES, VISITANTES E FUNCIONÁRIOS CLIENTES, VISITANTES, FUNCIONÁRIOS E PÚBLICO
ÁREA TOTAL (M²) 80 80 360 520
2. LAZER E HOSPEDAGEM PROGRAMA LOBBY E CIRCULAÇÃO CIRCULAÇÃO VERTICAL ADMINISTRATIVO E APOIO COZINHA VESTIÁRIOS DOS FUNCIONÁRIOS SALA DE GINÁSTICA VESTIÁRIOS ÁREA TÉCNICA PISCINA ÁREA EXTERNA SUÍTE PADRÃO SUÍTE COM VISTA PARA A LAGOA ROUPARIA ÁREA TOTAL
QUANTIDADE 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 5 9 1
ÁREA (M²) 250 30 30 65 65 80 80 200 200 200 30 40 30
USUÁRIOS HÓSPEDES, MENSALISTAS E FUNCIONÁRIOS HÓSPEDES E FUNCIONÁRIOS FUNCIONÁRIOS FUNCIONÁRIOS FUNCIONÁRIOS HÓSPEDES E MENSALISTAS HÓSPEDES E MENSALISTAS FUNCIONÁRIOS HÓSPEDES E MENSALISTAS HÓSPEDES, VISITANTES, FUNCIONÁRIOS E PÚBLICO HÓSPEDES HÓSPEDES FUNCIONÁRIOS
ÁREA TOTAL (M²) 250 60 30 65 65 80 80 200 200 200 150 360 30 1770
3. CULTURA E INSERÇÃO SOCIAL PROGRAMA SALA MULTIUSO SANITÁRIOS ÁREA EXTERNA ÁREA TOTAL
QUANTIDADE 1 1 1
ÁREA (M²) 280 80 160
USUÁRIOS MORADORES, FUNCIONÁRIOS E VISITANTES MORADORES, FUNCIONÁRIOS E VISITANTES MORADORES, FUNCIONÁRIOS E VISITANTES
ÁREA TOTAL (M²) 280 80 160 520
4. GASTRONOMIA PROGRAMA COZINHA ÁREA DE DEGUSTAÇÃO SANITÁRIOS ÁREA EXTERNA ÁREA TOTAL
QUANTIDADE 3 1 1 1
ÁREA (M²) 80 160 80 430
USUÁRIOS FUNCIONÁRIOS CLIENTES E FUNCIONÁRIOS CLIENTES E FUNCIONÁRIOS CLIENTES E FUNCIONÁRIOS
ÁREA TOTAL (M²) 240 160 80 430 910
DEMANDA 1•2•3•4
ÁREA TOTAL (M²) 9220
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Figura 35. Implantação da situação atual e da proposta de alterações. Fonte: do autor. 78
5.4 Intervenções. A área de intervenção compreende três lotes que possuem 20 metros de testada e entre 180 a 215 metros de comprimento, e duas vias do entorno. Cria-se a proposta a partir de uma possibilidade real de investimento, onde o proprietário do menor lote, compraria os dois terrenos vizinhos para a implementação da proposta que aqui será apresentada. Devido ao aumento de circulação ocasionados por um equipamento de grande porte, propõe-se o alargamento da via se apropriando da distância entre as edificações e a rua, além de doar 1,5 metro de frente e 15 metros de toda parte oeste do terreno, requalificando a via que ali se encontra. Através de um lançamento das dimensões necessárias para estas modificações, identificou-se os elementos a serem retirados, possibilitando assim, uma compensação precisa de todas as mudanças feitas na vegetação. Apresenta-se que 29 árvores foram catalogadas, destas, 16 foram mantidas, 13 retiradas, e 22 novas árvores foram plantadas, sendo estes números referentes ao terreno e toda área de intervenção. As alterações da via permitem que sejam criadas 100 vagas de estacionamento e mais 4 vagas destinadas aos ônibus de turismo, sendo
Figura 36. Árvores presentes no entorno. Fonte: do autor.
estas, criadas também para garantir o conforto dos que praticam esportes aquáticos na lagoa, e por vezes têm a necessidade de utilizar equipamentos armazenados no veículo. Ressalta-se também que a configuração de via adotada, permite que as vagas de estacionamento encontrem-se perpendiculares a caixa viária, gerando maior facilidade as manobras e o melhor aproveitamento do espaço. Em alguns locais, a área destinada aos veículos torna-se uma faixa de vegetação que integrada ao passeio de 5 metros faz da calçada um elemento de requalificação e um local confortável para a prática de exercícios.
Figura 37. Implantação da proposta e análise da vegetação mantida. Fonte: do autor. 79
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Figura 38. Diagrama da insolação sobre o terreno. Fonte: do autor.
Figura 39. Primeiro diagrama de evolução volumétrica. Fonte: do autor.
5.5 Diagramas. O espaço vazio, poético, arquétipo universal do local de reflexão, solicita que a arquitetura ali inserida mimetize as curvas do terreno, que através das diferenças de pavimentos, integre-se a paisagem, como as montanhas se integram aos campos. Plataformas sempre elevadas do solo, fazem da arquitetura um elemento leve, que abaixo de suas estruturas sólidas possui vida, a vegetação e os animais respirando e recostando-se abaixo de lajes que agem como abrigos. A estratégia de elevação dos elementos arquitetônicos, possibilita que estes, sejam feitos de Madeira Laminada Colada (MLC) material que integra-se as cores e texturas da vegetação existente, permitindo assim a leveza
estética solicitada por este projeto. Um primeiro bloco é posto na cota mais alta do terreno, sendo este ali posicionado para proporcionar integração daqueles que passarem pela rodovia com o complexo arquitetônico. Um pouco abaixo, outro bloco é posicionado, este devido a declividade do terreno permite que o observador, quando no segundo pavimento, visualize as atividades de todo o complexo, além de ter sempre a Lagoa de Fora como seu plano de fundo. Dois outros blocos são situados nas cotas mais baixas, sendo que o mais próximo a lagoa é destinado aos usos que possuem a maior necessidade de interação com a paisagem, e o outro por sua posição intermediária, atua como
Figura 40. Segundo diagrama de evolução volumétrica. Fonte: do autor.
Figura 42. Diagrama final de evolução volumétrico. Fonte: do autor.
Figura 41. Vista da via interna de acesso ao terreno. Fonte: do autor.
Os espaços criados entre as edificações, fazem das estratégias de partido, uma forma de afirmação dos cuidados para que esta não venha a se tornar uma área de segregação, não agindo apenas como um elemento integrador dos diversos tipos de público que frequentam o local, mas também aumentando o contato entre os visitantes e a natureza. Mesmo em locais onde não há uma relação direta com a lagoa, o observador terá em seu campo de visão uma grande área de vegetação, esta ação projetual garante a cada uma das edificações uma área exclusiva de lazer e permanência, fazendo que não sejam necessários grandes deslocamentos até que se encontre um local de calma e reflexão. 81
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Figura 43. Diagrama dos espaços e caminhos públicos. Fonte: do autor.
Figura 44. Diagrama de acessiblidade universal. Fonte: do autor.
Os caminhos integram-se ao passeio público, tornando-se parte dele, seu desenho, com várias faixas de circulação, permite que entre elas, subdivisões sejam criadas, permitindo a diferenciação sutil dos diversos usos presentes na área de vegetação. A inclinação de todos estes caminhos, foi calculada de modo que garanta a acessibilidade universal em todas as partes do complexo, tornando esta, uma proposta não apenas de integração entre classes, mas sim um exemplo de que a inserção na arquitetura não ocorre apenas através da adaptação de banheiros ou caminhos táteis, mas sim por meio de um projeto que desde o primeiro momento é pensado para todos.
Figura 45. Condições atuais da via de acesso lateral. Fonte: do autor.
Figura 46. Diagrama de classificação dos usos. Fonte: do autor.
Figura 47. Diagrama de demonstração da materialidade. Fonte: do autor.
Definem-se então os usos de cada um dos blocos. Na cota mais alta, distribui-se a parte comercial do programa de necessidades, fazendo que a zona em que o complexo se encontra junto a rodovia mantenha-se sempre ativa, e através dos usos, possibilite uma interação permanente com a praça aos fundos deste bloco. Os equipamentos de lazer e hospedagem estão posicionados de modo que possuam o devido afastamento das zonas com maior poluição sonora, porém, garantindo que ainda assim, os usuários desta parte do complexo tenham uma visão privilegiado da lagoa e de pontos estratégicos do conjunto arquitetônico. O bloco de cultura e inserção social está em um
local onde possibilita a apropriação do espaço por parte da comunidade e também atua como um divisor de diferentes tipologias do programa de necessidades. Por fim, o bloco mais próximo a lagoa absorve os espaços destinados a gastronomia, uma vez que este será o ponto com o maior número de pessoas, faz-se necessária uma maior interação com o principal elemento do entorno. A materialidade reflete a simplicidade com que o partido é resolvido, o concreto aparente foi escolhido para os caminhos, rampas e escadas, para os fechamentos, optou-se por utilizar vidro e madeira aparente, sendo este último material uma referência as primeiras construções feitas pelos colonizadores vindos da Alemanha e da Polônia. 83
Figura 48. Implantação. Fonte: do autor. 84
5.6 Implantação. Resultante de todas afirmações feitas até o momento, a implantação deste complexo de uso misto destaca a relação do conjunto com o entorno, a quantidade de vazios e vegetação presente no terreno, repete os padrões de densificação presentes em toda a área. Observa-se por esta vista, a efetividade dos caminhos em conectar as edificações ali projetadas, porém é destado que a criação destes eixos arborizados não ocorre apenas pela necessidade de gerar-se um elemento de conexão, mas sim para aqueles que ali circularem, desfrutarem de experiências vinculadas a sua identidade. Estes encontrarão árvores que dão os mesmos frutos trazidos por colonizadores da Itália e Alemanha, além de conhecerem as espécies que geravam suprimentos para os povos nativos. Estes espaços proporcionam também a exposição de conhecimentos muitas vezes restritos a uma pequena parcela da população, e em consonância com a vocação comercial do município, estimula-se nestes vazios, o acontecimento de eventos que evidenciem os produtos feitos pela população local, contribuindo assim para uma economia mais sólida e sustentável.
Figura 49. Vista da lagoa. Fonte: do autor.
Figura 50. Via principal. Fonte: do autor.
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Figura 51. Planta baixa do bloco de uso comercial. Escala 1.250. Fonte: do autor. 1. Sanitários 2. Café
5.7 Zoneamento interno. Mesmo que apresente a menor parte do programa de necessidades e uma planta extremamente simples, esta edificação de uso comercial, possui elevada importância para o êxito do projeto, sendo esta a única relacionada com a via principal, é responsável por despertar curiosidade naqueles que ali estiverem circulando. Suas características foram pensadas de forma que seja utilizada durante todos os períodos do dia e torne-se um dos principais pontos de encontro da comunidade, dado que a presença de clientes neste local, torna todo o complexo mais seguro e convidativo. Neste bloco encontra-se um Café de 160 metros quadrados, sendo este constituído apenas por uma sala de planta livre e um módulo de sanitários. A predominância dos vazios criados na volumetria resulta em um aumento da permeabilidade visual e integra estes espaços com as áreas abertas, localizadas ao fundo do estabelecimento, permitindo também observar-se ao longe os diversos usos do complexo de edificações. 85
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Figura 52. Pavimento térreo do bloco de hospedagem. Escala 1.250 Fonte: do autor. 3. Lobby e circulação 4. Sala de ginástica 5. Vestiários 6. Administrativo e apoio 7. Circulação vertical 8. Depósito de lixo 9. Câmara fria 10. Depósito seco 11. Antecâmara de higienização 12. Cocção 13. Lavanderia 14. Piscina
Destinado não apenas aqueles vindos de regiões mais afastadas, esta edificação possibilita aos moradores mais próximos, um momento de descanso e lazer. A disposição dos usos é pensada de forma que o visitante ao olhar para a parte externa, esteja sempre em contato com a lagoa e grandes áreas arborizadas. No pavimento térreo encontra-se a recepção, esta possui um pé-direito 86
duplo e é conectada diretamente ao bloco administrativo, responsável por todo o conjunto. Os equipamentos de lazer são posicionados de modo que possam ser acessados não apenas pelos hóspedes, mas também por assinantes, que após identificarem-se na recepção podem frequentar as áreas de uso comum do edifício, gerando renda para o complexo, mesmo em épocas onde ocorre um menor fluxo de pessoas. Em razão dos ruídos produzidos, os espaços de apoio e serviço, como lavanderia, cozinha e vestiários dos funcionários, localizam-se predominantemente neste mesmo pavimento, e estão estrategicamente posicionados próximos a circulação vertical. No segundo pavimento encontram-se as suítes, estas possuem duas tipologias, cada uma delas projetada para um público específico. A maior, com capacidade para até quatro pessoas, é direcionada principalmente para hospedagem de grupos familiares, não apenas pela sua capacidade, mas também por situar-se em um local de maior silêncio e possuir vista para a lagoa. Por sua vez, a menor é projetada para no máximo duas pessoas, buscando atrair um público de uma baixa faixa etária,
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Figura 53. Segundo pavimento do bloco de hospedagem. Escala 1:250. Fonte: do autor. 7. Circulação vertical 15. Suíte 16. Rouparia 17. Suíte com vista para lagoa 18. Circulação
e deste modo, conecta-se visualmente ao bloco de uso comercial, propiciando a interação dos hóspedes com os frequentadores do Café. As medidas deste pavimento foram de grande importância para a definição do pré-dimensionamento de todas as edificaçãos do complexo, visto que utilizam a mesma tecnologia construtiva, a malha estrutural destes blocos é resultado do afastamento entre os módulos das suítes, fazendo assim com que as peças estruturais sejam fabricadas em série, possibilitando uma maior economia e agilidade no decorrer da execução. 87
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Figura 54. Planta baixa do bloco de uso cultural e da pastoral. Escala 1.250. Fonte: do autor. 1. Sanitários 19. Sala multiuso
Quando observadas as edificações do entorno, percebeu-se não apenas a existência de uma comunidade de baixa renda, mas também elementos que representavam a união e organização da mesma. Um destes é uma grande edificação destinada aos usos de uma pastoral. O volume que abriga este equipamento não tem as dimensões e caraterísticas adequadas ao programa de necessidades, e assim sendo, traz-se a comunidade para as dependências do complexo através da transferência da sede desta instituição. Compreende-se através de conversas com a população, a necessidade de se projetar um espaço onde uma planta livre de elementos estruturais, permita a adaptação a diversas dimensões de eventos. Um módulo de sanitários é poscionado de jeito que, quando necessário o bloco torne-se um centro de convenções, sendo este alugado para gerar renda, destinada a manutenção e melhoria dos espaços públicos próximos a lagoa. 88
Figura 55. Equipamento público. Fonte: do autor.
Figura 56. Vista da pastoral. Fonte: do autor.
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Figura 57. Planta baixa do bloco de uso gastronômico. Escala 1:250. Fonte: do autor. 1. Sanitários 20. Cozinha 21. Área de degustação
Os desafios de se projetar unificando os interesses culturais, sociais e econômicos culminaram na escolha da gastronomia como elemento unificador desses três componentes. Posicionou-se a edificação de frente para a lagoa, integrando-se aos espaços de lazer e as águas da lagoa. Aos fundos três módulos de cozinha são criados, em referência a culinária nativa, ítalo-germânica e açoriana. Um espaço de degustação conecta-se aos sanitários por meio de uma grande área aberta, também destinada a espaços de alimentação e convívio. 89
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Figura 58. Corte longitudinal. Fonte: do autor. >
5.8 TĂŠcnicas construtivas 91
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Paredes estruturais de CLT (Cross Laminated Timber) repousam sobre pilares de MLC (Glulam) dispostos em uma malha de 4 x 10 metros. As lajes possuem um balanço de 1,5 metro, de modo que se crie uma demarcação dos pavimentos, e uma proteção solar para as áreas técnicas, muitas vezes situadas ao noroeste. Buscando um baixo impacto ambiental, optou-se pelo uso da madeira, visto que quando comparado a outros sistemas construtivos, este é o que menos emite gases poluentes na atmosfera do planeta. O fato de os edifícios do complexo serem projetados em módulos, que tem como base as medidas da suíte do hotel, foi outro fator determinante para que se utilizasse um sistema de construção a seco. Avaliou-se também as questões estéticas, já que o material possui aparência similar àqueles utilizados pelos primeiros colonizadores que vieram da Europa.
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6. Considerações finais Em um país onde segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 30 por cento da população nunca comprou um livro, é de suma importância trazer para o cotidiano, principalmente de populações mais carentes, ensinamentos a respeito da cultura regional. Identificou-se durante o desenvolvimento deste trabalho que há no local uma grande identificação com a cultura dos Açores e da Europa em geral. Porém, esta mesma população parece por vezes desconhecer que nos limites onde hoje se localiza o município, já existiram tribos indígenas. Desta forma, desenvolveu-se de maneira realista com base em dados econômicos recentes, uma proposta que unificando as necessidades culturais e financeiras, valoriza as marcas do passado. 95
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