DESDE O PRIMEIRO MOMENTO

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Desde o primeiro momento

Desde o primeiro

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Mayara Oliveira Mendonça

Créditos Desde o Primeiro Momento Realização E.E.F.M. Egídia Cavalcante Chagas Organização Centro de Multimeios da E.E.F.M. Egídia Cavalcante Chagas Coordenação Professora Maria Vilaneuda da Silva Revisão Professora Valéria Maria de Oliveira da Silva

MENDONÇA, Mayara Oliveira Desde o primeiro momento, 148 págs. Morada Nova, Ceará, 2012, Ficção. Literatura Infanto-juvenil

CDD 028.5

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Epígrafe

“ Desde o dia em que eu te vi, meu caração bateu por ti, foi tão lindo o que senti, você foi tudo pra mim...” Pâmela

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Dedicatória

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Aos meus amigos, especialmente àqueles que acreditam num verdadeiro amor. À Escola Egídia, que me apoiou, acreditando em meu potencial. A todos que lutaram e contribuiram para que esse sonho se tornasse real.

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Prólogo

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O trânsito estava horrível, as ruas estavam lotadas, início de férias é sempre a mesma coisa, pessoas indo e outras vindo. Quando consegui chegar em casa, já estava exausta, guardei o carro na garagem e entrei. Minha filha, Maria Clara, estava sentada no sofá e ao me ver, correu para os meus braços e se desmanchou em lágrimas: Mamãe, não aguento mais, o Júnior terminou comigo de novo e tudo isso só para ficar com a Luciana. E ainda disse que não gosta mais de mim. Abracei minha filha forte, me sentei com ela no sofá e falei: - Olha, minha filha, eu te entendo, mas não fique assim por uma pessoa que não te merece, se não deu certo, é porque tem algo muito melhor esperando por você. Vou te contar minha história que é muito parecida com a sua.

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CapĂ­tulo I

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Entrei no meu quarto, bati a porta atrás de mim e me atirei sobre o travesseiro, encharquei-o todo com lágrimas quentes. Lágrimas que insistiam em rolar no meu rosto. Lágrimas de dor, de desprezo. Presa em minha solidão, murmurei para mim mesma: – Como Calebe pode me humilhar dessa maneira? O que eu fiz para merecer isso? Eu que faço tudo por ele! Naquele momento, me senti a pessoa mais ridícula do mundo. Chorar por alguém que não me dava à mínima, que não perdia uma oportunidade de me passar na cara os meus erros e meus defeitos. Quem ele pensava que era? Fazia isso porque nunca se sentia desprezado. Ah! Como eu queria mudar de vida! Mas como, se eu não tinha forças para lutar contra o meu coração? Eu não me entendia mais, minha vida estava cheia de incertezas, cheia de interrogações. Levantei da cama e fui até a janela. O céu estava lindo! Olhei para uma estrela e tive a impressão de que ela queria me falar algo, pois brilhava como nenhuma outra. Fiquei ali parada observando o céu. Sentia-me sozinha, queria alguém para conversar, para desabafar. No momento, lembrei-me de Lupita, uma grande amiga, mas não era o momento certo de contar-lhe meus problemas, pois ela estava passando uma grande crise em casa. Seus pais brigavam sem parar, morria de medo que eles se separassem de vez. Isso a deixava aterrorizada. Certa vez, ela me contou que não suportaria viver sem o pai dentro de casa, que um lar para ser feliz precisava estar completo. Logo ela que era muito apegada aos pais, passando por uma situação dessas. Presa em meus pensamentos nem percebi o passar das horas. Faltavam menos de dez minutos para as nove horas da noite. Como não estava a fim de ficar ali parada, tentei afastar da mente aqueles pensamentos e fui para o banheiro, tomei um banho bem demorado. Era como se aquela água fria arrancasse de dentro de mim todas as minhas preocupações. Ao sair, já me sentia melhor. Botei uma roupa leve e fui para a cozinha comer alguma coisa. Comi apenas um sanduíche com suco, pois antes de ir para a festa da Quézia com Lia e Brenda, eu já havia jantado, já fazia um bom tempo, mas não estava com muita fome. Se eu soubesse que iria encontrar o Calebe por lá, teria me aguentado em casa, ocupando-me em ler meus romances, mas eu ia saber? O que me dava mais raiva no Calebe era que ele não sabia o que queria, pois em tudo conseguia achar defeito. Já que não me queria, por que não falava de uma vez e me deixava em paz? Mas que saco! 11


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Tinha dias que eu estava pronta para lhe dizer umas verdades, mas ele vinha bem mansinho, todo sorridente e me desarmava toda. E assim ria feito uma boba das brincadeiras sem graça dele. Ah, como eu era idiota! O que custava dar-lhe umas tapas? Mas até parece que eu tinha coragem para isso, era tão mole que não matava nem uma mosca. Calebe tinha a mania de implicar comigo, acredita que ele vivia me dizendo para tomar cuidado pra não voar? Vê se pode! E é porque eu nem era tão magra assim. Eu é que não ia engordar só para ele parar de implicar comigo. Tô fora! Posso até imaginar o que ele falava da Marília. Coitada, se não tomasse cuidado era capaz de ser confundida com uma vassoura. Fui interrompida em meus pensamentos pela voz da mamãe ecoando do seu quarto: – Fernanda, quando for se deitar, não se esqueça de dar uma olhadinha nas janelas e de trancar a porta da sala. Eu e seu pai já vamos dormir, tivemos um dia muito cansativo. – Tudo bem, mamãe – respondi. Como não estava com sono, fui até a sala, sentei no sofá e liguei a TV. Procurei algum livro que prestasse e para minha sorte encontrei um romance bem engraçado. Não sei dizer se ri ou se chorei mais, pois era uma graça. Tinha um cara que queria beijar a força uma mocinha e ela lhe deu uma “bolsada” tão forte na cabeça que ele ficou lá, estatelado no chão. Depois não vi mais nada, pois acabei adormecendo ali mesmo no sofá. Acordei mais tarde morrendo de frio e com o clarão da TV em meu rosto. Desliguei o aparelho e fui direto para meu quarto. Ao me deitar na cama, senti o travesseiro molhado e só lembrei que foram minhas lágrimas. Nem liguei, estava morta de sono. Fiquei feito uma pedra sobre a cama. Só acordei no outro dia com a voz de mamãe a me chamar: – Acorda Fernanda, é segunda-feira, tem que ir para o colégio. Que saco! Levantei morrendo de preguiça. Tomei um rápido banho, me vesti, merendei, coloquei minhas coisas na bolsa e corri para o carro onde mamãe me esperava. Saímos em disparada, já estava mais que atrasada. Odeio chegar atrasada. Cheguei ao colégio e fui direto para a sala. A professora de português já havia entrado, pedi licença e entrei morrendo de vergonha. Odeio quando todo mundo fica olhando para mim. Senti vontade de perguntar o que eles estavam olhando, mas preferi ficar calada. Sentei na minha cadeira e comecei a copiar o conteúdo que estava escrito na lousa. Logo depois, 12


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percebi que alguém estava me cutucando, olhei e vi que era o Beto. Tinha que ser ele! Eu gostava muito dele, mas tinha horas que ele se tornava insuportável. Perguntei baixinho o que era e ele disse: – Quero falar com você. – Sobre o quê? – perguntei. – Depois eu falo. Você vai a pé hoje? – Acho que vou, preciso passar na casa da Lupita. – Posso ir com você até a praça? Como estava um pouco curiosa para saber o que era, respondi: – Claro, é bom que eu não irei sozinha. Ele falou mais alguma coisa, mas não ouvi, pois a professora percebeu a conversa e nos mandou fazer silêncio. Por incrível que pareça, a sala estava tranquila. Era de admirar uma sala de primeiro ano onde só tinha adolescentes agitados, fazendo silêncio. Não sei se era porque quase todo mundo estava tirando notas baixíssimas em português. Exceto eu que só tirava notas boas. Adorava produção textual e isso me ajudava bastante. Quando terminei de copiar os exercícios, já estava com os dedos doídos de apertar a caneta. A sirene tocou para o recreio e eu fui pagar minha merenda. Fiz o possível para terminar logo, pois ainda queria ir à biblioteca. Precisava entregar um livro e pegar outro para ler. Quando cheguei lá, advinha quem eu encontrei? O Calebe! Ele estudava no mesmo colégio que eu, só que fazia o segundo ano. Não sei por que, mas quando o via me dava vontade de voltar para trás. Ele me deixava sem graça com aquele olhar. Vi que ele estava com um grosso livro de terror e perguntei: – Não tem medo de ler isso? Pra quê perguntei, ele começou a rir e disse: – Por acaso está me achando com cara de criança medrosa? Ai que raiva! Não consegui responder nada e fui atrás de um livro nas estantes. Não aguentava mais ficar ali, peguei qualquer um e me dirigi até a bibliotecária para entregar o outro e registrar aquele no fichário. Saí e nem olhei para o Calebe. Será que meu amor por ele estava se transformando em raiva? Melhor que fosse. Como fui gostar de uma pessoa tão orgulhosa! Fui para a sala, ainda esperei um bom tempo até que o professor de História chegasse.

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CapĂ­tulo II

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Ao sair no portão, senti uma mão no meu ombro, me virei e vi que era o Beto. – Ah, é você. Ele sorriu e vi que seu sorriso estava ainda mais lindo. – Vamos andando? – ele perguntou. Depois pegou minha mochila e a levou por mim. Andamos um bom pedaço e eu não vi nada de importante na nossa conversa, mas fiquei calada. Quando chegamos à praça, falei: – Agora, eu preciso ir. Quando ia me retirando, ele pegou na minha mão e disse: – Espere, tenho algo que preciso te contar. Fiquei olhando-o um pouco e vi que estava um tanto nervoso. Ele tomou a iniciativa e falou: – Eu preciso te contar logo, não suporto mais ficar calado. Por favor, Fernanda, me escuta, me ajuda. Eu já tinha até uma ideia do que podia ser e continuei escutando. Ele me convidou a sentar num banco, a sombra de uma árvore e continuou: – Fernanda, quando eu te conheci, te achei a pessoa mais legal deste mundo. Quis fazer amizade contigo e até consegui, mas essa amizade se transformou em algo mais forte. No começo, quis ignorar, mas agora não posso mais me enganar, eu gosto tanto de você. Eu te amo, Fernanda. Fiquei paralisada sem saber o que fazer e nem o que dizer. Depois de alguns minutos, falei: – Olha Beto, você me pegou de surpresa. Não estou preparada para decidir nada agora, ando tão confusa comigo mesma que acho melhor pensar um pouco. Você é uma pessoa genial, sempre consegue o que quer. Eu não quero te magoar, por favor, me dê um tempo para me decidir. Ele me olhou e falou: – Te dou o tempo que quiser, mas pense direitinho, tá bom? – Claro, vou pensar. Agora eu preciso ir. Ele beijou minha mão e eu parti. Para chegar à casa da Lupita, precisaria atravessar a rua. Como já era hora do almoço, deixei para passar lá à tarde. Fui o caminho todo pensando no que o Beto havia me falado. Até que ele era bonito. Tinha os olhos claros, o cabelo preto, era alto e tinha um corpão. Não era mais bonito que o Calebe, mas em compensação era mais cavalheiro. Além disso, Calebe se achava o mais poderoso do mundo, só porque era bonito e os pais tinham boas condições financeiras. Cheguei em casa subi para meu quarto, estava com muita fome e logo desci para a cozinha. Mamãe e papai já estavam a mesa e quando me vi17


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ram, ela perguntou: – Por que você demorou hoje, Fernanda? – É porque passei na casa da Lupita. Ela não foi para aula e precisava lhe dar um recado da Quézia. Menti. Certo que ela não foi para o colégio, mas eu não passei por lá, nem deixei recado nenhum. Mamãe acreditou e acrescentou: – Então, coma logo, que a comida já deve estar fria. Sentei-me à mesa e comi calada. Acho que mamãe não percebeu que eu estava em outro mundo. E se percebeu, não comentou nada. Fui a última a terminar depois que repeti a refeição. Levantei e subi novamente para meu quarto. Pulei em cima da cama, peguei o livro que havia pegado no colégio e comecei a lê-lo. No momento, lembrei-me de mamãe que costuma dizer: – Fernanda, não devemos terminar de comer e pegar um livro para ler, porque faz mal. Nem liguei. Estava começando a gostar do livro. Que sorte a minha! Tanto livro que tinha na biblioteca e de primeira peguei logo um bom! Ele tinha como título “O fruto do nosso amor”. Li um bom pedaço, mas parei logo em seguida, pois meus olhos ardiam. Passei o livro sobre meu peito e fiquei ali olhando para o teto. Fechei meus olhos soltando uma interrogação: “Ai, meu Deus, que eu faço?”. Fiquei um bom tempo pensando na vida. À minha volta só se ouvia o ruído dos carros nas ruas. Petrópolis era uma cidade calma e muito bonita. Comecei a sentir sono. Tentei não pensar em nada, para ver se conseguia dormir, mas só depois de uma meia hora, adormeci. Enquanto dormia, várias coisas aconteceram em frente à minha casa. Acordei com uma multidão fazendo barulho. Levantei da cama atordoada e fui até a janela. Quando cheguei, quase caí para trás. Vi aquela mancha vermelha no chão: um homem estirado no calçamento e uma multidão ao seu redor, falando todos ao mesmo tempo. Não consegui entender nada. Lavei o rosto e desci as escadas correndo. Encontrei mamãe no corredor e perguntei: – O que aconteceu lá fora, mamãe? – Um homem foi atropelado enquanto atravessava a rua. Acho que o motorista estava bêbado. – O homem está morto? – perguntei. – Acho que não. Levou uma pancada forte na cabeça, mas está vivo. Dei um passo à frente e disse: – Vou lá fora ver. 18


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– Cuidado! Não chegue muito perto. – Tá bom! Quando cheguei lá, o homem estava sendo colocado em uma ambulância para ser levado ao hospital. Olhei para o chão e tive vontade de vomitar, meu estômago embrulhou e, quase desmaiei. Não suporto ver sangue. Entrei em casa muito mal, mamãe, ao perceber, preparou um copo de água com açúcar para eu tomar. Estava nervosa, mas logo me senti melhor. Lembrei que precisava falar com Lupita. Já eram quatro horas da tarde e falei para Mamãe: – Vou até a casa da Lupita, tenho umas coisas para resolver, mas volto logo. – Já se sente melhor? – Já, foi só uma crise. – Não vai comer nada antes de sair? – Ah, boa ideia. Esperei que mamãe me fizesse um suco e tomei-o com bolacha. Quando ia saindo na porta, mamãe ainda falou: – Cuidado ao atravessar a rua! Só de lembrar-me do acontecimento minutos antes, estremeci: – Claro, mamãe. Agora, mais do que nunca, ia ter cuidado ao atravessar as ruas.

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Apertei a campainha e alguém me atendeu. Foi dona Letícia, a mãe da Lupita. Percebi que seus olhos estavam inchados e o rosto vermelho. Havia chorado, estava na cara. Pensei em voltar outra hora, mas ela perguntou: – Veio ver a Lupita? Fiz que sim com a cabeça e ela abriu a porta para que eu pudesse entrar. Ela foi até o quarto da filha e voltou me mandando subir que ela estava me esperando. Obedeci e subi devagar. Entrei sem fazer muito barulho e a vi deitada na cama. Por seu rosto vermelho, logo percebi que estava chorando. Ao me ver, sentou-se na cama, quando sentei também ela começou a chorar, fazia até pena. Enlacei-a com meus braços e a deixei a vontade. Ela chorou tanto que meu ombro ficou todo molhado. Depois de algum tempo, ela desabafou: – Eu sabia que isso ia acabar acontecendo, Fernanda. Papai nos deixou, foi morar em outra casa. Ele disse que não dava pra continuar com mamãe se eles só sabiam brigar. Eu não sei o que eu vou fazer Fernanda, não sei... Abracei-a novamente e quando me dei conta já estava chorando também. Quase murmurando, ainda consegui falar: – Não se preocupa que eu estou aqui, vou te ajudar. Você pode contar comigo. – Papai falou que eu podia passar os fins de semana com ele, mas... eu queria que... ele estivesse aqui, não quero viver em duas casas,... com duas famílias. – Calma Lupita. Você tem que ser forte pra suportar tudo isso de cabeça erguida e dar a volta por cima. Nossa, fiquei com tanta dó dela, parecia uma criança indefesa. O mais crítico de tudo isso é que os pais se separam e quem sofre são os filhos. Logo ela que ainda vai fazer quinze anos, a idade que os adolescentes precisam ainda mais dos pais, ter que passar uma crise dessas. Dava graças a Deus, pois eu com quase dezesseis anos nunca ter presenciado ou ficado sabendo de uma briga de meus pais. Eles se davam muito bem, pareciam até um casal de namorados. Certo que de vez em quando havia aqueles desacertos, mas logo se acertavam. Lupita levantou-se, foi ao banheiro lavar o rosto e disse que ia até a cozinha pegar alguma coisa para a gente comer. Ela saiu e fui até a janela para ver como estava o movimento da rua. Tive a impressão de ter visto o Beto, mas acho que era só porque estava pensando em falar sobre ele com a Lupita. 23


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E agora precisava me decidir, precisava muito da opinião de Lupita, ela nunca errava, sempre me avisou que Calebe não merecia meu amor, que ele não prestava, mas eu de teimosa quis me iludir com ele. Como me arrependo! Quando ela chegou ao quarto com uma bandeja de bolinhos e duas xícaras de café, tive a certeza de que não era o momento certo de lhe contar nada, pois seu olhar me dizia o quanto estava exausta. Comemos os bolinhos ainda quentes. Estavam deliciosos. Contei-lhe de como a minha sala estava quieta no primeiro horário, mas também, em compensação, no segundo horário viraram uns “cãezinhos ao quadrado”. Ela até riu com a minha expressão, o que me deixou mais contente. Já estava ficando um pouco tarde e precisava ir para casa, mas antes perguntei se ela iria para o colégio no dia seguinte. O que ela me respondeu que sim. Abracei-a novamente e disse que tinha algo para lhe falar, só que não era agora, pois ela precisava descansar. Vi que a deixei curiosa. Fui acompanhada até a porta da sala. Quando desci a calçada, ela falou: – Até amanhã. – Até – respondi. A cidade estava tão alegre, as crianças corriam de um lado para o outro brincando de esconde-esconde. Tive vontade de brincar também, mas não tinha mais idade para isso. Às vezes, achava melhor meus tempos de criança, pois não tinha que me preocupar com nada. Mamãe me levava no colo e ficava brincando horas e horas comigo. Ah, que saudade! Cheguei em casa, mamãe estava assistindo TV e papai no banheiro tomando banho. Cheguei perto dela e dei-lhe um beijo no rosto e ela me retribuiu com um forte abraço. Ah, como eu amava minha mãezinha! Tomei um copo com água e subi para o quarto. No meio das escadas, mamãe perguntou: – Não vai comer nada? – Não, não estou com fome, comi vários bolinhos na casa da Lupita. E continuei subindo. Meu quarto estava uma bagunça total. Como ainda eram sete horas decidi pôr aquilo tudo em ordem. Ao abrir uma gaveta do meu guarda-roupa, dei de cara com uma foto do Calebe. Não pensei duas vezes, deixei-a toda picada e joguei pela janela. Enquanto os pedacinhos iam voando, falei para o vento: – O que não serve mais a gente joga no lixo. Para mim não tinha importância se iria me arrepender depois. Fiz o que me deu vontade. Calebe já me humilhou demais. Estava completa24


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mente magoada com ele. Precisava mudar minha vida de rumo. Cansei de ser passada para trás. O que me faltava agora era criar coragem e seguir em frente. Coloquei meu quarto em ordem em poucos minutos. Sentei-me na cama e pousei meu olhar sobre um livro, me deu uma vontade louca de lêlo. Peguei-o e fui sentar-me na escrivaninha para começar minha viagem literária. Ele não era tão grosso e eu já havia lido um bom pedaço. Fiquei até tarde lendo, quando já estava quase no final, prestei bastante atenção às últimas folhas, nas quais a narradora personagem relatava os acontecimentos de sua vida até o atual momento. Resumidamente, dizia assim: “Me lembro bem, como se fosse agora. Tudo começou quando éramos apenas crianças. Nossa amizade foi crescendo até transformar-se em uma linda história de amor. Crescemos juntos, dividimos nossos problemas, compartilhamos nossa alegria e assim fomos conhecendo melhor, pouco a pouco, um ao outro. O tempo passou, muitas coisas mudaram, você também mudou. Hoje, já não é mais uma criança, aprendeu que a vida não é fácil, temos que batalhar por ela. Assim como cresci, o amor que sinto por você também foi crescendo até tomar conta do meu coração. Quando éramos apenas jovens apaixonados, nos encontrávamos às escondidas. Nos amávamos discretamente. A noite tornava-se mais linda, as estrelas brilhavam no azul do céu, a brisa soprava nossos lisos cabelos, o seu olhar me fazia tão bem, tão feliz. Você me fazia sonhar mais alto, me dizia tudo que estava louca para escutar e assim te correspondia com o calor de teus braços. Hoje, somos adultos e compreendemos verdadeiramente o que é o amor e posso dizer com toda sinceridade que te amo. Tivemos que escolher entre o nosso amor e as circunstâncias. Embora nossas famílias fossem completamente diferentes, nunca fomos impedidos que nosso amor crescesse a cada dia. Lembro-me do dia que entramos naquele avião e viemos para cá. Eu tinha certeza do que queria, assim como você também tinha. Não temos que dar satisfações a ninguém. Já somos bem grandinhos e já sabemos o que queremos. O que podem achar ou acham a nosso respeito não mudará nada do que sentimos um pelo o outro. Não tenho notícias de minha família, assim como também não tem da sua, um dia eles vão entender, qualquer dia desses a gente se encontra, quem sabe por aí no meio do mundo. Teu pai é um homem poderoso, um grande político, assim como o meu, pena serem de lados opostos, sei que nunca se acerta25


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rão, são arrogantes, orgulhosos, só pensam em poder, dinheiro, fama. Só pensam em si próprios. Eles se odeiam. Meu pai não gosta da sua família, o seu não gosta da minha e é por isso que estamos aqui, para construirmos nossa própria família sem brigas, sem discórdias, só amor, paz e alegrias. Fez três anos que casamos, lembro-me da igreja: estava linda, tudo estava perfeito como eu sempre sonhei. Ninguém pôde nos impedir. Ter você ao meu lado foi o que eu sempre quis. Construímos nossas vidas, alcançamos vitórias, realizamos vários sonhos e agora estamos assim: juntinhos. Hoje é o dia mais feliz da minha vida, amanheci no hospital, pois acaba de nascer o fruto do nosso amor, a nossa filhinha que esperamos todos esses meses, ela é a nossa cara. É a menina mais linda do mundo. Agora somos três: eu, você e nossa linda criança, vivendo uma linda história de amor”. Quando terminei de ler, estava com os olhos cheios de lágrimas, será que teria coragem de fugir de casa, como fez essa protagonista? Não sei. Ela fugiu porque foi preciso, mas eu não queria amar dessa maneira. Queria amar para que todo mundo pudesse ver.

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Entrei na sala de aula lesada de sono, pois fui me deitar muito tarde na noite passada. Como Stéfane, a professora de matemática, não tinha chegado ainda, deixei minhas coisas sobre a cadeira e fui até a sala da Lupita para ver se ela já tinha chegado. Quando entrei, foi a primeira pessoa que avistei, estava sentada na frente, quando me viu, deu um sorriso. Percebi que aquele sorriso não saíra de dentro do coração. Sentei ao seu lado e perguntei: – Está melhor? – Um pouco, a vida é tão diferente sem papai em casa. – Devo imaginar... Falei aquilo quase sem perceber, pois entrava um gatão na sala. Acho que era novato ali, pois nunca o tinha visto antes. Tinha os cabelos clarinhos, olhos verdes, a pele era tão macia e alva, parecia até um anjo. Fiquei feita uma boba olhando para aquele peito sarado que se escondi por trás da camisa. Queria que Calebe estivesse ali para ver aquele espetáculo, ficaria babando de inveja, pois aquele anjo era muito mais bonito que ele. Lupita, ao perceber que eu estava nas nuvens, tocou meu braço e falou: – Fernanda, acorda! – Ah, oi – respondi. Ela achou graça e continuou: – Até você, Fernanda! Toda menina fica caidinha por ele, mas uma coisa eu te aviso, ele não leva ninguém a sério. Acho que não sabe o que é amar. Nunca namorou alguma menina pra valer. – Não! Pode ficar tranquila, só estava admirando sua beleza. – Sei, pensa que me engana! – Calma Lu, também eu não sou assim, né? – Tô brincando, gatinha! Fernanda, mudando de assunto, o que você queria me contar mesmo, hein? – ela perguntou. Nossa! Só aí lembrei que estava no colégio, a essa altura, a Stéfane já havia entrado na sala. – Xi, preciso ir, Lupita, odeio chegar depois que todo mundo já está na sala. Quando terminar a aula, me espere que vamos juntas para casa. – Ok! Saí quase correndo, nem percebi que a professora de Lupita entrava na sala. Esbarrei nela e derrubei suas coisas no chão. Ai, que vergonha! Vi que todo mundo olhava para mim, pensei logo no anjinho, o que ele ia achar de mim, mas logo me tranquilizei, pois ele não estava mais ali. Onde poderia estar? Não era aquela a sua sala? Peguei as coisas da professora do 29


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chão e a entreguei, pedi mil desculpas e continue meu caminho. Entrei na sala de aula, por incrível que pareça, a professora não havia entrado ainda, mas quando olhei para o resto da sala, quase tive um enfarte: o anjinho estava sentado logo atrás da minha cadeira. Fiquei morrendo de vergonha e me surpreendi ao perceber que ele não parava de olhar para mim. Tive vontade de voltar, mas sentei na minha cadeira. Odeio ser observada e fui ficar logo na frente de quem! A Stéfane entrou e começou a sua aula, mas eu não consegui prestar atenção em nada, me senti a menina mais feia e desajeitada da sala. Não mexia nem o dedo do pé para não chamar atenção. A coisa mais chata que eu acho é me sentir estranha dentro da minha própria sala. Comecei a copiar o exercício, pelo menos isso eu conseguia fazer. Quase tive um colapso quando ouvi uma voz diferente no meu ouvido. Só podia ser a voz dele, pois era tão bonita quanto o dono. Ao me virar, tive a certeza de quem vinha. Ele sorriu e perguntou: – Sabe resolver esse exercício? – Acho que ainda sei – disse acho, mas tinha certeza que sabia, era craque em matemática. – Pode me ajudar? – Claro! Olhei de lado e vi que Beto estava olhando para mim. Pela cara dele não estava gostando do que havia presenciado. Mais isso agora! O anjinho colocou sua carteira do lado da minha e perguntou: – Como é o seu nome? – Fernanda. – É um lindo nome, assim como a dona também. – Obrigada! Falei sorrindo timidamente. Enquanto resolvíamos o exercício, percebi que ele encostava seu braço no meu, estava tão próximo de mim que até achei que fosse me beijar. O tempo passou tão depressa que nem percebi a sineta tocar para o recreio. Ele levantou e disse que iria lá fora, também perguntou se eu não queria ir com ele, disse que não, precisava resolver algumas coisas. Ele concordou, mas antes de se retirar, lembrei que ainda não sabia seu nome e perguntei: – Como você se chama mesmo que eu ainda não sei? – Gustavo. – Obrigada, era só isso mesmo. Ele sorriu e saiu. Achei aquele nome lindo, não sei se era porque a fisionomia do dono 30


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o deixava ainda mais bonito. Desliguei dos meus pensamentos e voltei à realidade. Deu tanta vontade de bater a cabeça na parede. Como eu era doida, com tanta coisa pra resolver, pra pensar e eu ali babando feito uma boba por alguém que mal conhecia. Não queria dar o braço a torcer. Não queria ser mais uma, como falou Lupita, que ficasse caidinha por ele. Agora eu tinha mais coisas importantes para fazer do que estar vivendo de aventuras. Colocando-as tudo em ordem: mostrar para o Calebe que eu posso muito bem ser feliz sem ele; estar ao lado de Lupita para o que der e vier; tomar uma decisão a respeito do Beto. Mas como fazer sem magoá-lo? E o futuro, veremos!

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Encontrei Lupita lá fora, o sol estava escaldante, seguimos nosso caminho em silêncio e para quebrá-lo, perguntei: – Lupita, você já conhecia o Gustavo? Fiquei com vergonha da pergunta. Ela ia achar mesmo que eu estava gamadinha por ele. Certo que fiquei feito uma boba admirando sua beleza, mas também não era tão fraca assim. – Conhecia, por quê? – Eu pensei que ele ia estudar com você, mas quando entrei na sala, quase caí para trás, quando o vi sentando logo atrás da minha carteira. – Lupita não conteve uma gargalhada, o que deu nela? – Sim, Fernanda, conte o que queria me falar. – Ah, é mesmo – falei. – Vamos sentar ali no banco da praça, que o sol está torrando minha cabeça – ela falou. Sentamos e comecei a falar: – Bem, é o seguinte, estou precisando da sua ajuda. Estive conversando com o Beto e ele falou que gostava de mim, que me amava e agora estou sem saber o que fazer. Ele é um rapaz muito bom, mas eu só gosto dele como amigo e não quero magoá-lo, Lupita. O que faço? – Calma, Fernanda! Você não é obrigada a ficar com o Beto só porque ele gosta de você. Se não quer nada além de amizade, fala isso pra ele. Até já falei que você o admirava muito, mas que não passava de amizade. – Como você sabia que ele gostava de mim? – Porque ele me falou. – E por que não me disse nada? – Porque deixei para ele mesmo falar. Pra dizer a verdade, até que me pediu para conversar com você, mas o mandei criar coragem e deixar de ser mole! Não pude deixar de rir, realmente Beto era muito tímido. Não sei como teve coragem de me falar tudo aquilo. Olhei no relógio e vi que já faltavam poucos minutos para o meio dia. – Que horas são Fernanda? – Faltam dez para o meio dia. – Nossa! Como já é tarde! Vamos se não mamãe vai ficar preocupada. Levantamos do banco e seguimos em frente. Já estava começando a sentir fome. Como se estivesse adivinhando meus pensamentos, Lupita falou: – Vamos almoçar com a gente hoje, Fernanda? 35


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– Não sei, mamãe ficaria preocupada se eu não fosse para casa. – Vamos, você liga para ela quando chegarmos lá em casa. – Tudo bem, você venceu – respondi. Atravessamos a rua conversando abobrinhas e rindo dos feiosos que passavam. Ela abriu a porta e nós entramos. Fui levada até a cozinha para tomar um copo de água. Lupita beijou a mãe e falou: – Mamãe, trouxe a Fernanda para almoçar com a gente. – Que bom, minha filha. Daqui a pouco o almoço estará pronto. Tomei a água e voltamos para sala. – Quer ligar agora para sua mãe, Fernanda? – Nossa! É mesmo, já estava esquecendo. Disquei o número do celular da mamãe e esperei até que ela atendesse: – Alô! – Mamãe? – Sim, o que houve? – Liguei para avisar que vou almoçar na casa da Lupita. – Por que não avisou mais cedo, já estávamos te esperando. – Desculpa mamãe, não deu para te avisar antes. – Tudo bem, mas não volta muito tarde, tá? – Claro? – Era só isso? – Só mamãe. Beijos, até mais tarde. Desliguei o telefone e me voltei para Lupita: – Mamãe disse que já estava me esperando para o almoço. – É, mas agora não vai ter que esperar mais. – Verdade – falei. Ela me puxou até o quarto e tomamos banho. Como ainda estava de farda do colégio ela me emprestou uma de suas roupas. Fique a cara dela com aquele short e aquela blusa apertada. Tirei o tênis e calcei uma chinelinha de dedo, a coisa mais fofa. Como só éramos nós três, vi que não havia problema nenhum ficar daquela maneira. Lupita vestia um vestido preto, um pouco curto, mas lhe caia muito bem. Estávamos prontas. Agora era só esperar que o almoço ficasse pronto também.

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– Meninas, podem descer que o almoço está na mesa. Não demorem já estamos esperando! Era dona Letícia chamando-nos da porta. – Epa! Como assim, já estamos esperando? Não éramos só as três para o almoço? Na hora, não quis perguntar nada a Lupita. Pensei na possibilidade de seus pais terem voltados, mas era impossível, até pouco tempo, ela reclamava da ausência do pai. Achei estranho a minha amiga não ter me contado que teríamos mais alguém à mesa, mas como sempre, não quis perguntar nada. Descemos a escada lentamente, atravessamos a sala e chegamos à cozinha. “Ai, meu Deus! Será que estaria sonhando?”, pensei. Não consegui entender nada, o que Gustavo estava fazendo ali na casa da Lupita, sentado à mesa como se fosse da família? Ai que vergonha, ele me ver com aquela roupa! Fiquei com uma raiva tão grande. Por que Lupita não me avisou que ele também almoçaria conosco? Ao contrário, não teria aceitado o convite. E agora o que fazer? Como já estava ali, teria que encarar o caso com naturalidade. Meu rosto queimava. O chato de ser branca é que qualquer um percebe quando se está ruborizada. E para piorar a situação, ele não parava de me olhar. – Será que teria me reconhecido? Melhor que não! Sentei-me à mesa e por sorte, ainda consegui falar: – Oi, Gustavo! – Oi, você é a Fernanda, não é mesmo? – Sou sim – Falei. Xi, pois não é que ele me reconheceu mesmo! Interrompendo meus pensamentos, dona Letícia tomou a palavra: – Já conhecia a Fernanda, Gustavo? – Sim, tia. Eu a conheci há pouco tempo no colégio, colocaram-me na sala dela porque as outras já estavam completamente lotadas. Então era isso, Gustavo era primo da Lupita. Que deu nela para não me falar nada e por que se referiu ao primo daquela maneira, no colégio? Não acreditava que ele fosse realmente o que ela falou, tinha um rosto tão inofensivo! Ah, mas ela vai me explicar isso direito, ah, se vai! Quem já se viu! Com o tempo, fui perdendo mais a vergonha, pois Gustavo era um amor de pessoa. Estava com muita fome, mas comi discretamente. Dona Letícia era uma excelente cozinheira. Terminamos a refeição, ajudei a retirar a mesa. Ele continuava sentado e Lupita ajudava a mãe a lavar a louça. Só em pensar que o garoto poderia estar olhando para as minhas pernas descobertas, tornei a sentir vergonha, mas não me deixei dominar por ela. 39


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Talvez, se fosse outra exibidinha, estaria adorando ser admirada, só que eu não era assim, não era! Estava terminando de tirar o último prato, quando num descuido, deixei-o cair, por sorte não quebrou, que alívio! Abaixei-me para apanhá-lo e senti que minhas mãos tocavam outras. Eram as de Gustavo que também se ofereciam para apanhar o prato. Estávamos os dois acocorados ao pé da mesa, frente a frente. Ele me olhou, que olhos lindos! No lugar de meus olhos cor de mel, queria aqueles que pareciam olhos de gato, nunca vi coisa mais linda! Seu perfume era incomparável! Ele pegou o prato e me entregou, esboçou um sorriso e saiu para a sala. Lupita e a mãe não puderam deixar de rir. – Você está mesmo nas nuvens, em Fernanda? – falou Lupita. Dona Letícia continuou: – Também, com um anjo desses até eu queria estar nas nuvens! Agora nós três caímos na gargalhada, dona Letícia era mesmo uma graça.

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– Lupita, trate de se explicar! – falei pra ela quando retornamos novamente para o quarto. – Explicar o quê? – Ora o quê? Por que você não me falou que o Gustavo era seu primo? – Queria fazer surpresa, amor! – Engraçadinha! Você conseguiu o que queria! Agora me explica melhor essa história toda! – Senta aí – apontou uma poltrona do lado da cama. Obedeci. Enquanto isso, ela foi até guarda-roupa, abriu uma gaveta e voltou trazendo um álbum de fotografias. Sentou-se a minha frente, abriu-o e falou: – Fernanda, aqui estão as fotos de alguns de meus familiares, tem algumas de Gustavo e seus pais. A mãe dele era irmã de mamãe – falou apontando uma mulher alta e bonita, que talvez tivesse na época seus trinta e três anos. – Esse aqui era o pai dele. Conheceu minha tia numa exposição, passaram a trabalhar juntos e logo se apaixonaram. Esse aqui é o Gustavo, na época tinha dez anos de idade. Essa foto foi tirada a mais ou menos sete anos. Era tão fofo, estava com uma fardinha de soldado e seus olhos verdes combinavam com a cor da roupa. – Não gosto muito de olhar essas fotos, pois me dá uma enorme tristeza, aqui estão minhas lembranças dolorosas. – Não estou entendendo Lu, por que lembranças dolorosas? – perguntei. – Três anos mais tarde, depois que essas fotos foram tiradas, aconteceu algo que abalou nossa família. Os pais de Gustavo viajavam de Petrópolis para Vitória, no Espírito Santo, para realizar um trabalho em equipe. Com eles iam mais dois casais, mas não conseguiram chegar lá com vida. Viajavam à noite e, sem que eles percebessem, uma carreta que vinha na contramão bateu de frente com o carro que eles vinham. Só um sobreviveu e é mesmo que estar morto: ficou paraplégico, não fala mais, está entre a vida e a morte! Não consegui falar nada e ela continuou: – Depois disso, Gustavo ficou revoltado com a vida. Tinha seus treze anos de idade, foi uma fase muito difícil para ele. Passou a morar com a tia em São Paulo irmã de seu pai, ele não queria fazer nada, não comia direito e emagreceu bastante! – Coitado! – foi o que consegui dizer. 43


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– Ficou reprovado dois anos e é por isso que faz o primeiro com dezessete. – E por que ele veio embora para cá? – perguntei. – Porque foi expulso do colégio. Parece que teve um engraçadinho que andou insultando-o, dizendo que ele ficou órfão por castigo de Deus, que gente arrogante só nasce para sofrer. Talvez ele já estivesse com a cabeça quente e como estava revoltadíssimo, quebrou a cara do fulano. Se não tivessem apartado a briga, talvez resultasse em algo muito pior. Depois disso, ficou por lá mais algum tempo, mas parece que o rapaz que ele quebrou a cara queria descontar e você sabe no que dá a vingança, não é verdade? – Ai, Lupita, deve ter sido horrível para ele passar por tudo isso! – indaguei. – Espere que tem mais... A tia dele, preocupada, achou melhor que ele viesse para perto da gente, que estaria mais seguro aqui do que lá, só aí ele teve a iniciativa de ligar para mamãe pra saber se podia passar uns tempos aqui em casa até que arranjasse um emprego e alugasse um quartinho para morar. Mamãe falou que ele podia vir na hora que quisesse e que não se preocupasse que enquanto estivesse com ela, estaria seguro. Não contive uma lágrima, não queria estar no lugar dele nem um segundo se quer. Vi que Lupita estava triste e olhava uma foto do pai ao lado da mãe e para não mudar de assunto, perguntei: – Mas Lupita, por que se referiu a ele daquela maneira no colégio? – Porque é a verdade, Gustavo deixa qualquer mulher louquinha por ele. Mas não foi como os outros que assim que deixam de “mijar na rede” já acham que são adultos e logo querem namorar. Ele me falou que nunca amou uma menina de verdade e quando estava ficando rapazinho, aconteceu a tragédia, isso fez com que ele se trancasse no mundo da solidão e não desse muita bola para as meninas. Falou também que queria ser feliz no amor, assim como seus pais foram felizes juntos, queria encontrar a pessoa certa, a mulher ideal, para que eles pudessem viver juntos até que a morte pudesse separá-los. Ai, que lindo! Gustavo tinha um ponto de vista bem diferente de outros rapazes que só pensam logo em curtir a vida. Deu vontade de abraçálo e dizer o quanto era romântico.

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Rolava de um lado para o outro da cama e nada de conseguir dormir. Tudo o que Lupita havia me falado horas antes, passava como um filme na minha cabeça. Lembrei-me dos olhos verdes de Gustavo... Apaixonada por ele? Não, isso não podia acontecer. A Lupita me falou que ele não leva ninguém a sério, já basta o que passei por causa de Calebe. Falando em Calebe, onde ele estaria a essa hora? Não duvido nadinha que esteja numa farra uma hora dessas! Achei melhor não esquentar a minha cabeça com esse tipo de gente e tentar dormir, teria aula no dia seguinte: “ultimamente estou por fora de tudo” – pensei. Fechei meus olhos, dava até para escutar as batidas do meu coração, fiquei horas e horas tentando dormir e nada. Ai, que raiva! Dava uma impaciência tão grande que sentia vontade de chorar. E, pois não é que chorei mesmo, parecia que havia um rio dentro de mim. Não sabia se estava chorando por mim ou por Gustavo. Cheguei à conclusão que chorava pelos dois juntos. Graças a Deus adormeci logo depois. Amanheci no dia seguinte com uma enorme dor de cabeça, nem me levantei para ir ao colégio e só então mamãe veio ao meu quarto. – Não vai para o colégio hoje, Fernanda? – Acho que não mamãe, não me sinto muito bem. – Pois fique deitada, minha filha, vou trazer sua merenda. Após beijar minha testa, mamãe saiu. Voltou logo depois com o bolo e o café nas mãos, sentei-me na cama e comi. Ela se retirou novamente e tornei a dormir. Só levantei na hora do almoço, mas já estava bem melhor. Acho que nunca comi tanto na minha vida como nesse dia. Mamãe caprichou no almoço. Ao terminar, ajudei-a a limpar a cozinha, me sentei no sofá da sala e dei de cara com o telefone. Pensei alto: “devia ligar para o Beto...” Tomei a iniciativa e disquei o número da sua residência. Por sorte, foi ele mesmo que atendeu. Perguntei se ele poderia vir até minha casa, pois a gente precisava conversar. Ficou tudo marcado e desliguei o telefone.

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- Fernanda, o Beto está aqui na sala te esperando! – Era mamãe me chamando. Tive a impressão de que mal desliguei o telefone, para que ele pudesse chegar. Mas é que a um bom tempo estivera ocupada e por isso não percebi o passar das horas. E agora? Não queria perder a amizade dele. Com certeza, depois que falar que não quero nada além de amizade, fará o possível para manter distância. “Só agora entendo por que fazia tudo por mim... Coitado! Não queria mesmo que ele sofresse dessa maneira. Sabia muito bem o que era se sentir sozinha, amar sem ser amada.” Ajeitei o cabelo e fui ao encontro dele. Mamãe estava sentada ao seu lado e a me ver retirou-se para a cozinha. Ela não era bisbilhoteira e sempre me deixava a vontade para resolver minhas coisas, enfim ela era um amor de pessoa. Sentei-me no sofá ao lado de Beto. “Que vergonha! como começar uma conversa dessas? Ele me olhou, mas não falei nada, que saco!”, pensei. Por que ele não falou qualquer coisa? Sei lá, nem que fosse besteira! Naquele instante, tudo o que ele falasse já me ajudaria a iniciar minha conversa. Nossa, até que enfim: - O que você queria me falar, Fernanda? - É que... Demorei um pouco para responder e ele continuou: - Se não quiser, não precisa falar nada agora. - Não, não é isso, é que eu estou procurando uma maneira mais clara de te falar tudo. - Se for pra não me machucar, esqueça, pois já machucou! Pensa que eu não vi como estava toda derretida para aquele... (tentou lembrar o nome), aquele que nem sei o nome? -“Ei, quem ele pensa que é”? - Espere aí, eu não estava dando bola para seu ninguém! - falei – ele quem me pediu ajuda pra resolver o exercício de matemática! - Eu não quero saber o que vocês estavam fazendo, mas que eu não gostei, não gostei mesmo! - Ah, tá – aí eu não aguentei mais e explodi: - Olha aqui Beto, você não tem nada a ver com a minha vida. Eu queria falar com você com mais calma, mas estou vendo que não vai dá! Pois bem, é o seguinte, eu não te amo, gosto de você como amigo e nada mais! - Ah, é, você me conquista e depois eu é que fico sofrendo? - Calma, calma, eu não te conquistei coisa nenhuma, e se está sofrendo 51


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o problema é seu! – quase gritei. - Então é assim, pensei que fosse minha amiga! - Beto, eu sou sua amiga e quero continuar sendo! – falei com mais calma. - Fernanda, você não entende! Não dá mais pra ser somente seu amigo, eu quero algo além da amizade! - Ah, então não posso fazer nada! – suspirei. - Por que não me dá uma chance? Você não vai se arrepender! “Será que ele não desiste?” - Beto, você quer que eu fique com você por pena? - Não, queria que me amasse! Olhei para ele. Como me deu pena. – Olha – falei – a gente não escolhe por quem se apaixonar, acontece de repente, eu também amei e não fui correspondida, pelo contrário, fui humilhada! Mas eu estou aqui, nem morri ,viu? - Ô Fernanda, não brinca comigo! - Eu não estou brincado com você, só estou querendo dizer que ninguém morre por não ser correspondido, a não ser que se mate! - Então, eu vou me matar! - Não fala uma coisa dessas, menino! - exclamei assustada. - Por que não? Não vejo sentido em viver sem você! Era só o que faltava, tive que dar uma de conselheira. - Para, Beto! Você tem um futuro brilhante pela frente e eu não sou a única mulher que existe nesse mundo! - Mas foi a única mulher que eu amei! Ele não falou mais nada, pois começou a chorar. - Beto, homem não chora! ─ brinquei. - Quem já se viu homem não chorar? Por um acaso, somos de ferro? Eu também tenho coração, Fernanda, e ele se encontra muito machucado. Aí eu não aguentei. Homem quando chora é porque o negócio está feio! Senti pena dele e sem pensar o abracei. - Desculpa Beto, eu não queria que ficasse assim, um dia você encontrará alguém melhor que eu! Ele não falou nada, levantou-se e foi em direção à porta. - Adeus, Fernanda! “Alguém me chicoteie, como eu sou mal!” Fiquei ali grudada no sofá, queria sumir. Como pude machucar uma pessoa tão maravilhosa como o Beto? Por que não consegui amá-lo? 52


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Mil perguntas invadiram meus pensamentos até que foram interrompidos por mamãe. Ela me abraçou forte, com certeza ouviu toda nossa conversa. Acho que até na outra rua escutaram, estávamos quase gritando. Aconcheguei-me em seus braços e soltei uma exclamação: - Eu queria ter gostado dele mamãe, eu queria! - Eu sei minha filha, se acalme! Eu sei que não fez por mal. Se não fosse mamãe do meu lado para me consolar, não sei até que ponto chegaria os meus pensamentos. Nos dias seguintes, não vi mais o Beto. Fiquei preocupada, mas logo me acalmei. Soube que ele foi passar as férias na casa da avó em São Paulo. Ia acabar se prejudicando, pois perdeu a semana de provas. Julho já vinha chegando, precisava mesmo de férias, colégio é um saco! Estudei feito uma louca para as provas finais do primeiro semestre, mas em compensação minhas notas foram as melhores da sala. Mamãe sentia orgulho quando via meu boletim, beijava minha testa e dizia: ─ Estude minha filha, quero ver você brilhar! Ficava tão feliz. Ela me dava coragem para seguir em frente.

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CapĂ­tulo X

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Férias, que nome mais lindo, sentia vontade de sair correndo nas ruas e gritar: – Estou de férias, maravilha, estou de férias. Primeiro de julho, dia de dormir até mais tarde, de descontar os atrasados. Queria ser criança para brincar de boneca, casinha e esconde-esconde, mas como já estava pra completar os dezesseis, iria ser o maior mico. Acordei dez horas da manhã, era uma quinta-feira ensolarada, ótima para um dia de praia, mas queria ficar na cama curtindo minha preguiça, só desci às onze e meia para o almoço. Comi por mim e por minha mãe. Falando em mamãe, ela estava tão estranha, parecia que não havia dormido à noite. Por curiosidade, perguntei: – O que houve mamãe? – É o seu pai, minha filha! – O que tem o papai, mamãe? – perguntei assustada. – Ele precisou ir ao médico hoje bem cedo, sua saúde não vai muito bem! “Ai, meu Pai! O que papai tinha?” – É grave, mamãe? – Não sabemos ainda, Fernanda, iremos ver o resultado dos exames hoje à tarde. Coitado do papai, trabalhava tanto que não tinha tempo de cuidar da saúde. Mamãe chegou do médico aflitíssima, pelo jeito não era muito grave, mas se não tomasse cuidado, logo poderia ficar. O médico receitou alguns remédios e pediu que papai tivesse o máximo de repouso possível. Perguntou se não tínhamos uma fazenda no campo ou uma chácara. Mamãe pensou logo na casa da vovó. Lá era o melhor lugar onde papai poderia repousar, longe da agitação e poluição da cidade grande. O problema seria onde eu poderia ficar. Pensei na casa da Lupita. A mãe dela era uma ótima pessoa, mas o problema é que elas já tinham um hóspede: O Gustavo. No dia seguinte, fui até a casa dela, precisava conversar. Falei da conversa que tive com o Beto, o motivo da sua partida para casa da avó. Por fim, acabei contando do problema de papai. Ela ficou preocupada e disse que se caso eu precisasse, podia ficar na casa dela e só aí perguntei: – Lu, e o Gustavo? – Pode ficar tranquila, ele não dá um pingo de trabalho. Ajuda nos afazeres de casa e tudo mais. Depois da saída de papai, ficamos só eu e 57


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mamãe, é como se ele estivesse no lugar do meu pai e com você a mais, não fará muita diferença. Dá quase no mesmo. – Lu, não é exatamente isso o que me preocupa é do que os outros podem falar. Só ele de homem e eu nem sou da família. – Deixa de ser boba Fernanda, todo mundo ia ver que é por necessidade! Pensei um pouco. – È, acho que você tem razão. Ficamos horas conversando. Por sorte Gustavo não estava em casa, me sentia sem jeito e desarrumada quando estava perto dele. Sentia o mesmo quando estava com Calebe. Epa! Será? Não! Gustavo não me daria bola. Toda vez que pensava nessa possibilidade temia, tinha medo de outra vez não ser correspondida. Como já estava ficando tarde, me despedi de Lupita. Disse que se precisasse ligaria. E parti. Atravessei a rua olhando para um lado e outro, morria de medo de ser atropelada. Mas nesse dia, quase fui, ao levantar meus olhos deparei com Gustavo sentado ao lado de Brenda num banco mais afastado da praça. Será que ela estava dando em cima dele? Senti vontade de ir até lá e arrancar os cabelos dela. Aquela loira burra! Mas me aguentei e continuei andando. De vez em quanto olhava para ver se rolava algo diferente, mas continuava tudo nos conformes. Brenda era uma garota super legal. O que me dava raiva nela era que se chegasse um gatinho no colégio ela já queria cair em cima. Era do tipo oferecida. Depois que me acalmei, fiquei pensando o porquê de tanta preocupação. Afinal eu não tinha nada a ver com a vida deles. Cheguei em casa, entrei pro meu quarto e fiquei emburrada dando porrada na cama, como se ela tivesse culpa. Conclusão: quebrei duas unhas do pé direito e machuquei o dedão do pé esquerdo.

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Preciso contar algumas coisas que aconteceram naquele inicio de férias, começarei falando do Calebe. Fiquei sabendo que ele andou bebendo e quis dar uma de fortão, mas acabou todo quebrado no hospital, pegaram-no e deram uma surra nele, quebraram o nariz do coitado, e o pior de tudo é que ele engravidou uma menina de quinze anos e está desesperado, levou uma baita bronca do pai e agora terá que trabalhar para sustentar a jovem e a criança. Apesar de tudo que ele me fez, não consegui deixar de sentir pena dele. Agora uma notícia boa: conversei com a mãe do Beto e ela me falou que ele estava namorando uma garota por lá e que não tinha planos de voltar mais para Petrópolis, menos mal. E, por último, aconteceu algo ruim, papai piorou e dentro de uma semana, teria que viajar para a casa da vovó. Pelo que mamãe me falou, havia uma clínica muito boa perto da casa dela. Só aí que mamãe se tocou de um detalhe: e eu? Não estava mesmo com vontade de ir, não gostava da casa da vovó, parecia mais um museu. Falei para ela que a Lupita me ofereceu sua casa para passar uns dias. Mamãe não gostou da ideia, mas mesmo assim conversou com dona Letícia e ficou combinado que assim que eles partirem, eu me instalaria por lá. Fiquei pensando como seria estar perto de Gustavo a todo o momento, nos encontrando em todos os vão da casa e sentando na mesma mesa. Ele era tão lindo que tinha medo de não me conter e pular no seu pescoço.

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Mal conseguia enxergar o carro de mamãe partindo, meus olhos estavam cheios de lágrimas. Lupita ao meu lado, me abraçava e dizia que papai ia se recuperar e logo os dois voltariam para casa. Chorei porque nunca havia passado nem um dia longe de mamãe e agora teria que passar vários. Como não havia mais nada o que fazer ali, parada na calçada, entramos na minha casa para pegar minhas coisas e partimos para a residência da Lupita. Sua mãe já estava no trabalho e Gustavo assistia TV na sala. Ao nos ver, falou: – Oi meninas, que bom que vocês chegaram, estava ficando uma chatice sem ninguém para conversar. Lupita olhou e disse: – Agora Gustavo, você terá mais uma companhia para conversar. Ele olhou para a bolsa na minha mão e perguntou: – O que houve Fernanda? – É o papai, ele adoeceu e teve que ir para a casa da minha avó em outra cidade para repousar e mamãe precisou acompanhá-lo, não sei quanto tempo passarão por lá e como não podia ficar em casa sozinha, Lupita me chamou para ficar aqui. – Sinto muito por seu pai, tenho certeza que ficará bem e você irá se divertir bastante conosco, não é verdade, Lupita? – Claro, sem dúvida. Era ótimo se sentir bem recebida por eles, me sentia em casa. Lupita pegou minhas coisas e disse que as guardaria em seu quarto, onde eu dormiria. Como seu quarto era grande e a cama era de casal, não teria problemas. Fiquei sozinha na sala com Gustavo. Que vergonha! O que fazer? O que falar? Antes que pudesse fazer qualquer coisa, ele me convidou para sentar no sofá. Obedeci e fiquei olhando para a televisão. Meu coração batia a mil, senti que uma coisa estranha percorria meu corpo. O que Gustavo tinha que me deixava nessa situação? Será que ele sentia o mesmo por mim? Ele levantou e foi até a cozinha, fiquei observando aquele corpo maravilhoso, que pernas saradas! Enquanto ele ficava por lá, fazendo não sei o quê, cheguei mais perto de onde estava sentado, não sei se iria notar, mas eu não estava nem aí. Voltou com dois copos de suco, um pra mim e outro pra ele. Acho que cheguei perto demais, pois ele quase sentou em cima de mim, não sei se percebeu e se percebeu, não esboçou nenhuma reação. Estávamos tão próximos que nossas pernas se tocaram e de repente, aconteceu algo inesperado: ele colocou a mão na minha perna, não sei se por engano, nem 65


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liguei, estava adorando! Queria que aquele momento não acabasse nunca. Um frio percorria a minha espinha, encostei meu braço no dele e senti um arrepio pelo corpo todo. Queria que ele me pegasse nos braços e me desse um beijo, mas isso não aconteceu. Lupita desceu do quarto e acho que percebeu o clima, fiquei toda sem jeito. Gustavo, ao contrário, nem ligava. Acho que ela ia me chamar para fazer alguma coisa, mas disse que iria até a padaria comprar pão. Então era isso, ela ia me chamar para ir com ela, só que não queria atrapalhar nosso clima e preferiu ir sozinha. Não consegui me oferecer para ir junto, meu coração queria ficar ali, perto de Gustavo. Assim que saiu, o telefone tocou. Era a dona Letícia, ela falou que precisava fazer uma viagem e que só voltaria no outro dia, pela manhã. Disse também para tomarmos cuidado com a casa. Desliguei o telefone e Gustavo perguntou o que era, falei da conversa com sua tia e ele perguntou o motivo da viagem. Disse que não sabia. Quando Lupita voltou com os pães, contei pra ela e sabe o que disse? Que a casa era nossa e íamos nos divertir como pessoas adultas, falei para ela que ali não havia nenhuma criança e só então ela falou: – Pois vá fazer o café, dona Fernanda, que a senhora e o senhor Gustavo já devem estar com fome. Não contive o riso, essa Lupita sabia mesmo me contrariar. Não tinha costume de fazer café, mas por sorte, aquele ficou uma delícia. Enquanto comíamos, ela falou: – O que vocês acham de um cineminha hoje à noite? Olhei para Gustavo e falei: – É uma ótima ideia. – Você vai conosco não é mesmo, Gustavo? - Ela perguntou. – Claro, será um prazer! Para mim será maior ainda – pensei olhando para ele. Nesse dia, me senti realmente como uma mulher adulta. Até o almoço ajudei Lupita a fazer. Cá entre nós, se não fosse o arroz queimado tinha saído tudo perfeito. O Gustavo quase morre de rir da gente, e para castigá-lo, o colocamos para fazer outro. Não posso negar que ele, pra ser homem, cozinhava melhor que a gente. Que vergonha, não? O arroz ficou uma delícia. Comi com gosto, mais ainda por ter sido feito pelas mãos de Gustavo. Ah, como adorava ficar perto dele. Sua presença valia mais que tudo, o seu olhar me encantava, enchia de brilho o meu ser. Não podia mais me enganar, nem tão pouco tentar mudar algo que já havia se tornado im66


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possível de ser removido. Estava completamente apaixonada por Gustavo. Aconteceu de repente. Como o coração me coloca em becos sem saídas – pensava desiludida. Tinha medo que ele só brincasse comigo e depois me deixasse no sofrimento. Ficava me perguntando se só me apaixonava pela pessoa errada, se nunca seria feliz no amor. Logo eu que sempre sonhei com um lindo amor, como aqueles dos romances que lia e dos lindos filmes que assistia. Queria viver um conto de fadas. Sentia vontade de chorar só de pensar que Gustavo poderia querer somente a minha amizade – Não isso não pode acontecer! - falei enquanto lavava os pratos. Lupita me olhou e falou: – O que, Fernanda? – Não, nada não, só estava falando alto demais. – Ah, sim! – O dia se passava depressa, a hora de sairmos já tinha se aproximado. Gustavo retirou-se para o quarto, disse que iria descansar um pouco e que depois se arrumaria para partirmos. Nós duas ficamos arrumando a sala que estava uma bagunça. Havia pipoca pra todos os lados. Quando terminamos estávamos exaustas. Subimos para o nosso quarto, também precisávamos descansar um pouco. Lupita pulou em cima da cama, pulei também, ficamos olhando para o teto. Ninguém falava nada. Será que devia falar para ela dos meus sentimentos por Gustavo? Afinal, ela era minha amiga, não era? Arrisquei: – Lupita... – Oi! – Nada não. – Tá doida? – Acho que sim. Não tive coragem, ela iria dizer que eu era uma irresponsável, será? – Fernanda, o que está acontecendo? Pode confiar em mim! – Lupita, nem eu mesma sei o que está acontecendo comigo! – Pois eu sei, está apaixonada por Gustavo e não adianta mais esconder! – Como sabe? - Perguntei. – Ora Fernanda, e quem é que não vê! Tá na cara! – Ai Lu, e agora, o que eu faço? Tenho medo que ele me rejeite! – Fernanda, se tem uma pessoa que pode fazê-lo mudar, essa pessoa é você. Ele nunca falou tão bem de uma menina como fala de você! – Nossa! Escutei direito? - Quase pulei de alegria. – O que ele falou Lupita? 67


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– Ele disse que você era a menina mais interessante que ele havia conhecido e que não era metida como as outras. Fiquei feito uma boba, não conseguia acreditar no que acabava de ouvir. Uma chaminha de esperança crescia dentro de mim. “Ele me acha interessante!” gritava meu coração, querendo saltar para fora. – Lupita, falando em metida, sabe quem eu vi conversando com o Gustavo na praça? – perguntei quebrando o silêncio. – Ah! Ele me falou desse dia, disse que vinha para casa, quando encontrou a Brenda. Ela foi logo puxando conversa e fez com que ele se sentasse no banco. Ele falou que ela só falava besteira e para completar ainda queria ficar com ele, acredita? – Que safada! Que raiva me deu dela. Da Brenda, Lupita, eu não espero mais nada. Que menina mais assanhada! Bem que mamãe me pediu para não andar mais com ela - falei bufando de raiva. Ficamos um bom tempo falando mal da Brenda. Sentia mais vontade ainda de arrancar aqueles “cabelos de milho” dela. Quem já se viu! Não poder ver um homem pra já sair correndo atrás dele feito uma desesperada.

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– Vamos embora, Lupita, já estamos atrasadas, exclamei inquieta. – Olha querida, princesas nunca se atrasam, os outros é que estão sempre adiantados! – gritou do banheiro. – Nossa! Onde você ouviu isso? – Num filme. Quer que eu te conte? – Quero, mas só que em outra hora, agora deixe de me enrolar e saia logo deste banheiro. – Calma, já vou, estou enxaguando o cabelo. – Ainda? Já faz meia hora que você está aí dentro! – Deixa de ser exagerada, Fernanda! – falou. – Exagerada eu? Quem manda você ser lesada! – Ei, lesada não, viu! Espere aí, quando sair daqui, eu te pego. – Ah! Tá. Tô morrendo de medo! Mal fechei a porta, ouvi uma batida na porta. Com certeza, era o Gustavo para nos apressar. Ao abri-la, tive a certeza. – Ainda não estamos prontas – falei. Ele olhou para dentro do quarto e me perguntou: – Cadê a Lupita? – Ainda tá tomando banho! – Diga a ela que se apresse, pois tem uma pessoa esperando por ela na sala. Ué, será que ela havia convidado mais alguém para ir conosco? Não me falou nada como de costume. Gustavo ficou ali parado por alguns minutos. Estava lindo com aquela calça jeans e aquela blusa vermelha. “Ai, meu Deus, que gato!”, pensei. Acho que percebeu que estava sendo observado, pois disse que iria lá embaixo, fazer companhia a ele. “A ele quem?”, fiquei me perguntando. “Será que a Lupita...?” – Quem estava aí, Fernanda? – ela perguntou ao sair do banheiro. – Era o Gustavo, ele disse que tem uma pessoa lá na sala te esperando. – Quem é? – Ah, se você não sabe, eu vou saber? – falei. – Ele não disse quem era? – Não! Também nem perguntei, pensei que soubesse. Ficamos as duas na curiosidade. Ela vestiu a roupa, penteou o cabelo, se perfumou e descemos as escadas. Lupita atravessou a sala correndo. – Papai, papai, que saudade! – Oh! Também, minha filha! – Que bom que você veio me ver! 71


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– Aproveitei que sua mãe não estava em casa e passei para dar uma olhada em vocês. – Como soube que ela não estava em casa? – Ué, porque liguei para seu avô, pra saber se ele estava melhor e ele disse que ela estava por lá. – O que tem o vovô? – Acho que é o problema do coração, quase que ia morrendo, mas já está bem melhor. – E por que mamãe não me falou nada? – Ah, minha filha, com certeza era pra não te deixar preocupada. Talvez até quisesse ir com ela, e como iam ficar seus amigos, sozinhos aqui em casa? Gustavo me olhou e fiquei morrendo de vergonha. “Passar a noite sozinha com ele, se ele me amasse, seria meio arriscado!”, pensei. – Você tem razão, papai! – ela o abraçou novamente. – Aonde vocês vão tão lindos e cheirosos? – ele continuou. – Ao cinema, vamos conosco? – Hoje, não posso mesmo, estava só de passagem, ainda tenho algumas coisas pra resolver. – Que pena, seria tão divertido! – Da próxima vez, eu vou, tá bom? – Tá bom, vou esperar mesmo! – Bem, agora eu tenho que ir. Mas vocês vão de quê, mesmo? – ele perguntou. – De táxi. – Nada disso! Vamos, levo vocês de carro. Fechamos a casa e nos direcionamos para o carro. Seu Leonardo abriu a porta da frente para que Lupita entrasse e Gustavo abriu a porta de trás para mim. Entrei e ele entrou logo em seguida, fechando a porta. Seu Leonardo acelerou o carro e partimos. Deixou-nos em nosso destino e seguiu seu caminho. Compramos nossos ingressos e entramos, Lupita ia na frente, sentou-se na terceira poltrona, deixando duas de sobra, uma do lado da outra. Como era esperta! Sorriu pra mim e piscou o olho. Aconchegueime na segunda, ao lado dela, e Gustavo, na primeira, ao meu lado. O filme já havia começado. Era o “Crepúsculo”, de Stephanie Meyer. Todo mundo fazia silêncio. O filme era emocionante e irreal, acho que foi por isso que eu adorei. Gosto de coisas que só existem na nossa imaginação. Bela, a personagem principal encontrava-se apaixonada por Edward, 72


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só que ele, era de um mundo totalmente diferente do dela, enfim, ele era completamente diferente dela. Mas, isso, ela ainda não sabia, só que mesmo assim se apaixonou por ele. Lembro-me da hora em que ele ia entrando com os amigos e ela estava lá, sentada na cadeira, conversando com as amigas. Amei aquela troca de olhares. Edward teve medo de se apaixonar por ela, por eles serem diferentes. Talvez ele até achasse impossível, mas quando se trata de amor, as impossibilidades se transformam em nada. “Queria que essas aventuras acontecessem comigo, mas só acontecessem em filmes e novelas”, pensei. Naquele momento, queria que Gustavo me olhasse e eu pudesse ler em seus olhos o que se passava com o seu coração. Pousei meu olhar sobre a mão dele perto da minha, no braço da poltrona. Queria tocá-la, apertá-la, mas cadê coragem? Acho que ele percebeu minha inquietação, pois virou o rosto e me olhou nos olhos. Um frio percorreu meu corpo, aquele olhar me dizia algo, só que não conseguia decifrá-lo. – Tá gostando do filme? – perguntou baixinho. – Nossa! Estou amando! Ele colocou sua mão sobre a minha, e falou: – Também estou amando! Estremeci! “Ai, meu Deus do céu! Por que ele não me beijava para acabar com aquele suspense?” Pensava. Gustavo me deixava confusa, tinha medo de lhe revelar meus sentimentos. E se ele me achasse oferecida? “É melhor ter só um pouquinho do que não ter nada”, pensava conformada. Não consegui assisti ao restante do filme direito, a voz dele ecoava no meu ouvido, olhava para a tela na minha frente e só via ele. Fechei meus olhos e fiquei imaginando mil maravilhas. – Fernanda, Fernanda... – Era o Gustavo – Vamos, o filme já acabou. Pensei tanto que adormeci, não sei como, mas quando acordei estava com a cabeça no ombro dele. Tentei levantar, mas estava atordoada. Ele sorriu e disse: – Vamos que eu te ajudo. Segurou na minha mão e saímos. Lupita vinha logo atrás, comentando cada detalhe do filme. Se Gustavo não estivesse conosco, estávamos as duas lamentando as partes tristes e dando gargalhadas das engraçadas, mas ele estava e isso era mais importante que tudo. Andamos um bom pedaço a pé, até que paramos em uma lanchonete para comer alguma coisa. O dinheiro que economizamos na ida com o táxi, nos rendeu bastante 73


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e ainda sobraram alguns trocados para pagar a volta, mas preferimos ir andando para admirar as estrelas, sentir o vento a brincar com nossos cabelos e o luar clarear nosso caminho. “Aquela noite teria que ser especial”, assim falava a Lupita. Conversamos sobre tudo, rimos como nunca. Já era um pouco tarde, mas não estava com sono, já havia despertado só que não podia negar que estava exausta. Caminhamos mais um bom pedaço, até que chegamos em casa. Gustavo foi para seu quarto e falou: – Boa noite, meninas! – Boa noite! – falamos em coro. Subimos para o quarto, arranquei o sapatinho dos pés e pulei na cama. Lupita fez o mesmo. Comecei a rir sozinha, estava feliz. – Ei, Fernanda, tô vendo que está mesmo em outro mundo. – Ai, Lupita, tô tão feliz, nunca esquecerei esta noite – falei. Fiquei ali parada olhando pro nada, estava começando a sentir sono, Lupita não falava nada, até achei que estivesse dormindo. – Fernanda? – Hum?! – Como é está apaixonada? – Ah, Lupita, é até difícil de explicar, eu, por exemplo, ando com o coração na Terra e a cabeça na Lua. Não presto atenção em nada, fico feito uma boba, quando estou perto do Gustavo. Eu acho que seja assim com a maioria das pessoas! – Sei... – Por que, Lupita, está apaixonada? – perguntei. – Não, só por curiosidade. Não falei mais nada, nem ela. Adormecemos.

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Despertamos bem cedo no dia seguinte. D. Letícia chegaria exausta da viagem e não queríamos que ela visse tudo bagunçado ou mesmo todo mundo dormindo. Lupita colocou o café no fogo e fomos preparar a massa para um bolo. Adorava fazer bolo, sempre ajudava mamãe quando ela ia fazer um. Pronto, colocamos no forno para assar e o café já estava na garrafa. Lavamos o que sujamos, limpamos a mesa e o chão, tudo estava prontinho. Depois de alguns minutos, o bolo já estava pronto, tiramos do forno para esfriar e logo depois cortamos em pedacinhos e colocamos em um depósito para ser servido. Aprontamos a mesa e agora, era só esperar que Gustavo acordasse para merendarmos todos juntos. Sentamos no sofá da sala e ligamos a televisão, só passava jornal e alguns desenhos animados, que por sinal, era a maior chatice, coisa de menino. Odeio aquelas vozinhas enjoadas. Acho que eles esquecem que o nariz é para respirar e não pra falar. Não passava nada interessante e só então desligamos o aparelho e ficamos ali, olhando pro nada. Já estava morrendo de saudade da mamãe, estranhei ela ainda não ter ligado. “Coitada, talvez ainda nem teve tempo” - pensei. Depois que papai adoeceu, ela só teve tempo para ele. Às vezes ficava um pouco enciumada, mas logo via que não tinha motivo para tal coisa, tudo isso ia passar e logo voltaríamos a ser uma família feliz. Falando em família, podia até imaginar como Gustavo se sentia longe definitivamente da sua. Pelo menos meus pais voltariam logo e os dele que não voltariam nunca mais? Chorei só de pensar que poderia ter acontecido comigo, lembrei-me de meus pais em outra cidade e chorei mais forte ainda. Olhei para o teto como se pudesse ver além dele, Deus, e pedi por tudo que é mais sagrado neste mundo que ele guardasse papai e mamãe. – O que foi Fernanda, por que está chorando? – era a Lupita. – Está se sentindo bem? – Estou bem, não é nada, só estou pensando na vida, é que tem horas que eu penso cada besteira. – Está com saudade de seus pais não é mesmo? – É, também estava aqui pensando. Sei que a mamãe pode chegar a qualquer hora e fico aqui chorando sua ausência, aí eu imagino como Gustavo se sente por saber que seus pais não voltarão jamais. – Pois é, Fernanda, ele não fala nada, mas seus olhos o coração sofrido. Ficamos as duas ali paradas como se tivesse morrido alguém e estivéssemos velando o seu corpo. – Fernanda, às vezes eu fico pensando, reclamo tanto por papai não 77


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está mais conosco, mas pelo menos eu ainda posso vê-lo, tocá-lo, abraçálo e Gustavo ao contrário disso nada pode fazer. – Só percebemos o quanto murmuramos na vida quando encontramos pessoas que passam por situações muito mais complicadas que a nossa – falei. – Você tem razão – falou tristemente. Depois que falei estas palavras, lembrei uma história que mamãe gostava de me contar quando era pequena e contei-a para Lupita. – Lupita, certa vez, mamãe me contou a história de um homem que ia andando pela imensidão de um deserto montado em um jumentinho e a única coisa que tinha para comer era banana. Ele se viu tão enjoado daquilo tudo, que murmurou para Deus: – Meu Deus, há tantos dias que eu só como estas bananas, bem que poderia ter uma coisa melhor pra eu comer! Deus ouvindo lá do céu bradou na terra: – Homem, pare de reclamar e olhe para trás! O homem olhou e viu que havia outro homem e que ele comia as cascas das bananas que ele deixava no caminho. Lupita ficou boquiaberta e falou: – Nossa, que história comovente! Estou no lugar deste homem do jumentinho, ainda tenho bananas para comer e fico a reclamar, enquanto outras pessoas só comem as cascas. – É isso mesmo garota, temos que aprender a nos contentar com o que temos! Ela ficou pensativa e eu me aconcheguei melhor no sofá. Tive a impressão de ter visto alguém pelo canto dos olhos, me virei e vi que Gustavo estava escorado na porta de seu quarto. Será que tinha escutado toda a nossa conversa? – Gustavo, venha pra cá – chamei. Ele obedeceu e se aproximou. – Nossa! Fernanda. Que palavras lindas, ia saindo do quarto quando te ouvi contando aquela história para a Lupita. Que bom que você pensa assim. Ufa! Quase que escuta o começo da conversa – pensei. – Obrigado Gustavo, é que não penso somente em mim – falei um pouco sem jeito. Ele ficou parado e ninguém falava nada. Senti o peso de dois olhos sobre mim, virei o rosto para Gustavo e nossos olhos se cruzaram. Se não 78


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fosse a Lupita, teríamos ficado nos olhando o tempo suficiente para que os meus olhos revelassem os segredos do meu coração, mas ele falou alegremente: – Bom gente, vamos fazer nosso desjejum que já estou morrendo de fome! Sentamos os três na mesa e começamos a saborear com muito gosto. O bolo estava uma delícia. Depois de comer um pedaço, Gustavo falou: – Hum! Quem fez este bolo? – Nós duas – falou Lupita. – Ah, é por isso que está uma mistura de flores. – Está enganado, não? Bolo a gente faz com mistura Dona Benta e não com mistura Dona Flores! – brincou Lupita. Caímos na gargalhada, quase me engasguei. Ela não perdia uma oportunidade de nos fazer rir. Enquanto ríamos, ouvi um barulho de carro muito próximo da gente. – Lupita, acho que sua mãe chegou, tá ouvindo um barulho de carro na garagem? – Tô, agora, tô! Ela se levantou da mesa e correu lá para fora e voltou abraçada com a mãe. Ouvi quando Lupita perguntou: – Como está o vovô, mamãe? – Bem melhor. E como soube que estava com teu avô? – O papai, ele veio aqui ontem à noite e me disse. Percebi que todas às vezes que a Lupita falava no pai a mãe entristecia. Não podia esconder que ainda amava o marido. Como sentia pena dela, queria que nada disso tivesse acontecido. Lupita se calou e mãe continuou: – Ah, então ele esteve aqui, lembrou que tem uma filha! – Ah, mamãe, ele não anda sempre por causa da senhora. Vocês não param de discutir! – É verdade minha filha, eu que sou uma tola. Quero que seu pai seja perfeito mesmo sabendo que não existe ninguém perfeito. – Pois é mamãe, vamos torcer para que as coisas se ajeitem, ainda vou vê-los felizes. Agora, vamos comer alguma coisa que, com certeza, está com fome. Já havia terminado, quando dona Letícia sentou à mesa. – Bom dia, Fernanda. Bom dia Gustavo. – Bom dia! –respondemos. Gustavo ia se levantar da mesa, quando dona Letícia falou: 79


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– Ah, já tinha esquecido – olhou para os dois e continuou – o avô de vocês quer que vão passar uns dias com ele, disse que está morrendo de saudades. Lupita me olhou e perguntou: – E a Fernanda, mamãe? – Falei sobre ela e quer conhecê-la, disse que se é sua amiga, também é da família. Quer que vão os três. – E você, não vai com a gente? – Não posso minha filha, só tenho uma semana de férias, preciso descansar em casa, mas vou deixá-los e buscá-los de carro. – E quando é que vamos? – Amanhã mesmo, se quiserem. – O que vocês acham? – perguntou Lupita. Não respondi nada e Gustavo falou: – Por mim, tá tudo bem. – E você Fernanda, o que acha? – Não sei, precisava falar com a mamãe, se ela chegar e eu estiver viajando, poderia não gostar – falei. – Não se preocupe, mamãe fala com ela. Tenho certeza que não iria se opor. – Então tudo bem – falei. Lupita já havia me falado sobre o avô, morava numa chácara enorme e era um velhinho bom e divertido, só que estava doente. Sua mulher, a avó da Lupita, cuidava muito bem dele. Fiquei um bom tempo tentando imaginar o velhinho e sua casa, devia ser a mais linda do mundo. Adoro lugares onde existem plantas, onde se pode ver o verde por todos os cantos, onde o céu é mais azul e o ar é menos poluído, diferente da cidade consumista. Despertei de meus pensamentos ao ouvir a voz do Gustavo falando pra Lupita que iria até à casa do Calebe. Na hora, pensei que não tivesse escutado direito, era difícil de acreditar. O que ele queria com o Calebe? Como eles se conheceram? Essas e outras perguntas invadiram meus pensamentos, senti uma raiva só de ouvir o nome Calebe. Queria que Gustavo ficasse distante dele, mas não estava no meu querer. Bem, eu não tinha nada a ver com a vida do Gustavo e não podia interferir nas suas amizades. Até que eu gostaria de fazer parte da vida dele, ah, como eu queria! – Fernanda, vamos me ajudar a arrumar nosso quarto – era a Lupita me chamando. – Sim, claro, vamos. Subimos para o quarto e não perdi a oportunidade de perguntar: 80


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– Lupita, como o Gustavo conheceu o Calebe? – Fernanda, pra falar a verdade, eu não sei direito, mas eu acho que foi no campinho perto da casa do Calebe. Gustavo foi jogar com os meninos na semana passada e daí pra cá, anda falando no Calebe e pelo jeito, eles se deram muito bem. – Ah, Lupita, eu não acredito, aquele imbecil não merece a amizade do Gustavo, não merece! Quase gritei ao falar a última frase, Lupita me olhou assustada e disse: – Nossa, menina, você nem parece a Fernanda que se derretia por ele, como as coisas mudam! – É isso aí, as coisas mudam e eu mudei. Calebe foi uma pedra no meu caminho na qual eu caí e quebrei a cara, mas agora estou de pé e pronta pra lutar. Dessa vez eu vou vencer. Lupita aplaudiu minhas palavras e continuou: – É assim que se fala, mostra pra ele quem é Fernanda Boegatto! Caímos na risada, Lupita me jogou na cama e correu. Peguei os travesseiros e atirei nela, dos quatro só acertei dois, agora estavam todos do lado dela, bem que ela poderia ter me dado uma surra de travesseiro, mas ao contrário disso, pulou em cima da cama e me abraçou. – Você é tão legal, Fernanda – disse Lupita. – Você é mais ainda – falei. Adorava aquela menina, era como uma irmã pra mim e creio que eu também era a irmã que ela não tinha. Éramos amigas desde a nossa infância, nossa amizade era linda de se apreciar. Quem não nos conhecia jurava que éramos irmãs, tínhamos quase o mesmo corpo, quase a mesma altura, nossos cabelos eram pretos brilhantes, falávamos as mesmas “abobrinhas”, enfim tínhamos muito em comum. Estávamos as duas deitadas na cama, ainda não tínhamos arrumado nada e a hora do almoço vinha se aproximando, quando falei pra ela que deveríamos ajudar dona Letícia na cozinha. Lupita disse: – Não, hoje não, já basta tudo que fizemos ontem. – Tá bom, preguiçosa! – falei. – Preguiçosa, é? – falou pulando da cama – então levante que temos muito que fazer neste quarto. Levantei da cama me arrastando, fingindo estar com preguiça. Ela sorriu e falou: – Vamos, pode deixar de invenção. Ri tanto que fiquei cansada. 81


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– Lupita, eu estou cansada! – Cansada de quê? De não fazer nada? – brincou. – Não fazer nada também cansa, sabia? – falei sorrindo. – Não. Estou sabendo agora! – respondeu. Deixamos de enrolar o tempo e começamos a colocar tudo em ordem, não demorou muito para que concluíssemos. Eu nunca vi um quarto mais bem organizado do que aquele, o meu, se perdesse alguma coisa, um brinco, por exemplo, a melhor coisa a fazer era esquecer e comprar outro, procurar seria perca de tempo. Certo que nos últimos dias eu havia dado uma geral no coitado, achei tanta coisa, joguei tantas outras no lixo, fazia até vergonha, mas estava decidida a me organizar. A última vez que o arrumei, fiz pensando no Gustavo, até parece que ele ia entrar lá, mas não importava, ele estava comigo em todos os cantos, estava no meu coração. Quando terminamos de arrumar o quarto de Lupita, tomamos banho, nos trocamos e Lupita colocou um CD internacional para escutarmos, não entendia quase nada, mas amei aquele repertório, a melodia, os acordes, o solo na guitarra, tudo se juntava e formava uma linda canção. Descemos logo mais para o almoço, dona Letícia havia caprichado em tudo. Gustavo chegou muito feliz da casa do Calebe, pelo jeito ia tudo bem com os dois. Que coisa! À tardinha, dona Letícia ligou para Mamãe e falou da viagem no dia seguinte. Ela concordou tranquilamente. Dona Letícia se despediu e passou o telefone para mim. – Mamãe, que saudade! – Oi, meu amor, também estou morrendo de saudades, seu pai tá mandando um beijo. – Mande um pra ele também – falei – mamãe, falando nele, como ele está? – Bem melhor, Fernanda. – Vocês voltam logo? – Ainda não sei dizer, mas não vai demorar muito, tá? – Tá bom. – Ei, se cuida viu, estou muito preocupada com você e teu pai nem se fala. – Tá. Podem ficar tranquilos, a família da Lupita é maravilhosa. – Eu sei minha filha e agora eu tenho que desligar, fica com Deus, mamãe te ama. – Tchau mamãe, também te amo! Desliguei o telefone e me sentei no sofá, era tão bom ouvir a voz da mamãe. Fiquei mais tranquila e agora estava adorando a ideia da viagem, ainda tínhamos que ajeitar as coisas que iríamos levar, mas isso fizemos às oito horas. Lá estavam várias malas. È sempre bom prevenir e levar tudo que se pode precisar, ninguém nunca sabe o que pode acontecer. Dormimos cedo, pois precisávamos descansar para viagem e devíamos acordar muito cedo no dia seguinte. 82


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– Lupita... Lupita, acorda! – O que foi menina? – ela olhou no relógio e continuou – Fernanda, ainda são quatro horas! – Eu sei, é que eu ouvi um barulho vindo lá de dentro – falei baixinho morrendo de medo. – Deve ser impressão sua, vá dormir que temos que nos levantar às seis! Vi que não adiantava falar nada pra ela e fiquei parada na cama, estava com muita sede, mas não tinha coragem de ir até a cozinha, pensei em chamar a Lupita só que quando ia fazer isso, ela deu um pequeno ronco, meu coração quase sai pela boca. Estava tudo escuro, contei até três e levantei da cama, meti o pé na escrivaninha e fiquei pulando de um pé só no quarto. Ah! Que dor tremenda! Quase gritei, só que da minha boca não saiu som nenhum. Fui andando em direção à porta, não conseguia enxergar nada direito e só aí lembrei que Lupita guardava na gaveta da escrivaninha uma lanterna velhinha que ela ganhou do avô, só que ainda prestava. Abri a última gaveta e lá estava ela, do mesmo jeito que a gente deixou. Apertei o único botão que tinha e funcionou. A luz era muito fraquinha, mas era melhor que nada. Abri a porta do quarto tentando fazer o mínimo ruído possível e saí. Eram quatro e vinte da madrugada e ainda estava tudo escuro. Olhei pelas frestas da janela da sala e só vi gatos dormindo nos muros das casas vizinhas. Olhei para porta do quarto do Gustavo e percebi que estava fechada, tudo tranquilo. Ia para cozinha beber água quando ouvi outro ruído, senti vontade de correr para o quarto e me esconder debaixo do cobertor de tanto medo que senti, mas não conseguia nem me mexer direito, pensei em tantas besteiras. Achei que fosse um ladrão, um gato ou até outro bicho qualquer. Na hora, me lembrei de um ditado popular que ouvi no colégio “se correr o bicho se ficar o bicho come”, não sabia mais o que fazer. Continuei ouvindo passos, agora vindos em minha direção. Paralisei de medo e soltei uma exclamação bem baixinho: – Ai, meu Deus! Os passos se tornaram mais próximos de mim, direcionei a lanterna para qualquer lado e com a voz trêmula, perguntei: – Quem está aí? Em resposta escutei: – Tem alguém aí? 85


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Aquela voz me era familiar, meu coração ainda saltava desesperadamente, pausei a lanterna sobre o corpo da pessoa a minha frente e logo descobri quem era. – Gustavo! – Fernanda! – O que você está fazendo aqui? – perguntei. – Quase me mata do coração! Ele sorriu e respondeu: – Desculpa, não queria te assustar, só estava sem sono e vim até a cozinha beber água. E você? – Ah, eu acordei morrendo de sede, só que foi uma peleja vir até aqui, ouvi barulhos estranhos e fiquei com muito medo. – Sei... Você foi muito corajosa, sabia? – Eu corajosa, por quê? – Porque se fosse eu, morreria de sede em cima da cama e não desceria sozinho para beber água sabendo que poderia ter alguém aqui em baixo! Ri da expressão dele, não dava para acreditar que fosse verdade, acho que só falou aquilo para que eu me sentisse melhor, será? Claro! Ele não tinha cara de medroso! – Deixa de conversa, Gustavo, você não tem cara de medroso! – Ah, eu tenho cara de que então? – brincou. Fiquei sem saber o que responder. Se não estivéssemos no escuro ele teria percebido minha expressão de vergonha. Depois de pensar algum tempo, acabei falando algo sem pensar; – De anjo! Depois que falei, fiquei com mais vergonha ainda, aquelas palavras saíram da minha boca sem permissão, foi um impulso do coração. Gustavo não falou nada, senti um toque suave sobre meus lábios, eram suas mãos que acariciavam meu rosto. Ele me abraçou e pousou seus lábios nos meus. Soltei a lanterna no chão e ficamos completamente no escuro, era INACREDITÁVEL! Enlacei o seu corpo com meus braços e ele acariciou meu cabelo e me beijou intensamente. Senti seu perfume, seu cheiro, as batidas do seu coração sobre meu peito. Aquele foi o melhor momento da minha vida. Como eu o amava! Ele beijou o meu pescoço e falou baixinho no meu ouvido: – Você também tem uma carinha de anjo! Aquelas palavras invadiram o meu ser, era como se estivesse no meio de um sonho no qual morreria de medo de acordar. Queria que aquele 86


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momento fosse eterno. Não consegui falar uma palavra se quer. Estávamos ainda abraçados quando Gustavo falou: – Acho melhor você ir de deitar, já vai dar cinco horas. – Tá bom. Já ia saindo quando ele falou: – Não vai beber sua água? – Ah, eu vou! Enchi um copo com uma água bem geladinha e pensei: pra que beber mais um copo de água se eu já me saciei em uma fonte? Sorri enquanto pensava. Como na cozinha, a única luz que havia era a da geladeira, Gustavo aproveitou, antes que eu fechasse, para apanhar a lanterna que estava no chão. Ao apanhá-la, clareou o meu rosto e eu sorri para ele. Ele também sorriu para mim. Estávamos próximos novamente, fechei a geladeira e ele falou: – Vamos. Eu te acompanho até o quarto. Colocou o seu braço sobre o meu ombro e fumos para meu quarto. Subimos as escadas, abri a porta e antes que pudesse entrar ele segurou minha mão e falou: – Boa noite! Sorri para ele e respondi: – Bom dia! – É que ainda não dormi – ele falou sorrindo. – E nem vai dormir mais, daqui a pouco dá seis horas e temos que viajar. – É. Eu sei – falou. – Pois vá descansar pelo menos uma hora! – Então já vou, até daqui a pouco! – Até. Ele se virou e partiu. Fiquei olhando para ele com olhar de quero mais e dei um gritinho de alegria, acho que ele escutou. Quando estava no meio da escada, parou, virou e perguntou: – O que houve? Nossa, ele escutou mesmo! Inventei qualquer coisa: – Uma barata! – menti. – Quer que eu mate? – Não, ela já foi embora. – Ah, tá bom! Continuou seu caminho, entrei no quarto e fechei a porta, Lupita dor87


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mia como uma pedra. Eu me deitei sobre a cama e me virei para a escrivaninha, já dava para vê-la melhor, pois o dia já tinha raiado. Só aí me lembrei de que a lanterna estava com o Gustavo. E se a Lupita fosse levá-la para casa do avô? Agora estava sem jeito, tudo que tinha a fazer era tentar descansar um pouco e esquecer tudo. Até que parece que seria fácil esquecer tudo o que aconteceu, mas quem disse que eu queria esquecer? Só nunca! Fechei os olhos e fiquei relembrando os bons momentos. Ouvi o galo cantando, a respiração da Lupita e o ruído nas ruas de algumas pessoas que acordavam cedo para trabalhar. Como não conseguia dormir, fui até a janela e fiquei esperando o nascer do sol, quem sabe ele não me desse sorte e fizesse renascer um novo brilho dentro de mim. Ele demorou um pouco e quando resolveu aparecer estava incomparável, não sei se era porque estava feliz e tudo nos meus olhos tornava-se perfeito, mas que estava lindo estava! Nada melhor que está de bem consigo mesma.

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Alguns minutos depois, ouço o despertador da Lupita tocar e como ela não dava sinal, fui até a escrivaninha e o desliguei. Ela ainda dormia e já eram seis horas da manhã. Sentei na beirada da cama e chamei: – Lupita, acorda! Ela se virou e falou: – O que foi? Tá ouvindo outro barulho lá dentro? Sorri e respondi: – Não, acabo de ouvir o despertador aqui no quarto nos avisando que são seis horas da manhã. Ela pulou da cama e disse: – O que? Já são seis horas? Vamos cuidar em ajeitar as coisas para viagem! – Lupita, já está quase tudo pronto, não é preciso tanta pressa, agora vamos tomar banho e descer para merendar. – Tomar banho uma hora dessas? – ela falou. – Sim, agora – falei. – Pois vá você primeiro. – Tá bem, mas quando eu sair do banheiro quero que você esteja pronta pra entrar! – Ok! Não gostava de molhar o cabelo cedo demais, por isso penteei e fiz um cocó. Tirei a roupa de dormir e botei a toalha enrolando o meu corpo. Já estava pronta pra entrar quando ouvi uma batida na porta. – Ah, deve ser a mamãe – a Lupita falou. Ela abriu a porta, só que não era dona Letícia, era o Gustavo e ele estava com a lanterna na mão. E agora, como explicar para Lupita? E para complicar ainda mais, eu estava só de toalha. Ele me olhou, depois olhou para ela e falou: – Vim deixar a lanterna! – A Lupita me olhou sem entender nada. – Que lanterna? – A da Fernanda, ora! Pronto, e agora? – Não, esta lanterna é da Lupita – falei. – A lanterna que o vovô me deu? O que você está fazendo com ela? Engoli em seco e antes que Gustavo falasse alguma coisa continuei: – É que... Eu a peguei para ir até a cozinha tomar água, ontem à noite. – E o que ela está fazendo com o Gustavo? – Ah, sim... Você lembra quando eu te acordei hoje de madrugada? 91


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– ela balançou a cabeça que sim, então continuei – pois é, era porque ouvi um barulho na cozinha e este mesmo barulho o Gustavo também escutou, quando cheguei na cozinha o Gustavo já estava lá e ele pediu a lanterna para ver o que era – ela interrompeu e perguntou o que era. – Acho que era um gato, pois quando a gente clareou com a lanterna ele saiu correndo feito um louco. Depois disso, voltei para o quarto e esqueci a lanterna com ele. – Nossa! Isso tudo aconteceu e eu não vi nada! – Exatamente! Gustavo entregou a lanterna e disse que esperaria a gente lá em baixo. Sorriu para mim e saiu. Quando a Lupita fechou a porta eu já tinha corrido para o banheiro, não queria falar nada pra ela por enquanto. Quando abri o chuveiro, quase gritei, a água estava um gelo, acho que não passei três minutos, saí e a Lupita entrou. Se eu passei três, ela passou um e meio. Quando pensei que havia entrado, já vinha era saindo. Arrumamo-nos, pegamos as bolsas e descemos. Dona Letícia e o Gustavo já tinham tomado o café da manhã, também do jeito que a gente demorou, se eles fossem esperar, no caso de muita fome, passariam mal. Já iam dar sete horas quando terminamos. Pegamos as coisas e fomos para o carro. Lupita sentou na frente com a mãe, eu e Gustavo ficamos atrás. Não sabia onde por a cara, se estivéssemos no escuro aí sim, seria diferente. A viagem duraria no mínimo umas quatro horas de carro e não dava pra ficar este tempo todo calada, tinha que falar alguma coisa, mas o que? Pensei... Pensei e tive uma ideia: – Gustavo! – Oi – ele me olhou. – O que você está achando aqui de Petrópolis? – Bem, é um pouco diferente de onde eu morava, mas é muito bom. É divertido e também encontramos pessoas chatas, legais e maravilhosas como você! – Nossa! Você acha mesmo? – Claro, te dou minha palavra. – Gustavo, você é tão legal e tão diferente dos outros rapazes. – Que nada, eu sou o tremendo de um chato! Por incrível que pareça criei coragem, segurei a mão dele e continuei: – Você pode ser chato para outras meninas, mas para mim é o cara mais legal que eu já conheci! Ele apertou minha mão e sorriu pra mim. Ficamos assim de mãos da92


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das, ele encostou a cabeça no banco do carro e ficamos colados. Pelo jeito ele não tinha dormido nadinha mesmo, dava para perceber o quanto estava com sono. Olhei para ele e perguntei baixinho: – Está com sono? – Estou. Não dormi quase nada esta noite. – É, dá pra ver. Passei meu braço pelas costas dele e segurei no seu braço. Ele foi virando a cabeça até encostar-se ao meu ombro, fiquei acariciando seu cabelo e depois de algum tempo ele adormeceu. Fiquei olhando pela janela do carro, a paisagem era linda de se admirar, vi muitas árvores, montanhas, serras. Chegamos a uma cidadezinha. Vi as coisas ainda enfeitadas por causa das festas juninas, mas o que eu achei mais legal foi um casal de namorados que eu vi abraçadinho. Senti uma vontade enorme de abraçar e beijar o Gustavo. Queria que ele fosse meu namorado, depois meu marido e por fim, minha alma gêmea. Queria que ele fosse minha outra metade, que fizesse parte de mim. Beijei a cabeça dele e continuei a passar meus dedos por entre o lindo cabelo dele, como era macio e cheiroso. Peguei novamente a mão dele e entrelacei nossos dedos. Repousei minha cabeça no banco e fechei os olhos. Fiquei assim um bom tempo, até que a Lupita me despertasse. – Hum, vejo que o negócio aí está bom! Não falei nada, apenas vi Lupita se virar para a mãe e ficar cochichando não sei o que. Nem liguei, agora encostei a minha cabeça na do Gustavo e fiquei pensando na vida.

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“Chácara Dom Bosco”, li numa placa branca e iluminada, Lupita olhou pra mim e falou: – Chegamos Fernanda! Aquela era a chácara mais bonita que eu já tinha visto e era tudo como eu imaginei. Enquanto nos entrávamos por um enorme portão chamei Gustavo que ainda dormia. – Gustavo, chegamos! Ele abriu os olhos, porém logo os fechou por causa da claridade do sol, voltou a abri-los novamente e tirou a cabeça do meu ombro. – Ai, que dor no pescoço! Sorri e falei: – Também do jeito que você dormiu este tempo todo, a probabilidade é de está doendo mesmo. – Nossa, nós já chegamos? Falou Gustavo quando já estávamos dentro de um enorme pátio. – Já, é? Pensei que não chegaríamos nunca! – Está cansada? – perguntou. – Um pouco – respondi. – Desculpa por ter dormido no seu ombro. – Não foi nada! Descemos do carro e avistei muitas pessoas na varanda da casa. Vi dois velhinhos, que com certeza eram os avós de Lupita, eu observei também algumas crianças, duas mulheres e duas moças que talvez tivessem seus quinze ou dezesseis anos. Pegamos nossas bolsas e fomos todos para varanda, quando chegamos lá, conheci aquelas pessoas. Os dois velhinhos eram realmente os avós da Lupita e do Gustavo, as crianças eram os primos, as duas mulheres eram as tias e as duas moças, uma era prima e a outra amiga dela. Depois que eles abraçaram todo mundo, me apresentaram. Seu Bosco era um amor de pessoa e a dona Rosa nem se fala, beijaram minha testa, fiquei com um pouco de vergonha, pois estava sendo o centro das atenções. Todo mundo me olhava e sorria menos a Roberta, amiga da Bianca, a prima da Lupita. Afinal o que eu fiz com ela pra agir daquela maneira? Ela era loira e magra e muito bonita. Percebi que não parava de olhar para o Gustavo e fiquei com mais vergonha ainda quando a Lourdes, a tia do Gustavo, perguntou para ele: – Ela é sua namorada, meu filho? – Não tia, ela é minha amiga. 97


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Fiquei com um pouco de raiva com sua resposta, não sei por que, mas fiquei e para completar, depois que o Gustavo falou que não me namorava, a Roberta sorriu. Agora caiu a ficha, com certeza teria se apaixonado por ele. Eu não tirei a razão dela, pois ele era um tremendo gato. Fique um pouco triste, não queria que ela se tornasse minha rival. Olhei para Bianca e logo deu pra perceber o quanto era legal. Gostei dela e do seu jeito de ser. Era simpática, humilde e também bonita, só que gordinha e um pouco mais baixa que a Roberta. Enquanto observava, a família conversava sobre vários assuntos. A Bianca se aproximou e chamou nós três para mostrar nossos quartos. Pegamos nossas bolsas e a seguimos. Atravessamos uma sala enorme e chegamos numa salinha menor. Andamos por um corredor e chegamos aos quartos das visitas. Eram todos mobiliados, lindos, ficamos em um que tinha duas camas de solteiro, não queria me separar da Lupita, o Gustavo ficou no do lado, que também era lindo. Nem percebi que a Roberta tinha ido atrás da gente, só vi mesmo quando ela disse para Bianca que ia para o quarto. A Bianca disse que estava tudo bem e que ela também iria. Depois que Roberta partiu, a Lupita perguntou: – Desde quando são amigas? – Faz pouco tempo, conheci a Roberta quando fui passar o natal na casa da tia Lola, ela é madrinha da Roberta, nos conhecemos e no mesmo dia nos tornamos amigas, então eu a convidei para passar as férias aqui comigo na chácara. Os pais dela vêm buscá-la no dia 23. – Nossa! Hoje ainda é dia 15! – “Ainda não”, hoje “já é 15”, gosto da companhia dela, aqui, quando não tem ninguém é um tédio! E vocês quando voltarão para casa? – Ainda não sabemos! – Lupita respondeu. – Podem ficar o tempo que quiserem! Bem, agora eu vou tomar um banho, daqui a pouco o almoço fica pronto e venho chamá-las. Gustavo já havia entrado no quarto dele quando a Bianca saiu, ficamos as duas sozinhas paradas em frente ao nosso quarto depois entramos para arrumar nossas coisas e tomar um banho. Estava mais cansada do que nunca e também morta de fome, estava torcendo para que o almoço saísse logo. Tomei um banho, troquei de roupa e me deitei na cama, Lupita cantava no banheiro enquanto se banhava. Fiquei observando a voz dela, era suave e mimada, sempre gostei de música. Lembrei-me da vez que participei de 98


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um concurso no colégio e fiquei em segundo lugar, se fosse recentemente teria ficado em primeiro. Lupita saiu do banheiro, se trocou, penteou o cabelo, foi até a janela e ficou parada por algum tempo olhando para fora. Depois me chamou: – Olha Fernanda, venha ver como aqui é bonito! Levantei e me escorei na janela ao lado dela, realmente era mesmo magnífica a vista do quintal, era enorme, parecia mais um pomar de tantas árvores que tinha e todas elas verdinhas. Respirei fundo aquele ar maravilhoso, olhei para o céu e vi que era magnificamente azulado. Olhei para os lados, havia algumas casas, a mais próxima era uma verde com uma varanda pequena e um pouco gasta, vi que a porta se abriu e um rapaz alto saiu por ela. Olhei para Lupita e ela também olhava para o rapaz, não dava para vê-lo direito, mas não parecia ser feio. Nem liguei muito para o mesmo, desviei o olhar para o gramado, só que a Lupita parecia interessada em saber de quem se tratava: – Fernanda, quem será aquele rapaz? Será que mora sozinho? – Lu, não faço ideia, mas terá tempo suficiente para descobrir, se você quiser! – Ah, se quero! – falou. – Hum, não se apaixonou a primeira vista, se apaixonou? – Deixa de besteira, Fernanda, é só por curiosidade! – Nossa! Como você é curiosa! Ela sorriu e continuou olhando: – Olha, Fernanda, ele tirou a blusa, veja que corpo sarado, está vendo? – Estou, mas não devo, já sou comprometida, meu coração já tem dono! – Que bom! Como sou livre, olhar não me arrancará pedaço. Sorriu e suspirou fundo. Voltei para a cama e a deixei sozinha na janela, seria até bom que ela se apaixonasse, talvez até esquecesse um pouco dos problemas. Fechei meus olhos e voltei meus pensamentos para Gustavo, me lembrei do nosso beijo, dos braços que me enlaçavam, do seu olhar que me hipnotizava, queria tanto ouvir da boca dele que me amava, que gostava de mim, mas temia que isso nunca acontecesse. Lembrei-me de como a Roberta havia olhado para ele e pensei: será que ela pretende conquistá-lo? Por que as loiras estavam se metendo tanto no meu caminho? Já estava com gastura de loiras, dei graças a Deus por ter meu cabelo tão pretinho. Lembrei também do dia que o Calebe me trocou, deixou de gostar de mim pra gostar da seca da Rafaela, e o pior: ela 99


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era loira, acredita! Veio a minha mente aquele ditado que diz: “Pelo fruto conhecerás a árvore”, e brinquei em meus pensamentos: “pelos cabelos conhecerás a raça”. Ri sozinha, mas depois me achei um pouco preconceituosa, na verdade nem todo mundo é igual, quem sabe não acho uma loira legal?

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Meu estômago roncava de fome e nada de virem nos chamar. Lupita se cansou de ficar em pé na janela e já havia se deitado na cama. Ouvi a voz da Roberta bem próxima da gente, ouvi quando uma porta se abriu e, sem dúvida, era a do quarto do Gustavo. Fiquei esperando que ela viesse até o nosso quarto nos chamar, só que o tempo passava e isso não acontecia. “Será que ela já foi sem nos chamar”, pensei. Lupita já reclamava a demora, perguntei se ela sabia onde ficava a sala das refeições e ela disse que não. Olhei no relógio que havia na parede e já ia dar doze e meia. A impaciência já me dominava e a Lupita nem se fala! Ouvimos uma batida na porta. - Meninas, sou eu, a Bianca! Abri a porta e ela continuou: - Por que não foram quando a Roberta veio chamar? - E quem disse que ela veio chamar? - perguntei. - Não veio? Ela disse que chamou e ninguém atendeu, achou que estivessem dormindo! - Ela não encostou nem na nossa porta! Ouvimo-la chamar na do Gustavo. - É. Realmente ela só chegou com ele. Lupita me olhou e tomou a palavra: - Bianca, sabe o que eu acho? Que essa Roberta não vale uma pipoca podre! Se ela soubesse o quanto estou com fome, não faria uma coisa dessas! Achei muita graça da expressão da Lupita, a Bianca, ao contrário, estava séria e defendeu a amiga: - Calma, Lupita, ela só deve estar um pouco enciumada por vocês estarem aqui, mas isso logo vai passar. Vocês vão ver! - Espero mesmo! Ah! E acho melhor ela manter distância do Gustavo, estou só avisando! - Eu, hein, Lupita, o que deu em você? - Até agora, nada, só que se ela não tomar cuidado, vai dar barraco. Por incrível que pareça, a Lupita estava tirando as palavras da minha boca, pelo menos eu a tinha pra me ajudar. - Acho melhor andarmos logo, vejo que estão mesmo com fome, olhe a sua situação, Lupita. A Lupita estava vermelha de raiva, eu pelo menos tentava disfarçar. A Bianca agora sorria, mas nós duas continuávamos sérias, e bem sérias! Atravessamos o corredor, a cozinha enorme e chegamos numa sala não muito grande, onde já havia várias pessoas a mesa, que por sinal era muito chique. Como aquele era um dia especial para seu Bosco e dona Rosa, estavam todos reunidos, dos empregados ao patrão. Amei aquele momento, 103


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logo percebi que ali todos eram tratados por igual. Só havia três lugares vazios, O Gustavo estava do outro lado, perto da dona Letícia e a Roberta estava do lado dele. Ao me ver, ele sorriu, só que estava com tanta raiva dos dois, que fingi que não o vi. Deu até vontade de sair correndo dali, me trancar no quarto e morrer de fome, quem sabe seria melhor do que vê-lo ao lado daquela víbora. Tentei me aguentar para não chorar ali na frente de todo mundo, será que o Gustavo não percebia que estava me machucando, será que ele era tão inocente para não perceber as intenções dela, será que aquele beijo não significou nada pra ele? Sentei do lado da Lupita, estava me sentindo um nada, ao perceber minha amargura, apertou minha mão e murmurou para que só eu pudesse escutar. - Vai dar tudo certo, você vai ver, ela já estava na minha lista. Tenho certeza que o Gustavo não te trocará por ela, olhe como ele está te olhando. - Prefiro não olhar, Lupita, prefiro nem olhar! ─ exclamei bem baixinho. Dona Rosa olhou para todo mundo e perguntou: - Todo mundo pronto, já posso servir o almoço? Seu Bosco tomou a palavra e falou: - Pode servir Rosa, já estamos todos com fome, olhe que horas são! Ela começou a destampar a panela quando a Bianca falou: - Espere! Está faltando uma pessoa, o Geovane ainda não chegou. - Nossa! Como pude esquecer-me dele, vá ver se o acha em casa Bianca! Ela obedeceu e saiu. “Ai meu São Cristinho, mais isso ainda”, pensei impacientemente. Vi impaciência na voz da Lupita quando ela me falou: - Quando ela fechou a boca o tal Geovane vinha entrando, acompanhado pela Bianca, para mim já o tinha visto em algum lugar. A Lupita me cutucou e cochichou no meu ouvido: - Fernanda, é ele, é ele! - Ele quem, menina? - É ele que vimos naquela casa verde, então o nome dele é Geovane! Só aí me lembrei, era ele realmente, alto e mais bonito do que imaginávamos. E ele se sentou ao lado da Lupita, que coincidência, não? - Pronto agora, pode servir Rosa, não falta mais ninguém. Pelo menos é o que acho! A Lurdes se ofereceu para ajudá-la e em pouco tempo, estávamos todos servidos. Ela encheu meu prato, parece que estava adivinhando o tamanho da minha fome. Se mamãe estivesse ali, teria me dito: “Fernanda, você nunca come desse tanto!”. Aí, eu diria pra ela: “com a fome que estou, comeria até mais!”. Era só me preparar para escutá-la me repreendendo: 104


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“tenha modos, minha filha!”. Mas, como ela não estava, comi exageradamente. Por favor, não me ache sem modos, é só maneira de falar. Comi calada, também não tinha com quem conversar, a Lupita estava do meu lado, mas nem parecia, ela havia esquecido tudo, acredita que ela estava no maior papo com o Geovane? Pelo jeito, estava completamente apaixonada. Fiquei feliz por ela, torcia para que encontrasse um verdadeiro amor, do jeito que ela era bonita, não duvidava nadinha que Geovane ficasse caidinho por ela. Olhei para o Gustavo, só que ele nem percebeu, estava conversando com a tia, sorri ao ver a cara da Roberta, pelo jeito, ele não estava nem aí pra ela. Menos mal! Ela percebeu que estava sendo observada e me encarou, não baixei o olhar, fiquei firme, ficamos nos encarando por um bom tempo. Acho que ela cansou, meus olhos só faltavam faiscar e só assim ela abaixou olhar, não dei o braço a torcer, só depois disso, mudei de direção e deu uma “rabissaca” pra ela. Se ela queria guerra, então guerra ela teria, e não estava a fim de entrar nessa pra perder. “Ela que se dane”, pensei enquanto comia a última colherada de sobremesa. Algumas pessoas já haviam voltado para suas casas, as que moravam ali mesmo já haviam terminado e voltaram para seus quartos. Dona Rosa tirava a mesa junto com Teresa, a empregada, não sei por que não a deixava trabalhar sozinha. Ouvi quando seu Bosco reclamou: - Deixa que a Teresa limpa tudo, Rosa. Agora vamos descansar um pouco. Ela obedeceu ao velho e saíram juntos. Só ficaram os jovens a mesa, só estavam ainda ali, porque esperavam a Lupita que ainda conversava com Geovane. A Bianca se levantou e perguntou se a Roberta queria ir com ela. Roberta respondeu que não, pois ia esperar o Gustavo. - Pode ir andando, que não vou agora! - Gustavo falou. - Ah, tudo bem! Segurei para não soltar uma gargalhada na frente dela, queria que a Lupita tivesse escutado, mas não escutou. Roberta se virou e resolveu seguir a Bianca, parecia um cachorrinho abanando o rabinho entre as pernas. Sabe que senti pena dela! Coitada, que mico ela pagou. Se fosse eu, cavaria um buraco e me enterraria dentro dele. Devia dar este conselho a ela? Não, melhor não! Levantei e já ia pro meu quarto, nem falei nada pra Lupita, não queria atrapalhar nada. Gustavo pediu que o esperasse. Atendi ao pedido e parei 105


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de andar, ele me acompanhou e seguimos em silêncio, não tínhamos assunto. Chegamos ao quarto dele, ele abriu a porta e falou: - Entre! - Entrar no seu quarto? - O que é que tem? Ninguém tá vendo! - Mas Gustavo... - Fernanda, por favor, não dá pra conversar aqui, não quero me encontrar com a Roberta. Fiquei pensativa e ele continuou: - Então vamos para o seu! - Não, a Lupita vai já pra lá. - Então, entre logo, quero ficar a sós com você. Estremeci dos pés a cabeça, afinal o que eu estava esperando? Entrei e deixei de enrolar. Estava tudo tão arrumadinho, lindo mesmo! - Este quarto é a sua cara ─ falei. - Por quê? Ai, ai, ai, lá vem ele com a mesma pergunta que sempre me deixava contrariada! - Porque é lindo! - É eu já sabia ─ falou sorrindo. - Convencido! ─ falei. - Você foi quem me convenceu disso. Olhei para ele e sorri. Ele fez o mesmo. Sentei na cama e, ainda em pé, continuou; - Por que nem ligou pra mim, enquanto estávamos na mesa? - Pensei que estivesse tendo atenção demais por parte da Roberta. - Sua bobinha ─ sentou ao meu lado ─ estava pedindo a Deus para me livrar logo dela. Segurou minha mão e continuou: - Olha Fernanda, eu não me sinto tão bem ao lado de uma garota, como me sinto quando estou com você. Pode ser difícil de acreditar, mas eu gosto de você ─ caiu de costas na cama e suspirou. Parecia um sonho ouvir isso da pessoa amada, deitei também de costas na cama e fiquei olhando para o teto. Meu coração pulava de alegria, não aguentava mais de emoção, me virei de lado, coloquei minha cabeça no peito dele e ouvi as batidas do seu coração. Ele passou o braço pelas minhas costas e me laçou forte, senti sinceridade naquele abraço, acariciou meus cabelos, até que adormeci com um sorriso nos lábios, sorriso de felicidade. Estava feliz de verdade! 106


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Entrei no quarto na ponta dos pés, olhei no relógio e já eram quatro horas. Havia dormido mais de três horas, deixei o Gustavo ainda dormindo, ele estava exausto e precisava descansar. A Lupita estava deitada e parecia dormir, fiquei mais tranquila, quando ia me sentar na cama, quase caio no chão, quando ela falou: – Estou vendo – se virou – onde você estava mocinha, te procurei por todos os lugares, cheguei até a pensar que estivesse fugido da chácara! – Ah, é..., eu estava lá fora tomando um ventinho. – Lá fora, onde? Que eu procurei por todos os cantos e não a vi? – Ah, porque você não me viu mesmo! – Tá me chamando de cega? – Não, claro que não. – Vamos, estou esperando, desembucha! – Tá bom, tá bom, estava no quarto do Gustavo. – No quarto de quem? Quase caí da cama num impulso. – Do Gustavo! – Fernanda...! – Besteira menina, só conversamos um pouco e depois adormeci, por isso cheguei a essa hora. – Tá bom, vou fingir que acredito! – Ah, acredite se quiser. Nada vai tirar a minha felicidade, nada! – Nem mesmo a Roberta? – Nem ela, nem ninguém. – Ah, me conta o motivo de tanta felicidade, conta logo! – Ele gosta de mim, Lupita. Ele disse isso pra mim. – Uau, até que enfim! – É, até que enfim! Ficamos calados por algum tempo até que ela falou: – Ah, mamãe deixou um beijo. – Ela já foi? Não iria só amanhã? – Já, precisou ir hoje ainda. – Por quê? – Não falou o motivo, mas acho que ela não gosta muito daqui. – Nossa, como uma pessoa pode não gostar de um lugar tão bonito como este? – Não sei, ela sempre gostou de cidades grandes como metrópoles, acho que é porque lá tem mais recursos. 109


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– Realmente você tem razão. – Por mais que lá tenha mais recursos, prefiro morar aqui – falou – quando me casar aqui será meu novo lar. – Ainda mais que o noivo é daqui, em? – Que noivo? – Ora que noivo, quer bem dizer que não está caidinha pelo Geovane! – Não sei, tenho medo de não passar de emoção! – Eu também pensava assim. Olha no que deu! – Ele é tão legal, Fernanda. Você precisa conhecê-lo. É um amor de pessoa. – E um tremendo de um gato, em? – Nossa! É mesmo. – Ele é empregado do seu avô? – É o motorista dele e o homem de sua confiança. – Hum, então vai ser fácil! – Quem garante? – Eu garanto. Você vai ver, vai sair tudo nos conformes. – Ele vai nos levar para passear de carro amanhã e depois vamos tomar banho no açude. Você vai? – Claro, vou bem perder! – Acho que a Roberta também vai. – Eu quero é que ela vá mesmo. – Pra quê? – Pra ver minha felicidade. – Ah, sim. – Lupita, vai ser difícil conviver com aquela garota aqui. Ela é um saco, ainda mais dando em cima do meu garoto. – Não se preocupe, vamos colocá-la no lugar dela bem ligeirinho. – É isso aí! Lupita foi até a janela, já sabia o que procurava com os olhos e pelo jeito, encontrou. – Ele é muito fofo Fernanda, olha que corpinho sarado! E aquele rostinho lindo dele, o cabelo é tão liso e pretinho, me deu vontade de passar meus dedos nele. Fiquei só observando ela admirar o rapaz, ficava mais linda ainda apaixonada. Será que ela já havia se apaixonado por alguém além de Geovane? Nunca comentou nada comigo. – Lupita, vamos lá pra fora? 110


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– Ah, Fernanda, a vista aqui tá tão bonita! – Então eu vou sozinha, caso você canse de ficar aí, eu estarei lá na varanda! Ela não respondeu nada, também nem insistiu mais e abri a porta para sair. – Espere, eu também vou sair! – Ué, mudou tão rápido de opinião, por quê? – Porque o Geovane ligou o carro e saiu. Fechei a porta e saímos, não havia ninguém no meio da casa, estava tudo tranquilo, ali reinava uma paz incomparável, é até difícil de explicar como gostei daquele lugar. Quando chegamos à varanda, a Lupita se alegrou. O Geovane estava com o carro parado no pátio, pelo jeito, eles iam sair, pois dona Rosa e seu Bosco estavam dentro e a Bianca entrou logo depois. Ao nos ver, seu Bosco chamou: – Vamos meninas, subam, vamos dar uma voltinha e comprar algumas coisas. A Lupita não pensou duas vezes e obedeceu, eu não estava a fim de ir e nem me mexi. – Você não vai, Fernanda? – a Lupita me perguntou. – Não, vou ficar aqui mesmo, pode ir, vou ficar bem. – Tá bom, então, tchau! Lupita subiu no carro e acenou, a Bianca também acenou, dei com a mão e sorri. Depois que eles partiram, me dei conta que a Roberta não estava no carro com elas. Afinal, onde ela podia estar? Será que ela cavou mesmo o buraco pra se enterrar? Não, acho que ela não me fez esse favor, devia estar trancada no quarto. Pra falar a verdade, eu não estava nem aí para onde ela poderia estar, tirei-a da mente e saí para o pátio. Dei a volta na casa e pisei no gramado verdinho que tinha visto pela janela do nosso quarto, de perto, parecia ainda mais lindo. Andei por entre as árvores e logo depois me sentei ao tronco de uma árvore bem baixinha. Fiquei observando ao meu redor, vi as casinhas dos empregados do seu Bosco, algumas crianças corriam pra lá e pra cá, não sei como não cansava daquela correria toda, mas criança é criança. Pousei minha cabeça na árvore e comecei a contar uma canção que eu gostava muito, olhei para o lado e tive a impressão de ter visto a Roberta pela janela do quarto do Gustavo. Não consegui mais cantar e fiquei olhando na mesma direção para ver se via mais alguma coisa. Só aí, tive a 111


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certeza que havia visto realmente a Roberta, ela estava de costas para mim na janela, precisava saber o que ela queria no quarto do Gustavo. Levantei feito uma fera e fui andando em direção à janela, me abaixei para que eles não me vissem, encostei-me à grade e escutei quando o Gustavo falava pra ela: – Olha Roberta, não me procure mais, já sou comprometido. – Não tem problema, Gustavo, se você ficar comigo, ninguém vai ficar sabendo. – Já chega garota, eu não sou quem você tá pensando, você não me conhece. Já vi que você não é de confiança! – Mas, Gustavo... Ele abriu a porta e a interrompeu. – Faça o favor de se retirar, Roberta! – Nossa Gustavo, vejo que me enganei com você! – E se enganou mesmo! Ela saiu pisando duro e Gustavo bateu a porta atrás dela. Ouvi quando ele ainda disse: – Menina mais chata! Depois disso, fez-se silêncio e saí do pé da janela feliz da vida, agora tinha a prova de que Gustavo me levava a sério, fiquei orgulhosa dele. Só queria ter visto a cara da Roberta, menina mais oferecida! Nunca fui atrás do Gustavo e ele gostava de mim mesmo assim. Nem todos os homens gostam de mulheres oferecidas e Gustavo era um deles. Que orgulho senti do meu garoto!

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Estava tomando banho quando ouvi a voz da Lupita dentro do quarto: – Fernanda, olha o que eu trouxe pra você, cadê você? – Estou no banheiro. – Vai demorar? – Não, já estou saindo. Eu me enxuguei e sai do banheiro enrolada na toalha. Vi uma sacola em cima da cama e perguntei: – O que é isso? Ela tirou dois vestidos lindos de dentro da sacola, coisa chique mesmo, perguntei qual era o meu e ela me mostrou o pretinho, era todo brilhante com lantejoulas branquinhas. Achei muito fofo, mas gostei mais do dela, era um azul clarinho com pedras transparentes, parecia vestido de princesa. – São lindos Lupita! – Foi o Geovane que me ajudou a escolher. – Vejo que ele tem um bom gosto! – Ele disse que é a nossa cara. – Também acho. Experimentei o meu e amei, ficou perfeito no meu corpo. – Obrigada, Lupita, você é de mais. – Espere que tem mais coisa. Ela tirou dois biquínis e me entregou um. – Até isso? – Iremos inaugurá-los amanhã. – Nem, na frente dos meninos? – O que tem? – Eu tenho vergonha. – Até parece que você não ia a praia só de biquíni. – Ah, mais era diferente. – Diferente por quê? Que eu saiba havia muito mais gente do que amanhã. – Mais eu tenho vergonha de ficar seminua na frente do Gustavo. – Faz mais vergonha tomar banho toda empacotada. – Não sei não! – Você vai usar sim, não tem nada de mais, todo mundo vai de biquíni. – Tá bom. Vou pensar. – Não vai pensar coisa nenhuma, já está decidida! Xi... Vi que não adiantava dizer não a Lupita, o que eu tinha que fazer era deixar a vergonha de lado e usar aquele biquíni. Ela tomou um banho, se trocou e saímos para jantar, eram sete ho115


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ras da noite e já estava começando a sentir fome. Passamos no quarto do Gustavo para chamá-lo, só que ele não estava. Fomos para sala de jantar e vimos que ele já estava lá nos esperando. Quando me viu, chamou para sentar do lado dele e a Lupita sentou ao lado do Geovane. A Roberta estava com uma cara de bicho ao lado da Bianca e eu sorri para ela na maior cara de pau. Aí ela ficou doida de raiva, se levantou da mesa e saiu. – Não vai jantar Roberta? – Bianca perguntou. – Perdi a fome – e sumiu. Todo mundo ficou olhando para ela sumindo no corredor sem entender nada. Ouvi quando seu Bosco perguntou: – O que deu nessa menina agora? Estes jovens de hoje em dia, ninguém os entendem! Gustavo me olhou e sorriu, retribui o sorriso e comi minha refeição calada. Quando terminamos, fomos todos para a sala assistir um filme, até que era legal. Como sempre, sentei perto do Gustavo e a Lupita do Geovane, formávamos os casais mais lindos do mundo. A Roberta não estava lá, achei até melhor pra falar a verdade. As luzes da sala estavam todas apagadas, só havia mesmo a luz da televisão e a da lua que entrava pela janelão. Soprava um vento tão frio que eu já estava gelada. Gustavo vestia um blusão por cima da camisa e o me deu ao perceber que estava com frio. Coloquei o blusão e me senti melhor, muito melhor ainda quando ele me aconchegou com seus braços. Estávamos no sofá pequeno e me encontrava coladinha ao corpo dele. A Lupita e o Geovane estavam no sofá grande ao lado do nosso, fiquei feliz quando vi que ele a abraçava. Dá pra acreditar? Estavam abraçadinhos! E o melhor, eles pensaram que eu não estava vendo, mas vi, rolou até um beijo, e que beijo, viu! Cutuquei o Gustavo para que ele olhasse também, ele olhou e falou baixinho no meu ouvido: – Que lindo, não é mesmo? – É, o amor é lindo! – respondi. – Eu te amo sabia? – ele continuou. – Também te amo meu bebê! Depois que falei estas palavras ele beijou minha testa, meu rosto e por fim minha boca. Estremeci com o toque dos nossos lábios, fechei meus olhos e naveguei no oceano do amor. Naquele momento percebi que um dia eu sofri, amei e não fui correspondida, mas agora via que nada acontece em vão, se tivesse dado certo com Calebe não teria conhecido a maravilha de pessoa que era o Gustavo. 116


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Descobri que todas as coisas cooperaram para o meu bem, bem este que trazia de volta minha autoconfiança, minha certeza de que de tudo era capaz. Agradeci a Deus por tudo que já havia enfrentado, não sei se suportaria passar por tudo novamente, mas naquele momento que estava nos braços do Gustavo vi que valeu a pena. A Bianca nos olhava boquiaberta, acho que aquilo tudo era surpresa para ela, também foi até para mim! Queria que a Roberta estivesse a nos contemplar, aí sim, a surpresa seria maior ainda, mas um dia ela ia ter que ver, de um jeito ou de outro.

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CapĂ­tulo XXI

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Acordei com o som do despertador a zunir no meu ouvido, me deu vontade de dá-lhe uma mãozada e derrubá-lo no chão, estava com preguiça de levantar da cama, me virei de lado e fechei meus olhos novamente, então me lembrei de que precisava levantar, pois ainda iríamos tomar banho de açude. Era incrível como a Lupita tinha o sono pesado, nunca ouvia o despertador tocar e sempre eu é que acordava primeiro e o desligava. Levantei e fui até o banheiro e me escovei. Voltei para me arrumar e a Lupita ainda dormia, coloquei o biquíni e me olhei no espelho, acho que fiquei muito bem, me senti o máximo dentro dele! Coloquei uma blusa de alcinha e uma saia um pouco curta por cima dele e penteei meu cabelo. Peguei uma bolsa que a Lupita tinha levado e coloquei algumas coisas que iríamos precisar, já estava tudo pronto, só faltava mesmo a Lupita se levantar. Fui até a cama dela e a chamei. Depois de muita peleja, ela se levantou. – Já está pronta? – Já! Ela se levantou, olhou no relógio e perguntou: – Por que não me chamou mais cedo? – Porque você estava tão linda dormindo! – Ah, tá! Ela se aprontou e saímos para merendar. Os meninos já estavam nos esperando na varanda, sentamos a mesa e tomamos café. Estávamos distraídas conversando, quando a Roberta chegou e se sentou também. Ela acabara de se levantar, olhei bem para ela e a imaginei uma pessoa diferente, simpática e legal. Estava a fim de mudar, de fazer minha parte, ainda mais sabendo que o Gustavo não estava nem aí para ela. Se a Bianca havia se tornado sua amiga, ela também devia ter suas qualidades, deixei de bancar a durona e tentei mudar aquele clima pesado. – Bom dia, Roberta! Ela me olhou, ficou calada por algum tempo, mas depois falou: – Bom dia! A Lupita me olhou, mas não falou nada. – Você também vai com a gente? – perguntei pra Roberta. – Não estou a fim. – Vamos, vai ser legal. – Não sei, e também não tenho biquíni de banho. – A Lupita tem um que ela trouxe, é seminovo e não irá usá-lo, ela te empresta, não é, Lupita? 121


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Cutuquei-a para que falasse alguma coisa. – Eu?...É, eu te empresto! – respondeu Lupita. Ufa! Pensei que ela não iria concordar. – Tá bom, eu vou, vocês me esperam? – Claro, vá ajeitar suas coisas que eu vou buscar o biquíni no nosso quarto. A Roberta saiu e puxei a Lupita comigo até o quarto. – O que deu em você, Fernanda? – Em mim, nada! – O que você está aprontando pro lado da Roberta? Pra mim, você não gostava dela! – Não estou aprontando nada, só acho que essa nossa implicância com ela não levará a nada. Afinal eu não gosto de confusão. – Tudo bem, agora eu só espero que ela mude também. – Pode ficar tranquila, ela já sabe qual é o lugar dela. Pegamos o biquíni e saímos para o quarto da Roberta. Andava tão rápido que a Lupita quase não conseguia me acompanhar. – Mais devagar, Fernanda! – Vambora, já demoramos de mais. – Fernanda, você falou alguma coisa para ela? – Não! – E como assim, ela já sabe qual é o lugar dela? – Porque ouvi o Gustavo dizendo umas verdades a ela. – Não acredito! Quando foi isso? – Ontem à tarde! – Nossa! Isso é ótimo! – E como! Chegamos ao quarto dela, batemos na porta e ela abriu. – Entrem! – Vai demorar? – perguntei. – Não, vou só colocar o biquíni. Entramos e ela fechou a porta. Colocou o biquíni num segundo e depois vestiu um vestido curtinho por cima, pegou sua sacola e saímos às pressas. Encontramos a Bianca no caminho, já vinha nos chamar, quando nos viu parou e perguntou: – O que vocês três estavam fazendo? – Nada, já estamos indo. Ela nos olhou e continuou: 122


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– Então vamos que os meninos já estão nos esperando. Continuamos a andar em silêncio. Chegamos à varanda e agora não faltava mais nada. – Agora podemos ir! – Bianca falou. Pulamos dentro do carro e partimos. Os meninos foram no banco da frente e fomos as quatro atrás, se a Bianca fosse um pouco mais magrinha, talvez não tivesse ficado tão imprensado. Gustavo estava na minha frente, mas só dava pra ver seus ombros e as pontinhas do seu cabelo. Eles conversavam sobre carro, Geovane sabia tudo sobre eles, ouvi quando ele falou que tinha planos de comprar um. Passamos por lugares lindos, perguntei pra Bianca se já estávamos chegando e ela falou que já estava perto. Os meninos colocaram um CD e ficamos escutando o resto do caminho. Fique só observando as meninas fazendo bagunça: cantavam alto, se mexiam e apertavam cada vez mais. Fique mais na ponta do banco e passei meus braços por cima da cabeça do Gustavo, acariciei o peito musculoso dede e depois seu rosto. A pele dele era tão macia, tão suave, que se eu pudesse não a largaria nunca mais. Ele beijou minha mão com carinho, foi um toque tão suave que até parecia um sonho. Só percebi que tínhamos chegado, quando o carro parou a sombra de uma árvore. Soltei a mão do Gustavo e me ajeitei no banco, todos saíram e eu saí por último. Pegamos nossas bolsas no bagageiro e as colocamos numa barraquinha a beira do rio. As meninas ficaram de biquíni e começaram a passar o protetor solar, estava com vergonha, mas também fiz o mesmo e pulamos dentro da água. Os meninos nos olhavam e sorriam, não demorou muito para que tirassem o calção e a camiseta. Agora estavam ali dois gatões só de sunga de banho na nossa frente. Quando vi o Gustavo daquele jeito, quase que me afogo. Ele era irresistível, era sarado demais! Vinham em minha direção e um fogo queimava dentro de mim. Mergulhei e fui mais em frente, o rio não era muito fundo e como era muita gente, não havia perigo. Eu me afastei um pouco das meninas e me apoiei numa pedra, a água era tão limpinha e azulada que dava gosto de está ali dentro. Olhei para onde estavam os outros, mas não vi quem eu queria ver. Senti uma mão na minha perna e tomei um susto quando o Gustavo apareceu na minha frente. – Oi, linda! – Gustavo, que susto! – Desculpe meu amor. O que você tá fazendo aqui tão afastada? 123


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Sorri e falei: – Porque aqui está mais calmo! – Quer que eu volte pra lá? – Não, fique comigo! – falei segurando a mão dele. Ele me apertou contra seu corpo e falou: – Tá bom, eu fico! Segurou na minha cintura e foi subindo as mãos até chegar ao meu rosto. Respirei fundo e passei minha mão no seu peito nu. Ele me olhou nos olhos e falou: – Você é maravilhosa, Fernanda! Não respondi nada, pousei meus lábios sobre os dele e o beijei. Ficamos assim até que eu senti algo passando por entre os meus pés. – Gustavo, tem uma alguma coisa no meu pé! Ele mergulhou e depois retornou com uma cobra presa na mão. – É apenas uma cobra! Quando ele terminou de falar eu já havia corrido para pra fora da água, morrendo de medo. Sentei no chão e escorei numa árvore. Gustavo jogou a cobra pra longe e sentou ao meu lado, todo sorridente. – Era só uma cobrinha, meu amor! – Tenho medo de tudo. – Até de mim? – Não, de você não... Só tenho medo de perdê-lo. – Isso não vai acontecer! – Promete? – Prometo – parou um pouco e continuou: – por tudo que é mais sagrado neste mundo que tudo poderá passar, mas você nunca será passado na minha vida. É com você que pretendo construir o meu futuro! Depois que falou aquelas palavras, não me contive, lágrimas rolaram em meu rosto. Não lágrimas de dor como outrora e sim de felicidade, não há nada melhor no mundo do que ouvir declarações de amor de uma pessoa que amamos tanto. Olhei para ele e exclamei: – Olha Gustavo, você é tudo que um dia eu pedi a Deus. Você é a realidade do que já foi sonho meu. Nunca falei coisa parecida pra outra pessoa, mas algo me diz pra não temer a nada, não importa o que possa acontecer, eu só quero estar ao teu lado! Ele me abraçou e falou olhando para o céu: – Meus pais devem estar muito felizes pelo nosso amor! Não falei nada, apenas fiquei olhando para o horizonte colorido a nos124


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sa frente. – Fernanda! – ouvi a Lupita me chamando – Cadê vocês? Levantei do chão e fiquei de pé na frente do Gustavo, ele não se levantou, apenas me olhava. Senti vergonha por estar sendo observada daquela maneira. – Vamos! Estão nos chamando – falei pra ele. – Ah, aqui está tão bom! – O que é bom dura pouco, agora levante, pois precisamos ir! Ele estendeu a mão e falou: – Então, me ajude! – deu a mão para que eu puxasse. – Ah, Gustavo, eu não posso com você! Ele me puxou e caí por cima dele. – Mas eu posso com você! – Gustavo! – quase gritei. Ele não me deixou falar mais nada, pois me sufocou com um beijo. – Ah, aqui estão vocês! – falou Lupita. Olhei meio sem jeito, ela havia chegado na hora errada. O que iria pensar? Levantei rapidamente e tentei consertar as coisas: – Oi, já estávamos indo, não é mesmo Gustavo? – É isso mesmo, já estávamos indo! Lupita se virou, ouvi quando ela ainda falou: – Sei! Sabia que já estavam indo! Ela falou aquelas palavras num tom irônico que até me deixou com vergonha, Gustavo apenas ria. Seguimos até a sombra de uma árvore que tinham escolhido para comermos alguma coisa. Colocaram um pano no chão e todos nós sentamos ao redor, um tipo de pic-nic. Enquanto conversamos sobre vários assuntos, comíamos as delícias que Lupita e Bianca haviam nos preparado. Depois disso, deitamos por ali mesmo e descansamos um pouco. Já eram quase dez horas e logo teríamos que voltar para o almoço. As meninas se levantaram a fim de dar alguns mergulhos, mas antes de darem os primeiros passos, Geovane puxou Gustavo pelo braço e correram às pressas em direção as águas, gritando vitorioso: – Quem chegar por último é mulher do padre. Enquanto todo mundo corria feito um bando de doidos seminus, eu corria bem atrás, em tempo de explodir de rir. Pulamos um depois do outro e foi um rebuliço de água para tudo que era lado. O sol já torrava meus miolos, minha barriga doía de tanto ri e só depois de nos divertirmos bastante, pegamos nossas coisas e partimos. 125


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Chegamos a casa, tomamos um banho e fomos direto para a cozinha. – E aí, meninos, gostaram do passeio? – falou seu Bosco. – Nossa vovô, foi ótimo. Aqui tudo é muito lindo! – Lupita exclamou. – Ah, eu me lembro de quando era rapazinho, rondava isso aqui tudo à cavalo. Agora já estou velho e cansado, ai que vida dura essa de velho! – Que é isso, vovô? Todos nós ficaremos velhos um dia e o senhor ainda tem muita coisa pra viver! Agora foi a Bianca que não deixou de animar o avô. – É, minha filha, que Deus te ouça. O que vocês têm a fazer é curtir a vida enquanto são jovens, pois quando a velhice chegar é só enfado e canseira. Fiquei observando o seu Bosco falar e tentei imaginar como foi sua juventude, as aventuras que passou, os romances que viveu ou será o romance? Naquela época, era comum o amor à primeira vista. Quem sabe se ao ver dona Rosa, ele logo se apaixonou por ela. Bem que eu poderia escrever uma história. É, eu poderia, mas isso era tão complicado! Esse era o meu sonho ser escritora. Tinha uma imaginação incrível para compor, mas pra isso eu tinha que batalhar muito, dar muito de mim mesmo. Mamãe sempre desejou que eu fizesse uma boa faculdade e também as pessoas tinham certo preconceito com quem resolvia optar pela arte. É preciso ter muita garra e força de vontade. Só me dei conta que estava longe, quando a Lupita bateu no meu braço e disse: – Fernanda, o que houve menina? Nem tocou na comida! – Ah, sim, estava pensando na vida! – Deixe pra pensar depois, agora coma que vai esfriar! Obedeci. Depois que terminamos, fui sentar na varanda e fiquei olhando pra fora. Ali não havia ninguém, pois era hora de descansar. Pra falar a verdade, estava cansada, mas não quis ficar trancada no quarto, pois fazer sempre a mesma coisa também enjoa. – Fernanda, o que você está fazendo sozinha aí? – Nada não, Lupita. Só estou tomando um pouco de ar fresco. – Tem certeza que está tudo bem, Fernanda? Você está tão pensativa, tão fora do mundo, não foi nenhum desentendimento com o Gustavo, foi? – Não, claro que não, tudo menos isso! Pode ficar tranquila, minha amiga, só estou enjoada de ficar dentro do quarto. E distraída eu sempre fui. – Tá bom, eu entendo! – ela sentou ao meu lado e continuou: – Fernanda, eu tenho uma coisa maravilhosa pra te contar! 129


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– Ai, conta logo! – O Geovane me pediu em namoro e eu aceitei. Isso não é muito bom, amiga? – Claro, Lupita, é ótimo! Mas não querendo ser estraga prazeres, e quando formos embora? – Nossa! Eu não pensei sobre isso, se dependesse de mim, não iria mais embora, ficaria aqui mesmo. – É Lupita, mas não depende somente de você, não esqueça disso. – Ah, Fernanda, estou tão feliz! Vamos deixar pra resolver isso depois, vamos deixar as coisas seguirem o seu rumo, pois o futuro pertence a Deus e eu quero viver cada momento do presente. Agora, me conte sobre vocês. – Vocês quem? – Ora, vocês quem! Você e o Gustavo. Ele já te pediu em namoro? – Não exatamente, mas acho que já estamos namorando. – Ai, Fernanda, namorar é muito melhor do que eu imaginei! – Aproveite cada momento, Lupita, pois o amor é a melhor coisa que pode nos acontecer. – Eu nunca amei ninguém antes, mas tudo tem sua primeira vez. – A primeira vez e à primeira vista – falei sorrindo. – É, Fernanda, à primeira vista. E você também lembra quando viu o Gustavo pela primeira vez? Só faltou babar por ele! – Sim, eu lembro muito bem como se fosse agora... Fiquei quieta por algum tempo relembrando o olhar apaixonado do Gustavo. Sorria enquanto pensava, parecia irreal, quem diria que aquele gatão um dia seria meu! – Fernanda... – Hein! – O vovô está pensando em dar uma festa aqui no sábado. O Gustavo já te falou alguma coisa? – Não, talvez tenha esquecido, mas que tipo de festa? – Ah, é uma festa que ele faz todos os anos com a família, os empregados e os vizinhos. – Nossa! Superinteressante! – Tenho certeza que irá amar. – Também tenho. – Fernanda, lembrei-me de uma coisa muito importante, sábado é 18 e no dia 19, você estará completando ano, vou pedir ao vovô para adiar a 130


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festa para o domingo. O que você acha? – Ah, Lupita, não quero atrapalhar a programação de vocês, aliás, eu nem sou da família. – Não atrapalha coisa nenhuma, aposto como o vovô vai adorar a ideia! – Tem certeza? – Claro que tenho, vou falar com ele. Já ia saindo, quando falei: – Agora? Ele deve estar dormindo. – Tem razão, depois eu falo com ele. Só faltavam dois dias para o sábado, no caso, ele teria que falar logo com seu Bosco pra mudar tudo, em cima da hora, não iria dar certo. Sinceramente, eu não gostava nadinha de incomodar os outros e apesar de serem pessoas maravilhosas, ficava um pouco sem jeito. Assim que seu Bosco acordou, Lupita foi falar com ele e como ela afirmara antes, ele concordou plenamente com a ideia. Agora estava pronto, só faltava avisar as pessoas. Pra falar a verdade, eu também estava achando muito legal ter uma festa no dia do meu aniversário. Mamãe sempre fazia minhas festinhas, eu convidava meus melhores amigos e fazíamos a maior bagunça. E é claro, a Lupita estava sempre no meio deles. Dessa vez, eu ia ter não só meus amigos, mas também o amor da minha vida. Apesar de tudo isso, estava triste, pois mamãe e papai não poderiam estar comigo num dia tão especial para mim, isso era inaceitável. Sentia muita saudade deles, já havia quatro semanas longe deles, talvez até já estivessem em casa e eu que estaria longe. Mesmo assim, tentei não ficar triste e aproveitar cada minuto que ainda tinha para ficar ali, pois o dia de voltarmos para casa já estava se aproximando, e quando isso acontecesse, torcia para encontrar papai com saúde e mamãe mais feliz que nunca. No mesmo dia, à tarde, o Geovane nos ensinou a andar a cavalo. A Lupita tinha jeito pra coisa e também não era a primeira vez dela. Agora, para mim, não foi tão fácil assim, nunca havia montado num cavalo e estava morrendo de medo, não de cair, mas sim do animal. Era um cavalo muito bem tratado e enorme, me olhava com aqueles olhos arregalados como se quisesse dizer: “você não sobe em mim”. Que imaginação, hein! O Geovane me ajudou a subir no cavalo, sorte que o Gustavo não estava conosco, havia saído com o avô e ele mesmo foi dirigindo o carro. Que bonitinho! Segurei a rédea e puxei devagarinho, o cavalo começou a andar e o medo foi ainda maior, pensei que fosse cair! Cravei os pés com força, 131


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na barriga do coitado do cavalo, mas foi aí que as coisas pioraram pro meu lado, o animal “desembestou” e saiu correndo. Comecei a gritar feito uma louca e isso o assustava cada vez mais. A Lupita gritava logo atrás: – Puxa a rédea que ele para! Acalme-se, Fernanda, se não vai ser pior! Obedeci e tentei me acalmar um pouco, puxei a rédea com força e, só depois de muita peleja, o animal parou. Não sei como, mas pulei de cima do mesmo, com uma rapidez incrível. Meu coração só faltava sair pela boca. Os dois chegaram logo depois, Lupita tentou me acalmar, mas eu só queria voltar pra casa. Ela queria que eu a acompanhasse em cima do cavalo, vê se pode! Mas, eu não fui mesmo! Preferi ir a pé. Também não era tão longe, não dava pra morrer. Cheguei em casa, me tranquei no quarto e prometi pra mim mesma que nunca mais montaria num cavalo novamente.

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Dois dias se passaram e já estava bem próximo do domingo. Meu sábado teria sido muito melhor se não tivesse acontecido algo tão indesejável. Estava na varanda com o Gustavo, mais ou menos oito horas da noite, quando a Bianca chega e fala pra mim: – Fernanda, tem uma pessoa querendo falar com você pelo telefone! Pedi licença ao Gustavo e saí quase correndo para atender ao telefone pensando eu que fosse a mamãe ou o papai. – Alô – falou. – Fernanda? – a pessoa perguntou. – Quem tá falando? – Sou eu, Calebe! Quando ouvi aquele nome me enchi de raiva. – Calebe! O que você quer comigo? – Preciso falar com você! – Não temos nada pra falar um para o outro. Ia desligar, quando ele continuou: – Por favor, me escuta, preciso falar com você. Não respondi nada, apenas escutei o que ele falava: – Fui até a sua casa, mas não havia ninguém lá. Só então fui à casa da Lupita e o seu Leonardo me falou que vocês estavam aí na chácara... Antes que ele pudesse terminar, o interrompi: – E o seu Leonardo voltou para casa? – Acho que sim, pois só estavam os dois em casa e por sinal muito felizes. – Que bom! – respondi. – Pois é Fernanda – ele continuou – te liguei porque só agora percebi que você é uma garota muito especial. Liguei, pois só agora percebi que gosto de você. – Ah, não me diga, pois eu quero lhe dizer que percebeu tarde demais, estou muito feliz sem você. – Mas você não gostava de mim? – Disse bem, gostava! Agora não gosto mais! Ia desligar, quando me lembrei: – Ah, parabéns, soube que vai ser papai. – Não, espera! O filho que a Joice está esperando não é meu! – E de quem é? – É do Romário! – Sorte que nem conheço! – Por favor, Fernanda, me dá uma chance! 135


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– Olha, Calebe, você já teve sua chance, agora me deixa em paz, preciso desligar. – Não, espere... Bati o telefone na cara dele e saí bufando para a varanda. Gustavo ainda me esperava, lindo como sempre. Ao ver minha cara, perguntou: – O que houve Fernanda? Respirei fundo e respondi: – Uma conversa muito chata com uma pessoa insuportável! – Calma, meu amor, não quer me contar quem era? – Era o Calebe. – Ah, você o conhece? – Conheço, por quê? – Porque ele é um cara muito legal. – Você acha? Pra mim, ele é o cara mais convencido que eu já conheci. Ele me olhou. – Nossa, bem, se você acha assim, a opinião é sua. Achei ótimo ele não querer saber dos detalhes, pois não estava a fim de recordar meu passado. Mas achei incrível o Calebe ter a cara de pau de ainda vir atrás de mim depois de todas as humilhações que tive que enfrentar por causa dele. Será que havia esquecido de ter dito pra Lupita que não me queria mesmo eu sendo a única mulher do mundo? Talvez sim, que cara safado! Mas Deus é fiel, quem planta, colhe o que plantou! Como eu sempre plantei amor, agora estava colhendo os frutos do amor. Num impulso, abracei forte o Gustavo, sentia vontade de chorar de raiva, mas tentei me segurar e esqueci completamente que Calebe existia quando o Gustavo falou no meu ouvido: – Eu te amo, meu amor! – Ai, Gustavo, é tão bom está com você! Ele me olhou nos olhos, afastou uma mecha do meu cabelo que caia no meu rosto e beijou minha boca. Senti a mesma coisa como da primeira vez que o beijei, aquele dia nunca saiu da minha memória e nem queria que saísse. O que é bom vale apena ser lembrado. Naquele sábado à noite, ficamos juntos até que o sono viesse nos encontrar. Já era um pouco tarde quando entramos, mas Bianca ainda assistia a um filme na sala. Gustavo sentou ao lado dela e me convidou a sentar também. O filme parecia ser muito bom, mas não fiquei, estava com muito sono e fui para meu quarto, precisava dormir, pois o domingo seria um dia muito exaustivo. 136


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Abri a porta do quarto tentando fazer o mínimo barulho possível para não acordar a Lupita, só que ao entrar, vi que ela não estava dormindo, estava sentada na cama lendo Rachel de Queiroz. Percebendo minha presença, guardou o livro, me olhou e perguntou: – Já vai deitar? – Já, por quê? – Por nada, só pra gente ficar conversando um pouco. – Ah, mais hoje não vai dar, do jeito que você fala, vou acabar dormindo mais rápido ainda! Ela sorriu e fingiu ficar zangada. – Ah Fernanda, não precisa me esculachar assim! Ri da expressão dela. – Eu vou deitar, mas mesmo com sono tenho uma coisa pra te contar que não pode ficar pra outro dia. A mesma não falou nada, apenas me olhava com olhar de curiosidade. – O Calebe me ligou hoje à noite. – O Calebe em pessoa? O que ele queria? – Sim, o Calebe, ele disse que eu era especial pra ele, que gostava de mim e ainda queria uma chance, acredita? – Não, Fernanda! Você está brincando, não é mesmo? – Claro que não, nunca ia brincar com uma coisa dessas. – E você fez o que? – Ah, eu disse pra ele que era tarde demais! – Só isso, Fernanda? – E você queria que eu dissesse o que? – Que mandasse tomar vergonha na cara, que era um cachorro sem sentimentos, enfim, um canalha! Fiquei boquiaberta com a reação dela. – Nossa! Não é pra tanto, o que eu disse foi suficiente pra ele entender que eu não queria nada com ele, afinal para um bom entendedor meia palavra basta! – Mas, Fernanda, ele é muito cara de pau, a namorada grávida e ele ainda fica atrás de você! Quando ela falou em namorada, lembrei-me do que ele havia dito sobre a Joice. – Ah, Lupita, ele disse que o filho que a Joice está esperando não é dele, é de um tal Romário, conhece? – Do Romário, não acredito! Ele é primo dela. Que menina mais louca! 139


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Ainda bem que o Calebe teve a sorte de se livrar desta responsabilidade. – Isso é pra ele aprender, possa ser que depois dessa, ele crie mais juízo e pense antes de fazer alguma coisa. Bem, agora vamos deixar o Calebe de lado, pois meu sono é muito mais importante do que falarmos em pessoas irresponsáveis. Boa noite, Lupita! Pousei minha cabeça sobre o travesseiro, me enrolei no lençol quentinho e fiquei aquecida na cama para que adormecesse logo. Não falei nada pra Lupita de seus pais, se eles voltaram realmente queria que isso fosse uma surpresa para ela. Já imaginava o tamanho da sua felicidade. Até que enfim, as coisas estariam se ajeitando e torcia para ficar melhor ainda. Adormeci sentindo uma paz interior, com a cabeça fria e muito bem aquecida pelos cobertores macios e quentinhos sobre meu corpo de jovem apaixonada.

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No domingo, pela manhã, não acordei, me acordaram. Quando abri meus olhos, vi aquela roda de gente ao lado da minha cama. Tomei um susto quando olhei pra todo mundo. Vi que a mamãe e o papai estavam também no quarto. Do lado deles, estavam os pais da Lupita. Custei para acreditar, pensei que estivesse sonhando. Depois que percebi que era tudo real, levantei da cama, ajeitei meu cabelo – sorte que não estava tão assanhada – e corri para os braços da mamãe. Ah, como estava com saudades dela! Abracei bem forte o papai, ele estava novo em folha! E os pais da Lupita? E não é que estavam mesmo juntos novamente! Fiquei tão feliz ao ver a cara de alegria da minha amiga. Todo mundo me parabenizou e esperaram que eu me arrumasse para termos uma merenda bem especial. Fui ao banheiro, me escovei e logo em seguida saímos todos pra cozinha. Quando cheguei, vi uma mesa farta. O mais lindo de tudo foi ver o bolo todo enfeitadinho. Cantaram parabéns para mim e, como sempre, não aguentei de emoção e comecei a chorar, estava tão feliz por saber que existiam pessoas que me amavam e se importavam comigo. Pediram que eu cortasse o bolo e desse o primeiro pedaço para uma pessoa especial, fiquei sem saber o que fazer, pois ali todos eram especiais para mim. Mas depois percebi que no meio deles havia uma pessoa que eu gostava muito, só que não era como eu gostava dos outros. Era uma maneira diferente, era um amor de mulher para homem. Com o pedaço do bolo na mão, olhei para todos e falei: – Mamãe, papai, Lupita, todos vocês são muito especiais para mim, vocês sabem disso, mas esse primeiro pedaço é para uma pessoa que eu gosto de uma maneira bem diferente. Essa pessoa é o Gustavo. Aproximei-me dele e o abracei, todos bateram palmas e quem não sabia, ficou sabendo o que sentíamos um pelo outro. Depois disso, todos foram servidos e a alegria foi completa. No decorrer do dia, os empregados do seu Bosco circulavam para que todos os detalhes da festa ficassem prontos para logo mais à noite. Pelo jeito, ia ser uma noite maravilhosa, estavam todos ansiosos para que a noite chegasse logo. Lembrei que precisava escolher uma roupa, tinha levado algumas para ocasiões importantes, mas resolvi usar o vestido que a Lupita havia me dado. Era muito lindo e bem alinhado. Ela também usou o dela, aquele era um dia muito especial para inaugurá-los. Seu Bosco contratou alguns cantores da região e também uma banda 143


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que eu amei. Cantaram cada música linda! Quando a noite chegou, já estava tudo pronto. O pátio estava bem produzido, não demorou muito para que as pessoas o ocupassem. Demorei mais de uma hora para me arrumar, a Lupita já estava impaciente: – Vamos depressa, Fernanda, você não vai se casar hoje! Tentei ser mais rápida, me perfumei e saímos lá pra fora, recebi vários elogios, e não é me gabando, mas eu estava linda! Quando o Gustavo me viu, beijou minha mão e falou: – Você está linda, meu amor! – Obrigada! – falei. Mamãe e papai estavam mais de lado e ficaram nos olhando. Quando os olhei sorriram para mim, Gustavo percebeu e me levou até eles. – Dona Clarice e seu Henrique, vim pedir para namorar sua filha, esta menina linda, não pedi antes porque só agora estou tendo esta oportunidade, quero fazê-la feliz, se vocês permitirem. – Claro, meu filho – mamãe quase o abraça – vejo que você é um bom rapaz, não é mesmo, Henrique? – Claro! – papai deu umas tapinhas nas costas de Gustavo e continuou: – Cuide bem da minha filha, rapaz! Gustavo me olhou, sorriu e completou: – Eu vou cuidar, seu Henrique. Meus pais se retiraram e nos deixaram a sós. – Acho que eles gostaram de você! – falei para Gustavo. – Eu também gostei bastante deles. Começaram a tocar uma música romântica e ele me chamou pra dançar. – Minha namorada, me dar à honra desta dança? – Com prazer! Todo mundo estava dançando também, ate o seu Bosco e a dona Rosa não deixaram de se divertir. Antes que a música terminasse, Gustavo me puxou pela mão. – Vamos, tenho uma coisa pra te mostrar. Arrodeamos a casa, atravessamos o pátio dos fundos e chegamos a um lugar que eu ainda não havia visto à luz da lua. O gramado ainda era muito maior por não ser pisado. O céu parecia ter mais estrelas. Gustavo se sentou no chão e escorou numa árvore, sentei ao lado dele e encostei minha cabeça sobre seu peito maravilhoso. – Aqui tudo é tão bonito! – Como o nosso amor! Colocou a mão no bolso da calça e quando a retirou, vi que não estava 144


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vazia, continha uma caixinha vermelha em um formato de coração e a entregou a mim. – O que é isso? – Abra, é seu presente de aniversário! Abri a caixinha e dentro dela havia um anel muito lindo e por sinal muito caro. – Gustavo, é lindo, mas não precisava se preocupar comigo! – Este anel era da minha mãe, ela o ganhou do papai, só que não chegou a usá-lo. Guardei por todos esses anos porque queria dá-lo para uma pessoa especial, e hoje, estou dando para esta pessoa e num dia muito especial... Receba como prova do meu amor por você. Ele o tirou de dentro da caixa e colocou em meu dedo. – Obrigada, Gustavo, não sei o que seria de mim sem você. – Eu gosto de você, Fernanda, porque você é diferente, custei para te encontrar, mas prometo que nunca mais vou te deixar. – Eu sou uma garota de sorte, você é o melhor presente que Deus me deu e a coisa mais bela que me aconteceu. Quando eu te vi pela primeira vez, pensei que fosse um sonho, você parecia irreal, nunca imaginei que hoje estaríamos juntos, eu te amo tanto, Gustavo! Estávamos bem próximo um ao outro, era maravilhoso sentir o toque de suas mãos sobre as minhas, dos seus lábios sobre os meus, dos seus braços que me abraçavam. Tudo me dizia que eu havia encontrado meu verdadeiro amor. Iríamos voltar para a cidade no dia seguinte, mas não da mesma maneira como tínhamos chegado à chácara de seu Bosco, agora sim, eu tinha uma pessoa que realmente me amava da maneira que eu era e valorizava o que havia em mim. Quando a gente menos espera, as coisas acontecem. Aprendi que nem sempre podemos ter várias coisas ao mesmo tempo, ganhei um namorado, mas tive que ficar longe da minha melhor amiga. Lupita estava decidida a morar com o avô e só nos veríamos em feriados ou nas férias. Porém não me deixei abater por isso, o importante é que ela estava feliz, e se ela estava feliz, eu também estava. Se eu podia ter um amor, por que ela também não poderia? Só em estar nos braços do Gustavo, já estava bom demais. Depois de beijar suavemente meus lábios, ele me falou: – Fernanda, tem uma coisa que eu ainda não te contei. – Pois conte meu amor! – Fazia tudo pra estar perto de você e mesmo que ninguém nunca tenha percebido meus sentimentos, eu te amei desde o primeiro momento. 145


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Epílogo

Quando terminei, Clarinha estava boquiaberta. – Nossa, mãe, que história linda! – Foi assim que conheci seu pai. E se fosse mais criativa, escreveria um livro. Mas quem sabe você não possa fazer isso no futuro? Ela sorriu pra mim. – É, quem sabe... Ficou um pouco pensativa, mas logo continuou: – Mamãe, sabe que a senhora tem razão, não vou mais sofrer por algo que nunca deu certo, o que há de vir pra mim, virá e não tardará! Falou essas palavras com um olhar profético. Segurei em suas mãos e falei com firmeza: – É isso mesmo, minha filha, é assim que se fala!

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Depoimentos Sobre O Livro

“Desde o primeiro momento” é uma história que, do início ao fim, nos traz a mensagem de que o amor verdadeiro não tem hora pra chegar. E mostra ainda a seus leitores que a felicidade pode estar onde a gente menos espera. Rayane de Oliveira De uma forma simples, “Desde o primeiro momento” nos ensina que a vida é composta de várias etapas e que temos capacidade suficiente para ultrapassar cada uma delas, chegando assim a um elevado grau de maturidade. Vanessa Rabelo Simplesmente, não poderia haver uma forma melhor de se viver as aventuras da adolescência como em “Desde o primeiro momento”. Rerisson Fernandes Uma história curta, linda e emocionante do início ao fim, que narra a realidade de adolecentes que vivem grandes ilusões e paixões, até encontrarem o verdadeiro amor. Thalyta Kelly A história relata a adolescência, suas desilusões, incertezas e o primeiro contato com o amor verdadeiro. Cheio de muito romantismo, conta como o adolescente também ama e mostra seu amadurecimento diante da vida. Ane Karine

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Biografia

Mayara Oliveira Mendonça nasceu no dia 15 de julho de 1994, na cidade de Pacajús-CE. Antes de completar os dois anos de idade vai com a família para o estado de Rondônia e lá passa quase toda a sua infância, retornando para o Ceará em 2004. Entre as coisas que mais gosta de fazer estão ler, escrever, cantar, viajar e fazer novas amizades. Pretende se formar em Psicologia, ser escritora conhecida, gravar CDs, DVDs, ser bem sucedida, encontrar um verdadeiro amor e envelhecer ao seu lado. Atualmente, é estudante do ensino médio na E.E.F.M. Egídia Cavalcante Chagas e mora com os pais na cidade de Morada Nova, Ceará.

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