Caldas, mayra sara teixeira monsenhor gilberto vaz sampaio uma importante liderança na construção po

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS-CAMPUS V Programa de pós-graduação em História Regional e Local

MAYRA SARA TEIXEIRA CALDAS

MONSENHOR GILBERTO VAZ SAMPAIO: UMA IMPORTANTE LIDERANÇA NA CONSTRUÇÃO POLÍTICO-SOCIAL NO RECÔNCAVO SUL BAIANO 1952 A 2008

Santo Antônio de Jesus Dezembro de 2011


MAYRA SARA TEIXEIRA CALDAS

MONSENHOR GILBERTO VAZ SAMPAIO: UMA IMPORTANTE LIDERANÇA NA CONSTRUÇÃO POLÍTICO-SOCIAL NO RECÔNCAVO SUL BAIANO 1952 A 2008

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local da UNEB – Universidade do Estado da Bahia, Campus V, como requisito obrigatório para a obtenção do título de Mestre em História Regional e Local.

ORIENTADOR: PROF. DR. RAIMUNDO NONATO PEREIRA MOREIRA

Santo Antônio de Jesus Dezembro de 2011


FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Caldas, Mayra Sara Teixeira Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: uma importante liderança na construção político social no Recôncavo Sul Baiano 1952-2008 / Mayra Sara Teixeira Caldas. – Santo Antonio de Jesus, 2011. 131f.

Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local, 2012.


MONSENHOR GILBERTO VAZ SAMPAIO: UMA IMPORTANTE LIDERANÇA NA CONSTRUÇÃO POLÍTICO-SOCIAL NO RECÔNCAVO SUL BAIANO 1952 A 2008

MAYRA SARA TEIXEIRA CALDAS

Data da Defesa: 19/12/2011

Banca Examinadora:

____________________________________________________ Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira (orientador) UNEB

__________________________________________________ Prof.ª Dra. Elizete da Silva (UEFS)

__________________________________________________ Prof. Dr. Gilmário Moreira Brito (UNEB)

Santo Antônio de Jesus Dezembro de 2011


A Mozart dos Santos Teixeira. Somos todos agentes históricos, e como tais, interagimos e repercutimos no mundo. Enquanto irmão, amigo, compadre e conselheiro, há 25 anos você interveio em minha história, com as palavras e o amor necessários, fazendo com que eu chegasse até aqui. Obrigada!


AGRADECIMENTOS

Felizmente, são inúmeros os agradecimentos que tenho a fazer, pois contei com a ajuda de muitas pessoas especiais: Nilmar Caldas, meu esposo, que cuidou de nossa filha Luísa enquanto eu pesquisava, lia e escrevia estas páginas. Vardinha, sogra de coração e meu “porto seguro” em Amargosa. Meus filhos Isaac, responsável por eu ter participado do processo seletivo deste mestrado quando quase desisti; e Lucas, formatando e arrumando meu computador cada vez que eu o desmantelava. Keila Cerqueira, amiga de todas as horas, que partilhou meus encantos e desencantos durante este caminho percorrido. Você tornou meu percurso muito mais suave. Ane, secretária do mestrado, personificação da gentileza e doçura. Que bom contar com você no Mestrado em História Regional e Local. Todos os entrevistados que partilharam suas lembranças mais íntimas na composição deste texto, especialmente Jorge Amorim e Aricelma Araújo dos Santos que em nenhum momento impuseram reservas quanto ao uso de seus arquivos e registros pessoais. D. Hilda Vaz e Dom João Nilton, por serem meus vizinhos, a todo instante acabavam sendo procurados diante de qualquer dúvida, e sempre prestativos, disponibilizavam-se a dirimi-las. A todos os meus colegas e professores do Programa de Pós - Graduação em História Regional e Local, que generosamente compartilharam seus conhecimentos: Alex Brandão, Antonio Nascimento, Ednair Rocha, Gabriela Nogueira, Gilson de Jesus, Fátima Fernandes, Carolina Almeida, Lielva Aguiar, Maria Regina Xavier, Marilva Cavalcanti, Melina Bittencourt, Moisés Morais, Oscar Santana, Priscila da Glória, Wadson Calazans e Wilma Souza. Por fim, meu orientador Raimundo Nonato, pelo empréstimo do nome e prestígio acadêmico, além dos direcionamentos dados, sempre oportunos e imprescindíveis à conclusão deste trabalho. A todos vocês muito obrigada!


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ARENA - Aliança Renovadora Nacional ASMOVA - Associação de Moradores de Varzedo CEBs – Comunidades Eclesiais de Base CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil DIREC – Diretoria Regional de Educação FACE – Faculdade de Ciências Educacionais IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística JAC - Juventude Universitária Católica JEC - Juventude Operária Católica JIC - Juventude Agrária Católica JOC - Juventude independente Católica JUC – Juventude Universitária Católica MEB – Movimento de Educação de Base PDS - Partido Democrático Social PFL - Partido da Frente Liberal PPC - Plano de Pastoral de Conjunto PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais TER – Tribunal Regional Eleitoral UFRB – Universidade Federal do Recôncavo Baiano


LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 1........................................................................................................................................... 25

IMAGEM 2........................................................................................................................................... 27

IMAGEM 3........................................................................................................................................... 43

IMAGEM 4........................................................................................................................................... 44

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RESUMO O presente trabalho propõe através da biografia de Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, compreender alguns dos movimentos políticos, sociais e culturais no Recôncavo Sul Baiano ocorridos no período de 1952 a 2008. No encalço da caminhada sacerdotal que empreendeu a partir de sua ordenação, torna-se possível traçar um paralelismo com a culminância de importantes movimentos sociais na região, no liame existente entre particularidades biográficas e questões conjunturais. Deste modo suscita o debate em torno da influência do contexto histórico no desenrolar dos acontecimentos da vida de um indivíduo e vice-versa, rompendo com a aparente limitação da narrativa biográfica, ao utilizar-se desta como o fio que conduz a abordagem histórica da sociedade na qual o personagem está inserido. Em torno da memória de um homem expressivo enquanto líder, evangelizador, cidadão e educador; nas memórias dos que com ele conviveram e na própria escrita de si, em seus muitos registros escritos deixados, manifesta-se a compreensão do conjunto. Além de discutir as possibilidades da biografia histórica, os usos e abusos da História Oral e questões concernentes às memórias e narrativas, fulgura ainda a forte influência da Igreja Católica no cotidiano das cidades interioranas, no papel que o Monsenhor exerceu. Palavras – chaves: Biografia, memórias, narrativas, Igreja Católica, lutas sociais.


ABSTRACT The present work proposes through the biography of Monsignor Gilberto Vaz Sampaio, to understand some of the political, social and cultural movements in the South Bahia Bay area taken place in the period from 1952 to 2008. In the pursuit of the priesthood that it undertook from his ordination, it becomes possible a parallelism draws with the culmination of important social movements in the region, in the existent of bond between biographical peculiarities and contextual questions. In this way there causes the discussion around the influence of the historical context in unrolling the events of the life of an individual and viceversa, breaking with the apparent limitation of the biographical narrative, while being used of this like the thread that drives the historical approach of the society in which the character is inserted. Around the memory of a demonstrative man as leader, evangelist, citizen and educator; in the memories of those who lived with him and in the writing himself, in his many written left registers, discussing the possibilities of manifests an understanding of the whole. Besides discussing the possibilities of the historical biography, the uses and abuses of the Oral History and questions concerning the memories and narratives, there sparkles still the strong influence of the Catholic Church in the daily life of the inner cities, in the part that the Monsignor played. Words – keys: Biography, memories, narratives, Catholic Church, social struggles


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11

2 EM VARZEDO O HOMEM DA POLÍTICA E DA EDUCAÇÃO................................ 24

2.1 DE VARGEM GRANDE AO MUNICÍPIO DE VARZEDO: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA.............................................................................................................................. 24

2.2 PIONEIRISMO NA EDUCAÇÃO.................................................................................... 34

2.3 XEQUE-MATE: A HORA E A VEZ DA EMANCIPAÇÃO........................................... 46

3 DE AMARGOSA PARA AS ESTRADAS....................................................................... 67 3.1 UM LUGAR NA INFÂNCIA............................................................................................ 67 3.2 SÃO MIGUEL DAS MATAS: EVANGELIZAÇÃO PARA A CIDADANIA, RESISTÊNCIA E LUTA......................................................................................................... 85

4 MONSENHOR POR MONSENHOR: ENTRE LUTAS E LINHAS, UMA ESCRITA DE SI..................................................................................................................................... 101

4.1 ENCONTRO COM O AMANHÃ................................................................................... 103

4.2 A COMUNIDADE O RECONHECE.............................................................................. 114

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 127

FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 131


1 INTRODUÇÃO

Dentre os muitos caminhos possíveis no processo de construção histórica, este trabalho propõe, através da narrativa biográfica de Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, indicar como individual e coletivo se entranham, dando sentido histórico à biografia, na interseção que ocorre entre particularidades biográficas e questões conjunturais. Neste estreitamento possível, analisa e compreende algumas das mobilizações políticas, sociais e culturais da Bahia, sobretudo na fatia do Recôncavo Sul, que abrange as cidades de Amargosa, Varzedo, São Miguel das Matas, Santo Antônio de Jesus e Elísio Medrado, localidades onde sua presença se fez forte e marcante, entre os anos de 1952 e 2008. Foram muitas e bastantes significativas, as transformações ocorridas nessas cidades no período estudado. A história de Monsenhor Gilberto tornou possível, por intermédio de sua trajetória, enfocada a partir dos ângulos: sacerdócio, família, trabalho, estudo e militância política, uma costura às avessas de uma história não contada oficialmente, onde sua dedicação ao trabalho em movimentos embrionários de conscientização e libertação como a JEC Juventude Estudantil Católica, JAC - Juventude Agrária Católica, oportunizaram o nascimento de outros tantos que tais, igualmente comprometidos com o social humanitário e libertador, e que foram determinantes nos passos que se seguiram à história da região. No encalço da caminhada sacerdotal do Padre Gilberto, a partir da ordenação, em 1952, até a sua morte, em maio de 2008, traça-se um paralelismo com a emergência de movimentos no Recôncavo Sul da Bahia, que vão desde a emancipação política de Varzedo, passando pela organização dos primeiros movimentos sociais no campo e comunidades eclesiais de base em São Miguel das Matas, até a implantação das primeiras escolas ginasiais e, posteriormente, as de 2º grau na região. Em todas essas ações, Monsenhor Gilberto esteve atuando de maneira intensa, mobilizando e organizando as pessoas, outras vezes liderando-as. A região ora perscrutada, portanto, dimensiona-se num recorte eclesiástico dentro do Recôncavo Sul Baiano, desenhado pelas localidades onde Monsenhor Gilberto foi pároco, numa perspectiva historiográfica em que os limítrofes espaciais e temporais são fundamentais aos registros e reflexões que aqui se seguem, no tocante às práticas e relações sociais dos homens e mulheres que ali se estabeleceram. E aqui nos referimos aos aspectos que compõem

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uma região, segundo a discussão proposta por Durval Albuquerque1, levando em consideração questões como: subordinação, exclusão, desterramento, banimento e relações de poder que estabelecem os pertencimentos através das forças ali estabelecidas, que “[...] conformam, sustentam, movimentam e dão sentido a um dado recorte regional”2, sem os quais a história teria acontecido na região, mas não haveria história da região. Desse modo, a história da região aqui contada refere-se aos acontecimentos no interior de seus limites, e não à história da constituição destes limites. Ao optar pela biografia como fio condutor na narrativa da história desses lugares, buscou-se na profusão que uma história de vida oferece, discutir a própria identidade regional, as relações de poder locais; as disputas, conflitos, lutas, vitórias e derrotas; os valores morais e espirituais, os hábitos, costumes e, sobretudo, a influência da Igreja Católica sobre o pensamento então vigente. A esse exemplo, importantes historiadores têm se utilizado da biografia histórica: Benito Schmidt, Em Busca da Terra da Promissão: a história de dois líderes socialistas; Jacques Le Goff, São Luís – Biografia, e Giovanni Levi, em A Herança Imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Nesta dissertação, através da narrativa de parte de uma vida e da articulação em torno de certos acontecimentos individuais e coletivos, a influência da religião no cotidiano citadino, personificada na figura do padre, torna-se clara nas ações de Monsenhor Gilberto a partir da relação entre esferas religiosa e laica. No interior das relações sociais construídas a partir das experiências de vida, revela-se o grau de envolvimento da Igreja Católica na formação social das sociedades aqui analisadas. O que então a primeira vista poderia parecer uma história relativamente comum, por representar a cotidianidade de uma situação vivida por um grupo de pessoas envolvidas em acontecimentos locais, imbricados a fatos políticos, religiosos e sociais, torna-se representativo, porquanto a trajetória de Monsenhor Gilberto enseja possibilidades de vislumbrar o macro. Parafraseando Chartier3, pretende-se assim restaurar o papel do indivíduo na construção dos elos sociais. É bem verdade, que a história da vida do Monsenhor não é exatamente o que se pode classificar de uma história comum. No entanto, não podemos olvidar que, sob o manto da Igreja Católica, muitos outros padres também repercutiram em 1

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. O OBJETO EM FUGA: ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DO CONCEITO DE REGIÃO. Fronteiras, v. 10, n. 17, jan./jun. Dourados/ MS, Universidade Federal da Grande Dourados, 2008, p. 55 a 59. 2 Ibidem. 3 CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas, Estudos Históricos. vol. 7. nº 13. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1994, p. 102.

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inúmeras outras comunidades. É neste sentido então o emprego da expressão “relativamente comum”. Assim, “[...] pretende ser uma história bem como um escrito histórico [...] o objetivo é fazer o leitor captar uma impressão mais densa e completa da realidade que o relato reproduz”.4 Um exemplo a ser citado, no qual o autor trabalha esta forma de construção, é a obra A Herança Imaterial, na qual Giovanni Levi inicia pela trajetória individual da vida do Padre Giovan Batista Chiesa, que dá início a uma empreitada exorcista, a partir de 1697, e através dessa trajetória encaminha questões mais abrangentes, como as formas hierárquicas de poder do Antigo Regime, o funcionamento do mercado de terras ou ainda as relações entre centro e periferia, partindo da hipótese de uma logicidade específica do mundo camponês.5 O recurso da biografia, enquanto possibilidade historiográfica tem sido pensamento recorrente entre os historiadores de diversas correntes, como a nova história francesa, o grupo contemporâneo de historiadores britânicos de inspiração marxista, a micro-história italiana, a nova história cultural norte-americana, a historiografia alemã recente e também a historiografia brasileira hodierna. Trata-se, portanto, de um expressivo movimento internacional, no qual apesar das diferenças entre essas tradições historiográficas, o interesse pelo resgate de trajetórias singulares, faz-se presente em todas elas.6 Tal fato parece decorrer da ascensão da história cultural nas recentes décadas, onde o mundo acadêmico começou a perceber a riqueza no relato da vida de pessoas mais expressivas na comunidade, ou até mesmo comuns, muitas vezes como meio dos leitores, em sua imaginação, penetrarem o universo de outra época. Alguém como Menocchio, o moleiro italiano dotado de idéias religiosas excêntricas que domina O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginzburg.7 Partindo destas percepções historiográficas, pensando na profusão que representam as histórias individuais, mormente na relevância de Monsenhor Gilberto nestas localidades à compreensão do coletivo, surgiu o interesse pela biografia que norteou este trabalho. Nos relatos dos conflitos e vivências reconstruídas através das memórias aqui emprestadas, ao 4

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes - o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo, Cia. das Letras, 1987, p. 10 -13. 5 LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro – RJ. Civilização Brasileira, 2000. 6 SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: aproximações e afastamentos. Estudos Históricos, v. 10, nº 19. Rio de Janeiro – RJ, Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 5. 7 BURKE, Peter. A anatomia da Biografia. Folha de S. Paulo, 02 de fevereiro de 2003, Revista Mais, p. 12. Disponível em:< http://acervo.folha.com.br/fsp/2003/02/02/72>. Acessado em março de 2011.

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derredor de um homem expressivo, enquanto líder, evangelizador, cidadão e educador, emergem dentre outros aspectos, os sentimentos, o inconsciente, a cultura, a dimensão privada e o cotidiano na compreensão do conjunto de um período da história da Bahia e do Brasil. Ao encaminhar a discussão em torno da biografia de Padre Gilberto Vaz, lançando mão das lembranças, esquecimentos, representações e significações construídas pelos sujeitos em suas memórias e levando em consideração as dimensões sociais nas leituras e análises dos acontecimentos, um novo diálogo teórico se estabelece. A discussão que se segue, então, esforça-se em fugir às verdades absolutas, fazendo novas perguntas, empenhando-se em perceber as experiências que se manifestam nos valores e sentimentos expressos por esses sujeitos ao relatarem as suas próprias histórias. Dentro deste escopo, encaminham-se as seguintes questões: Quem foi Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio? Que relevância se estabelece entre a trajetória de sua vida e a História das cidades onde foi pároco? Qual o seu legado social do ponto de vista histórico? Como as comunidades por onde trilhou o significaram? Que imagem de si tencionou projetar à posteridade em seus muitos escritos deixados? Como padre e representante da Igreja Católica, que papel exerceu na composição político-social do Recôncavo baiano? No encalço dos seus passos, a partir dos ângulos sacerdócio, família, trabalho, estudo e militância política, emergem dimensões não perceptíveis sob enfoques macroscópicos que oferecem respostas a estas questões, revelando sua importante contribuição para a história da Bahia e do Brasil. Através dos relatos das memórias e suas ressignificações, que dão corpo e forma a este trabalho; a importância das histórias individuais na construção da história coletiva, nas percepções e sentimentos das comunidades aqui investigadas em relação a este seu líder comunitário. A caminhada sacerdotal que Padre Gilberto desenvolveu a partir da ordenação, em 1952, até sua a morte, em maio de 2008, possibilita um paralelismo com a emergência de importantes movimentos sociais de toda uma região, no liame existente entre particularidades biográficas e questões conjunturais. Em torno da memória da vida de um homem expressivo, nas vozes daqueles que com ele conviveram e na própria escrita de si, em seus muitos registros escritos deixados, manifesta-se a compreensão do conjunto. Na singularidade da história desse indivíduo, ora tomado como um território em que a História se situa e ganha significado, a vida e a luta de uma região em seu fazer cotidiano.

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Acerca do ponto em questão, vale destacar a assertiva de Agnes Heller, segundo a qual “a vida cotidiana não está fora da história, mas no centro do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância social.”8 Portanto, a assimilação de hábitos e idéias está vinculada ao convívio social estabelecendo assim uma mediação entre o individuo e os costumes. O grupo constrói elementos da cotidianidade, e mesmo motivações particulares ou individuais estão manifestas nas relações sociais, formando o que Heller chama de “consciência de nós”9, os fatores se fundem nas escolhas, nas funções da moral, nos valores que são assimilados, muitas vezes de forma heterogênea nas atividades da vida. Desse modo, no centro dos acontecimentos de uma região esteve o Padre Gilberto. A sua presença permanece viva no imaginário popular construído, a partir das lembranças individuais e coletivas, onde uma estará influenciando outra e vice-versa. “Nossa memória não é uma tabula rasa, nossas lembranças permanecem coletivas, e elas não são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos que só nós estivemos envolvidos, na realidade nunca estamos sós.”10 Nessa composição, ou construção do passado, os testemunhos constituem, portanto, o instrumental metodológico mais freqüentemente utilizado no desenvolvimento desta dissertação. Os relatos de pessoas que conviveram com Monsenhor Gilberto compõem a espinha dorsal deste trabalho, resgatando o indivíduo como sujeito no processo histórico, a partir de recortes do vivido trazidos à memória. Deste modo, propicia novas perspectivas para o entendimento do passado recente e, também, o conhecimento de diferentes versões sobre determinado tema.

A memória é composição, fluxo rítmico de anexação e criação, momento narrativo, momento textual: determinada ordem “escolhida”, certa maneira de ler e dizer a experiência com e no vivido: é a experiência singular do sujeito ao dizer-se em movimento e relação: é a ficção segunda de uma vivência entre as ficcionalidades do mundo social: é a maneira singular de dizer e ordenar essas ficcionalidades: a memória é relação: como momento textual não é nem o passado nem uma narrativa definitiva: é um momento do sujeito que se traduz em ordem narrativa, em ordem de palavras: é elemento que se desdobra numa lógica de procriação similar ao cantar, ao recitar, ao sonhar.11

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HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 20. Idem. Op. cit., p. 21. 10 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice; Revista dos Tribunais. 1990, p. 26. 11 CALDAS, Alberto Lins. História e Memória. Primeira Versão. ANO III, Nº181, Volume XII, Porto Velho, Março de 2005. Universidade Federal de Rondônia (UFRO). CENTRO DE HERMENÊUTICA DO 9

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Para Alessandro Portelli12, a História Oral não é apenas um instrumento para fornecer informações sobre o passado, o que lhe interessa é a subjetividade dos narradores, onde há a recuperação do vivido, segundo a concepção de quem o viveu. Assim, o ineditismo e o preenchimento de lacunas que nenhuma outra fonte fornece em medida igual. A História Oral é uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito _ assim como a sociologia e a antropologia - a padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos; visa aprofundá-los em essência, por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória individuais e ainda por meio do impacto que elas tiveram na vida de cada uma. Portanto, apesar do trabalho de campo ser importante para todas as ciências sociais, a História Oral é, por definição, impossível sem ele.13

Entretanto, cabe ao historiador perceber como os sujeitos viveram e pensaram sua própria história, dando algumas explicações aos fatos. Estes estudos precisam levar em consideração todas as dimensões sem compartimentações e interesses pessoais. A história possibilita que diferentes sujeitos sociais pensem o real de maneira distinta, intervindo neste diferenciadamente. Um mesmo fato certamente possui diversos sentidos e visões. Como assinalou Peter Gay, “o historiador não encerra sua tarefa ao compreender as causas e o curso dos acontecimentos. A narrativa histórica sem análise é trivial, a análise histórica sem narrativa é incompleta.”14 Ainda para Halbwachs15, embora as memórias individuais tenham sempre um caráter social, elas representam um ponto de vista das memórias coletivas por isto devem ser analisadas com muita cautela pelos historiadores, pois intercalam imagens de diferentes lembranças que se constituíram nas relações sociais, e a partir da posição social que o sujeito ocupa, sendo, portanto, sujeitas às interferências e mudanças. A memória individual é também resultado da construção das experiências e circunstâncias atuais. Além dos depoimentos na forte presença da fonte oral, esta investigação se desenvolveu também pautada em outras fontes primárias e secundárias: livros, teses universitárias, relatórios técnicos, artigos em revistas científicas, arquivos oficiais e pessoais,

PRESENTE. EUFRO – Editora Universidade Federal de Rondônia, Disponível em: <http://www.primeiraversao.unir.br/atigos_pdf/numero181alberto.pdf.> Acessado em março de 2011. 12 PORTELLI, Alessandro. “Tentando aprender um pouquinho: Algumas reflexões sobre a ética na história oral. In: Projeto História, nº. 15, São Paulo, abril de 1997. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História - PUC/SP, p.16. 13 Ibidem. 14 GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.171. 15 HALBWACHS, Maurice. Op. cit., p. 51.

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e arquivos religiosos, com ênfase para fontes de informações ainda não publicadas, que não receberam tratamento analítico ou não organizadas: correspondência pessoal e comercial, registros em igrejas e fotografias. Sempre pensando a biografia como uma narrativa historiográfica, na qual os elementos citados são utilizados na reconstrução da trajetória e das sociedades em que viveu Monsenhor Gilberto. Embora a biografia histórica caminhe num crescente entre as diversas correntes historiográficas, não consiste em unanimidade entre os historiadores, tão pouco o recurso da fonte oral. Segundo Levi16, através da biografia, questionamentos e técnicas características da literatura foram transmitidos à historiografia. E foi essa influência literária que fez com que os historiadores se deparassem com obstáculos documentais, como, por exemplo, os atos da vida cotidiana, o caráter fragmentário dos sujeitos e os momentos contraditórios de sua constituição. Cabe ao historiador então, ter em mente que não é possível apreender o todo essencial do sujeito da descrição, e também de que forma poderá a sua narrativa histórica representar as mudanças sucessivas de uma vida numa formação não linear, de maneira a não torná-la engessada, tão pouco subjetiva demais. Ainda citando Levi17, os historiadores que trabalham com biografias precisam estar atentos quanto a três importantes obstáculos a serem enfrentados: o papel das incoerências entre as próprias normas do meio social, o tipo de racionalidade que se atribui aos atores que participam da biografia escrita e a relação entre os indivíduos e o grupo que pertencem. Tratase, sobretudo, de problemas de escalas e de pontos de vista, pois sua percepção é de que existe uma relação forte entre biografia e contexto, na qual a importância da biografia está principalmente em mostrar as incoerências dos sistemas de normas e seu efetivo funcionamento, autorizando a diversificação das práticas individuais. A partir de uma perspectiva crítica relacionada ao caráter nada científico do gênero biográfico, Pierre Bourdieu destacou que o problema da biografia está em conceber o relato como a escrita de uma vida, de um conjunto de acontecimentos de uma existência individual, onde este conjunto coerente e organizado de fatos é visto como guiado por um caminho unidirecional até o fim da estrada, o final da história. Assim, a trajetória aparece segundo uma ordem cronológica de fatos ocorridos de forma lógica desde um começo, até chegar ao final,

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LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, J.;FERREIRA, Marieta M. (coord.). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 168-169. 17 Idem. Op. cit., p. 179.

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tratando a vida como uma história numa seqüência de acontecimentos direcionados e intencionais.18 Esse movimento reflexivo dos historiadores acerca da disciplina histórica não constitui um pensamento hodierno, vez que remonta a Heródoto e Tucídides em seus confrontos quanto às prerrogativas das fontes orais e documentais escritas. Um novo enfoque historiográfico, no entanto, vem sendo adotado a partir da Escola dos Annales e, sobretudo nas últimas décadas, onde se percebe uma busca dos historiadores, no sentido de uma história preocupada também com os anônimos, seus modos de viver, sentir e pensar, revalorizando a análise qualitativa e resgatando a importância das experiências individuais. O foco se volta então para o particular, e não mais ao geral. É a história vista de uma maneira enriquecida de minúcias e detalhes, numa análise social e complexa, que contempla diferentes aspectos, privilegiando sua humanização. Esse novo modo de escrever e estudar a História serve-se da História Oral e da Microhistória, cujos processos se confundem com a própria nova História Cultural, aparecem como resposta aos anseios de historiadores que buscavam um novo modo de compor a historiografia. Desse modo, vem fugindo dos paradigmas tradicionais positivistas, numa reconstrução suscetível de uma maior explicação e compreensão dos fatos, e em descrições bem mais próximas da realidade comportamental humana. Dentre estes, destacam-se os escritos de Giovanni Levi, Alessandro Portelli e Paul Thompson. Ainda em relação às discussões teórico-metodológicas para a análise do passado, as últimas décadas têm se mostrado extremamente profícuas, ampliando em muito o leque opcional de temas e possibilidades, inclusive a partir do recurso interdisciplinar. Destarte, a incorporação de metodologias pertencentes a áreas afins, tais como a antropologia, sociologia, geografia e psicologia, bem como o alargamento da compreensão do que seja história cultural, vêm atuando em favor da construção de uma história mais abrangente e, por que não dizer, totalizante. É válido salientar a aproximação da história com a antropologia, na qual o resgate das histórias de vida já é uma praxe, e com a literatura, preocupada com as técnicas narrativas de construção dos personagens; atitude que só enriquece a historiografia brasileira e do mundo. Esse reencontro, entretanto, só ocorreu mais recentemente; visto que a partir do século XIX, a história, buscando a afirmação de sua cientificidade, afastou-se da literatura, negando a 18

BOURDIEU, Pierre. A ilusão Biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M.M, coordenadoras. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro. 8ª. Ed. Editora Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 185.

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narratividade como modo adequado de exposição da escrita histórica. Nos últimos anos, contudo, observa-se a volta da história-narrativa que, segundo Stone19, “se diferencia da história estrutural por ser mais descritiva do que analítica e por direcionar seu enfoque ao homem e não às circunstâncias”. O historiador narrativo não pode deixar a análise de lado, mas ela não constitui o arcabouço de sustentação em torno do qual se constrói sua obra. As produções de biografias no campo do conhecimento histórico, no Brasil e em outros países, revelam-se extremamente ricas e importantes, porquanto inovam, ao oportunizarem a recriação do espírito de uma época, sob a ótica de minúcias, detalhes e do rigor metodológico que só ao historiador nos parece possível, uma vez que este, através de uma leitura adequada das fontes, busca “efeitos do real com a verdade dos quais se possa chegar a conclusões”20, fazendo emergir “uma convicção razoável da verdade histórica”21, além do que o historiador submete-se, porque assim exige o seu ofício, à pressão da documentação. Particularmente, o interesse pelas biografias nasceu ainda no curso de Graduação em História na Universidade do Estado da Bahia, instituição que vem privilegiando, principalmente na última década, as discussões acadêmicas focadas na história regional e local, ressaltando a relevância da micro-história, bem como a oralidade enquanto importante recurso historiográfico. A temática que aqui se segue, seguramente enriquece o conhecimento histórico regional, na medida em que torna indispensável o emprego de caminhos metodológicos ainda pouco explorados, quando recorre à construção biográfica, e esta, utiliza-se intensamente deste instrumento tão discutido na atualidade, que é a história oral. Este recurso vem sendo revitalizado a partir da década de 1970, ora duramente criticado, por possíveis distorções, “pela deterioração física e pela nostalgia própria da idade avançada, pelas tendências pessoais tanto do entrevistado como do entrevistador e pela influencia das versões coletivas e retrospectivas do passado”22, ora ardoroso e até mesmo apaixonadamente defendido. Mas, sobretudo, sendo enriquecido pelo processo de discussão e análise. 19

STONE, Lawrence. "The revival of narrative – reflections on a new old history", IN Past and Present. Nº 85, Reino Unido, 1979, Revista publicada pela Oxford University, p. 3. 20 LE GOFF, Jacques. São Luís: Biografia. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro; Editora Record, 1999, p. 22. 21 Ibidem. 22 THOMSON, Alistair. “Recompondo a memória: questões sobre a relação entre História Oral e Memória”. In: PERELMUTTER, Daisy & ANTONACCI, Maria Antonieta (org). Ética e História Oral. Projeto História Revista do Programa de Estudos Pós - Graduação em História, nº 15, São Paulo, PUC, 1997, p. 51.

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História Oral ou Método Biográfico é o registro da história de vida de indivíduos que, ao focalizar suas memórias pessoais, constroem também uma visão mais concreta da dinâmica de funcionamento e das várias etapas da trajetória do grupo social ao qual pertencem. Muitas dessas memórias são chamadas de subterrâneas, porque ficam à margem da história oficial... Este método apresenta um caráter novo e envolvente, porque pressupõe uma parceria entre informante e pesquisador, construída ao longo do processo de pesquisa e através de relações baseadas na confiança mútua, tendo em vista objetivos comuns. Constrói-se assim uma imagem do passado muito mais abrangente e dinâmica.23

A importância da história oral reside exatamente no espaço apropriado para se ouvir e compartilhar memórias. Porém, a fonte oral, como qualquer outra fonte, deve ser submetida à crítica e à análise, atribuindo a estes, graus de probabilidades. Assim, a importância de se buscar provas em arquivos e estudar cuidadosamente a coerência ou não dos dados obtidos. É necessário estruturar a pesquisa não apenas como um emaranhado de informações. Os testemunhos podem denotar problemas cronológicos e mutações, fragmentos que se contradizem, o que exigirá do pesquisador que esteja atento ao exercício constante da interpretação. A história oral reaviva a voz de quem a viveu, e o significado disto é construído por quem o relata, neste caso o historiador, uma vez que a este cabe a análise e recorte daquilo que pensa ser interessante ficar escrito, sendo-lhe necessário então, um saber articulador. A fala, então, torna-se transcrição para outros leitores. É de suma importância, portanto, a forma de transcrição, que deve ser vista como um momento da pesquisa para quem trabalha com o referencial da história oral, e por isto mesmo, deve ser minucioso e cuidadoso. É a transcrição que “transforma objetos auditivos em visuais, o que inevitavelmente implica mudanças e interpretação”24. Mecanismos como cortes, seleção, eleição de elementos fazem parte da escrita na história. Baseada nos depoimentos orais, esta metodologia mostra-se muito eficiente, sobretudo nas pesquisas de Histórias recentes. Na História oral, diferentemente de outras metodologias, os silêncios, o não dito, o próprio processo de filtragem do depoente e a subjetividade das respostas são levados em consideração no processo da aproximação com a verdade. Neste processo participativo, o entrevistado é co-autor do trabalho, o que exige um maior compromisso ético ainda, quanto à divulgação das informações obtidas, uma vez que estas, 23

LAHO: Laboratório de História Oral. O que é História Oral. Centro de Memória. UNICAMP. Disponível em: <http://www.centrodememoria.unicamp.br/laho/index.htm>. Acessado em 26 de set. de 2009. 24 PORTELLI, Alessandro. A Filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes orais. Tempo 2, Revista do Departamento de História, Rio de Janeiro, dez/1996, p. 27

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após suas transcrições, passarão a ser fontes documentais, passíveis de serem utilizadas em novos trabalhos, por outros pesquisadores. Fonte oral é a voz, e não a transcrição. Uma vez efetuada a transcrição, passa a ser fonte escrita.

O seu registro está na fita. O seu tempo é o do diálogo. Assim, os temas surgem do passado estimulado pelo contato do momento da entrevista. Momento este que envolve o passado e estabelece o tom: é um pretérito que existe, vivo em cada presente em que emerge.25

Ao buscar o passado, perscrutando a vida de Monsenhor Gilberto, em nenhum momento houve a intenção de julgar o homem, heroicizá-lo ou condená-lo; mas identificar dentro da “complexidade de ações que empreendeu na sociedade, o que o distingue entre tantos outros sujeitos sociais que viveram e interferiram nos rumos sociais.”26 Durante os últimos três anos, nos rastros de Monsenhor Gilberto, muitas visitas e entrevistas foram realizadas nas cidades de Elísio Medrado, Varzedo, São Miguel das Matas, Santo Antônio de Jesus e Amargosa. Além dos arquivos públicos destas cidades, os documentos paroquiais e arquivos pessoais do Professor Jorge Amorim, da jornalista Aricelma Araújo dos Santos e do Padre Cristovão Reis Brito de Figuerêdo constituíram fontes essenciais. No município de Amargosa, existe a venda do Zé Correa, onde costuma se reunir a chamada “velha guarda” de Amargosa. Lá, em conversas informais com os assíduos freqüentadores que elegeram o local como um ponto de encontro e referência na cidade, foi possível melhor compreender o desenho social político e econômico de Amargosa nas últimas décadas, além de importantes indicações de fontes e arquivos pessoais ainda existentes. Após essa primeira etapa de levantamento e seleção de fontes históricas, seguiu-se a fase de problematização das fontes através de um cruzamento recíproco de dados e informações em sentidos diversos e, a partir daí, a crítica dos discursos, atentando para as representações das relações de poder e os interesses individuais implícitos no processo de construção dos mesmos. Assim, metodologicamente partiu-se de um estudo qualitativo numa 25

SANTANA, Charles D’Almeida. Fartura e Ventura Camponesas: trabalho, cotidiano e migrações Bahia: 1950-1980. São Paulo: Annablume, 1998, p. 123. 26 LEAL, Maria das Graças Andrade. Manuel Querino: entre letras e Lutas. Bahia 1851 – 1923. 2004. 416f. Tese (Doutorado em História) - Programa de Estudos Pós – Graduados em História. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 12.  A chamada “velha guarda” de Amargosa é constituída por um pequeno grupo de moradores antigos (todos do sexo masculino), nascidos ou não na cidade, que costumam se reunir sob o coreto (apelidado de senado) da Praça Lourival Monte, em frente à prefeitura, para colocar a “prosa” em dia, relembrar os tempos antigos, discutir a quantas andam a política local, saber dos últimos acontecimentos e comentá-los.

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análise histórico-discursiva-interpretativa de documentos e dados históricos, onde a História Oral fulgura como recurso importante e meritório, num diálogo constante com as fontes documentais e bibliográficas. As fotografias encontradas da época estudada, também constituíram importantes registros, donde se buscou abstrair pistas e informações. Em busca de respostas às indagações aqui propostas, no primeiro capítulo, Em Varzedo o Homem da Política e da Educação, a narrativa do desenrolar dos fatos que precedem à Emancipação de Varzedo, bem como um retrato dum período da História da educação no município, aclarando a participação do Monsenhor Gilberto nestes processos. Paralelamente, o desenho amiúde da Varzedo no período estudado, numa imersão microanalítica, fazendo a necessária correlação entre História regional e local, que inclui a discussão do conceito de região, além de analisar as relações de poder, enfatizando a disputa entre as forças religiosas e políticas locais. Quais interesses estariam por trás de um movimento emancipatório de uma localidade? Foi um movimento articulado pela maioria dos atores locais? A quem interessava a emancipação? No segundo capítulo, De Amargosa para as estradas, um retrato do passado de Amargosa e a discussão do que vem a ser “o lugar”, nas representações e significados do que lhe dá sentido em um determinado tempo; manifestos nos costumes, hábitos e construções sociais locais. As famílias amargosenses, a infância e opção pelo sacerdócio de Monsenhor Gilberto, e a busca da origem de sua formação política. Também, as desavenças e malgrados momentos vivenciados por Monsenhor num período político ditatorial, bem como uma reflexão em torno do que ele representou para os jovens da região e de que maneira Padre Gilberto se insere nos movimentos católicos como: Juventude Estudantil Católica – JEC; Juventude Operária Católica - JOC; Juventude independente Católica - JIC; a Juventude Agrária Católica - JAC e a Juventude Universitária Católica – JUC; dentro duma prática engajada, que questionava as estruturas sociais e levava ao compromisso social e político, as perseguições sofridas pela sua atuação e as marcas deixadas enquanto representante da Igreja Católica na organização e formação da identidade local. Finalmente, no último capítulo, Monsenhor por Monsenhor: entre lutas e linhas, uma escrita de si, uma discussão acerca da escrita de si, analisando as entrelinhas dos manuscritos deixados por Monsenhor, desnudando as percepções que ele fazia de si, a partir de seus relatos, no que poderíamos chamar de recortes autobiográficos e, sobre a maneira que a 22


sociedade o significou e conceituou. Também, a imagem que tencionava projetar de si, evidenciada de maneira iniludível, na constante preocupação em deixar os registros de sua trajetória, sob sua ótica. Nesse sentido, recorremos a alguns teóricos da psicologia, para uma melhor argumentação quanto à compreensão da formação das memórias, mecanismos de resgate e memória autobiográfica.

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2 EM VARZEDO O HOMEM DA POLÍTICA E DA EDUCAÇÃO

Este capítulo discute as relações de poder e o conceito de região sob a ótica de autores como Ana Fani Carlos27, Michel de Certeau28 e Durval Muniz de Albuquerque Jr29. Ademais, versa acerca da passagem geográfica e do tempo histórico nos quais se moveu Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, que, através de sua prática sacerdotal, conviveu e estabeleceu vínculos, atuou politicamente, organizou, conduziu e contribui para a construção de um dado espaço social.

O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade habitante - identidade - lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido através do corpo30.

Desse modo, Monsenhor Gilberto teceu sua vida, a partir de sua essência íntima, em manifestações exteriores, que se refletiram no lugar e vice-versa, construindo seu espaço relacional. Para Fani, “a reflexão sobre o espaço é uma análise da vida”31; e é discutindo espaço e vidas, que esta História começa a ser contada.

2.1 DE VARGEM GRANDE AO MUNICÍPIO DE VARZEDO: UMA HISTÓRIA A SER CONTADA.

O município de Varzedo está localizado a cerca de 200 quilômetros da capital baiana e limita-se com os municípios de Santo Antonio de Jesus, São Miguel das Matas, Elísio Medrado e Amargosa. Hoje, conta com cerca de 9.500 habitantes, que ainda sobrevivem basicamente da agropecuária, sobretudo nas pequenas roças de mandioca, laranja, café, caju, amendoim e milho. É margeado pela sinuosa rodovia estadual BA 026, por onde transita todo

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CARLOS, Ana Fani. Discutindo o Lugar. In. O Lugar No/Do Mundo. São Paulo Hucitec. 1996. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. 29 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. O OBJETO EM FUGA: ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DO CONCEITO DE REGIÃO. Fronteiras, v. 10, n. 17, jan./jun. Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2008, p. 55 a 59. 30 CARLOS, Ana Fani. Discutindo o Lugar. In. O Lugar No/Do Mundo. São Paulo Hucitec. 1996, p. 17. 31 Idem. Op.cit., p. 22. 28

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o fluxo automobilístico que interliga os municípios acima citados. Embora muito pequeno, foi palco de uma acirrada disputa política que durou quatro anos, tendo como um de seus principais articuladores e mentor intelectual o Padre Gilberto.

Imagem 1: Mapa onde se destaca a localização do município de Varzedo, bem como as cidades circunvizinhas de Elísio Medrado, Amargosa, São Miguel das Matas e Santo Antônio de Jesus, cidades onde Monsenhor Gilberto foi pároco entre os anos de 1952 e 2008, que delimitam o recorte espacial deste trabalho. Fonte: GOOGLE MAPAS. Disponível em: http://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl. Acessado em 19 de agosto de 2010.

Foi nesse recorte geográfico/eclesiástico que se desenrolou a história de uma luta popular embalada pelos conflitos políticos existentes, que envolveram também as forças religiosas e políticas locais. O relato da caminhada de Monsenhor Gilberto passa a ser contada aqui, justamente quando ela se finda. E foi a partir das lembranças que foram brotando, num recuo ao passado, que os espaços que ele construiu e ocupou pouco a pouco foram se delineando. O dia 13 de Maio do ano de 2008 foi marcado por muita comoção no Recôncavo Sul baiano. A notícia da morte do Vigário Geral da Diocese de Amargosa, Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, aos 81 anos de idade e 55 de Sacerdócio, enlutou a região. Naquele dia, ele havia almoçado às pressas e ao se deslocar para o povoado de Muritibinha, zona rural pertencente ao município de Conceição do Almeida, onde iria celebrar a Festa de Nossa Senhora de Fátima, um trágico acidente de carro pôs fim à sua caminhada sacerdotal e encerrou seus trabalhos pastorais.

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Segundo a Polícia Rodoviária Federal, Monsenhor Gilberto teve morte instantânea ao ser atingido por uma carreta, quando tentava atravessar com seu automóvel Volkswagen Gol a rodovia (BR-101) saindo de uma estrada de chão. Seu corpo foi velado na cidade de Varzedo e o sepultamento ocorreu no dia seguinte, na cidade de Amargosa. As prefeituras das cidades de Varzedo, Amargosa, Mutuípe e Laje disponibilizaram ônibus para levar as pessoas ao sepultamento e, em Elísio Medrado, além do transporte oferecido, foi decretado feriado municipal. Repetidos lamentos ecoavam por todo o cortejo do sepultamento: Perdemos um grande homem e um grande líder! Este homem nos fará muita falta! Afinal, quem foi este homem? Por que tanta comoção? Muitos lhe atribuíram insígnia de líder. Mas a que se referiam e em que sentido? Gilberto Vaz Sampaio nasceu em Amargosa, numa quarta-feira, às nove horas da manhã, do dia seis de janeiro de 1927, onde viveu sua infância e adolescência, fez sua opção religiosa e foi ordenado padre no ano de 1952. A partir daí passou a exercer seu sacerdócio, transitando por algumas das cidades circunvizinhas, até assumir a paróquia de Varzedo no dia 1º de Janeiro de 1982, tendo sido o primeiro pároco daquela localidade. Iniciou-se, então, um estreitamento de sua relação com a comunidade. No entanto, em fins da década de 60 do século XX, ele já havia celebrado algumas missas na então vila de Varzedo. Àquela época, era conhecido apenas como Padre Gilberto, porquanto o título honorífico de Monsenhor, que é concedido pela Igreja Católica aos membros que se destacam pelos méritos e dedicação à causa sacerdotal, lhe foi conferido pelo Papa João Paulo VI somente em 1974. A presença do Padre na vila, remonta aos anos de 1967 e 1968, quando a capela fundada pelo Padre Antônio Ângelo de Mendonça foi derrubada, dando lugar à construção da atual Igreja Matriz de Varzedo. Já neste episódio evidenciou-se a intervenção do Monsenhor junto à comunidade local, contatando as pessoas que tinham um maior respaldo político, econômico, social e religioso, articulando e viabilizando tal feito. Portanto, ao ser nomeado pároco da vila, vindo da comunidade do Andaiá, um bairro bastante populoso e conhecido da cidade de Santo Antonio de Jesus, o Padre já contava com muitos amigos locais e gradativamente foi ganhando a confiança da população. Antes de ser transferido para Varzedo, Monsenhor Gilberto atuava como pároco do bairro Andaiá, em Santo Antônio de Jesus, onde desenvolvia um trabalho social de conscientização e oportunização de novas perspectivas de vida junto às prostitutas, além de um projeto de alfabetização de jovens e adultos. Um dos colaboradores nessa tarefa foi o 26


professor Pedro Barroso, com quem mais tarde veio estabelecer nova parceria numa ousada proposta educacional em Varzedo. Ao chegar à vila, Monsenhor passou a morar na casa paroquial que ficava na Praça 08 de Dezembro, onde se concentrava a maior parte do pequeno comércio local.

Imagem 2: SANTOS, Aricelma Araújo dos. Acervo particular, s.d. Praça 8 de Dezembro, onde se vê à esquerda a lateral da igreja Mariz e a casa paroquial ao fundo da foto, ao lado de um pequeno sobrado.

A realidade com a qual se deparou era de pobreza e abandono, num local que sequer apresentava crescimento demográfico. Não existia água encanada, o fornecimento de energia era fraco e precário e a maioria das residências era de palha. Grande parte da população sobrevivia da venda de laranja, lenha e farinha. As ruas eram em quase toda a sua totalidade de barro pisado. Este cenário não era diferente do que conheceu em suas visitas à cidade nos anos de 1960, tão pouco em muito se distanciava das origens de Varzedo. O nascimento de Varzedo ocorreu no ano de 1868, quando ao entorno de uma capela construída pelo Padre Antônio Ângelo de Mendonça, em sua propriedade particular, nasceu a Vila de Vargem Grande, assim denominada pelo fato de estar localizada num terreno bastante úmido.

Desde então, permaneceu administrativamente vinculada ao município de Santo

Antônio de Jesus até o evento da emancipação, em 1989. A denominação de distrito de

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Vargem Grande passou a ser distrito de Varzedo através do decreto-lei estadual nº 141, de 3112-1943, retificado pelo decreto estadual nº 12978, de 01-06-194432. Desse modo, sob a tutela da cidade de Santo Antônio de Jesus e da Igreja Católica, a cidade surgiu. Num período em que a Igreja organizava as instituições de poder, onde paróquias e freguesias como circunscrição eclesiástica, tinham sua importância no contexto político, servindo para a administração civil, “[...] as freguesias e as vilas como modalidades de organização espacialmente administrativa, permaneceram com maior ou menor freqüência no Brasil até o estabelecimento do regime republicano em 1889.”33 O Recôncavo não fugia a tais regras, e o Padre Ângelo cumpriu o papel que lhe foi delegado pelo Estado, quando promoveu a criação da vila. Esse episódio reflete a legitimidade religiosa e política da Igreja no Brasil, decorrente do processo que acompanha a própria história do Brasil desde 1500.34 Nascida no segundo reinado, em um período na história da Igreja no Brasil conhecido como romanização do Catolicismo, voltado à colocação da Igreja sob as ordens diretas do Papa e não mais como uma instituição vinculada à Coroa brasileira, Varzedo se constrói num paralelismo ao processo de reorganização da Igreja Católica que inclui as fases da reforma católica, a da reorganização eclesiástica e a da restauração católica, passando pela NeoCristandade no centenário da Independência, em 1922, quando então a Igreja optou por atuar abertamente na arena política. “Essa opção implica a colaboração com o Estado, em termos de parceria e de garantia do status quo.”35 Esse estreitamento visceral da comunidade varzedense com a Igreja Católica, que sucede ao período blastógeno, partiu da capela do Padre Mendonça, passou por Vargem Grande, personificado na figura do vigário de Santo Antônio de Jesus, o Padre José de São Bento Baraúna, que pertencia ao grupo político do Partido Conservador do século XIX, liderado pelo advogado Dr. Félix Gaspar de Araújo Almeida36, e se reafirmou na presença de Monsenhor Gilberto. 32

IBGE. Acervo digital – documentação Territorial. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/bahia/varzedo.pdf>. Acessado em set. 2010. 33 CARVALHO, Ana Maria. Recôncavo Sul: Terra, Homens, Economia e Poder no Século XIX. 2000. 137f. Dissertação de Mestrado em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, Bahia, 2000, p.21. 34 AZEVEDO, Dermi. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Revista Estudos Avançados, volume 18, edição nº 52, 2004, p. 109-120. 35 Idem, p. 112. 36 AMORIM, Jorge. “IMAGINAÇÃO QUE DEU CERTO” - Processo de emancipação de Varzedo: local, região, política e criação de um município da Bahia, Brasil (1985 – 1989). 2009. 233f. Dissertação de Mestrado em História Contemporânea. Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras - Departamento de História. Lisboa, Portugal, 2009, p. 50.

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Embora em outras circunstâncias e caminhos, mas dentro das mesmas estruturas de poder, Monsenhor Gilberto deu continuidade ao processo de sustentação político-religiosa ao articular a emancipação de Varzedo cento e vinte e um anos após sua criação, onde a religião católica, não obstante de maneira menos pungente, não deixou de atuar enquanto instrumento de dominação social, política e cultural. Do ponto de vista do poder econômico, a cidade historicamente marcada por lavouras importantes como o fumo e a cana-de-açúcar, atualmente tem a maior parte das terras do município destinada à pecuária bovina, seguida da criação de aves. Na agricultura, destaca-se ainda a cultura de mandioca.37. A avicultura vem alavancando bastante a região, em função da instalação de granjas da empresa São Luiz e, atualmente, devido à implantação do frigorífico Avigran. O estabelecimento da granja São Luís e, sobretudo, a Avigran, movimentou bastante a economia da região, esta última gerando pouco mais de 100 empregos, o que é muito significativo para o porte da cidade. A granja São Luís foi fundada em Santo Antônio de Jesus no ano de 1978, pelo seu atual gestor, Luiz Fernando de Souza, e sua esposa Sônia Souza, dando impulso ao nascimento da Avigran Alimentos, pertencente ao mesmo grupo empresarial. A empresa situa-se na cidade de Varzedo, a 15 km de Santo Antônio de Jesus e a 215 km da capital baiana, onde também se localiza a maior parte de seu plantel de aves38. Embora num primeiro momento tenha causado certa euforia comercial, ainda não é possível analisar de maneira amiúde os seus impactos locais ambientais e sócio-econômicos, face ao curto período de sua existência. O que já se sabe até então é que tem havido um aumento considerável das doenças ocupacionais39. Ainda que grande parte das propriedades rurais de Varzedo seja de médio e pequeno porte, ao descrever geográfica e, porque não dizer, poeticamente as terras de Varzedo, Jorge Amorim revela nas entrelinhas de sua escrita mais que paisagens e vegetações: “O bambual que ornamentava o caminho dividia a rodovia entre o rio de um lado e de outro, onde esse terminava à margem do terreno denominado “mata de doutor Humberto”, imensa propriedade coberta por árvores de diversas espécies.”40 e mais adiante “vendo a estrada de acesso ao local 37

Cf. JESUS, Elmo de Jesus. EMANCIPAÇÃO MUNICIPAL: UMA ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL? O CASO DE VARZEDO/BA.2008. 153f. Dissertação de mestrado em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. UNEB/Campus V – Departamento de Ciências Humanas. Santo Antônio de Jesus, Bahia, 2008. p. 105. 38 AVIGRAN. Disponível em: <http://www.avigran.com.br>. Acessado em 23 de nov. 2010. 39 SINDICARNE-BA Sindicato dos trabalhadores nas Empresas de Abate Animal. 40 AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 21.

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chamado Dendê, a curva fechada da fazenda Sampaio [...] na frente da sua entrada o antigo e opulento “Ponto Sampaio”, edificado para servir à família nos últimos decênios”41. O retrato de ostentação e poder, descrito acima, coaduna com a percepção da terra enquanto, um bem cobiçado, assim visto pelos que acumulavam riquezas, a partir dos idos de 1870, quando os grandes fazendeiros passaram a distinguir-se dos demais por acumularem mais de uma propriedade, em casas sobre esteios e cobertas com telhas, engenhos, alambiques, muitos animais, incluindo os de montaria42; o que lhes garantia uma autosuficiência e muito prestígio local, inclusive na condução dos destinos políticos.

Ser senhor de terras não implicava apenas em ser obedecido pelos seus subordinados mais imediatos, como os trabalhadores escravos. Importava também em garantir uni espaço nas redes do poder público, nas instâncias administrativas, além do exercício do poder também sobre os menos privilegiados como os agregados, os trabalhadores livres e até pequenos proprietários de terras.43

Esse panorama permaneceu vivo no seio varzedense por sucessivas gerações, até os dias atuais, manifestando-se nas muitas relações sociais de subserviência, através dos privilégios de mando de alguns e nas lutas pelo poder travadas desde a emancipação até os dias atuais. As exigências de outrora se circunscreviam às “casas com telhas de palhas de pindoba e paredes de taipa, ou casas de taipa, exigência do dono do terreno para impedir que seus trabalhadores tivessem posse sobre a parte onde suas casas estavam edificadas caso fossem feitas com alvenaria, cimento, blocos e telhas”44, como refere o professor Jorge Amorim ao descrever a propriedade do “doutor Humberto”. Nos dias atuais manifesta-se ainda na exigência do voto de cabresto imposto a muitos, na troca por um emprego na prefeitura, ou na vaga de uma creche ou escola. Ainda hoje, Varzedo é uma cidade fortemente marcada pela simplicidade, inclusive do ponto de vista arquitetônico, porquanto conserva antigos traços, quer seja pela existência de pequenas casas de alvenaria com marquises na frente, quer seja no calçamento de algumas ruas ainda pavimentadas com pedras de paralelepípedos “‘cabeça de nêgo’, assim chamadas por possuírem cor azul-petróleo, serem lisas e levemente arredondadas, lembrando a forma da

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Idem, p. 22. AMADO, Janaína. História e Região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marco A (Org.) República em Migalhas - História Regional e Local . ANPUH/MARCO ZERO. São Paulo. 1990. Passim. 43 CARVALHO, Ana Maria. Op. cit., p.99. 44 AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 21. 42

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parte frontal de um homem negro”45. Varzedo é possível de ser percorrida por inteiro “num piscar de olhos”. O desenho da cidade pode ser assim descrito: logo na entrada da cidade, à direita, a Rua de Baixo, que engloba as seguintes ruas: Eujácio da Silva Almeida, estrada que dá acesso a muitas fazendas da região; à esquerda a João Felix de Jesus, onde fica o ponto da moto taxi [meio de transporte mais utilizado na cidade, porquanto os táxis ou carros de frete, além de serem poucos, não são regulamentados]; um pouco mais à frente a Rua da Estação [Largo da Estação], onde uma pracinha com bancos de madeira envernizados e fonte luminosa ainda funciona como ponto de encontro para colocar a prosa em dia46. Tem ainda as Ruas 29 de Maio e Professora Maria Helenita Sampaio Bitencourt. A Rua de Cima compreende as ruas: Padre Antônio Ângelo Gomes de Mendonça, Antônio Inácio Barreto e Percília Maria de Jesus Silva, além da Praça 08 de Dezembro. A explicação para essa divisão espacial em Ruas de Baixo e Rua de Cima tem sua origem na topografia da cidade47, e na forma como esta foi sendo organizada do ponto de vista das relações sociais, corroborando o pensamento de Ana Fani Carlos48 quando discute as concepções de lugar. Historicamente, a Vila de Varzedo, iniciou sua formação na parte alta, ou seja, na Rua de Cima. A nomenclatura destas foi se modernizando com o tempo e perdendo os motes populares. Assim, a João Felix de Jesus já foi Rua das Sete Portas, a Eujácio da Silva Almeida era a Rua do Sol Posto, e a 29 de Maio era a Rua do Beco do Bode. Havia também as ruas do Fogo, do Cemitério, da Rocinha, da Palha e outras que tais. Sobre essas definições populares das ruas de Varzedo, Jorge Amorim tece algumas considerações históricas e antropológicas explicativas:

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Cf. AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 12. Assim denominado por ter abrigado por muito tempo a Estação ferroviária que fazia parte da malha ferroviária da Estrada de Ferro Nazaré – Santo Antônio de Jesus. O trem permitia uma integração das regiões: Vale do Jequiriçá / Recôncavo / Sudoeste da Bahia (Jequié). A abertura dessa estrada de ferro ocorreu em 1880, porém , só em 1891chegou a Santo Antônio de Jesus, São Miguel e Varzedo. Em 1892 Amargosa foi contemplada. Com o auge da cultura do café na Bahia e no Brasil, a Estrada de Ferro Nazaré – Jequié servia para transportar passageiros e escoar a produção cafeeira do Vale. Mas também serviu ao transporte de fumo, mandioca, cana-deaçúcar, laranja, amendoim, café, feijão e milho. A esse respeito ver: SANTOS, Oscar Santana dos. Uma viagem Histórica pelas estradas da esperança: representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da estrada de ferro Nazaré (Bahia, 1960 – 1971). 2011. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGHIS – UNEB – Universidade do Estado da Bahia. Santo Antônio de Jesus/BA. 46 Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: O Homem do caminho. 2010, p. 94. 47 Cf. AMORIM, Jorge. Op. cit., pp.17 a 22. 48 CARLOS, Ana Fani. Discutindo o Lugar. In. O Lugar No/Do Mundo. São Paulo Hucitec. 1996. 

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[...] Rua das Sete Portas, devido uma venda, onde eram comercializados bebidas etílicas e outros produtos, que possuía exatamente sete portas de acesso; [...] Rua do Beco do Bode era onde vários caprinos circulavam e despejavam suas fezes, tornando a rua sui generis; Rua do Fogo, onde ocorriam várias brigas entre vizinhos, embora também se falasse que ali existiu um paiol, onde se fabricavam manualmente fogos de artifício; [...] Rua da Palha, onde nos primórdios de Varzedo as casas construídas eram de telha de palha de pindoba, uma espécie de palmeira [...]49

A Varzedo de hoje não está muito distante daquela na qual Monsenhor Gilberto se destacou, sobretudo, nos âmbitos da política e da educação. A ideia de tornar a vila independente da sua matriz administrativa, que era o município de Santo Antônio de Jesus, nasceu de um sentimento de abandono e desejo de progresso vivenciado pelo Padre e por muitos outros moradores da comunidade. As percepções de Monsenhor Gilberto ao assumir o seu posto de pároco da vila foram de que o Distrito de Varzedo, embora parcela importante do município de Santo Antônio de Jesus, detentora de belas fazendas com pecuária selecionada, da melhor cultura de mandioca da região e com uma citricultura avantajada, tinha o escoamento das produções insuficientes pelo fato de suas estradas estarem sempre em péssimo estado de conservação, o que prejudicava em muito a economia da região, sobretudo aos pequenos produtores. Outros males não menos importantes como a falta de energia elétrica e escolas, castigavam sobremaneira a Vila.50 Monsenhor não havia chegado a essas conclusões de maneira aleatória. Elas eram frutos de observações e muitas interlocuções com seus paroquianos. Aos sábados, a partir das sete e trinta da manhã ele cumpria rigorosamente um ritual e iniciava seu expediente na casa paroquial, prestando um serviço de “orientação espiritual, social e política”, além dos serviços burocráticos religiosos inerentes ao seu posto de pároco que eram os agendamentos de casamentos, batizados, crismas e sacramentos outros. A preocupação com o atendimento espiritual é inquestionável a qualquer Igreja, porém, a atuação de Padre Gilberto no cotidiano daquela cidade ia muito além; porquanto agia como mentor espiritual, conselheiro e líder político, conduzindo seu rebanho sob a égide da Santa Sé.

49

AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 17. Cf. SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Emancipação de Varzedo – Quatro Anos de Luta. Gráfica e editora Exemplar. Santo Antônio de Jesus – Bahia. 2007.

50

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A Igreja Católica vinha sofrendo um processo paulatino de fragmentação institucional, tendo atingido seu ápice durante a ditadura militar que solapou o Brasil de 1964 a 1985. Desde então, vem esforçando-se para alargar a sua influência no país. Löwy, por sua vez, parte da premissa de que, após ter sido, durante séculos, a guardiã mais fiel dos princípios de autoridade, de ordem e de hierarquia, a Igreja – ou uma parte dela – tornou-se, quase sem transição, uma força social crítica, um pólo de oposição aos regimes autoritários e um poder contestador da ordem estabelecida. Esse papel ganhou destaque nas décadas de 1970 e 1980 no confronto entre a instituição católica e alguns Estados governados por ditaduras militares, favorecendo a crise de legitimidade desses regimes.51

Nesse contexto se insere também o trabalho desenvolvido por Monsenhor, uma vez que a sua missão religiosa se sobrepunha a quaisquer outros aspectos de sua vida, levando em consideração a própria escolha feita pelo sacerdócio. Tal qual o estabelecido pela política católica, “caberia à Igreja, por intermédio de seus pastores, o papel de educar a sociedade e, também, participar da vida política local.”52 Desse modo eram conduzidas as longas conversas na casa paroquial. Para Jorge Amorim, esses colóquios na casa paroquial quase sempre extrapolavam a esfera religiosa, e consolidaram a condição de líder local do “Padre” (era assim que Monsenhor Gilberto chamava a si mesmo e a comunidade o seguia). “Quando ainda bem menino, costumava freqüentar a casa paroquial em longas conversas que giravam em torno de muitos assuntos, e, curiosamente, raramente sobre religião.”53 Embora não se considerando um religioso, Jorge Amorim define-se como católico por conta dos sacramentos que fez e por formação familiar. Chamava-lhe a atenção a pluralidade de assuntos sobre os quais o Padre era capaz de conduzir as conversas que entabulavam. Elas versavam sobre história, política e diversas outras questões intelectuais. Em sua tarefa de aproximar a Igreja Católica das camadas populares, tornando-a mais forte na sociedade, o Padre compartilhava alguns de seus saberes com os paroquianos, guiando-os e conduzindo-os, de maneira que a tônica do discurso de Monsenhor Gilberto girava sempre em torno da palavra liberdade e de suas significações, dentro dos conceitos da

51

PONCIANO, Nilton Paulo. FRONTEIRA, RELIGIÃO, CIDADE: o papel da Igreja Católica no processo de organização sócio-espacial da cidade de Fátima do Sul/MS (1943-1965). 2006. 231f. Tese (doutorado em História), Universidade Estadual Paulista – UNESP. Assis – São Paulo, 2006, p. 190. 52 Ibidem. 53 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 de set. de 2010.

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Teologia da Libertação, à qual se alinhava. “Antes de fazer teologia é preciso fazer libertação”.54

O primeiro passo para a teologia é pré-teológico. Trata-se de viver o compromisso da fé, em nosso caso, de participar, de algum modo, no processo libertador, de estar comprometido com os oprimidos. Sem essa precondição concreta a Teologia da Libertação vira mera literatura. Não basta, pois aqui refletir a prática. É preciso antes estabelecer uma ligação viva com a prática viva. Do contrário, pobre, opressão, revolução, sociedade nova se reduzem a meras palavras que se podem encontrar em qualquer dicionário55.

Nessa perspectiva, diante da realidade que percebia de pobreza, exclusão e da falta de reconhecimento do Estado no tocante aos direitos dos cidadãos de Varzedo, ele propunha uma reflexão teológica e um convite à ação transformadora dessa realidade, conclamando os cidadãos a exercerem sua vontade dentro dos limites que lhes facultavam a lei.

2.2 PIONEIRISMO NA EDUCAÇÃO.

A partir das conversas que mantinha com os moradores, o Padre foi identificando os anseios e necessidades mais prementes da população. Adotou, então, a educação como luta inicial, e esta, mais adiante lhe serviu como um forte instrumento de propagação dos ideais de autonomia e liberdade, na articulação e disseminação dos ideais de emancipação. Sempre defendendo o pensamento de que o progresso passa necessariamente pela educação, e que esta seria o grande agente de transformação das estruturas sociais, culturais e políticas, decidiu fundar uma escola, incentivando a população local a estudar. Aliou-se ao professor Pedro Barroso, que na época, era vereador em Santo Antonio de Jesus, e lançou-se ao desafio. Até o ano de 1982, ao concluírem o primário, apenas os jovens de família abastada conseguiam dar continuidade aos estudos, uma vez que o local mais próximo para fazê-lo era Santo Antônio de Jesus. “A educação oferecida no Distrito de Varzedo pela Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus, era formada por professores que, em sua maioria, possuía apenas o ensino

54

BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como fazer Teologia da Libertação. 8ª Edição. Editora Vozes, Petrópolis – RJ. 2001, p. 41. 55 Ibidem.

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fundamental, ainda assim incompleto.”56 Por outro lado, “A população, em sua grande maioria analfabeta”57, contava apenas com o ensino do Primeiro Grau [1ª a 4ª série] no Grupo Escolar Estevão Moreira Sampaio, dirigido pela professora Nil, onde se somavam as professoras Zora, Nilzete, Vâni, Lurdinha, Mocinha, Dinalva, Dalva e Romi. As merendeiras eram Duda, Zenaide e Zilda, que cuidavam da alimentação. A outra instituição de ensino era o Prédio Rural de Varzedo [instituição estadual], dirigido pela professora Carminha. A professora Mita, ensinava numa extensão do Prédio Rural na Rua de Cima, ao lado da sua residência, imóvel doado pelo seu marido, Vadinho da padaria Vencedora58. Estas duas últimas eram funcionárias estaduais. O quadro apresentado acima reflete bem a qualidade da educação oferecida à época, onde de maneira geral a prática pedagógica se restringia à mera aprendizagem da leitura e escrita. Não olvidando o emprenho, esforço e dedicação ressaltados por todos os entrevistados, que mantém ainda em suas memórias, vivas lembranças daquele tempo, “apenas três das professoras citadas possuíam formação completa em Ensino Médio, porquanto as outras, em sua maioria, detinham apenas o ensino fundamental, ainda assim incompleto.”59 Outro óbice à educação era a ausência de recursos materiais. Existem relatos60 de exalunos que muitas vezes presenciaram as professoras comprando os materiais escolares necessários às aulas com o próprio salário. Durante o ano de 1982, durante a gestão do prefeito Ursicino Pinto de Queiroz, os professores trabalharam durante um ano sem serem remunerados.61 Nos períodos das festividades cívicas e comemorativas, estes quadros costumavam ser maquiados, através da oferta de algum pálido recurso material, ausente durante todo o ano letivo, ofuscando a realidade social e econômica com as mesmas velhas práticas políticas de pão e circo. A ligação da vila ao seu município-mãe ia muito além das questões educacionais, havia também uma forte dependência comercial, bem como toda a sorte de prestação de

56

Cf. JESUS, Elmo de. Op. cit., p.49. Ibidem. 58 Cf. AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 25. 59 Idem. Op. cit., p. 48 60 SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., passim. 61 DE JESUS, Elmo. Op. cit., p. 48. 57

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serviços: bancários, INPS, COELBA. Na área da saúde, os varzedenses iam realizar consulta médica no Hospital-Maternidade Luis Argolo, este prestando serviços à comunidade de Santo Antônio de Jesus e cidades vizinhas desde a sua inauguração em 19 de Agosto de 1918, ainda como Santa casa de Misericórdia62, ou numa das clínicas particulares e consultórios odontológicos do município. “A dependência a Santo Antônio de Jesus era tão visceral que se estabelecia a partir do próprio nascimento de cada indivíduo daquele lugar, pois os nascidos na vila antes de 1990 eram registrados como naturais de Santo Antônio de Jesus.”63. O transporte coletivo era precário e feito por meio de veículos Kombi, até a chegada da TRANSRAMAL, em 198064. Também o quadro econômico da vila de Varzedo não permitia uma realidade cotidiana diferente ou mais esperançosa. A imobilidade social raramente era rompida e a sociedade se subdividia hierarquicamente a partir dos fazendeiros; comerciantes e servidores públicos, que seriam os intermediários entre os mais ricos e os mais pobres, a maior parte destes lotados na prefeitura municipal de Santo Antônio de Jesus, como professoras, motoristas, assistentes de saúde, eletricistas, pedreiros, merendeiras e mecânicos; e, por fim, os trabalhadores rurais, arrendeiros, vaqueiros, destocadores [homens que de maneira braçal e bastante rústica arrancam os tocos de árvores que permanecem no solo após as derrubadas] de pastos e colhedores de frutas; nesta exata sequência de relevância e poder. “Naquele momento, o povo carente, pobre, ninguém tinha real possibilidade de mudar a sua história.”65 Como se pode perceber através do quadro ora desenhado, naquele momento havia certo marasmo local e a única mobilidade vislumbrada por alguns parecia ser deixar Varzedo e ir morar em Santo Antônio de Jesus. Aos jovens que concluíam o primário e que não possuíam recursos para dar continuidade aos estudos na cidade-mãe, restava o sonho de ir trabalhar na casa de alguma família rica nos municípios vizinhos. “[...] Tinha concluído a 4ª série. Para mim, os estudos tinham parado ali. [...] Meus pais não tinham condições de me

A Companhia de Eletrificação da Bahia, os bancos e o Instituto Nacional da Previdência Social [responsável pela concessão de aposentadorias e pensões previdenciárias] não possuíam sequer um posto de atendimento na vila, o que obrigava os varzedenses a uma peregrinação constante a Santo Antônio de Jesus. 62 Cf. Arquivos do próprio hospital. 63 Cf. AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 20. 64 Transportes Ramos Amaral. Surgida no início dos anos 1980, operou durante quase três décadas na região, atendendo aos municípios de Santo Antônio de Jesus, Dom Macedo Costa, Varzedo, Itaberaba e Brejões. 65 NASCIMENTO, Jandira. Entrevista concedida em 04 de Maio de 2010. 36


colocar para estudar em Santo Antonio de Jesus, [...] Então eu comecei a pedir a Deus que colocasse no meu caminho um trabalho de empregada doméstica.”66 Diante daquela realidade, Monsenhor Gilberto acreditou que poderia modificá-la. Para tanto, pôde contar com muitos voluntários nessa sua empreitada. O professor Pedro Barroso, seguramente seu grande parceiro naquele projeto educacional, não só se dispôs a vir diariamente de Santo Antônio de Jesus para ministrar aulas e dirigir o colégio, como também arregimentou sua esposa, a advogada Lia Barroso, além de alguns outros jovens recém formados de Santo Antônio de Jesus. Em Varzedo, três jovens haviam acabado de se formar no município vizinho, e o Padre não perdeu tempo, logo foi visitá-las e acabou por convencer as jovens professoras Rita Sampaio Bitencourt e Maria Conceição Assis a abraçarem seu projeto, prestando serviços à escola sem qualquer remuneração. Professora Rita lembra bem como ocorreu o convite do Padre, e conta do susto que levou quando recebeu o recado de que o Padre Gilberto queria lhe falar. “Ôxe! Padre Gilberto mandando me chamar? O que houve meu Deus? [...] quando eu cheguei lá, ele me disse que estava precisando de alguém para ajudar nas coisas da secretaria. Aí pensei: eu não tô fazendo nada mesmo, vou ficar. E fui ficando”67. Além de trabalhar na secretaria, a professora ainda substituía a falta de algum professor, pois o Padre dizia que os pais dos jovens não poderiam saber da falta de professores “Se souberem não vão confiar em nós. E ai eu ia com a cara e coragem. Depois ele me perguntava. E ai? Correu tudo bem Rita? E era assim. Foi indo, foi indo, nós não ganhávamos um tostão.”68 Outra pessoa que lembra bem o trabalho de arregimentação, não só dos funcionários, mas como também dos alunos, feito pelo Padre, é D. Ivete Araújo, que descreve com rica nitidez as lembranças de sua visita. “Padre Gilberto botou o carro debaixo do pé de manga, veio andando até a gente que tava raspando mandioca, né? Eu e mais umas 12 ou 13 mulheres, todo mundo sujo de goma de mandioca”69 [trabalho manual e penoso da raspagem da raiz para a moagem, no processo da produção da farinha de mandioca, que costumava ser feito por mulheres e crianças]. Ela prossegue: “Ele chegou deu boa tarde e disse que tava abrindo uma escola. Disse que a gente mandasse nossos filhos para a escola, e que ia ser

66

Idem. BITENCOURT, Rita Sampaio. Entrevista concedida em 04 de maio de 2010. 68 Idem. 69 ARAÚJO, Ivete. Entrevista concedida em 22 de Fevereiro de 2010. 67

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bom.”70 O trabalho do Padre rendeu. A primeira turma de 5ª série da escola iniciou seus trabalhos com 42 alunos matriculados. A obediência recôndita presente nas falas da professora Rita e de D. Ivete, remetem às percepções de Mircea Elíade, quanto aos conceitos e valores que os seres humanos tomam para si e a partir destes constroem suas experiências diárias, dentro de um programa préestabelecido, que direciona a conduta da sociedade e produz a ação grupal desta. “[...] o único meio de compreender um universo mental alheio é situar-se ‘dentro dele’, no seu próprio centro, para alcançar, a partir daí, todos os valores que esse universo comanda.”71 E os valores construídos na sociedade varzedense incluem o respeito à ordem social estabelecida onde o poder religioso, “legitimado” na figura do padre, conduz as atitudes na “domesticação dos dominados.”72 Independente de fatores econômicos ou sociais, o próprio processo colonizatório que nos origina, e as marcas identitárias construídas advindas deste, conduzem-nos a uma relação sociedade/religião, onde as práticas sociais se imiscuem com devoção e fé. “Tudo era feito mesmo de coração sabe? Por respeito ao Monsenhor sabe?”73. Obviamente aquele projeto atendia aos interesses, ainda que velados, de cada um dos atores envolvidos, a exemplo do professor Pedro, que tinha um projeto político mais ambicioso, no qual se inseria a política educacional; visto que, como vereador, suas aspirações políticas não se encerravam por aí. Não menoscabando o poder de persuasão do Padre, tão pouco o desprendimento e o espírito solidário do ser humano, colaborar com a Igreja e ou um de seus representantes, simboliza estar mais próximo de Deus e da salvação. É a presença viva das significações culturais atuando no ordenamento dos sujeitos no mundo. A religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio divisão política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural cosmos74 .

de do de de do

70

Idem. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Tradução. Rogério Fernandes. São PauloSP. Martins Fontes, 2001. p.135. 72 BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007. p. 32. 73 BITENCOURT, Rita Sampaio. Entrevista concedida em 04 de maio de 2010. 74 BORDIEU, Pierre. Op. cit., pp. 33 e 34. 71

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Produzidas e mantidas pelo homem, as religiões são estruturas que atuam de maneira coercitiva, alicerçadas na fé que leva o homem a procurar compreender-se e fazer-se compreendido pelo outro, na eterna busca de significados para si, que atravessa os tempos. Assim, as significações da religião para o comportamento humano, seus efeitos na dinâmica social e nos processos de renovação nas estruturas econômicas, têm raízes que se posicionam firmemente em solo fértil, desenvolvendo-se tal qual árvore frondosa. Desse modo, conquistando muitos colaboradores, já no ano de 1983 o projeto que antes parecia utópico, de uma formação educacional completa para os varzedenses, conseguiu fincar sua pedra inicial com a criação da primeira escola ginasial na comunidade. Ainda que em instalações extremamente modestas, funcionando no Salão Paroquial, um lugar aberto, sem piso e coberto por telhas de amianto que ficava no fundo da Casa Paroquial, residência do Padre, as portas do ginásio na Vila de Varzedo foram abertas. Diante da precariedade do ousado empreendimento, muitos pais não acreditaram que a escola pudesse atender às necessidades de seus filhos e inicialmente se recusaram a matriculá-los. Estrategista, o Padre então passou a peregrinar de casa em casa, na cidade e na zona rural, convencendo as famílias do contrário. E foi assim, sem sequer um local próprio, funcionando de maneira quase nômade até o ano de 1987, quando conseguiu iniciar a construção de sua primeira sede, que o Padre e seus amigos professores deram início às aulas com a primeira turma da escola de 1º grau da cidade, que mais tarde passaria a ter o seu nome. Voluntários a postos, havia ainda o problema do material escolar, carteiras, cadeiras e merenda escolar. O Padre conseguia doações em todas as portas que batia: amigos e comerciantes locais e das regiões circunvizinhas doaram carteiras e cadeiras; sua sobrinha que tinha uma escola particular em Vitória da Conquista passou a enviar anualmente as sobras de materiais usados: cola, livros e cadernos, dentre outros; e a solução encontrada para a merenda foi a coletividade, cada aluno levava um tipo de fruta e compartilhava com o grupo. Assim a escola caminhou. Em 1983, o número de alunos já passava dos 66, em 1985, chegava a 103, em 1987 atingia 118 e em 1988 o número chegou a 12375. Com o passar do tempo, à medida que a escola foi expandindo, o espaço físico tornou-se cada vez menor. Em um determinado momento, percebendo que no salão paroquial já não cabia tantos alunos, Padre Gilberto 75

Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 131.

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transferiu a escola para um casarão que ficava na Rua Coronel José Augusto, adquirido por Cr$ 400.000,00 (quatrocentos mil cruzeiros)76. Hoje é a Prefeitura Municipal que funciona lá. Embora bem mais espaçoso, o casarão também não oferecia o conforto e adequação necessários ao bom funcionamento de uma escola. Os alunos que chegavam mais cedo se deparavam com excrementos de morcego por toda a parte, e eram obrigados a providenciar a limpeza para tornar o local possível de se ter aulas. Uma parte do casarão era destelhado e a outra cheia de goteiras, quando chovia os alunos eram obrigados a buscar abrigo nos cantos do casarão, até que a chuva passasse77. Diante das dificuldades que os alunos enfrentavam, o Padre, em conversas com o professor Pedro, percebeu que estava na hora da escola ter sede própria, mas não havia recursos e essa conquista teria seu preço a ser pago. Obviamente, as transformações humanas geradas pelo processo de educação ecoavam por toda a comunidade, como um processo de libertação e inquietava àqueles a quem interessava o obscurantismo e a quietude provenientes da falta de conhecimento. Aos que se beneficiavam da ignorância do povo, só restava frear este processo. Até aquele momento, já caminhava com firmeza o 1º Grau. Uma boa turma já havia concluído a 8ª série e aquela juventude precisava dar continuidade aos estudos. Padre Gilberto recorre então novamente ao amigo Pedro Barroso, que àquela altura da caminhada encontrava-se afastado da escola (este havia sido o preço pago pelo bom funcionamento do 1º Grau) a fim de instalar um colégio de 2º Grau. Faz-se necessário, aqui, uma breve retrospectiva histórica para a plena compreensão dos fatos. Como já referido anteriormente, o projeto educacional do Padre em nenhum momento agradou aos dirigentes políticos locais, uma vez que ensaiava uma independência de Santo Antônio de Jesus, o que não era visto com bons olhos por estes. A essa altura, além do Padre, Pedro Barroso também se destacava na comunidade varzedense, tendo adquirido prestígio e admiração do povo. Por ser vereador em Santo Antônio de Jesus pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), essa posição de relevância deixou em alerta o vereador Manoel José de Sousa, o Nonô, e o então prefeito de Santo Antônio de Jesus, Renato Maximiliano Gordilho Machado, filiado ao Partido Democrático Social (PDS), seus principais adversários políticos, representando uma ameaça ante as eleições vindouras. “Sofrendo

76 77

Ibidem. AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 de set. de 2010.

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perseguições, o professor ouvia os conselhos do Padre Gilberto e assim incluía no seu plano educacional seu projeto político.”78 O prefeito Renato Machado, juntamente com seu grupo político, queria a todo custo manter sob rédea curta a Vila de Varzedo, temendo a perda de prestígio e poder, e, sobretudo a perda de votos. “Se a comunidade conquistasse o progresso, ia se tornar independente. Eu e o Padre estávamos lutando a todo custo pela escola. Então por carregarem esse medo, logo tentaram me bloquear. Bloquear de todo jeito a evolução da Vila.”79 A vila, antes um lugar de espera, onde “muitos viviam como numa sala de espera, onde nada esperavam”80, começava a andar por seus próprios pés. Assim, o lugar antes parado e sem movimento, passou a conviver com a agitação a partir do surgimento da Escola de 1º Grau Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, “[...] vinham pessoas das roças, filhos de políticos e de trabalhadores estudar aqui e isso movimentava a Vila. Isso fez com que o ideal de emancipação fosse cada vez mais crescente. Com o desenrolar educacional, o desejo pela independência ia crescendo.”81 A juventude estava cada vez mais estava politizada e na visão do prefeito Renato Machado era preciso frear o avanço político do professor Pedro e o “progresso” da comunidade. O conceito da ideia de progresso é aqui utilizado no sentido de evolução humana, a partir do conhecimento obtido, na tomada de consciência quanto à natureza das relações humanas

dentro

da

sociedade

em

que

se

vive,

especialmente,

da

relação

explorado/explorador, e de como atuar para modificar essa relação. A educação em Varzedo formava cidadãos críticos, o que, do ponto de vista de Renato Machado, não era bom para o modelo político que praticava. Em meio século de existência, a vila estava conformada com a sua dependência, pobreza e submissão, aceitando a situação em que viviam, e conformados com a política paternalista exercida pelos “caciques” políticos de Santo Antônio de Jesus. As pessoas não haviam despertado ainda, ou não estavam encorajadas suficientemente, para o fato de que poderiam modificar o contexto social, ante a força política que detinham.

A dominação, por parte de determinados políticos, é o modo mais comum de se escravizar um povo, usando-se métodos que ocultam a verdadeira face da 78

SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 132. BARROSO, Pedro. Entrevista concedida em 05 de maio de 2010. 80 SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio. Op. cit., p.17. 81 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 17 de março de 2010. 79

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escravidão. Para que vigore com segurança esse tipo de dependência faz-se mister seja o povo inculto, atingido em sua saúde, vivendo num emaranhado de dificuldades. Essas estratégias são usadas na contemporaneidade pelos nossos colonizadores de primeiro mundo nos fadando a depender das suas tecnologias, economicamente e até no setor educacional, o qual controla e com a ajuda de falsos intelectuais geram e mantém o fracasso escolar.82

Ante a ameaça da perda do poder hegemônico, os boatos e as pressões então começaram a ecoar por toda a parte: num dia os correligionários de Renato Machado saíam às ruas, visitando as famílias, dizendo que o ensino era irregular, deficiente, que a escola não tinha espaço físico para seu funcionamento, nem corpo docente à altura; no outro, lá ia o Padre tranquilizar aos pais, dizendo que a escola estava em andamento. Assim, a temperatura da pequena vila aumentava num confronto de forças que desembocava numa verdadeira guerra política. A idéia que se tentava disseminar era que em Varzedo não deveria existir escolas. Não tendo logrado êxito nas tentativas iniciais, o prefeito então oferece bolsas de estudos em Santo Antônio de Jesus, buscando o esvaziamento da escola e da política na vila, ao que foi rechaçado de imediato pela maioria da população, que alegou nunca ter achado do prefeito, apoio para seus filhos estudarem83. O golpe de misericórdia para o Padre veio quando da proximidade das eleições para deputados e senadores em 1985. O prefeito sabedor das dificuldades financeiras pelas quais passava a escola percebeu um flanco aberto nas trincheiras do “inimigo” e uma oportunidade de se reaproximar da Vila, além de afastar de lá seu opositor e desafeto político, o professor Pedro. Procurou o Padre Gilberto, e se mostrou disposto a incentivar a educação na Vila. Em troca, a exigência que o Padre afastasse o então diretor Pedro Barroso da instituição. De início, o Padre recusou, argumentando ser inadmissível tal gesto de ingratidão, mas acabou cedendo aos argumentos do professor Pedro, que ao tomar conhecimento do teor da conversa travada entre o prefeito e o Padre, o fez ver a necessidade de aceitar o acordo, pelo bem da educação.84 O professor Pedro lembra que foi um momento difícil de sua vida, uma vez que acreditava estar realizando um trabalho muito bonito ao lado do Padre Gilberto, mas por entender que a ajuda do prefeito seria importante para a comunidade crescer, procurou convencê-lo e este acabou cedendo, porém antes assegurou que a direção do colégio ficaria nas mãos da professora Helenita Bitencourt e que o prédio construído seria digno para o 82

SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio. Op. cit., p. 23. Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 133. 84 Cf. BARROSO, Pedro. Entrevista concedida em 05 de maio de 2010. 83

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funcionamento do colégio. “[...] Mostrei que a Prefeitura teria melhores condições de fazer desse colégio um belo centro cultural [...] depois de muita conversa com o Padre, ele cedeu. Assim fui me afastando da comunidade e continuei acompanhando os trabalhos de longe.”85 O casarão foi doado pelo Padre para a nova instituição e o prefeito Renato Machado, foi liberando paulatinamente o material para a construção, fazendo com que o apoio da comunidade fosse imprescindível, na busca de recursos, tornando a construção mais célere. Milton Pereira, o “Mistanha”, lembra bem aquele período no qual o Padre o convidou a participar da luta. “Todo mês saia na casa dos pais dos alunos recolhendo uma quantia mínima para comprar o material para a construção e pagar alguns professores que já estavam alguns anos trabalhando sem receber. Pagar assim, né? um agradozinho.”86 Os fiéis da Igreja foram mobilizados no sentido de arrecadar dinheiro para a construção e as rifas foi o caminho encontrado. “Compravam lençóis e saiam pelas comunidades vendendo rifas. Era de segunda a domingo, aquele povo coitado, já idoso, batendo nas portas do povo para arrecadar dinheiro.” 87. Aos poucos foi sendo construída a nova escola, que no mês de outubro de 1988, enfim, tinha conseguido sede própria. Pintada de branco, com portões e portas azuis, carregava o escudo no muro da frente. Com bastante dificuldade foi seguindo novos rumos e contribuindo para a formação de centenas de alunos.

Imagem 3: SANTOS, Aricelma Araújo dos. Arquivo pessoal. Crédito da foto a Ana Lúcia de Almeida, s.d. O retrato de uma importante conquista

85

Idem. ALMEIDA, Milton Pereira de. O “Mistanha”. Entrevista concedida em 06 de Maio de 2010. 87 Idem. 86

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no campo da educação para Varzedo. A primeira turma de formandos do Colégio de 2º Grau Nossa Senhora da Conceição.

O afastamento do professor Pedro da comunidade varzedense não durou muito tempo: dois outros desafios surgiram e o Padre pôde prontamente contar com o professor novamente, apesar do afastamento que lhe havia sido imposto. São Roque dos Macacos também carecia de ensino fundamental e a Vila precisava oferecer a continuidade dos estudos à juventude. Assim como Varzedo, São Roque dos Macacos, região rural mais desenvolvida economicamente deste distrito, também carecia de saberes que fossem além do conhecimento agrícola, que era o que a comunidade tinha a oferecer aos seus jovens. Aqueles que sonhassem, um pouco mais além, tinham que buscar a formação escolar nos municípios vizinhos. Respaldado pela experiência que vinha dando certo em Varzedo, o Padre novamente recorre ao seu amigo Pedro Barroso, e este lhe sugere que ao invés de um novo colégio ginasial, instalasse um anexo ou extensão do colégio que já existia na Vila. Contando novamente com a mobilização local, já no primeiro ano, mais de quarenta jovens se matricularam na quinta série.88 O anexo funcionava na Sacristia da Capela e os professores da Vila de Varzedo passaram a lecionar também no colégio extensão. Não demorou muito e a Paróquia logo conseguiu recursos e construiu um Centro Comunitário com quatro salas espaçosas que abrigou a 5ª e a 6ª série. Contrariando a vontade do Padre, seu nome foi dado ao colégio89.

Imagem 4: SANTOS, Aricelma Araújo dos. Arquivo pessoal. Crédito da foto: Ana Lúcia de Almeida, s.d. Centro Comunitário de São 88 89

Cf. BARROSO, Pedro. Entrevista concedida em 05 de maio de 2010. Idem.

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Roque dos Macacos, onde o anexo do Colégio de 1º Grau, Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio de Varzedo começou a funcionar.

Outro desafio, o de instalar um colégio de 2ª Grau, o curso de Magistério na Vila, foi de pronto aceito pelo professor, que enviou para a Vila dois jovens professores recém formados. José Francisco Barreto Neto, formado em Filosofia, conhecido como Chiquinho, ex-seminarista e antigo conhecido do Monsenhor, e Luís Carlos Farias de Mesquita, Bioquímico-Farmacêutico. O professor Chiquinho foi o incumbido para recolher toda a documentação necessária para dar entrada na regularização do colégio junto à Secretaria de Educação, na DIREC-4 de Santo Antônio. Segundo Chiquinho, não obstante a importância do novo colégio para a comunidade, muitas foram as dificuldades e manobras para que este não viesse a funcionar. “A professora Marivalda, diretora da DIREC, manipulada pelo prefeito Renato Machado, colocou muitos empecilhos. Tudo que fazia era para nos atrapalhar. Eu então dei a meia volta e fui para Salvador.”90 Foram necessárias muitas viagens do professor até que tudo fosse regularizado. Além das dificuldades burocráticas e legais, havia ainda outras questões prementes: um corpo docente qualificado e o espaço físico adequado. Arregimentada a equipe de professores capacitados, novamente foi o Padre Gilberto quem lançou a idéia à comunidade: um Centro Comunitário não só resolveria a carência do espaço físico do colégio, como também oportunizaria um espaço cultural de convivências e aprendizagens para a comunidade. Logo aconteceram as primeiras reuniões e outra vez o apoio da população foi fundamental. Engajaram-se a essa nova empreitada os professores Paulo Luiz Galvão Nogueira, Maria Angélica Nogueira e Rita de Cássia Bittencourt, que juntamente com a população, desdobraram-se entre leilões e bingos, renovando-se mutuamente em esperança e força, em prol da construção do colégio, que sob a direção do professor José Francisco Barreto Neto, no início de 1986, começou a funcionar. Mesmo com o colégio em plena atividade, o professor Chiquinho conta que a luta para regularizar a documentação perdurou por muito tempo. “Quase toda semana eu ia a Salvador verificar o andamento do processo. O Padre Gilberto sempre financiava as viagens. Não foram poucas viu? Tínhamos que estar acompanhando os processos diariamente e o Padre estava ali, movido pela esperança de tudo dar certo.”91

90 91

BARRETO NETO, Jose Francisco. “Chiquinho”. Entrevista concedida em 28 de Abril de 2010. Ibidem.

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Padre Gilberto, mesmo diante das adversidades mantinha-se firme em seus propósitos, defendendo publicamente com veemência a escola, não se intimidando ante aqueles que se colocavam contra. Em 1986, com apenas uma turma que tinha saído do colégio de 1º Grau, a instituição começou a funcionar. Em homenagem à padroeira da Vila, o nome dado à instituição foi “Colégio de 2º Grau Nossa Senhora da Conceição”. De inicio funcionava como uma instituição filantrópica, que tinha como responsáveis os professores José Francisco Barreto Neto e Luís Carlos Farias de Mesquita, ambos sob orientação do Padre Gilberto. “Em 05 de julho de 1986, abriram a Sociedade J.L. Ensino de Contabilidade Administração Técnicas Agrícolas Ltda., que tinha como objetivo explorar os serviços de ensino do 2º grau, mostrando ser uma “entidade representativa” do colégio que dava os primeiros passos.”92 A Resolução que regulamenta a referida instituição é a CEE, 049/88 do DOU de 15 de setembro de 198893. Sem fins lucrativos e também sem verbas, o Padre arrecadava juntos aos pais dos alunos, pequenas quantias mensais, necessárias à manutenção e passagens de professores, em sua maioria proveniente de outras cidades, e que, mais uma vez, trabalhavam sem nenhum salário. Com uma equipe capacitada e a ajuda da Psicóloga Elizabeth Neves Ramos, o colégio conseguia oferecer um ensino de boa qualidade, na opinião dos entrevistados. Após a criação do colégio na Vila, a Prefeitura Municipal de Santo Antonio de Jesus tornou-se sua entidade mantenedora. Com a emancipação ocorrida aos 13 de junho de 1989, quando a Vila passou a ser cidade, a prefeitura do município, em 01 de outubro de 1990, assumiu então o estabelecimento de ensino.

2.3 XEQUE-MATE: A HORA E A VEZ DA EMANCIPAÇÃO.

As escolas da Vila e do distrito de São Roque posicionavam-se além das questões curriculares e buscavam cumprir, de fato, o que deve ser o papel da escola, que é formar cidadãos. Exemplo disso foi o projeto de horticultura implantado no colégio, que visava desenvolver o pensamento sócio-econômico dos alunos. No fundo do colégio foi feita uma 92

SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 139. CEE/BA. Nº 53. 4º Trimestre. V. 4. Disponível em: www.sec.ba.gov.br/cee/arquivos/.../REDACTA_53_V4IIDigital.pdf. Acessado em 03 de março de 2011.

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horta, onde cada aluno levava sua semente e ficava responsável por plantar, cuidar e colher. A ideia por alguns anos foi dando certo. A proposta pedagógica dos colégios, além de buscar formar pessoas conscientes dos seus direitos e deveres, também visava mostrar e incentivar os alunos quanto à possibilidade e, sobretudo, necessidade de todos se posicionarem enquanto agentes transformadores da realidade imposta, objetivando sempre o atendimento aos anseios da população. A educação então cinzelada como uma ferramenta capaz de transformar a vila. Assim, o grande empenho do Padre em promover a educação local desembocava em sua ambição maior, relacionada à libertação, democracia e cidadania, que se fazem presentes também em outros movimentos populares que havia encabeçado em São Miguel da Matas, Amargosa e Elísio Medrado, tendo a educação sempre vista como um processo mais libertador. “Nós podemos dividir a educação em Varzedo em dois momentos: antes e depois do Padre Gilberto. Antes da chegada do Padre Gilberto a educação na vila era para poucos. Com a chegada do Padre, a educação passou a ser para muitos.”94 Essa relação entre educação e mobilização política fez com que houvesse uma polarização e tensionamento de forças: de um lado Monsenhor Gilberto, revelando-se um grande estrategista, comandando professores e alunos da “Escola de 1º Grau Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio e do Colégio de 2º Grau Nossa Senhora da Conceição”, na disseminação do conhecimento como ferramenta de conquista de liberdade, que desaguou na luta pela emancipação; do outro lado, o prefeito Renato Machado querendo combater o colégio, temendo perder o distrito, e consequentemente, seu prestígio político. Segundo Monsenhor Gilberto, Varzedo estava subjugado a Santo Antônio de Jesus, onde duas facções políticas se digladiavam impiedosamente, polarizando os eleitores em torno de dois líderes: Rosalvo de Almeida Fonseca versus Gorgonio de Almeida Araújo; Albuquerque versus Ildefonso Guedes de Araújo; Antônio Fraga versus Antônio Veiga Argolo; Zeca Lobo versus Aurino Sales e, naquele momento, Renato Machado versus Ursicino Queiroz. Ainda em sua opinião, lutavam apenas pelo domínio. “Os partidos e as ideologias vigentes consistiam em lutar em favor de seus líderes. Pouco importavam os eleitores e suas necessidades legendas de partidos, ideologia, etc.[...]”95

94

SOUZA, Antônio Geovan Souza. Professor e atual diretor do colégio. Entrevista concedida em 04 de Maio de 2010. 95 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 21.

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Esse discurso era disseminado nas escolas que o Padre havia fundado e estas se tornaram alvos políticos. As mobilizações que promoviam passaram a ser vista como atos de rebeldia pelo grupo que detinha o poder político administrativo nos municípios, encabeçado pelo prefeito Renato Machado. A fim de esvaziar a educação na Vila e conter o foco dinâmico das atividades pró-independência, os aliados do prefeito enviavam seus filhos para estudarem em Santo Antônio de Jesus. A educação rendeu frutos num processo de tomada de consciência dos alunos quanto ao sentido de comunidade, direitos e deveres e o exercício pleno da cidadania, que se propagavam e multiplicava entre a população. A implantação das escolas em Varzedo afigurou-se num momento muito importante de transformação cultural. Além de Monsenhor Gilberto, os professores demonstravam uma preocupação e compromisso constantes com a politização. Os alunos absorviam essas concepções, tornando-se também agentes de disseminação dos ideais de liberdade e autonomia, no que logo foram seguidos por outras parcelas da população local. Assim, cada vez mais buscando a independência de Santo Antonio de Jesus, o desejo de tornar Varzedo um município tomou corpo e voz. Seria a voz de Monsenhor? Quem responde a esta indagação é o próprio Monsenhor: As cores sombrias da vila discriminada iriam sofrer real transformação, passando daquele plúmbeo cinzento, carregado soturno, às tonalidades verdes da esperança, sempre risonhas e alvissareiras. Sentia-se protegida, embora reconhecesse a limitação da proteção. Esperava uma voz que a despertasse, uma luz que a guiasse, compreendia a necessidade de caminhos novos, novos rumos, mas não sabia buscá-los96 .

Fica evidente na fala de Monsenhor sua autodenominação na voz que desperta Varzedo. Em muitas outras passagens do livro de sua autoria, o Padre refere-se à luta pela emancipação como uma missão, manifestando o poder simbólico atuando, ainda que implícito, na representação constituída pela batina que envergava. Para Bourdieu97, as representações simbólicas atuam de maneira imperceptível e invisível, numa forma transfigurada e legitimada das outras formas de poder. E o que torna possível tal poder, é o acumpliciamento dos que não querem saber que lhe estão subordinados ou mesmo que o exercem. 96

SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 26. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Editora Bertrand Brasil S.A., RJ: 1989.

97

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O poder simbólico cumpre ainda uma função política e, emerge como um poder capaz de impor significações, e as impõe como legítimas, contribuindo, dessa forma, com a dominação vigente. Neste caso, especificamente, ele atua direcionando o posicionamento da população quanto ao “sim” à emancipação de Varzedo, que segundo Monsenhor representava a luta da coragem e do bem; contra e o egoísmo e a ignomínia respectivamente.98 Disposto a encetar a caminhada pela emancipação, à qual chamou de luta pela independência e soberania, o Padre iniciou seu trabalho catequético e estratégico, tal qual num jogo de xadrez, articulando seus peões [alunos e professores]. Lançando mão dos argumentos culturais, mobilizou o colégio para fazer pesquisas e peças teatrais, e a partir da curiosidade do povo, foi transmitindo informações e despertando-lhes o desejo de autonomia. Idealizou um plano pela Emancipação Politico-Administrativa e foi conscientizando a população de que era chegada a hora da Vila deixar de ser inquilina de Santo Antônio de Jesus e passar a gerir seus próprios recursos, na construção de seus próprios caminhos. Essas aspirações pela independência estavam muito disseminadas entre os municípios brasileiros nos anos 80, e na Bahia, especialmente na segunda metade da década de 1980. Democracia, autonomia e independência, passaram a ser sinônimo de emancipação política e garantia de em “futuro melhor” para todos. Alicerçadas nas mobilizações sociais e inspiradas nos princípios democráticos, a população defendia e exigia seus direitos. Paralelamente aos movimentos emancipatórios de muitas vilas povoados e distritos, eclodiam em todo o país os movimentos no campo, os movimentos operários nas grandes cidades, a luta pela reforma agrária e, sobretudo pela redemocratização. Nesse contexto se inseriu o movimento pela autonomia política em Varzedo. Para o historiador Elmo de Jesus, essa luta pela emancipação de Varzedo, “[...] nasceu de um projeto, ‘pensado por um’, ‘articulado por muitos’, mas que contemplava interesses de vários atores locais, no qual estava explícita a aspiração em estabelecer mudanças significativas para a população.”99

Porém, o que se percebe em relação aos desejos

emancipacionistas, ante a exposição dos fatos elencados até aqui, é que esta realmente foi pensada por um ou alguns e não pela comunidade. A partir daí, as pessoas se mobilizaram, ou foram mobilizadas, em resposta ao jogo de interesses político-personalistas de algumas das figuras envolvidas no processo [em quem confiavam], enfatizando as relações tácitas sociais de permanência e obediência (ao padre ou outro representante do poder), onde cada um dos 98 99

SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 44. JESUS, Elmo de. Op. cit., p. 47.

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principais atores envolvidos buscava atender aos seus anseios, quer fossem idealistas, políticos, econômicos, ou até mesmo em resposta às vaidades pessoais ou manutenção do estado de poder. Os comerciantes, fazendeiros, líderes políticos locais e demais parcelas da população, que assumiram o movimento, o fizeram ante a expectativa de conquistas que modificariam a vida social, política e econômica da localidade e consequentemente a vida de cada um deles. A população ansiava por melhorias na educação, infra-estrutura básica, saúde e principalmente por empregos para os jovens. Ainda do ponto de vista coletivo, acreditava-se que dentre outras vantagens, a independência alçaria a Vila à condição de agente arrecadador das benesses orçamentárias do Estado e da União, os recursos chegariam mais eficazmente, através de bens e serviços à população, que em razão da proximidade poderia melhor acompanhar, exigir e propor melhorias ao gestor local. Em contrapartida, na esfera estadual, os “contra” alertavam para os gastos com a nova estrutura administrativa, o que oneraria o Governo Federal. Portanto, o que de fato se pode afirmar é que no movimento pela emancipação de Varzedo se inseriam interesses econômicos, sociais e políticos, entremeado aos elementos culturais que reforçavam os ideais que nortearam todo esse processo. Ressalte-se, ainda, que a forte presença da Igreja Católica e das instituições educacionais criadas pelo Padre Gilberto foram importantes sustentáculos desse projeto, uma vez que mobilizaram a sociedade civil em torno da causa.

A educação sempre foi um agente de transformação ou em muitos casos de manutenção do poder político, da estrutura social, cultural e econômica de inúmeras localidades ao longo do tempo. Em Varzedo a educação formal foi utilizada como um forte instrumento de propagação dos ideais de autonomia e liberdade.100

Sabedor de que contaria com o apoio dos educadores e educandos em sua empreitada e com a sociedade já sensibilizada, o Monsenhor se convenceu de que havia chegado o momento da independência da comunidade, e em meados de maio de 1985 procurou seu conterrâneo e amigo, o deputado estadual Coriolano Sales, membro da Comissão de Divisão Territorial (encargo constituído por deputados estaduais cuja função constitui analisar as

100

JESUS, Elmo de. Op. cit., pp. 47 e 48.

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propostas de distritos que pleiteiam desmembramentos) e lhe fez a proposta de encabeçar a luta pela emancipação de Varzedo. A partir dessa conversa iniciou-se todo o processo. O deputado Coriolano Sales, seu amigo e conterrâneo, nasceu no município de Santa Terezinha, em 1º de Agosto de 1943, cursou o Primário no Grupo Escolar Almeida Sampaio (1957) e no Colégio Estadual Pedro Calmon (1961), ambos em Amargosa. Depois, cursou o Secundário no Colégio Estadual Duque de Caxias em Salvador (1964) e formou-se em direito também em Salvador (1970) na Universidade Federal da Bahia. Foi presidente da Juventude Estudantil Católica, Diocese de Amargosa (1959-1961). Elegeu-se deputado estadual pelo PMDB, para a legislatura 1983-1987, período em que se engajou na luta pela emancipação de Varzedo.101 Um curioso fato, é que embora Coriolano tenha nascido em Santa Terezinha e Monsenhor Gilberto em Amargosa, a conterraneidade dos amigos se explica pelas idas e vindas políticas que constituem a trajetória do município de Santa Terezinha, que chegou a ter Amargosa anexada a seu território, quando se chamava Vila de Tapera, nos primeiros decênios de 1800.102 Ao convidar o deputado Coriolano Sales, o Padre já sabia que tramitava naquele momento uma lei que favorecia a criação de 53 municípios na Bahia, segundo a qual a criação, incorporação, fusão e desmembramentos de municípios seriam feitas por lei estadual, mediante plebiscito às populações diretamente interessadas.103 Durante o colóquio entre os dois, o deputado atentou para o fato de que alguns requisitos se faziam necessários para que a Vila de Varzedo pudesse formular um projeto de lei naquele sentido: 1. Abaixo assinado com, pelo menos, 100 assinaturas de eleitores, com os respectivos números dos títulos; 2. Firma reconhecida do primeiro e do último peticionário; 3. O distrito deveria possuir, no mínimo, 10.000 habitantes e 1.000 eleitores, com base no censo de 1980; 4. O município deveria ter também, o mínimo de 200 edificações na futura sede.

101

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DA BAHIA. Disponível em <http://www.al.ba.gov.br>. Acessado em 05 de jan. 2011. 102 IBGE. Acervo digital – documentação Territorial. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/. Acessado em Set. 2010. 103 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. §4º do artigo 18.

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Foi o próprio Padre quem afirmou que todas as exigências eram viáveis, exceto quanto ao terceiro item, uma vez que o distrito não possuía a população mínima exigida. Também foi ele quem declarou ter sido o autor da idéia que resolveu o empecilho: “Como solução, eu, Padre Gilberto Vaz Sampaio propôs a inclusão do distrito de Tabuleiro do Castro, parcela do extenso e vizinho município de Castro Alves.”104 Essa manobra permitiu que a vila, com uma população de 7.500 habitantes, dos quais 2.693 eram eleitores, somados a 6.500 habitantes do Tabuleiro do Castro, onde 861 eram votantes, atendesse com folga ao exigido por lei. Porém, a manipulação dos dados estatísticos não se encerrou aí. Os dados apresentados por Elmo de Jesus contestam os números exibidos pelo Padre, através de uma matemática simples, a partir do censo IBGE de 1980: “Varzedo possuía 6.027 habitantes na sede do distrito e comunidades adjacentes, enquanto que o Tabuleiro do Castro detinha o número de 2.140 habitantes, somando a sede e comunidades adstritas, totalizando os dois distritos e comunidades 8.167 habitantes.”105 Portanto, os números oficiais do IBGE deixam a matemática do Padre bem distante do número mínimo exigido para solicitação da criação de município. O fato é que as listas com as assinaturas necessárias foram apresentadas. E, “[...] nesse sentido, é possível observar que as influências e interesses políticos se sobrepujaram às determinações legais no processo de emancipação política de Varzedo.”106 Informado de que as exigências haviam sido cumpridas, Coriolano enviou a Varzedo um de seus assessores, o jovem Gilvandro do Espírito Santo, para que este coordenasse as buscas pelas assinaturas e prestasse auxílio ao Padre no que fosse necessário. Antônio França foi imediatamente escolhido pelo Padre para arrecadar as assinaturas. Como bom estrategista, a escolha não foi aleatória, Padre Gilberto selecionou a pessoa certa para o trabalho. Funcionário do IBGE, Antônio França trabalhava em Santo Antônio de Jesus e conhecia toda a área vizinha do município. Ao ser chamado, perguntou ao Padre o porquê da escolha, e este de pronto lhe respondeu: “Sim! Você, por que você já trabaia com isso e conhece a região, conhece todo mundo”107, não deixando de enfatizar que tomasse cuidado e mantivesse toda a discrição possível, evitando alardear os contrários à emancipação. Compenetrado da importância da missão que lhe havia sido designada, não mediu esforços nem sacrifícios para cumpri-la, no intuito de não decepcionar ao Padre e nem a Deus. “[...] era 104

SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 27. JESUS, Elmo Manuel de. Op. cit., p. 56. 106 Ibidem. 107 FRANÇA, Antônio. Entrevista concedida em 01de jun. de 2010. 105

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um serviço muito sutir e se os ‘contra’ subesse não ia deixar. Ainda me pediu que coiesse as assinatura a pé e me falô: Temos que fazer nas roça tambéim. Se o povo não recompensar a gente, não tem nada não. Deus recompensa nóis”.108 Mesmo sujeito a toda sorte de intempéries climáticas, Antônio França deu conta do serviço e com trinta dias a metade do serviço já estava pronta. De porta em porta, repetia o discurso que o Padre lhe havia ensinado: “O que vorcêis acha da gente deixar de depender de Santo Antoin?”109 Por sua vez, sempre depois das missas, o Padre chamava as pessoas particularmente e falava da emancipação. “Tem um rapaz do IBGE que está colhendo assinaturas para a independência de Varzedo. Podem assinar que vai ser bom para todos e não tem perigo não.”110 Assim, 121 assinaturas foram colhidas.111 Por outro lado, no Tabuleiro do Castro, a mensageira do Padre, a Sra. Helenita Mascarenhas, não encontrava a mesma receptividade. Afinal, se para a Vila de Varzedo emancipar-se representava autonomia e benesses estatais, para o Tabuleiro, que vantagens se poderia auferir do desligamento do Município de Castro Alves para a ligação com Varzedo? Ao saber das dificuldades enfrentadas por Maria Helena, o Padre pediu novamente ajuda a Antônio França, que, por sua vez, agregou ao trabalho Manoel Bispo dos Santos. “Quando o povo não queria assinar, eu soltava até uma mentirinha: ‘Pode assinar que foi o Padre quem mandou. Depois ele vai lhe explicar melhor’. Padre Gilberto era um homem respeitado, então o povo assinava.”112 Mais do que um homem respeitado, Monsenhor era um representante de Deus e como tal “conduziria” o rebanho católico à salvação e a uma maior proximidade de Deus. Pierre Bourdieu, numa releitura de weber, explica que o discurso mítico então se relaciona:

[...] aos interesses religiosos daqueles que o produzem, que o difundem e que o recebem. Em plano mais profundo, chega a construir o sistema de crenças e práticas religiosas como a expressão mais ou menos transfigurada das estratégias dos diferentes grupos de especialistas em competição pelo monopólio da gestão dos bens de salvação e das diferentes classes interessadas por seus serviços.113

108

Idem. Idem. 110 Idem. 111 SAMPAIO. Gilberto Vaz. Op. cit., p. 31. 112 SANTOS, Manoel Bispo dos. Entrevista concedida em 27 de março de 2010. 113 BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007, p.32. 109

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Nesses sistemas de crenças se incluem representantes, ou condutores. Neste caso, em se tratando de um padre, o modelo esperado no imaginário popular é de um homem religioso, simples, educado, de personalidade firme, virtuoso e cuja conduta seja irreparável. “Pois assim, ao mesmo tempo em que estaria convivendo no cotidiano das pessoas comuns, manteria distância destas, por meio do respeito e da obediência do leigo em relação ao clero.”114 Confiantes em seu pastor, o povo seguia dizendo “sim” à emancipação, e os escudeiros crédulos da proteção de Deus e sob as bênçãos de Padre Gilberto, partiam em busca de assinaturas, lançando mão de um discurso que atentava para o descaso de Castro Alves para com o Tabuleiro, apontando as benfeitorias que haviam sido prometidos e até então não haviam sido cumpridas e prometendo que Varzedo as faria assim que fosse emancipada. A escola fundada pelo Padre servia como forte referência e prova contundente da preocupação de Varzedo para com o Tabuleiro do Castro, robustecendo o discurso dos “prósemancipação” e arrefecendo a incredulidade dos que eram “contra-emancipação”. Desse modo, foram obtidas as 110 assinaturas que faltavam.115 Toda essa movimentação provocou a ira do vereador Manoel José de Souza, o “Nonô”, que partiu para toda a sorte de ameaça, alardeando aos quatro cantos que ninguém assinasse nenhum papel que não tivesse a assinatura dele. Como vereador em Santo Antonio de Jesus, seu eleitorado concentrava-se na Vila, local em que residia. Temia, então, que a emancipação lhe tirasse seus votos e arrebatasse a hegemonia hierárquica naquele reduto.116 Manoel José de Souza, o “Sêo Nonô da Farmácia”, a quem todos costumavam recorrer ante qualquer achaque ou doença, tinha uma história de vida que fugia à tônica da imobilidade social existente na Vila de Varzedo à época. Filho de trabalhadores rurais, nasceu na ainda Vargem Grande, em 1920, e iniciou sua vida mascateando pela região. Abriu seu primeiro comércio em 1952 e, em 1954, casou-se com Erotildes Silva, contrariando a família da nubente, pelo fato de ser negro e de origem humilde. Nos anos iniciais de 1980, com o comércio um pouco mais aquecido, Nonô prosperou e abriu outra farmácia, além de um bar. A vida na política local iniciou quando se candidatou a vereador na Câmara de Santo Antônio de Jesus em fins dos anos 50 do século XX, vindo a se reeleger muitas outras vezes,

114

PONCIANO, Nilton Paulo. Op. cit., p. 3. SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 35. 116 Cf. AMORIM, Jorge. Op. cit. passim. 115

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fazendo também seus sucessores. Em uma eleição chegou a ter quase 700 votos na comunidade117, demonstrando assim sua força política. Mantendo-se sempre alinhado às fileiras do poder, Nonô esteve ao lado do General Juracy Magalhães, quando este foi indicado por Getúlio Vargas, nos anos 1930, para o cargo de Intendente da Bahia. Porém, com a ascensão de Antonio Carlos Magalhães a partir dos anos de 1970, tornou-se, então, “carlista”. ACM, como ficou conhecido pelos baianos, permaneceu no domínio do cenário político baiano por quase quatro décadas. Inicialmente, Nonô adotou postura contrária à emancipação, mas acabou aderindo aos emancipacionistas, assim que vislumbrou a possibilidade de vir a tornar-se prefeito de Varzedo, contrariando as forças políticas [carlistas] que o haviam acolhido no decênio anterior. De fato, acabou tornando-se o primeiro prefeito de Varzedo, tendo permanecido no cargo até o dia 17 de maio de 1992, quando foi assassinado num crime a mando político.118 Tal como ocorria em Santo Antônio de Jesus, Varzedo tinha a política polarizada entre dois grupos: o de Nonô e os contrários a Nonô. Seu adversário mais freqüente era Manoel Francisco de Jesus, um homem mais taciturno e menos ativo, que fazia política por fidelidade aos velhos amigos lideres da sede e principalmente pela oposição sistemática ao seu adversário na vila. Diferentemente de Nonô que era político por vocação e quase sempre estava na oposição, porquanto seu líder na cidade quase nunca alcançava o poder, perdendo sempre por uma diferença mínima de votos; constituindo-se assim no maior foco de oposição e resistência à situação de Santo Antônio de Jesus. Homem de temperamento explosivo, Nonô tinha muitos inimigos que acabavam engrossando as fileiras dos seus adversários.119 Para abrandar a indignação de Nonô, ao perceber seu reduto eleitoral invadido com a ameaça de emancipação ante a movimentação da coleta de assinaturas, com muita habilidade, Padre Gilberto chamou-o e argumentou que era chegado o momento da vila caminhar independente e que, aderindo à causa, certamente a comunidade o elegeria como prefeito. A ideia rapidamente foi absorvida pelo vereador, que logo se alinhou aos prós-emancipação, após uma rápida aproximação ao deputado Coriolano Sales. Logo, outros políticos que também haviam vislumbrado possibilidades eleitoreiras em Varzedo se aproximaram da comunidade e passaram a frequentar o local com mais assiduidade. Joaci Góes, que, na época,

117

Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 121. AMORIM, Jorge. Op. cit., p. 28. 119 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 21. 118

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era proprietário do jornal Tribuna da Bahia, e Elísio Brasileiro, que era candidato a deputado, foram alguns deles. A vila, a partir daí, ficou dividida entre os que queriam a emancipação, a “Comissão Pró-Emancipação”, formada principalmente por religiosos, estudantes e professores, além de alguns vereadores, comerciantes, fazendeiros e lavradores, liderados pelo Padre Gilberto; e do outro, os contra a emancipação, o “Movimento União Santantoniense”, encabeçado pelos prefeitos de Santo Antônio de Jesus e Castro Alves e empresários locais, que também contava com vereadores, comerciantes, fazendeiros e lavradores da Vila. Embora liderando o movimento pró-emancipação, Padre Gilberto sempre dizia que não podia participar abertamente, por ser padre e temer a perseguições futuras, como as sofridas em São Miguel das Matas, episódio que foi bastante explorado pelos “contra” a emancipação. “O povo às vezes crirticava ele: ‘Que nada, Padre Gilberto saiu escarrerado de São Miguel. Não se deve acreditar na conversa dele’. O Padre dizia a gente: Não ligue para o que eles diz!”120 Outro personagem que muito se destacou na linha de frente, como um dos principais articuladores contra a emancipação foi Dermeval Félix de Jesus, conhecido por Delzo. Era sobrinho de Manuel Francisco de Jesus, vereador por Varzedo nas décadas de 1940 a 1960, que perdeu sua influencia preponderante do eleitorado local, quando da eleição de Nonô. Aos 18 anos, Delzo entrou na política para substituir seu tio e dar continuidade à história política familiar de tradição no poder. Pertencente ao grupo político de Ursicino Pinto de Queiroz foi vereador de 1973 a 1976, mas passou a fazer parte do grupo de Renato Machado, quando esse foi eleito prefeito de Santo Antonio de Jesus, em 1982, depois de ter sofrido uma derrota nas urnas de 1976.121 Renato Machado, aliás, também havia se desligado de Ursicino por divergências políticas, indo para o grupo da ARENA 1, enquanto Ursicino permaneceu na ARENA 2. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi fundada em 4 de abril de 1966 para apoiar o governo, quando foi instaurado o sistema bipartidário pelo do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, e do Ato Complementar nº 4, tendo, assim, permanecido, como o partido governista, até a sua extinção em 29 de novembro de 1979, com o fim do bipartidarismo

Ver a esse respeito o capítulo II. FRANÇA, Antônio. Entrevista concedida em 26 de Março de 2010. 121 AMORIM, Jorge. Op. cit., p.26. 120

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aprovado pelo Congresso Nacional.122 Em fins dos anos de 1980, filiou-se ao “carlismo”, donde obteve apoio à causa “anti-emancipacionista”. Percebendo a força da mobilização, Dr. Renato Machado, temendo perder o distrito e, com isso, enfraquecer-se politicamente, correu a Salvador apressado, buscando seus correligionários e aliados. O deputado Luiz Eduardo Magalhães, pertencente ao Partido da Frente Liberal (PFL), que controlava Santo Antônio de Jesus e Castro Alves, e também membro da Comissão de Divisão Territorial do estado da Bahia, foi quem o recebeu. Ao inteirar-se da situação nas localidades que com muitos votos também havia contribuído para a sua eleição, foi examinar a pasta onde se encontrava o Projeto de Emancipação de Varzedo, onde encontrou apenas a petição inicial. O deputado fez ver ao prefeito que não havia qualquer possibilidade do projeto ir adiante, uma vez que a comissão se reuniria no dia seguinte, não havendo mais tempo hábil suficiente para a anexação de toda a documentação necessária.123 O prefeito retornou à sua cidade, certo do fracasso de seus oponentes, mas foi colhido de surpresa pela derrota. O deputado Coriolano Sales, ao ser informado de que uma comitiva fora organizada, imbuída de atravancar de qualquer forma a tramitação do projeto, tratou de retirar da pasta todos os documentos, deixando apenas a petição para não levantar suspeitas. No dia seguinte, pouco antes do início dos trabalhos na assembléia, recolocou os documentos. Destarte, aos 19 de Setembro de 1985, o jornal Tribuna da Bahia publicou a notícia da aprovação do decreto que determinava a realização de um plebiscito em vinte e um distritos, incluindo Varzedo, a fim de que a população optasse ou não pela emancipação. Batalha inicial vencida, nova batalha imediatamente se iniciava. O que antes era discutido na Vila, em reuniões realizadas na calada da noite ou ainda no alvorecer do dia, na tentativa de evitar maior alarde e confrontos, agora passava a ser discutido diuturnamente, porquanto não se falava em outra cousa naquele lugar. A vila passou a viver um confronto político que extrapolava a esfera local. A briga pelo poder manifesta no pleito da emancipação, reavivou uma antiga rivalidade entre “os velhos segmentos das facções “Beija-flor” e “Jacu”, oligarquias quase revezadoras no comando dos poderes públicos em Santo Antônio de Jesus por décadas, estando na maioria

122

GRINBERG, Lucia. Arena de fantasmas? Revista de História.com.br. Disponível em <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/arena-de-fantasmas> . Acessado em 06 de novembro de 2011. 123 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., pp. 41 – 43.

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das vezes à frente, principalmente do poder executivo, médicos.”124 Ainda nos dias atuais essa prática se conserva e o atual prefeito da cidade é o médico Euvaldo Rosa. A origem das facções “Beija-flor” e “Jacu” remontam aos anos de 1960, em razão da política revezada entre os prefeitos José Trindade Lobo (1962-1966/ 1970-1972) e Florentino Firmino de Almeida (1966-1970/ 1972-1976), ambos do mesmo grupo político, de maneira generalizada mais ligada às camadas mais pobres da população; contra Rosalvo Fonseca (1924-1928/ 1929-1930), mais ligado à camada social mais abastada. As nomenclaturas seriam uma alusão ao diminutivo “Flor”, de Florentino Firmino de Almeida e aos seguidores de Rosalvo Fonseca respectivamente. O termo “Jacu” é comumente usado na região até os dias de hoje, como sinônimo de perdedores.125 Na esfera local, Francisco Barbosa e Vadinho, políticos ligados ao “Beija-flor”, lutavam junto com Delzo contra a emancipação; do outro lado, Gilvandro do Espírito Santo, aliou-se a Nonô, como membro do Jacu.126 Com a luta político-partidária declarada, o projeto de emancipação aprovado e a vila tomada pela discussão, o Padre, que antes articulava a emancipação em conversas particulares, passou a falar abertamente, conclamando o povo ao “SIM” no plebiscito vindouro, suplicando-lhes entusiasmo, coragem e interesse. Pró-emancipacionista convicto, com um discurso de fácil leitura maniqueísta e faccional, atribuía os adjetivos da coragem [aos que queriam a emancipação] e do egoísmo [aos que fossem contrários]. “[...] a luta seria providencial para nela se provarem a coragem de muitos, a pusilanimidade de vários e a coragem de alguns.”127 No confronto de forças políticas locais, percebe-se claramente o discurso da projeção de uma luta encetada por Deus, quando é chamada de “luta providencial”. Deus e Jesus permeavam os discursos de maneira peremptória. A este primeiro cartaz, os “pró-emancipacionistas” classificaram de pobre em argumentos, e consideraram uma infelicidade seus adversários terem adentrado num campo em que seriam analfabetos: a religião. O pároco, por sua vez, atentou para o fato de o distrito de Varzedo ter sido desmembrado da Paróquia de Santo Antônio de Jesus desde 8 de 124

AMORIM, Jorge. Op.cit., p. 189. Ibidem. 126 SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., passim. 127 Idem. Op. cit., p. 44.  Luta providencial no sentido de uma ação advinda de Deus, que como ser supremo conduz os acontecimentos e as criaturas para o fim que lhes foi destinado. 125

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dezembro de 1976, sendo, portanto, uma Paróquia independente e que adotara como Padroeira Nossa Senhora da Conceição. Além disso, acusou-os de explorarem o sentimento religioso e a fé do povo, por falta de argumentos sérios e seguros.128 Com essa linha de resposta, o Padre evitou as discussões mais profundas contidas nas representações do cartaz, que envolviam as referências ao seu passado, dito comunista pelos seus adversários, bem como os liames existentes entre o município mãe – Santo Antônio de Jesus – e o distrito filho – Varzedo.

Imagem 5: AMORIM, Jorge. Arquivo pessoal. Primeiro cartaz confeccionado pelos “contra-emancipação”, distribuídos nos estabelecimentos comerciais dos que com eles concordavam, e também afixados em locais públicos. Ao fundo o mapa da região, onde se destaca Varzedo, ferida pela adaga que representa a traição.

Além de ter enfeitado com estes cartazes toda a Vila de Varzedo, os “contra” enviaram-nos para o Tabuleiro do Castro, onde obtiveram melhor aceitação. A campanha “pró-emancipacionista” não tinha tanto fôlego lá, porquanto a maioria da população era muito 128

SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., p. 141. Sempre que possível seus adversários políticos, sabedores de que o comunismo ainda assustava boa parte da população, como um movimento que dentre outras coisas “comia criancinhas”, acusavam Padre Gilberto de ter se envolvido com comunistas em 1964, quando era pároco em São Miguel das Matas. D. Valdomira Caldas, moradora de Amargosa, em entrevista concedida em 1 de agosto de 2011, refere que a causa das perseguições sofridas por Monsenhor Gilberto em 1964 seria pelo fato dele ser comunista. Quando questionada acerca do que seria comunismo, ela respondeu que não tinha ideia do que fosse, mas que coisa boa não deveria ser. A esse respeito ver Capítulo II.

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resistente à ideia de vincular-se a Varzedo. Acostumados à dependência de Santo Antônio, o novo não lhes entusiasmava, ao contrário assustava. O forte apelo imagético, além do religioso, evocando o nome de Deus, também se fez presente em um segundo cartaz confeccionado em Santo Antônio e distribuído em Varzedo. Ao lado das lideranças políticas contrárias à emancipação estava a Associação Comercial de Santo Antonio de Jesus que investia nas propagandas, utilizando o conteúdo religioso como um contra-argumento, numa tentativa de convencimento da população de que a emancipação tão veementemente defendida por Monsenhor Gilberto, a maior autoridade religiosa católica dos Distritos, não configurava num benefício para o povo, uma vez que não beneficiaria a todos. A esses argumentos, e em resposta ao segundo cartaz, afixado por toda a cidade, os “pró-emancipacionistas”, um dia depois, distribuíram setecentos exemplares de um panfleto intitulado “OS CARTAZES”, desqualificando-os.

Imagem 6: AMORIM, Jorge. Arquivo pessoal. Segundo cartaz distribuído pelos “contra-emancipação” na Vila de Varzedo e no Tabuleiro do Castro.

Foi o próprio Monsenhor quem respondeu ao segundo cartaz:

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O segundo cartaz, tão infeliz quanto o primeiro, alega que Deus criou unidos os dois distritos de Santo Antônio de Jesus. Chegou o autor ao ridículo de mostrar total ignorância em matéria de Religião e História. Quis usar o Evangelho para justificar seus interesses pessoais e eleitoreiros, e se saiu muito mal. Perdeu uma excelente ocasião de ficar calado para não dizer tanta bobagem. Se conversasse mais um pouco, seria capaz de afirmar que o segundo evangelho, está tudo errado, e haveria de concluir que tendo Deus criado unidos Nazaré e Santo Antônio de Jesus, o nosso município deverá voltar a pertencer a Nazaré, pois a sua emancipação estava errada. Vamos perdoar, com caridade, essas tolices que os lançadores de cartazes tiveram coragem de apresentá-las. “Mais senso, companheiros”.129 Embalado pelos últimos acontecimentos, na primeira reunião que realizou na Casa Paroquial, logo após a aprovação do projeto, o Padre conclamou abertamente a população à luta pela separação de Santo Antônio de Jesus. A partir daí, sob sua orientação, os membros da comissão não ficaram mais parados, escreveram poemas, versos, músicas, proferiram muitos discursos, distribuíram panfletos e até uma peça teatral encenaram. Os jovens eram os mais mobilizados, principalmente, os alunos do Colégio de 2º Grau Nossa Senhora da Conceição. Em especial, duas apresentações causaram bastante alvoroço entre a população: a primeira delas foi um jogral na festa de 7 de setembro de 1986, apresentado na recepção de alguns políticos de Santo Antonio que foram à cidade, onde criticavam a administração de Santo Antônio em Varzedo. “Foi aquela agonia toda. Alguns políticos rebateram, dizendo que tinha o dedo do Padre e de alguns professores.”130, e mais tarde uma peça teatral, que mais rebuliço ainda causou. A peça que tinha por objetivo rechaçar os cartazes santoantonienses, foi escrita “Chico da Farmácia”, atendendo a um pedido do Padre. Chico é ainda hoje conhecido como um criativo escritor e contador de histórias. Ë o próprio Chico quem rememora o enredo da peça, que reproduzia um diálogo entre duas lavadeiras, que em meio à lavagem de uma trouxa e outra, reproduziam os diálogos que corriam pelas ruas de Varzedo. “Mais minha fia, o que é aquele povo tá com aquele cartaz, com aquele punhal querendo apunhalar o povo de Varzedo?”. Aí uma delas respondia: “Não meu fi, tu nem sabe do que tá aconteceno. Eles andam com aquele punhal para não deixar a gente crescer, deixar a gente na miséria.”131 Chico ainda carrega muito nítido em sua memória a imagem do Padre, que ao fundo do Salão

129

SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., pp. 141 e 142. AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 17 de Março de 2010. 131 OLIVEIRA, Francisco Barbosa, o “Chico da Farmácia”. Entrevista concedida em 26 de março de 2010. 130

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Paroquial lotado, aplaudia entusiasmado. Assim os emancipacionistas iam arrebanhando mais adeptos. Cada facção utilizava dos argumentos que dispunha. Sueli Almeida Santana, à época estudante do 2º ano de magistério, lembra que durante as aulas de religião que ministrava no colégio, o Padre procurava incentivar a turma no trabalho de disseminação da ideia emancipacionista para os pais e a população em geral. Se a gente conseguisse levar essas informações para as pessoas, a gente ia ganhar muito com isso. [...] ele deu a idéia para nós distribuirmos panfletos. Às escondidas, a gente começou a percorrer as ruas e colocar os papéis debaixo das portas do povo. A gente tava disposto a qualquer coisa naquela ocasião.132

Tanto na fala de Sueli, como na de Antônio França e de muitos outros entrevistados, é perceptível o desejo e a necessidade de agradar ao Padre, de lhes estar próximo e, sobretudo, não decepcioná-lo, numa referência clara ao papel político da Igreja, como instituição dotada de poder tradicional e, ao mesmo tempo, carismático, no sentido weberiano desses tipos ideais, ali simbolizados pela figura do padre, numa clara referência à força e a representatividade do catolicismo. Diferentemente do passado, a Igreja de hoje não se esforça para exercer o poder de forma incisiva; e mesmo que o fizesse, certamente não obteria êxito, até mesmo por conta da estabilização do processo democrático e do pluralismo religioso existente nas sociedades atuais. Porém, continua exercendo seu poder e influência, através de sua mensagem religiosa e sociopolítica. Desse modo, diante da nítida hierarquia social estabelecida nas sociedades brasileiras, estar próximo do poder ou do que/quem o representa, é assegurar seu próprio espaço social. Da Mata, a propósito da questão da hierarquia diz: “No Brasil, [...] a comunidade é necessariamente heterogênea, complementar e hierarquizada. Sua unidade básica não está baseada em indivíduos (ou cidadãos), mas em relações e pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos.”133 Esta afirmação nos ajuda a compreender o desejo das pessoas, de maneira generalizada, em servir e agradar ao padre e ao poder que este representa. O Padre era um homem de muitas relações e contava com o apoio de integrantes de todas as camadas sociais. Assim, na luta declarada, muitas batalhas ainda estariam por ser 132

SANTANA, Sueli Almeida. Entrevista concedida em 28 de março de 2010. DA MATA, Roberto. A CASA E A RUA: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. 5ª edição. Editora Rocco. Rio de Janeiro – RJ. 1997, pp. 75-77.

133

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travadas. Mas o Padre não media esforços e usou de todo o seu poder de argumentação e capacidade intelectual para conseguir aliados em favor do SIM. Os contrários à emancipação também arregaçaram as mangas em busca do “NÃO” e, de repente, obras e benfeitorias começam a ser realizadas na Vila, às carreiras. Ruas foram pavimentadas, a rede elétrica foi ampliada, lavanderias comunitárias foram construídas, implantação de um posto telefônico e água da Embasa aos poucos foi chegando. Essas obras acabaram por fortalecer a comunidade para reivindicar sua autonomia administrativa. A disputa chamou a atenção dos políticos de plantão que buscavam de alguma forma tirar proveito da situação, garantindo espaço na comunidade. Em contrapartida, no ano de 1986, o Padre apareceu com uma nova idéia: fundar uma a associação para atender à população pobre. Surgiu, então, a ASMOVA (Associação de Moradores

de

Varzedo),

como

mais

uma

estratégia

dos

articuladores

“pró-

emancipacionistas”, no sentido de se aproximarem do povo e promover maior visibilidade ao movimento. A associação promovia cursos profissionalizantes, datilografia era o mais requisitado, e na entrega dos certificados os colaboradores aconselhavam o povo a lutarem pela causa emancipacionista. Antônio França foi o escolhido para presidir a associação e o Padre Gilberto tornou-se conselheiro dos gestores. Incitado a assumir a presidência da organização, o Padre declinou do chamado, temendo sofrer perseguições, uma vez que já estava sendo bastante censurado por sua atuação e envolvimento nas questões da comunidade. “Embora muito criticado, por ser confundido como político, ele conseguia mostrar à comunidade que o verdadeiro papel de Padre não se resumia apenas ao trabalho espiritual, mas também, na luta contra a opressão material.”134 Essa postura adotada pelo Padre, chamada “progressista” do ponto de vista teológico, reflete as mudanças de paradigmas na Igreja, mormente a partir dos anos de 1960, por influência do Concílio Vaticano II, seguido da eleição de João Paulo II, em 1978, mudando o cenário político da Igreja em todo o mundo, particularmente na América Latina, berço da Teologia da Libertação. Desse modo, as relações entre a Igreja Católica, as ditaduras e a democracia, na América Latina, dão conta de uma atuação dos religiosos bastante empenhados nas lutas sociais. Na sociedade brasileira, sobretudo no início dos anos de 1970, ocorreu um direcionamento à situação dos pobres e dos excluídos. 134

SANTANA, Sueli Almeida. Entrevista concedida em 28 de março de 2010.

63


A Igreja concentra sua atuação nas áreas econômica e política, em dois focos: no modelo econômico vigente, que considera elitista e concentrador de rendas e no regime de exceção, diante do qual compromete-se a lutar para o restabelecimento da ordem democrática. Um marco simbólico, nesse sentido, é a publicação, em 1973, de três documentos episcopais: “Ouvi os clamores de meu povo”, “Documento do Centro-Oeste”, e “Y-Juca-Pirama” – o índio, aquele que deve morrer.135

Não obstante toda a determinação e esforços empenhados pelo Padre, do sentido da emancipação, por acreditar que esta traria dentre outros benefícios, uma melhor possibilidade econômica aos pobres que ali viviam; e a efervescência política que permeava a Vila, dois anos já havia se passado e a data do plebiscito não saía. Antônio Carlos Magalhães, na época Ministro das Comunicações, e seu filho, o deputado Luiz Eduardo Magalhães, ambos do PFL e conhecidos pela prática coronelista na política baiana, juntamente com o deputado Faustino Lima do Partido Democrático Social (PDS), haviam se encarregado de engavetar o processo de emancipação de Varzedo, atendendo ao pedido do prefeito Renato Machado. Joaci Góes, ferrenho opositor do referido grupo, na época dono do jornal A Tribuna da Bahia, denunciou a manobra em seu jornal, o que acirrou mais ainda os ânimos. Dois momentos outros importantes nessa disputa, onde a liderança do Padre novamente se mostrou determinante para os rumos que a história tomaria a partir dali, foram os debates promovidos por Alváro Martins, jornalista e dono da Rádio Clube da Rádio Clube. O primeiro deles foi dia 04 de Setembro de 1987. Ao meio dia, o programa começou e as atenções da Vila, incluindo as roças, estavam voltadas para o debate. De um lado, o prefeito de Santo Antonio, Renato Machado, argumentava que a Vila Não possuía infra-estrutura para ser emancipada; do outro, Luiz Carlos Farias Mesquita, membro da Comissão, rechaçava, afirmando o contrário, e realçando a seriedade e competência da educação formal que ali havia sido implantada, além da necessidade de se atender aos desejos de libertação do povo. No dia seguinte ao debate, o Padre lançou um manifesto “Cresce o movimento próemancipação [...] os políticos temem perder bom número de eleitores. Saibam que não somos simples objetos em suas mãos.”136 Aos 19 de Setembro de 1987, novo debate foi realizado e desta vez a disputa seria entre Varzedo e Castro Alves e os escolhidos para representarem os movimentos pró e contra 135

AZEVEDO, Dermi. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Revista Estudos Avançados. [online]. 2004, vol.18, n.52, pp. 109-120. ISSN 0103-4014. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S010340142004000300009> . Acessado em março de 2011.

136

SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 115.

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foram Gilvandro do Espírito Santo e Mesquita, e Reinaldo Rosa, Gilvandro Araújo, Delzo e Toneto; representando seus municípios respectivamente. Porém, desta vez, algo incomum ocorreu: o Padre, que quase nunca aparecia na linha de frente, minutos antes do início de debate, concedeu uma entrevista a Alváro Martins, mesmo estando em Amargosa naquele momento.137 Perguntado quanto aos motivos que levavam Varzedo a desejar emancipar-se, Padre Gilberto argumentou que a comunidade havia evoluído e, portanto, deveria ter vida própria. Quanto ao papel de líder de campanha, disse que não o era, mas que, como pároco da Vila, sentia-se no direito de dar orientações ao povo. Em relação ao fato de ter pedido ao deputado Coriolano Sales que elaborasse o projeto de emancipação, rebateu que foi apenas um portavoz da comunidade a que a Vila já deveria ter alcançado sua autonomia desde 1964, junto com as cidades de Elísio Medrado e Dom Macedo Costa. Ressaltou ainda que interesses políticos haviam coibido o sonho da população. Ao final da entrevista, Alváro lhe perguntou se tinha pretensão de algum cargo político. Ele amparou-se no nome de Deus para dizer que seu objetivo era apenas estar perto das comunidades onde vivia e lutar pelo povo. Depois de reiteradas reivindicações, aos 15 de Dezembro de 1988, o Diário Oficial da União publicou a resolução que determinou a realização do plebiscito no dia 08 de Janeiro de 1989. A disputa pelo eleitorado agora era no corpo a corpo e o Padre não se furtava. Diuturnamente visitava o eleitorado, persistindo em seu discurso de que era a hora certa e que a emancipação representaria um grande avanço para Varzedo. Ainda assim, o Tabuleiro do Castro preocupava e não havia tanta confiança na vitória por lá, uma vez que os argumentos utilizados não se mostravam tão eficazes e convincentes quanto em Varzedo.138 A consagração da vitória do Padre veio num domingo, dia 08 de Dezembro, às dezenove horas, quando ao subir ao altar para iniciar a missa dominical, os fiéis se levantaram e o aplaudiram vigorosamente. “A partir deste momento todos esqueçam as lutas. Não haverá mais o SIM e o NÃO. A luta daqui para frente será por dias melhores para nossa comunidade”139. Ao término da missa, o foguetório tomou conta da cidade. Em meio aos dias comemorativos que se seguiram, o Tribunal Regional Eleitoral tentou anular o processo, alegando que irregularidades teriam ocorrido. Segundo o TRE, a

137

Ibidem. SAMPAIO, Gilberto Vaz. Op. cit., 232 a 238. 139 AMORIM, Jorge. Repetindo as palavras que o padre Gilberto proferiu na ocasião. Entrevista concedida em 17 de Março de 2010. 138

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Zona rural de Crussaí, não pertencente a Varzedo, teria votado. A comissão liderada pelo Padre imediatamente entrou em campo, reunindo documentos que foram levados ao cartório de Santo Antonio de Jesus, em seguida tirou certidões que comprovaram a originalidade dos votos de Varzedo e do Tabuleiro do Castro, fazendo com que o TRE recuasse da ação. A essa altura, o governador eleito na Bahia, Nilo Coelho, já havia se manifestado favorável às emancipações, o que facilitou, em muito, a consolidação do processo. Por volta das treze horas do dia 13 de Junho de 1989, o governador decretou o Distrito como Município, desmembrando-o de Santo Antônio de Jesus.140 O Padre tomou conhecimento da notícia quando celebrava uma missa em Elísio Medrado e logo correu para Varzedo, a fim de compartilhá-la com a comunidade. A luta que tomara por inspiracional, havia sido vencida. Anos mais tarde, um pouco mais afastado das questões políticas, mas ainda um lutador ferrenho pela educação, vendo a dificuldade dos jovens para cursarem o 3º grau, novamente articulou-se junto a um grupo de amigos e trouxe a FACE - Faculdade de Ciências Educacionais para Varzedo. Esta foi sua última grande realização na comunidade à qual tanto se dedicou. “Naquele momento ele estava repleto. Era possível ver uma felicidade muito grande no rosto dele. Ele tinha implantado o ginásio, depois o ensino médio e naquele momento o nível superior. Então ele tinha conseguido implantar os três níveis de educação na cidade.”141. Em Varzedo, as marcas deixadas por Monsenhor Gilberto estão presentes em todos os aspectos sócio-políticos da comunidade. No entanto, apesar do muito que fez pela emancipação, os seus primeiros e últimos passos trilharam na direção da educação enquanto caminho para o conhecimento que liberta.

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BRASIL. Lei nº 5.002 de 13 de junho de 1989. Cria o Município de Varzedo, desmembrado dos Municípios de Santo Antônio de Jesus e de Castro Alves. Publicada D.O.E. Em 14 de junho de 1989. 141 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 17 de Março de 2010.

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3 DE AMARGOSA PARA AS ESTRADAS

A Amargosa, donde partiu Padre Gilberto, converge em um tempo/espaço de relações estabelecidas entre as culturas e classes distintas socialmente, mas também, num lugar de festejos, batuques e poesia, que tornaram possível a construção social duma memória histórica142, à qual recorremos mais uma vez, para fazer emergir neste capítulo as práticas e concepções do lugar.

O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente a produção da vida.143

Partindo desse lugar, e com a alma impregnada das lembranças e efeitos que estas lhe provocaram, porquanto “a memória é como Janus, o Deus do ano novo. Ela olha o passado, liga-o ao presente e, a partir disso, determina nosso futuro. Somos o que somos, porque lembramos. A memória preserva a continuidade de nossas experiências e modela toda a nossa personalidade”144; o Monsenhor inicia sua caminhada sacerdotal propriamente dita, a partir de São Miguel das Matas, enfrentando os desafios, frustrações e vitórias que suas ações lhe renderam, que incluem enfrentamentos com o poder político local, perseguições e prisões.

3.1 UM LUGAR NA INFÂNCIA.

Incrustrada no Vale do Jiquiriçá, o município de Amargosa, antes local aprazível para a caça, tornou-se conhecida exportadora de café e fumo, e hoje é reconhecida pela festa de São João que realiza todos os anos durante dez dias no mês de Junho, quando a cidade chega a receber cerca de 60.000 pessoas de várias localidades do país. Ao longo dos tempos, a cidade

142

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais. 1990. CARLOS, Ana Fani. Discutindo o Lugar. In. O Lugar No/Do Mundo. São Paulo Hucitec. 1996, p. 22. 144 DUNLOP, Erwin “You and your memory”, Psychology, 1954, 18, nº3, apud BARRETO, Ricardo de Lima. Livro vivo 2000 – 2002, Campinas – SP, Edição do autor, 1ª Edição, ISBN: 85 – 903244 – 1 – 9, 2003, pp. 2627. Disponível em < http://www.letraseletras.com.br/home/livros/categorias/autores/lima-barreto/livrovivo2000-2002.pdf>. Acessado em: 14 de set. de 2011. 143

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foi modificando em decorrência da atuação do homem, que através de suas construções sociais deixou impresso nas paisagens os registros das transformações sócio-econômicas e culturais pelas quais a comunidade passou. Originariamente território das tribos indígenas Baitinga e Karirís, de língua Karamuru e Sapuyá, que, em meados do século XIX tiveram seus povos remanescentes desterrados pelos colonizadores, o espaço no qual está localizado o município de Amargosa experimentou processo de repovoamento a partir da primeira metade do século XIX, nos idos de 1840, a partir da chegada das famílias de Gonçalo Correia Caldas e Francisco José da Costa Moreira. Sua denominação se deu, pela existência na região de uma espécie de pomba pertencente à fauna local, cuja carne tem sabor amargo, que muito atraia os caçadores. O convite à caça era feito com a seguinte expressão: “Vamos às amargosas?”145 Com a chegada dos Caldas e dos Moreira, o território toma outra configuração. A cidade chuvosa e fria, onde a neblina costumava cobrir toda a serra em seus morros e colinas vertentes íngremes; atraiu imigrantes italianos, portugueses e espanhóis, juntamente com os negros, que aqui chegaram como escravos, para atender a demanda da cultura do café recém implantada. O território então se modificou, tomando as feições semióticas dos habitantes que ali se instalaram. Os sinais desses povos estão presentes na religiosidade, na lida com as culturas agrícolas, no comércio e no próprio modelo adotado nas vivências e práticas sociais que se estabeleceram na localidade, desenhando-se “enquanto materialização de limites, a partir das relações sociais.”146 As novas paisagens de Amargosa conjugam o passado, o presente e o futuro, duma maneira bastante visível e materializada, evidenciando o processo de transformações sócioambientais que vivenciou, mas também refletindo as mudanças climáticas pelas quais perpassa todo o planeta. Ainda em relação aos seus aspectos geográficos, o principal rio que corta o município é o Jiquiriçá-Mirim, tendo como afluentes os riachos da Correntina, Tamanduá, Cavaco, Boqueirão, Bainha, Timbó, Tauá, Massaranduba, Baixada e outros de menor vazão. Também os rios Corta Mão, Riachão, Verde e Capivara. Essa configuração hidrográfica traz em si importância para o município quanto à irrigação agrícola, lazer, pesca e abastecimento de água. 145

Acervo Público IBGE. Disponível em: biblioteca.ibge.gov.br. Acessado em: mar. 2011. NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da História na crise da humanidade. Feira de Santana, UEFS, Salvador, Arcádia, 2002, p.61.

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Por sua localização geográfica, Amargosa foi rapidamente impulsionada pelo processo de interiorização que vinha ocorrendo no país desde o ano de 1800. Alguns dos municípios circunvizinhos, hoje prósperos e produtivos, lhes pertenciam. O município de Milagres foi o que mais cresceu. Tendo sido distrito de Nossa Senhora dos Milagres, pela lei estadual nº 628, de 30 de Dezembro de 1953, com terras do distrito de Tartaruga, e anexados ao município de Amargosa, foi desmembrado juntamente com Tartaruga para tornar-se município em 22 de Dezembro de 1961, Lei Estadual nº 1589, não parando de crescer política e economicamente desde então. O município de Brejões, embora um pouco mais retraída economicamente do que Milagres, também já foi distrito de Amargosa, deixando-o de ser aos 24 de julho do ano de 1924, através da Lei Estadual nº 1715, que juntamente com o distrito de Veados passou a compor o novo município147. Bem localizada, Amargosa rapidamente transformou-se em um importante entroncamento das rotas comercias que levavam os víveres do litoral aos estabelecimentos do interior do Estado, consolidando-se como ponto de troca comercial com o sertão. O povoado prosperou, sobretudo, graças às faustosas colheitas de café, seguido do fumo. O solo fértil atraiu a civilização branca, principalmente os povoadores de Nazaré e de Santo Antônio de Jesus, que desbravaram as margens do rio Ribeirão e aí se estabeleceram desenvolvendo a agricultura e depois a pecuária. Atualmente sua divisão político administrativa abrange uma área bem menor. Limitase aos bairros do Centro, Rodão, São Roque, Santa Rita, Alto da Bela Vista, Katiara, URBIS I, URBIS II e Sucupira. Além da sede do município existem os distritos de Corta Mão (distrito criado pela lei estadual nº 767, de 25 de abril de 1910), Itachama (pelo decreto estadual nº 12978, do dia Um de Junho de 1944, e que corresponde ao antigo distrito de Corrente) e Diógenes Sampaio (ex-distrito de São Roque, pelo decreto estadual nº 8622 do dia Um de Setembro de 1933, denominado Diógenes Sampaio através do decreto estadual nº 11089, de 30 de Novembro de 1938) e quatro povoados: Acajú, Baixa de Areia, Cavaco e Barreiro.148 Esta configuração territorial está muito distante da Amargosa onde os Caldas e Gonçalo ensaiaram os primeiros passos na composição do lugar. “Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência, [...] o espaço

147 148

Cf. Arquivos IBGE. Disponível em biblioteca.ibge.gov.br. Acessado em março de 2011. Cf. Arquivo Público de Amargosa.

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estaria para o lugar como a palavra quando falada.”149 Desse modo, a apropriação do lugar cria o espaço a partir das relações que ali se estabelecem, onde se fazem presentes, inclusive, as emoções. Temos então o espaço como um lugar de relações construídas e de cotidianidade150, no qual coexistem também o espaço imaginário e o espaço nas lembranças. Muitas vezes, o lugar pode ser determinado, mas não é construído; a narrativa é que vai tornar esse lugar praticado, alçando-o à condição de espaço. Assim, as narrativas do lugar (Amargosa), trazem as marcas do catolicismo predominante à época, manifestas nas primeiras construções locais, denunciando o pensamento que regia aquela sociedade.

Imagem 7: A Capela de Nossa Senhora das Amargosas que já não existe mais, foi construída por volta de 1840, num terreno doado pelo Sr. Francisco José da Costa Moreira e esposa, juntamente com o Sr. Gonçalo Correia Caldas e esposa. A capela foi demolida em 1936 em razão da construção da atual Catedral e no lugar foi construída uma praça com uma estátua do Cristo. Foto pertencente ao Arquivo Público de Amargosa, de autoria desconhecida e sem datação.

As primeiras edificações na construção daquele lugar foram: a casa de Gonçalo Correia Caldas, que está tombada e fica na Rua Marquês de Herval, conhecida por Rua da Lama; e a Capela de Nossa Senhora das Amargosas, erguida no ano de 1855, ano em que o arraial foi institucionalizado, com a criação do distrito através da resolução nº 574, de 30 de

149

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis – RJ, Vozes, 1994, pp. 201 e 202. 1994, pp. 201 e 202. 150 CARLOS, Ana Fani. Op. cit. Passim.  Rua da Lama em razão do lamaçal e atoleiro que se fazia por lá quando chovia.

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Junho de 1855, ficando subordinado ao município Tapera, atual município de Santa Terezinha. A Lei Provincial nº 1726, de 21 de Abril de 1877, elevou o arraial à condição de Vila, desmembrando-a de Tapera. Em 1885 tornou-se freguesia e aos Dois de Julho de 1891, alcançou a categoria de cidade, tornando efetivo o ato de criação de 19 de junho de 1891151, do Dr. José Gonçalves da Silva, então governador do estado da Bahia. Amargosa, como um lugar construído, é fruto da própria dinâmica da sua história e, como tal, “[...] instala-se no plano do vivido e que produziria o conhecido-reconhecido, isto é, é no lugar que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões.”152 Desse modo, o personagem central desta narrativa inicia a sua história particular, realizada em um tempo e um espaço, em função de uma “cultura/tradição/língua/hábitos”153 que o ligaram, ou melhor, identificaram-no, num sentimento de pertencimento àquele lugar. Numa Amargosa que só pode ser percebida em alguns nuances presente apenas em alguma construção mais antiga castigada pelo tempo, ou nas lembranças dos antigos moradores do lugar; muito distante do atual pólo turístico baiano, num tempo em que os festejos de São João limitavam-se aos forrós na base do sanfoneiro e duma zabumba, o menino Gilberto viveu a sua infância e adolescência até ordenar-se padre, numa cidade pacata e tranquila. Gilberto Vaz Sampaio foi o segundo filho de uma família de seis irmãos do casal Aldemiro Vaz Sampaio e Acidália Vaz Sampaio. Seu pai era funcionário público e sua mãe costureira e bordadeira. Foi batizado num domingo, às dez horas do dia seis de Fevereiro do mesmo ano, por Erasmo Vaz Sampaio e Maria da Gloria Vaz Sampaio. Seus irmãos, Maria da Glória Vaz do Amaral, Maria Malita Vaz Carvalho de Sousa, Gildásio Vaz Sampaio, Hilda Vaz Sampaio Oliveira, José Vaz Sampaio e Iraci de Jesus Sousa (irmã adotiva), seguiram caminhos profissionais diversos: professores, comerciantes e apicultores, apenas Gilberto optou pela vida religiosa. Viveu na antiga Rua do Ribeirão, assim chamada por dar acesso ao Rio do Ribeirão, hoje Rua Lomanto Junior, mudando-se em seguida para um casarão na Rua Mal Me Quer. Com muitos cômodos, sala de oratório (costume obrigatório em qualquer casa de família

151

IBGE. Acervo digital – documentação Territorial. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/. Acessado em Set. 2010. 152 CARLOS, Ana Fani. Discutindo o Lugar. In. O Lugar No/Do Mundo. São Paulo Hucitec. 1996, p. 17. 153 Ibidem.

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católica praticante) tinha um quintal que mais parecia uma chácara, devido a sua extensão territorial e a presença de várias árvores frutíferas.

Imagem 8: SANTOS, Aricelma Araújo dos. Arquivo pessoal, s/d. Casa onde monsenhor Gilberto nasceu e viveu a sua infância, situada à Rua do Malmequer, no centro da cidade.

Cursou o primário na escola da Professora Mimira Espinheira, matriculando-se, posteriormente, no Grupo Escolar Almeida Sampaio, onde concluiu os estudos primários e, em seguida, foi para a escola particular Genelfa Secóssimo. Segundo sua irmã Hilda, era um aluno aplicado e disciplinado, e nunca deu trabalho aos pais para estudar. “Chegava da escola, almoçava e se virava para o estudo. Não era um menino de rua. Não dava trabalho em casa. Era bastante responsável pelos seus atos. Cresceu já adulto. Nunca foi uma criança solta, de fazer amizade; era sempre estudando.”154 Certamente, as recordações de sua irmã refletem o processo de seleção que envolve sentimentos e graus de relacionamento, inerente ao próprio ato de recordar, porquanto a memória é seletiva. “[...] ao contar suas experiências, o entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido.”155

154

SAMPAIO, Hilda Vaz. Entrevista realizada em 23 de abril de 2010. ALBERTI, Verena. Além das versões: possibilidades da narrativa em entrevistas de história oral. In: Ouvir contar _ textos em história oral. Rio de Janeiro: editora FGV, 2004, p. 78.

155

72


Imagem 9: SANTOS, Aricelma Araújo dos. Arquivo pessoal, s/d. Local onde funcionava a escola da professora Mimira Espinheira, na Rua Dr. Agenor Guedes.

Àquela época, o ensino em Amargosa limitava-se ao ensino fundamental em poucas escolas, como a da professora Mimira e no Prédio Escolar Almeida Sampaio, além do que prevalecia a questão do gênero. Somente em 1946, às mulheres apenas, foi oferecida uma nova opção, o Santa Bernadete, instituição educativa feminina. Em 1948, chegou à cidade a Irmã Maria Modesta, que organizou o Ginásio na escola, dando início ao curso de admissão, selecionando as alunas que ingressariam em 1949. No ano de 1953, após ter recebido a visita da inspetora do Departamento de Educação do Estado, Violeta Godinho, a escola passou a oferecer também o Curso Pedagógico, que correspondia ao Curso Normal e habilitava as mulheres a lecionarem no ensino fundamental.156 A instituição, criada pelo primeiro Bispo de Amargosa, Dom Florêncio Sisínio Vieira, que havia chegado à cidade por volta de 1942, era dirigida pelas Irmãs Sacramentinas da Congregação das Religiosas do Santíssimo Sacramento e funcionava numa chácara doada pelo Cel. Benedito José de Almeida. Contava, ainda, com o apoio de fazendeiros, funcionários públicos e comerciantes da região. Era uma escola particular, que atendia a elite da cidade. No seu primeiro ano de funcionamento, em caráter excepcional, ofereceu o curso primário para ambos os sexos, porém, a partir do ano seguinte, 1947, até o ano de 1973, quando passou às mãos do Estado, dedicou-se exclusivamente à educação feminina. 156

Cf. SANTOS, Silmary Silva dos; RIOS, Diogo Francisco – Uma Pesquisa sobre o Ensino da Matemática em Amargos: Lembranças das ex-alunas do Ginásio Santa Bernadete (1946-1973). Anais do I SEEMAT – UESB. Disponível em:<http:// www.uesb.br/eventos/seemat/anais/index_arquivos/co8.pdf >. Acessado em março de 2011.  Um próspero e influente produtor de café local.

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O enfraquecimento da escola se dá em fins dos anos 60, quando do surgimento dos ginásios nos municípios vizinhos e posteriormente do segundo grau, que provocou uma importante queda no número de alunas. Em 1973, as Irmãs juntamente com o Bispo optaram pelo fechamento da escola e venda para o Estado. Com a falta de opção para os estudos dos meninos, já aos nove anos Gilberto vendia cafezinhos, bolos, cuscuz e pães que sua mãe fazia, no intuito de ajudar aos seus pais, que eram pobres. Ficava o dia inteiro, oferecendo aos donos dos animais que iam guardar seus bichos no Curral de Conselho, local em que seu pai trabalhava como fiscal. O curral de conselho era uma espécie de armazém ou abrigo, pertencente à Prefeitura Municipal, localizado no centro de Amargosa, onde os animais passavam o dia, principalmente aos sábados, enquanto seus donos iam à feira mercadejar. Gilberto também costumava auxiliar o seu pai, ajudando-o a tirar as cargas dos animais que lá chegavam.157 Das várias formas de comercialização na região, a mais usual foi durante muito tempo a feira livre, destacando-se como centro de convergência da produção regional, onde se reuniam produtores, intermediários, caminhoneiros e outros agentes. O café, cacau e o fumo durante muito tempo foram comercializados por armazém representantes de grandes empresas do ramo. A principal delas era a “Correia Ribeiro”, que monopolizava um bom quinhão do comércio, não só local, mas em boa parte da Bahia. Além da parte comercial, a feira foi, ou melhor, ainda é, um local de encontro, troca e vivência coletiva. As definicões dos lugares e espaços ocorrem a partir das construções e vivências que ali se estabelecem. Destarte, a feira livre além de um local mais barato e acessível para a compra e venda de mercadorias, é também um espaço de comparticipação e integração cultural entre os manifestações de vida urbanas e rurais.158 As feiras em Amargosa aconteciam desde o início de seu povoamento pelos brancos, em fins do século XIX e início do século XX. Porém, com a construção da Estrada de Ferro Bahia a Minas, a partir de 1879, que visava responder às demandas do mercado internacional, a Bahia enquanto produtora e exportadora de produtos primários como fumo, diamante, café, couro, aguardente, cacau e algodão, acabou sendo beneficiada quanto ao escoamento de seus produtos, inclusive na pequena produção das indústrias nascentes no Estado (em Amargosa, as fábricas de fumo). Em 1899, existiam 1248 quilômetros em tráfego, 30 anos depois, em 1929, eram 2669 - Bahia ao São Francisco; Central; Santo Amaro; Nazaré; Bahia - Minas; 157 158

SAMPAIO, Hilda Vaz. Entrevista realizada em 23 de abril de 2010. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo - São Paulo, HUCITEC, 1996, passim.

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Centro-Oeste e Ilhéus – Conquista.159 Houve também a ampliação do transporte por via marítima, que alcançava cidades do Recôncavo como Nazaré São Félix e Itaparica, portos do litoral atlântico, Alagoas e Sergipe. Desse modo, as feiras de Amargosa foram tomando corpo e, por volta de 1930, lá se fechavam pequenos e grandes negócios. Esse quadro permaneceu até o declínio do comércio de couro, por volta de 15 anos atrás. Ainda hoje, a feira é um local movimentado e atrai gente das cidades vizinhas, mas seguramente, não com a mesma intensidade de outrora.160

Imagem 10: A estação ferroviária nos anos 1940, que ficava localizada na antiga Praça da Bandeira [hoje Praça do Bosque], enquanto se fazia a pavimentação do local. Acervo da Prefeitura Municipal de Amargosa Sem identificação para os créditos fotográficos e s.d.

A Estrada de Ferro de Nazaré era bastante extensa e perpassava os municípios de Santo Antônio de Jesus, São Miguel das Matas, Laje, Mutuípe, Jequiriçá, Ubaíra e Santa Inês, prolongando-se ainda até Jaguaquara e Jequié. Sem sombra de dúvida, representou um grande impulso econômico para a região, dando novo ânimo ao lugar. O trem transportava café e fumo destinados à exportação, até pequenas cargas de frutas, farinha de mandioca, animais e passageiros.161 A Amargosa na qual Gilberto viveu a sua infância (que até estrada de ferro possuía), ainda circundava a área da antiga capela. Descendo um pouco a Rua da Lama, em frente à delegacia, a Praça da Feira, que ocupava toda a extensão de lá até a agência da Caixa

159

BRASIL, Estações Ferroviárias do. Disponível <http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_ilheus/nazare.htm>. Acessado em 03 de agosto de 2011. 160 Cf. CALDAS, Valdomira da Silva. Entrevista concedida em 01 de agosto de 2011. 161 Idem.

em:

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Econômica Federal, hoje a Praça do Cristo, com um chafariz iluminado e uma estátua do Cristo com os braços abertos. Paralelamente à feira, os armazéns de secos e molhados, empórios, e pequenas outras casas comerciais: lojas de tecidos do “Seu Gabriel”, os armazéns de “Seu Pingo”, Sr. Horácio Leal e Sr. Torquato Madureira. Seguindo a mesma Rua da Lama, agora no sentido contrário, a Rua do Fogo, com casas mais simples, algumas delas de palha. Voltando à Praça, caminhando no sentido da entrada da cidade, a Rua do Cajueiro, paralela à Rua da Linha, por onde o trem passava. Walter Andrade, um simpático e conhecido fazendeiro da região, lembra com saudade as festas da “velha” Amargosa onde ainda podia ser ouvido o roncar do trem.

Era tudo muito bonito e alegre, os músicos tocavam instrumentos de sopro, reunidos no coreto da Praça Lourival Monte, no centro da cidade, em frente à prefeitura e da Loja Maçônica [...] As quermesses da igreja, o Jogo da Preá, as festas da padroeira, os samba de roda e principalmente as festas juninas, estreitavam as relações entre familiares.162

D. Valdomira Caldas, nascida e criada em Amargosa, onde é mais conhecida por D. Vardinha, lembra também das festas de Natal na Igreja, o mês de Maria que era celebrado todos os dias, durante o mês de maio, e a festa da Padroeira. As rezas e as rodas de samba também eram muito frequentes. “O dono da festa tinha que pedir autorização à autoridade (o delegado) para fazer barulho até depois das 10 h. Então o delegado dizia: ‘vai até tal hora’. E todo mundo respeitava. Mas tinha festa de amanhecer o dia.”163 O pandeiro e o tambor davam o tom das músicas: Ô lua nova ‘papa ceia’ Mulher que engana marido Merece peia!164

Outro samba muito popular era:

Acontecia todos os anos, durante as festejos da padroeira, e consistia num jogo de apostas, onde várias casinhas eram colocadas num semi círculo onde uma preá era solta. Ganhava o jogo quem acertasse a casinha que a preá escolheria para se esconder. 162 ANDRADE, Walter. Entrevista concedida em 22 de Fevereiro de 2011. 163 CALDAS, Valdomira da Silva. Entrevista concedida em 01 de agosto de 2011. 164 Idem

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O moinho da Bahia queimou Queimou, deixa queimar! O moinho da Bahia queimou Queimou deixa queimar!165

Mas sem dúvida alguma, o São João era a festa mais movimentada da cidade, e manteve ainda até fins do século passado a tradição das visitas mútuas de casa em casa. Era uma festa que envolvia família, a comunidade e os vizinhos. Nas calçadas, os estalidos das fogueiras anunciavam o milho e a batata doce assando. O forró não tinha hora para acabar.166 O cotidiano do trabalho, política, religião, lavoura e família eram “esquecidos” naqueles momentos, bem como a hierarquia social, porquanto no forró todos eram bem vindos. Embora nessas festas públicas as assimetrias socioeconômicas estivessem mascaradas nos espaços públicos, no momento em que as pessoas de maior ou menor poder aquisitivo, batiam às portas umas das outras, a receptividade variava de acordo com o nível de proximidade entre os visitantes e visitados. Foi nessa Amargosa hierárquica e discrepante que a vocação do menino Gilberto se manifestou. Esses valores apreendidos na infância certamente estiveram presentes nas escolhas e caminhos adotados mais tarde pelo Padre Gilberto, sobretudo em suas ações sociais, uma vez que somos o que nossas lembranças nos tornam.

Ser padre, já era um dom do meu irmão. Foi uma coisa do destino dele. Mesmo com pouca idade, momentos de reflexão já faziam parte da vida dele. Um dia ele chamou papai e disse: Pai eu quero ser padre. Papai chamou, colocou ele sentado, voltou o olhar para ele e disse: Meu filho, você quer estudar para ser padre? Ele então disse: Quero papai. Eu quero ser padre. Depois de repetir a pergunta, enumerando as implicações na escolha pretendida: ‘Padre não casa, não namora, não bebe, não vai à festa, não se relaciona assim com todo mundo. Ele vai para o seminário e de lá já sai ordenado padre, para servir a Deus’. E mais uma vez perguntou: ‘Você quer ser padre meu filho?’ Ele mais uma vez confirmou sua escolha.167

165

Idem. Idem. 167 SAMPAIO, Hilda Vaz, entrevista realizada em 23 de abril de 2010. 166

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Os seus pais eram muitos religiosos e o apoiaram em sua decisão, justificando ainda que o menino Gilberto havia passado tanta segurança que seu pai não teve dúvidas quanto à opção pelo sacerdócio. Porém, não se pode deixar de levar em consideração que naquela época, como ainda nos dias atuais, para as famílias católicas praticantes, ter uma filha freira e, principalmente, um filho padre, tornava-se motivo de muito orgulho e satisfação. Para as famílias mais humildes, simboliza uma redefinição ascendente na posição social e, para as famílias abastadas e influentes, representa a manutenção do status quo.

Assim, é notório que esta profissão era reconhecida e privilegiada naquela sociedade. Segundo Novaes e Mello, na década de 1950 a figura do padre ainda estava entre as melhores profissões na hierarquia social e comentam que: “a alta avaliação do padre reflete a presença ainda decisiva da Igreja e dos valores católicos na constituição da subjetividade e das formas de compreensão do mundo”.168

Um filho doutor ou padre era um privilégio muito grande, até porque o custo do seminário geralmente era alto, exceto aos que conseguiam algum tipo de apadrinhamento. Para muitos, o seminário significava a garantia de poder estudar. José Correia, conhecido comerciante local e ex-seminarista, quando perguntado se tinha vocação para o sacerdócio, respondeu: “De maneira alguma, o seminário era uma oportunidade para eu poder estudar.”169 Essa, aliás, era uma prática muito comum. Os pais desejosos de possibilitar um futuro melhor para os filhos, com mais oportunidades, menos fome e pobreza; os encaminhavam aos seminários garantindo-lhes boa alimentação e estudos. Pouco mais de três anos após ter entrado no seminário, o intrépido e rebelde José Correia acabou sendo expulso, diferentemente do que ocorreu alguns anos antes com o menino Gilberto. Crédulos quanto à vocação do filho, os pais de Gilberto agora tinham outra preocupação: como mantê-lo em um seminário? Ainda não existia seminário em Amargosa. Este só surgiu em 1944, levando o nome de Seminário Menor da Imaculada da Conceição. Assim sendo, o menino teria que estudar em Salvador. Com a colaboração de parentes e amigos próximos, “como Rubens Vaz, meu primo”170, Gilberto seguiu para a Escola do

168

PONCIANO, Nilton Paulo. FRONTEIRA, RELIGIÃO, CIDADE: o papel da Igreja Católica no processo de organização sócio-espacial da cidade de Fátima do Sul/MS (1943-1965). 2006. 231f. Tese (doutorado em História), Universidade Estadual Paulista – UNESP. Assis – São Paulo, 2006, p. 189. 169 CORREIA, José. Entrevista concedida em 22 de Fevereiro de 2011. 170 SAMPAIO, Hilda Vaz. Entrevista realizada em 23 de Abril de 2010.

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Evangelho. “Lembro que a sua primeira batina foi feita a partir de uma já usada pelo Monsenhor Andrade, que era amigo dos meus pais e fez a doação.”171 Em 1938, ao completar 11 anos, Gilberto deixou sua família em Amargosa e rumou para o Seminário Santa Tereza, em Salvador, que funcionava onde é hoje o Museu de Arte Sacra, pertencente à Universidade Federal da Bahia. O seminário funcionou durante longos 111 anos com os cursos do seminário menor e maior, correspondentes aos períodos iniciante e conclusivo respectivamente. Este último, oportunidade em que o seminarista reafirmou sua vocação. No ano de 1954, o seminário foi transferido para a Avenida Cardeal da Silva, no bairro da Federação, onde hoje funciona um dos campi da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Atualmente é o Seminário Central da Bahia, que atende às demandas de toda a Bahia, além de várias outras regiões do Brasil.172 A partida de Gilberto provocou saudade entre os familiares, ampliada pela escassez de visitas (apenas sua irmã Hilda, que cursava enfermagem em Salvador, uma vez por semana lhe visitava, sempre munida de balas e chocolates). Mas, ele se mantinha firme em sua decisão e propósitos. “Era uma saudade grande. Papai e mamãe sofreram muito. Ele quando saiu era pequenininho, né? Quando completou um mês no seminário escreveu uma carta: ‘Papai e mamãe, não se preocupem comigo. Estou muitíssimo felicíssimo, satisfeitíssimo.’”173 O tempo foi passando e a saudade se acomodando. Naquele momento, a Amargosa que Gilberto deixava para traz era um lugar de “festejos e folguedos, onde a infância podia ser mais romântica e saudável.”174, mas era também um lugar de desigualdades, que não fugia à pirâmide hierárquica social que se expressava nas pequenas casas de palha, na subserviência aos coronéis e donos do poder, no baixo nível de escolarização e na distinção às mesas postas. Nessa comunidade ele nasceu e foi criado, aprendendo a conviver com os signos e suas representações, construindo seus espaços endógenos e exógenos. Anos mais tarde, já influenciado pelo processo de renovação da Igreja Católica, que surgiu no cenário nacional com práticas sociais transformadoras, numa postura que permeou o final da primeira metade do século XX, e toda a segunda metade, Gilberto demonstrava sua habilidade em trabalhar pelas causas que abraçava, aproveitando os períodos de férias do

171

Idem. Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: O Homem do caminho. 2010. p. 28. 173 SAMPAIO, Hilda Vaz. Entrevista realizada em 23 de abril de 2010. 174 CORREIA, José. Entrevista concedida em 22 de Fevereiro de 2011. 172

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seminário para vender rifas em prol deste. Porém, nem mesmo nessas ocasiões afastava-se de sua verve tradicionalista, e seguia com rigor as regras impostas pelo seminário, andando sempre acompanhado por um membro da família. Nessas viagens, a forma de divisão dos vagões não deixava de exteriorizar a hierarquia social no interior do organismo social amargosense. A professora de inglês aposentada Maria Neusa, rememora as viagens que muitas vezes fez ao lado do seminarista Gilberto: Eu me lembro que quando ele vinha passar férias aqui na cidade, usava uma batina preta e sempre vinha de trem pela Estrada Velha de Nazaré. Eu estudava em Salvador, voltávamos juntos algumas vezes para a capital. Na época os vagões eram divididos de acordo com as classes sociais. Tinha a primeira classe e a segunda classe. A segunda classe era para pessoas carentes, simples e sem muitas condições.175

Imagem 11: Estrada de Ferro Nazaré/Ilhéus - Ramal de Amargosa - km 129, 135 (1960) BA-4404, inaugurada em 18 de dezembro de 1892 (sem trilhos). A construção que se vê remonta aos anos iniciais de 1950, s.d e comemora a chegada de membros da Igreja para a ordenação do Pe. Alfredo. Da esquerda para a direita, Pe. Osmar, Pe. Alfredo, Profª. Sinízia, Pe. José Clarêncio e Pe. Manoel. Pertencente ao Arquivo Público de Amargosa, a foto está registrada como se tivesse sido tirada nos anos de 1940, o que é um erro, pois estes padres foram contemporâneos de Padre Gilberto, e foram ordenados em períodos muito próximos. Créditos fotográficos desconhecidos.

As viagens do trem percorriam não só as distâncias sociais descritas pela professora Neusa, mas também as econômicas. Amargosa se dividia entre os grandes fazendeiros, comerciantes e pobres. Aos que não possuíam terras restava catar mamona e café, secar e 175

NOGUEIRA, Maria Neuza Cerqueira. Entrevista concedida em 23 de Abril de 2010.

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enrolar o fumo, lavar roupa de “ganho” ou prestar algum tipo de serviço doméstico em troca de alguns trocados. Em 1920, a Bahia produzia 39,90 mil toneladas de fumo, respondendo pela maior produção de fumo do país. Este quadro permaneceu até o início da década de 1950, tendo a Bahia testemunhado, inclusive, o nascimento das indústrias de charutos em Cruz das Almas, Maragogipe, Cachoeira, São Felix, Sapeaçu e Conceição do Jacuípe, antigo Berimbau, dentre outras cidades da região. O trem transportava os fardos de fumo “vinte e dois, terceira e trintinha” , arrumados e empacotados nos armazéns de Amargosa, sob a forma de “buiúna, boneca ou capa aberta”

 

; além de produtos outros como cana, mandioca, feijão, milho,

fumo e diversas frutas e verduras que eram comercializados em paralelo ao fumo. Na primeira metade do século XX foram instaladas no Recôncavo Sul da Bahia as fábricas DANNEMANN, SUERDIECK, COSTA FERREIRA & PENNA, LEITE & ALVES, C. PIMENTEL & CIA, movimentando as cidades e as estradas de ferro. As fábricas DANNEMANN e SUERDIECK (ambas alemãs), por ocasião da Segunda Guerra Mundial deixaram de importar o fumo e encontraram no Recôncavo Sul da Bahia as condições materiais para uma produção local mais satisfatória. Em Amargosa, as maiores comercializações de fumo se realizavam em CORREIA RIBEIRO, TABACARIA COPATA e no armazém de Josué Melo. Contudo, a partir da década de 1960, a fumicultura baiana mergulhou em um enfraquecimento crescente por todo o Recôncavo Sul176, culminando com o fechamento dos últimos armazéns de fumo em Amargosa em fins dos anos de 1980.177 Após os declínios do café, fumo e cacau, principais economias da região, a desaceleração econômica foi tanta, que acabou levando à desativação da estrada de ferro por completo em 1970178e ao fechamento das fábricas de beneficiamento do fumo. A criação de gado, que já havia sido introduzida no Brasil por Tomé de Souza, desde 1551, finalmente chegou a Amargosa e cidades adjacentes. Em seguida, migrou em direção ao interior do

Expressão usada para denominar trabalho realizado em troca de algum pagamento. Cf. CALDAS, Valdomira. Entrevista concedida em 01 de agosto de 2011. Essas denominações eram classificações dadas ao tipo de fumo, segundo o tamanho e qualidade de sua folhagem. “Vardinha” como é conhecida, trabalhou por quase uma década no armazém de fumo COPATA em Amargosa.  Idem. De acordo com a maneira que o fumo era acondicionado, existia uma denominação própria. 176 SEAGRI. A cultura do fumo na Bahia da excelência à decadência. Disponível em:< http:// www.seagri.ba.gov.br/fumo_final.doc> Acesso em 14/09/2011. 177 CALDAS, Valdomira. Entrevista concedida em 01 de agosto de 2011. 178 SANTOS, Oscar Santana de. Uma viagem Histórica pelas estradas da esperança: representações literárias do cotidiano, da região e da desativação da estrada de ferro Nazaré (Bahia, 1960 – 1971). 2011. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGHIS – UNEB – Universidade do Estado da Bahia. Santo Antônio de Jesus/BA. 

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estado da Bahia e abrindo os caminhos dos sertões, foi ligando regiões distantes e promovendo a fundação de cidades importantes como Feira de Santana. A proximidade com esses grandes rebanhos oportunizou nova alternativa comercial, que foi o beneficiamento do couro para exportação, que perdurou por muitas décadas, só vindo, na realidade, a deixar de existir há cerca de três anos atrás, com a exigência de que todos os abates de bovinos, caprinos e suínos passassem a ser feitos exclusivamente nos frigoríficos. Nos aspectos econômicos de Amargosa, vários outros comércios deixaram de existir em decorrência do processo de industrialização e avanços tecnológicos179. As casas de tecidos, os armazéns de secos e molhados, foram alguns dos comércios que desapareceram com a chegada das lojas de confecções e supermercados, respectivamente. Sem falar nas profissões: sapateiros e alfaiates, dentre outras. José Acúrcio lembra bem da Amargosa desse tempo. Seu pai tinha uma loja de tecidos próximo à Praça do Cristo, onde ele também trabalhava, e que por força das circunstâncias econômicas, somada a outras questões de cunho pessoal, fechou as portas, encerrando suas atividades em 1982.

[...] era uma cidade bastante pacata, mas também um local de muita necessidade e pobreza. Eu me lembro que por volta dos anos de 1970, dia de sexta-feira era uma verdadeira procissão de pedintes pelo comércio de Amargosa em busca do que comer. Quando o povo pobre tinha o café para escolher era muito bom; se vivia. Mas depois que acabou a escolha de café e de fumo foi uma lástima. As opções para as classes menos abastadas ficaram restritas a pequenas plantações de maracujá, leguminosas e o comércio de carne de um abate ou outro.180

A esse respeito, José Correia acrescenta que a inserção da criação de gado tirou os poucos empregos que ainda restavam na lavoura local e provocou outras importantes transformações sociais, enfatizando o desleixo para com os aspectos culturais.

[...] pecuária não dá emprego! A pecuária que entra em Amargosa tira emprego. Um único vaqueiro toma conta de 200 cabeças de gado, diferentemente do que ocorre na lavoura. Essa era uma região produtiva. E no decorrer desse período nós fomos perdendo outras coisas boas em

179 180

Cf. ANDRADE, Valter. Entrevista concedida em 22 de fev. de 2011. SOUZA, José Acúrcio Formigli de Souza. Entrevista concedida em 22 de fevereiro de 2011.

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Amargosa: ‘A Filarmônica, o Lions Club, o Clube Alvorada’. E para onde vai esse povo desempregado? Passamos então a exportar analfabetos.181

Essas alterações econômicas pelas quais passaram o município, não fugiram à tônica que atravessou a Bahia no fim do século XX, mormente nos anos de 1990, quando as variações na economia brasileira promoveram oscilações na economia do estado da Bahia, cujo lastro econômico passou a ser o turismo, as indústrias de transformação e automobilísticas. Esse processo se iniciou a partir de 1967, quando o turismo na Bahia ainda pouco representativo, passou a ser explorado de forma planejada. Foram criados então órgãos especializados em turismo como a BAHIATURSA, a CONBAHIA e a EMTUR182, e projetos de valorização dos recursos naturais e do Patrimônio Histórico passaram a ser implantados lentamente. Hoje a indústria do turismo é uma das maiores geradoras de divisas do estado, focalizando cidades litorâneas como Salvador, Ilhéus e Porto Seguro entre outras. Além do turismo sazonal, promovido pela festa de São João, a pecuária bovina de corte e leite em propriedades de médio porte, inserida nos anos 70 do século passado como alternativa às crises do café, fumo e cacau respectivamente; embora passando por dificuldades devido ao custo dos insumos, vem sustentando a economia atual juntamente com os pequenos produtores do setor primário, que representam a maior parte da população ativa do município. Estes exercem as culturas de subsistência tendo a mandioca como a mais importante, com ênfase para banana, milho, feijão, fumo e amendoim, que são os sustentáculos da pequena produção. Ainda nas pequenas e médias propriedades, persistem os cultivos do cacau, café e cana-de-açúcar. A Amargosa hodierna não se circunscreve apenas à Praça de Feira e adjacências, tão pouco se anda mais de trem. O município possui ligação com as BR-101 e BR-116, e, também, Rodovia Amargosa - Mutuípe, por onde transitam, além de veículos particulares, quatro linhas de ônibus intermunicipal, que interligam os municípios e conduzem à capital baiana. A cidade conta ainda com indústrias de pequeno porte, com a produção voltada para o consumo interno e municípios circunvizinhos, além de quatro micro-usinas de leite em 181

CORREIA, José. Entrevista concedida em 22 de fevereiro de 2011. Grifo nosso. O depoente se refere aos clubes sociais de Amargosa, que promoviam as atividades culturais locais. 182 A BAHIATURSA é o órgão oficial de turismo da Bahia, responsável pela coordenação e execução de políticas de promoção, fomento e desenvolvimento do turismo no estado;

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funcionamento e duas torrefações de café. São mais de trinta casas de farinha e olarias de caráter artesanal, além das serrarias e fábricas de móveis. Embora os números evidenciem uma retomada no crescimento do município, após um longo período de estagnação econômica, principalmente após a chegada de uma fábrica de calçados, a Daiby, que emprega aproximadamente 400 pessoas, e a implantação da UFRB – Universidade Federal do Recôncavo Baiano, muitos comerciantes locais mantêm a tradição do comércio na feira. Não obstante o panorama aqui traçado da cidade de Amargosa, em seus aspectos econômicos e sociais, que envolveram o apogeu e declínio da produção de café e, posteriormente, do fumo, enquanto a economia da cidade vivia suas oscilações, desde os anos de 1920, perdurando até os anos de 1980, paralelamente, o menino Gilberto seguia em seus estudos, preparando-se para dar início à sua trajetória sacerdotal que viria em seguida. Durante catorze anos dedicou-se aos estudos que incluíam disciplinas como teologia e filosofia, tendo permanecido afastado de seminário apenas por um ano, quando prestou serviço militar. Na manhã de um domingo, logo cedo, em 15 de Junho de 1952, aos 25 anos de idade, foi ordenado padre. A celebração foi realizada pelo Bispo da Diocese de Amargosa à época, Dom Florêncio Sizínio Vieira, na presença de muitos amigos e familiares, e mais 32 seminaristas, dentre os quais se destacavam os colegas José Clarêncio e Manoel Moura, que também foram ordenados sacerdotes oito dias depois. Foi um dia de muita comemoração para toda a família, e um momento de reafirmação do respeito que os familiares, sobretudo os irmãos lhe devotavam.183 No início da noite de sua ordenação, os festejos familiares tornaram-se maiores ainda, quando Padre Gilberto celebrou seu primeiro casamento, que, para aumentar a felicidade de todos ali presentes, era o de sua irmã Hilda. A comemoração dos dois importantes acontecimentos para aquela família durou quatro dias. Encerrada a festa, o Padre retornou à capital baiana, onde permaneceu trabalhando na periferia da cidade até dezembro daquele mesmo ano, no bairro de Plataforma.184 Em primeiro de janeiro de Janeiro do ano de 1953, após retornar de Salvador, Padre Gilberto foi vigário pela primeira vez, assumindo a paróquia de São Miguel das Matas, juntamente com Laje e Mutuípe. Naquela ocasião, Mutuípe, pertencia à Paróquia de Jiquiriçá, mas também era atendida pelo Padre. Após ficar durante alguns anos nas cidades de São

183 184

SAMPAIO, Hilda Vaz, entrevista realizada em 23 de abril de 2010. Idem.

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Miguel das Matas, Laje e Mutuipe, ao mesmo tempo, a partir de 1962, passou a ficar apenas em São Miguel das Matas e Lage. Em todas as comunidades que passou a partir daí, inclusive na Diocese de Amargosa, Padre Gilberto foi peça fundamental no meio rural e urbano, na organização dos movimentos populares e na conversão de fiéis. Não importando as adversidades ou distâncias a serem percorridas, debaixo de sol ou chuva, Padre Gilberto persistia na sua proposta evangelizadora. Celebrava missas numa Igreja cheia de fiéis ou com apenas três pessoas.

3.2 SÃO MIGUEL DAS MATAS: EVANGELIZAÇÃO PARA A CIDADANIA, RESISTÊNCIA E LUTA.

Nas décadas de 1950 a 1960, a Igreja Católica assumiu no Brasil um papel de articulação na sociedade civil, em busca dos direitos dos trabalhadores, da reforma agrária, em defesa dos direitos humanos e das liberdades democráticas. Essa conduta, diferentemente da postura conciliatória adotada durante o Estado Novo, veio através da CNBB, fundada em 1952, por iniciativa de D. Hélder Câmara. , a Igreja assumiu Foi dentro desse modo de atuação da Ação Católica, integrada cada vez mais à sociedade civil e aos movimentos sociais, que se iniciou a caminhada sacerdotal do “Padre Gilberto”, a partir de sua ordenação.185 A cidade para a qual Padre Gilberto havia sido indicado pároco está localizada a 220 quilômetros da capital baiana, numa região de clima ameno, no Vale do Jiquiriçá. Antiga São Miguel da Aldeia, a cidade foi emancipada em 1891 e originou-se a partir das aldeias indígena Sabujás – ou Sapuiás – e Cariris, ou Sapuiás-Cariris, que tiveram suas terras tomadas e doadas como sesmarias.186 No entorno das propriedades dos indígenas Sapucaiás que ali habitavam, surgiram as primeiras propriedades rurais dos brancos. No início do século XIX, em 24 de novembro de 1823, o “lugarejo São Miguel da Aldeia” (freguesia inicialmente pertencente à vila de 185

Cf. AZEVEDO, Dermi. A Igreja Católica e seu papel político no Brasil. Revista Estudos Avançados. [online]. 2004, vol.18, n.52, pp. 109-120. ISSN 0103-4014. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S010340142004000300009> . Acessado em março de 2011. 186 AMORIM, Jorge. “IMAGINAÇÃO QUE DEU CERTO” - Processo de emancipação de Varzedo: local, região, política e criação de um município da Bahia, Brasil (1985 – 1989). Dissertação de mestrado em História Contemporânea. Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras - Departamento de História. Lisboa, Portugal, 2009, p. 94 a 98.

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Jaguaripe, e, em seguida, à vila de Nazaré, que se emancipou de Jaguaripe, em 1831), foi elevado à categoria de “freguesia de São Miguel da Aldeia”. A acanhada freguesia avançava graças às culturas do café, seguida da mandioca, cana-de-açúcar, e do cultivo de flores, até que, em 29 de maio de 1880, desvinculou-se de Nazaré para fazer parte da recém criada vila de Santo Antônio de Jesus, até que por meio do Decreto de 1º de junho de 1891, São Miguel alcançou sua autonomia.187 Essa autonomia também foi atingida sob a liderança de um sacerdote: o Padre Pompílio. O governador atendeu a um pedido oficial do então administrador, que por sua vez recebeu ao rogo do padre, primo do Capitão José Rodrigues da Costa, que se tornou o primeiro Intendente após a emancipação de São Miguel. “[...] Nessa troca de favores, o novo município obteve a sua autonomia através da intervenção direta de dois poderes estatais: a do intendente (município) Dr. Eduardo Augusto da Silva e a do governador (Estado) Dr. José Gonçalves da Silva [...].”188 Entretanto, o historiador Jorge Amorim, ao referir-se os poderes atuantes na esfera política de São Miguel das Matas, deixou de citar talvez o mais presente de todos eles: o poder religioso. Bourdieu explica que Durkheim, ao lançar os fundamentos de uma “sociologia das formas simbólicas”, como base empírica para ordenação lógica do mundo, estava apontando que o poder simbólico se manifesta por meio de sistemas simbólicos que, por sua vez, são estruturas estruturantes como a arte, a religião, a língua. Os sistemas simbólicos constituem um poder estruturante porque são estruturados. Esses símbolos têm a função principal de integração social, que promovem sentido ao mundo social, e assim, um consenso sobre a ordem estabelecida.189 Desse modo, o poder simbólico estruturado, possui um corpo de especialistas responsáveis pelas produções dos sistemas simbólicos, cada um em sua área específica de atuação. Assim, a produção de valores (doxa), aceitos como opinião geral, e que sustentariam o poder estabelecido no âmbito de cada campo.190 Em São Miguel das Matas, uma cidade extremamente religiosa, o poder religioso personificado nos padres que por ali passaram, chegou a confrontar muitas vezes com o poder político local. Começou pelo Padre Pompílio, no episódio da emancipação do município, 187

Ibidem. AMORIM, Jorge. Op. cit. p. 95. 189 BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sergio Miceli. São Paulo – SP. Perspectiva, 2007, pp. 28 a 47. 190 Ibidem. 188

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passou por Padre João Felix “[...] que conseguiu, com o apoio dos fiéis, derrotar os políticos velhos e eleger Ademário Vilas Boas, que, no decorrer dos tempos, tornou-se um verdadeiro carrasco e perseguidor da Igreja e dos padres”191; e foi nesse contexto político religioso, que Padre Gilberto chegou a São Miguel das Matas, disposto a levar uma mensagem evangélica de ação e participação ao povo de lá. Para se deslocar de uma comunidade a outra, Padre Gilberto ia a lombo de burro. “Beija-Flor” foi o primeiro deles, depois comprou uma lambreta que o anunciava a centenas de metros de distância, por conta do barulho que fazia. Em seguida, um Jipe verde oliva, depois veio o fusca, e, por fim, foi presenteado com um automóvel Gol, pela paróquia de Varzedo, seu último meio de transporte.

Imagem12: Padre Gilberto montado em Beija-flor, em uma de suas primeiras viagens a São Miguel das Matas. Fonte: Arquivo pessoal de D. Hilda Vaz. Sem datação e créditos estabelecidos.

191

FIGUÊREDO, Manoel Acúrcio. Filho de Antônio Emídio Figuerêdo e Maria Alice Figuerêdo nasceu em 19 de julho de 1920 no atual município de Varzedo. Pai de Padre Cristóvão, atual pároco de Amargosa, foi preso e perseguido em São Miguel das Matas, por ter atuado com muita fibra nos movimentos de organização do campo junto ao padre Gilberto. As falas dele aqui utilizadas fazem parte do arquivo pessoal de Padre Cristovão e resultam de entrevista realizada no ano de 2007, pelo Padre Esmeraldo Barreto de Farias, atualmente Bispo de Paulo Afonso, BA.

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Lá chegando, a situação com a qual se deparou dava conta de uma população extremamente carente e relegada ao abandono pelo poder público local. Havia muitos fazendeiros e as famílias trabalhavam de meia e de arrendamento. O ganho auferido era muito baixo e a maioria trabalhava com fome. A maioria vivia do que plantavam: mandioca, batata, manga, café, banana, aipim e um pouco de tudo para o consumo. As moradias eram as piores possíveis, pois a maioria delas era coberta de palha e feita de taipa. Outro fator que piorava as coisas era a falta de transporte. Os transportes eram a rural de “Maneca” e o carro de Júlio que faziam linha em dias diferentes e iam para Lage, Amargosa e cidades circunvizinhas.192 Sem luz e sem estradas, as camadas empobrecidas viviam à base de querosene nos candeeiros para a locomoção à noite, o que trazia muitos problemas à saúde. Em fins da década de 1940 e início de 1950 houve o racionamento de alguns produtos, incluindo combustíveis. Para os menos abastados, comprar um litro que fosse de querosene, era muito difícil, pois tinham que enfrentar enormes filas sob sol forte ou chuva.193 Os estudos se limitavam aos esforços dos professores locais, que em meio à difícil realidade, partilhavam seus conhecimentos. Dentre estes, Padre Gilberto, que fundou o Ginásio 8 de Dezembro. A produção preponderante era a mandioca e a maioria do povo dela vivia. Com um sistema de saúde precário, ou quase inexistente, a população recorria ao “Gilberto da Farmácia ou às rezadeiras que com suas beberagens e remédios caseiros recuperavam nossa saúde. As rezadeiras é que nos rezavam e prescreviam o chá que a gente tomava... tudo criado pela graça. Foi a graça de Deus agindo em tudo que nos trouxe até aqui.”194 Sem terra própria, a maioria da população partia para trabalhar nas terras dos outros a troco de migalhas como pagamento, enquanto uma minúscula parcela da sociedade detinha o poder econômico e político.

Aos 17 anos, eu trabalhava 12 horas por dia para ganhar Cr$500 réis, sem direito a uma laranja. Ganhava menos que meu pai, porque era de menor. Com esse dinheiro que ganhava, eu comprava 100 gramas de carne, meio litro de farinha, uma cebola e acabava o dinheiro. À noite, ia para o rio pegar 192

FIGUERÊDO, Padre Cristovão Reis Brito de. Entrevista concedida aos 02 de agosto de 2011. Padre Cristovão nasceu em São Miguel das Matas aos 06 de Janeiro de 1964, tendo sido criado na zona rural. No ano de 1979, foi estudar em Nazaré, durante 3 anos, onde concluiu o 2º grau. Daí seguiu para Amargosa, passou 3 anos e seguiu para o Rio de Janeiro, onde estudou filosofia e teologia. Retornou à Diocese e aos 12 de maio de 1991 foi ordenado padre. Atualmente é o vigário Geral de Amargosa. 193 FIGUÊREDO, Manoel Acúrcio. Entrevista realizada no ano de 2007. 194 FIGUERÊDO, Padre Cristovão Reis Brito de. Entrevista concedida aos 02 de agosto de 2011.

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alguns peixes... Ao voltar do rio, com a roupa molhada, já cansado e abatido pelo sacrifício do dia e sem ter roupa para trocar, deitava e acabava dormindo com a roupa molhada, que enxugava com o calor do corpo. Até esse tempo eu sofria sem saber por que sofria. Eu passei a sofrer mesmo, foi quando descobri que era explorado. Tomei consciência da realidade e comecei a mudar.195

A força do depoimento de Sr. Acúrsio é tão grande quanto o empenho com o qual abraçou os movimentos de Ação Católica. “Quanto à participação na vida da Igreja, comecei a me integrar mesmo foi em 1942, porque gostava da maneira de trabalhar e confiava em Deus. Aí fui crescendo aos poucos. Cada ano que passava, via as coisas com olhos diferentes”.196 Paralelamente ao movimento de transformação interior que lhe ocorria, a Igreja Católica também se reformulava, a partir de reflexões e ações que mais tarde desembocaram na Teologia da Libertação. Em 1952, o missionário presbiteriano Richard Shaull chegou ao Brasil trazendo o Evangelho Social e criou uma estreita relação com os pastores presbiterianos Rubem Alves e Jaime Wright. Em 1964 o teólogo reformado Jürgen Moltmann publicou sua obra “Teologia da Esperança”. Em 1965, o teólogo batista Harvey Cox publicou “A Cidade Secular” e, em 1967, o teólogo católico Johann Baptist Metz pronunciou a conferência sobre “A Teologia do Mundo”. Porém, a publicação considerada o marco do nascimento da “Teologia da Libertação” foi a obra “A Theology of Human Hope”, de Rubem Alves, resultado de sua tese de doutoramento em teologia, publicada inicialmente nos Estados Unidos pela editora católica Corpus Books e no Brasil pela Papirus (“Da Esperança”), numa tradução de João Francisco Duarte Junior. Rubem Alves propunha o nascimento de novas comunidades de cristãos comprometidos com a libertação humana, numa nova roupagem dada à linguagem teológica que se tornou histórica, “Um dos primeiros brotos daquilo que posteriormente recebeu o nome de Teoria da Libertação.”197 Enquanto isso, na esfera local, ao perceber a situação da grande maioria da população que ali vivia, no ano de 1952, Padre Gilberto fundou a Congregação Mariana de São Miguel das Matas, associação pública de leigos e católicos, fundada no Brasil ainda no período colonial. Em 1957, envolveu-se no Movimento da Ação Católica, participando do grupo de 195

FIGUÊREDO, Manoel Acúrcio. Entrevista concedida em 2007. Arquivo pessoal de Padre Cristovão. Ibidem. 197 GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 5ª Edição. São Paulo: Ática, 1997, passim.  As Congregações Marianas existiram no período colonial, sobretudo nos Colégios da Companhia de Jesus, mas praticamente desapareceram do país com a expulsão dos jesuítas, em 1759. Em 1870, foi fundada novamente 196

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Juventude Agrária Católica (JAC), neste grupo se doou de corpo e alma durante muito tempo, chegou a ser Assistente Estadual em todo o Estado da Bahia e fez com que São Miguel das Matas recebesse o titulo de Paróquia Pioneira do Movimento Jacista. Em 1960, mobilizou a comunidade na construção de casas populares para pessoas carentes, e, em 1964, fundou o Colégio Normal, do qual foi o primeiro diretor.198

Imagem 13: Uma das reuniões do grupo JAC em São Miguel das Matas, realizada no ano de 1958. Crédito pertencente a Maria Júlia dos Santos Souza, s.d.. Foto pertencente ao arquivo pessoal de Aricelma Araújo dos Santos.

Padre Cristovão199 definiu a JAC como um movimento organizado para os jovens rurais, visando um despertar de consciência para os seus deveres diante de Deus e do próximo, no sentido mais humano e cristão da vida. O foco estava na educação, organização e mobilização em busca dos direitos sociais e políticos das pessoas excluídas social, política e economicamente. Nesse sentido, as reuniões realizadas pelo Padre Gilberto iam além do conforto espiritual e instigavam a busca do conforto material, tomando deste como meio de expandir as liberdades que são determinadas essencialmente por saúde, educação e direitos civis. Desse modo, proferia palestra para os jovens de São Miguel sobre técnicas agrícolas e maneiras de melhorar o plantio utilizando a irrigação e adubação corretas, coisas ignoradas na época.

uma Congregação Mariana, em Itu, Estado de São Paulo, e, a partir de então, disseminaram por todo o país. A esse respeito ver Portal Católico, disponível em: < http://www.portalcatolico.org.br/>>. 198 Cf. FIGUERÊDO, Padre Cristovão Reis Brito de. Entrevista concedida aos 02 de agosto de 2011. Somados às informações obtidas junto à secretaria da Paróquia de Amargosa. 199 Idem.

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Assim, o compromisso com o desenvolvimento significava também a possibilidade de liberdade.200 Com tais inovações, os donos de fazendas se assustaram e ficaram temerosos de que esse avanço os prejudicasse, o que fez com que a convivência de Padre Gilberto com os políticos locais não fosse das mais pacíficas. Para o Sr. Acúrcio, os anos iniciais de 1960 representaram uma época de esperanças. A Igreja começou a incentivar seus fieis com a Reforma de Base. Faziam-se muitas reuniões. Foi nesse período que ele ligou-se ao MEB. As lembranças que brotam na fala do Sr. Acúrcio expressam saudade de um momento especial, como ele próprio revela, de esperanças e transformações individuais e coletivas; que remetem à reflexão do quão a experiência religiosa influencia os sujeitos históricos, dentro de um determinado contexto, e de maneira inconteste, nos aspectos cultural, social e político. Desse modo, “a religião é um aspecto importante da realidade humana e parece ser indissociável do processo social, pois permite o desenvolvimento das convicções e valores, contribuindo de maneira decisiva para a formação de diversos tipos de comunidades”201, a exemplo do ocorrido em São Miguel das Matas. Assim, a Igreja Católica ensaiava naquele momento os primeiros passos a caminho do que mais tarde (de maneira mais incisiva na década de 1970) viria desaguar na Teologia da Libertação. A questão que permeava a discussão da iminente necessidade de uma tomada de posição desta frente às profundas desigualdades sociais que assolavam o chamado “Terceiro Mundo”, e, sobretudo, a América Latina, que além da fome e miséria se via violentada em suas liberdades individuais ante as Ditaduras Militares, era a seguinte: "Como ser cristãos num mundo de miseráveis?”202 A realidade urgia uma reformulação nas ações da Igreja. Até então, a atuação da Igreja assumia um caráter assistencialista e reformista. O primeiro, embora ajudasse o indivíduo, aviltava a sua dignidade e o submetia a uma relação

200

Idem. Movimento de Educação de Base, criado no Brasil pela CNBB, em 1961, objetivando desenvolver um programa de educação de base por meio de escolas radiofônicas, nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, expandido uma experiência de educação pelo rádio realizada pelos bispos brasileiros na Região Nordeste, principalmente no Rio Grande do Norte e em Sergipe, nos anos de 1950. 201 MUNIZ, Beatriz, Eliane Hojoij Gouveia, José Rubens Lima Jardilino (Org.). Sociologia da Religião no Brasil. São Paulo. PUC/SP,UMEP,SRES, 1998. p. 52. Apud SANTOS, Rita Evejânia dos. Interação Fé e Vida - A caminhada das comunidades eclesiais de base em Feira de Santana - 1980 a 2000. 2010. 121f. Monografia apresentada à Universidade Estadual de Feira de Santana – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – Colegiado de História. Feira de Santana – BA. 2010, p.12. 202 BOFF, Leonardo, BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. 8ª Edição. Editora Vozes. PetrópolisRJ. 2001, p. 11. 

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de dependência, tornando-o “objeto de caridade”.203 Enquanto o segundo podia levar a grande desenvolvimento técnico e industrial, mas a custa dos pobres, porquanto mantém o tipo de relações sociais e a estrutura básica da sociedade. A palavra de ordem passa ser então “libertação”. Porém, num sentido mais amplo: libertar da fome, da ignorância, de toda forma de opressão e das discriminações raciais e de gênero. Uma década depois, uma visão mais ampla da libertação passa a ser almejada, na qual se inserem as questões das minorias e da ecologia.204 A comunidade de São Miguel, então, tomada pelo discurso libertador, adquiria outras feições e se posicionava de maneira menos passiva ante o que lhes afligia. Até então, as famílias que ali se instalavam tinham histórias de vida muito próximas às de Otaciano e, na maioria das vezes, acomodavam-se ante a pobreza, resignados e crédulos de que esta fazia parte dos desígnios de Deus.

Eu saí de Castro Alves e fui para São Miguel em 1948, porque não tinha terra para trabalhar. Saí da companhia de meu pai e fui morar num terreno, como rendeiro. Casei-me e fui morar numa fazenda em São Miguel. Morei em um lugar chamado Ponto da Serra. Fui rendeiro. Em 1955, pela dificuldade de encontrar trabalho, fui para uma fazendinha e trabalhava como meeiro.205

A vida naquele lugar era vivida com muita dificuldade e faltava quase tudo. Havia grande dificuldade para o transporte, saúde e escola. As relações trabalhistas se estabeleciam sob regime de domínio e subserviência.

Quem tinha unha maior, subia na parede. Os que tinham, se achavam mais importantes e faziam dos pequenos seus escravos. Exemplo: numa fazenda onde eu morava, o patrão só emprestava cinco litros de farinha, se a gente pudesse pagar dois ou três dias depois. Eles não tinham interesse em ajudar o meeiro ou o rendeiro. Meu companheiro ficou prejudicado, quando uma parede caiu por cima dele e o patrão não deu importância. Eram os pobres que ajudavam este companheiro. Eu pensava assim: “De um pão a gente tira um pedaço”. Não ajudava ninguém com interesse de ter lucro. Um fazendeiro de café me disse: “Em lugar de botar filho na escola, bote para apanhar café, que dá mais resultado.”206

203

Idem. Op. cit., p.16. Ibidem. 205 MOURA, Otaciano Barbosa de. Entrevista realizada pelo Padre Esmeraldo Barreto de Farias, atualmente Bispo de Paulo Afonso, BA, realizada na cidade de Nazaré aos 7 de janeiro de 2007. 206 Idem. 204

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Nas reuniões da Congregação Mariana, sempre pregando dentro da filosofia do evangelho, Padre Gilberto procurava esclarecer a população quanto aos direitos dos trabalhadores. Em seguida, organizou um grupo de catequistas e zeladores e criou a festa do agricultor, que começou em “Ponto de Serra”, interior de São Miguel. A festa, que é realizada até os dias de hoje, consiste numa grande feira organizada pelo setor agrícola, onde cada um deles traz um produto: milho, laranja, mandioca, sobretudo, os principais plantios da região. Inicialmente, a festa tinha por objetivo orientar os trabalhadores quanto às tecnologias agrícolas, no sentido de aumentar a produção e melhorar a renda familiar. Não se falava nos sofrimentos dos agricultores. Mas, o movimento foi crescendo e a festa passou a ser também um espaço de conscientização, voltado para a catequese numa maior ligação com a vida e esclarecimento dos direitos. Com o passar do tempo, a feira passou a atrair a atenção dos políticos locais, que se aproveitando da aglomeração popular e da ocasião festiva, utilizando um discurso pseudoreligioso, transformaram o espaço em palanque político para combater o comunismo. “Os políticos também distribuíam o retrato de padroeiro com seus retratos. Eu sofria muito com essa situação.”207 São Miguel das Matas vivenciava desta forma uma intensa experiência pastoral. Depois da JAC, vieram ainda a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Juventude Estudantil Católica (JEC). A Pastoral da Juventude, desse modo, atuava nos mais diversos ambientes. Esse trabalho de evangelização era pautado na situação política econômica e social local. Por isso, São Miguel das Matas ainda hoje é vista como uma cidade que alavancou essa pastoral. O trabalho desenvolvido pela Pastoral da Juventude, em diferentes frentes, foi criando nas lideranças políticas locais uma inveja e um ciúme muito grande.208 Dentre esse, Ademário Vilas Boas, que até hoje vive, e que, na opinião de Padre Cristovão209, não só não entendeu ou acolheu a dimensão do trabalho humano de Padre Gilberto, mas como também se tornou seu principal carrasco e perseguidor. Padre Gilberto queria muito promover o desenvolvimento humano em São Miguel, e isso foi um grande problema, pois daí se originou as perseguições.

207

FIGUERÊDO, Manoel Acúrcio. Entrevistas pertencentes ao arquivo pessoal de padre Cristovão, realizada no ano de 2007. 208 FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. 209 Idem.

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Tratava-se de pessoas analfabetas que não tinham grandes conhecimentos e não entendiam de leis, nem nada, mas que tinham sonhos e queriam que esses sonhos fossem realizados. E quais eram esses sonhos? Ter vida digna, serem respeitados nos seus direitos e deveres também que cumpriam e acima de tudo serem vistos como pessoas humanas, era por isso que lutavam e queriam o direito de permanecer na terra, de ter condições de tirar da terra o sustento.210

Às lembranças de Padre Cristovão se soma a emoção de rememorar sua história de vida. De família grande, como costumavam ser as famílias daquela época. Seus pais tinham doze filhos e moravam na zona rural, de onde tinham que tirar o sustento e promover a educação de todos, sem ninguém que pudesse dar um respaldo a esta família. “Padre Gilberto foi essa pessoa que nos trouxe luz.”211 Essa percepção de que Padre Gilberto foi alguém que norteou e aportou referências ao lugar, está presente na fala de diversos outros entrevistados. Ainda hoje, em alguns encontros nacionais onde Padre Cristovão se faz presente, quando se retoma a questão da evangelização na Igreja, principalmente nos anos 1950 e 1960, São Miguel das Matas é apresentado como um local que, apesar de minúsculo em relação às cidades circunvizinhas, tornou-se o embrião da disseminação da pastoral jovem. Em sua opinião, o sucesso ocorreu pelo fato das pessoas que se envolveram naquela luta terem abraçado a causa com muita responsabilidade e empenho. “Não ficou apenas sob responsabilidade do Padre. Ele apresentou uma proposta, lançou um projeto e as pessoas acolheram, acreditaram e abraçaram de unhas e dentes. Acreditaram naquilo que lhes estava sendo apresentado e desenvolveram os projetos.”212 Essa atitude fez de São Miguel um espaço onde se refletia naquele instante as alterações a caminho de um novo modelo eclesiástico com desdobramentos sociais. “Cada sujeito se situa num espaço concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica, posto que o lugar tem usos e sentidos em si.”213 A vida pedia licença para se redesenhar na voz das escolas radiofônicas implantadas na cidade por Padre Gilberto e, em seguida, na fundação do sindicato dos trabalhadores rurais de São Miguel das Matas. Além da importância do sindicato em si, o interesse em fazê-lo almejava a criação da Federação e Confederação, estabelecendo conexões mais amplas, e promovendo a ampliação do diálogo e unindo forças. 210

Ibidem. Ibidem. 212 Idem. 213 CARLOS, Ana Fani. Op. cit., p. 22. 211

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No dia 08 de setembro de 1963, foi fundado o STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel das Matas, cujo objetivo maior era defender os direitos do homem do campo. O Sr. Acúrcio se viu tão tocado por aquele momento de descobertas, renovações e possibilidades, que decidiu voltar a estudar. “Para melhor servir, entrei na escola. Mas, por falta de tempo fiquei apenas como ouvinte, já que não podia freqüentar a escola regularmente.”214 Para fundar o sindicato, foi preciso todo um trabalho de conscientização com os trabalhadores rurais e suas famílias. O resultado dessas incursões foi a revolta dos patrões, que expulsaram de suas fazendas os trabalhadores que ousaram se filiar ao sindicato. Diante da situação dos trabalhadores, o sindicato através de um representante legal (advogado), convocou uma reunião com os fazendeiros na tentativa de apaziguar os ânimos. Os fazendeiros acusaram o sindicato de comunista e Ademário, por sua vez, jogou o povo contra os patrões, procurando eximir-se de responsabilidades ou participação no tensionamento de forças que ali se estabelecia. Os ex-sindicalistas Acúrcio e Otaciano consideraram

que

embora o resultado do confronto tenha resultado em perdas e ganhos para os dois lados, foi um bom começo e valeu a pena.215

Eu fiquei como Tesoureiro da Federação, fundada entre 15 e 19 de dezembro de 1963, e também como Tesoureiro da Confederação fundada em dezembro de 63, no Rio de Janeiro. Havia aí um representante de João Goulart. Havia representantes de Federações de Sindicatos de quase todos os Estados [...]. [...] É bom lembrar, que tudo que era feito tinha o apoio e a cobertura do Padre Gilberto Vaz Sampaio, homem de coragem, que não se acovardou mediante as ameaças. Nunca, em momento algum, deixou os trabalhadores sozinhos.216

As ações de Padre Gilberto estavam alicerçadas no processo de mudanças no papel sociopolítico da Igreja, e consequentemente, em consonância com o pensamento de seu mentor maior, o Papa João XXIII, que também aspirava por estas renovações na Igreja. Durante o Vaticano II, em 1964, a Assembléia Geral da CNBB, realizada em Roma, decidiu adotar o Planejamento Pastoral como seu instrumento metodológico de renovação. No Brasil, este processo concretizou-se em 1965, através de uma elaboração do episcopado brasileiro,

214

FIGUERÊDO, Manoel Acúrcio. Entrevistas pertencentes ao arquivo pessoal de padre Cristovão, realizada no ano de 2007. 215 Cf. Depoimentos de Figuerêdo e Otaciano. Entrevistas concedidas em 2007. 216 Idem.

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chamado de Plano de Pastoral de Conjunto- PPC, visto como uma ferramenta para estimular uma renovação dentro da Igreja.217 O reforço nessa direção veio alguns anos mais tarde, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas, realizadas em Medellín, Colômbia, em 1968; em Puebla, México, em 1979; e em Santo Domingo, República Dominicana, em 1982. Estes conduziram a Igreja a uma atuação mais comprometida para com os pobres e excluídos na sociedade brasileira. No Brasil, especificamente, a CNBB manteve uma linha de trabalho intervindo diante dos problemas nacionais enfrentados. Nesse sentido, três documentos: “Exigências cristãs de uma ordem política”, “Igreja e problemas da terra” e “Solo urbano e ação pastoral”; repercutiram com vigor na sociedade.218 As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, disseminadas por todo o Brasil, foram outro importante suporte à renovação interna da Igreja Católica, principalmente a partir dos anos 1970, e também muito contribuíram ao cenário nacional com práticas sociais transformadoras.

Em alguns momentos, acabaram sendo decisiva na organização de

manifestações populares frente os problemas locais. Padre Gilberto costumava participar ativa e assiduamente de muitos encontros em diversas Dioceses. Lá ele ouvia e aprendia novos conceitos e os aplicava na Diocese de Amargosa. Por vezes, os paroquianos não entendiam os conceitos e a amplitude da renovação proposta, porquanto do ponto de vista católico, as ideias apresentadas buscavam impulsar as ações transformadoras a partir de uma compreensão crítica da realidade. Estas, por sua vez, implicavam em rupturas, reaprendizagens e enfrentamentos. Ainda que criticado ou incompreendido muitas vezes, Padre Gilberto foi indubitavelmente peça fundamental na divulgação do PPC e na disseminação na nova moral Cristã Católica e suas práticas, em todas as paróquias vinculadas à diocese de Amargosa tanto no meio rural como no meio urbano. Esse engajamento fez com que seus detratores o tachassem de comunista, quando do Golpe civil-militar ocorrido no Brasil em 1964.219 Com o Golpe, o sindicato dos trabalhadores foi extinto, foram anunciadas as prisões de Acúrcio, no dia 06 de abril de 1964, de Otaciano, que foi levado para Salvador e ficou 74 dias preso, e do Padre Gilberto, que assim que soube do ocorrido com o amigo Acúrcio 217

AZEVEDO, Dermi. Op. cit, p.112. Idem, p.113. 219 Numa referência ao conceito de Campo religioso (Bourdieu) construído dentro da dinâmica social, que envolve um conjunto de relações sociais e políticas. A esse respeito ver BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992. 218

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bradou que se tivesse alguém que ser preso, que fosse ele e não trabalhadores com família. Entretanto, ante os horrores da repressão, acabou convencido a se refugiar em uma fazenda da região, até que fosse revogada sua prisão por interveniência de D. Florêncio, primeiro bispo diocesano de Amargosa e mais algumas outras pessoas da comunidade de São Miguel, que saíram em sua defesa.220 Importante ressaltar que o enfrentamento dos regimes militares por parte dos bispos, quer seja através das conferências episcopais nacionais, quer por atitudes isoladas de bispos, como Dom Hélder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Paulo Evaristo Arns, dentre outros, fortaleceu a Teologia da Libertação, em razão do aumento do engajamento de grupos cristãos na política e duma maior interação da Igreja com a sociedade civil. Dermi Azevedo aponta para o fato de que esse papel vanguardista, desempenhado pela Igreja no Brasil na luta contra o golpe militar de 1964, através da CNBB, deu-se em razão da falta de um partido democrático cristão de fato atuante, papel este que acabou sendo assumido pelos movimentos católicos leigos.221 Acúrcio logo foi solto, mas as perseguições continuaram, inclusive em relação ao pequeno negócio, um açougue, que ele havia conseguido abrir. Ao tentar qualquer tipo de operação bancária ou empréstimos, subsídio qualquer, não conseguia. “Na hora de liberar dinheiro, o recurso, pediam o aval e falavam que só poderia ser Zinho (então delegado) ou Ademário. Só conseguia através de Ernesto, de Santo Antonio de Jesus.”222 Naquele ano não houve a Festa do Agricultor, todo esse trabalho, a implantação dos sindicatos, a escola radiofônica que tinha o MEB, e todas as pessoas envolvidas com esse trabalho foram acusadas por Ademário de subversivas e comunistas. A propósito dessas definições de comunismo, quando Otaciano foi preso e levado a interrogatório pelo coronel do Q.G de Salvador, este lhe perguntou se ele sabia o que era comunismo. Sua resposta foi: “Ouço falar, mas não sei o que significa”. Para aquele povo simples, a luta à qual haviam se engajado, consistia tão somente em caminhar no sentido de no futuro alcançar uma vida melhor para os trabalhadores.223 Embora no ano de 1964 não tenha havido a festa do agricultor, no ano seguinte Padre Gilberto foi a Salvador e conseguiu suspender a proibição de realização da festa. Na opinião

220

FIGUERÊDO, Cristovão. Entrevista concedida em 2 de agosto de 2011. AZEVEDO, Dermi. Op. cit., 109 a 112. 222 FIGUERÊDO, Acúrcio. Depoimento concedido em 2007. Arquivo pessoal de Padre Cristovão. Grifo nosso. 223 MOURA, Otaciano Barbosa de. Depoimento concedido em 2007. Arquivo pessoal de Padre Cristovão. 221

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de Acúrcio, apesar das ameaças locais, foi a maior festa do agricultor que ele presenciou, como uma verdadeira resposta do povo ao que estava acontecendo. Otaciano, por sua vez, referiu-se à festa como sem graça e sem ânimo, pois “o povo se acostumou com o movimento, mas não se conscientizou”. Essa divergência presente nas lembranças de cada um reflete um dos grandes desafios da História Oral.

[...] em uma entrevista ou depoimento fala o jovem do passado, pela voz do adulto, ou do ancião do tempo presente. Adulto que traz em si memórias de suas experiências e também memórias a ele repassadas, mas filtradas por ele mesmo, ao disseminá-las. Fala-se em um tempo sobre um outro tempo. Enfim, registram-se sentimentos, testemunhos, visões, interpretações, em uma narrativa encontrada pelas emoções do ontem, renovadas ou avaliadas pelas emoções do hoje.224

As avaliações de Otaciano e Acúrcio estão impregnadas das emoções e sentimentos vivenciados por cada um, como as lembranças de Padre Cristovão e Laurentina (esposa de Acúrcio), que se seguem. São as marcas que cada um carrega e significa a partir de suas próprias reflexões. Acúrcio ia ser preso. Fugiu de casa, levou 15 dias dormindo no mato, tinha medo que ele morresse. Sempre, à noite, um policial aparecia à procura dele. Olhava para as crianças, chorando, com fome, e porque não tinha o que dar, nem esperanças, parecia que era o fim. Se ele morresse, quem iria me ajudar a criar os meus oito filhos? No ano de 65, foi ainda muito mais difícil, porque Acúrcio ficou sem ganha pão. Não teve mais condições de cortar o porco e não tinha como fazer a feira. A presença de Deus, nas pessoas solidárias, que aliviava o sofrimento nas grandes necessidades, foi a nossa salvação. Sofri, sofri muito, mas a minha fé em Deus eu nunca perdi. Cristovão nasceu neste momento de sofrimento, mas amado. Deus o escolheu para o ministério sacerdotal, seja feliz. Os 12 filhos que tive são bênçãos de Deus e respostas do seu amor por nós.225

A força da religião esteve presente na vida de D. Laurentina como um arrimo às suas necessidades. Sua fala expressa o pensamento e, sobretudo a conduta cristã adotadas. Esses conceitos ela transmitiu aos seus descendentes. Para Cristovão, seus pais e as demais pessoas que o ajudaram e aos seus irmãos na formação e educação, lhes ensinaram que toda a dor e 224

NEVES, Lucília. Os desafios da história oral – ensaios metodológicos. In: PINHEIRO, Áurea da Paz; NASCIMENTO, Francisco Alcides do (orgs). Cidade: história e memória. Teresina: EDUFPI, 2004, p. 276-277. 225 FIGUERÊDO, Laurentina. Esposa de Acúrcio, mais conhecida como “Loura”. Falas extraídas do arquivo pessoal de Padre Cristovão e resultam de entrevista realizada no ano de 2007, pelo Padre Esmeraldo Barreto de Farias, atualmente Bispo de Paulo Afonso, BA.

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sofrimento que vivenciaram, deveriam ser aproveitados como lições de vida; conceito este que ele assegura terem apreendido. [...] e a gente tirou mesmo como lição de vida. Nós hoje não nos atrelamos, não bajulamos senhor ninguém, nós não nos submetemos aos caprichos de ninguém. Nem eu nem meus irmãos, eu no meu ministério sacerdotal me relaciono bem com todos. Agora ser subserviente a ninguém, não!226

Padre Cristovão reporta, ainda, que conhece a história porque esta sempre lhe foi contada e porque fez parte dela. É a experiência contada e o sofrimento partilhado. O Golpe Militar ocorreu em março e ele havia nascido em janeiro do mesmo ano. Quando o pai de Cristovão perdeu a condição de sustentar sua família, após a prisão em 1964, diante de tanta dificuldade, a família passou a viver da solidariedade dos amigos para não morrerem de fome. Mas, não foram apenas as dores materiais que açoitaram sua família.

Naquela época tinham poucos carros e andávamos 8 km para chegar até a cidade e estudar. Vivi a experiência de quando menino, na estrada, o carro do político que mandava na cidade parava para dar carona. A alegria de criança era subir na carroceria, e então o motorista se encarregava de mandar descer os filhos dos que não eram seus aliados políticos. Os filhos de Acúrcio, não levo! E a gente ia de pé! A carona só era dada aos filhos dos que eram seus partidários. Tinha humilhação maior para uma criança que esta?... Mas isso a gente enfrentou. Uma coisa que a gente não tem é raiva. Nós todos, filhos, não temos recalque. Nós não guardamos mágoa daqueles que agiram assim.227

Manoel Acúrcio e Otaciano foram presos porque faziam parte do grupo político que apoiava Leonel Oliveira, o que afrontava por demais o poder político dominante local, ARENA, representado na época por Ademário Vilas Boas e Oldack Leal Sampaio. Entretanto, o maior crime que eles cometeram, segundo o julgamento do governo repressor que se estabeleceu, foi terem liderado junto com o Padre Gilberto um movimento que tencionava valorizar o homem do campo e ao seu trabalho. Otaciano também carregava marcas muito fortes em suas lembranças. Como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Miguel das Matas, sua prisão foi inevitável. No dia 3 de abril de 1964, ao sair da missa, tomou conhecimento de que a polícia estava à sua procura. Trabalhou durante todo o dia no sindicato de portas fechadas e seguiu

226 227

FIGUERÊDO, Cristovão. Entrevista concedida em 2 de agosto de 2011. Idem.

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para casa, de onde fugiu pela mata juntamente com o amigo Acúrcio, até a casa de Leonel Oliveira Nazaré, que era delegado do partido do sindicato.228 Depois de três dias acoitado, acreditou que o perigo havia passado e retornou às suas atividades normais. À noite, quando estava trabalhando como monitor da escola radiofônica, com a sala cheia de alunos, dois policiais chegaram, trazendo um recado do prefeito (Manoel Lemos Santos) que queria lhe falar. “Pedi licença aos soldados para trocar de roupa, pois a que vestia era velha e remendada. Eles disseram: não. Mas eu pedi a roupa à minha mulher e viajamos para a casa de compadre Acúrcio e de lá fomos juntos.”229 Acúrcio foi logo solto enquanto Otaciano seguiu para o Q.G do Barbalho em Salvador, onde foi interrogado. Mesmo sem ter nenhum crime a confessar, ele permaneceu preso.

Foram 72 dias de cadeia. Preso, eu adquiri mais esclarecimento. Voltei a São Miguel, fui trabalhar na roça e lutei novamente para sobreviver. Hoje, aos 79 anos, inutilizado, pobre, mantenho viva a fé, o amor e a esperança de ver os trabalhadores um dia valorizados e respeitados. Não me arrependo do que fiz. Sinto que estou velho e não tenho mais forças para entrar na nova batalha. Pelo que passei, sou um homem realizado.230

Padre Gilberto acompanhou toda essa história de perto, viu tomarem as rádios, o enfraquecimento do Sindicato, pois os sócios temerosos por suas vidas já não iam para as assembléias, e as festas do agricultor perderam seu entusiasmo e brilho. Foram dias de muita angústia e tristeza, mas ainda assim continuou a lutar como pôde e principalmente procurou amparar as famílias daqueles que estavam presos ou impossibilitados de trabalhar, amparando-os material e espiritualmente. Em 1967, sofrendo muitas ameaças e perseguições, com o regime militar cada vez mais endurecendo, o bispo Dom Florêncio achou por bem transferi-lo para protegê-lo e arrefecer os ânimos em São Miguel das Matas. Padre Gilberto assumiu as Paróquias de Santo Antônio de Jesus, Sant’Ana do Rio da Dona e Aratuípe. Em 1972 fundou o Curso Clássico do Colégio Santo Antônio de Jesus e em 1977, residindo em Santo Antônio de Jesus, passou a atuar nas Paróquias de Castro Alves e Rafael Jambeiro, até que, em 1982, assumiu a paróquia de Varzedo.

228

MOURA, Otaciano Barbosa de. Depoimento concedido em 2007. Arquivo pessoal de Padre Cristovão. Idem. 230 Idem. 229

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4 MONSENHOR POR MONSENHOR: ENTRE LUTAS E LINHAS, UMA ESCRITA DE SI

Neste segmento, as discussões fundamentais giram em torno da imagem que Monsenhor Gilberto tencionou projetar de si para a posteridade, a partir de seus registros autobiográficos, e do modo como alguns dos seus contemporâneos o compreenderam e recordam a sua trajetória em nossos dias. Os registros, as cartas e as fotografias acumulados pelo Padre, além dos depoimentos dos seus familiares, amigos e admiradores, retratam partes de sua vida, que numa leitura a contrapelo, permitem uma imersão além das letras e imagens. Evidenciando “que e quem os acumulou [...] sem perder de vista a imbricação entre titular e arquivo e o próprio processo de acumulação, única perspectiva capaz de conferir sentido aos registros documentais preservados por um indivíduo.”231 Nessa composição histórica do passado, é preciso perceber os significados ocultos que podem ser revelados ou silenciados. O “reconhecimento” em torno das histórias pessoais comunga com a memória e a identidade formada no passado e no presente. É um trabalho que exige paciência no processo de análise e na percepção em torno do ato de recordar, algo extremamente desafiador ao pesquisador. Suas escolhas e atitudes pessoais refletiram no comportamento social das comunidades, tal e qual os momentos vividos na coxia, que precedem o despertar das cortinas ante o desenrolar das grandes cenas teatrais, influenciando assim muitos destinos. Portanto, importantes fatos políticos, culturais e sociais ocorridos no Recôncavo Sul da Bahia se confundem com a trajetória de vida de Monsenhor Gilberto.

Entendemos por trajetória de vida ou trajetória identitária o processo de apreensão da realidade da qual cada indivíduo, mergulhado numa cultura (social ampla e familiar), abstrai, a partir de sua percepção única, reordena e transforma em um projeto, profissão, modo e estilo de vida. O indivíduo é influenciado e influencia, formando um elo numa corrente sem fim, o que chamamos “saber”, que constrói e dá sentido à trajetória humana232.

231

HEYMANN, Luciana Quillet. Indivíduo, Memória e Resíduo Histórico - Uma Reflexão sobre Arquivos Pessoais e o Caso Filinto Müller. Revista Estudos Históricos, Vol. 10, Nº 19. Publicado pelo CPDOC/FGV Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – Rio de Janeiro/RJ. 1997, p.43. 232 BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Memória (auto) biográfica como prática de formação. Revista @mbienteeducação, volume 1, número 1, Jan/Julho 2008, p.6. Disponível em: <http://www.cidadesp.edu.br/old/ revista_educacao/index.html>. Acesso em: 3 set. 2011.

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Neste sentido, as recordações das pessoas dos lugares aqui perscrutados, estão impregnadas de emoções e sentimentos que envolvem o Monsenhor em uma teia de acepções individuais e coletivas, que permitem lembrar o passado e compreender o presente.

“A

memória mostra-se, também, como instrumento fundamental na recomposição do imaginário, que realimenta a cultura, porque através dela os conteúdos vividos e retrabalhados pela subjetividade são trazidos ao presente e nele incorporados.”233 Ao adentrar o campo das representações, as abordagens tomam um caráter subjetivo, inerente às lembranças e memórias. As construções identitárias e representativas acerca de Monsenhor Gilberto, dialogam no sentido de construir as histórias contidas nas narrativas, buscando conhecer as significações que as comunidades lhes atribuíram a partir dos sujeitos com os quais conviveu, sem olvidar, no entanto, que “as marcas do narrador estão impressas na narrativa, como a mão do oleiro na argila do vaso”234, nesse trabalho de intercambiar experiências, ou melhor, de “refiguração” a partir do liame existente entre rastro e memória.

Porque a reflexão sobre a memória utiliza tão frequentemente a imagem – o conceito – de rastro? Por que a memória vive essa tensão entre a presença e a ausência, presença do presente que se lembra do passado desaparecido, mas também presença do passado desaparecido que faz sua irrupção em um presente evanescente.235

Assim, ante a fragilidade essencial da memória, cabe ao historiador “[...] lutar contra o esquecimento e a denegação, lutar em suma contra a mentira, mas sem cair em uma definição dogmática da verdade.”236 Ao pensar em memória, incorremos ainda em algumas reflexões mais: O que é e como se formam as memórias? Quais os mecanismos que possibilitam seu resgate, e quanto à memória autobiográfica, que papel desempenha? Relembrar o passado é revivê-lo no presente. E a memória é a chave dessa porta que se abre, capaz de apreender, registrar e até mesmo alterá-la, em função dos sentimentos, e variações em nossos estágios da vida. Para Balandier237, a memória autobiográfica poderia ser então, um “antídoto” contra o desencantamento da existência, pois através dela recorremos ao 233

Idem, p.8. BENJAMIN, W. O Narrador. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet; prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. 7ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.205. 235 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Verdade e Memória do Passado. Revista Projeto História, 17, PUC/SP, 1998, p. 218. 236 Idem, p. 219. 237 BALANDIER, Georges. O Contorno: Poder e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. 234

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imaginário e recompomos nossos planos e perspectivas de vida. Nessa dimensão, elas podem ser compreendidas como representações de acontecimentos e/ou fatos de nossa história, que podem ser codificadas, guardadas, recuperadas e expostas; constituindo assim importante recurso para que um indivíduo mantenha a continuidade da sua identidade pessoal. “Somos quem somos porque nos lembramos [...] a memória estabelece nossa individualidade”238. Mas é preciso, no entanto, observação e atenção, no sentido de não reduzir o arquivo pessoal ou autobiográfico, a mero “espelho da trajetória de seu titular, a partir do qual se poderia buscar reconstituir todas as atividades desenvolvidas por ele. De fato, nem sempre existe uma equivalência entre história de vida e arquivo pessoal.”239 É preciso buscar uma unidade coerente em meio às fontes disponíveis que envolvem também as memórias individuais e coletivas.

4.1 ENCONTRO COM O AMANHÃ

A memória coletiva de um determinado grupo se define como “uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais.”240 Desse modo, a importância das vozes contemporâneas ao Padre Gilberto, na observância da reciprocidade de relações, presente na memória emergente, enquanto espaço de reconstrução onde os sujeitos expressam e reconhecem suas experiências nas relações que travam entre si e no convívio com os outros, no constructo de uma história mais rica e, sobretudo, mais viva. Halbwachs241 lembrou que nunca estamos sós e que as lembranças, ainda que pareçam únicas, não o são, posto que de alguma forma encontram-se atreladas ao contexto social mais amplo. Assim, a tarefa de construir o passado só pode ser realizada dentro de uma contextualização, onde a lembrança é consciente e relê o passado à luz do presente. Dentro dessa logicidade é que as lembranças vão sendo tomadas aqui.

238

IZQUIERDO, Ivan. Tempo e tolerância. Porto Alegre: Sulina, 1999. HEYMANN, Luciana Quillet. Op. cit., p. 44. 240 POLLAK, Michael. “Memória, Silêncio, Esquecimento”. Estudos Históricos, n.03, Teoria e História. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989, p. 09. 241 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice/Revista dos Tribunais. 1990, p. 26-28/ 51. 239

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Assim, embora a contiguidade com algumas das lembranças escritas de Monsenhor tenha possibilitado uma viagem no tempo e um contato estreito com suas experiências vividas através da leitura destas suas memórias, onde se inscreveram algumas de suas atuações, pensamentos, escolhas, virtudes e faltas, não se pretende julgá-lo, glorificá-lo ou promover uma análise dissecante de sua alma. Tampouco seria esta a proposta do historiador. Ao buscar a desconstrução do arquivo privado, objetiva-se o encontro com a manifestação coletiva, localizando nesse tipo de fonte um campo estratégico para a exploração da relação entre o indivíduo e a sociedade.

Ao cruzar lembranças um tempo coletivo se constrói a partir das injunções destas (de forma mais ou menos clara, com registros conscientes e inconscientes) pode ser invocada e aparecer prontamente ou nos tomar como uma força avassaladora, muitas vezes sem ser chamada, para reconstruir uma imagem, uma história e um personagem feitos de restos, num eterno trabalho de bricolage.242

Nessa tessitura que envolve lembranças reais e fictícias dos depoentes, inserem-se também os manuscritos pessoais de Monsenhor Gilberto. E o ficcional, aqui empregado, não é aquele “que entendemos como falsidade, mentira, ilusão, mas aquele que é sociabilidades coaguladas, teatro de existências, imaginário vivo formando mundo e singularidade [...].”243 Desse modo, a presença da subjetividade nas recordações, não lhes expropria a representatividade ou a fazem deixar de ser críveis, porquanto o imaginário também deve ser objeto de análise, assim como os silêncios ocasionais, o dito e o não dito. Se o passado é trazido ao presente por meio de imagens mentais, de elementos percebidos pelos órgãos dos sentidos, como tirar deste as sensações e sentimentos? A este respeito, como assinalou Paul Ricoeur, as histórias de vida se compõem em narrativas, e uma narrativa biográfica é uma interpretação de si, que toma empréstimos da história e da ficção, reconstruindo-se mimeticamente como outro, almejando sua perpetuação no futuro.244

242

BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Op. cit., p.9. CALDAS, Alberto Lins. História e Memória. Primeira Versão. ANO III, Nº181, Volume XII, Porto Velho, Março de 2005. Universidade Federal de Rondônia (UFRO). CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE. EUFRO – Editora Universidade Federal de Rondônia, p.3.Disponível em: <http://www.primeiraversao.unir.br/atigos_pdf/numero181alberto.pdf.> Acessado em março de 2011. 244 CF. RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Trad. Luci Moreira Cesar. Campinas, SP. Editora Papirus, 1991, p. 138. 243

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Homem público, Monsenhor fez questão de deixar registrados os seus passos, as verdades e as percepções, como no caso da peleja emancipacionista, em que os arquivos acumulados resultaram na publicação do livro Emancipação de Varzedo: Quatro anos de luta, obra que ele apresenta como “[...] o relato fiel de uma luta que durou quatro longos anos, heroicamente sustentada por uma equipe que se empenhou dando o melhor de suas energias, por legar a esta terra a glória de ser livre, escrevendo destarte uma das mais belas páginas de sua história.”245 Portanto ao que ele chama de “relato fiel”, é a sua visão de acontecimentos na história do Recôncavo, dos quais participou ativamente, carregada de intencionalidades, ideologias e motivações, que conduziram o seu modo de ser, compreender e viver a vida. É visível na escrita do Monsenhor a preocupação em reportar minuciosamente o ocorrido, numa cadência cronológica característica dos positivistas. É Padre Cristovão quem lembra em seu depoimento que “Padre Gilberto era um homem de memória extraordinária, conseguia guardar por muito tempo, a exatidão dos fatos, datas e nomes.”246 E foi o próprio Monsenhor quem afirmou: “Na História deve haver uma ordem, um pensamento, um sentido. Para aplicar a ordem da história é que surgem os historiadores que assentam no papel e em ordem, os acontecimentos, as ações dos homens.”247 Tais escritos nos remetem também, ao que Pierre Bourdieu248 denominou "ilusão biográfica", porquanto evidenciam o inegável interesse por parte do doador em valorizar o material destinado à posteridade, bem como as memórias a serem partilhadas. Ao descortinar as suas memórias, Monsenhor apresenta-se ao futuro segundo a imagem que tencionou projetar de si, além de expressar um desejo recôndito de gratidão ao considerar os emancipacionistas “preciosos tijolos que construíram o nobre edifício da autonomia de Varzedo.”249 E mais ainda: “Ademais, as glórias anônimas morrem nos corações que as geram, mas é preciso que os seus beneficiados tenham a nobreza da própria gratidão.”250 Na opinião do Padre José Silva, entretanto, os inúmeros registros escritos deixados pelo Padre Gilberto “destinavam-se, não ao desejo de deixar uma marca ou tornar-se

245

SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Emancipação de Varzedo – Quatro Anos de Luta. Gráfica e editora Exemplar. Santo Antônio de Jesus – Bahia. 2007, p.14. 246 FIGUERÊDO. P. Cristovão. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. 247 SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Op. cit., p.14. 248 BOURDIEU, Pierre. A ilusão Biográfica. In AMADO, Janaina e FERREIRA, Marieta (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996, pp. 188 – 189. 249 SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Op. cit., p. 15. 250 Idem, p. 15.

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famoso ou ser perpetuado, mas pela ganância do saber e do desejo de transmiti-lo. Era um homem dado ao conhecimento.”251 De fato, homem afeito às pesquisas e aos estudos, Padre Gilberto deixou muitos registros em todas as paróquias por onde passou. Por conhecer bem de perto a origem das paróquias, deixou as histórias desses lugares registradas nos Livros de Tombo de cada uma delas. Pesquisador por natureza dedicava-se durante horas a esses escritos, invadindo quase sempre a madrugada adentro. Teve ainda o cuidado de deixar uma cópia do material de cada cidade em suas respectivas paróquias, antes de enviá-los à Diocese de Amargosa. Hoje, todos esses registros encontram-se arquivados na Diocese de Amargosa, sob os cuidados do Bispo Dom João Nilton, para pesquisas e, talvez, futura publicação. Como bom leitor, possuía uma vasta biblioteca em sua residência em Varzedo, com obras que iam desde Jorge Amado, Machado de Assis a Carlos Drumonnd Andrade. Padre Gilberto era fluente em latim, francês e espanhol. Entre os seus autores prediletos estavam Castro Alves e os filósofos Sócrates e Platão. Ao opinar sobre os autores contemporâneos, costumava dizer que “Eles escrevem o que já foi escrito.”252 Este seu apreço aos livros fez com que fosse apelidado pelos mais íntimos de “Enciclopédia Ambulante.”253 Monsenhor Gilberto tinha na pesquisa e na transmissão de conhecimentos sua grande paixão e de tudo queria saber um pouco. A origem e o porquê das coisas o fascinavam, a ponto de colecionar, além dos livros, fascículos e revistas de toda sorte. Sempre que perguntado se já havia lido tudo o que ali estava, respondia demonstrando satisfação: “Ah, sim! Tudo o que está aqui, eu já li.”254 Contraditoriamente a esse lado verboso, quando se tratava de discorrer acerca das comunidades às quais pertenceu, registradas nos muitos Livros de Tombo que deixou, Monsenhor era quase lacônico ao falar de si. Inclusive, em seus escritos, ao referir a si mesmo, o fazia sempre na terceira pessoa do singular, “o Padre”, buscando nesse distanciamento marcar com impessoalidade as suas falas. As identidades na narrativa, nada mais são que desdobramentos de um “eu” que ao voltar-se para si mesmo acabam escrevendo a sua própria história de vida como um outro.255 Ao narrar em seu livro o episódio da

251

SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de Jul. de 2011. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: O Homem do caminho, 2010, p. 47. 253 SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de Jul. de 2011. 254 Ibidem. 255 RICOEUR, Paul. Op. cit., 1991, p.146. 252

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instalação do curso ginasial em São Roque dos Macacos, povoado da cidade de Varzedo, escreveu: O Prof. Pedro Barroso sugeriu ao Padre fosse instalado, não um Colégio autônomo como pretendia o Padre, mas um anexo ou extensão do de Varzedo. A ideia era válida. O Padre logo conversa com os principais lideres de São Roque: Zenaide Santiago, Josino Silva e Antônio Lino. Outras pessoas foram ouvidas. Todos aplaudiram a ideia com vibração.256

Essa sua preocupação em demonstrar afastamento diante do que se passava, falando de si como se a outrem, relatando os fatos na terceira pessoa, afigura-se, numa tentativa de ocultar seu envolvimento e predileções diante do que se passava, e, num esforço em abrigar maior credibilidade e veracidade às suas falas. Ao tempo em que se expunha, procurava a discrição. Ainda a propósito da emancipação de Varzedo, apesar de negar ter sido o principal articulador da campanha, sempre tentando creditar ao povo o interesse pela autonomia administrativa e política: “A vila que pacientemente marcava passos, começou a aspirar desenvolvimento e sonhou com melhores dias”257, em seu próprio texto, mais adiante diz que a petição inicial foi feita pelo “influente político”,

“seu conterrâneo”, referindo-se a

Coriolano Sales, em atenção a um pedido do “Padre”. Deixando claro desse modo, a origem da ideia de emancipação, bem como seus mentores intelectuais.

Sem a real presença popular no início, que na verdade esteve afastada da das discussões por essas serem distribuídas entre determinados representantes, o ideal emancipatório nasce do diálogo do monsenhor Gilberto, “o Padre”, com o deputado estadual Coriolano Sales, o “influente político”.258

Nesse ponto, expressam-se as contradições e diferenças existentes no confronto das fontes narrativas, documentos escritos e demais fontes, uma vez que estes evidenciam claramente sua forte influência no desenrolar dos fatos que se seguiram. Como discorre Thompson259, sobre composições e reconstruções do passado: a memória carrega em sua narração, além dos fatos simplesmente em si; suas significações, contemplações, 256

SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Emancipação de Varzedo – Quatro Anos de Luta. Gráfica e editora Exemplar. Santo Antônio de Jesus – Bahia. 2007. p.65. 257 Idem. Op. cit., p. 18. 258 AMORIM, Jorge. “IMAGINAÇÃO QUE DEU CERTO” - Processo de emancipação de Varzedo: local, região, política e criação de um município da Bahia, Brasil (1985 – 1989). 2009. 233f. Dissertação de Mestrado em História Contemporânea. Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras - Departamento de História. Lisboa, Portugal, 2009, p. 115. 259 THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 101 – 105.

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interpretações e experiências vivenciadas pelos entrevistados. As memórias escritas de Monsenhor não fogem a essas inserções. No processo de intercorrelação de fontes que se seguem, os entrevistados foram indagados quanto às virtudes e defeitos que Monsenhor Gilberto atribuía a si, e estes foram unanimes nas respostas ao referirem não se lembrarem de Padre Gilberto falando de sua pessoa. “Não me lembro de ter ouvido Padre Gilberto falar de si, talvez por considerar um pecado capital a vaidade.”260 Curiosa a fala do Padre Cristovão! Como se, ao falar de si, o Padre pudesse incorrer no pecado da vaidade, do que se depreende, então, que o Padre só teria virtudes? Porém, um olhar mais atento sobre seu discurso evidencia, em alguns momentos, pequenas nuances de vaidade nas entrelinhas de seus relatos, sobretudo ao se referir a atos que capitaneou. A palavra herói é citada em muitas passagens ao nominar os que se juntaram à luta pela emancipação de Varzedo.

Dever foi sempre realçar com as mais brilhantes recompensas as fadigas e empenhos dos heróis. Tendo mesmo a lutar contra adversários aguerridos, compelidos a palmilhar longa via atapetada de dificuldade, era mister que esperanças as mais lisonjeiras sustentassem a difícil jornada de Antônio França e Manoel Bispo [...] Intitulá-los de heróis não constitui elogio, mas justiça. Quando usamos essa expressão simples e profunda, para classificar um homem, julgar uma vida, firmar uma reputação, não analisamos, de ordinário, o que ela sintetiza, não explicitamos aquelas grandezas que refulgem na alma, não derramamos a essência; fazemos um rápido raciocínio subindo do efeito à causa e o que entendemos significar dizendo de alguém que é um herói, é a sua doação, a dedicação total, o seu amor operoso, esclarecido, benéfico – a alguém que põe em jogo todos os recursos e valores da sua personalidade para fazer o bem.261

Seguramente um de seus maiores orgulhos era ter aberto caminho na implantação da educação em alguns municípios. Disso, ele falava com muito orgulho e vaidade, sempre defendendo a bandeira da educação com muita propriedade. Ele se sentia cidadão de todas as 21 cidades que passou. Como diz a canção do Padre Zezinho, “Um cidadão do infinito”, que não via limites territoriais para assunção, para seu amor, para seu carinho. Então ele se desvelava totalmente para o bem das comunidades. Nessa parte da educação, da organização do povo, do sindicalismo, ele era uma luz, um instrumento aglutinador.262

260

FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Op. cit., p. 29. 262 Cf. ABREU, Gilton. Entrevista concedida em 27 de abril de 2010. 261

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Outro momento em que um tom de vaidade aparece é nos relatos de quando Monsenhor contava suas aventuras sobre sua lambreta, nunca deixando de salientar o fato de ter sido um dos primeiros a pilotar uma motocicleta na região, o que foi narrado por diversos entrevistados. Logo após sua ordenação, quando começou a celebrar missas, Padre Gilberto cumpria seus itinerários no lombo do burro marrom ao qual chamava de Beija-Flor. Depois de algum tempo, comprou uma lambreta. “Fazia uma zoada danada. Bastava ele apontar na entrada da cidade, a gente já sabia que era o Padre que vinha chegando. Foi a primeira moto que conhecemos por aqui” 263, lembra a lavradora aposentada Sinésia Santos. O vanguardismo foi sem dúvida uma de suas características mais marcante. Foi pioneiro no movimento da Renovação litúrgica da Igreja após o Concílio Vaticano II, que objetivava colocar a igreja no ritmo das mudanças originadas pelo mundo moderno e, justamente por ter sido um dos primeiros a aderir a alguns dos princípios do Concílio, foi visto como um dos mais avançados por alguns setores conservadores da Diocese. Para o Bispo de Amargosa, Dom João Nilton, Padre Gilberto logo entendeu que as inovações do Vaticano II seriam importantes para o povo e soube aplicá-las muito bem. Ainda segundo ele, Padre Gilberto assim se referia às novas diretrizes: “Se chegasse antes seria um escândalo maior ainda, e se viesse depois seria um atraso, por isso chegou na hora certa.”264 Ainda segundo o Bispo, o Concílio foi uma oportunidade de estreitar os laços entre os fiéis e a Igreja. O documento Gaudium et spes do Concilio, mencionava com muita clareza que “as alegrias, as tristezas, as esperanças, os sofrimentos, as dores do povo, são também da própria Igreja.”265 Algumas das principais mudanças, Gilberto adotou ligeiramente. “As missas deixaram de ser celebradas de costas e em latim. Também passaram a ser celebradas em outros horários, como à tarde e à noite. Gilberto foi um dos primeiros padres a celebrar de frente para os fiéis e na língua original do país. No nosso caso, em português.”266 Na opinião do Padre José,267 o Vaticano II representou um grande avanço para a Igreja católica. Foi o novo pentecostes da igreja, sucedendo ao primeiro Ato dos Apóstolos, quando a Igreja tomou proporções tal qual a conhecemos hoje, depois foi refeita a partir do Vaticano II. A Igreja pode ser dividida em antes e depois do Vaticano II, uma vez que este lhe deu uma 263

SANTOS, Sinézia dos. Entrevista concedida à jornalista Aricelma Araújo dos Santos em 22 de fevereiro de 2010. 264 NILTON, D. João. Entrevista concedida em 23 de Abril de 2010.  Que quer dizer Alegria e esperança. Constituição Pastoral aprovada em 08 de dezembro de 1965. 265 NILTON, D. João. Entrevista concedida em 23 de Abril de 2010. 266 Ibidem. 267 SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de Jul. de 2011.

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nova tonalidade que passou a fazer a diferença. Rezar em língua vernácula, a questão dos cantos que são criações da própria comunidade, ministério leigos com novas lideranças, foram alguns dos avanços. Por todos estes avanços, Padre José considera que a Igreja Católica foi refeita. Monsenhor foi um lutador também dentro da própria Igreja Católica. Juntamente com José Clarêncio, foi um dos grandes inovadores do Vaticano II, pioneiro na Bahia na inovação da liturgia. Progressista, empenhado nas lutas sociais, enfrentou a resistência dos “integristas”, no contexto da administração de João Paulo II, ao adotar o relativismo histórico e sociológico para explicar a realidade, uma postura também política dentro da sociedade como um todo e, internamente, na Igreja. “Para a América Latina, este conflito político, com o auxílio dos integristas europeus, vem à tona claramente, em 1972. Exatamente quatro anos depois da reunião da Segunda Conferência dos Bispos Latino-Americanos, realizada em 1968, em Medellín, na Colômbia.”268 Padre Gilberto foi ordenado padre na fase anterior do Concílio Vaticano II e vivenciou o antes, o durante e o depois desse processo de inovação da Igreja Católica. Dessas vivências originou-se o seu pensamento progressista, simbolizado num Cristo libertador, em oposição ao sofredor da Paixão, que suporta todo tipo de opressão.269 Ele era o que se podia chamar de um homem de ação. Não obstante as contradições que compõem o universo do indivíduo e a dificuldade em sabê-lo e compreendê-lo, nas entrelinhas das recordações dos entrevistados foram surgindo um pouco mais da personalidade de Monsenhor Gilberto. Uma importante pista acerca do seu perfil brota na fala de Jorge Amorim, quando revela que numa das muitas conversas que travaram, Padre Gilberto definiu-se enquanto um pensador aristotélico.

[...] nos bate-papos que tínhamos, eu sempre procurava não me deixar envolver por questões muito próximas, ou sentimentais. Eram conversas basicamente racionais e ele, acredito que da mesma forma. E isso me deixou muito mais convicto, quando ele me disse que ele era um teólogo aristotélico. Se você trabalha com Aristóteles é uma visão mais racional, mais experimental, mesmo religioso, trabalha mais com a razão, há um equilíbrio.270 

Visão que concebe o divino como transcendental e imutável. CAVA, Ralph Delia. A teologia da libertação no banco dos réus. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. vol.2, no.2, São Paulo, Set. 1985. Disponível em:< http://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451985000300012>. Acessado em 04 de novembro de 2011. 269 Ibidem. 270 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 de set. de 2010. 268

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Para Jorge Amorim, que conhecia de Padre Gilberto e testemunhou as suas ações práticas, o que ele queria dizer ao se afirmar como um pensador aristotélico era que, mesmo sendo alguém vinculado à religião católica, tendo a crença e a defesa desta num ser superior e na sua força, ele não poderia deixar de saber que as coisas no mundo caminham pela ação humana e por suas experimentações.271 Ele era um crédulo no que diz respeito à ideia do "primeiro motor", oriunda de Aristóteles e que Santo Tomás de Aquino tomou por empréstimo para adaptá-lo à doutrina católica. Quando perguntado quanto e esta afirmação feita por Monsenhor Gilberto, Padre José Silva diz: “Não sei como ou onde paralelizar o pensamento entre Aristóteles e monsenhor. Mas, acredito que no modo de ser e como Aristóteles pensava Deus, no sentido da ação e do bem. Acredito que quem encaminhou a cristianização do pensamento de Aristóteles foi Santo Agostinho.”272 Quem também associa o pensamento aristotélico à Monsenhor Gilberto no sentido de agir e atuar é Padre Cristovão: “Padre Gilberto marcou muito, não só pelo que fez, mas, sobretudo porque ele compreendeu. Não foi só o padre do altar não foi um ‘para’ e sim um ‘com’. Não era um padre que mandava os outros fazerem.273 Ainda que diferenciados, Aristóteles e Platão, ambos responsáveis por doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média dos séculos IX ao XVII, caracterizaram-se, sobretudo, pelo problema da relação entre a fé e a razão, em torno das quais as longas divagações de Padre Gilberto giravam. Não seria demasiado supor que a preocupação e o comprometimento que Monsenhor tinha em relação à educação, procurando erigir escolas por onde passava, tinham sua inspiração maior no florescimento intelectual do século XIII, o chamado século clássico da Idade Média e um dos mais importantes da história da filosofia, uma vez os propósitos aristotélicos o influenciavam sobremaneira. Foi também no século XIII que as filosofias escolásticas cristã, a filosofia árabe e a judaica, juntamente com o aristotelismo, passaram a grandes fontes da Escolástica.274 Um século de esplendor em todas as manifestações humanas, o século dos saberes, inclusive ante a escolástica, para a qual três fatores foram essenciais: a fundação das Universidades, onde perduram até hoje as tradições platônicas e agostinianas e cultiva-se o aristotelismo; o 271

Ibidem. SILVA, Padre José. Entrevista concedida em 28 de jun. de 2011. 273 FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. 274 KNIGHT, A. E; ANGLIN, W. História do Cristianismo: Dos apóstolos do Senhor Jesus ao século XX. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2001, p. 184 -189. 272

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estabelecimento das ordens mendicantes dos dominicanos e dos franciscanos; e o conhecimento da obra filosófica de Aristóteles. Embora durante muito tempo a corrente aristotélica tenha predominado na voz de Santo Agostinho, a Teologia pode ser pensada em antes e depois de Tomás de Aquino, tamanha foram suas contribuições, inclusive pelo fato do tomismo (doutrina escolástica de Tomás de Aquino adotada oficialmente pela Igreja Católica) ter trazido em seu bojo a proposta conciliatória do aristotelismo com o cristianismo, rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os princípios da filosofia aristotélica.275 Tomás de Aquino e Agostinho foram dois homens de grande relevância no pensamento da Igreja Católica e representaram correntes que se completaram. Hoje, temos um mundo mais pensado dentro da dimensão tomasiana, mas isso não tira o mérito agostiniano. Portanto não se pode dizer que o pensamento tomasiano não estivesse presente na formação de Monsenhor Gilberto. Ao definir-se como um teólogo aristotélico, ele prima pela ação, dentro dos conceitos que o nortearam. “Aristotélico como um servidor [...] alguém que estava para ser.”276 Sendo um homem de ação e que estava para ser, trabalhou muito pelo que acreditava. Ele aspirava uma sociedade mais igualitária e, por isso, lutou pela liberdade dos mais pobres oprimidos. E também por isso foi perseguido e rechaçado em São Miguel das Matas. Algumas pessoas que conviveram com Padre Gilberto, eventualmente, atribuem-no certo comedimento e resguardo político, após a sua experiência em São Miguel das Matas, por ter sentido muito as perseguições a si e aos seus pares. Padre José concorda com estas observações parcialmente. Segundo informações ouvidas aqui e acolá, uma vez que não conviveu com Padre Gilberto nesse período, corrobora com o pensamento que de fato o freio do Golpe civilmilitar lhe trouxe certa observação e cuidado. Talvez por um tempo, mas seu anseio por transformações fizeram-no retomar a luta em Varzedo no episódio da emancipação. Uma postura que o Monsenhor passou a adotar, muito provavelmente após o vivido em São Miguel das Matas, e que o Padre José ressalta em sua fala, é que ele preferia sempre andar sozinho. “Vou sozinho, porque se algo acontecer, estou sozinho e me responsabilizo por mim mesmo.”277 Assim, não prejudicaria a ninguém e estando só resolveria os seus contratempos, o que nos leva concluir que ele tinha plena consciência dos riscos que corria 275

Ibidem. FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. 277 Cf. SILVA, Padre José. Entrevista concedida em 28 de jun. de 2011. 276

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desagradando a alguns com seus ideais e posições políticas. Este, aliás, era um assunto que ele não costumava tocar. Quando alguém insistia, ele desconversava e mudava o rumo da conversa. Eram recordações que ele preferia esquecer.278 Muitas vezes, não queremos e não gostamos de lembrar, então esquecemos, para conseguir conviver com as perdas, as pequenas e grandes derrotas e dores, que o tempo se encarrega de arrefecer e deixar num passado longínquo de nós mesmos. O fato de ter presenciado seus paroquianos serem presos, vistos como comunistas, abalaram-no muito na época, marcando-o para sempre.279 O tempo é fator fundamental à compreensão das identidades, vez que “uma narrativa concentra e se constitui como um espaço de convergência temporal é ela o ponto de partida para começar a pensar a questão.”280 E para compreender a identidade do Monsenhor é preciso analisá-lo à luz do tempo, pois o sacerdote foi um homem da sua época e, como tal, viveu o catolicismo pensado para o Brasil daquele período, “que tinha como missão: ‘[...] cristianizar a sociedade e conquistar maiores espaços dentro das principais instituições e imbuindo todas as organizações sociais e práticas pessoais de um espírito católico’.”281 Neste contexto, Padre Gilberto buscou exercer seu sacerdócio, conduzindo seus paroquianos à luz da libertação, unindo forças e trabalhando pela igualdade social. “Sou um sacerdote a serviço das comunidades, e de modo especial das comunidades menores. [...] o essencial para o meu sacerdócio é colocar-me à disposição das comunidades. Este é o meu grande ideal. Não aspiro mais nada”.282 Costumava dizer que as suas maiores alegrias na vida eram sua ordenação sacerdotal e a viagem que fez à Terra Santa (Jerusalém); a maior gratidão que sentia era pelo povo que sempre o acolhia; e o maior desejo era “Continuar com o trabalho de pároco.”283 Uma grande saudade era das paróquias por onde havia passado. Ele dizia que toda vez que saia de alguma paróquia tinha que ficar escondido por algum tempo, sem que ninguém soubesse, afirmando que não tinha condições emocionais para despedidas. “O apego é tão grande, que quem mais sente sou eu.”284 Com essas afirmações, Monsenhor se mostra também um homem emotivo e sentimental. 278

Ibidem. Cf. ABREU, Gilton. Entrevista concedida em 24 de abril de 2010. 280 RICOEUR, Paul. Op. cit., p.138. 281 PONCIANO, Nilton Paulo. Op. cit., p. 123. 282 SANTOS, Aricelma Araújo dos. Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: O Homem do caminho, 2010, p. 51. 283 Ibidem. 284 Ibidem. 279

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4.2 A COMUNIDADE O RECONHECE

Homem carismático, Monsenhor Gilberto assumiu o papel de líder, vez que se destacou dentre tantos outros atores sociais, de maneira muito atuante nas transformações das realidades locais que o cercavam, através da união e organização e à frente de muitas lutas pelas melhorias necessárias às comunidades. Fundou colégios e creches, incentivou e organizou frentes e movimentos populares e estimulou muitos jovens a estudar, sempre despertando a curiosidade e interesse do povo pela educação. Em Varzedo, agregou a estes o desejo de emancipar a vila, assegurando-lhe a autonomia política e administrativa. Ele acreditava que o caminho para driblar o subdesenvolvimento local era uma educação séria e que as más escolhas dos representantes e governantes poderiam trazer sérias conseqüências para a comunidade. Pensando desta forma Padre Gilberto via a educação como único instrumento capaz de proporcionar às pessoas conquistas e privilégios.285

É dentro desse perfil, de um homem comprometido com a educação, as liberdades e as transformações sociais, que Monsenhor é percebido dentro do contexto em que viveu. Assim vai se desenhando o homem com suas limitações e qualidades, manifestas na memória coletiva do seu grupo identitário. Ao ser perguntado quanto às lembranças imediatas que lhe vinham à mente ao falar de Monsenhor Gilberto, Padre José relata: A primeira visão ao lembrá-lo é o perfil de um homem sincero, um homem de fé, que acreditava no que fazia. Muito pontual e responsável com aquilo que se propunha a fazer. Depois, alguém aparentemente muito sisudo, mas que no convívio com as pessoas costumava ser uma pessoa muito descontraída, alegre, e até brincalhona, mas acima de tudo uma pessoa de profunda inserção comunitária.286

A própria condição de pároco lhe conferia esse status no cotidiano citadino, onde a atuação do padre se imiscuía entre a esfera religiosa e laica, em decorrência da forte influência do pensamento católico, determinante no modo de ser na sociedade. A religião como parte das representações, é também um produto do ator social humano. Isso é perfeitamente compreensível porque toda realidade cultural, toda realidade ideal é um produto social. [...] O discurso produzido por grupos sociais ou um discurso mais elaborado, do tipo teológico, onde

285 286

SANTOS, Aricelma Araújo dos. Programa Podcast Ativismo Social – Arquivo pessoal, s/d. SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de julho de 2011

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intervém mais a instituição; ou também pode ser a religião como forma de consciência em diferentes tipos de sociedade.287

Não obstante sua representatividade religiosa, Monsenhor Gilberto afigurava um carisma que o diferenciava e lhe conferia uma significação social e uma ingerência determinante na vida das pessoas. “Era uma pessoa de uma interação de comunidade extremamente exemplar, que tinha um carisma de convivência de brincadeira... que estava sempre querendo que as coisas acontecessem.”288 O espírito de luta, na visão dos depoentes, nunca foi deixado de lado. “[...] Um lutador de muita garra, que quando acreditava realmente ia até o fim, e lutava o máximo que podia.”289 Ainda para o Padre Silva, o enorme carisma que Padre Gilberto possuía, era decorrente da grande capacidade de escuta que possuía. “Monsenhor Gilberto era um homem reservado, porém dado; reservado, porém próximo.”290 E, mais adiante, acrescenta:

Se tem uma coisa que é um fator, acredito que predominante para aproximar as pessoas, é a capacidade de escuta. É tanto que hoje diante das demandas, diante das dificuldades, dos acúmulos de atividades, muitas vezes nós ficamos absorvidos por muitas coisas e temos muito pouco tempo para escutar. Gilberto tinha a escuta como uma prioridade no seu sacerdócio. Tanto é que ele era capaz de sentar de madrugada num confessionário e sair na outra madrugada. Só saía para tomar uma água, um café ou alguma outra coisa assim e sentava lá, e enquanto tivesse um penitente ele não saía. Então essa capacidade de escuta o que hoje as pessoas vão muito ao psicólogo, que vão muito para outro tipo de acompanhamento científico das ciências humanas, aquilo era feito. No tempo de Gilberto não existiam essas categorias todas, então era o ouvido do padre mesmo.291

Embora Padre José Silva refira a inexistência das categorias profissionais dedicadas à psique, de fato elas já existiam. A profissão do psicólogo no Brasil teve inicio com a criação das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, em 1833, mas somente em 27 de agosto de 1962 foi regulamentada através da Lei 4.119.292 Com o golpe militar de 1964 e a instalação de seu regime repressivo, a perspectiva da psicologia e as suas conquistas foram sopitadas, contribuindo para as dificuldades de acesso das comunidades, sobretudo as mais distantes dos grandes centros urbanos, quanto ao uso destes serviços. Daí talvez a alusão de

287

HOUTART, François. Sociologia da Religião. São Paulo: Ática, 1994, p. 28. SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de julho de 2011. 289 Ibidem. 290 Ibidem. 291 Ibidem. 292 Brasil, lei n°4.119 de 27 de agosto de 1962. 288

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Padre José em relação à inexistência de oferecimento dos serviços de saúde mental às populações locais. Outro aspecto relevante para a compreensão dos fatos aqui relatados é a questão do projeto estrutural da Igreja onde fazia parte da missão do padre conceder seu saber ao rebanho. “Os padres assumiam o papel de pastores que iriam guiar o rebanho.”293 E, como guias e conselheiros espirituais, o empréstimo do ouvido. Monsenhor Gilberto exerceu com muita propriedade este papel de conselheiro e orientador. E isso o tornava uma pessoa muito próxima, com a qual as pessoas tinham muita facilidade em conversar suas situações, seus momentos difíceis, mormente em seus relacionamentos familiares quando as relações se complicavam. Algumas vezes era uma espécie de juiz de paz, outras vezes psicólogo, o que lhe possibilitava uma maior aproximação com a comunidade.294 E assim seguia exercendo seu sacerdócio. “[...] Gilberto é um ícone! ‘Morreu o último homem, a quem eu me ajoelhei aos pés para contar os meus pecados.”295 Graduado em Teologia e Filosofia, certamente a sua formação acadêmica facilitava a dialogicidade com a comunidade. Sempre atuando em localidades acanhadas, onde a maioria das pessoas detinha pouco estudo e leitura, raramente se conversava sobre questões além do pensamento comum ou do cotidiano da vida. “É claro que eu conversava com outras pessoas, mas por ser um local muito pequeno, raramente você consegue falar de questões assim... Senão você ficaria ilhado.”296 Conversar com Monsenhor funcionava como uma válvula de escape aos que buscavam respostas, ou mesmo uma boa prosa, porém mais que isso, alçava-o a uma condição de centralizador do pensamento e das idéias locais. A própria proposta pedagógica da Igreja Católica naquele momento, de transformar a sociedade, superando a “ignorância terrena”, na qual estaria submersa, ante suas limitações religiosas, respaldava a postura de Monsenhor Gilberto, uma vez que “o homem comum, nada tinha a ensinar e o padre, ser superior, tinha que elevar esta fé rudimentar ao nível da sua”297. Jorge Amorim, além de historiador, era amigo do Padre. Para ele, ainda que o religioso gostasse muito desse trabalho de ouvinte e amparo espiritual às pessoas, sempre disseminando 293

MAINWARRING, Scott. Igreja católica e política no Brasil (1916-1985). Trad. Heloisa Braz de Oliveira Prieto. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 51. 294 Cf. SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de julho de 2011. 295 Ibidem. Padre José Silva reproduz aí uma fala de um de seus paroquianos, ao tomar ciência da morte de Monsenhor Gilberto, cujo nome não lembra. 296 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 set. 2010. 297 PONCIANO, Nilton Paulo. Op. cit., 189.

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o conceito de liberdade, havia também um interesse por parte dele, que elas o vissem como um refúgio, um centro de formação e informação; “[...] uma pessoa a quem fosse possível recorrer como um arrimo político, religioso e social, a partir de seu conhecimento realçado [...] uma espécie de força centrípeta.”298 Essa força parece, de certa forma, evidenciar-se em torno do homem e do poder eclesiástico que este carrega. “Usando um conceito foucaultiano, digamos que ele gostava de gozar da “microfibra” do poder.”299 Aqui, o professor infere a análise da questão hierárquica e de como ela é executada, a partir do pensamento do filósofo francês Michel Foucault.300 Essa habilidade do Padre em aglutinar as pessoas em torno de si e liderá-las não foi mencionada apenas por Jorge Amorim e pelo Padre José. Esta foi uma fala recorrente na maioria das entrevistas. A esse pródigo, Jorge Amorim reputa a capacidade que Monsenhor tinha em respeitar e saber lidar com as diferenças. “Ele tinha noção da minha convicção meio de descrença e eu respeitava a parte dele por ser uma pessoa inteiramente envolvida com a religião. Havia uma espécie de respeitabilidade implícita.”301 Conforme ainda o mesmo entrevistado, Padre Gilberto tinha como maior virtude o diálogo. Ele acreditava que através da comunicação entre os homens as diferenças seriam respeitadas. Com esta postura, Monsenhor Gilberto deixou registrada a importância de um padre que sabia ouvir e dar conselhos. Essa característica em particular o levou a Diretor Espiritual do Seminário de Amargosa e do Ginásio Santa Bernadete das Irmãs Sacramentinas, função que o tornava responsável por fazer acompanhamento espiritual no sentido de atendimento às confissões e dialogo com os seminaristas. Era ele quem ouvia os desabafos dos futuros padres. Além disso, passou a ser, em 1985, Vigário Geral da Diocese, o que lhe conferia a condição de, em caso da ausência do Bispo, agir. Também, como Notário da Câmara Eclesiástica, ouvia os casos de matrimônio que se propunham ser anulados.302 Houve um período da vida de Monsenhor, já nos últimos anos do exercício de seu sacerdócio, em que se dedicou quase exclusivamente a ouvir. Quem recordou esses momentos foi Padre José Silva, embora a convivência deles não tenha sido longa, nem muito próxima, os seus registros são muito pertinentes, graças à sua boa memória e ao senso de observação acurado. Assim, em 1991, Padre José veio para o seminário menor de Amargosa, onde havia 298

AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 set. 2010. Ibidem. 300 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 19ª edição. Organização e tradução Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2004. 301 AMORIM, Jorge. Entrevista concedida em 15 set. 2010. 302 Cf. SANTOS, Aricelma Araújo dos. Op. cit., p. 47. 299

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ainda entre ambos um distanciamento, inerente à convivência entre um padre e um seminarista. Em 2003, já ordenado, Padre José passou a conviver de maneira mais amiúde com Monsenhor em encontros de padres, reuniões do clero e seminários. Em 2008, Padre José sucedeu ao monsenhor Gilberto, que atuava como pároco de Elísio Medrado, já pela segunda vez. Nesse segundo momento, em Elísio Medrado, Monsenhor trabalhou em parceria com a congregação religiosa das Irmãs Filhas de Fátima. Em decorrência de sua idade avançada, a essa altura, monsenhor dedicava-se mais à dimensão sacramental (celebrações eucarísticas, confissões) do que aos movimentos pastorais da Igreja. Eram as Irmãs quem estavam à frente dessas organizações naquele momento.303 Costumava chegar muito antes da hora marcada para a missa e lá sentava à espera de quem precisasse de atendimento espiritual. Ali, interagia, aconselhava e acabava sendo muito eficiente no papel de conselheiro. Não era dado a fazer visitas, e costumava dizer que não era bom em pregações, mas que, no altar e no confessionário, fazia muito bem. Era muito amado, respeitado e tido como referencial de conduta pastoral pela comunidade.304 Além de bom ouvinte e conselheiro, a perseverança constituía outra característica marcante de Monsenhor; perseverança esta, que manifestou logo nos primeiros passos de sua caminhada sacerdotal, quando perto de se ordenar, pediu a Dom Augusto, bispo de Salvador, para permanecer em Amargosa depois de ordenado. Diante da negativa do bispo, Padre Gilberto não desistiu e continuou insistindo que não permaneceria na capital, até que o bispo acabou cedendo.305 A frase com a qual o bispo encerrou a querela permaneceu na lembrança de Padre Gilberto para sempre, que não cansava de repeti-la. Padre Gilton, seu companheiro em muitas viagens é quem a lembra: “Existem três coisas que a seca não consegue matar e que resiste a tudo: o jegue, a cascavel e Gilberto Vaz Sampaio.”306 Esse espírito de perseverança de Monsenhor permaneceu com ele até o fim de seus dias. Manteve-se firme e teve coragem de enfrentar as potências e os poderes constituídos, já desde 1952, em São Miguel das Matas e outros lugares tantos, em defesa dos seus ideais, que incluíam a defesa dos que estavam sendo injustiçados pelo domínio, sobretudo da ignorância que escraviza.

303

Cf. SILVA, P. José. Entrevista concedida em 28 de julho de 2011. Ibidem. 305 Cf. ABREU, Padre Gilton, Entrevista realizada em 27 de abril de 2010. 306 Ibidem. 304

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Um ser que embora trazendo dentro de si todas as limitações inerentes ao humano soube fazer tão grandes coisas e tão bem fez as coisas para que a vida de fato acontecesse, para que se desenvolvesse e que de fato fosse vista como ela é, como um Dom de Deus e acima de tudo assumir as dores daqueles que tinham ou que estavam sendo levados pela força política ou de uma realidade social que impedia que as pessoas se desenvolvessem a fazer com que essa vida não fosse ceifada ou que essa vida não acabasse prematuramente. Assim é a história de Padre Gilberto.307

Em Varzedo sua história não foi diferente. Monsenhor mostrou a mesma tenacidade e fibra na busca pelo que acreditava, mas agregou a estes valores a sabedoria e maturidade ante os percalços que a vida apresentou, na forma de um homem de estratégia. A maneira como os acontecimentos que levaram à emancipação de Varzedo foi sendo conduzida comprova o grande estrategista que monsenhor era. O seu encontro com o deputado estadual Coriolano Sales foi habilmente marcado no início dos trabalhos da Assembléia Legislativa do Estado, do ano de 1985, justamente quando uma lei que viabilizava a criação de novos municípios na Bahia, havia acabado de ser aprovada. Naquele momento, Varzedo não estaria sozinha na luta, uma vez que vários outros municípios baianos também estavam pleiteando a autonomia. Ao procurar o deputado Coriolano, Monsenhor sabia que ele era membro da Comissão de Divisão Territorial do Estado, cuja função era analisar as propostas dos distritos que requeriam emancipação. Assim, sabia do poder político do mesmo naquele momento. Estava ciente de que se tratava da pessoa certa, no momento certo. Foi o próprio Padre quem afirmou tratar-se de: “influente político [...] a pessoa indicada para concretizar o sonho de emancipar Varzedo.”308 Não só monsenhor mostrou saber o momento oportuno para iniciar a luta, como também os aliados adequados, sabendo exatamente os argumentos que lhes cabiam, como no caso de Nonô, quando lhe lançou a semente da vaidade, lembrando-o de que, em caso de emancipação de Varzedo, certamente ele seria eleito prefeito, como de fato se deu. Também soube explorar convenientemente os discursos flamejantes e pungentes, tocando nos brios do povo varzedense. Ao clamar pela liberdade, além de elencar as vantagens do ato em si para o município: garantia de autonomia política, administrativa e financeira; realização de eleições diretas, onde o povo escolheria quem dirigiria seus destinos; recebimento de participação na receita da união, através do Fundo de Participação dos 307

FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. SAMPAIO, Monsenhor Gilberto Vaz. Emancipação de Varzedo – Quatro Anos de Luta. Gráfica e editora Exemplar, Santo Antônio de Jesus – Bahia, 2007, p. 27.

308

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Municípios e do Imposto de Circulação de Mercadorias; sempre enfatizava que a autonomia era uma questão de honra e dignidade para o povo309. “Ser grande é, antes de tudo, levantar-se acima do que é mesquinho, aproximar-se do que é nobre.”310 Ainda em Varzedo, na sua luta pela educação, a perseverança e estratégia, mais uma vez se mostraram condição sine qua non para alcançar as vitórias pretendidas.

A perseverança do Padre foi decisiva. Era a única pessoa que pensava naquele momento em educação. [...] o maior legado deixado pelo Padre Gilberto foi a educação. Ele não apenas ensinou a mim, mas a todos os varzedenses que a ferramenta para uma libertação era a educação. Mostrou que mesmo no fundo do poço, através da educação era possível se reerguer como Zeus se reergueu das cinzas.311

As falas do professor Geovan refletem não apenas um discurso ou falácia de monsenhor, mas uma prática cotidiana adotada em sua vida pessoal e ministerial. Padre Cristovão relata o episódio de seu nascimento, onde Monsenhor Gilberto esteve presente, demonstrando acreditar na força da vida e transmitindo este pensamento aos seus paroquianos. Tenho particularmente uma gratidão muito grande por Padre Gilberto. No momento em que eu estava nascendo, eu era o oitavo filho e minha mãe estava muito frágil, passando muito mal, com medo de falecer no parto, por ser realizado na roça e em condições tão difíceis. Seis meses antes tinha perdido uma filha, Carmem Maria, e anteriormente, outro filho chamado Manoel. Então veja o carinho e o amor às pessoas que Padre Gilberto dedicava. Ele deslocou-se de onde estava, deixou de fazer o que estava fazendo e foi a cavalo fazer a confissão de minha mãe. Dois dias depois eu nasci. Sobrevivi, fui batizado, fiz primeira comunhão e fui crismado por ele. Tenho uma história de vida e sou muito grato a Deus por isso. Padre Gilberto acompanhou a história de minha família.312

A gratidão é outro adjetivo recorrente nas falas dos entrevistados. Monsenhor era um líder carismático por essência e seu trabalho de educador e evangelizador repercute até hoje. Sendo de Amargosa, conhecia muito bem os municípios da região, e também era muito conhecido pelo povo naquela época. Muito mais do que hoje, mas as sementes que plantou continuam germinando. “Antigamente as pessoas eram muito mais religiosas. Hoje se o padre

309

Idem. Op.cit., p. 146 a 174. Idem. Op. cit., p. 147. 311 SOUZA, Antônio Geovan. Entrevista concedida em 04 de Maio de 2010 312 FIGUERÊDO, Cristovão Reis Brito. Entrevista concedida em 02 de agosto de 2011. 310

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não for até o povo, o povo não conhece o padre. Antigamente o Povo ia até a Igreja e mesmo que o padre não fosse ao povo, o povo sabia quem ele era.”313 Nos dias atuais, os trabalhos desenvolvidos pela diocese de Amargosa, que muito se destaca nos trabalhos comunitários, espelham-se na atuação de outras lideranças que nela atuaram, deixando suas marcas positivas, mas principalmente em Monsenhor Gilberto.314 Padre Cristovão considera a Igreja Católica realmente presente na comunidade e conclui que todo desenvolvimento, sobretudo nos aspectos sociais tem a marca da Igreja de maneira preponderante que, juntamente com a Cáritas Diocesana, levam esse trabalho social adiante em muitos projetos que estão sendo desenvolvidos para dar qualidade de vida às pessoas.315

No momento, temos na diocese de Amargosa, nove municípios que estão sendo assistidos, principalmente no semi-árido baiano, inclusive Amargosa. Em cada município estão sendo construídas 250 cisternas para captação de água, sendo que 50 destas são para auxiliar na plantação além de consumo. Então a Igreja não está alheia às questões sociais. A gente tem em algumas paróquias projetos sociais que são de fundamental importância, nós temos um programa de fé e política que vem sendo desenvolvido pela dimensão sócio transformadora na nossa diocese que vai capacitando pessoas para trabalharem exatamente nesta dinâmica do desenvolvimento social de dar qualidade de vida para as famílias. A gente com o trabalho que desenvolve, não quer enganar, quer libertar, como um todo, quer conscientizar Ressalta o trabalho social do MEB de conscientização e formação das pessoas. Conscientizá-las de que são parte integrante do processo de desenvolvimento social, sem a intenção de ser o ópio do povo.

A fala de Padre Cristovão, ao apontar a participação preponderante da Igreja Católica nas transformações sociais, deixa claro a sua dimensão, força e poder, na história aqui contada do Recôncavo baiano, através dos rastros de Monsenhor Gilberto. Dessa maneira, a abordagem da trajetória individual, em suas numerosas relações de interdependência ou de subordinação, na compreensão das sociedades de Amargosa, São Miguel das Matas e Varzedo, em suas vivências, como construção e constructo humanos tecidos juntos.

Para o historiador, não está em foco uma recuperação de dados biográficos de cunho individualista e psicológico, mas sim a reconstrução, através dos relatos, da trajetória histórica e cultural de um determinado grupo, ou ainda, 313

Ibidem. Ibidem. 315 Ibidem. 314

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das forças que constituem um campo social. Bourdieu atesta que “compreender é primeiro compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se faz”.316

E é na esfera do poder religioso que essa história se fez. Não obstante o avanço recente de outras religiões nessas comunidades, a Igreja Católica sempre teve uma forte influência no pensamento vigente da sociedade. Não olvidando a força do carisma e liderança de Monsenhor Gilberto, empregados com fervor no que acreditava, seu sucesso estava intrinsecamente relacionado ao fato de ser um homem “próximo de Deus”, sobretudo, pelo fato de sua trajetória perfazer-se em localidades sócio-política e economicamente fincadas no legado católico colonizatório. Desse modo, essas cidades estão marcadas em antes, durante e depois do Padre Gilberto, no que lhe conferia o sacerdócio, em seus signos e representações, entre o real e o simbólico. O significado de Monsenhor nestas localidades, principalmente Varzedo, era tão forte, que a própria Diocese de Amargosa se viu obrigada a quebrar seu protocolo para atendê-lo especialmente. Tendo por norma adotada, só permitir que um padre permaneça numa mesma paróquia, no máximo seis anos, com Padre Gilberto a Diocese agiu diferente. Em Varzedo, ele ficou por vinte e seis anos, bem mais além do que o Bispo poderia admitir. Dom João Nilton explicou a decisão da Diocese, utilizando o argumento do amor que Monsenhor tinha àquela terra. Era um apaixonado por Varzedo. E pela questão da idade, ele não podia ficar subindo e descendo de muda e teria dificuldades em se ajustar a outro ambiente. [...] Olhamos também a afinidade que ele tinha com o povo e o povo com ele. Era uma reciprocidade muito grande. Então achei por bem que ele tinha que ficar na terra que amava.317

O amor era um sentimento muito presente na vida de Monsenhor. Padre Gilton o conheceu em 1984, mas só a partir de 1991, quando se ordenou Padre, pôde estreitar os seus laços com Monsenhor. De 1991 a 1998, Monsenhor Gilberto ficou encarregado de cuidar da fazenda da Diocese localizada no município de Ubaíra, e o fez na companhia do Padre Gilton.

316

PIOVESAN, Greyce Kely. Biografia, Trajetória e História. IN Estudos Históricos, n. 19, Rio de Janeiro, 1997, p.6. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/Greyce%20Kely.pdf>. Acessado em: outubro de 2008. 317 NILTON, D. João. Entrevista concedida em 23 de Abril de 2010.

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A cada dois meses eles pegavam a estrada juntos. Saíam de Varzedo antes do alvorecer, por volta das três horas da madrugada e seguiam viagem.318 Pedia sempre para tocar as músicas de Roberto Carlos, a quem atribuía ser um conhecedor muito grande de Deus, baseado nas letras de suas músicas, sobretudo, a sua preferida “Jesus Cristo”. Padre Gilton lembra que costumava brincar dizendo que, de tanto repetir esta música, o CD iria furar. Quando paravam em algum lugar para comer, Monsenhor sempre trazia um farnel com farofa de carne do sol e uma garrafa térmica com café com leite. Esse era o cardápio preferido nas viagens, pela praticidade e rapidez necessária à refeição, ante a longa estrada a ser percorrida ainda. O objetivo era chegar cedo à fazenda para aproveitar o dia de trabalho. Lá, passavam uma semana inteira acordando cedo e só voltando por volta das oito horas da noite, percorrendo e fiscalizando tudo. Sem nunca demonstrar cansaço, vigiava tudo em mínimos detalhes.319 Talvez, justamente por ser minucioso e detalhista, o seu lazer favorito tenha sido a apicultura. Mas, mesmo nas horas de lazer, monsenhor não deixava de pensar no próximo. O que começou como uma atividade lúdica acabou se tornando estímulo para proporcionar nova fonte de renda para as pessoas da comunidade. Entusiasmado com a nova atividade, passou a disseminar a ideia de apicultura, agregando novos pequenos produtores, compartilhando seus saberes relativos à criação de abelhas.

Imagem 14: Monsenhor trabalhando na apicultura. Foto s/d e créditos. Pertencente ao acervo particular da família.

318 319

Cf. ABREU, Padre Gilton, Entrevista realizada em 14 de novembro de 2011. Idem. Entrevista concedida em 27 de abril de 2010.

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Ele herdou do pai que tinha cortiços e vendeu mel por muitos anos em Amargosa. As pessoas riam muito quando o encontravam com aquela roupa branca, encapuzado, colhendo mel. Procurando uma maneira de distração, decidiu pedir aos amigos fazendeiros para fazer cortiços. Chegou a juntar mais de 200 litros de mel de uma só vez. Quando não vendia, distribuía às pessoas mais necessitadas. Dentro dessa roupa, sempre acenava para todos que passavam por ele. Era engraçado vê-lo vestido daquele jeito.320

Monsenhor procurava agir na convivência com o próximo, como a sua passagem bíblica preferida, Atos dos Apóstolos, capitulo I: “Vendia-se tudo e colocava-se nos pés dos apóstolos”. Assim ele agia e procurava conviver com o próximo.321 Ao morrer, nem mesmo a casa que morava em Varzedo lhe pertencia, pois já a havia doado em vida a Marilene Santos, que trabalhou com o Padre, ajudando-o quanto aos afazeres domésticos desde a infância até aqueles dias. “Padre Gilberto era um homem muito bom. Sempre ajudava a todos e não se sentia dono de nada.”322 Não obstante todo o seu desprendimento, Padre Gilberto não deixou de usufruir do poder econômico na realização de um sonho seu muito especial. Sem nunca ter tirado férias durante os longos anos de trabalho sacerdotal, foi convidado pela Diocese, no ano de 1996, para ir à Terra Santa. Então, embora o avançado da sua idade, acompanhado por Padre Gilton, viajou por 22 dias, em estado de êxtase tão grande, que não lhe permitiu sentir cansaço algum, tamanha era sua felicidade. Ao chegar a Jerusalém, na gruta do nascimento de Cristo, foi convidado a presidir uma missa, graça pela qual agradeceu em várias línguas. Visitou também o Santo Sepulcro, onde se lembrou de pedir bênçãos pelo povo de Amargosa e por Dom João Nilton e a todo bispo que um dia viesse ocupar seu posto. Foi ainda a Israel, onde conheceu o Mar Morto; em Portugal, visitou o Santuário de Fátima; na cripta vaticana, orou junto à sepultura de João Paulo I; ainda na cidade do Vaticano, fez questão de ficar bem próximo do papa móvel; e, por fim, mais uma vez, emocionou-se ante a grandiosidade Basílica de São Pedro, em Roma.

320

Ibidem. Cf. ABREU, Padre Gilton, Entrevista realizada em 27 de abril de 2011. 322 FRANÇA, Padre Nelson. Entrevista realizada em 06 de maio de 2010. 321

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Imagem 15: Busto em homenagem ao Monsenhor Gilberto (In Memoriam), colocado na Praça construída frente à Igreja de São Roque, na cidade de São Miguel das Matas, marcando oficialmente a inauguração do pavimento. Foto extraída do Jornal Criativa online, reportagem publicada em 02 de setembro de 2010.

Diante de depoimentos tão marcados pelos sentimentos e emoções, difícil não cair numa “ilusão hagiográfica”, parafraseando a “ilusão biográfica” tão alertada por Bourdieu.323 Para Ricoeur, “não existe narrativa eticamente neutra.”324 O que é fato, uma vez que não há possibilidade de uma tradução total do passado. Então, a ética, para o ofício do historiador, está no seu dever em munir-se de um sólido arcabouço teórico-metodológico, sem temer à subjetividade, inseparavelmente contida na produção do conhecimento, buscando sempre equilibrá-la com a análise científica. “O objetivo do historiador não deve ser a constituição de uma história objetiva, mas de uma história alimentada por uma boa subjetividade.”325 Segundo o mesmo autor, a subjetividade se faz presente no caminho do historiador, “não como um estado ao qual é preciso se render, nem como uma graça divina, mas como um percurso de busca.”326 Não existe uma única maneira de ver o ocorrido e, nesse sentido, a tarefa do historiador é infindável. Não há fatos estritamente políticos, econômicos ou culturais, todas as 323

BOURDIEU, Pierre. A ilusão Biográfica. In AMADO, Janaina e FERREIRA, Marieta (coord.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro/ RJ. Ed. Da Fundação Getúlio Vargas, 1996. 324 RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Trad. Luci Moreira Cesar. Campinas – SP, Editora Papirus, 1991, p. 140. 325 Ibidem. 326 LORIGA, Sabina. “A tarefa do historiador”. In: GOMES, Ângela de Castro & SCHMIDT, Benito Bisso. Memórias e narrativas (auto)biográficas. Rio de Janeiro: Editora FGV; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009, p. 30.

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dimensões do social dialogam e concorrem para o desencadeamento dos acontecimentos. Tampouco existiu um Monsenhor Gilberto que tenha transitado exclusivamente no reino da luz ou das sombras, o que seria uma visão maniqueísta de seu perfil. Mas, existiu um homem virtuoso, que soube bem exercer seu mandato sacerdotal, utilizando-se do poder que este lhe conferia, com todos os signos e significações que carregava. Esse homem, tomado em sua trajetória particular e observado a partir de suas relações sociais, mostrou o estreitamento entre o individual e o coletivo (e vice-versa), através de uma narrativa que identificou a si mesmo sob sua ótica e a de terceiros, em memórias biográficas e autobiográficas que enredam uma determinada região. Ainda neste percurso das histórias de vida narradas, outra aproximação ocorre: a literatura e a história, quando perpassam as trilhas do imaginário, relativizando assim a dualidade verdade/ficção, real/não-real, ciência ou não.

[...] A literatura é um vasto laboratório onde são testadas estimações, avaliações, julgamentos de aprovação e de condenação pelos quais a narrativa serve de propedêutica à ética, [...] laboratório [...] enquanto espaço para testes do si em relação ao outro e, por isso, enquanto espaço/ tempo para a constituição/construção da(s) identidade(s). 327

Nesse contexto, a identidade de Monsenhor se construiu no reconhecimento, quando interpretada através das histórias contadas a seu respeito, porquanto o conhecimento de si próprio é uma interpretação de si, que por sua vez, encontra na narrativa, entre outros signos e símbolos, uma mediação privilegiada. As cidades de Amargosa, São Miguel das Matas, Varzedo, Laje, Mutuípe, Santo Antônio de Jesus, Sant’Ana do Rio da Dona, Aratuípe, Castro Alves, Rafael Jambeiro, Elísio Medrado, Conceição do Almeida e seu distrito Muritibinha; além das Paróquias de São José do Andaiá na cidade de Santo Antônio de Jesus, foram alguns dos lugares por onde Monsenhor trilhou, reconhecendo-se e fazendo-se reconhecer.

327

RICOEUR, Paul. Op. cit., p. 140.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao escolher como objeto da pesquisa, que desenvolvi no Mestrado em História Regional e Local, a temática intitulada Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio: uma importante liderança na construção político-social no Recôncavo Sul baiano - 1952 a 2008 objetivei encaminhar uma discussão em torno da biografia do religioso, privilegiando a memória social como um processo que encaminha a trama histórica, considerando as lembranças e os esquecimentos como fatos que problematizam a tessitura da escrita da História. Desse modo, o ponto de partida da pesquisa foram as diversas narrativas relacionadas à biografia do Padre, que trouxeram ao presente algumas das suas experiências vividas em comunidades do Recôncavo Sul, atinentes à atuação do religioso no contexto educacional; à sua relação com a Igreja Católica e a política local; e às lembranças que envolvem a trajetória de Monsenhor Gilberto, na perspectiva de responder às questões propostas: Quem foi esse homem? Que relevância se estabelece entre sua trajetória de sua vida e a história das cidades onde foi pároco? Como as comunidades por onde trilhou o significaram? Que imagem de si tencionou projetar à posteridade em seus muitos escritos deixados? Como padre e representante da Igreja Católica, que papel exerceu na composição político-social do recôncavo baiano? Ao optar pela biografia enquanto caminho para a construção da escrita histórica, o trabalho científico passa a se situar numa interconexão de feições diversas, onde os saberes historiográficos se imiscuem numa possibilidade legítima de compreensão do passado: a História Política, nas abordagens sobre poder; História Social, ao discutir os grupos, relações e transformações na sociedade; a História Econômica, quando as relações de produção, circulação e consumo de bens e serviços são elencados; por fim, e não menos importante, a História das Mentalidades, invocada através do uso recorrente das memórias, dos sentimentos e da forte presença da religiosidade. Embora o gênero acima aludido tenha experimentado, especialmente nas últimas décadas, o fenômeno denominado “retorno da biografia”, possibilitando uma leitura mais aprofundada e complexa acerca do real,

restaurando o papel dos indivíduos na construção

dos laços sociais; não se pode olvidar que o método biográfico suscita alguns questionamentos no que se refere tanto à sua cientificidade, decorrente da presença da subjetividade do biógrafo e do biografado, quanto à adequação da análise à realidade social. 127


Entretanto, essas e outras questões são dirimidas, à medida em que, enquanto historiadores, abordamos as trajetórias de vida como resultado dos complexos processos socias experimentados por um dado grupo em uma dada sociedade. Através do diálogo historiográfico e a partir da interconexão das fontes, sem a intenção de confirmar ou refutar verdades, mas sim no intuito de ampliar as possibilidades de confrontar as informação disponíveis, é possível perceber as várias dimensões de um “determinado acontecimento”, com nuances que só a micro-análise permite. Desse modo, a reconstituição de microcontextos, através da escala de observação reduzida. E, no caso da biografia especificamente, nos rastros do biografado. Por outro lado, a dimensão subjetiva mostra-se inerente às construções históricas acerca dos indivíduos e dos grupos, na multiplicidade das suas condutas, nas práticas sociais e nas representações sobre o real, que manifestam o conhecimento do vivido e do não vivido. Ao apreender os significados dos fatos evocados pelos narradores em suas diversidades de interpretações e subjetividades nos depoimentos, surge a riqueza das contradições que contribuem para a problematização da pesquisa, oportunizando o diálogo com as variadas fontes que acabam por se complementarem mutuamente. Neste trabalho, especificamente, predominam as fontes orais, que são tomadas como uma releitura do passado à luz do presente. Dentro dessa perspectiva historiográfica, esta Dissertação objetivou problematizar a trajetória de um líder, semeador de cidadania e homem de luta comprometido com as causas sociais. Aqui, o relato sobre a vida do Monsenhor Gilberto foi tomado como fio condutor para discutir os movimentos políticos, sociais e culturais no Recôncavo Sul da Bahia, no período compreendido entre 1952 e 2008. A partir das vivências do Padre, tão intensamente partilhadas junto aos grupos sociais nos quais se inseriu, e através das projeções do passado no presente, por meio das lembranças projetadas em memórias redivivas, buscou-se a compreensão das transformações operadas nas sociedades por onde ele se fez presente. Os posicionamentos de Padre Gilberto, especialmente no tocante às questões políticas e filosóficas, quando da sua passagem por 21 localidades do Recôncavo baiano, de maneira especial em São Miguel das Matas e Varzedo, resultaram em intervenções sociais que em muito influenciaram os rumos do processo histórico destes lugares. Portanto, a sua trajetória e a história de uma significativa porção territorial do estado da Bahia estão intimamente ligadas, nas interseções existentes entre o individual e o coletivo e vice-versa. 128


Embora apenas alguns trechos da história de Monsenhor Gilberto tenham sido apresentados aqui, ao registrar a sua trajetória, quer seja a partir das suas próprias memórias, ou de terceiros, surge uma melhor compreensão do homem, educador, evangelizador e cidadão atuante que foi na região. Não olvidando as motivações e justificativas que permeiam os depoimentos aqui elencados, uma vez que as narrativas são feitas de escolhas do que se deve ou não revelar, é fato que as falas são uníssonas ao asseverarem o seu papel de liderança e articulação nas muitas conquistas alcançadas. A emancipação de Varzedo; a implantação das escolas de primeiro e segundo grau em São Miguel das Matas, Tabuleiro do Castro, Santo Antônio de Jesus e Varzedo; a organização de movimentos dos jovens católicos; a criação do Sindicato dos trabalhadores Rurais; e a formação de frentes populares para a construção de casas para a população carente em São Miguel das Matas. Todas estas ações permitem uma correlação da caminhada sacerdotal que Monsenhor Gilberto empreendeu com as transformações políticas e sociais no Recôncavo Sul, no mesmo período. No encontro das especificidades pessoais e da conjuntura histórica na qual viveu Monsenhor Gilberto Vaz Sampaio, o pensamento das comunidades se manifestou, com todos os símbolos e significações que carrega, conferindo sentido histórico à biografia do religioso e possibilitando a compreensão do mundo social de um determinado espaço, em um dado momento, por meio das memórias individuais e coletivas. Os sinais emitidos na história aqui contada remetem, dentre outras reflexões, à compreensão das inter-relações que se estabeleceram entre a sociedade brasileira e a Igreja Católica no processo de formação das cidades, manifestas no interior das relações sociais construídas a partir das experiências de vida relatadas. A emancipação de Varzedo é um forte exemplo desse poder religioso vigente, quando tem seu processo deflagrado após uma conversação entre o deputado Coriolano Sales e Monsenhor Gilberto. Embora tenha tomado a conotação de uma luta de forte apelo popular, sob um olhar mais atento, o episódio só reafirmou e consolidou a hierarquia predominante em seus múltiplos aspectos sócioreligiosos. Na releitura dos fatos aqui proposta, muitos foram os depoimentos arrolados, deixando perceptível a forte influência de Monsenhor Gilberto nas comunidades onde atuou. Esta constatação depreende-se, também, da recorrente coerência interpretativa e narrativa dos fatos nos referidos relatos, numa construção coletiva a partir das memórias, que consagram a versão 129


de seu ativismo social, através da militância continua, visando sempre às mudanças sociais e privilegiando a ação direta, nos seus muitos sermões e palestras, sempre recheados da defesa dos seus ideais. Ao finalizar este trabalho, creio ter atingido meu intento maior, que foi tornar público a trajetória de monsenhor Gilberto e sua relação com as diversas ações transformadoras do ponto de vista sócio-político no Recôncavo Sul baiano, além de compreender como ele via a si mesmo e de que forma a comunidade o percebia. Obviamente, as discussões propostas, as possibilidades da biografia histórica, os usos e abusos da História Oral, a problematização das memórias e narrativas, dentre outras, não se encerram aqui. Fica, então, o convite ao leitor para a ampliação dos estudos propostos.

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FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arquivos e bibliotecas

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Fontes impressas

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Fontes iconográficas

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Imagem 3: Primeira turma de formandos do Colégio de 2º Grau Nossa Senhora da Conceição. Crédito da foto Ana Lúcia de Almeida s.d. Arquivo pessoal da Jornalista Aricelma Araújo dos Santos. Imagem 4: Centro Comunitário de São Roque dos Macacos, Crédito da foto: Ana Lúcia de Almeida, s.d. Arquivo pessoal de Aricelma Araújo dos Santos. Imagem 5: Primeiro cartaz confeccionado pelos “contra-emancipação”. Arquivo pessoal de Jorge Amorim, s.d. Imagem 6: Segundo cartaz distribuído pelos “contra-emancipação”. Arquivo pessoal de Jorge Amorim, s.d. Imagem 7: Capela de Nossa Senhora das Amargosas. Foto pertencente ao Arquivo Público de Amargosa, de autoria desconhecida e sem datação. Imagem 8: Casa onde monsenhor Gilberto nasceu e viveu a sua infância. Foto e crédito pertencente à jornalista Aricelma Araújo dos Santos, de seu Arquivo Pessoal s/d. Imagem 9: Local onde funcionava a escola da professora Mimira Espinheira. Foto e crédito pertencentes à jornalista Aricelma Araújo dos Santos. Arquivo pessoal da mesma, s/d. Imagem 10: A estação ferroviária nos anos 40. Acervo da Prefeitura Municipal de Amargosa Sem identificação para os créditos fotográficos e s.d. Imagem 11: Estrada de Ferro Nazaré/Ilhéus - Ramal de Amargosa - km 129, 135 (1960) BA4404. Foto pertencente ao Arquivo Público de Amargosa, s.d. Créditos fotográficos desconhecidos. Imagem12: Foto de Padre Gilberto montado em Beija-flor, Arquivo Pessoal de D. Hilda Vaz. Sem datação e créditos estabelecidos. Imagem 13: Foto de uma das reuniões do grupo JAC em São Miguel das Matas. Crédito pertencente a Maria Júlia dos Santos Souza, s.d. Foto pertencente ao Arquivo Pessoal de Aricelma Araújo dos Santos. Imagem 14: Foto de Monsenhor. Foto s/d e créditos. Pertencente ao acervo particular da família. Imagem 15: Foto de Busto em homenagem ao Monsenhor Gilberto. Foto extraída do Jornal Criativa online, reportagem publicada em 02 de setembro de 2010.

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