PROGRAMA DE GOVERNO A FORTALEZA QUE RESISTE (PSOL | PCB) 2016
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PROGRAMA FORTALEZA QUE RESISTE – PSOL-PCB/2016 Introdução 1. NOSSA FORTALEZA QUE RESISTE 1. Nossa Fortaleza comum 1.1. Direitos básicos 1.2. Mudança no modelo de cidade. 1.3 A Fortaleza da gente: horizontal e participativa 1.4. Princípios de uma Fortaleza que resiste 1.4.1. A resistência como atitude ativa na sociedade. 1.4.2. A reinvenção da política como necessidade 1.4.3. O Outro nos convoca 1.4.4. Somos singularmente natureza e cultura, simultaneamente 1.4.5. A cidade deve ser para as pessoas, não para o capital 1.4.6 A cidade como mosaico e tessitura de diversos territórios de resistências criativas 1.5 Nosso programa 2. FORTALEZA DA GENTE: Convivialidade e Direito à Cidade 2.1. Meio Ambiente Nossas Propostas 2.1.1. Energia, mudanças climáticas e aquecimento global 1.2. Mobilidade Humana 2.1.3 Saneamento Ambiental. 2.1.4 Conservação dos ecossistemas e da biodiversidade e unidades de conservação 2.1.4.1. Arborização 2.1.5 Educação Ambiental 2.1.6 Vida Animal. 2.1.7 Controle urbano-ambiental 2.2 Planejamento Urbano, Habitabilidade e Direito à Moradia 2.2.1. Planejamento Urbano e Habitabilidade 2.2.2. Direito à Moradia Nossas Propostas 2.3 Os serviços sociais municipais como prestação pública 2.3.1 Educação 2.3.1.1 Princípios orientadores para a Educação como direito 1 - Solidariedade e responsabilidades coletivas, face ao individualismo e competitividade. 2 - Democratização da gestão 3 - Recursos públicos para a gestão dos equipamentos públicos 2.3.1.2 Efetivação do Direito à Educação 2.3.1.3 Valorização dos/as profissionais da educação 2.3.1.4 Temas que orientam as iniciativas e propostas 2.3.1.5 Iniciativas comprometidas com uma educação de qualidade 1 – Educação Integral 2 – Qualidade social na Educação 2. I – Uma mudança de paradigma pedagógico 2. II – Uma nova compreensão da formação de professores/as em serviço
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3 – Instalações e equipamentos 3. I – A escola ― um espaço gostoso de estar 3. II – A escola ― um espaço gostoso de aprender 4 – Análise de desempenho da educação 4. I – Educação Infantil e creches 5 –Financiamento 2.3.2 Saúde 2.3.2.1 Saúde é política e resistência 2.3.2.1.1 Determinantes Sociais da Saúde Nossas Propostas Saúde e Natureza, Território e Cidade Saúde é Cultura/Educação/Lazer Saúde é Serviço de Qualidade Fortalecer a rede de Atenção Básica 2. Organizar os serviços de Atenção Secundária 3. Organizar os serviços de Atenção Terciária 2.4. Direitos Humanos, Segurança Humana e Proteção Social 2.4.1 Segurança: um direito de todos (as) Nossas Propostas 2.4.2 Política de drogas Nossas Propostas 2.4.3 Proteção social Nossas Propostas 2.4.4 Políticas para grupos em situação de vulnerabilidade a) Infância, Adolescência e Juventude são expressões essenciais da vida social Nossas Propostas b) A Fortaleza das Mulheres Nossas Propostas c) Raça e etnia: tire seu racismo do caminho, que eu quero passar com a minha cor) Nossas Propostas d) População de Rua Nossas Propostas e) Pessoas com deficiência Nossas Propostas f) Fortaleza de Todas as Cores: Dignidade, Respeito e Direitos para a População LGBT Nossas Propostas 2.5 Cultura, Artes e Comunicação 2.5.1 Por uma Fortaleza que resiste, na ética e na estética! Nossas Propostas a) Fortalecimento institucional das políticas públicas para a Cultura b) Formação c) Fomento e Circulação d) Patrimônio Cultural Material e Imaterial e) Transversalidade e Intersetorialidade 2.5.2 Comunicação – políticas para a governança pop. e garantia do direito á comunicação Nossas Propostas a) Comunicação c/ instrumento de democratização da gestão pública e fortalec. Part. Popular
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b) Politicas de ampliação da transparência garantia acesso á informação públ. e compart. conhec. c) Politicas públicas para acesso a meios de comunicação e fomento á pluralidade e á diversidade d) Gestão participativa das politicas de comunicação 2.6 Esporte 2.7.1. Limites e possibilidades da gestão municipal no campo econômico 2.7.2. Economia e Tecnologia 2.7.3 Economia Criativa x Economia Solidária Nossas Propostas 2.7.4 Fortaleza e o Desenvolvimento Humano Municipal 2.7.4.1 Pobreza e Desigualdade Nossas Propostas 2.7.4.2 O programa Bolsa Família em Fortaleza 2.7.4.2.1. Programa Bolsa Família-PBF: números gerais 2.7.4.2.2 Condicionalidades do PBF 2.7.4.2.2.1 Educação 2.7.4.2.2 Saúde Nossas Propostas 2.7.4.3 Empresas Municipais 2.7.4.3.1 Ações para fortalecer a economia do município 2.8. (Auto) gestão Pública, orçamento, transparência e participação social 2.8.1. Diretriz Histórica Nossas Propostas
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Introdução ―O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido.‖ Hannah Arendt
Ao pensarmos um projeto de cidade, delineamos aqui o quadro relativo ao programa de governo da campanha de 2016 do PSOL e do PCB à prefeitura de Fortaleza, no sentido de que esse projeto de cidade seja feito em prol do bem comum das pessoas. Um projeto de cidade moderna, inteligente, consciente das nossas fortalezas e das nossas necessidades; consciente da complexidade presente e certamente à altura dos desafios atuais e futuros. Usualmente os avanços e as mudanças inovadoras são frutos da mudança de perspectiva. Quando algo não vai bem, não é uma boa ideia insistir no caminho que nos trouxe até essa realidade problemática. Talvez seja essa uma das grandes vantagens da democracia, pois a democracia permite que as ideias sejam renovadas e que as novas perspectivas apareçam. Nesse sentido, somos diferentes, pensamos diferentes ― e atuamos de maneira diferente do que esteve no poder até aqui. Essas diferenças, no entanto, constituem-nos, enquanto tecido social, de maneira a poder, a partir de múltiplas singularidades em confronto com um modo que se apresenta como “caminho único e inequívoco”, lidar com as complexidades que a vida e a política na contemporaneidade nos colocam cotidianamente. Nesse contexto complexo, então, a Fortaleza da atualidade demonstra desperdícios enormes e prioridades equivocadas. Temos muita riqueza mal distribuída por problemas de concepção. Por conseguinte, a solução requer inteligência e novas perspectivas: muitos foram aqueles e aquelas que foram ignorados (as) porque não interessavam ao quadro atual dos poderes políticos e financeiros estabelecidos e alçados ao governo da cidade, em um cenário praticamente “impermeável” à perspectiva do bem comum. Este programa (inicial, ainda) busca, porém, resgatar essa perspectiva do bem comum ― e por isso é escrito a muitas mãos e a partir de diversas experiências de lutadores (as) sociais de nossa Fortaleza. São mãos eivadas de vontade, mãos engajadas nas lutas sociais ― de profissionais, servidores (as) públicos (as), de jovens, mulheres, negros e negras, LGBTs, trabalhadores (as) de vários segmentos, acadêmicos (as). Nosso desejo é que estas mãos se multipliquem e que se intensifique a energia criativa que move nossas várias fortalezas. As muitas fortalezas que fazem esta nossa Fortaleza comum em contraponto às perspectivas outras que creem que a cidade pode ser governada para as pessoas, sem as pessoas. Apresentamos, pois, um programa de base realista, prático e sintonizado com os desafios presentes e com o futuro para que o amanhã possa se pintar com as cores da força, da confiança, da equanimidade e do sonho. Sabemos, contudo, que o momento é de desconfiança com a política em geral. Há muito que, no Brasil e no mundo, a política passou a ser tratada como “balcão de negócios”. Em nossas campanhas no Ceará e em Fortaleza, porém, sempre denunciamos o financiamento empresarial, sempre buscamos explicar as consequências nefastas deste modelo arcaico de fazer política. Em um sistema social no qual a busca pelo lucro está acima de tudo, inclusive da vida, empresas nunca “doam” dinheiro para campanhas eleitorais mas, sim, “investem”. E como “quem paga a banda, escolhe a música”, segundo diz o ditado, são as grandes empresas que fazem investimentos massivos nas campanhas eleitorais que terminam por definir os rumos da política brasileira. Vivemos, hoje, uma crise profunda de nosso sistema político, eivado de corrupção e interesses espúrios por todos os lados ― e a origem dessa crise está 4
justamente na estrutura de funcionamento do sistema. Nesse contexto político de desconfiança e crise, pois, o Brasil passou por um momento de fragilização da sua já muito limitada democracia, com um processo de impeachment com tão pouca legitimidade que se configura como um golpe institucional ― e que colocou à frente do poder Executivo um governo e um programa que não foram eleitos pelas urnas. Esse programa imposto de cima para baixo busca, de várias maneiras, atacar direitos dos (as) trabalhadores (as) e tentar readequar o Estado, de forma mais direta e com menos mediações, a uma dinâmica neoliberal, com corte de direitos sociais e cada vez mais abertura para o investimento privado em todas as áreas. Sabemos que não transformaremos toda essa realidade a partir de Fortaleza, mas temos certeza de que não somos uma ilha separada da totalidade do país. Neste sentido, o programa que estamos a construir busca demonstrar que é possível outra forma de gerir a cidade ― e que a reprodução eterna de uma lógica que coloca o lucro acima das pessoas não é uma necessidade. Precisamos construir, a partir da cidade onde vivemos, um processo de ressignificação da política. Sempre afirmamos que “a vida pede coragem” ― e na situação em que nos encontramos atualmente, mais do que nunca o desafio é reencantarse! Desse modo, o programa que ora apresentamos é uma produção provisória e inicial, uma vez que durante a campanha daremos seguimento ao debate público e à sua construção participativa e colaborativa. Entendemos como nosso papel o de convocar a sociedade ao debate para apresentar sua visão de mundo, opções estratégicas, princípios e ações ― e com ela dialogar, buscando um rumo comum. Essa atitude, portanto, enseja a construção de um programa novo, porque novas são as forças que se comprometem a desenvolvê-lo. Ou seria possível uma política energética comprometida com as energias renováveis a serviço das pessoas e do meio ambiente em Fortaleza a partir dos interesses de empresários que enriquecem com a proliferação das termelétricas e pela produção e consumo dos combustíveis fósseis? Poderíamos pensar em una política de serviços públicos eficiente, moderna, com setores que se beneficiam com as privatizações? Poderíamos pensar uma política de moradia digna para aqueles e aquelas que dela necessitam a partir de interesses de incorporadores imobiliários e especuladores? Poderíamos lutar contra a corrupção e a fraude fiscal com aqueles (as) que vivem destes mecanismos, financiando suas campanhas e lhe dando sustentação política? A nós isso não parece possível. Nós viemos dessa Fortaleza comum feita de lutadores (as) e, sabendo quem somos, de que lugar partimos e que Fortaleza queremos, buscamos ser a expressão de muitos (as) que não suportam mais o atual estado de coisas e que fazem de sua recusa um ato de criação de alternativas concretas. Cremos, então, nos processos ― sendo estes tão importantes quanto os resultados. Alimentamos a convicção de que um dos grandes desafios da atualidade é o de não permitir que a ação massacrante do mercado, em todas as suas formas, se aproprie, como vem fazendo, da política quase como que ao modo de uma mercadoria. Trabalhamos, assim, para que a política continue existindo como uma dimensão do humano que é, em si, fundamental ― dimensão essa de disputa das diferentes expectativas sobre nós, enquanto cidadãos e cidadãs, e sobre nosso futuro comum. Aqueles e aquelas que creem numa sociabilidade para além da forma capitalista ― destruidora e regressiva ―, entendem que seu desafio é agir desde o local, desde agora, provando a factibilidade de outras perspectivas de ser e estar no mundo. 5
Ser ecossocialista hoje é, pois, afirmar uma tradição crítica de lutas por igualdade, justiça, democracia real e de defesa da natureza. É reafirmar os ideais que moveram muitos e muitas antes de nós e que no agora recriamos, traduzimos e renovamos. É pensar o tempo presente buscando criar um novo futuro. Dessa forma, nosso programa aborda os problemas e as soluções de maneira integral. A realidade é multidimensional e complexa ― e produzir o diagnóstico e a solução de questões pressupõe enorme responsabilidade. Nosso programa é, nesse sentido, um mosaico onde as medidas se encaixam e necessitam uma das outras para que o desenho se harmonize, já que são concebidas como um todo onde o que se desenha é a Fortaleza que resiste ― uma cidade comum, em que se faça valer o que consideramos a principal característica do ser parte da cidade: o direito inalienável do povo de decidir sobre a produção desse espaço, exercendo de forma soberana o controle social do território. 1. NOSSA FORTALEZA QUE RESISTE ―(...) Nenhum ser humano jamais viveu sem sonhos diurnos, mas o que importa é saber sempre mais sobre eles e, desse modo, mantê-los direcionados de forma clara e solícita para o que é direito. Que os sonhos diurnos tornem-se ainda mais plenos, o que significa que eles se enriquecem justamente com o olhar sóbrio — não no sentido da obstinação, mas sim no de se tornar lúcido. Não no sentido do entendimento meramente contemplativo, que aceita as coisas como são e estão no momento, mas sim no da participação, que as aceita em seu movimento, portanto, também como podem ir melhor. Que os sonhos diurnos tornem-se, desse modo, realmente mais plenos, isto é, mais claros, menos caprichosos, mais conhecidos, mais compreendidos e mais em comunicação com o correr das coisas. Para que o trigo que quer amadurecer possa crescer e ser colhido.‖ Ernst Bloch (in O Princípio Esperança I)
1. Nossa Fortaleza comum Aquilo que, na história de Fortaleza, tem sido apresentado como o “universal”, invariavelmente remonta e tem representado a hegemonia da dominação privada de homens, de ricos, de brancos, de adultos, de héteros. As leis de mercado querem reger de maneira absoluta a vida e a dinâmica da cidade. Esta, no entanto, desde a sua gênese sempre se caracterizou por processos de resistência. Como exemplo disso basta lembrarmo-nos da resistência indígena frente às seguidas tentativas, por parte de portugueses e holandeses, de colonização do território onde hoje se localiza a nossa cidade. Dessa forma, pode-se dizer que a cidade de Fortaleza, se por um lado expõe a face desumana e alienante do capital, por outro é resistência e vida que se levanta na defesa do bem comum e da diversidade. Esta face se manifesta na solidariedade das mulheres feministas, dos negros e negras enfrentando o racismo, dos empobrecidos e empobrecidas na luta contra as desigualdades, no ambientalismo ecossocialista e no efetivo direito à cidade materializando a irredutível necessidade de enfrentamento à privatização dos espaços e dos serviços públicos. A Fortaleza que resiste, então, é a cidade na qual se busca medidas que priorizam o bem comum, medidas capazes de responder a várias problemáticas ao mesmo tempo, que supõem uma utilização mais eficaz dos recursos e que, paralelamente, satisfaçam as necessidades da maior parte da população. Ou seja, a Fortaleza que resiste é um tempo e um lugar onde se somem esforços para acrescentar, para sintetizar, para materializar o caráter transversal nas 6
ações cotidianas da cidade. É necessário, por isso, recuperar a moradia, a saúde, tratar a ferida da dívida pública e recuperar e melhorar os salários. São, todos estes, problemas coletivos que requerem responsabilidade pública. Para além de medidas para assegurar os direitos básicos da cidadania, é preciso também alterar o modelo de cidade. É necessário frear os processos de privatização, de desestabilização e de segregação que são produzidos e promover ainda novas práticas econômicas, sociais e culturais, mais cooperativas e sustentáveis. Fortaleza é uma cidade rica, com um tecido social complexo e uma capacidade criativa excepcional. Uma cidade em que no imaginário de seus e de suas habitantes pulsa a cidade pública vivenciada por moradores (as) em ruas, praças, praias e espaços públicos que se confrontam com a cultura privatizadora e especuladora que foi imposta como força predominante nas últimas décadas ― a sua outra face. Nesse sentido, clama para que não permitamos a dinâmica atual de um governo que pavimenta a estrada para as grandes corporações que logram enormes benefícios em seu favor e provocam desigualdades e prejuízos sem tamanho dirigidos à maior parte da população ― e que atinge níveis escandalosos. De modo que a Fortaleza que resiste é essa que tomamos como nossa e que faz frente às desigualdades. Uma cidade que quer fazer valer a inteligência coletiva de sua cidadania, enquanto vela pelos (as) que vivem e confrontam os desafios da crise urbana e ambiental. Queremos, pois, essa Fortaleza que tanto enfrenta suas urgências ― às quais temos que fazer face ― como propõe ações que nos permitirão rumar para a cidade que sonhamos, fruto de um trabalho coletivo onde todo mundo tem um lugar. Para caminhar rumo a este modelo de cidade é, no entanto, necessário avançar em três grandes linhas: 1.a afirmação de direitos básicos; 2.a mudança de modelo de cidade; 3.a defesa de uma Fortaleza horizontal e participativa. A Fortaleza que resiste, é importante lembrar, tem sido marcada pelas ocupações de escolas por estudantes secundaristas, pela luta dos professores e professoras, pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto e pelas ocupações que trazem à tona o problema da moradia; pelas organizações feministas, pelos coletivos culturais da periferia, pelas associações de LGBTs, pelo movimento contra o racismo e contra o extermínio da juventude negra e empobrecida ― enfim, por todos e todas nós no terreno próprio da política enquanto dimensão que prima pelo bem comum na cidade. Nunca foram tão relevantes, quanto a isso, as conexões dos partidos de esquerda com o movimento efervescente das ruas ― e essa realidade é a moldura do processo de elaboração deste programa, referente à candidatura de João Alfredo (PSOL) e de Raquel Lima (PCB) à prefeitura de Fortaleza. Trata-se de outra lógica do fazer político e de realizar campanha política eleitoral, deslocando seu centro para o terreno fértil não do “conhecimento especializado” mas das lutas ― a fonte fundamental de ideias sobre Fortaleza, seus desafios e alternativas. Nesse sentido, a campanha do PSOL e do PCB em prol do bem comum vai assim ao encontro livre dos (as) lutadores (as) sociais de nossa cidade ― e os (as) conclama a construir os patamares não apenas de uma campanha política mas as bases sobre as quais se possa construir uma cidade e uma convivialidade mais solidárias, justas e equânimes! 7
1.1 Direitos básicos É importante lembrar que Fortaleza foi sempre uma cidade rebelde frente às injustiças. Há uma face da cidade, contudo, que dá as costas à sua população ― e por isso trabalhamos para que Fortaleza seja também uma referência na luta contra as desigualdades. Para tanto, devemos promover medidas imediatas que abram um horizonte mais amplo de cidade onde as pessoas possam assegurar seus direitos básicos para uma vida digna ― razão pela qual devemos dar prioridade de maneira absoluta a este tema. Não é aceitável desconhecer que a crise econômica afeta duramente as populações empobrecidas em Fortaleza ― e que os direitos de cada pessoa de desfrutar de uma residência digna e de dispor de água em quantidade suficiente e de qualidade adequada para uso pessoal e doméstico estão sendo crescentemente negados. As mulheres ― como sujeitos ao mesmo tempo responsáveis mas invisibilizados relativamente ao trabalho reprodutivo que exercem e que é a base da estrutura desigual sobre a qual se ergue o capital ―, as mulheres sofrem com o empobrecimento material e são submetidas a condições de vida cada vez mais duras. A negação de direitos em Fortaleza assume, assim, uma face cruel. São muitos os problemas de moradia ― e as ocupações denunciam a gravidade da questão. A falta de serviços urbanos democraticamente distribuídos pela cidade desnuda a real apartação de nossa sociedade ― e a insegurança pública dilapida a qualidade de vida nos bairros e periferias, assim como rouba a vida da juventude, majoritariamente negra e moradora dessa Fortaleza cuja face cruel não só a exclui como a extermina. Não podemos, assim, nos acostumar com políticas que têm penalizado a maioria das pessoas na cidade de Fortaleza com faturas de água e energia que sobem cada vez mais e com as políticas de racionamento que prejudicam de maneira desigual e injusta os usuários e usuárias desses serviços. O que se vê diante dessa situação é uma espécie de “nanismo” da municipalidade mediante os dramas da população sobretaxada ― e a ausência de corresponsabilização por parte das grandes corporações privadas que gestionam esses serviços em regime de monopólio, por um lado se apropriando do lucro e, por outro, impondo “soluções” que implicam no crescente sacrifício da população empobrecida. Não podemos, também, abrir mão da necessidade de construir uma cidade mais humana e mais agradável para todos e todas, independentemente da idade, tipo, origens e capacidades. Isto exige assegurar o direito à educação num sentido amplo, ou seja, para além da escola, desde a primeira infância e ao longo da vida ― o que passa tanto pela promoção da saúde e do bem estar quanto pela existência de serviços sanitários acessíveis e de qualidade, e por cuidados com o ambiente, evitando a poluição e desperdício de recursos e de energia. Temos que enfatizar, ainda, a necessidade de atender às reivindicações de quem mais sofre com a face cruel de uma cidade segregadora, tolerante com a exclusão social e com a utilização do espaço urbano transformado em mercadoria ― tolerância essa progressiva e alheia à poluição e degradação do meio ambiente, à precariedade do transporte público, à verticalização do espaço urbano e que, ao mesmo tempo algoz e vítima de todo o tipo de descontrole da sua ocupação, enfrenta uma realidade urbana carente de mudanças inadiáveis, a ser implementadas em todas as funções e dimensões próprias das cidades, quais sejam: as de habitar, trabalhar, circular e descansar.
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1.2 Mudança no modelo de cidade Para além das medidas para garantir os direitos básicos da cidadania, precisamos mudar o modelo de cidade. Para tanto é necessário frear o processo de privatização, impedir as iniquidades e a segregação que são produzidas ― e promover também novas práticas econômicas, sociais e culturais, mais cooperativas e ambientalmente sustentáveis. Nossa perspectiva de mudança de modelo é iniciar colocando a cidade a serviço das pessoas, articuladas em torno de três pilares fundamentais: i) o bem estar de cidadãs e cidadãos, contrapondo direitos sociais básicos aos privilégios das elites; ii) um modelo de cidade que reforça uma economia que produz valor agregado, valor social, valor cultural e o emprego; e iii) a transparência e a participação de modo que as instituições sejam socialmente controladas e estejam a serviço do povo. As inversões orçamentárias devem, portanto, melhorar o bem estar em bairros onde as necessidades são mais urgentes, bem como incidir sobre os bairros mais desfavorecidos com relação à infraestrutura social que vem sendo sacrificada como consequência das políticas de cortes, com claro privilégio em relação às áreas nobres da cidade ― o que reforça as desigualdades sociais. É necessário equilibrar melhor a oferta de serviços públicos e infraestrutura entre as zonas leste, oeste, norte e sul da cidade. 1.3 A Fortaleza da gente: horizontal e participativa Não é demais dizer que as pessoas em Fortaleza, principalmente as das periferias, apresentam certo descrédito diante daquilo que se configura como um abuso de sua tolerância com a injustiça ― própria do descumprimento histórico das funções sociais da propriedade e das cidades, bem como de decisões administrativas e de determinações contrárias ao bem comum que negam tanto uma quanto outra perspectiva. Na verdade os processos legais burocráticos são transformados de meio em fim. Isso gera um cansaço e um desânimo do povo pobre com previsões legais que venham respeitar verdadeiramente seus direitos sociais ― e de fato o inibe, muitas vezes, de se movimentar pela defesa desses direitos. Nesse sentido o povo, como consequência desses desgastes, carrega consigo a dificuldade de crer que, seja em ambiente público ou privado onde se debata e se decida sobre seus direitos, essas decisões o favoreçam ― e está convencido de que tudo, realmente, vai se decidir mesmo é “em outro lugar”, onde o mercado e o capital é que “mandam”. Essa descrença se explica pelas reiteradas experiências frustradas de participação ― em que, a título de exemplo, as pessoas eleitas para determinado fim, mais do que representar os interesses de suas comunidades frente ao governo e ao Estado, acabam (através de processos participativos desviantes) se convertendo em defensores de interesses de governos junto às suas respectivas comunidades. A Fortaleza da gente deve, contrariamente a isso, ser resultado de muitos olhares, de múltiplas perspectivas ― e o lugar onde se cruzam a sabedoria das pessoas comuns com as 9
contribuições do trabalho de especialistas da sociedade civil e dos lutadores e lutadoras sociais. Começamos a construí-la desde uma campanha que busca o sentido de estarmos juntos (as) para recuperar a democracia, a soberania e seu sentido último que não é outro senão o de priorizar as pessoas e de nos ocuparmos de suas necessidades. Essa é, pois, a Fortaleza da gente! As ideias que se reúnem neste documento são, assim, fruto de inúmeros processos, que têm origem em diversos ambientes e momentos. Partimos do acúmulo de debates realizados sobre a vida coletiva, as cidades e as políticas a ela relacionadas ― e tomamos esse acúmulo como base para o desenvolvimento deste programa de governança. Aqui ecoam muitas e múltiplas vozes. Reconhecer os diversos sujeitos e organizações, assim como os processos de discussão e desenvolvimento de proposições para a cidade, é uma escolha política, que nos possibilita a apresentação de um documento mais próximo das vontades da população e anuncia a forma como é pretendida a governança da cidade. Trata-se, pois, da política dos cidadãos e cidadãs comuns que trabalham para que a cidade exista e viva dia após dia, em que escolas e hospitais funcionem, em que diariamente trens e ônibus circulem de modo a produzir a mobilidade de todos e de todas e em que a cada manhã a água jorre pela torneira. Somos aqueles e aquelas que sentem o peso da crise sobre nossas costas. Somos o povo e queremos agora tomar o controle de nossas vidas em nossas mãos. Da política queremos a dimensão mais ampla da cidadania que se exerce não como uma profissão, mas num profundo exercício diário e contínuo. É por esse mesmo motivo que nossas candidaturas nunca aceitaram o financiamento empresarial de campanhas, pois admitir o financiamento de campanhas do PSOL seja por empreiteiras, bancos ou frigoríficos que jogaram macabramente com a dignidade de milhares de famílias brasileiras é inaceitável. Esses grupos promoveram o maior retrocesso político e democrático da história recente de nosso país, no afã de livrar suas próprias peles e interesses nos escândalos de corrupção e de governabilidade, que seguem entrelaçados. Fomos, em contrário, pioneiros (as) no financiamento, exclusivamente, através de pequenas doações de particulares. As políticas de ajuste fiscal implementadas por Temer (presidente atual que assumiu em decorrência do impeachment imposto em função dos privilégios das elites) longe de melhorar a situação do país, a agravaram ― e lançaram a fatura da crise nas costas dos (as) trabalhadores (as), dos (as) mais simples e dos (as) empobrecidos (as). Configuram, portanto, os interesses das elites se sobrepondo de maneira avassaladora sobre a cidadania. A nossa candidatura quer, assim, retomar o testemunho dos (as) que gritam que esta política não nos representa ― e, no calor do processo de auto-organização de cidadãs e cidadãos, ser um instrumento dos (as) fortalezenses que possa trazer mudanças à política e à nossa cidade. Nesse sentido, uma das urgências que a cidadania expressa é a da transparência quanto à gestão do que é público. Em Fortaleza, com efeito, somos conscientes que os (as) fortalezenses querem pôr fim às subvenções opacas e ao tráfico de influência com relação aos fundos públicos. De forma que nada melhor do que tornar públicas de maneira transparente e acessíveis as contas da Câmara Municipal e do Executivo Municipal ― não de forma esporádica ou a contento de legisladores (as) e gestores (as), mas como princípio da administração do que é público. 10
1.4. Princípios de uma Fortaleza que resiste A visão que carregamos do mundo se traduz em princípios ― e estes orientam nossa leitura e interpretação do mundo em que vivemos, bem como contribuem para a sua transformação. Ao pensar a Fortaleza que resiste, são os seguintes os princípios que orientam nossa atuação: 1.4.1 A resistência como atitude ativa na sociedade A resistência é uma ação de sujeitos coletivos conscientes que não aceitam e não naturalizam as coisas como aí estão: resistir à injustiça, à desigualdade, à violação de direitos nos eleva à condição de protagonismo do ato de recusa, ao tempo em que nos implica na transformação da realidade atual. A recusa nos responsabiliza e nos destaca na condição de sujeitos de nossa história. Movemo-nos pela perspectiva de que a nossa atuação pode construir um novo futuro para a cidade de Fortaleza a partir do desenho de uma história diferente e de que a política não deve servir à manutenção irrefreável do status quo. A necessidade de recusar a realidade como ora se apresenta e de lançar as bases para sua superação tem um poder convocatório sobre nós mesmos (as), ao tempo em que convida outros sujeitos ao engajamento e à atuação. 1.4.2 A reinvenção da política como necessidade A política, enquanto uma dimensão do humano, precisa ser reinventada sempre. A conjuntura nacional expõe à flor da pele o esgotamento das instituições políticas e dos políticos profissionais. Há um limite nas atuais formas democráticas, sobretudo na democracia representativa. Os acontecimentos de junho de 2013 inicialmente demonstraram a revolta popular, especialmente juvenil, contra o status quo e a ordem num momento de aparente contentamento geral. De lá pra cá, agudizaram-se os conflitos sociais e deu-se o acirramento do confronto político, num evidente desvelar dos limites da democracia liberal. É fundamental, portanto, buscar criar formas e processos de democracia direta e participativa. Considerando, sobretudo, que as atuais formas de democracia representativa estão baseadas em falta de transparência, falta de controle da sociedade sobre o Estado e enorme poder do capital, por meio de setores empresariais, sobre o poder público. Nossa independência, em termos éticos, se revela no compromisso de não recebermos recursos de empresas e de praticarmos total transparência quanto à gestão dos recursos em nossas campanhas. É a concepção mais fértil da política como entendemos que deve ser, ou seja: ser a referência concreta e desde já daquilo que almejamos para a sociedade e para a política, na melhor referência de pedagogia política, que é a pedagogia do exemplo. Está em gestação, dessa forma, uma nova compreensão sobre os sentidos da democracia, dos governos e das políticas públicas. Se “o Estado treme” e “o Governo é Temer”, a política, enquanto dimensão, não é o Estado ― muito menos se resume à disputa das eleições. Não devemos temer, pois, seu abalo, uma vez que a política é a vida social em si, que o ser social se faz na ação sobre o mundo e que a política representa o campo de disputa sobre esta ação. Cabe, portanto, a nós forçar a ruptura da política e da ação do Estado nos marcos atuais para que possa eclodir algo verdadeiramente novo, fundante, inaugural. 1.4.3 O Outro nos convoca É importante não esquecer que a dignidade humana se faz em coletivo e na história. A ação 11
política para nós é ato de solidariedade e de construção coletivas. Ao afirmarmos que a “política não é negócio”, afirmamos que nosso imperativo não é a acumulação de poder nem de riqueza. Não estamos orientados para a manutenção de indivíduos ou de grupos no aparato de poder do Estado. Afirmamos nosso imperativo ético de liberdade e justiça ― e devemos ser cobrados (as) por isso. A busca desta dignidade, que reside em mim e no Outro enquanto sujeito social, é o que nos orienta. 1.4.4 Somos singularmente natureza e cultura, simultaneamente O ser social é também ser natural. A crise atual é uma crise de civilização, de sociabilidade. É uma crise de dimensões planetárias que atinge campo e cidade e na qual os seres humanos são ao mesmo tempo os maiores responsáveis (“uns”, “eles”, “o andar de cima”: o capital) e esperança fundamental de sua reversão (“outros”, “nós”, os do "andar de baixo": o povo organizado em luta). O padrão civilizatório atual apartou as sociedades humanas da natureza e alienou as sociedades humanas dos limites intrínsecos à reprodução dos ciclos naturais ― e, no limite, com as mudanças climáticas, a destruição da biodiversidade, a contaminação de ar, água e solos, o uso insustentável de recursos hídricos e outros põe em risco a própria existência de nossa espécie. Em todas as escalas, nossa ação deve buscar engajar esforços para novas formas da vida material que aliem produção sustentável, solidária e igualitária ― e a cidade deve ser um locus de experimentação destas formas de produção sustentável e solidária e transição a elas. Do alimento à moradia, devemos pensar e levar em conta o metabolismo da cidade buscando ciclos mais sustentáveis de matéria e energia. Meio ambiente para nós não é uma política setorial: é a defesa de um outro modo de vida. 1.4.5 A cidade deve ser para as pessoas, não para o capital Posicionamo-nos, pois, como anticapitalistas, como ecossocialistas. Reivindicamos o que há de melhor na tradição socialista, aliado ao entendimento de que travamos uma "guerra de mundos" cujo caminho e desfecho precisam ser radicalmente ecológicos. Esta é uma opção que nos orienta na história e na prática concreta. Colocamo-nos o desafio de renovar a esquerda do Séc. XXI. Entendemos que as teias da cultura política tradicional ― fisiologista e patrimonialista ― capturaram muitos. Afirmar que a vida está acima do lucro nos orienta a pensar a nossa ação na política e na cidade para deliberar sempre pelas formas que desorganizem os fluxos de exploração e opressão, buscando estimular e organizar processos de auto-organização solidários, colaborativos e participativos. 1.4.6 A cidade como mosaico e tessitura de diversos territórios de resistências criativas Em muitos e variados lugares da cidade de Fortaleza explodem as resistências, das ocupações urbanas às ocupações das escolas pelos estudantes, até as greves de diversas categorias profissionais passando pela luta pela democracia. A resistência se interconecta do local ao nacional e internacional ― e está profundamente sincronizada. Não há oposição entre o que se faz sentir localmente com a realidade nacional e até mesmo planetária. É inconcebível pensarmos a transformação da realidade sem que as mudanças estruturais estejam e sejam profundamente articuladas com os processos locais. A crise econômica internacional e os ataques à democracia no âmbito da América Latina e Brasil se fazem sentir em cada canto da cidade. Sentimos por todas as partes sua repercussão. Concebemos Fortaleza a partir do complexo intricado de relações entre local e global. As resistências que aqui se expressam possuem conexões com as diversas escalas de ser e estar no mundo. E são muitas as resistências! Nossa ação deve sempre estar inspirada e inspirar a cidade como encontro de 12
comunidades de resistência. Os movimentos sociais, as organizações de base, os coletivos autônomos, todos fazem da sua existência uma resistência. É de lá que surge uma nova Fortaleza. 1.5 Nosso programa Na construção coletiva de nosso programa, evidentemente que o desafio não é o de acolher qualquer ideia sobre ou para a cidade. Para nós, afirmar o processo como participativo é promover experiências de debates e tomadas de decisões coletivas que tiveram ou tenham como orientação os princípios apresentados anteriormente. Cremos que os processos participativos não podem ser considerados meios de amortecer os conflitos na cidade, muito menos estratégias de comunicação e produção da imagem fantasiosa de um governo popular, mas o aprofundamento das práticas democráticas, no sentido de nos aproximarmos de um sistema de organização social que em última instância deve superar as desigualdades, na medida em que produz e fortalece a autonomia das pessoas, criando condições para que conquistemos outra compreensão da política. A nossa opção é, portanto, desde a formulação deste documento, governar com as pessoas, articulando e mobilizando as inteligências, as criatividades e os potenciais de ação para que possamos construir condições de superação das desigualdades e injustiças. Também apostamos na colaboração como força propulsora do sentimento de comunidade, capaz de reconhecer nossas diferenças e os conflitos existentes, ao mesmo tempo em que nos convoca à solidariedade e à confiança mútua. 2. FORTALEZA DA GENTE: convivialidade e direito à cidade ―Não estamos perdidos. Pelo contrário, venceremos se não tivermos desaprendido a aprender.‖ Rosa Luxemburgo
2. Meio Ambiente A humanidade, se por um lado acumulou um grande patrimônio em termos de cultura, saberes, conhecimentos, ciência, por outro entrou em rota de colisão com o planeta a partir da lógica de produção e consumo vigentes. Essa situação é inédita na história e nos coloca diante de enormes desafios. Poder-se-ia sem dúvida alguma afirmar: “é o que temos para hoje” ― e, certamente, para as próximas décadas ―, mas precisamos promover mudanças radicais sem as quais são de matizes cinza as cores com que pintamos nosso futuro. Reconhecer isto é, antes de tudo, nossa maior esperança ― a que permite enfrentar essa tarefa de maneira consciente, podendo representar uma mudança paradigmática na direção de uma nova política. Essa tarefa se apresenta em escalas multidimensionais, indo da escala da cidade à planetária, nas suas mediações e interrelações. São os desafios éticos que o viver no momento presente e na cidade descortina à nossa frente. Estamos vivendo uma época radicalmente diferente do que a humanidade experimentou ao longo de sua história. A velocidade e a escala das transformações são tão intensas que qualquer previsão é marcada pela incerteza. Se isso é um fato, outro da maior relevância é o de que as cidades manifestam as consequências sistêmicas das novas escalas da vida humana no planeta, onde as mudanças dos padrões de consumo se alteraram profundamente no passado recente. A vida nas cidades e a crise ambiental urbana se faz sentir para além do território ocupado por Fortaleza, significando demandas cada vez maiores e insustentáveis por 13
água, energia, bens e produtos cuja garantia aos citadinos e citadinas implica em impactos intrínsecos à própria cidade e a seu território, ecossistemas e populações ― além de impactar sobre outros povos e territórios que se situam muitas vezes fora dela, ou seja, em outros municípios, estados e até em outros países. A produção e circulação de veículos, por exemplo, além de se constituir em um grande desafio para Fortaleza e para outras cidades brasileiras de maior porte, ainda consomem grandes quantidades de aço, zinco, chumbo, borracha, alumínio e petróleo. O modelo de priorização do carro é insustentável. Conforme dados da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (ETUFOR), o carro particular ocupa 75% do espaço urbano e só transporta 20% da demanda ― sendo o reverso desse dado identificado como sendo o do transporte público. Fortaleza na atualidade tem uma frota de pouco mais de um milhão de veículos (1.037.880), entre automóveis, caminhões, motocicletas, ônibus e outros, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN-CE). Nossa cidade possui uma estrutura para locomoção por outros modais que é reduzida, se comparada aos quilômetros de tapetes asfálticos que priorizam os veículos automotores. Há como alternativa ao deslocamento em carro tão somente 96,6 km de faixa exclusiva para ônibus e táxis; 145,2 km de malha cicloviária (88,2 km de ciclovias e 60 km de ciclofaixas); uma linha de metrô (24,1 km de extensão) e outra de Veículo Leve sobre Trilhos (com 19,5 km). Como decorrência da supremacia do automóvel particular em nosso modelo de mobilidade, temos como consequências o aumento da poluição, sobrecarga do sistema de saúde (em virtude dos acidentes) e perdas econômicas, bem como a apropriação dos espaços públicos. Como podemos observar, o metabolismo das grandes cidades constitui a soma total dos processos técnicos e socioeconômicos que nelas ocorrem ― e que resultam no seu crescimento, produção de energia e eliminação de desperdícios sob a forma de resíduos. Esse metabolismo constantemente interage, em termos materiais e informacionais, com extensos espaços não urbanos de agricultura, exploração florestal, mineração ― e passa, ainda, pelo consumo gigantesco de água, ferro, madeira e outros recursos renováveis e não renováveis. Os resíduos produzidos nas áreas urbanas incluem enormes quantidades de plástico, papel, dejetos orgânicos e substâncias químicas ― e retorna para os ecossistemas deixando enormes contributos em matéria de degradação ecológica. De maneira geral, o estabelecimento de uma civilização urbano-industrial em escala global requer a renovação cotidiana de grandiosos fluxos de matéria e energia. Os problemas ambientais são bastante conhecidos de muita gente desde já há algumas décadas, no entanto o fato novo e revelador é que tais problemas não devem ser entendidos como disfunções ou acidentes isolados. Eles constituem sinais de algo bem mais profundo: estamos vivendo uma nova fase na história, uma mudança no patamar da presença humana na Terra e de suas repercussões. A noção de “Antropoceno” ― trazida à baila desde o início do presente século por Paul Crutzen (Prêmio Nobel da Química, 1995) ― vem se transformando no principal instrumento conceitual para o entendimento dessa mudança histórica. Tal noção pode ser entendida como a época em que a espécie humana deixa de ser um animal como outro qualquer, que vive da apropriação de uma porção relativamente pequena dos fluxos naturais de matéria e energia existentes no planeta, e passa a ser um agente geológico global. Nessa mudança de patamar, a 14
presença humana passou a impactar o “Sistema Terra” como um todo, sobretudo a atmosfera, a biosfera (o conjunto dos seres vivos), o ciclo das águas e alguns ciclos biogeoquímicos em escala planetária (como os ciclos do nitrogênio, do fósforo e do enxofre). Reconhecer que houve uma mudança na escala da presença humana no planeta e ainda dos riscos inerentes a essa mudança ― que se manifestam, por exemplo, nas potenciais consequências dramáticas do aquecimento global e da perda da biodiversidade ― exige uma postura consciente sobre o nosso futuro. Exige mais: exige ainda que nosso programa para a cidade de Fortaleza, a Fortaleza que resiste, seja ele todo ambiental, pois a dimensão ambiental não pode ser reduzida a um setor. Ela perpassa toda a lógica de cidade que queremos vivenciar, relaciona-se com o urbanismo e com a moradia, com a saúde, a educação, a cultura, com a economia e com a gestão democrática e participativa. Enfim, ela é fundante na nossa interpretação dos desafios atuais de Fortaleza e na produção de uma cidade desejada. Dessa maneira, é preciso refletir coletivamente sobre a nova responsabilidade ética dos seres humanos, ao mesmo tempo em que se buscam os caminhos possíveis para a sustentabilidade e o desenvolvimento social nos diferentes contextos socioeconômicos e culturais existentes no mundo. Não existe uma saída única e monolítica. O enfrentamento realista e duradouro da crise planetária precisa passar pela coordenação inteligente de uma diversidade de estratégias e políticas conformando um novo projeto civilizacional e, de maneira relacional, um novo projeto de cidade. A cidade precisa esboçar uma melhor relação com o campo, no sentido da promoção da justiça, da equidade, da liberdade e da afirmação de direitos. Deve, portanto, buscar alterar fluxos de matéria e de energia no espaço urbano. Assim, um dos nossos maiores desafios são a produção da energia na própria cidade e o fechamento de termelétricas no Ceará, como fonte de energia atualmente que é. É preciso considerar o que significa um empreendimento desse porte, devido ao que representa do ponto de vista do aumento de emissões de gases de efeito estufa e do consumo intensivo de água. Em um estado cuja maior porção do território encontra-se no semiárido (87%) e que passa pelo quinto (5o) ano de uma severa estiagem, a concorrência por este recurso ― entre uma forma “suja” e destrutiva de geração de eletricidade e o consumo humano, animal e para pequenas unidades produtivas ― é absolutamente desigual, e precisa ser revertido. Em relação à água, Fortaleza já experimenta uma tarifa de contingência baseada numa redução de 10% no consumo de água que foi aplicada desde dezembro de 2015 ― e nova tarifa de contingência baseada numa redução de consumo de 20% está prevista para os próximos meses. Tal fato é decorrente de uma crise hídrica que tem relação com o aquecimento global e a estiagem que está em seu quinto (5o) ano consecutivo no Ceará, mas se relaciona fundamentalmente com um modelo de produção incompatível com o semiárido cearense, a exemplo do investimento nas termelétricas do Pecém. A água que vai para termelétrica, assim como a água que abastece Fortaleza, vem do mesmo açude: o Gavião. Para que se tenha ideia do absurdo que significa uma termelétrica em território semiárido, a água consumida pela termelétrica é da ordem de 2 milhões de m3 por mês ― quantidade suficiente para abastecer 600 mil pessoas; a empresa ainda recebe 50% de desconto na sua conta de água ― válido por 20 anos; e contribui com a emissão de 4,2 milhões de toneladas de gás carbônico em um ano ― o equivalente ao incêndio de 8 parques do Cocó ou o dobro da emissão da frota automobilística de todo o estado do Ceará. 15
É preciso dizer também que a crise ambiental não distribui de maneira democrática suas consequências ― a desigualdade se faz sentir bem mais entre os segmentos vulnerabilizados. Assim, não por acaso a segregação observada entre Secretarias Executivas Regionais-SER e bairros em Fortaleza ― para além da renda, da infraestrutura de saneamento, saúde, educação, lazer e tantas outras ― se traduz também no acesso aos bens ambientais, como observamos no tocante ao consumo de água. Enquanto o Meireles da SER II apresenta um consumo 220,8 l/hab. por dia, o Parque Presidente Vargas apresenta de 112,2 l/hab. por dia, o Genibaú 113,3 l/hab., Canindezinho 114,4 l/hab., Bom Jardim 115,5 l/hab., Granja Portugal 115,5 l/hab., Pirambu 114,4 l/hab., Planalto Ayrton Senna 115,7 l/hab. Para além desses dados, quase 7% dos domicílios não têm acesso à rede de abastecimento de água, como mostram os dados estatísticos. A realidade é, portanto, desigual nas Regionais e bairros. Observa-se comumente a irregularidade marcada por interrupções e baixa pressão no sistema de fornecimento da água ― e em vários bairros há famílias sem acesso à água potável, além de uma situação de precariedade total nas favelas. Há ainda um dado que não pode deixar de ser mencionado: como é possível observar nos bairros da periferia de Fortaleza, a média de consumo de água está muito próxima ao mínimo recomendado pela ONU e OMS para o consumo diário humano ― que é de 110 litros por habitante. A partir das médias é possível concluir que muitas pessoas recebem menos água do que esse valor recomendado. Dessa maneira, o racionamento de água em Fortaleza é carregado de racismo ambiental e segregação de classe. As válvulas são sempre fechadas primeiro na periferia ― mas, neste caso, racionar de quem já consome menos é jogar bairros inteiros abaixo do recomendado pela ONU e OMS. Contraditoriamente, Fortaleza perde em sua rede de distribuição (canos e esgotos) cerca de 37,6% da água ― valores inaceitáveis que devem ser regiamente monitorados e reduzidos drasticamente a partir do papel e da atuação da Agência Reguladora de Fortaleza (ACFOR). Ao abordar a questão ambiental em Fortaleza, é possível evidenciar igualmente que são invariavelmente os (as) mais pobres aqueles e aquelas que mais sofrem com o aprofundamento da degradação ambiental, já que a desigualdade manifesta no consumo de água também se faz sentir no acesso a áreas verdes. Dados do programa Cidades Sustentáveis (2012) dão conta de uma relação de 2,67m2 de área verde por habitante, enquanto a ONU recomenda 12m2/hab. A mesma desigualdade se manifesta no acesso ao esgotamento sanitário. Segundo o Censo Demográfico de 2010, Fortaleza apresentava uma taxa de apenas 59,3% de domicílios particulares permanentes ligados à rede geral ou pluvial de esgotamento sanitário ― essa última ligação, importa lembrar, contribuindo bastante para a poluição de lagoas, rios e praias. A rede coletora nos bairros empobrecidos é, vale dizer, marcada pela obstrução, entupimento, rompimento e transbordamento do esgoto para as ruas. É preciso, pois, romper com esse ciclo de insustentabilidade e de desigualdade. É preciso dar um “basta” à energia produzida à base de carvão das térmicas ― que contribuem para o aquecimento global com o vertiginoso aumento de emissões, com a crise hídrica através do consumo intensivo de água pelas térmicas e, ainda, com a segregação socioambiental em Fortaleza. Defendemos a imediata desativação das termelétricas e um amplo programa de solarização residencial, onde em cada teto haja kits solares (inversor, painéis fotovoltaicos) produzindo energia para as famílias e contribuindo para a redução dos efeitos do aquecimento global, bem como para a diminuição dos impactos da crise hídrica. A prioridade, nesse âmbito, deve ser das Regionais e bairros com menor IDH e com déficit de infraestrutura social. 16
Recusamos, então, um modelo de cidade que trata a questão ambiental como a “cereja verde” de um bolo, ou seja, como “fake”, como acessória ou ornamental, condizente com a lógica superficial e de mercado. Nossa perspectiva está pautada na luta contra a degradação dos espaços verdes e contra a privatização dos espaços públicos; pela afirmação de uma nova cultura de sustentabilidade nas cidades, com a produção e utilização de energias renováveis e produção e utilização sustentável da água, com a produção de alimentos agroecológicos e saudáveis, com a defesa da mobilidade urbana, com a defesa da vida animal, da arborização, da gestão integral de resíduos sólidos com inclusão de catadores (as), por moradia digna acessível a todos os segmentos sociais e na luta contra a injustiça, a pobreza e as desigualdades sociais de toda ordem. Nossas propostas 2.1 Energia, mudanças climáticas e aquecimento global Solarização: programa de microgeração e minigeração de energia solar para 350.000 domicílios e 100% dos prédios públicos municipais em um prazo de 4 anos, com metas de instalação progressivas de kits solares (50.000, 80.000, 90.000, 130.000 respectivamente). Nos prédios públicos municipais e domicílios ― correspondem a tipologias média, operária popular e popular ― a instalação se dará mediante recursos captados pelo poder público. Nos setores médios, a iniciativa será compartilhada estre prefeitura e residente. A prioridade será dada a domicílios localizados em bairros e logradouros com maior déficit de infraestrutura socioambiental, sendo que ao final dos 4 anos de mandato a proposta é ter um total de 525 MW de potência instalada, evitando-se a emissão de até 750.000 toneladas de CO2. Incentivar também as fontes renováveis de energia para evitar a utilização no setor industrial de energias fósseis altamente poluentes. Segurança hídrica: programa de caixas d'água, cisternas e mini cisternas para segurança hídrica residencial; captação, armazenamento e distribuição de água da chuva em domicílios populares e prédios públicos; revitalização dos chafarizes da periferia. Atualização e execução de Plano Municipal para Enfrentamento das Mudanças Climáticas: iniciativa que possa integrar nossa cidade não só no seu entorno mais próximo, mas compreendendo sua relação com a Zona Costeira e com o Semiárido. Este plano será executado a partir da realização de um inventário de emissões para identificar a contribuição de todas as atividades econômicas ― em especial, as questões voltadas à matriz energética, aos transportes, ao tratamento do lixo e às atividades industriais (não só na cidade, mas no entorno que compreende a RMF) ― na liberação dos Gases de Efeito Estufa, em especial, dos óxidos de carbono e do metano. O inventário será fundamental para orientar as políticas públicas ambientais para a redução da emissão desses gases, buscando desenvolver e apoiar novas tecnologias limpas e neutralizadoras de carbono. Instalar kits solares nas escolas: para a produção de energia para estes equipamentos e para irrigação via bombeamento (solar) para a produção agroecológica de alimentos em hortas mandalas (atividade pedagógica e produtiva) e/ou produção de plantas fitoterápicas. Recuperar e ampliar os sistemas urbanos: para potencializar suas funções geoambientais e ecodinâmicas, de modo a minimizar os efeitos do aquecimento urbano e ilhas de calor já instaladas na cidade de Fortaleza, construindo uma rearquitetura da cidade. Neste sentido, os 17
estuários dos rios Ceará, Cocó e Pacoti, bem como seus manguezais e sistemas hídricos, juntamente com os bosques públicos e particulares espraiados pela cidade, livres da especulação imobiliária e do lançamento de efluentes industriais e domiciliares, deverão atuar como amortecedores das consequências previstas pelo aquecimento global. 2.1.2. Mobilidade Humana [em construção] 2.1.3 Saneamento Ambiental e Saúde Instituir legislação que regulamente a fabricação e venda dos sistemas de descarga sanitária: permitindo apenas válvulas de baixo consumo, com incentivos fiscais a edifícios, condomínios, residências e empresas que utilizem válvulas sanitárias econômicas e que implantem cisternas para captação de chuvas dentre outras iniciativas sustentáveis. Promover a redução de lixo e o consumo consciente: por meio de campanhas de educação ambiental. Implantar políticas de gestão de resíduos sólidos: com foco na inclusão social, com as cooperativas e associações de catadores (as). Constituir um Conselho Gestor deliberativo e paritário para elaborar, implementar e acompanhar a política pública de coleta seletiva de Fortaleza. Implementar medidas que incentivem empresas e instituições a investir na reciclagem: associada a organizações de catadores e catadoras. Descentralizar a gestão dos resíduos sólidos: envolvendo as Regionais, identificando e cedendo áreas públicas municipais para funcionamento das cooperativas/associações por tempo indeterminado. Ampliar e humanizar o trabalho nos Centros de Triagem. Instituir Decreto que discipline a coleta seletiva nos órgãos públicos: em convênio com associações e cooperativas de catadores (as), através do executivo municipal. Criar PEVs - Pontos de Entrega Voluntária: para pneus, óleo de cozinha, resíduos de feiras e podas, Resíduos da Construção e Demolição (RCD), resíduos eletrônicos, pilhas, baterias, lâmpadas fluorescentes e outros. Instituir banco de dados de geração e destinação de resíduos: com publicização das informações. Implantar usinas de geração de energia, tendo como combustível o metano gerado nos aterros sanitários. Realizar aproveitamento do óleo de cozinha: como combustível reduzindo o uso de óleo diesel. Implantar o desconto do IPTU: já previsto em lei municipal, prevê o desconto de 5% para imóveis que realizem coleta seletiva e destinem os resíduos recicláveis para associações e 18
cooperativas de catadores (as). Realizar planejamento integrado de ações que envolvem recursos hídricos áreas verdes e o plano diretor: considerando o conceito de bacia hidrográfica. Instituir uma Política Municipal de Saúde Ambiental: a ser construída de forma democrática, participativa e transversal, a partir de um amplo diagnóstico das diferentes territorialidades e da situação dos determinantes e condicionantes da saúde, na perspectiva da precaução, da promoção da saúde e da justiça ambiental. Reestruturar a política de atenção à saúde: de modo a incorporar a dimensão ambiental e os processos de produção e consumo nas ações de saúde, incluindo a saúde da família. Estruturar a participação do município nos processos de licenciamento ambiental: de forma articulada a políticas de desenvolvimento voltadas para a promoção da qualidade de vida e da superação das desigualdades socioambientais, incluindo a dimensão da saúde nos estudos de impacto. Elaborar urgentemente projetos de saneamento ambiental: junto a comunidades ainda não cobertas pelos serviços essenciais, utilizando de tecnologias leves e ambientalmente sustentáveis. Fazer cumprir o Plano de Bacia: em consonância com o Plano de Drenagem para Fortaleza. Reformular a composição do COMAM: para que seja obrigatória, além da paridade entre poder público e sociedade civil, um percentual mínimo de 25% de entidades representativas dos movimentos populares e ambientalistas. Estabelecer norma sobre a utilização de alimentos contendo organismos geneticamente modificados (OGMs): para que bares, restaurantes, lanchonetes e similares informem ao município e seus clientes sobre o que contém a feitura de seus pratos. Incentivar a agricultura urbana: com base na agroecologia e na permacultura ― cultura da permanência (defendemos a agroecologia a partir de princípios que a caracterizam como ciência). Excluir do cardápio da merenda escolar e dos serviços de saúde alimentos que contenham organismos geneticamente modificados (OGMs): com o cumprimento da legislação ambiental em vigor. Adotar uma política mais rigorosa de licenciamento ambiental: com a garantia da mais ampla participação popular, seja pelo funcionamento efetivo do Conselho Municipal do Meio Ambiente seja pela realização de audiências públicas antes da concessão das licenças. Implantar um conjunto de Unidades de Conservação ao longo do Maranguapinho: favorecendo áreas de amortecimento das enchentes e espaços de lazer. Revitalizar a orla marítima: dotando-a de equipamentos públicos e saneamento básico, garantindo o livre acesso à faixa de praia. 19
2.1.4 Conservação dos ecossistemas e da biodiversidade, unidades de conservação e arborização Consolidar as Unidades de Conservação em Fortaleza: garantir condições satisfatórias para que sejam assegurados, com qualidade e infraestrutura adequadas ao usufruto por parte da população, os seus 18 parques urbanos e praças ― que têm sido relegados, de um modo geral, ao abandono por parte do poder público e, consequentemente, pela comunidade diante do iminente perigo que passam a representar. Preservar as dunas fixas e móveis: impedir o acelerado avanço da impermeabilização e verticalização das dunas da Praia do Futuro e as margens dos rios Cocó, Pacoti e Ceará. Regulamentar a Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do Enclave do Cerrado, no bairro da Cidade dos Funcionários: integrá-la com uma proteção da chamada Mata do Duque. Regulamentar a Área de Proteção Ambiental do Cocó (APA): criada ainda na gestão Maria Luiza Fontenele. Propor ao Estado a gestão compartilhada da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Ceará. Criar o Mosaico de Unidades de Conservação da bacia do Cocó: composto da APA Municipal e do Parque Estadual do Cocó, da ARIE das Dunas do Cocó, da Reserva da Sapiranga e da APA e do Parque das Dunas de Sabiaguaba, de modo que elas estejam integradas formando um todo que se articule, interconectando as áreas verdes. Delimitar todas as Áreas de Preservação Permanente (APPs): utilizar georeferenciamento e marcos físicos nas margens das nascentes, rios, riachos, lagoas de Fortaleza. Viabilizar um programa de despoluição dos córregos, lagoas e praias simultâneo a um processo de educação ambiental. Monitorar a lei municipal que declarou como patrimônio natural da cidade os botoscinza: através de um processo de pesquisa e educação ambiental, proteger esses seres que habitam nosso litoral. Definir um marco regulatório para a construção civil: incentivar o uso de tecnologias limpas, não só nas edificações mas no uso dessas habitações, com a utilização das técnicas de bioconstrução, de aquecedores solares para a água, telhados verdes, reciclagem e reuso da água. Construir uma política municipal para uso da água em Fortaleza: considerando o consumo, a drenagem urbana e a preservação de mananciais. Exigir que a ARFOR acompanhe e incida sobre a CAGECE: a fim de assegurar execução de metas, avaliação da qualidade de serviços e modernização tecnológica, proporcionando a redução de perdas na distribuição de água, melhoria da qualidade no fornecimento da água em Fortaleza e melhoria da cobertura de esgotamento com vias à universalização do serviço. 20
Instituir legislação que exija um Programa de Gestão Ambiental: para hotéis acima de três estrelas, bancos, condomínios e restaurantes. Criar instrumentos de controle e fiscalização do uso das águas subterrâneas e do lençol freático por empresas. Dar continuidade e melhorar à limpeza da rede de drenagem na cidade (galerias, bocas de lobo): promover a fiscalização das ligações clandestinas irregulares, bem como das caixas de óleos e gorduras em estabelecimentos comerciais. Estimular a formação de corredores verdes: que colaborem para a proteção da biodiversidade, diminuindo a presença de massas fragmentadas de vegetação. Implantar Corredores Verdes: associados a metas e ao mapeamento e integração de áreas verdes estaduais, municipais. Promover o zoneamento ambiental municipal: com base no Atlas dos Municípios da Mata Atlântica e com ênfase nas áreas de mananciais, promover o mapeamento das áreas florestais, das Unidades de Conservação e das áreas a serem preservadas como paisagens e bens, em razão de seu valor histórico, artístico, ambiental e cultural. Propor em legislação municipal mecanismo de isenção fiscal (Imposto Predial e Territorial Urbano-IPTU “verde”): promover essa e outras formas de incentivo fiscal para imóveis urbanos que mantenham áreas com vegetação permanente, Áreas de Preservação Permanente-APPs e aqueles que preservem áreas florestais remanescentes de Mata Atlântica. 2.1.4.1. Arborização Implementar projetos racionais de arborização urbana: priorizando espécies nativas, visando compor um sistema conectado de ruas, praças e parques. Estabelecer regras mais rígidas para autorização de supressão de vegetação: em imóveis particulares e em áreas públicas, em razão de intervenções urbanísticas, para impedir a destruição dos bosques em nossa cidade. Implementar uma arborização urbana planejada: valorizando as espécies nativas e promovendo a construção de canteiros em ruas, avenidas, jardins, estabelecimentos públicos etc., bem como a reforma e renovação de parques e praças que construam uma cultura de incentivo à produção científica, artística e cultural, com infraestrutura, recursos e pessoal qualificado para o desenvolvimento de trilhas ecológicas e educativas que incentivem a interação com a natureza. Promover maior rigor nos licenciamentos ambientais que foram flexibilizados na gestão de Roberto Cláudio: para assegurar o licenciamento, a fiscalização e o monitoramento das iniciativas que promovam comprometimentos aos ecossistemas. Tombar as “árvores notáveis” da cidade: reconhecer que são de grande porte e beleza e que constituem um patrimônio histórico de Fortaleza. 21
2.1.5 Educação Ambiental Inserir a educação ambiental no currículo escolar da Rede Municipal: de maneira transversal e de forma que trate das questões socioambientais, objetivando a formação de pessoas comprometidas com a sustentabilidade socioambiental. Cumprir a Lei Municipal que institui a Semana do Meio Ambiente Chico Mendes: como momento especial para o debate das questões socioambientais em Fortaleza. Elaborar e desenvolver Programa Contínuo de Educação Ambiental: que aborde os principais problemas ambientais de Fortaleza. Criar um Sistema de Informações Ambientais: inserir o Município em Redes de Informação que propiciem a troca de experiências para a gestão ambiental, garantindo a democratização das informações ambientais, como um dos objetivos fundamentais da Educação Ambiental. Promover a educação humanitária e o respeito a todas as formas de vida: em todos os níveis de ensino municipal, por meio dos Grupos de Bem Estar Animal, para diminuir os maus tratos aos animais. Incorporar o conhecimento das espécies nativas: incentivar, estimular e promover esse conhecimento de nossa região em livros didáticos e no planejamento educacional, bem como difundi-lo por meio de campanhas para toda a população. 2.1.6 Vida Animal Instituir Unidades de Bem Estar Animal: alterar a nomenclatura e concepção das 9 Unidades de Vigilância de Zoonoses-UVZs existentes nas 6 Regionais vinculadas à Secretaria de Saúde para uma população de aproximadamente 237 mil cães e 171 mil gatos, promovendo ações para melhorar a qualidade de vida dos animais, executando ações que garantam o controle populacional e orientando a população no que diz respeito aos cuidados, deveres e à posse responsável dos animais. (Atualmente as UVZs se baseiam na lei municipal nº 8966 de 14 de setembro de 2005, que trata “Prevenção e Controle das Zoonoses e Endemias no Município de Fortaleza”.) Fiscalizar e assegurar cumprimento de artigo da lei municipal nº 8966 de 14 de setembro de 2005: que proíbe a permanência, manutenção e trânsito dos animais nos logradouros públicos, como também o abandono dos animais por seus “proprietários” ― para tanto, se torna necessária a identificação dos animais. Criar registro para controle da venda de animais de estimação nos estabelecimentos comerciais do Município: apresentar à Câmara Municipal proposta de obrigatoriedade da identificação por meio de microchip de todos os animais: inclusive dos criadores para venda ou aluguel das espécies canina, felina, equina, muar, asinina, de tração ou não, dentro do município de Fortaleza. Criar unidade de medicina veterinária: com estrutura para atendimento clínico e realização de procedimentos cirúrgicos de baixa e média complexidade em animais domésticos ― cães e 22
gatos. O atendimento deve ser realizado por médicos veterinários e beneficiar famílias em situação de vulnerabilidade social. Criar unidade Móvel 1: ônibus adaptado com bloco cirúrgico e que funciona como clínica itinerante para atendimento veterinário de cães e gatos. Criar Unidade Móvel II: Carrocinha do Bem com capacidade para transportar 50 animais para esterilização no bloco cirúrgico da Unidade de Medicina Veterinária da Secretaria. 2.1.7 Controle Urbano-Ambiental Inibir definitivamente a verticalização nas áreas de amortecimento do clima urbano: nas margens das lagoas e ao longo das praias, dunas e manguezais. Criar instrumentos eficazes de fiscalização contra a poluição visual e sonora. Desenvolver uma política de habitação popular: condizente com o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente. Fiscalizar as novas ocupações urbanas: principalmente em áreas de mananciais, oferecendo às famílias ocupantes alternativas locacionais em áreas já consolidadas, mais centrais e com infraestrutura instalada. Estimular técnicas sustentáveis na cidade: tais como calçadas verdes, telhado verde, desimpermeabilização de solo. Incentivar a instalação de hidrômetros individuais em condomínios: no sentido de responsabilizar individualmente os (as) consumidores (as), objeto de lei municipal No 9909 de 2015, ainda com baixa adesão de construtoras e condomínios. Contemplar projetos de despoluição e recuperação: de córregos, arborização urbana, áreas verdes para uso comunitário nos novos programas de urbanização. 2.2 Planejamento Urbano, Habitabilidade e direito à moradia 2.2.1 Planejamento Urbano e Habitalibidade É urgente a perspectiva de uma Fortaleza inclusiva, participativa, equitativa, integrada e digna ― e o ponto inaugural dessa mudança é a formação e educação dos (as) seus (suas) habitantes, nos princípios de cidadania, no sentimento de pertencimento a uma comunidade e nos valores do bem estar geral com o objetivo central para o desenvolvimento social e urbano da cidade. Fortaleza na atualidade mostra a cada dia sua face insustentável no tocante ao modelo de construção de urbanidade. Faz-se necessária uma mudança de lógica a partir da superação do paradigma de desenvolvimento do mundo globalizado, baseado exclusivamente na economia de mercado, que vem promovendo enormes distorções que se manifestam na estrutura das cidades, desvalorizando-as e aprofundando suas desigualdades sociais. O sistema urbano da cidade de Fortaleza é dotado de um elevado passivo socioambiental e 23
urbanístico, cujo enfrentamento é prioritário para a produção de uma cidade justa e equânime. Fortaleza possui condições precárias de saneamento ― e seus sistemas hídricos se encontram fortemente comprometidos; o lixo não tem recebido a destinação adequada; o seu parque habitacional apresenta precariedades e um expressivo déficit quantitativo e qualitativo; os seus sistemas de mobilidade encontram-se estrangulados. Fortaleza demanda a execução de políticas públicas integradas e participativas que assegurem o direito à cidade, reconheçam o patrimônio ambiental e cultural existente e busquem sua preservação para as gerações futuras. É urgente a afirmação de uma Fortaleza cujo desejo de vitalidade só poderá ser assegurado se o espaço urbano puder resguardar lugares de encontro ― essência das cidades: a convivialidade só pode existir se for garantida a diversidade funcional da cidade em relação ao desenvolvimento econômico e sociocultural e pela adequada composição das construções em sua relação com as áreas públicas. O espaço urbano, é bom lembrar, é conformado a partir da gestão do uso, da ocupação e parcelamento do solo. Sendo esta, portanto, uma atribuição fundamental da administração pública, deve ser garantida em função do interesse público ― a qual, por isso mesmo, não pode ser terceirizada ou, pior, “apropriada privativamente”. A falta de planejamento democrático e participativo, no entanto, marca a cidade de Fortaleza ― a cidadania é desvalorizada e prevalece a lógica de “projetos”. Dessa maneira, as decisões sobre a cidade se concentram sob o arbítrio do Poder Executivo, ao tempo em que se sobrevaloriza o papel da iniciativa privada na definição da forma urbana. Os projetos para a cidade, por sua vez, mostram-se desconectados entre si, demonstrando um conjunto de ações pontuais que privilegiam determinados setores da cidade, de modo a favorecer a valorização de vazios e a especulação imobiliária. Fortaleza, então, passa a exibir, por um lado, espaços totalmente relegados, sem a mínima infraestrutura e equipamentos necessários, e, do outro, espaços privilegiados, de grande valorização imobiliária, onde predomina a produção de um espaço que expulsa as populações com menor poder aquisitivo, promovendo a segregação socioespacial e favorecendo a especulação imobiliária e os “agentes produtores da cidade”. O recente caso da praça Portugal é emblemático: foram gastos cerca de R$ 25 milhões em logradouro já consolidado, uma praça histórica para a cidade e em área nobre ― valor que poderia ser utilizado para custear pelo menos 50 praças nas periferias. Os conflitos entre o Planejamento Urbano tradicional, democrático, que atende às diretrizes do Estatuto da Cidade, e o Planejamento Estratégico via “projetos” se evidenciam em Fortaleza após a aprovação do Plano Diretor Participativo em 2009 e a delimitação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS): como forma de assegurar o direito à moradia e a função social da propriedade, estas deveriam também assegurar a boa localização dos (as) moradores, em áreas com infraestrutura, serviços, equipamentos etc. No entanto, essas Zonas Especiais não foram regulamentadas por legislação específica até o presente momento. Essas Zonas Especiais são áreas criadas referenciadas no Estatuto da Cidade e, de acordo com o texto da lei, destinadas prioritariamente à promoção da regularização urbanística e fundiária 24
dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados ― e ao desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social e de mercado popular nas áreas não edificadas, não utilizadas ou subutilizadas, estando sujeitas a critérios especiais de edificação, parcelamento, uso e ocupação do solo (FORTALEZA, 2009, p.16). A falta de regulamentação das ZEIS, contudo, faz com que os projetos estratégicos de transformação da cidade em polo turístico entrem em conflito com as comunidades, transformando uma perspectiva de permanência nos lugares que habitam em insegurança ― a partir das remoções que usualmente acompanham as intervenções urbanas na faixa litorânea via “projetos”. É preciso perceber os riscos que as intervenções e investimentos que caracterizam esse planejamento estratégico, pontual e emergencial, somados à falta de regulamentação das ZEIS, representam para as comunidades de baixa renda. Esses investimentos não consideram a cidade de forma plural, integrada, nem respeitam o que há no lugar onde irão acontecer. A lógica turística seleciona áreas em Fortaleza em que se concentram equipamentos e infraestrutura necessários para o desenvolvimento da atividade turística. Entretanto, esses investimentos são seletivos e pontuais, considerando somente as partes da cidade que interessam a essa lógica turística. Dessa forma pontual, os investimentos da Fortaleza estratégica confrontam-se com as áreas de ZEIS ― um dos principais instrumentos de espacialização da justiça social ― e, dessa maneira, se estabelece o conflito entre plano e “projeto”, ampliando as desigualdades já existentes na cidade. A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo-LUOS faz parte do processo de regulamentação do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP) e encontra-se atualmente em discussão na Câmara Municipal. A proposta de texto cria 20 novas Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS), a fim de flexibilizar as regras do Plano Diretor PDP para o setor da construção civil. As novas Zonas tornam mais fácil o processo para a construção em Zonas de Interesse Ambiental, em Zonas de Recuperação Ambiental, em Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (ZEPH) e em Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Para além desses aspectos supracitados, essa nova LUOS não traz nenhum avanço para a promoção da habitação popular. Por outro lado, ela ao propor a criação de 20 novas Zonas Especiais de Dinamização Econômica e Social (ZEDUS) que alteram os índices urbanísticos, proporciona grandes benefícios ao mercado imobiliário em quase 12% do território de Fortaleza. Essas novas Zonas se sobrepõem em algumas situações às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) ou Zonas Especiais de Patrimônio Histórico (ZEPH); outras se localizam em Zonas de Ocupação Restrita, onde a construção e o adensamento nessas áreas deveriam ser evitados, apresentando, assim, contradições com o Plano Diretor Participativo de 2009. Dessa maneira, o projeto de lei elaborado pela Prefeitura de Fortaleza traz graves ameaças ao direito a uma cidade sustentável e democrática para todos e todas. 2.2.2 Direito à moradia 25
A possibilidade de termos uma Fortaleza democrática só poderá ocorrer se houver a execução de uma Política Habitacional que tenha como fundamento a garantia do pleno direito à cidade a toda a cidadania. Fortaleza possui na atualidade 2.571.896 habitantes (IBGE, 2012) ― e é a quinta (5a) cidade com maior número de pessoas do país. Ocupa, igualmente, o quinto (5o) lugar no ranking das cidades mais desiguais do mundo, conforme o Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), "State of the World Cities 2010/2011: Bridging the Urban Divide". Dos cerca de 843 assentamentos precários em Fortaleza, 75% são favelas, onde o esgotamento sanitário é o maior problema. Ou seja, temos 40% da população morando em favelas sem saneamento básico. É mais de um milhão de pessoas vivendo de forma precária. A inadequação dos assentamentos refere-se ao aspecto jurídico e/ou também urbanístico, ocupando áreas com deficiências de infraestrutura, de acessibilidade ― e que estão localizadas em ambiente de degradação ambiental e territorial. Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social, encaminhado pela Fundação de Habitação Popular de Fortaleza, são 619 favelas na cidade, ocupadas por mais de 200 mil domicílios. Entre as necessidades de intervenções, segundo levantamento do Instituto de Planejamento do Ceará (IPECE), estão as de regularização fundiária e título de propriedade (56%), acesso à água (22%), luz (22%), esgoto (63%), coleta de lixo (25%). Há ainda a demanda de 44.060 imóveis por melhorias habitacionais, 218.699 imóveis pedem obras de urbanização e 33.776 imóveis demandam gerenciamento de risco para que permaneçam onde estão. Outra deficiência está ligada à legalização de posse de cerca de 145.601 imóveis. Diante desse quadro, a superação da crise de habitação em Fortaleza deverá contemplar uma meta de urbanização dos assentamentos populares ― favelas e loteamentos ―, acompanhada pela universalização dos serviços públicos e equipamentos sociais de qualidade, sublinhandose a responsabilidade constitucional do município quanto ao uso e ocupação do solo urbano. Afinal, é importante ressaltar, o direito à moradia adequada é um direito fundamental da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, o acesso a esse direito não chega a todas as 2.571.896 pessoas de Fortaleza ― cidade que exibe um déficit habitacional de 269.265 famílias. Este número diz respeito a famílias de baixa renda que moram de forma inadequada e irregular na capital. O déficit habitacional alcança o patamar de 10,4%. O mercado imobiliário tem, contudo, atuado ― determinando que a construção de habitação popular ocorra na periferia de Fortaleza, visto que ele passou a cada vez mais direcionar terrenos em áreas centrais das cidades para moradia de públicos com mais elevado poder aquisitivo. Àqueles e àquelas que não podem pagar mais são destinadas as fronteiras da cidade. O que se gera com essa produção espacial da cidade de caráter segregador, então, é que o que caracteriza a situação dessas áreas periféricas e suas habitabilidades é a ausência histórica do poder público ― e tem como consequência a fragilidade da infraestrutura social, em que as lacunas são muitas quando pensamos em termos de educação, saúde, lazer, transporte público, entre outros. As escolas e unidades de saúde que existem não possuem capacidade para 26
atender a nova demanda de centenas de famílias. Para enfrentar a situação, é necessário planejamento prévio e acompanhamento constante ― o que não existe em matéria de atuação da administração municipal. Analisando o principal programa de habitação no país e sua efetivação em Fortaleza, observase que o Ministério das Cidades afirma ter beneficiado ― por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) em Fortaleza ― 13.486 famílias, desde o início do Programa, com investimento de cerca de R$ 3 bilhões. Do início do Programa até o presente, ou seja, de 2009 para cá, foram contratadas 44.934 unidades habitacionais e entregues 13.486 unidades, sendo 3.305 casas na faixa 01 (com renda menor que R$1.600,00); 8.652 na faixa 2 (até R$ 3.600,00) e 1.529 na faixa 3 (até R$ 6.500,00). Em 2016, o foco foi para as faixas 02 e 03. Em Fortaleza, bem como em todo o país, as produções do PMCMV concentraram-se em áreas periféricas das cidades, às vezes fora do limite urbano, distantes de infraestrutura, serviços e equipamentos. Ao tempo em que as habitações são disponibilizadas, transformam-se cada vez mais em um produto mais caro e mais inalcançável ― e abandona-se a política de melhoria habitacional e de urbanização de favelas. Prevalece, então, o controle do setor imobiliário e da construção civil sobre o crescimento da cidade e da localização dos (as) mais pobres ― o que demonstra o amplo domínio do mercado sobre as terras urbanizadas. Outo fato observado é a total dissociação entre as políticas urbana e habitacional, demonstrando a ausência da intersetorialidade na gestão da cidade. Na contramão dessa forma de executar essas políticas (habitacional e urbana), cremos que a Fortaleza representada pelas favelas e pelos loteamentos populares constitui um patrimônio urbano e cultural que demanda urbanização, qualificação e regularização fundiária adequadas a estas comunidades urbanas. Num olhar para o futuro, as políticas habitacionais de interesse social tendem a minguar, cabendo às famílias de baixa renda retomarem suas práticas alternativas de busca pelo direito à moradia digna e à cidade. O atendimento à demanda habitacional em Fortaleza, por isso mesmo, deve estar conectado e harmonizado com a adoção de políticas de mobilidade e do uso do solo que impeçam a expansão predatória das cidades. Programas habitacionais, como o Programa Minha Casa Minha Vida, não devem ser fator de estímulo ao espraiamento predatório das cidades. Defendemos, portanto, uma Política de Habitação Democrática e urbanisticamente qualificadora, com a previsão de aproveitamento das áreas urbanas consolidadas, com oferta de variedades tipológicas, variedade de usos para além do estritamente habitacional e atendimento às diferentes faixas de renda ― com perspectiva de viabilização de cidades compactas, rompendo com o espraiamento. A demanda por habitação exige, sabemos, variados modos de produção habitacional que possibilitem às famílias, especialmente às mais pobres, a decisão de onde, como e em que condições construirão ou comprarão a sua moradia através de um Programa de Universalização do Crédito Imobiliário.
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Nossas Propostas A revisão participativa do PDPFor [L1]: com a revogação da Lei Complementar 028/2012, devolvendo às ZEIS a configuração aprovada no Plano Diretor Participativo de Fortaleza. A implementação das Zonas Especiais de Interesse Social: por meio da lei regulamentadora de que trata o Decreto 13.827/2016, da criação dos conselhos gestores e dos planos integrados de regularização fundiária [L2]. O diálogo dos diversos órgãos da prefeitura: notadamente IPLANFOR e SEUMA, nas ações de planejamento urbano e na elaboração de projetos de lei sobre o assunto [L3]. A criação de uma política pública para criar assegurar assistência técnica pública e gratuita para a regularização fundiária na cidade: e para auxiliar nas questões sobre ocupações, habitação e moradias em favelas. A criação de um Observatório das Remoções na cidade. A manutenção e ampliação de investimentos em programas e projetos urbanos: em especial, habitação de interesse social, mobilidade urbana e saneamento básico universal. A ampliação e fortalecimento do controle social das políticas urbanas: tanto na esfera que envolve a ocupação dos espaços públicos como forma legitima de manifestação política, quanto na esfera da participação institucional. Instituição de práticas sustentáveis: solarização das casas das unidades do Programa Minha Casa, Minha Vida, de órgãos da prefeitura, incentivo à agroecologia urbana (para subsidiar os restaurantes populares, por exemplo), dentre outras. Implementação de ciclofaixas integradas com a política ambiental: plantio de árvores ao longo das ciclofaixas e ciclovias da cidade para estimular ainda mais o uso desse modal. Desestímulo ao veículo individual: criar zonas sem circulação e faixas exclusivas para pedestres e ciclistas em determinados locais, dias e horários ― como ocorre nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Conhecer melhor os exemplos do planejamento urbano de Medelin e Bogotá na Colômbia: são cidades latinoamericanas com problemas semelhantes aos nossos, mas que desenvolveram projetos interessantes do ponto de vista da mobilidade, habitação etc.
2.3 Os serviços sociais municipais como prestação pública 2.3.1 Educação Acreditamos que a educação deve ser compreendida como um direito e não como mercadoria. 28
Defendemos uma educação realmente pública, gratuita, de qualidade e orientada a serviço da classe trabalhadora. Combatemos a lógica do individualismo e da competição que a classe dominante impõe ao sistema educacional. Construímos uma perspectiva educacional calcada no respeito à diversidade, ao direito à livre orientação sexual, no combate às relações desiguais de gênero e no combate a todas as formas de opressão. Esses são princípios que defendemos. Assim, uma política de educação transformadora deve estar orientada nessa perspectiva, como exercício pleno da liberdade criativa e transformadora dos seres humanos e não como uma forma de “adestramento” e conformação ao sistema. Mesmo considerando que a partir da segunda metade da década de 1990 houve uma expansão nacional das matrículas no ensino fundamental, bem como uma expansão das matrículas no ensino fundamental da rede municipal nos últimos anos, o direito à educação ainda não é garantido em sua plenitude, entendendo-se este como acesso universal, condições de permanência na escola e, sobretudo, acesso ao conhecimento que permita o exercício da cidadania. 2.3.1.1 Princípios orientadores para a Educação como direito 1 – Solidariedade e responsabilidades coletivas, face ao individualismo e competitividade. O direito à educação é um direito humano indivisível, interdependente e exigível. Ele está assentado em diferentes referenciais jurídicos nacionais e internacionais, formando um arcabouço que contribui para sua proteção. O sistema de ensino atual, resultante da subordinação às regras das instituições financeiras multilaterais na figura do Banco Mundial, tem servido para perpetuar as desigualdades e manter a segmentação de classes sociais. Dessa forma, o segmento mais impactado por esse sistema educacional são as populações pobres e negras ― e, dentre estas, as mulheres. Acreditamos que a emancipação humana, a partir da auto-organização da população de forma solidária, será possível se for garantida a educação como um direito humano. Defendemos a efetivação de avaliações que não tenham caráter meritório e excludente. Queremos uma escola que emancipe e transforme ― e não que reproduza a lógica de uma educação “bancária”. 2 - Democratização da gestão A gestão participativa é fundamental na construção de uma educação transformadora e de qualidade. Pensar a escola pública de forma integral significa não apenas reconhecê-la como espaço de transmissão sistematizada de conhecimento, mas como espaço de socialização ― algo fundamental para mudança de hábitos, comportamentos, valores e visão de mundo. Nossa concepção de escola pública considera como princípio o exercício da democracia direta da população atendida por ela, o que dá sentido à própria ideia de escola, ou seja, uma comunidade de aprendizagem e de construção da emancipação humana. Neste sentido, deverão ser criados canais de participação que deem conta das necessidades específicas, mas ao mesmo tempo estabeleçam elos entre os espaços de formulação e execução da política de educação. Nossa concepção se diferencia daquelas que têm sido praticadas no Ceará através de sedutores “slogans” como “todos pela educação” ― repetidos em programa federal. Nessas práticas, tudo se reduz a “convidar” a comunidade escolar para participar da “execução” das medidas que continuam a ser desenhadas e implementadas a partir dos gabinetes das secretarias. Ao tempo em que parece traduzir uma concepção de participação popular, essas práticas possuem a característica perversa de manter intocadas as diretrizes políticas de determinada secretaria ― transferindo, para o local aonde são aplicadas aquelas 29
diretrizes (as escolas e seus dirigentes), as responsabilidades de seus sucessos ou de seus fracassos. Entendemos que a melhor forma de contemplar a democracia participativa na gestão deve ser através da formação de colegiados deliberativos para cada segmento (professores/as, funcionários/as, pais/mães e estudantes), pois são eles os mais aptos para debater e decidir sobre os mais variados aspectos da vida educacional. Certamente, o exercício da democracia encontra limites em quaisquer esferas de poder onde predominam práticas fisiológicas, que marcam o contexto local de eleições para diretores/as de escolas e conselheiros/as tutelares. Queremos combater essa lógica, incentivando a democratização da gestão escolar. No que se refere à eleição de diretores/as, defendemos um processo exemplar para a nomeação dos/as mesmos/as. Estes/as, de maneira diferenciada das eleições convencionais, serão escolhidos/as a partir de consulta à comunidade escolar. Para garantir a dimensão educativa nesse processo, a escolha será precedida de momentos de reflexão sobre as práticas escolares, bem como sobre as condições materiais para tal. É insuficiente a realização de debates entre os/as candidatos/as para a apresentação de suas propostas. Pretendemos envolver a comunidade escolar num diagnóstico mais preciso das condições de funcionamento das escolas. Essa leitura permitirá à comunidade um mergulho mais profundo nas propostas de cada candidato/a. 3 – Recursos públicos para a gestão dos equipamentos públicos O processo de terceirização corresponde a uma ofensiva do capital para fragilizar a classe trabalhadora, pois desobriga o Estado das responsabilidades de empregador e as transfere para o setor privado ― o Estado perde sua titularidade. A terceirização, portanto, contribui para o processo de privatização e, diferentemente do que muitos (as) afirmam, este processo é mais oneroso para o Estado, além de possuir uma essência antidemocrática. Compreendemos como fundamental a utilização de recursos estatais para a gestão dos equipamentos públicos, vinculados às esferas de controle social, bem como ressaltamos a importância da realização de concursos públicos. É importante lembrar que a legislação brasileira prevê obrigatoriedade de investimento de 25% do orçamento municipal em educação. A aplicação desses recursos pressupõe uma atividade permanente de acompanhamento do orçamento municipal, necessitando transparência e publicização das contas públicas. Com os atuais padrões de arrecadação, as unidades federativas como o Ceará não têm recursos para custear a educação básica em seus estados, a não ser mediante padrões de precariedade (instalações deficitárias, falta de equipamentos e carreiras profissionais pouco atrativas). É necessário, portanto, além de um aumento nos percentuais de arrecadação do estado do Ceará e de Fortaleza aliado com mais aportes de recursos do governo federal, uma fonte adicional de recursos ― por exemplo, uma parcela do lucro líquido das estatais, destinando 5% desse valor para a compra de equipamentos escolares. 2.3.1.2 Efetivação do Direito à Educação Defendemos incondicionalmente a efetivação do direito à educação, em suas mais variadas formas, dando ênfase aos processos escolares de formação. Trata-se, ainda, da garantia da permanência do conjunto dos/as estudantes nas escolas, a partir de uma escola integral, que seja espaço de vivências coletivas baseadas em um currículo amplo, que reduza o abismo cultural entre as atividades fundamentalmente teóricas e as práticas. 2.3.1.3 – Valorização dos/as profissionais da educação 30
A temática da valorização dos/as profissionais da educação não pode ser entendida como uma proposta feita, exclusivamente, para acolher os desejos coorporativos; ela é compreendida como um dos pilares essenciais para a efetivação do conceito de educação integral. A política educacional que vem sendo implantada pelos últimos governos municipais rompe com a isonomia, desmonta o sistema de carreiras no funcionalismo público, compromete a paridade entre ativos e aposentados e cria entre o conjunto dos servidores um clima de competição e insegurança. A incorporação dos aditivos representa hoje uma falsa prioridade porque a realidade exige outra pauta na luta dos profissionais da educação, uma vez que existem outras demandas mais urgentes e necessárias para esses/as trabalhadores e trabalhadoras, como uma política de valorização desses/as profissionais que deveria compreender: capacitação, aumento de salários, uma adequada alocação dos/as profissionais de educação nas Regionais, serviço de vigilância diurno e noturno ― ou seja, a política de valorização ampla do trabalho educativo deve ser o centro da política municipal. Para isso, defendemos a valorização dos/as profissionais de educação a partir dos eixos: salarial e jornada de trabalho: discussão sobre o piso nacional da CNTE, garantia dos direitos trabalhistas e estabelecimento de prazos para incorporação das demandas apresentadas pelas entidades de classe; regularização da situação funcional dos/as trabalhadores em educação; funcionamento das escolas: ampliação de verbas e repasse pontual destas; abertura de concursos públicos para todos os segmentos que apresentam deficiência de quadro funcional; educação especial: formação que possibilite aos estudantes incluídos na rede um atendimento sério e eficiente com liberação para qualificação do quadro docente; garantia da autonomia da escola: eleição direta e democrática para direção com apresentação de critérios para o pleito. Entendemos ser necessário que a prática pedagógica esteja fundamentada num projeto histórico de sociedade, mediado pelas teorias educacionais e pelo projeto de escolarização. Neste sentido defendemos que seja garantida uma política de longo prazo para valorização do trabalho educativo, adotando uma formação em serviço com padrão unitário de qualidade e base teórica crítica, além de um plano de carreira unificado para os/as trabalhadores/as em educação que dê conta da recomposição integral do poder aquisitivo dos/as servidores/as públicos/as, perdida nos últimos anos. 2.3.1.4 Temas que orientam as iniciativas e propostas
Passe Livre e transporte escolar. Segurança alimentar e alimentação orgânica e práticas sustentáveis, como agroecologia urbana e permacultura, para a merenda escolar. Eleições para gestores/as, garantindo uma gestão democrática a partir da participação da comunidade, elegendo profissionais qualificados. Processo de Formação Continuada juntamente com as universidades. Educação para as diversidades: política para mulheres, juventude, negras e negros, LGBTs e formação de profissionais para isso. Discussão democrática do Plano Municipal de Educação. Combater a política de desvalorização profissional praticadas nas gestões anteriores (supressão do calendário escolar, perda de licenças, bibliotecas e laboratórios falidos, criação de um guarda municipal militarizada). Discutir e propor um novo modelo de Escola em Tempo Integral. 31
Projeto Professor Diretor de Turma (PDT - SEDUC/CE) nas escolas municipais com um outro olhar e metodologia. Concursos para diversas áreas e níveis educacionais (equipes multidisciplinares com atendimento integral à população e comunidade escolar). Efetivação dos/as professores/as temporários/as. Escolas funcionando a todo momento como centros integrados de arte, cultura e lazer. Radicalizar e não esbarrar nos limites do sistema capitalista, sendo oposição à política neoliberal de cortes ao direito dos/as trabalhadores/as em Educação. Financiamento digno para a educação, amarrando todas as questões orçamentárias ao poder público e defender 35% da arrecadação de impostos municipais para a Educação. O nosso compromisso é com os direitos dos/as filhos/as da classe trabalhadora e os/as profissionais da educação: combater privilégios para garantir direitos.
2.3.1.5 Iniciativas comprometidas com uma educação de qualidade 1 – Educação Integral Os/as estudantes/as da rede municipal de ensino têm direito de acesso aos bens da cultura socialmente acumulados. Considerando os princípios de solidariedade e responsabilidade coletivas, defendemos que este acesso não se constitua numa apropriação acrítica dos conteúdos da cultura erudita, mas de uma compreensão que contribua para uma leitura de mundo mais densa, completa e coletiva ― elementos importantes para a construção dos parâmetros de atuação e inserção social de todos/ as. A concepção de educação integral que defendemos incorpora, necessariamente, as amplas possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos que vão para além de abordagens científico-conteudistas que prevalecem atualmente nas escolas. As várias manifestações das artes ― como o teatro, a música, as artes plásticas e audiovisuais ― deverão compor um arcabouço de possibilidades que, ofertadas às crianças, adolescentes e jovens, possam lhes permitir o desenvolvimento pleno de suas potencialidades. Não nos referimos à concepção limitada da ideia de ocupar integralmente o tempo dessa juventude mantendo-a nas escolas; todas as ações devem fazer parte de um projeto de formação humana que através das ciências, das artes e dos esportes possibilite o desenvolvimento pleno das pessoas de qualquer idade. 2 – Qualidade social na educação 2. I – Uma mudança de paradigma pedagógico Reconhecemos, como conquista recente, a universalização do Ensino Fundamental para crianças e adolescentes de 6 a 14 anos de idade. No entanto, sabemos que os resultados das avaliações oficiais têm evidenciado que os/as jovens terminam suas escolarizações apresentando sérias limitações na elaboração e compreensão de textos e na realização de operações matemáticas elementares, afastando-se significativamente da carga de conhecimentos esperada após um percurso de nove (9) anos de escolarização. A escola não tem, assim, cumprido o seu papel social e político de instrumento da emancipação do povo brasileiro ― e esse fracasso não pode ser debitado nas contas pessoais dos/as estudantes e de suas famílias (como tem sido feito reiteradamente). É preciso que os/as gestores reconheçam que a democratização das matrículas no Ensino Fundamental trouxe para a escola um contingente de estudantes que, até então, estava excluído da cultura escolar ― contingente este que, em boa parte dos casos, é oriundo de famílias onde elementos da cultura letrada (jornais, revistas, livros etc.) eram/são raros, não havendo, portanto, quaisquer “surpresas” no fato de terem apresentado as piores taxas de evolução. Os sistemas públicos de 32
educação não estão preparados para acolher esse singular contingente de estudantes e, por vezes, atribuem aos estudantes e professores/as o ônus do fracasso do sistema educacional. Seguindo essa compreensão, a rede municipal de ensino de Fortaleza deverá ter uma pedagogia adequada aos diferentes estudantes de nossas escolas. A tarefa não é pequena, pois não se resume a um treinamento localizado de práticas pedagógicas. Pressupõe uma mudança na concepção do processo ensino-aprendizagem, atribuindo papéis ativos, ainda que diferentes, para docentes e discentes, oposto às práticas de uma pedagogia tradicional que atribui atitudes de um “receptáculo passivo” para os/as estudantes. 2. II – Uma nova compreensão da formação de professores/as em serviço Um programa de formação em serviço deverá estar assentado em grupos de formação que atuem a partir das próprias escolas, alimentados por coordenadores/as que, discutindo problemas específicos do dia a dia ― e tendo em vista concepções e metas mais amplas da educação ―, devam evoluir a partir de processos coletivos de elaborações pessoais. Trata-se de superar a prática, razoavelmente comum, de realização de cursos curtos de formação, oferecidos nos intervalos dos períodos letivos, cuja intenção não pode ser maior do que o treinamento de procedimentos mais ou menos mecânicos, como se estes pudessem dar conta da complexa problemática da escola brasileira neste começo do século XXI. 3 – Instalações e equipamentos 3. I – A escola ― um espaço gostoso de estar A escola precisa constituir-se em num lugar agradável de estar, onde estudantes sintam prazer em voltar no dia seguinte. Banheiros higienizados, refeitórios limpos, quadras esportivas, espaços de recreações e jogos, ambientes convidativos para leituras, pátios arborizados, jardins cuidados e recantos para estar e conversar são elementos que devem se constituir como matrizes importantes na definição dos perfis arquitetônicos das escolas públicas. Salas de aula agradáveis, planejadas com adequados padrões de conforto térmico, luminosidade e acolhimento, não devem ser privilégio de poucos mas, sim, direito universal. Também defendemos que as instalações do espaço escolar propiciem a acessibilidade para os portadores de deficiência, que devem ter condições de alcance e entendimento, para que possam desenvolver a construção do seu conhecimento com condições de igualdade, segurança e autonomia. 3. II – A escola ― um espaço gostoso de aprender Para além do espaço gostoso de estar e para não descuidar da intencionalidade que lhe deve ser própria (o princípio da educação integral), a escola precisa equipar-se de instrumentos e materiais que são essenciais para estimular as diversificadas e criativas aventuras no campo da cultura. Mais do que ter agradáveis bibliotecas e salas de leitura, é preciso garantir que nesses espaços crianças e adolescentes encontrem livros didáticos, paradidáticos e literatura infanto-juvenil, revistas e uma variedade de outras publicações que possam conduzi-las pelas novas veredas que deverão abrir-se no mundo das letras. Nossa gestão assegurará a navegação pelos mares da web, ou seja, dotará as escolas de equipamentos de informática e acesso à rede mundial de computadores, além de lhes garantir uma significativa quantidade de materiais lúdicos e educativos, disponíveis em mídia digital e com acessos locais. Serão disponibilizadas instalações laboratoriais e materiais que ofereçam condições adequadas para que os experimentos possam constituir-se em elementos usuais das elaborações de conteúdos, aliados a uma nova compreensão da relação ensino-aprendizagem. De modo semelhante, as vivências com linguagens artísticas (artes musicais, dramáticas e plásticas) serão valorizadas como estratégias de ampliação do papel educativo das escolas, 33
entendendo-as como relevantes para o desenvolvimento pleno das potencialidades e sensibilidades. Para tanto, serão garantidos espaços e condições (aquisição de instrumentos musicais e equipamentos eletrônicos) para que professores/as e estudantes possam trabalhar com tintas, barro e outras texturas, além de atuar em grupos, ensaiar e produzir peças teatrais, apresentações de dança ou de grupos musicais. Ainda que sejam desejáveis, não são necessárias as construções, nas escolas, de ateliês específicos para cada uma dessas áreas, pois poderá ser incorporada ao projeto arquitetônico a concepção de salas de múltiplos usos que tenham isolamento acústico e possam ser usadas para atividades de música, dança e teatro. As salas de experiências também serão projetadas com a mesma lógica de múltiplos usos, permitindo assim que as aulas de artes plásticas possam se beneficiar desses espaços. Para dinamizar jogos e brincadeiras, além dos espaços de recreação e das quadras desportivas, que são essenciais, serão disponibilizados aos/às professores/as de educação física materiais e equipamentos específicos (bolas para jogos diferentes, além de redes, colchões, bastões, fitas, arcos e similares) que possibilitem o acesso ao amplo acervo histórico da cultura corporal. 4 – Análise de desempenho da educação 4. I – Educação Infantil e creches Nossa concepção de educação não considera de maneira absoluta a necessidade de universalização de matrículas na educação infantil, menos ainda nas creches ― uma vez que, diferentemente do ensino fundamental, a educação infantil não é, nem deve ser, uma escolarização obrigatória. Entretanto, isto não significa que o poder público esteja desobrigado de garantir esse nível de escolarização. A gestão pública deverá garantir o atendimento para quem optar por esta modalidade ― e a partir da demanda estabelecida. Ainda assim, as famílias devem poder escolher se matricularão seus filhos e filhas nas escolas ― em creches e pré-escolas ― ou não; se elas apresentarem padrões de excelência, cresce a procura por novas vagas. A lógica atual é perversa: quanto pior é o atendimento, menor é a procura ― e assim o gestor encontra menores pressões para implementar esse dever constitucional. Considerando esse aspecto, é evidente que as matrículas na cidade de Fortaleza, no segmento creches, não atendem às demandas da sociedade, o que faz com que a gradativa expansão do atendimento seja uma necessidade dos próximos anos. Entendemos como prioridade a universalização do ensino público, que na educação infantil representa a municipalização das creches e a ampliação do financiamento para estas. Neste processo, compreendemos como transitórias as creches firmadas em convênios e reconhecidas legalmente, pois estas deverão passar por rígidas instâncias de controle social, mecanismo que tem como objetivo ser uma forma educativa de cogestão. Em nosso governo buscaremos ampliar as matrículas, em convênios com instituições de atendimento, tendo rigor na fiscalização da qualidade deste serviço e buscando mudanças dessa situação a longo prazo. Será realizado concurso público específico para professores/as da Educação Infantil, o que permitirá o aproveitamento de um enorme contingente de professores/as. 5 –Financiamento A sociedade civil brasileira tem se articulado em torno das discussões do “custo aluno qualidade inicial” ― que, nas primeiras iniciativas, aponta para valores muito distintos daqueles praticados pelas escolas públicas cearenses. Importa assinalar que o valor de referência do FUNDEB praticado no Ceará necessita, para ser praticado, de porte de recursos do governo federal, o que significa dizer que, com os recursos locais, provenientes dos recursos constitucionais, não há recursos sequer para 34
praticarmos os valores mínimos do FUNDEB. Não se deve esperar que o panorama médio para o estado seja uma medida correta das correlações de recursos disponíveis para a cidade de Fortaleza. De qualquer forma, é importante frisar que o número de matrículas na rede municipal cresceu assustadoramente na última década ― o que produz uma assimetria nos acolhimentos das matrículas. Poder-se-ia argumentar que essa formatação do regime de colaboração ― a municipalização das matrículas do Ensino Fundamental, principalmente aquelas das séries inicias ― é uma decorrência natural da legislação brasileira pós-LDBEN; no entanto, os níveis dessa assimetria não encontra similares em nenhuma outra capital brasileira. 2.3.2 Saúde 2.3.2.1 Saúde é política e resistência Para desenhar a saúde na cidade é preciso pensar nos modelos e contextos que permeiam uma cidade mais humana, mais fraterna, mais verde, mais socialista. Desenhamos a saúde na cidade de Fortaleza a partir de três (3) grandes marcos: 1. Saúde é Política e Resistência, 2.Saúde é Natureza e Território e 3.Saúde é Acesso a serviços de Qualidade. A construção da pólis, é bom lembrar, passa pelos pactos sociais e pelos arranjos que se estabelecem no cotidiano entre grupos sociais distintos. Na conjuntura de desigualdade social em que vivemos ― com um ataque constante aos direitos de saúde e à dignidade humana ―, pensar saúde tem que passar necessariamente por pensar uma nova política, ou seja, pensar novos modelos que atendam as necessidades do povo, pensar novas estratégias de produção da vida ― enfim, é resistir Apesar do aumento do reconhecimento entre países, ao longo das últimas décadas, da visão da saúde como direito e do aumento da discussão dos sistemas de saúde, há uma visível decadência dos sistemas considerados universalistas e emblemáticos, como o inglês e o canadense ― e de sistemas que, embora não universais, preservavam uma orientação do cuidado pela atenção primária, como o português e o espanhol. No campo do direito à saúde, apresenta-se um quadro heterogêneo ― onde o investimento e o desenho institucional varia de país para país. No entanto, a discussão de Sistemas Universais de Saúde tem perdido força para uma discussão mais voltada para o que Giraldes chamou de “redistribuição de recursos baseada na eficiência técnica”. Com o foco na “eficiência”, a visão é de aumento da produtividade no funcionamento de hospitais e melhor aproveitamento de recursos humanos disponíveis. A perspectiva não é a de necessidades de uma população, mas a capacidade instalada de serviços ou a capacidade de um país de melhorar a performance de um serviço para que atenda mais pessoas com menor custo. O discurso oficial, nesse sentido, ampara-se no aumento do acesso com qualidade, nos tipos de serviços de saúde que são oferecidos, nas formas de pagamentos e copagamentos e nos financiamentos alternativos ou subfinanciamentos. Essas estratégias podem variar de lugar para lugar ― e até dentro de um mesmo país. Como consequência, desigualdades são observadas entre os diferentes sistemas de saúde, entre as regiões de um país ― e, mesmo, entre pessoas de uma mesma região, dependendo de seu poder econômico. A discussão mais do que repetida ― mas mais que nunca necessária ― é a de que a saúde é um produto de seus determinantes sociais, vale dizer: a forma como as pessoas amam, 35
comem, usam seus corpos e interagem com a natureza e com os sujeitos a seu redor não cabe no cubo da meritocracia e da “eficiência” financeira. A vida gregária, os territórios como espaço vivo, a opção pela acumulação capitalista gerada pela especulação imobiliária e pela distribuição de agrotóxicos no que ingerimos também não cabe nessa visão de “eficiência” e de “eficácia” que desconsidera os interesses econômicos e políticos subjacentes às escolhas feitas pelos/as gestores/as. Os altos índices de violência e acidentes de trânsito que lotam as emergências dos hospitais e o consumo desenfreado de fármacos estimulados pelas indústrias farmacêuticas são aspectos fundamentais a serem considerados quando se analisa a saúde na cidade. A opressão feminina, o racismo arraigado, a discriminação de orientação sexual e outras formas de segregação que geram adoecimento são sintomas do modelo de vida e sociedade capitalista. A medicalização da vida, ainda, ou seja: a saúde virando commodity é um sintoma de um sistema de exploração de corpos e afetos que se desintegra a olhos vistos. Como aponta Mendes (2012), essa visão de redução de custos ― através de critérios de aumento de serviços com pouco investimento novo ― é fruto da relação que prioriza o capital financeiro, tornando impossível o crescimento econômico e não garantindo o financiamento para as áreas sociais, a exemplo da saúde pública. Mendes trata do Brasil, mas podemos considerar que essa é uma análise que se aplica ao campo internacional, já que estamos em uma nova fase, ―sob um capitalismo dominado pelo poder da finança, com grandes constrangimentos à efetivação de uma política pública universal. Existe compreensão de que a dominação do capital portador de juros no Brasil sustenta a permanência de uma política econômica que subordina o desenvolvimento social no país. Em verdade, a adoção de políticas macroeconômicas restritivas exige sempre superávits primários fiscais altos e tentativas de redução dos gastos públicos sociais e em contingências na saúde.”
Temos, pois, que olhar de forma mais detalhada o que realmente está em jogo na proposta de um governo interino ― e de modo ilegítimo alçado ao poder ― de desmonte do SUS. Que modelo de sociedade estamos construindo? Quais são as prioridades definidas por um corpo de organizações transnacionais que definem a vida dos povos baseadas na acumulação do capital? Que crise civilizatória estamos vivendo, em que a vida humana vira commodity de planos de saúde em disputa ― e em que a sociedade não consegue pensar fora do cubo? Há duas visões concorrentes que são subjacentes a essa discussão do financiamento dos sistemas de saúde do mundo: De um lado, o ―princípio da construção da universalidade‖, que se expressa pelo direito de cidadania às ações e aos serviços de saúde, permitindo o acesso de todos, por meio da defesa permanente de recursos financeiros seguros. De outro lado, o ―princípio da contenção de gasto‖, uma reação defensiva que se articula em torno da defesa da racionalidade econômica, na qual a diminuição das despesas públicas constitui-se instrumento-chave para combater o déficit público, propiciado por uma política fiscal contracionista, e a manutenção de alto superávit primário em todas as esferas de atuação estatal (Mendes, 2012).
Nesse novelo capitalista ― reforçado pela história de governos nacionais em que vivemos ― temos uma cidade que pulsa e que pede passagem. Da Sabiaguaba ao Bom Jardim, os movimentos sociais ― círculos de afeto e resistência ― se desdobram para garantir a saúde que nós não fomos capazes de assegurar ao longo dos anos como nação. Temos grupos de resistências que busca proteger um ecossistema de muita beleza, composto de rios, dunas, 36
manguezais que sofre constantemente com os ataques da especulação imobiliária e com governos municipais irresponsáveis a serviço do capital. Temos, nesse sentido, Movimentos de Saúde Mental espalhados pela cidade ― no Bom Jardim, nas Quatro Varas, nos Fóruns de Antimanicomialistas ― que constroem pontes e destroem estigmas entre a loucura e normalidade. Temos os grupos de ativistas em defesa do SUS que lutam contra o seu desmonte, defendem o fortalecimento da atenção primária, o fortalecimento do controle social, que vão em defesa dos/as trabalhadores/as da saúde e do atendimento digno a qualquer cidadão/cidadã ― independente da região onde vive, de sua classe social, sua raça, cor ou etnia, gênero ou orientação sexual, de acordo com sua necessidade. Temos também movimentos em defesa do direito ao acesso aos espaços públicos e serviços de saúde das pessoas com necessidades especiais, para que sejam tratadas com respeito e dignidade, que sejam valorizadas em sua condição e que sejam apoiadas nas suas necessidades. Temos, ainda, movimentos em defesa de jovens que perdem a vida a cada minuto nessa cidade, como fruto da desigualdade e da falta de oportunidades, bem como pela falta de políticas públicas que ampliem sua perspectiva e suas possibilidades de mudança. Temos, importa dizer, conselhos de participação social, sindicatos e fóruns sociais que lutam constantemente para que o direito à saúde seja garantido no cotidiano dos serviços. A partir da luta desses movimentos, então, é que esta proposta de saúde se constrói. É a saúde sonhada e buscada por esses movimentos o que se quer produzir. Queremos, assim, uma rede de saúde mental integrada e articulada com os movimentos, coordenada pela atenção primária e apoiada por hospitais equipados e preparados para garantir o atendimento de alta complexidade. Queremos uma rede de UPAS e pequenos hospitais resolutiva, para que não tenhamos que construir Hospitais Terciários caros ― e que não cabem no orçamento da cidade. Queremos nossas gestantes bem cuidadas, a partir de uma rede integrada ― que se inicia na atenção primária com uma agente de saúde preparada até o momento do parto, com acesso a pré-natal e a acompanhamento longitudinal. Queremos nossos trabalhadores e trabalhadoras satisfeitos/as, bem remunerados/as e educados/as de forma permanente, com tecnologias de educação à distância, acesso a teleconsultas e segunda opinião, espaços de troca de experiência e de planejamento. Queremos nossas unidades de saúde bem equipadas, hotelaria de qualidade, recepção com marcação de consulta e mapeamento de risco. Queremos um planejamento de saúde ascendente, com participação de todos os movimentos da sociedade ― e que ele seja acompanhado de forma permanente nos fóruns de participação da cidade. Pensar a saúde tem que ir além de como a sociedade capitalista trata a saúde: ela é um direito básico, não uma mercadoria. Essa forma de tratar uma dimensão tão importante da vida humana é produtora de adoecimento. Em um sistema que depende do consumo, e que para produzir muito explora as pessoas através de seus trabalhos ― cada vez mais exaustivos e precarizados ―, a exploração do solo, o desmatamento das florestas, a destruição dos rios e a geração de lixo, bem como o envenenamento de nossos alimentos com agrotóxicos, larvicidas e pesticidas, tudo isso se reflete no adoecimento da população e na demanda por cuidados e medicamentos. 37
Juntam-se a isso outros elementos. Se o símbolo de sucesso social nesse modelo de desenvolvimento é o “poder de compra” e de acumulação, uma das primeiras coisas que se deseja como “atestado de sucesso” profissional é um carro ou uma moto. Os incentivos são diversos, desde os descontos até a necessidade em virtude do sucateamento do transporte público. O resultado proveniente disso é o alto número de veículos que geram congestionamentos estressantes, poluição através da queima de combustíveis fósseis e acidentes. Por outro lado, a saúde que nega à gestante um parto seguro e acompanhamento reponsável, nega à criança o direito de viver mais e melhor; que nega ao louco a possibilidade de ser atendido nos seus momentos de surto, nega a diferença; que nega o atendimento de qualidade ao cidadão comum, é indiferente ao fato de que 30 a 40% de pessoas que estão nas filas de atendimento morrem ou desistem de esperar porque não há um acompanhamento dessa espera. Saúde que nega o direito das mulheres de decidir sobre seu corpo, que nega atendimento a adolescentes em situação de abortamento, que nega o direito de um usuário ou usuária de crack de se desintoxicar, nega o direito de acolhimento e escuta de problemas ocasionados por essa mesma vida desumana e adoecedora que produzimos cotidianamente. É preciso, pois, pensar a saúde não como a “ausência da doença” ― precisamos pensá-la a partir de suas variáveis sociais. Saúde é socialmente construída e se materializa no espaço onde as pessoas vivem, onde as pessoas se relacionam, constroem laços afetivos, se transformam ― e transformam o mundo. Por isto, saúde se articula com as várias dimensões da vida na cidade. Nesse sentido, saúde é direito do povo e dever do Estado. E um Estado comprometido com os valores éticos e o bem comum da sociedade, mesmo que ainda não socialista, tem a responsabilidade de garantir uma saúde pública e gratuita, de acesso universal a toda a população ― garantia de que a cidadã e o cidadão vão ser atendidos/as integralmente em todos os espaços de atenção, com garantia de priorização de atendimento para os/as que mais necessitam, com respeito e valorização das diferenças de raça, etnia, gênero, orientação sexual e de outros modos de vida. Um Estado que, nesses moldes, garante o direito à saúde, organiza uma gestão compartilhada ― cujos mecanismos de participação da sociedade nas tomadas de decisão são garantidos por instrumentos formais e informais na definição das políticas. Enquanto as candidaturas do capital pensam a saúde como um empreendimento ― haja vista a recente aprovação de entrada de capital estrangeiro no SUS e seu desmonte privatista em curso, e com isso suas propostas envolvem tão somente tijolos, pois a construção de unidades de saúde não significam sequer a garantia de seu funcionamento ―, nós nos propomos pensar uma política integrada para a construção de uma cidade que seja produtora de saúde. E como isso é possível? Considerando os determinantes sociais da saúde em articulação com as nossas propostas. 2.3.2.1.1 Determinantes Sociais da Saúde Saúde é natureza: na medida em que a natureza, para além do belo que está nas árvores e nos jardins (nos ambientes), é uma oferta de nutrientes necessários para o bem viver. Ao agredir a natureza, agredimos não só uma possibilidade de continuidade da vida, de destruição de várias existências de plantas e animais, mas também agredimos o corpo diariamente com os agrotóxicos, com a água poluída, com doenças infectocontagiosas causadas pela poluição e 38
pela falta de saneamento. Saúde é educação: uma sociedade com acesso a boas escolas e à boa educação é uma sociedade que adoece menos por doenças consideradas negligenciadas ou doenças infecciosas ― que poderiam ser evitadas se as pessoas tivessem acesso à informação sobre prevenção. Uma criança que vai à escola tem mais acesso à literatura, a novos horizontes, a novos conhecimentos, à possibilidade de se perder nos clássicos, às viagens que o cinema pode trazer, à interação com outras crianças, a aprender a aprender. Todos esses elementos são dispositivos de uma boa saúde. Saúde é lazer: o bem viver implica em possibilidades de brincar, sonhar, ter momentos lúdicos e de ócio, de dançar a vida e deixar a vida fluir. A saúde está diretamente relacionada à possibilidade de viver de outros modos que não os modos ofertados pela sociedade de consumo e de produção que nos impele a todo momento a achar que “tempo é dinheiro”. Poder contemplar a vida também é um modo de garantir a saúde. Saúde é moradia: viver em áreas de risco, sob a ansiedade constante de ser arrastado pela chuva; viver em favelas sem condições de saneamento; viver isolado em quadrados que não têm verde e nem ar ― tudo isso são fatores produtores de adoecimento. A habitação de qualidade define os indicadores de doença de uma comunidade ― e é, atualmente na nossa cidade, o retrato da desigualdade no acesso à saúde. Saúde é mobilidade: uma sociedade cuja mobilidade é construída nos patamares da indústria automobilística, em que a identidade de um povo é marcada pelo desejo de possuir um carro importado, é extremamente adoecedora. A movimentação de pessoas em uma cidade que promove saúde passa pelo acesso a ciclovias e a motovias, pela oferta de transportes coletivos que tenham qualidade e agilidade, pela disponibilização de veículos não poluentes, regulados e subsidiados pelo poder público ― e pela garantia do deslocamento das pessoas a pé com segurança e acessibilidade como um movimento indispensável à promoção da saúde. Saúde é cultura: a produção de arte, de literatura ou música ― dentre outras muitas formas de expressão artístico-cultural ― diz respeito à promoção da saúde através da memória preservada, da história recontada em outros moldes. A capacidade de recriação e de reinvenção de um povo é um elemento produtor de saúde. Nossas propostas Saúde é natureza, território e cidade A reprodução da vida, sua qualidade do ponto de vista biológico e social, depende da qualidade do meio urbano construído, que se expressa na forma social que chamamos cidade. Expressa-se, também, pela melhoria da situação física das cidades, representada por mudanças nos padrões de habitação, regulações higiênicas, pavimentação das ruas, sistema de abastecimento de água e de eliminação dos resíduos ― uma vez que se reconhece que saúde está intimamente relacionada às condições de vida. A ausência de saúde é, em grande medida, legado de cidades historicamente precárias, nas quais projetos antagônicos estão em disputa, mas em que, em grande medida, o capital tem levado vantagem em expressar sua hegemonia. É a cidade “L.T.D.A.”, “cidade-negócio”, fruto de uma urbanização segregadora que destina aos empobrecidos e empobrecidas os 39
piores padrões de habitabilidade. Com relação à violência, observa-se que o maior número de vítimas residia nas áreas de concentração de segmentos populacionais em situação de vulnerabilidade socioeconômica, tendo como “pano de fundo” a desigualdade social e a segregação socioespacial na Região Metropolitana de Fortaleza-RMF. Essa situação de vulnerabilidade também se traduz na presença de doenças como tuberculose, hanseníase com altas taxas ― e, também, de dengue, que vão coincidir com áreas desprovidas de saneamento; áreas cuja relação de m2 de áreas verdes por habitante é baixa, onde a coleta se desenvolve de maneira irregular ou, mesmo, não existe, e onde há poucas praças disponíveis para a população. O que se observa é o abandono do planejamento urbano e a falta de condições dignas de moradia, com ausência de infraestrutura. Precisamos buscar ter uma atuação diferenciada para com esses lugares. Há setores ― sobretudo os empresariais ― que só procuram a Prefeitura Municipal de Fortaleza para regularizar áreas ou fazer permutas em seus empreendimentos. Nesse sentido, parecem ter clareza de para onde o mercado imobiliário se expande ― e antecipam suas iniciativas. Enquanto isso, podemos observar que existem regiões com incidência maior de doenças. São regiões onde não há saneamento ou água tratada ― e onde há lixões por toda a parte. São assim, vetores de doenças instaladas como o Zika Vírus, Chicungunya, dengue ― e acabam por determinar a “territorialização” das doenças. A política de enfrentamento às epidemias deve pensar a prevenção não só do ponto de vista de indivíduos, com uso de vacinas ou repelentes, mas sobretudo deve haver um enfrentamento ao foco de transmissão da doença. Este é um exemplo nítido da relação saúde/natureza. Nesse sentido, é importante, enquanto medida preventiva, primeiro buscar esgotar os mecanismos de infraestrutura urbana, bem como as demais ações em vigilância em saúde ― e trabalhar a comunicação e mobilização social. A pulverização aérea nas cidades para controle de vetores é uma proposta absurda que deve ser enfrentada, pelas consequências em termos de deriva ― que pode atingir hospitais e escolas, provocando contaminação de corpos hídricos e de alimentos, além de desequilíbrio ecológico pela inespecificidade dos inseticidas utilizados, já que estes apresentam os mesmos princípios de agrotóxicos usados na agricultura (piretróides e organofosforados), com impactos sobre a saúde de lactantes, gestantes, idosos/as ou pessoas com a saúde fragilizada. Outro fato para o qual se deve manter atenção diz respeito ao racismo ambiental e institucional: esse cuidado deve ser uma preocupação importante, e constante, do Estado. As populações negras muitas vezes estão submetidas a situações de degradação ambiental e de discriminação no atendimento dos serviços de saúde ― sobretudo as mulheres negras, quanto aos atendimentos relacionados à saúde reprodutiva. É necessário pensar políticas também para os terreiros, que muitas vezes atuam como espaços de cuidado da saúde da população negra (inclusive com uso da fitoterapia), de cuidado com a saúde mental, das doenças sexualmente transmissíveis e de doenças que atingem sobremaneira a população negra. Dessa forma, reiteramos que:
Há a necessidade de interlocução do Programa Saúde da Família-PSF com as escolas para melhor entender os problemas de adoecimento; É necessário organizar listas de transgênicos e ações de estímulo à produção agroecológica; É preciso tirar as escolas das fronteiras de seus muros, discutindo no âmbito da 40
educação o território ― isto é, a promoção da saúde; É necessário estimular a implantação das farmácias vivas; É necessário um controle rigoroso e irrestrito no uso de agrotóxicos nas nossas plantações; É necessário um controle dos índices de produtos químicos nocivos à saúde na alimentação que consumimos, bem como o controle de alimentos produzidos nos nossos territórios ― com estímulo ao consumo de produtos orgânicos como fonte de riqueza e de bem viver; É necessária a revitalização dos parques e das nossas áreas verdes, a revitalização das nossas praças, espaços de convivência, as conversas debaixo das árvores, a regulação da construção no entorno dos parques e espaços de preservação.
Saúde é Cultura/Educação/Lazer É necessário:
Fortalecer a identidade da comunidade dentro do seu território; Fortalecer os mecanismos de participação social da comunidade; Criar espaços de troca e criatividade; Construir sistemas de informação acessíveis para que a população conheça o que produz adoecimento e o que produz saúde; Envolver a população em campanhas de promoção da saúde que modifiquem indicadores de adoecimento; Criar alternativas de ócio e de lazer; Fortalecer uma educação pública, gratuita e de qualidade; Organizar um modelo de atenção que promova a saúde de forma integrada; Buscar efetivar o respeito aos princípios constitucionais de garantia de acesso universal aos serviços de saúde.
Saúde é Serviço de Qualidade É necessário ainda:
Compreensão e orientação dos serviços, programas e projetos, pela lógica dos determinantes sociais, a partir da ideia de que a saúde não pode ser reduzida à ausência de doença e, sim, como a possibilidade de acesso dos sujeitos à educação, renda, saneamento básico, moradia, cultura etc.; Fortalecimento da rede de atenção básica em saúde (por meio das Unidades Básicas de Saúde-UBS’s); Fortalecimento da rede de atenção mental municipal (Centros de Atenção Psicossocial – CAPS’s), que vêm sofrendo processo de sucateamento e esvaziamento de suas atividades pela atual gestão municipal; Fortalecimento da rede de atenção secundária (Frotinhas, Gonzaguinhas, Hospital Nossa Senhora da Conceição etc.); Monitoramento das atividades executadas pelas Comunidades Terapêuticas e estabelecimento de parâmetros que assegurem a transparência na utilização dos recursos públicos destinados a esse serviço; Ampliação das vagas para atenção em saúde mental disponíveis nos hospitais gerais; Realização de concurso público para a Secretaria Municipal de Saúde, bem como para 41
o Instituto Dr. José Frota (autarquia municipal), como forma de valorização dos/as profissionais de saúde, de maneira a assegurar a existência de vínculos trabalhistas fortalecidos entre os/as profissionais de saúde e a comunidade usuária; Garantia de iniciativas de educação permanente para os/as profissionais componentes da rede de saúde municipal; Qualificação dos serviços de atenção à saúde feminina; Promoção de iniciativas que garantam a potencialização das funções propositivas e deliberativas do Conselho Municipal de Saúde, com composição paritária entre representantes do governo e da sociedade civil; Criação de conselhos comunitários locais de saúde, como forma de empoderar os usuários dos serviços, programas e projetos relativamente à discussão de demandas e propostas na área; Prestação direta de serviços de saúde, por parte da gestão municipal, com o fim das parcerias com as Organizações Sociais de Saúde (OSS’s) e fundações privadas; Fomento de ações que assegurem a atenção à saúde da população em situação de rua, mulheres, idosos/as, crianças e adolescentes, negras e negros, indígenas, dentre outros/as. Fortalecimento do serviço de atenção primária para que ela seja a porta de entrada para a saúde mental, conforme previsto pela portaria Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 ― evitando, assim, o estigma existente nos setores altamente especializados; para isso, é necessário retomarmos os investimentos no NASF (Núcleo de Assistência a Saúde da Família) e no apoio matricial que ampliam a ESF (Estratégia de Saúde da Família), no sentido da continuidade da atenção e cuidados adequados dentro da própria comunidade; Continuidade do cuidado, que deve ter como base os aspectos clínicos, sociais, relações interpessoais, nutrição, lazer e psíquicos; assim, as equipes devem ser multiprofissionais atuando no modelo psicossocial, compreendendo que todo problema de saúde é um problema de saúde mental; Efetivação de projetos terapêuticos singulares que atendam, de fato, a demanda existente, sem que os/as técnicos/as tenham métodos padrões de atuação ― que eximem o desejo, vontade e autonomia dos/as usuários/as do serviço em participar dessas ações; que a criação de grupos de atendimentos não se sustente na lógica da segregação, onde a criança ou adolescente seja convocado a partir de uma possível patologia; Criação de CAPSi em Fortaleza, na proporção de 1/200 mil habitantes, todos com sede própria; financiamento do deslocamento dos/as profissionais para outras instituições a fim de tratar de casos específicos ou para ação de promoção a saúde mental infantil, visando a integralidade como modelo de tratamento; fomento também da inserção dos/as profissionais nesse setor a partir de concurso público e não pela via de indicação política; Garantia de que os recursos sejam prioritariamente investidos na atenção primária, ao invés da terciária, para que medidas de internação não sejam tomadas como forma ideal de tratamento, gerando gastos desnecessários; Garantia de que a criança e o adolescente, assim como os seus cuidadores e cuidadoras, possam ter acesso ao serviço, sempre oferecendo equipe interdisciplinar completa; No caso das internações em crise de crianças e adolescentes, utilização da atenção primária, os CAPSi, e, em última instância, dos hospitais gerais como espaços preferenciais de cuidado; não financiar hospitais psiquiátricos ou hospitais que 42
realizam a segregação por via de alas psiquiátricas com o dinheiro público, já que na cidade de Fortaleza eles funcionam segundo o modelo asilar, usando a contenção medicamentosa e a conduta moral como estratégias de tratamento; Trabalhar com orientação para a desospitalização e desinstitucionalização, para que o ato clínico não tenha efeito iatrogênico; Orientar a equipe para que a medicação, no caso das crianças e adolescentes, não seja a primeira tecnologia de cuidado, devido aos efeitos colaterais especialmente graves para este público; quando necessário, realizar os acompanhamentos clínicos sistemáticos, com exames ambulatoriais, para acompanhar seus possíveis efeitos; garantir sua distribuição gratuita e contínua na rede; Desenvolver programas de supervisão institucional e matriciamento de outros espaços públicos que acolhem crianças e adolescentes, como lares-abrigos.
É preciso ainda, em termos de propostas: 1. Fortalecer a rede de Atenção Básica a. Ampliar a cobertura; b. Garantir serviços de saúde através de: i. Criação de um sistema de informação integrado entre Unidades de Serviço; ii. Protocolos clínicos informatizados; iii. Portal de acompanhamento de marcação de consultas; iv. Mídias interativas para escuta e participação do cidadão na organização e atividades da unidade de serviços; c. Garantir qualidade no atendimento e nas estruturas da unidade de serviço; d. Adequar a estrutura das unidades de saúde para acessibilidade e conforto de pessoas com deficiência física; e. Organizar Programa de Educação Permanente dos Profissionais da Saúde (Rede Municipal Saúde Escola); i. Garantir Residências Multiprofissionais; f. (Cuidando de quem cuida); g. Organizar o fluxo de referência e contra-referência para que o/a paciente seja acompanhado/a em todos os momentos de atendimento no serviço por profissional ou equipe de referência: i. Garantir uma central de regulação de consultas e encaminhamento que se comunique com a/o cidadã/cidadão; ii. Construir a fila inteligente, organizando o mapeamento de risco e garantindo o acompanhamento contínuo dos/as que ainda não foram atendidos/as na especialidade requerida; h. Efetivar Plano de Cargos e Salários. 2. Organizar os serviços de Atenção Secundária a. Definir redes de cuidado/linhas de cuidado: i. Atenção à Criança; ii. Atenção à Mulher; iii. Atenção ao Idoso (Centro de Referência à Saúde do Idoso) iv. Saúde Mental (Centro de Referência para Enfrentamento ao Crack e ampliação da política de redução de dano ― sempre, quando possível, para o enfrentamento da dependência química); 43
v. Urgência e Emergência; b. Implantar as cartas de serviços nas unidades/Guia de Serviços com todos os serviços oferecidos pelo município e as orientações necessárias para ter acesso aos mesmos; como parte deste guia estão orientações para o atendimento de emergência, procedimentos necessários para internações hospitalares, serviços complementares e ouvidoria; c. Central de Regulação – fila Inteligente. 3. Organizar os serviços de Atenção Terciária a. Buscar cofinanciamento (governo do federal, governo do estado e municípios); b. Administração em parceria com outras esferas de governo. 2.4. Direitos Humanos, Segurança Humana e Proteção Social Direitos humanos são expressões de processos históricos de sujeitos que se constituem nas suas lutas por dignidade. Arrancar direitos é batalha permanente dos desguarnecidos pelo Estado, seja no campo ou na cidade. A historicidade dos direitos nos permite entender que esses enfrentamentos são abertos, não lineares, contraditórios. Os direitos de trabalhadores/as, mulheres, negras e negros, jovens, LGBT´s, crianças, adolescentes, idosos/as, pessoas com deficiência, sem teto, população de rua e tantos outros segmentos sociais nascem na medida em que estes sujeitos se organizam e, pela consciência e ação pública, se fazem presentes na esfera pública, pressionando pelo alargamento democrático e pela recusa concreta das opressões e da invisibilidade. A matança de jovens, o feminicídio, os crimes de ódio e intolerância demonstram a presença (e crescimento) entre nós de uma cultura de poder segregadora e exterminadora. Nosso tempo histórico agrava a destituição de direitos, inclusive o direito à vida. Fortaleza é atravessada fortemente por essas questões. Pensar os Direitos Humanos nesta cidade é indiscutivelmente condensar-se às narrativas da violência. Porém, não cair no lugar comum oferecido pelas análises dos setores mais conservadores que apenas proliferam a cultura do medo, do ódio e do recrudescimento penal é fundamental para a esquerda socialista e libertária. É preciso que reorganizemos não apenas os modos de pensar, mas os modos de viver, de conviver e de perceber o Outro. Dos/as mais jovens aos/às mais velhos/as moradores/as da capital cearense, a violência trouxe novas lentes por onde se mira a ideia de pertencimento à cidade. Os conflitos territoriais e suas fronteiras são naturalizadas, fazendo com que as pessoas e os próprios movimentos sociais vivam em redomas e subjugados a esses códigos arbitrários. A criminalização das juventudes e o reforço dos estigmas sobre os invisibilizados nessa sociedade tão desigual são dispositivos vistos a olho nu por qualquer um/a que transite por nossa cidade. A resposta que devemos oferecer a essa lógica definitivamente não pode se resumir a políticas públicas cristalizadas e escravas do sucateamento. É preciso ir além e, inclusive, confrontar a ideia que temos sobre o Direito. Os Direitos Humanos devem ser alargados, somando-se ao direito à cidade, ao lazer, à cultura, ao meio ambiente e à vida digna de um modo geral. Nossos tempos exigem a transversalidade na política de direitos humanos. Todos os serviços do poder público devem estar orientados a uma lógica de realização e expansão da dignidade das comunidades e de seus membros. Ter uma Secretaria de Direitos Humanos é importante 44
para essa lógica, mas não garante plenamente a política municipal de direitos humanos. Nos tópicos seguintes apresentaremos nossa leitura sobre a problemática dos direitos humanos e propostas de políticas públicas em áreas estratégicas para a melhoria das condições de vida do povo fortalezense.
2.4.1. Segurança: um direito de todos/as! Propomos a segurança tendo o respeito à Vida e à Dignidade Humana como centralidade. Isso implica uma compreensão do complexo fenômeno da violência como algo que não se restringe aos crimes, mas, antes, a tudo que fere os princípios indivisíveis dos Direitos Humanos. A moradia precária, a falta de estrutura urbana, a escola sucateada ou mesmo sua ausência, o rompimento dos laços de vizinhança e de convivência comunitária e as intolerâncias com relação à diversidade sexual são exemplos disso. Assim, este plano tem o objetivo de proporcionar a ampliação do Bem Viver a partir da compreensão da segurança como direito social de todos/as. Desde a segunda metade do século passado, seja no âmbito federal seja na concretude das relações citadinas ― e em que pesem as produções latinas críticas ao recrudescimento penal ―, a segurança no Brasil foi marcada pela importação de teorias como a das “janelas quebradas”, oriunda dos Estados Unidos, cujo desdobramento prático são as políticas de tolerância zero, intensificando o número de prisões e repressão policial em nome da reconhecidamente ineficiente “guerra às drogas” (que não conseguiu, no entanto, reduzir a oferta, o consumo e a violência relacionada ao mercado atualmente ainda ilícito de determinadas substâncias). A tentativa de adequação da polícia ao novo momento democrático pós-Constituição de 1988, ao invés de trazer mudanças estruturais ― como a desmilitarização da segurança pública ―, apenas importou uma doutrina de “policiamento comunitário”, também inspirada na “teoria das janelas quebradas” que, em sua maioria, não aproximou de fato a polícia da comunidade, mas apenas tratou de adotar mecanismos e conceitos de gestão empresarial na segurança pública ― e, ainda assim, não obteve sucesso na diminuição dos índices de violência e nem aumentou a confiança da população na polícia. O “combate ao tráfico” aparece como prioridade nas sucessivas gestões e programas de governo, sem a reflexão sobre o modo ineficaz de tratamento do problema, complicando a questão que gostariam de resolver. Seja por opção ideológica, seja por pressão e subserviência aos jogos de poder e heranças oligárquicas, os governos municipais têm apostado “no mais do mesmo” da intensificação das práticas punitivistas, repressivas e de policiamento ostensivo, sem atentar para uma real reparação e prevenção dos elementos intensificadores da conflitualidade social. Os resultados parciais do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, por exemplo, trazem dados contundentes sobre a condição de vulnerabilidade em que viviam os adolescentes assassinados na capital: 74% estavam fora da escola, 73% foram mortos no bairro onde moravam e a maior parte tinha renda familiar de até dois salários mínimos. Vale destacar que, de acordo com o Mapa da Violência, os homicídios de crianças e adolescentes passaram de 87, em 2003, para 651 em 2013. A variação da taxa de homicídios, nesse caso, para cada 100mil crianças e adolescentes, é de 755,8 ― o que coloca a cidade de Fortaleza 45
em 1° lugar dentre todas as capitais do país com relação ao assassinato da população nessa faixa etária. Temos, assim, a maior taxa nacional: 267,7 homicídios por 100 mil ― taxa que em 2003 era de 23,5 ―, um incremento de 1039,6% em uma década! A atual conjuntura violenta de Fortaleza, produto e condição de processos sociais e espaciais recentes, gera um novo padrão de sociabilidade urbana e segregação espacial. A expansão e distribuição dos crimes letais no município ainda acompanham as formas de desigualdade ou vulnerabilidade social (assim como também ocorre na Região Metropolitana de FortalezaRMF, em especial Maracanaú, Caucaia e Eusébio). A criminalidade letal é mais alta nos bairros mais pobres, periféricos, sem infraestrutura e serviços, onde se concentra uma população mais vulnerável. Há uma desigualdade econômica e social diante da morte. Os grupos mais suscetíveis ao risco de morrer, as vítimas preferenciais da violência letal são jovens solteiros e pardos ou negros, do sexo masculino, com baixo nível de escolaridade, moradores das áreas periféricas, pouco assistidos pelas políticas governamentais. Sendo a capital com maior número de crimes violentos letais intencionais registrados em 2014 ― com 77.3 homicídios por 100 mil habitantes (quando a média das capitais é de 33, e a nacional de 25,2) ou, em termos absolutos, 1.989 mortes violentas englobando casos de homicídios dolosos, lesões seguidas de morte e latrocínio ―, um plano para a cidade de Fortaleza tem que considerar, necessariamente, essa realidade em cada localidade e seus efeitos sociais. É preciso, sobretudo, proteger as populações mais vulneráveis à violência urbana: jovens e mulheres. Mesmo com a criação e implementação de medidas decorrentes da Lei Maria da Penha, na década de 2000 as taxas de homicídios de mulheres apresentaram um incremento significativo em Fortaleza, sendo o quinto maior crescimento do País, segundo os dados do Mapa da Violência: 27,1% das mulheres assassinadas perdem suas vidas nos domicílios, num ciclo de violência doméstica que se inicia com agressões mais leves e que poderiam ser evitadas por meio de uma política pública consistente. A instrumentalização do medo é, em grande medida, complementada por programas policialescos que funcionam como trampolim político para quem tem na utilização da violência seu maior lucro eleitoral, além de contribuir com a “simbiose entre a segurança do mercado e o mercado da segurança”. A difusão do medo é, assim, de enorme interesse para os empresários da segurança privada que vendem cercas elétricas, serviços de vigilância armada, câmeras de monitoramento etc. A redução dessa realidade (violência) e sensação (medo), no entanto, pode ser alcançada com diversas medidas que não passam necessariamente por patrulhamento ou investimento privado dos/as que podem pagar (caro) ― e não dependem, exclusivamente, da segurança pública existente. Os partidários do projeto neoliberal que privatiza e condiciona o direito à segurança apresentam um paradoxo permanente: pretendem implementar um “mais Estado” repressivo e/ou policial para solucionar o aumento generalizado da insegurança objetiva e subjetiva que é, ela mesma, causada pela ausência de uma intervenção efetiva nos campos econômico e social. Isso não é mera coincidência: é precisamente devido ao fato das elites estatais abandonarem os mecanismos de distribuição de renda, geração de emprego, educação e saúde, cultura, esporte e lazer, deixando-os cada vez mais a cargo das iniciativas privadas ou particulares, que devem reforçar sua intervenção nos assuntos de “segurança”, reduzida à 46
dimensão criminal. Esse modelo aposta apenas em mais prisões (e em sua gestão em parceria com a iniciativa privada, aumentando o “custo” por preso de uma média de R$1.500 para até R$ 4.500, de acordo com a CPI do sistema carcerário brasileiro) e maior vigilância ― numa lógica de maior controle e punição, sem afetar concretamente aquilo que pode evitar que os crimes aconteçam. Essa atividade de prevenção é (ou deveria ser) de responsabilidade, sobretudo, do município. A política criminal seleciona aquelas e aqueles que devem sentir o peso do punho de ferro do Estado Penal, seja por meio do encarceramento massivo e da humilhação dos mandados de busca e apreensão coletiva ― que às vezes alcançam comunidades inteiras ―, seja pela concepção equivocada de policiamento, que acaba resultando nas subterrâneas e ilegais práticas de tortura, suborno e execução sumária ― vide o trágico episódio que ficou conhecido como a “Chacina da Grande Messejana”. O racismo institucional é um dos elementos constituidores dessa desigualdade perante a lei, num processo de criminalização antecipada por características físicas (a cor da pele), sociais (classe) e geográficas (o local onde mora) ― que supostamente revelariam a “periculosidade” de algumas pessoas. Muitas vezes, não é o tipo de crime que “pesa” na política criminal, mas o tipo de pessoa que comete o crime. A condenação antecipada pela atuação seletiva das forças de segurança se expressa, por exemplo, nos frequentes “baculejos” de qualquer jovem de chinelo, bermuda e cabelo pintado que more nas regiões populares ― e se estende para a condenação judicial: nas audiências de custódia, para dar apenas um exemplo, a possibilidade de um branco preso em flagrante ser solto ao ser apresentado ao juiz é 32% maior que de uma pessoa negra ou parda, nas mesmas condições. Do mesmo modo, as penitenciárias, desde que foram inventadas, possuem a mesma “clientela” ao longo dos anos: os pretos e os mais pobres, inclusive sem acesso à educação formal. Em uma frase se sintetiza o quadro: “Todo camburão (e toda penitenciária) tem um pouco de navio negreiro”. No caso de nossa cidade ― cujo espaço é cada vez mais segregado de acordo com a classe social dos moradores, notadamente por ações de especulação imobiliária e por investimentos concentrados quase que exclusivamente nas áreas nobres ―, essa orientação das políticas de segurança, eivada de preconceitos e baseada em soluções escapistas (com seus diversos efeitos colaterais), tem minado iniciativas de cultura e lazer das juventudes nas regiões populares. Não menos relevante tem sido o processo de militarização da questão urbana ou de um “urbanismo militar”: uma cidade que vai sendo estruturada sob a lógica da securitização. Além da ocupação territorial por forças policiais sem qualquer incremento de outros serviços públicos e sociais, da ampliação da vigilância, de mudanças no modelo da Guarda Municipal (espelhando a formação e o funcionamento da Polícia Militar, deixando de focar na educação para a cidadania, no atendimento ao público e na defesa do patrimônio e dos serviços na cidade) e investimentos privados em pessoal e equipamentos de segurança, temos uma (re)configuração espacial a partir do controle ostensivo. 47
Da repressão aos movimentos espontâneos da juventude, como os “rolezinhos”, aos confrontos nas reintegrações de posse, vemos, assim, a incorporação de uma lógica de guerra cotidiana, fundada numa exclusão histórica ― e em sua manutenção por uma mentalidade autoritária das elites que elegem um “inimigo” a ser controlado, expulso, isolado e, no limite, eliminado. Dois casos emblemáticos foram as fortes repressões, realizadas pela Guarda Municipal e pela Polícia Militar, quando a juventude ocupou os espaços do Farol do Serviluz e do Cuca Jangurussu com exposições, projeções audiovisuais e música. Foram necessárias muitas negociações com o poder público até que estas iniciativas fossem reconhecidas e valorizadas. A repressão a priori, no entanto, deixou explícito que, no modelo atual, alguns têm mais direito à cidade do que outros. De acordo com o Guia Municipal de Prevenção da Violência Letal contra adolescentes e jovens, produzido por diversas organizações, as prefeituras têm papel central na redução das conflitualidades. Não apenas porque é nas cidades, com todos os riscos cotidianos de maior ou menor intensidade a depender do bairro, que o crime e a violência são diretamente vivenciados pela população, mas também porque parte dos recursos para enfrentar esses problemas encontra-se alocada no âmbito das administrações municipais. O conceito tradicional de Segurança Pública como assunto exclusivo das polícias, fundamentado na ótica reativo-repressiva de “combate ao crime” ou “guerra as drogas”, deve ser substituído por noções mais abrangentes, como a de Segurança Humana. Esta nova visão remete à necessidade de intervenção sobre o ambiente econômico, social, educacional, cultural e territorial gerador ou alimentador da criminalidade violenta, assim como à convergência de objetivos entre políticas de segurança e políticas de promoção da cidadania. Os municípios podem e devem, assim, transformar-se em protagonistas do processo de redução da violência. Seu protagonismo não é o das ações de repressão, mas seu papel não é menos importante: a redução dos riscos, a promoção da civilidade e a construção de uma cultura de direitos humanos. Apresentamos, a seguir, algumas medidas concretas para Fortaleza, fundamentadas no paradigma da promoção e proteção aos direitos humanos. Propomos um conjunto de políticas públicas intersetoriais para a redução da conflitualidade, articulando iniciativas de prevenção social que abarcam os três níveis de intervenção: primária (dirigida à população em geral, como os programas de atenção universal); secundária (destinada aos grupos em risco de sofrer ou cometer atos violentos); e terciária, cuja meta é evitar que pessoas que já se envolveram anteriormente em atos de violência voltem a vivenciar a experiência (o que vale tanto para as vítimas quanto para os/as autores/as). Neste último caso, trata-se de impedir a revitimização de pessoas ― por exemplo, com as medidas de proteção às mulheres que foram vítimas de violência doméstica ― ou de reduzir a reincidência dos/as que entraram em conflito com a lei por meio de programas específicos e bem estruturados, a exemplo das medidas socioeducativas em meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade) para adolescentes em conflito com a lei, conforme previsto do ECA e no SINASE. Ressaltamos, portanto, alguns elementos como transversais para a elaboração, estruturação e implementação da política no município: a) A interdisciplinaridade. Nenhuma instituição, sozinha, pode dar conta desse complexo fenômeno. Por isso, o plano municipal deve contemplar parcerias entre diversos órgãos governamentais (a educação, trabalho e renda, assistência social e outras, por exemplo). 48
b) A pluriagencialidade. Deve-se estabelecer ações que mobilizem diferentes esferas governamentais e, dentro da mesma esfera, agências diversas. c) A educação como eixo essencial para a construção de uma cultura de paz. É na escola, por exemplo, que aprendemos a conviver com a diferença e a lidar com os conflitos. A prática da mediação em seu âmbito pode ajudar a difundir e consolidar uma cultura de paz. (d) A participação comunitária. Essa participação deve procurar envolver os organismos da sociedade com os esforços de planejamento e execução dos programas de prevenção. Afinal, a segurança pública é direito e responsabilidade de todos/as. e) A localidade ou a inserção local dos programas de prevenção. Propomos identificar, a partir de um bom diagnóstico dos indicadores criminais, as áreas que devem ser privilegiadas. A partir dessa identificação serão elaborados planos que dialoguem com as questões específicas de cada área. Por exemplo: uma determinada área poderia demandar uma melhoria da iluminação local, ao passo que, em outra, uma intervenção do espaço urbano deteriorado poderia contribuir para redução do medo. Assim, considerando todos os termos acima, propomos o que segue. Nossas Propostas • Articular a sociedade em torno do tema dos homicídios, desenvolvendo estratégias multidisciplinares de comunicação, sensibilização e mobilização para o tema. Aumento da participação de jovens na formulação de novas estratégias de enfrentamento da violência urbana, reconhecendo os/as moradores/as das periferias como sujeitos políticos fundamentais nesta construção. Envolver outros sujeitos, a exemplo da Guarda Municipal, nesses processos, promovendo rodas de conversa e troca de experiência com o público. • Ênfase no controle de armas, a exemplo da bem sucedida campanha do Estatuto do Desarmamento, com redução nos índices de homicídios no período de sua vigência. Em Fortaleza, a evolução das mortes por arma de fogo foi de 332% em apenas 10 anos, passando de 399 em 2002 para 1724 em 2012. Nesse caso, a taxa de óbitos passou de 18 para 69 a cada 100 mil habitantes, enquanto a média global experimentou queda nas capitais. Neste contexto, o município pode atuar apoiando os demais entes federados em campanhas, informações e suporte logístico. • Construir mecanismos de monitoramento e de produção de indicadores que possam subsidiar políticas de prevenção da violência, sobretudo de homicídios, considerando as especificidades de cada localidade, assim como a democratização do acesso a esses indicadores. Analisar o risco relativo em função de idade, gênero, raça e local. No Brasil não temos uma tradição de políticas municipais desenvolvidas por meio de diagnósticos e avaliações, o que tem prejudicado a eficácia e a sustentabilidade de muitas ações. Nesse campo é importante, em parceria com as universidades e outros órgãos e atores sociais, identificar, analisar e difundir metodologias (nacionais e internacionais) que contribuam para a prevenção da violência e, sobretudo, para a diminuição da letalidade. A política de prevenção deve, portanto, partir de um diagnóstico local que leve em consideração quais os tipos de homicídios e outros crimes, onde acontecem ― considerando o conjunto de questões especificas de cada bairro ou região ― e o perfil das vítimas e autores/as e fatores de risco. 49
Os dados devem permitir, ainda, a mensuração e o monitoramento da incidência do fenômeno, o planejamento e a avaliação permanentes das políticas públicas, além de ajudarem na mobilização da sociedade em relação ao problema. • Desenvolver programas e projetos com foco específico na juventude e elaborar o Guia Municipal de Prevenção da Violência Letal contra Crianças e Adolescentes, com previsão de metas e prazos. Propomos a criação de um Comitê de Prevenção, com diferentes segmentos da administração municipal (defesa social, juventude, saúde, direitos humanos, assistência social, planejamento etc.), Guarda Municipal, universidades e sociedade civil organizada com vistas à formulação das políticas de intervenção e monitoramento de sua aplicação. O IHA 2005-2007 analisou diversos fatores potencialmente relacionados aos homicídios de adolescentes. Entre os que obtiveram resultados significativos e que podem ser entendidos como possível linha para a política de redução da letalidade no município, pode-se mencionar a estrutura socioeconômica e o acesso à escola pública, gratuita e de qualidade: a) A estrutura socioeconômica. A renda média está diretamente conectada aos homicídios contra adolescentes, concentrando-se sobremaneira nos 20% mais pobres. Este resultado indica a necessidade de programas de complementação de renda para os setores mais vulnerabilizados, prevendo investimentos na melhoria da situação econômica das comunidades como, por exemplo, políticas habitacionais e de regularização fundiária, criação de cooperativas profissionais, ações voltadas à economia solidária e cursos profissionalizantes com bolsas remuneradas. Opomos-nos ao binômio administração da pobreza e repressão da pobreza. Nosso desafio é conjugar a ampliação da política de direitos humanos e de proteção social, afirmando um afeto positivo como possibilidade, ao revés do medo. b) Nível educacional e acesso à escola. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que mensura aprendizado e aprovação, é uma das variáveis com maior vinculação ao IHA. O cruzamento de dados entre estes índices demonstra que os municípios com sistemas educacionais de qualidade são os que mais protegem seus/suas adolescentes contra a violência. Neste sentido, muitas ações podem ser desenvolvidas no intuito de fortalecer e qualificar as escolas da rede municipal, tais como apresentadas no item específico sobre Educação em nosso Programa. Investimentos na qualificação continuada de professores/as e demais profissionais da Educação, criação de núcleos de mediação, oferta de atividades complementares aos/às estudantes e utilização da escola como espaço de convivência da comunidade, no qual os/as moradores/as possam dispor para seus eventos e atividades, são alguns exemplos. Merece destaque, também, o incentivo de atividades que previnam na escola a violência sexista, de gênero e/ou de orientação sexual. O município deve ainda ampliar o diálogo com a rede estadual de ensino para pensar a redução da violência letal enquanto uma política transversal nas diversas esferas do poder público. Além disso, a oferta e o fortalecimento de iniciativas relacionadas à arte, cultura, lazer e esporte nas praças e demais equipamentos públicos próximos ao local de moradia, considerando inclusive o período noturno, são iniciativas importantes para uma cidade que promova a convivência ao revés da ocupação militarizada e criminalizante das tradicionais políticas de segurança. • Investimento em políticas públicas voltadas para a criação de alternativas sustentáveis de educação e renda para adolescentes e jovens que desejam sair das redes ilícitas, tais como as facções do comércio ilegal de drogas. Estas organizações muitas vezes se apresentam como 50
espaço valorizado de estilo de vida, signo de pertencimento e identidade. Precisamos oferecer alternativas a essa juventude, reconhecendo seus potenciais. • Guarda Municipal de Fortaleza-GMF desarmada, valorizada profissionalmente através do Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), que deve ser operacionalizando visando o bom funcionamento do sistema e o respeito aos seus profissionais, com formação transversal e humanizada para atuar como agentes pedagógicos e de mediação de conflitos, com foco na cidadania. Trabalho estratégico, tático e operacional em parceria com agências sociais protetivas da sociedade civil e do poder público. Investimentos em mecanismos de controle externo e interno. Os núcleos de mediação de conflitos na Secretaria Municipal de Segurança Cidadã precisam ser fortalecidos e expandidos. O apoio à categoria deve ser prioridade. Faz-se necessário, nesse campo, a reformulação do Regulamento Disciplinar Interno que foi militarizado nos últimos anos, mesmo sendo a Guarda de natureza civil. Com relação ao PCCS, propomos incrementar os valores de ganho por graduação e pós-graduação. Os valores atuais estão defasados e o/a guarda não tem estímulo financeiro para se aprimorar academicamente, pois isso não incide em quase nada em seu ganho salarial. Propomos, assim, o estímulo à educação para os agentes de segurança. A valorização do/da servidor também passa, necessariamente, pela prevenção e superação do assédio moral dentro da categoria ― na qual é comum vermos casos de abuso e perseguição ―, assim como por canais diretos para projetos de iniciativas dos quadros internos para incremento e melhoria da segurança e das condições de trabalho. Também é relevante a gratificação para os/as guardas locados nos terminais, com redução da carga horária, pois é um serviço extremamente estafante devido à fumaça, ao barulho e ao estresse pela diversidade de ocorrências. O treinamento e desenvolvimento da GMF devem ser voltados para a eficácia profissional (física, técnica, prática e teórica) e os direitos humanos na perspectiva da ampliação da qualidade de vida, educação (inclusive no trânsito), prevenção e mediação de conflitos, fazendo a GMF mudar sua referência, atualmente centrada na Polícia Militar. Defendemos também que a categoria tenha uma diretoria que venha de dentro da GMF. Por fim, mas não menos importante, a demanda pela utilização das armas de fogo advém do espelhamento da formação e prática militar, transmutando o papel social de uma para a outra. A função da GMF deve ser, em parceria com outros órgãos e de forma interdisciplinar, a de zelar pelos bens, prédios, equipamentos e patrimônios (ecológico, histórico, arquitetônico e ambiental) públicos, prevenir as infrações e atuar para a proteção sistêmica da população que utiliza esses bens e instalações. Não é interessante, portanto, que a GM seja lançada numa perspectiva militar de segurança que gerou o sistema em que, no mundo, mais se mata e mais se morre. Por isso, sentindo-se em maior vulnerabilidade pela função social que passou a ter, alguns servidores passaram a apresentar a necessidade da utilização da arma de fogo como necessária para a defesa do/a profissional e a do/a munícipe. Não se administra a violência com mais violência. O município tem papel central para a diminuição dos riscos por meio de uma cultura que ajude a prevenir a criminalidade e a criminalização, apostando em outra atuação detalhadas nos 51
demais itens desse plano. Um bom exemplo seria seus servidores envolvidos nos programas de prevenção à violência contra a mulher, em parceria com outras secretarias e agências, como a de Assistência Social. • Realização de seminários, oficinas e campanhas permanentes de sensibilização e prevenção, incluindo as violências de gênero e as LGBTfobias. • Oferta de canais de denúncia e sugestões abertos à população. • Criação de centros de apoio às vítimas de violência doméstica e programas específicos para a diminuição da violência contra a mulher. • Melhoria da iluminação urbana e da coleta de resíduos sólidos, evitando a formação de “terrenos baldios” que aumentam a sensação de perigo ― medidas simples e efetivas que diminuem o risco de ataques ou assaltos. • Consolidar os mecanismos de mediação de conflitos nas escolas, com participação da Guarda Municipal. A mediação é uma forma de resolução consensual na qual as partes, contando com a figura de um/a mediador/a, têm a possibilidade de solucionarem seu conflito por meio do diálogo. A mediação, na medida em que estimula a resolução dos problemas pelas próprias partes, possibilita a transformação da cultura do conflito em cultura do diálogo. O objetivo é ampliar o leque de possibilidades de intervenção para além de abordagens meramente punitivas. • Focar os órgãos de trânsito como parte da política de segurança, principalmente nas campanhas educativas, no planejamento de meios alternativos e públicos de transporte, com alcance nas periferias da cidade, de forma a tornar mais segura a locomoção em toda a área urbana. 2.4.2 Política de Drogas O Brasil e o mundo têm aos poucos revisto o olhar sobre essa temática. Se por um lado, houve um grande avanço da dependência química (lícitas e ilícitas), por outro lado, sabe-se que o/a dependente não deve ser considerado/a um/a criminoso/a, mas tratado/a dentro da política de saúde pública. As políticas meramente proibicionistas tem sido superadas em todo o mundo e várias agências internacionais têm recomendado uma política de drogas regulacionista, ao invés do combate ao tráfico ancorado na lógica da guerra. Baseados nessa tendência, trazemos algumas propostas concretas abaixo. Nossas propostas
Programação de ações de acolhimento, redução de danos e uso monitorado para pessoas em situação de uso abusivo de drogas; Criação de programa específico de atendimento a pessoas com dependência química, integrado aos serviços de atendimento no CRAS e CREAS; Contratação de profissionais por concurso público com capacitação para trabalho com usuários/as e suas famílias; Encaminhamento de jovens que portem drogas para consumo pessoal aos centros de acompanhamento, conforme o art. 28 da Lei 11.343/2006, evitando o tratamento 52
similar ao sistema criminal. 2.4.3 Proteção Social A Assistência Social é uma política social pública que foi reconhecida como direito pela Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) em 1993, tornando-se então direito de todos (as) os (as) brasileiros (as) e dever do Estado. Juntamente com a Saúde e a Previdência, integra o Sistema de Seguridade Social brasileiro. O movimento de institucionalização da Assistência Social como direito, iniciado com a Constituição de 1988, demonstra os esforços em superar as antigas características da cultura do “favor” e da “tutela" e a ideia de “caridade” que acompanharam a política soco assistencial por muitos anos. A Assistência Social, atualmente em seu marco legal, visa garantir a segurança à sobrevivência, à convivência familiar e comunitária e à acolhida. E sua operacionalização ocorre através de três grandes objetivos: a proteção social, a vigilância soco assistencial e a defesa de direitos. O primeiro objetivo da Assistência Social é a proteção social, que se divide em proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. A Proteção Social Básica tem como objetivo a prevenção de situações de risco, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários da população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos afetivos. É operacionalizada pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e por serviços de proteção básica. A Proteção Social Especial é destinada a famílias ou indivíduos vítimas de abandono, maustratos, violência física e psicológica, abuso e exploração sexual, uso de drogas, situação de rua, cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, entre outros. A Proteção Social Especial de média complexidade é ofertada pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e por outros serviços da proteção social especial. Já a Proteção Social Especial de alta complexidade é operacionalizada por serviços de atendimento e acolhimento que garantam moradia, alimentação, higienização, trabalho protegido, dentre outros. O segundo objetivo da Assistência Social é a materialização da Vigilância Soco assistencial. A Vigilância consiste na realização de diagnósticos territorializados para mapear, dentro de um município, as zonas de maior vulnerabilidade e risco social e a cobertura da rede prestadora de serviços, sobretudo os de assistência social. Dessa forma, é por meio da Vigilância Soco assistencial que o gestor conhece a realidade concreta do município, de modo a melhor planejar as ações de assistência social. A Vigilância comporta também o monitoramento, a avaliação e os sistemas de informação. O terceiro objetivo da Assistência Social é a defesa de direitos. A intenção é garantir o acesso aos serviços ofertados pela rede soco assistencial de forma igualitária, fortalecendo os indivíduos e as famílias na conquista de sua autonomia, dignidade e protagonismos, por meio do desenvolvimento de potencialidades, valorizando sua identidade e seu lugar de pertencimento. 53
A LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) de 1993 define como entidades e organizações de defesa e garantia de direitos aquelas que prestam serviços e executam programas e projetos voltados prioritariamente à defesa e efetivação dos direitos soco assistenciais, à construção de novos direitos, à promoção da cidadania, ao enfrentamento das desigualdades sociais e à articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, dirigidos ao público da política de Assistência Social. É importante deixar claro que a Assistência Social não é capaz de superar a pobreza estrutural e a profunda desigualdade social vivenciada em nosso Estado. Ela é apenas uma das dimensões das políticas sociais. Em que, ao trabalhar a intersetorialidade como modelo de gestão em conjunto com as outras políticas sociais ― tais como Saúde, Educação, Trabalho, Habitação, Infraestrutura, Cultura, Esporte, dentre outras ―, torna-se um grande desafio. Sendo assim, apresentamos as seguintes propostas. Nossas propostas
Ampliação dos direitos com qualidade e investimento público nas políticas sociais para conformar um sistema amplo de proteção social municipal; Fim do modelo de gestão por Organizações Sociais (OS) e extinção de fundações privadas de direito estatal na gestão pública; Expansão de investimento público nos equipamentos da Assistência Social; Primazia do Estado na condução e financiamento das políticas sociais públicas, valorizando a garantia dos direitos, na perspectiva da distribuição da riqueza, da renda e da construção de uma cultura política democrática; Realização de concurso público para os/as profissionais que atuam frente às políticas sociais de Fortaleza, com salários dignos e boas condições de trabalho; fim das terceirizações; Política de educação e capacitação permanente e continuada para as/os trabalhadoras/es das políticas sociais em Fortaleza; Implantação da intersetorialidade como modelo de gestão entre as políticas sociais; Estímulo à capacitação de conselheiros/as para o redimensionamento de suas competências na garantia de direitos; Fortalecimento dos espaços de participação social e controle social; Investimento em uma política econômica que vise à ampliação de empregos estáveis e aumento da renda; Defesa de referendos e plebiscitos para as grandes decisões da cidade que irão influenciar na qualidade de vida das pessoas; Garantia de que as políticas de Assistência Social alcancem todo o território do município, sobretudo porque em muitas localidades o Estado se apresenta exclusivamente na forma de repressão.
2.4.4 Políticas para grupos em situação de vulnerabilidade Junto às políticas anteriormente delineadas, reconhecemos que determinados grupos sociais estão em situação de vulnerabilidade específica e sofrem de forma peculiar com a violação de seus direitos humanos ― o que implica em pensar políticas apropriadas, que não devem perder a interssetorialidade e transversalidade. Nesse sentido, como fazer uma administração pública que supere a lógica do poderdominação machista, patriarcal, homofóbico, racista, capacitista e adultocêntrico, 54
convertendo-se a uma lógica do poder-serviço, a serviço da dignidade humana, da igualdade na diversidade? Apontamos que toda gestão deve alicerçar-se em alguns princípios fundamentais: 1 – Igualdade e respeito à diversidade; 2 – Equidade; 3 – Autonomia; 4 – Laicidade; 5 – Universalidade das políticas; 6 – Justiça social e ambiental; 7 – Transparências dos atos públicos; 8 – Participação e controle social.
a) Infância, Adolescência e Juventude são expressões essenciais da vida social A grande responsabilidade da cidade com sua Infância está na educação e na saúde. Contudo, além das políticas de proteção básica, o município é responsável pelas políticas de proteção especial, conforme preconizadas no ECA e no Plano Decenal para os direitos de crianças e adolescentes. Há duas vertentes fundadoras desta política de proteção especial: o enfrentamento de todas as formas de violência e exploração (sexual, do trabalho infantil, a negligência e os maus-tratos) e a soco educação. Sem os instrumentos previstos no Sistema de Garantia de Direitos, a política de proteção especial vira uma “demonstração” ― não há, assim, efetividade nem resolutividade de fato. Assim também se dá com a política de sócio educação sob encargo do município. As MSEs Medidas Socioeducativas de meio aberto (Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade) também são, por falta de investimento e prioridade, meramente “demonstrativas”. Não alcançam o seu objetivo, qual seja, o de permitir, dentro dos parâmetros do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) ― regulamentado pela Lei 12.594/2012 e pela Resolução 119 do Conselho Nacional das Crianças e dos Adolescentes ―, a afirmação de um projeto de vida do/a adolescente com plena realização de seus direitos humanos e capaz de superar o processo de conflitualidade em que se encontra. Nas juventudes negras, sobretudo, ocorre uma vulnerabilidade socioeconômica e civil que vem à tona de modo gritante, tanto pela exclusão do mercado de trabalho, quanto por um circuito de práticas de extermínio e de outras modalidades de violência, cujas vítimas são, de forma perversa, jovens negros, pobres, de periferia, com idades entre 18 e 24 anos. Promovemos essa discussão com mais profundidade no tópico específico sobre Segurança Humana, mas é importante ressaltar como essa problemática não pode ser compreendida de modo isolado. É fundamental enfrentarmos os processos que antecedem as mortes na adolescência. Na educação, por exemplo, precisamos combater a evasão escolar, considerando a sua forte relação com o alto índice de homicídios. Além disso, é preciso fortalecer as famílias desses jovens ― e isso implica diretamente na reestruturação dos CRAS, que também estão 55
estruturalmente em condições vulneráveis. Um outro ponto que podemos mencionar é a importância de se criar oportunidades de trabalho protegido para garantir a inserção desses jovens à formalidade. Acrescentando a este debate, trazemos abaixo algumas propostas mais específicas.
Nossas propostas
Apuração, cuidado e tratamento de casos de faltas frequentes de estudantes nas escolas; Implementação do Plano Municipal de Educação, em especial na formação e prática em Direitos Humanos; Garantia do orçamento para a Semana Frei Tito de Alencar e para a Semana Janaína Dutra; Compreensão da escola como um tripé em que participam profissionais, estudantes e comunidade ― em que esta última tenha inserção e poder de decisão em conjunto com os demais atores; Incentivo de programas que promovam a saúde nas escolas, com instalação do Programa de Saúde nas Escolas-PSE, a exemplo do Programa de Saúde nas FamíliasPSF; Promoção de educação sexual laica nas escolas; Criação de núcleos de mediação nas escolas, a fim de prevenir práticas de bullying, discriminação e violência; Criação das comissões de atendimento, notificação e prevenção à violência doméstica contra criança e adolescente na rede pública municipal conforme a Lei Estadual 13.230/2002; Ampliação dos CAPS para atendimento de crianças e adolescentes; Formação contínua de professores/as e profissionais da Educação no sentido da identificação e tratamento de vulnerabilidades sociais de crianças e adolescentes; Instalação de Núcleos de Atendimento Pedagógicos Especializados (NAPs) por todo o município; Plano de intervenção nas escolas para solução de demandas psicossociais; Integração dos/as jovens como agentes culturais nas escolas; Fortalecimento e ampliação da rede Cuca, com programação integrada à comunidade e cujos horários e atividades atendam às demandas locais; Abertura de bibliotecas das escolas e outros instrumentos públicos de cultura durante a semana e final de semana; Fortalecimento de políticas de base e direitos básicos; Planejamento de gratuidade no transporte público para usufruto de determinados serviços e políticas socioculturais; Pautar nas disciplinas cabíveis temas como mortalidade materna, gravidez na adolescência e/ou indesejada, saúde sexual e reprodutiva; Construção e investimento em creches e pré-escolas. Elaboração da política municipal para a juventude de caráter transversal e intersetorial; Promoção da participação efetiva dos/as jovens nos diferentes órgãos e secretarias do governo, assegurando aos/às mesmos/as o direito à participação nas decisões políticas da cidade; 56
Garantia e facilitação à juventude do acesso à cidade de modo pleno e efetivo, considerando a necessidade de democratização dos equipamentos públicos, de modo a torná-los presentes em todas as regiões da cidade, em especial, nas periferias; Fortalecimento no Plano Municipal de Proteção à Infância e ao/à Adolescente nas ações voltadas para o atendimento às meninas e meninos vítimas da exploração sexual, da violência doméstica e do trabalho infantil, garantindo-lhes na rede municipal de proteção especial atendimento psicossocial.
b) A Fortaleza das Mulheres Em agosto de 2016 a Lei Maria da Penha completa 10 anos de vigência. Este é um marco importante na trajetória das políticas públicas para as mulheres. Precisamos produzir um balanço profundo dos impactos dessa política para a sociedade, sobretudo para o fim a que se destina, qual seja: a redução dos índices de violência contra as mulheres. Por muito tempo, dissemos, a partir dos índices de violência contra as mulheres aos quais tínhamos acesso, que a violência de gênero poderia não estar aumentando e, sim, as denúncias. É fato que havia e ainda há subnotificação, mas com os dados apresentados pelo Mapa da Violência 2015, lançado em novembro do referido ano, não há o que contestar: a violência contra as mulheres aumentou e continua aumentando, tornando-se uma das maiores chagas sociais que precisam ser enfrentadas. A Lei Maria da Penha foi sancionada e entrou em vigência em 2006. A partir de sua vigência foi possível observar uma diminuição nos índices de violência doméstica (de 4,2 para 3,9 por 100 mil mulheres). Porém, nos anos seguintes as taxas voltaram a crescer, inclusive ultrapassando as taxas de 2006. Entre 1980 e 2013, 106.093 mulheres foram assassinadas no Brasil. Em 1980 foram 1.353 mulheres. Em 2013 foram 4.762 ― o que representa 252% a mais. Enquanto em 1980 a taxa de assassinatos de mulheres era de 2,3 vítimas por 100 mil, em 2013 a taxa vai para 4,8 ― o que significa um aumento de 111,1%. Isso significa que, em 2013, 13 mulheres foram assassinadas por dia. Nesse mesmo ano, o Ceará ocupava a 8ª posição no ranking nacional de homicídios contra mulheres. Se considerado o decênio 2003-2013, ocupamos o 5° lugar no ranking de crescimento de homicídios de mulheres no Brasil. Se contarmos a partir da vigência da Lei Maria da Penha/2006, ficamos em 3° lugar no ranking de crescimento de homicídios de mulheres. Precisamos refletir: a estrutura da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência está adequada ao território e à demanda? O Estado tem encarado essa questão como prioridade? Tem havido iniciativas que ultrapassem a esfera penal para a esfera preventiva? Precisamos buscar essas respostas. O combate às desigualdades de gênero e raciais pressupõe práticas de cidadania ativa para que a justiça de gênero se concretize e ocorra a ampliação das condições de autonomia pessoal e autossustentação das mulheres, de forma a favorecer o rompimento com os círculos de dependência e subordinação. São necessárias políticas que possibilitem reduzir a desigualdade pela ampliação do acesso a serviços e ampliar a responsabilização pública pelo bem estar dos indivíduos; que fortaleçam as condições para o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais, possibilitando autonomia e bem estar também nesse campo; e, finalmente, é preciso, ao mesmo tempo, responder às demandas que pressionam o cotidiano das mulheres inseridas 57
num contexto de dominação, em particular frente à violência doméstica e sexual. Uma atenção especial deve ser dada para as mulheres negras, que formam a maior parcela da população. Não podemos deixar de demarcar a importância do controle pelas mulheres de seu próprio corpo, a liberdade de exercer a sua sexualidade, os direitos à integridade corporal e ao bem estar ― aspectos que remetem às concepções sobre os direitos sexuais e reprodutivos, gerando a formulação de políticas que visam assegurar a saúde integral das mulheres em todas as fases da vida e a garantia das escolhas sexuais e reprodutivas. Destacados estes pontos, é possível falar de algumas propostas de políticas públicas para as mulheres. Nossas propostas
Buscar a criação de condições de independência econômica e a divisão do trabalho doméstico, formulando programas que estimulem a geração de emprego e renda e criando suporte social ao trabalho das mulheres; Garantir o acesso ao crédito e à capacitação técnica e financeira de mulheres, garantindo a inclusão digital com especial atenção às micro e pequenas produtoras, individuais e coletivas; Inserir as mulheres em situação de encarceramento em atividades de capacitação profissional, incentivando a organização de empreendimentos da economia solidária; Implantar programas de alfabetização e educação continuada, como forma de reabilitação e ressocialização, assim como garantir possibilidade de geração de trabalho e renda às jovens que cumprem medidas socioeducativas; Apoiar projetos empreendedores e o cooperativismo protagonizados por mulheres, na perspectiva da economia solidária, e auxiliar o acesso dessas mulheres à linha de crédito produtivo e ao apoio técnico necessário para o desempenho de sua atividade; Proporcionar, além da ampliação do número de vagas na rede de educação infantil, atendimento às famílias em horários mais flexíveis; Construir e/ou ampliar a rede de restaurantes populares e oferecer cozinhas e lavanderias coletivas nos bairros; Combater a precarização do trabalho, a terceirização e o trabalho escravo; informar às trabalhadoras sobre os seus direitos a fim de combater a violência institucional nas empresas privadas e instituições públicas, sobretudo o assédio moral e sexual; Valorizar o trabalho doméstico remunerado e incentivar a formalização das empregadas domésticas; Incentivar o acesso das mulheres transexuais no mundo do trabalho, com garantia de respeito ao seu nome social e a utilização dos espaços comuns de acordo com a sua identidade de gênero ― como os banheiros e vestiários, por exemplo; Buscar o fortalecimento da participação das mulheres em espaços de definição de políticas e disputa por recursos ― e no acesso aos espaços de decisão das políticas prioritárias; Garantir a criação da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, com estrutura, recursos humanos e orçamento próprio, para implementação e ampliação de políticas para as mulheres e de enfrentamento a todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres; Programar e ampliar políticas e equipamentos sociais voltados à população idosa, 58
considerando as mudanças populacionais e etárias; Garantir a execução e implementação das ações do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com permanente controle municipal e monitoramento dos recursos, com diagnósticos e avaliação, garantindo a participação do movimento de mulheres; Ampliar, aperfeiçoar e monitorar a Rede Municipal de Atendimento às Mulheres em situação de violência, garantindo a inclusão de programas, serviços e ações ― e a efetiva implementação da Lei Maria da Penha e demais normas jurídicas nacionais e internacionais que respeitem os direitos das mulheres a uma vida digna e sem violência; Incorporar as perspectivas étnico-raciais, geracionais, de orientação sexual e de pessoas com deficiência à proteção de direitos das mulheres em situação de violência, proporcionando ações intersetoriais e integradas para a prevenção e o enfrentamento da violência; Promover medidas educacionais, preventivas e campanhas permanentes para o enfrentamento da violência contra as mulheres ― incluindo outras formas de violência, como a mercantilização do corpo das mulheres, assédio sexual, racismo, lesbofobia e a reprodução da violência nos meios de comunicação e publicitários e nas diversas ações de comunicação e cultura; Ampliar e fortalecer as estratégias de fiscalização no combate ao turismo sexual e à exploração sexual de meninas e mulheres ― e promover campanhas com ampla divulgação, com especial ênfase nos grandes eventos, nas grandes obras e nos megaprojetos; Implementar Centros de Referência da Mulher em cada Regional de Fortaleza, a fim de facilitar o acesso das mulheres aos serviços; Criar casas de Acolhimento Provisório para mulheres em situação de violência que não estejam em risco eminente de morte e necessitem de uma acolhida temporária (até 15 dias) mediante a rápida resolução para o seu caso; Criar núcleos ou postos de atendimento à mulher nas delegacias comuns, em espaço diferenciado, com equipe capacitada e adequada para o atendimento às mulheres em situação de violência; Reordenar as paradas dos transportes públicos coletivos, a fim de que estejam localizadas em espaços iluminados e de fácil acesso para as mulheres; requalificar a iluminação pública, evitando logradouros escuros e que vulnerabilizem as mulheres a riscos de violência; Disponibilizar telefones públicos em locais de fácil acesso e com número visível de chamada de emergência policial, dentro das comunidades, para facilitar o seu uso pelas mulheres que estiverem em situação de violência; Implementar e acompanhar a Política Municipal de Atenção Integral à Saúde da Mulher e a Política Municipal de Atenção à Saúde da População Negra no Hospital da Mulher; Realizar concurso para a contratação das/os profissionais de saúde do Hospital da Mulher, bem como garantir atendimentos de emergência; Combater o câncer de mama e do colo do útero, com ênfase na prevenção através da conscientização; ampliar o número de mamógrafos na rede pública ― e de macas e mamógrafos e macas para exame Papanicolau acessíveis para mulheres com deficiência; Assegurar assistência qualificada e humanizada à gravidez, ao aborto, ao parto e ao puerpério, a fim de reduzir mortalidade materna, especialmente de mulheres negras, e 59
com garantia às parturientes do direito à presença de acompanhante de acordo com a Lei Federal n° 11.180/2005; Assistência às doenças crônicas com campanhas de conscientização e promoção do acesso à saúde para as mulheres portadoras de doenças raras e doenças crônicas que acometem predominantemente a população feminina, como lúpus e outras patologias; Ampliar o número de serviços e promover a assistência qualificada ― com educação continuada aos profissionais de saúde ― e humanizada nos casos de abortamento inseguro e de aborto legal, baseado nas diretrizes da OMS e na Lei n° 12.845/2013; Buscar o fortalecimento do processo de reforma psiquiátrica, assumindo o caráter sensível de integração das mulheres com sofrimento mental à sua comunidade, instalando e ampliando as redes de atenção psicossocial; Garantir o direito à amamentação digna; incentivar e fiscalizar a aplicação da portaria 193 do Ministério da Saúde que prevê salas de amamentação nas empresas ― e espaço próprio e adequado para que as mães servidoras públicas possam amamentar seus filhos, conforme a CLT; Garantir o combate ao HIV-AIDS; a feminização da AIDS foi anunciada pelo Ministério da Saúde da década de 1990, com o crescente número de casos e óbitos de mulheres; há muita dificuldade para “negociar” o uso do preservativos com os companheiros ou de ter acesso a preservativos femininos ou adequados para relações sexuais entre mulheres lésbicas, devido ao machismo; é necessário, portanto, prioridade de investimento e campanhas para autoconhecimento e uso de preservativos femininos; Garantir o atendimento humanizado e respeito para mulheres transexuais e travestis; deve ser obrigação e prioridade do Estado informar e conscientizar toda a sociedade, bem como profissionais de saúde, trabalhadores/as e gestores/as do Sistema Único de Saúde (SUS) sobre garantias ao atendimento, considerando as especificidades de saúde dessa população; Implantar um serviço especializado de psiquiatria nos hospitais de referência de atendimento à mulher, voltado para mulheres em situação de violência que tenham desencadeado quadros psicossomáticos provenientes das violências sofridas; Desenvolver e divulgar programas permanentes e campanhas educativas junto à comunidade escolar e à população em geral, com as temáticas de gênero, diversidade sexual, geracional, racial e étnica, e de pessoas com deficiência, sobre direitos das mulheres e sobre o enfrentamento a todas as formas de violência, discriminação e preconceito; Buscar a universalização da educação básica, com a expansão do acesso de meninas e mulheres à educação formal; Garantir o transporte público 24h, com ampliação da malha cicloviária e boa iluminação pública; Difundir junto à população que os corpos das mulheres não são públicos; nesse sentido, realizar campanhas contra o assédio sexual e proporcionar o treinamento das guardas municipais e trabalhadores/as do transporte público para lidar com as ocorrências; Garantir a participação das mulheres e seu protagonismo no controle e execução dos projetos de habitação popular, bem como priorizar a regularização fundiária em seu nome, sozinha ou junto a/o cônjuge ou companheiro/a.
c) Raça e etnia: tire seu racismo do caminho, que eu quero passar com a minha cor! O racismo está na base da formação da nossa sociedade e do sistema capitalista. Foi a 60
desumanização da população negra através de sua escravização que propiciou a acumulação de riqueza para uma pequena parcela de brancos senhores das casas grandes, hoje os patrões capitalistas. A abolição dessa barbárie chamada escravidão veio também para atender aos interesses dos capitalistas, que precisavam acumular mais riqueza através do lucro a partir da venda de suas mercadorias. E para vender essas mercadorias, os/as trabalhadores/as precisavam ser remunerados/as. Portanto, a abolição da escravatura em todo o mundo não foi um ato de “bondade”, foi mais um ato de interesses e uma estratégia para manter a exploração dos/as mais pobres pelos patrões. Porém, essa história violenta que nosso país viveu por séculos foi romantizada, virou um livro que tratou a violência sexual contra as mulheres negras por parte do patrões como “casos de amor”. Tratou o sangue jorrado a cada chicotada nos troncos das senzalas como uma grande festa da miscigenação. E é esse mito criado que contribuiu para que o racismo se perpetue nos dias de hoje. É pelo mito da “democracia racial” que se nega o retrato da exploração da população negra nos dias atuais, que se nega os indicadores da desigualdade racial e que se negam políticas públicas que enfrentem o racismo presente nos diversos espaços da sociedade ― afinal, “somos todos miscigenados”, não é mesmo? O Ceará, por exemplo, foi o primeiro Estado no Brasil a abolir a escravidão. Mas ao invés de utilizarmos essa história para fortalecer a construção de uma trajetória na busca pela igualdade, caminha-se no sentido contrário, negando-se a existência de negros e negras em nosso território. Essa é outra face da desumanização: afirmar que as pessoas não existem. Se não existem negros/as no Ceará, para que políticas de enfrentamento ao racismo? É isso que a elite branca quer fazer crer. A história da população negra, contudo, é uma história marcada pela resistência e pela luta por dignidade, respeito e liberdade. E é graças à força desse movimento ― que tem em Dandara e Zumbi dos Palmares algumas de suas maiores expressões ― que hoje conseguimos caminhar na formulação de políticas públicas que revertam as desigualdades produzidas pelo racismo. Foi graças à força desses movimentos que hoje temos um Estatuto da Igualdade Racial e uma política afirmativa nas universidades. Há, no entanto, ainda muito que ser conquistado. O caminho que devemos percorrer está entre desvelar o racismo, enfrentá-lo e superá-lo. A população negra é a maioria da população brasileira. É também a maioria entre os/as pobres, entre as mulheres vítimas de violência e entre a juventude exterminada todos os dias nas favelas. Esse, porém, não pode ser o nosso retrato, pois ele atesta o nosso fracasso enquanto sociedade. Para caminhar no sentido oposto, tratando os desiguais de maneira desigual para garantir efetivamente igualdade de oportunidades, nós propomos um conjunto de políticas para uma Fortaleza para todas e todos, uma Fortaleza sem racismo.
Nossas propostas
Criar a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial de Fortaleza ― com estrutura, recursos humanos e orçamento próprio, bem como com uma Central de Denúncias 61
sobre casos de racismo: disk racismo; Implementar o Plano Municipal de Promoção à Igualdade Racial de Fortaleza; Instituir em todas as secretarias municipais coordenações responsáveis pela implementação do Plano Municipal de Política de Promoção da Igualdade Racial; Criar o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial, com representatividade paritária entre governo e sociedade civil ― e de caráter consultivo e deliberativo; Implantar a Política de Saúde da População Negra; Criar o Programa S.O. S Racismo com equipe técnica capacitada; Combater o racismo ambiental na execução de todas as políticas públicas e no setor privado, particularmente no âmbito da habitação, do meio-ambiente, da saúde e das políticas urbanas; Articular as ações da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria de Direitos Humanos e da Ouvidoria do Município para casos de racismo e de intolerância religiosa no âmbito da administração pública; Organizar um programa de formação para os/as profissionais da Educação voltado para a educação das relações étnico-raciais, história da África, cultura afro-brasileira, história e cultura indígena ― em consonância como Estatuto do Servidor Municipal; Assegurar a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 nas escolas, creches conveniadas e em todas as escolas privadas do Sistema Municipal de Educação; Constituir uma Comissão ― coordenada pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Municipal de Igualdade Racial e Secretaria de Educação ― responsável para o acompanhamento e avaliação dos projetos pedagógicos relacionados às leis 10. 639/03 e 11.645/08; Garantir nas políticas de inclusão digital o recorte de raça e gênero, com atendimento às comunidades de periferia, às vilas, às favelas, às irmandades de Nossa Senhora do Rosário de Contagem, às religiões de matriz africana e às comunidades ciganas e indígenas; Garantir, nas políticas públicas para as mulheres, o recorte étnico-racial, levando em conta as especificidades das mulheres negras; Criar e implementar um programa de incentivo ao empreendedorismo das mulheres, em especial das mulheres negras; Dar maior visibilidade, divulgação e acesso aos programas e ações para mulheres desenvolvidos no município; Desenvolver programas de capacitação de negros e negras dentro do perfil empreendedor para a geração de emprego e renda, estabelecendo parcerias com o SEBRAE; incentivar a participação nos PLANSECs (Plano Setorial de Capacitação) do MTE; Incentivar as empresas a desenvolverem programas de ação afirmativa e diversidade, com incentivos fiscais do município de Fortaleza; Promover a inclusão e a igualdade de oportunidades e de remuneração das populações negras no mercado de trabalho, com destaque para as juventudes e as trabalhadoras domésticas; Organizar um censo socioeconômico e ocupacional das comunidades negras do município; Incluir no projeto de economia solidária da cidade o recorte de raça e gênero; Fomentar a criação de um programa de microcrédito destinado a jovens, em especial os/as negros/as, de modo a promover a autonomia econômica da juventude; Promover a formação e o treinamento de profissionais visando à melhoria da qualidade das fontes de informação que incluem o quesito cor e outras variáveis 62
importantes no monitoramento da equidade em saúde ― Declaração de Óbito, Declaração de Nascido Vivo, Prontuários Médicos, Fichas de Notificação, entre outras; devem ser utilizada intersecção com outras variáveis, como sexo, idade, ocupação, escolaridade e local de moradia, apresentando diagnóstico sobre a saúde da população negra em Fortaleza, com ênfase no controle da Anemia Falciforme; Promover a realização de seminários e eventos similares para discutir os temas da saúde da população negra em serviços de saúde, escolas, universidades e organizações não governamentais; Introduzir nos cursos de capacitação dos/as profissionais de saúde do município conteúdos específicos sobre saúde da população negra, tais como: Doença Falciforme, Hipertensão Arterial, Mioma Uterino, Diabetes, entre outros; Garantir acesso da população negra à saúde bucal com qualidade; Garantir programa de atenção à saúde do homem, com atenção ao homem negro; Promover, através dos meios de comunicação de massa, campanhas educativas pela melhoria da realidade sanitária da população negra; Criar no âmbito Municipal o Programa de Atenção Integral à Pessoa com Doença Falciforme; Criar um Programa Municipal de Combate e Enfrentamento à Intolerância Religiosa, com especial atenção às religiões de matriz africana, com campanhas nas escolas da rede publica municipal e no âmbito da administração pública; Conceder isenção de impostos municipais relativos ao funcionamento das casas religiosas de matriz africana, conforme lei municipal e considerando as particularidades das mesmas; Favorecer a participação das religiões de matriz africana nos diversos conselhos municipais, particularmente no de patrimônio histórico, artístico e cultural; Instituir o Estatuto Municipal da Promoção da Igualdade Racial; Implantar nas regiões com jovens negros/as em situação de vulnerabilidade social o Projeto Usinas Culturais do Ministério da Cultura e do Programa Juventude Viva; Promover atendimento no Programa Farol do Saber a jovens negros/as em situação de vulnerabilidade social, em conflito com a lei ou egressos/as do sistema prisional, recuperando-os/as e inserindo-os/as na rede de ensino e no mercado de trabalho; Incluir os/as egressos/as do sistema penitenciário, residentes no município, nas políticas de economia solidária, geração de emprego e renda, inserção no mercado de trabalho e na educação; Promover o respeito à diversidade cultural dos grupos formadores da sociedade brasileira e dos demais grupos étnico-raciais discriminados na luta contra o racismo, homofobia, a xenofobia e as intolerâncias correlatas; Incluir no Programa de Educação Patrimonial e na preservação do patrimônio material e imaterial as comunidades de matriz africana; Realizar um censo do patrimônio histórico cultural, material e imaterial, com o objetivo de promover a preservação e/ou o tombamento das casas religiosas de matrizes africanas; Fomentar as manifestações culturais dos diversos grupos étnico-raciais do município e ampliar sua visibilidade na mídia; Promover a igualdade de direitos no acesso ao atendimento soco assistencial, à segurança alimentar e nutricional e aos programas de transferência condicionada de renda, sem discriminação étnico-racial, cultural, de gênero ou de qualquer outra natureza; Incorporar as necessidades das comunidades indígenas, ciganas e negras nas diretrizes 63
do planejamento das políticas de assistência social e de segurança alimentar e nutricional; Promover a articulação das políticas de assistência social, de renda, de cidadania, de segurança alimentar e nutricional e de inclusão produtiva, voltadas a todos os segmentos étnico-raciais, nas diversas esferas de governo, com o setor privado e junto às entidades da sociedade civil.
d) População de Rua Os Estados e Municípios devem seguir os parâmetros mínimos traçados na Política Nacional para a População em Situação de Sua, definida no Decreto Federal nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Parte dessa política é a instituição do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento. A gestão Roberto Claudio implantou o Comitê em 2016 e aderiu à politica, após atraso de mais de cinco anos, com participação de representantes do Estado e da sociedade civil. O Comitê está situado na Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social de Fortaleza. A política para a população de rua, no entanto, precisa ser pensada de modo complexo, isto é, levando em consideração as suas especificidades e a garantia dos direitos fundamentais. A crítica que podemos fazer à implementação da politica para a população de rua se pauta, fundamentalmente, numa perspectiva qualitativa, quer dizer, nos resultados da política e na sua forma de atuar. Apesar da política municipal estar centralizada na Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social de Fortaleza, integrar a politica municipal para a população de rua é fundamental, estabelecendo diálogo entre as Secretarias Municipais, para a garantia de uma politica de direitos. Ainda há fortes entraves na saúde, na educação e na habitação que não permitem que se atinja a complexidade da população de rua, suas especificidades, potencialidades e vulnerabilidades. É notório também o retrocesso na política da saúde, com a extinção do consultório de rua. A gestão Roberto Cláudio não deu resposta à política para os que fazem uso problemático de drogas. Em Fortaleza, a população de rua tem sido atendida primordialmente pelas chamadas comunidades terapêuticas, em sua maioria dirigida por instituições religiosas, que violam o direito à liberdade religiosa da pessoa e reforça as práticas manicomiais. A pessoa em situação de rua sofre diariamente estigmatização e discriminação por parte da sociedade e do Estado, de setores do comércio, da segurança, além de moradores/as do centro. As últimas gestões investiram em abrigamento (dois Centros Pop, três abrigos e uma casa de passagem) ― que deve existir, mas não pode ser pensado como alternativa de habitação para a população de rua. Seu modelo tem reproduzido a lógica do “higienismo” e a violação do direito de ir e vir, de poder habitar, trabalhar e transitar na cidade. A política de habitação para a população de rua deve ser uma prioridade no programa e na política de governo do PSOL, construída com os setores da sociedade civil, ONGs, Movimentos de População de Rua, igrejas etc. A destinação de vagas nos programas de moradia de interesse social deve ser acompanhada de modo intersetorial. Nesse sentido, pontuamos as seguintes propostas. Nossas propostas 64
Desenvolver política de redução de danos para a população de rua com uso problemático de drogas ― com ênfase nas modalidades de tratamento aberto e política de redução de danos realizada pelos consultórios na rua, modelo já experimentado com sucesso em outras capitais do país; Investir num diálogo permanente com a sociedade visando à superação da estigmatização e discriminação, ao mesmo tempo em que se deve garantir e fortalecer a participação da sociedade civil no comitê de monitoramento; Garantir o direito à habitação não pode ser pensado de modo isolado dos outros direitos, como o direito ao trabalho e à assistência social; Promover programa de coleta seletiva direcionado às organizações de catadoras e catadores e população de rua que realizam esse trabalho há muito tempo e contribuem para o bem viver de toda a sociedade fortalezense; além disso, é fundamental que os catadores e catadoras tenham formação a respeito da importância da destinação dos resíduos sólidos; Equipar as associações e as cooperativas de catadoras e catadores, buscando alguns tipos de isenção para esses coletivos; é importante também a fomentação de pontos de apoio para estas pessoas; Criar grupos de economia solidária (associações, cooperativas, grupos de produção) para o enfrentamento ao desemprego das pessoas em situação de rua; Elaborar projetos de capacitação profissional para buscar novas oportunidades de trabalho ou ocupação e geração de renda; Fortalecer a mobilização para aprovação do Projeto de Lei 2.470/07, que altera a Lei nº 8.666, de 21 de julho de 1993, "que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências", para incluir, como requisito para licitação de obras ou serviços, que o vencedor da licitação admita trabalhadores/as em situação de rua; Defender a criação e o fortalecimento de espaços de aprendizagem plenamente democráticos, bem como ampliar o programa Jovem Aprendiz; Criar restaurantes populares (especialmente no centro de Fortaleza) com funcionamento diário, inclusive nos feriados; Incluir a participação de representantes da população de rua no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Estado e do município de Fortaleza; Garantir a maior participação da população de rua na formação e concepção das políticas públicas para a cidade; Criar condições que facilitem a retirada de documentos para as populações de rua; Criar condições específicas para atender às necessidades da população de rua no que diz respeito à política de moradia, inclusive com o uso prioritário das ZEIS de vazio; Ter uma política de atenção voltada para questões específicas da saúde, como problemas com tuberculose, HIV, hanseníases, dentre outros; Criar ― compreendendo o caráter heteronormativo dos abrigos ― condições especiais para a convivência para as mulheres trans e as travestis que, hoje, são mais vulneráveis e sofrem diversos tipos de discriminação.
e) Pessoas com deficiência A cidade do capital não é feita para todas as pessoas. Se você possui alguma deficiência, você certamente terá muitos desafios ― desde as calçadas altas, vias com buracos, ausência de 65
rampas, até equipamentos públicos sem profissionais que utilizem LIBRAS. Esse é um modelo capacitista e excludente ― e nós o recusamos. Por isso, defendemos políticas transversais de caráter inclusivo e que garantam a acessibilidade para as pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Nesse sentido, deve-se pensar a deficiência a partir do modelo social, no qual ela é existente ou agravada diante das condições que os espaços físicos e de comunicação oferecem. Ter uma deficiência é algo natural. No Brasil, cerca de 23% da população possui alguma deficiência. No Ceará esse percentual está em 28%. A cidade que queremos é feita por e para todas as pessoas. Mulheres e homens, negros/as e indígenas, com ou sem deficiências. Todas e todos têm direitos de vivenciar a cidade, sem qualquer impedimento. Uma pessoa que necessita de uma cadeira de rodas, hoje, em Fortaleza, espera em média 5 anos para recebê-la. Ainda na gestão petista, fomos a última cidade a conceder o passe livre para pessoas com deficiência ― que, ao contrário de outras cidades, tem um rígido critério econômico. Na gestão Roberto Cláudio, as políticas para pessoas com deficiência passaram por grande retrocesso, por exemplo, com a precarização dos CAPS e do serviço da rede de atenção psicossocial ― inclusive com a falta de remédios de uso contínuo, do acompanhamento escolar para crianças que precisam de um apoio profissional em sala de aula além do/a professor/a, o que penaliza especialmente as mães, que deixam de trabalhar ou assumir outras tarefas para dar conta dessa função. Nossas propostas
Garantir o atendimento em LIBRAS nos serviços públicos municipais, priorizando-se inicialmente os serviços de saúde; Ampliar os centros de reabilitação, que hoje são insuficientes; Promover a criação da residência inclusiva para pessoas com deficiência, para acolhimento institucional de pessoas com deficiência em situação de abandono ou violência domiciliar, no caso em que ela não possa ser acolhida pela família ou pela comunidade; Avançar em políticas que garantam a permanência na escola, na qualidade de educação e na preparação para os outros níveis de ensino e inclusão profissional; Implementar a fiscalização para que alvarás de construção e/ou reforma estejam condicionados à garantia da acessibilidade física; Ampliar a acessibilidade física e comunicacional nas ruas e avenidas, bem como priorizar transporte público com piso baixo na renovação da frota, com a finalidade de garantir o direito à mobilidade e à cidade; Garantir a ampliação do Centro-Dia de Referência; Ampliar o acesso das mulheres com deficiência no mercado de trabalho formal e incentivar a implementação da política de cotas para pessoas com deficiência nas empresas; Garantir a padronização das calçadas, instalação de piso tátil para deficientes visuais e guias rebaixadas.
f) Fortaleza de Todas as Cores: Dignidade, Respeito e Direitos para a População LGBT A vida não é simples para os/as que não seguem os padrões heteronormativos ou de identidade de gênero. A homofobia é vista como natural por uma considerável parcela da 66
sociedade e se manifesta cotidianamente das formas mais diversas, desde piadas e brincadeiras, passando pela falta de políticas públicas que promovam adequada assistência e respeito às pessoas LGBT e suas especificidades. O debate sobre o tema nas escolas ainda é incipiente e falta preparo por parte dos/as profissionais de educação para lidar com o assunto ― o que, inclusive, implica numa evasão escolar por parte dos LGBTs. Da mesma maneira, nas unidades de saúde, de um modo geral, também não há um tratamento adequado à questão. No mundo do trabalho, resta a precariedade e o trabalho informal para boa parte dos LGBTs pobres e das classes trabalhadoras. A homofobia em nosso país pode se materializar ainda na expressão bárbara da violência, como por agressões físicas, pelos “estupros corretivos” ou mesmo por assassinatos. Nosso país é campeão mundial no número de homicídios motivados pelo preconceito: a cada 28h um LGBT é morto. A expectativa de uma travesti brasileira é de 35 anos de idade. No Ceará, segundo dados do Relatório Sobre Violência Homofóbica da Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal (2012), foram notificadas 143 denúncias de violações de direito praticadas contra a população LGBT, variando do assédio financeiro à violência sexual. De acordo com a mesma pesquisa, houve um aumento de 126% das denúncias em relação ao ano anterior (2011). Em nossa capital, o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra registrou, no período de janeiro de 2011 a junho de 2012, 662 atendimentos, beneficiando diretamente 279 pessoas vítimas da violência. A maioria desses atendimentos era relativa a casos de discriminação, violência e homicídios. Para nós, que compomos a Frente de Esquerda, diante desse quadro, uma coisa é clara: ainda há muito que se avançar e pelo que lutar! Nas últimas duas décadas, houve uma aproximação do Movimento pela Diversidade Sexual com as esferas do Estado através da institucionalização de grupos que passaram a atuar como ONGs e, por conseguinte, atuar na proposição de políticas públicas para LGBTs por meio de financiamento estatal. Tanto no cenário nacional, quanto na realidade local, algumas conquistas foram alcançadas ― tais como a criação de leis que punem estabelecimentos que discriminem pessoas em razão da orientação sexual, a instituição dos dias da Consciência e do Orgulho LGBT etc. Alguns governos chegaram mesmo a ensaiar o atendimento parcial de demandas dos movimentos de lésbicas, gays, pessoas trans, travestis e bissexuais. A partir daí foram criadas secretarias de governos e articulados espaços de discussão e proposição de políticas públicas para LGBTs. Programas, Planos e Projetos foram elaborados, frutos do acúmulo de debates em Conselhos e Conferências temáticas. Nos últimos anos, porém, o que podemos constatar é que vivemos num período de profundo recesso das políticas em torno da pauta da Diversidade Sexual, em virtude dos acordos em torno da governabilidade e pela ascensão e fortalecimento que os setores conservadores e fundamentalistas tiveram neste processo. Avaliamos que, apesar do conjunto de proposições elencados pelo movimento, há pouca efetivação das demandas através de políticas governamentais. Em Fortaleza houve um retrocesso descomunal no atual governo municipal ― e parte significativa das ações realizadas na gestão anterior sofreram descontinuidade. Mesmo 67
considerando todo esse quadro, o posicionamento da Frente de Esquerda, com relação à opressão diária e estrutural vivida pelas pessoas LGBT, vai além da busca por políticas públicas. Buscamos melhorias imediatas nos serviços públicos dedicados às pessoas LGBTs, a criação de renda e o avanço para o combate às formas de exploração e opressão pelas quais essas pessoas passam diariamente. Para se ter uma ideia, no Brasil há cerca de 90% das travestis em situação de prostituição, fruto também do ambiente expulsivo das escolas e das famílias. A seguir, apresentaremos as nossas propostas e iniciativas comprometidas com a luta LGBT. Nossas propostas
Criar Plano Municipal de combate a LGBTfobia, instituindo uma rede de proteção com abrigos e articulação com os órgãos estaduais de segurança; Formular e implementar políticas de geração de emprego e renda para as comunidades LGBT, sobretudo para pessoas transexuais e travestis, articulando as redes de empregabilidade (SINE) e demais instrumentos; Garantia, cotidiana e formalmente, do uso do nome social por parte de pessoas trans em todos os ambientes públicos e privados, estabelecendo uma política municipal para tanto; Formação para profissionais da Educação para que passem a integrar a Diversidade em suas atividades; Fomento à produção e divulgação de soluções pedagógicas que eduquem para a Diversidade; Garantia de que estudantes trans e travestis tenham acesso ao banheiro de acordo com sua identidade de gênero; Respeitar a identidade de gênero e o nome social de estudantes transexuais e travestis; Criar grupos de mediação de conflitos relacionados à homofobia, lesbofobia e transfobia, abrangendo educadores/as, estudantes, familiares e comunidade; Realizar concursos e editais públicos abertos a temas relativos à Diversidade; Realizar monitoramento da homotransfobia nas escolas, priorizando unidades maiores e onde haja notícia de maior discriminação ou de grande número de pessoas LGBT; Formalização de um atendimento do SUS 100% estatal e laico, com garantia de acesso a um sistema de saúde gratuito e de qualidade, que atenda às especificidades dos LGBTs; Garantia de capacitação a todos/as os/as profissionais de saúde, de forma a se garantir um atendimento digno a todos os LGBTs; Plena assistência médica e psicológica às vítimas de homofobia; Ampliação da oferta gratuita de procedimentos de transexualização pelo SUS, garantindo o acompanhamento multiprofissional necessário; Ampliação de atendimento do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra em Fortaleza, com funcionamento após o horário comercial, a fim de ampliar o atendimento para travestis; Desconstruir a institucionalização da homofobia da polícia e no serviço público, com garantia de cursos e capacitações para servidores/as públicos/as; Campanha em nível municipal de combate à homofobia no trabalho e capacitação dos/as atendentes do disque-denúncia para lidar com as demandas da população LGBT no trabalho; Garantia de que as instituições públicas na esfera municipal ofereçam estágios 68
remunerados de pelo menos um ano para a população de jovens LGBT; Criação de Grupo de Trabalho para elaboração e aplicação de uma pesquisa/diagnóstico junto à população LGBT sobre o mercado de trabalho formal e informal; Criação de legislação com a finalidade de proibir a participação, em concorrência e licitações na esfera municipal, de empresas condenadas pela prática de discriminação à população LGBT; Valorização da cultura e memória LGBT em nossa cidade; Publicação de editais que visem promover e divulgar manifestações artísticas em prol da Diversidade Sexual; Apoio à realização eventos de promoção e divulgação da cultura LGBT em nossa cidade (Paradas da Diversidade, exposição de arte, feiras literárias, festivais de dança, cinema e teatro com a temática LGBT); Inclusão da informação orientação sexual e identidade de gênero nos instrumentais utilizados nos equipamentos da Assistência social do Município; Capacitação de trabalhadoras e trabalhadores da Assistência Social a fim de buscar assegurar um atendimento aos usuários e usuárias não discriminatório em função da orientação sexual e identidade de gênero; Fomento à discussão de orientação sexual, identidade de gênero e defesa dos direitos humanos LGBT nas atividades com os/as usuários/as da Assistência Social; Inclusão do debate sobre envelhecimento LGBT nos grupos de idosos/as e a implementação de projetos de inclusão produtiva, geração de emprego em renda, específicos para LGBTs idosos/as; Reconhecimento das famílias homoafetivas nos programas habitacionais municipais.
2.5 Cultura, Artes e Comunicação 2.5.1 Por uma Fortaleza que resiste, na ética e na estética! Faz-se necessário entender que, a rigor, cultura e natureza se entrelaçam ― e que é da ordem do sistema capitalista promover a desintegração. A cultura não se faz separada da vida, assim como as políticas não podem surgir apartadas dos modos de existência. Numa cidade como Fortaleza ― uma das cidades mais desiguais e violentas do mundo, face cruel que não se pode deixar de desvelar ―, o capital segrega, fragmenta, exclui e captura, exigindo de nós o corpo, a alma e o pensamento. Tornamo-nos seres precarizados pela lógica da produtividade, deixando estéreis os desejos, as forças e as vidas. Tudo vira mercadoria ― e a cidade beira tornar-se uma “cidade impossível”. Ao pensar o patrimônio cultural ― material e imaterial ―, devemos fazê-lo de forma agregada ao patrimônio natural e paisagístico, considerando que os modos de organização social e os deslocamentos dos grupos humanos interferem na forma de ocupação dos territórios e dos espaços urbanos. Os modos de vida não podem ser considerados de forma descolada do meio ambiente. Os sítios arqueológicos revelam como as comunidades se organizavam ― e isso determina os saberes ancestrais, os modos de vida, as tradições que se criam e se estabelecem a partir das comunidades, convertendo-se em nossas grandes riquezas, materiais e imateriais. O modo de operar com a vida engendrado pelo capital é destituindo a cidade de qualquer potência de invenção, esterilizando os afetos e neutralizando os instintos. É o processo de 69
captura de subjetividade a que estamos sujeitos, na lógica mercantilista. São maneiras de moldar a vida, domesticar uma “forma-homem”, uma “forma-mulher”, uma “forma-velho”, uma “forma-criança” que sirva ao controle sobre a vida. Compreendemos a política como o exercício extremo da alteridade, como uma produção de saber que se dirige ao fora, que se constitui com o Outro, num processo contínuo de invenção ― de si mesmo e do mundo. É isso o que significa pensar uma estética da existência. Pensamos que uma política que se dirige ao Outro só é possível quando se trata de inventar-se a si, inventando-se como comunidade. Somos indivíduos pelo poder de afetar e sermos afetados, pelos afetos de que somos capazes. É preciso recuperar o próprio sentido de estarmos juntos. É necessário investir na criação de comunidades livres, heterogêneas, garantindo a diversidade e a autonomia, e, com, isso, estimulando o empoderamento dos atores sociais. Queremos constituir uma política cultural que favoreça o surgimento de novas sociabilidades, valorizando os espaços de convivialidade e fortalecendo o tecido afetivo de nossa cidade. Nosso programa de governo para as áreas das artes, da cultura e do pensamento deve potencializar o sentido de comunidade, estimulando lugares de encontros, de debates, de conversas ― e, sobretudo, de outras formas de inventar a vida cotidiana, procurando fortalecer iniciativas em todos os territórios da cidade, compreendendo a importância da descentralização das ações e dos recursos. As bases traçadas pelos planos de cultura (nacional, estadual e municipal), como diretrizes e metas, evidenciam o exercício continuado da classe artística de pensar as políticas públicas para a cultura de forma mais consequente e sistêmica. Dessa forma, acreditamos que o primeiro compromisso assumido por qualquer gestão responsável na área é o de garantir a continuidade das conquistas alcançadas até aqui, avançar em novas ações apresentadas pelos atores culturais e garantir o fortalecimento dos marcos institucionais que vão consolidando as políticas de cultura em políticas de Estado ― e não apenas como “políticas de governo”, que oscilam e se esvaem a cada gestão. No caso do Plano Municipal de Cultura, as diretrizes já norteiam o foco que as ações devem assumir: democratizar e garantir o amplo acesso aos bens culturais; fortalecer a participação social; criar sistemas integrados de informação; promover a descentralização da gestão e das ações; ampliar a intersetorialidade e transversalidade; garantir políticas públicas de comunicação para a cultura; fomentar políticas de formação; reconhecer, proteger e valorizar o patrimônio cultural; garantir a transparência na gestão das políticas. Se foi um desafio o longo processo de elaboração dos planos, graças ao empenho da classe artística e atravessando diferentes gestões, o maior desafio é torná-los exequíveis e efetivos, evitando a descontinuidade. Por conta disso, destacamos os pontos que nos parecem mais relevantes a ser focados para o fortalecimento das políticas públicas para a área da cultura, certos de que a cultura, em si, é bem maior do que segue disposto e enquadrado pelas categorizações e pelos modos de organização institucional. A recusa da servidão se dá na própria condição de invenção do cotidiano. A vida acima do lucro! 70
Dessa forma, propomos o que segue. Nossas propostas a) Fortalecimento institucional das políticas públicas para a Cultura, considerando os dispositivos previstos pelo Sistema Nacional de Cultura e as metas traçadas pelo Plano Nacional de Cultura, com foco no que está disposto no Plano Municipal de Cultura.
Desenvolver ações integradas, de acordo com o Plano Municipal de Cultura, considerando linguagens e territórios reconhecidos, promovendo a descentralização dos recursos e das iniciativas; Instituir o Conselho Municipal de Políticas Culturais e Conselho do Patrimônio; Garantir o funcionamento efetivo do Fundo Municipal de Cultura, com destinação própria; Garantir 1% para a pasta da Secretaria de Cultura de Fortaleza, conforme consta no Plano Municipal de Cultura; Fortalecer os fóruns que fazem parte do Conselho Municipal de Política Cultural de Fortaleza, dando visibilidade às ações realizadas pelo mesmo.
b) Formação
Estabelecer parceria com escolas públicas municipais: estimular o funcionamento de escolas municipais como Centros de Artes e Pensamentos, fomentando a diversidade e articulando as atividades didáticas com as iniciativas de formação e produção artística existentes na cidade; essa articulação, se pensada de forma estratégica e continuada, contribuirá para a difusão dos trabalhos artísticos, implementando processos contínuos de formação de plateia; Garantir e ampliar a atuação da Vila das Artes, incluindo o restauro e a integração da casa do Barão de Camocim ao complexo, conforme projeto original, estabelecendo parcerias institucionais que aumentem o campo atingido no próprio espaço, a exemplo do projeto Dançando na Escola; Promover intercâmbio com os CUCAs e com outros equipamentos municipais: articular a formação já existente nos equipamentos culturais do município, reconhecendo a troca de experiências como parte determinante dos processos pedagógicos; Contribuir para a inclusão, na grade curricular das escolas públicas municipais, de matéria sobre a cultura e as tradições do cearenses.
c) Fomento e Circulação
Articular atividades e programações dos diversos equipamentos do município (Mercado dos Pinhões, Mercado da Aerolândia, Teatro São José, Teatro Antonieta Noronha, Galeria Antônio Bandeira, anfiteatros, galerias, dentre outros), potencializando a circulação de obras e de artistas; Desenvolver estratégias para ocupação dos equipamentos públicos de forma transparente e contínua, estimulando a parceria entre artistas, grupos e coletivos; Desenvolver ações que considerem diversos bairros e territórios, estimulando a circulação de obras e artistas pelos bairros, descentralizando ações e recursos; Garantir a ampliação gradativa e a regularidade do Edital das Artes e de outros editais 71
de fomento já existentes; Criação de um programa permanente que fomente a formação de plateia a partir de uma parceria entre as Secretarias de Cultura e de Educação do Estado, possibilitando a ida da escola às manifestações culturais e das manifestações culturais à escola; Destinar recursos e políticas permanentes para a construção, manutenção e ocupação dos espaços públicos culturais; Implementar a Escola Pública de Teatro; Respeitar, proteger e desenvolver políticas voltadas às comunidades e territórios tradicionais, bem como para as manifestações de cultura popular, garantindo suas crenças e suas celebrações.
d) Patrimônio Cultural Material e Imaterial
Desenvolver uma política de valorização do patrimônio a partir da conscientização e educação patrimonial, contando com profissionais especializados/as que levem à população o reconhecimento de seu valor cultural e o desenvolvimento do sentimento de pertencimento, em parceria com instituições, associações, pontos de cultura e escolas públicas e privadas; Resgatar e complementar mapeamento cultural do Município, abrangendo o Patrimônio Cultural material e imaterial. Os registros devem contemplar: Patrimônio histórico edificado, sítios arqueológicos, paisagens culturais, saberes e fazeres, memórias, tradições populares; Fomentar ações educativas de preservação, estimulando o interesse de grupos e instituições culturais, através de incentivos e premiações; criar editais para premiação de projetos executados, favoráveis à preservação e conservação de bens culturais, praças e jardins; Promover programas de formação voltados aos/às profissionais na área de patrimônio histórico-cultural material e imaterial; articular junto às instituições de ensino a criação de cursos de formação em nível superior, técnico e profissionalizante, bem como a qualificação de profissionais nas áreas de restauração e preservação de bens móveis, imóveis e integrados; Criar plataforma para publicação de dados existentes, capazes de impulsionar a pesquisa e o ensino, utilizando-se de ferramentas digitais como site, jogos, aplicativos e outras tecnologias; Realizar, sistematicamente, estudos técnicos, por corpo específico ou parcerias estabelecidas, para avaliação e reconhecimento dos bens de interesse patrimonial; Desenvolver uma política de valorização de museus e espaços culturais distribuídos na cidade, promovendo e estimulando o turismo cultural em Fortaleza; Desenvolver ações continuadas de despoluição visual da cidade, de acordo com a lei que rege a publicidade em Fortaleza, revisando-a caso necessário; para esta ação, considerar, em especial, as ZEPH´s, as áreas de entorno de bens Tombados e os Sítios Históricos; Iniciar o processo de internalização de cabeamentos e fiações da cidade, em especial no centro Antigo, nas ZEPH´s, áreas de entorno de bens tombados e Sítios Históricos; Efetivar a criação do Museu da Cidade, contemplando seu surgimento e evolução histórica, através de uma abordagem multidisciplinar que trate: Traçado Urbano, crescimento populacional, Arquitetura, Artes culinárias, Artes cênicas, Artes gráficas etc.; Criar o selo Amigo do Patrimônio para empresas, profissionais da construção civil, 72
entidades de caráter público ou privado e indivíduos que de alguma forma estimulem ou adotem os conceitos de preservação; Restauração e requalificação dos bens tombados de responsabilidade do Município: Pavimentação Histórica e do ambiente Cultural da Rua José Avelino, Escola Jesus Maria José; Teatro São José; Casa do Barão de Camocim; Abertura do Rio Pajeú e urbanização do Poço da Draga, priorizando a construção de habitação de interesse social e a restauração e integração da Ponte Metálica original; Revitalização do Jacarecanga ― de relevante interesse cultural; Requalificação de área próxima ao estaleiro da Barra do Ceará; Revisão da Lei Municipal de Patrimônio em conformidade com os instrumentos legais de proteção: Estatuto das cidades, LEI Nº 9605/1998 - crimes ambientais, Plano diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo e leis de incentivo; Revisar, finalizar e normatizar as Zonas Especiais de Patrimônio Histórico (ZEPH), considerando as poligonais e áreas de entorno de bens tombados de proteção existentes.
e) Transversalidade e Intersetorialidade
Desenvolver ações transversais a outras secretarias, com o objetivo de potencializar as ações da Cultura para outras áreas de atuação; Desenvolver estratégias Inter setoriais para a valorização e o fomento de artistas e de manifestações culturais cearenses, favorecendo a circulação de bens simbólicos; Desenvolver estratégias intersetoriais para potencializar a circulação de artistas e obras; Estabelecer parcerias com diferentes secretarias e agentes financiadores a fim de diversificar as formas de financiamento disponíveis às políticas e projetos culturais, criando novas modalidades de investimento; Criação de uma agenda estratégica em parceria com diversas instituições, atores sociais, equipamentos culturais e escolas, com o objetivo de fortalecer e ampliar as políticas publicas para as juventudes, contribuindo para a diminuição da desigualdade social e da violência.
2.5.2 Comunicação – políticas para a governança popular e a garantia do direito à comunicação Tendo em vista o importante lugar que os meios ocupam como mediadores das relações sociais e do nosso conhecimento do mundo, adotamos a compreensão de que a comunicação é um direito humano e um instrumento fundamental para garantia dos demais direitos, bem como para a consolidação e ampliação da democracia. Por isso, propomos uma série de políticas de comunicação que objetivam garantir o direito à comunicação para todos e todas ― e, com isso, a manifestação da pluralidade e da diversidade da gente da nossa cidade, possibilitando o acesso da população às informações públicas e à participação política, bem como estimulando a produção e veiculação de conteúdos vinculados às comunidades, grupos e movimentos sociais. Tais propostas de ação, que partem das contribuições dadas pelas organizações sociais que atuam no campo da comunicação1, não podem escapar a um programa de governança popular 1
. Nosso programa para a área da comunicação social dialoga com as propostas sistematizadas pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, e que estão apresentadas no documento “Políticas locais
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de uma candidatura que se propõe a romper com a forma hegemônica de fazer política e incentivar a ocupação da cidade pelos/as habitantes. Isso exige que todos e todas não só conheçam profundamente a urbe, mas tenham espaços para a livre expressão de ideias, reivindicações e proposição de alternativas. Hoje, os meios de comunicação que falam às maiorias sociais são controlados por poucos grupos econômicos e políticos que, muitas vezes, impõem sua agenda e leituras do mundo, invisibilizando opiniões ou criminalizando grupos que vão de encontro ao que defendem. Isso significa que apenas para os setores dominantes é garantido o direito a se comunicar, enquanto para os/as subalternos/as, a comunicação é ofertada apenas como uma mercadoria a ser consumida. Diante disso, o direito a esse bem essencial dá lugar à imposição do silêncio, da criminalização ou da perseguição política. É preciso, portanto, propor alternativas para esse cenário tão desigual. Embora as políticas de comunicação tenham um caráter nacional forte, iniciativas promotoras da diversidade podem ser tomadas pelo próprio poder público local, a começar da própria informação produzida pela administração municipal. Hoje, ela serve mais para promover aqueles/as que ocupam o poder do que informar a população ― sendo ainda instrumentos de barganha ou de prática clientelista nas relações com a grande mídia. Defendemos que os meios de comunicação estatais estejam a serviço dos interesses da população e sejam utilizados para incentivar a participação popular no debate político. Isso porque, em primeiro lugar, a comunicação é um instrumento da própria gestão pública, essencial para a consecução dos objetivos das diversas políticas sociais, adotando, em âmbito municipal, o que estabelece a Lei 12.527/11 e o Decreto 7.724 ― que garantem o acesso à informação pública, tendo como premissa a necessária transparência e a fiscalização do poder público. Em segundo lugar, porque a informação é fundamental para qualificar a participação dos sujeitos no processo democrático. Em terceiro, porque a comunicação é ela mesma um instrumento de participação popular, pois possibilita que a população se envolva na definição, implantação e monitoramento de políticas sociais. Indo além, também é essencial o fomento à comunicação pública, a qual deve estar vinculada aos interesses públicos, não aos objetivos governamentais ou do mercado. Essa comunicação, conforme a Lei 11.612/98 que detalhou o conceito de comunicação pública no Brasil, deve contribuir para a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal; a promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo; a produção e programação com finalidades educativas, artísticas, culturais, científicas e informativas; a promoção da cultura nacional; estímulo à produção regional e à produção independente; o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família; a não discriminação religiosa, político-partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de opção sexual; a observância de preceitos éticos no exercício das atividades de radiodifusão; a autonomia em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão; e a participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade brasileira. Isso pode ser garantido, por exemplo, por meio da criação do Canal da Cidadania e de outros canais públicos e do incentivo às TVs e rádios não estatais, com o financiamento desses meios de comunicação.
para comunicação democrática”.
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Para garantir o direito humano à comunicação, à liberdade de expressão, à informação e ao conhecimento ― pois só com a combinação desses elementos é que os povos podem conquistar autonomia e exercer a política ―, apresentamos uma gama de políticas públicas que devem ser promovidas com os objetivos de: 1. Fomentar a comunicação como ferramenta de democratização da gestão pública; 2. Garantir a transparência na gestão e o acesso a todas as informações necessárias para o pleno exercício da política; 3. Integrar as ações e políticas de comunicação às demais políticas públicas do município, de forma a constituir arranjos que contribuam para o fortalecimento de políticas integradas; 4. Potencializar a apropriação dos meios e o exercício do direito humano à comunicação por todos e todas; 5. Contribuir para a ampliação da pluralidade e diversidade das fontes disponíveis de informação na cidade; 6. Fortalecer os instrumentos de participação popular para definição, monitoramento e avaliação das políticas de comunicação. Tais princípios estão organizados nos seguintes eixos norteadores das políticas que aqui apresentamos, estabelecidas as perspectivas políticas que orientam nossa intervenção nesse campo, e em torno de propostas para o setor das comunicações.
Nossas propostas a) Comunicação como instrumento de democratização da gestão pública e fortalecimento da participação popular 1. Garantir espaços permanentes de interlocução do poder público com o/a cidadão/cidadã, como ouvidorias públicas; 2. Ampliar ao máximo os mecanismos de governo eletrônico, com participação ativa da população para consultas, solicitações, dúvidas, diálogo sobre demandas e utilização de ferramentas de participação; 3. Garantir ampla divulgação de informações relativos à gestão pública, como projetos e orçamentos, de modo que sejam de fácil acesso a toda a população e que possam ser usados por pessoas portadoras de deficiência, em conformidade com o decreto federal nº 5296, regulamentador da lei de acessibilidade nº 10098, relativa à acessibilidade na internet, telefonia, televisão e tecnologias assistivas em técnicas e serviços; 4. Utilizar estratégias de comunicação para facilitação de processos de participação popular (como orçamento participativo e similares) e planejamento estratégico nos bairros, viabilizando a discussão, pela população, das prioridades de ação nas diversas regiões do município; 5. Integrar os cadastros dos serviços públicos (como unidades básicas de saúde, bibliotecas etc.) e programas sociais, viabilizando a identificação mais fácil e imediata de possíveis beneficiários dos programas da Prefeitura; 6. Garantir que as políticas de comunicação pensadas como ferramenta de gestão em outras áreas (como saúde e educação) sejam não apenas de difusão (unidirecionais, uniformes e centralizadas), mas principalmente participativas (bidirecionais, adaptadas às diferentes realidades e descentralizadas); 7. Integrar os equipamentos de comunicação e cultura com unidades básicas de saúde, escolas municipais, bibliotecas públicas e outros equipamentos municipais, viabilizando políticas 75
integradas em todas as regiões da cidade; 8. Difundir para os cidadãos e cidadãs seus direitos, a estrutura e o funcionamento da Prefeitura e da Câmara Municipal e as formas possíveis de participação na gestão pública, com a divulgação de espaços de controle social e de participação popular e a realização de campanhas educativas sobre o tema. b) Políticas de ampliação da transparência, de garantia do acesso à informação pública e do compartilhamento do conhecimento 1. Garantir a toda a população o acesso à informação pública como instrumento para facilitar o controle social das políticas de governo; 2. Estabelecer mecanismos democráticos e transparentes para o investimento em publicidade oficial nos meios de comunicação, tendo como objetivos: i) tornar públicos os critérios de distribuição das verbas e a execução orçamentária; ii) evitar pressões indevidas tanto por parte dos governos como por parte dos veículos; e iii) garantir uma distribuição de recursos que não tome a medida de audiência como único critério, permitindo o investimento também em pequenos veículos, especialmente os comunitários, garantindo a autonomia política deles; 3. Criar agência de notícias da Prefeitura Municipal de Fortaleza, reunindo notícias de todas as áreas de governo, com distribuição pública de boletim periódico; 4. Criar política de divulgação e informação das políticas sociais que dialoguem com os veículos comunitários e com espaços públicos como escolas, associações de bairro etc.; 5. Adotar licenças livres nos documentos e publicações do município e estabelecer ferramentas e práticas que facilitem o compartilhamento do conhecimento; 6. Adotar softwares livres em todas as áreas da administração municipal e nos programas sociais do setor. c) Políticas públicas para acesso a meios de comunicação e fomento à pluralidade e à diversidade 7. Ampliar a oferta de banda larga no município, por meio da promoção de acesso sem fio em grande escala, especialmente em áreas públicas de grande circulação, como escolas e praças, por meio do desenvolvimento de projeto de banda larga popular; 8. Estabelecer medidas de fomento à comunicação alternativa e comunitária, como a criação de uma Escola de Comunicação Itinerante, de acordo como proposto pela sociedade civil durante a Conferência Municipal de Comunicação; 9. Criar Fundo para Comunicação Pública e Comunitária, através do qual se deve estabelecer uma política de financiamento e apoio às mídias públicas, populares e alternativas; as verbas desse Fundo podem ser utilizadas para dar suporte à estruturação, apoio técnico, capacitação, investimento em equipamentos e manutenção e funcionamento daqueles meios de comunicação; 10. Estimular a produção de comunicação e viabilizar a distribuição desse conteúdo, através do sistema público de comunicação, tendo como critério também a valorização da diversidade e o respeito aos direitos humanos; 11. Criar mecanismos de estímulo à postura crítica de cidadãs/cidadãos em relação à comunicação, ofertando, nas escolas municipais, conteúdos vinculados à leitura crítica dos meios e à prática da produção comunicativa; 12. Estabelecer práticas de educação não formal em comunicação, com a realização de oficinas de educomunicação para jovens e adultos/as; 13. Apoiar o processo de instalação e desenvolvimento das rádios comunitárias no município, em diálogo com o Ministério das Comunicações, já que é o responsável pelo processo de 76
outorga das rádios comunitárias; 14. Integrar os telecentros, rádios comunitárias, estruturas de produção das escolas e centros educacionais, pontos de cultura e outros equipamentos culturais do município com a criação de Pontos de Mídia que funcionem como espaços para produção popular e que estejam ligados a espaços de distribuição (veiculação ou circulação) dessa produção; para que se garanta a independência dessa produção em relação ao governo municipal, essas centrais devem ser geridas por conselhos públicos, com participação majoritária da sociedade civil local. d) Gestão participativa das políticas de comunicação 15. Sendo a comunicação um assunto de interesse público, a construção das políticas públicas deve se dar por meio de processos participativos; portanto, deverão ser criados espaços que promovam tal participação; 16. Criar o Conselho Municipal de Comunicação Social, que terá como objetivo participar da formulação, implementação, fiscalização e monitoramento das políticas municipais de comunicação; sua constituição deve se dar a partir de diálogo do poder público com a sociedade civil local, pactuando atribuições, composição e formas de escolha, que devem sempre garantir independência política frente aos empresários e ao poder público; 17. Desenvolver Plano Diretor participativo de Radiodifusão Comunitária, uma vez que o Ministério das Comunicações não tem critério definido para o estabelecimento de áreas de execução nos municípios; 18. Buscar viabilizar que as propostas apontadas acima se tornem política de Estado; para tanto, propomos que um capítulo sobre a comunicação seja incorporado à Lei Orgânica do Município, estabelecendo princípios e metas para as políticas voltadas ao setor. 2.6 Esporte [em construção] 2.7 Economia, Trabalho e Renda 2.7.1. Limites e possibilidades da gestão municipal no campo econômico O processo histórico em que vivemos testemunha as relações naturais serem absolutamente maltratadas. O reflexo disso se configura no destrato relacional que destinamos à nossa casa comum ― o nosso planeta terra. Nos últimos séculos, perdemos o verdadeiro sentido da palavra ética e subvertemos o valor estético do conceito de economia (oikonomia), que significa cuidar da comunidade. Não por coincidência, esse foi o período de maior expansão do modelo de exploração do capital, pautado na moral consumista e individualizada na capacidade de crédito. Diante desse contexto, a economia atual é reduzida a um pressuposto de lucratividade pelas grandes empresas transnacionais, com ênfase para os capitais financeiros ― ao passo que a política dos Estados se volta, cada vez mais, ao atendimento desses interesses. Nunca fez tanto sentido o jargão marxista: “o estado é o grande banquete da burguesia”. Fosse possível sintetizar tal cinismo, poderíamos dizer que a proposta de privatizar o lucro e estatizar o prejuízo é cada vez mais recorrente, adotando como estratégia a fragilização do trabalho e, consequentemente, do trabalhador e da trabalhadora. Com isso, as adequações ao tempo de trabalho desfazem os limites entre vida privada e vida laboral. Nesse processo, o emprego quando não é negado, é precarizado por legislações 77
escusas ― numa espécie de atalho à concentração da riqueza produzida pela classe trabalhadora. A soma e o resto desse processo faz com que a estratégia de gestão reforce a negação de direitos, que recai sobre o tecido social num profundo retrocesso e, em última instância, faz surgir toda sorte de pobreza, miséria e desigualdade de um lado, enquanto do outro provoca a pauperização dos bens naturais, tornando a vida medíocre. Enquanto isso, o vício do “crescimento ilimitado” faz a natureza e a própria sociedade serem subjugadas de forma crescente, no instante em que se reproduzem as crises: econômica, social e ambiental ― para não falar de outras dimensões da crise atual. Esse caminho de “crescimento ilimitado” precisa ser repensado, pois se mostra insustentável. Como bem lembra Capra, “precisamos urgentemente qualificar o que entendemos por crescimento”. Não podemos optar por crescer infinitamente, se vivemos num planeta finito. Optar por esse modelo se revela uma profunda irresponsabilidade. No que toca mais diretamente à economia, intensifica-se o caráter concentrador e centralizador do capital ― sobretudo na fase atual do capitalismo, identificada com o chamado neoliberalismo, desenvolvido a partir da crise dos anos de 1970, menos na perspectiva de um Estado Mínimo, como se divulga, e muito mais no sentido da vinculação das políticas públicas aos interesses dos grandes capitais. Tudo isso, além de haver repercutido numa pobreza crescente com consequências dramáticas em termos sociais, tornou a economia mundial sujeita a crises mais frequentes e intensas. A política atual, por sua vez, tem se mostrado sobejamente refém dos interesses relacionados com as grandes empresas, ao passo que a superação dos problemas atuais passa pela mobilização dos segmentos populares ― amplamente excluídos da política, como da propriedade e do território em geral. Resulta disso tudo que a política econômica deve ter por objetivo, de um lado, ampliar o dinamismo dos setores populares ― entre eles, os trabalhadores e demais setores oprimidos da sociedade ―, no intuito de desconcentrar a riqueza produzida socialmente, como uma alternativa à própria crise; de outro, induzir a uma produção da riqueza de forma sustentável, também com o intuito de fazer frente aos problemas econômicos e sociais gerados pela degradação dos bens naturais. Os conceitos de economia ecológica, solidária e popular devem, certamente, nesse contexto, estar conciliados, tendo em vista a satisfação dos interesses da maior parcela da população, em contraposição ao acirramento do neoliberalismo, como proposto pela elite financeira mundial ― que tende a degradar, ainda mais, as condições de vida da sociedade e dos seres vivos em geral. Para tanto, a política e a economia deverão ser, ao mesmo tempo, expressão dos próprios segmentos sociais ― oprimidos pela dinâmica dos grandes capitais ― e construídas em parceria, a partir de baixo, ao invés de estar voltadas aos andares de cima, como acontece atualmente, com os incentivos fiscais, creditícios, infra estruturais etc. Trata-se, portanto, de impulsionar a participação dos setores populares, reconhecendo, ademais, os direitos da própria natureza, como já acontece em outros países, na definição das políticas econômicas, e criando condições para desenvolver a economia a partir de setores, em princípio, destituídos de riqueza, porém portadores de grande potencial ― sobretudo calcado nas próprias relações sociais, sem falar no conhecimento popular, que deverá subsidiar, em 78
articulação com o saber acadêmico, a obtenção de espaços produtivos não convencionais, mas humanamente eficiente social, econômica e ambientalmente. Sabemos que a economia municipal é muito limitada e diretamente influenciada pela política econômica (macroeconomia) praticada pelo estado ― que se localiza no município ―, pelo Governo Federal e, em última instância, está subordinada, à dinâmica da economia mundial. A obsessão pelo “crescimento ilimitado” chega no município pela lente complexa da negligencia míope à cooperação, à conservação ambiental e à diversidade produtiva. Na economia capitalista, há a supremacia do crescimento e da busca pela geração de empregos a qualquer custo frente à urgência da distribuição da riqueza e pelo bem estar da classe trabalhadora. O nosso horizonte é o da socialização da riqueza material e da criação das condições sociais para o desabrochar de personalidades plenas, capazes de viverem vidas ricas. Nosso horizonte é, assim, o da superação do capitalismo. Isso significa que o combate à desigualdade é a base de qualquer política que pretenda mudar a sociedade. A redistribuição das riquezas, com a taxação dos ricos e a inversão de prioridades sociais, é um primeiro passo nesta direção. Mas a gestão dos bens comuns permitindo seu usufruto por todos e todas e a expansão dos espaços públicos são outras dimensões estratégicas de nossa proposta.
2.7.2 Economia e Tecnologia A tecnologia é um instrumento social de extremo valor histórico, entretanto precisa ser apreciada na sua dimensão crítica e questionada no limite de suas “neutralidades”. Não é possível acomodá-la apenas em simples programações, tecnicismos e racionalidades práticas. Como bem observa Leonardo Boff, o fato é que estamos realmente vivendo um cassino global operacionalizado eletronicamente. A vida, a natureza, a terra passaram ser subproduto do mercado, causando profundo impacto na humanidade. É oportuno contextualizar que o capitalismo ganha eficiência quando lhe são associadas redes eletrônicas, basicamente sintetizadas na geração World, Web Wide (www), criando um paradoxo inédito naquilo que Castells chamou de nova economia. O dilema que é posto à sociedade em geral consiste na utilização dessa estrutura que, enquanto tal, tenta virtualizar a vida, fazendo surgir uma economia supostamente criativa, cujas consequências são incalculáveis. Se de um lado o novo capitalismo tecnológico reverbera ameaças concretas à saúde do planeta, do outro, as tecnologias podem representar a “redenção” de muitos males que nos angustiam diretamente. Afinal, como disse o Papa Francisco, “as tecnologias são apenas uma possibilidade”. Nesse sentido, pode-se considerar que o problema não é tecnológico mas político, no sentido estrito da palavra. Isso fica claro quando observamos a evolução do fenômeno tecnológico nas últimas décadas, em que pudemos observar a extensa capacidade de alcance mercadológico e os aumentos de apenas 2% do salário real. Para Castells, é possível afirmar que a indústria nunca ofereceu tantos empregos; por outro lado, os operários nunca foram tão mal remunerados. Segundo o autor, essa configuração só foi possível devido aos efeitos da tecnologia sobre a economia. Esse processo é bem contextualizado quando observamos motoristas rodoviários de Fortaleza ver aumentos módicos em seus salários para cumprir a tarefa de trocadores, enquanto seus colegas são demitidos pela implantação de tecnologias de “passe eletrônico”. 79
É preciso, ainda, contextualizar que as novas tecnologias, além de refundar o capitalismo do século XX, é o coração da indústria do século XXI. Não podemos negar sua existência nem tampouco deixar de aceitar sua capacidade de reconfigurar significativamente o trabalho, porém não podemos deixar de denunciar a virtualização do trabalho que acaba por virtualizar o trabalhador e a trabalhadora, dando-lhes aspectos peculiares de cidadão cosmopolita mas negando-lhes a capacidade de pensar os efeitos do seu trabalho sobre sua comunidade. Assim, a tecnologia e a economia são, de uma vez só, capturadas pelo mercado. Nas palavras de Karl Polany: “saímos de uma economia com mercado para uma economia de mercado”. O estágio alcançado é, contudo, sem volta ― não é possível retroceder à idade da pedra, nem tampouco desconsiderar as possibilidades de uma vida melhor. É preciso integrar a nova economia à produção, ao consumo e à sustentabilidade ecológica ― e, nelas, as mediações do trabalho e o novo papel do Estado que se vincula aos direitos sociais. Isso exige uma nova configuração das atividades produtivas, uma nova organização do trabalho que simultaneamente supere o fordismo tardio e seja capaz de intensificar alternativas ousadas e criativas à economia, com ampliação de forte arcabouço educacional. A tecnologia quando aplicada à economia reconfigura o trabalho e o emprego. O grande desafio é compatibilizar as novas tecnologias à economia real, de tal forma que possa brotar dessa associação a dignidade humana e ecológica, promovendo a grandeza da vida. Nesse sentido, entendemos que a tecnologia pode ser um instrumento dessa nova mudança, a partir de uma transição significativa na relação econômica que precisa observar aspectos tecnológicos fundamentais que vão além de uma economia criativa ― e necessitam de uma cidade educadora. 2.7.3 Economia Criativa x Economia Solidária Depois do período conhecido como pós-guerra, o desenvolvimento ficou restrito à ideia de “crescimento econômico”. A urgente necessidade de reconstrução fizeram desses processos verdadeiros atropelos ― e a ideia de “crescimento ilimitado” passou a ser a pauta do dia. O PSOL compreende que adjetivar o desenvolvimento de “sustentável” é uma falácia, quer pela sua infantilização, quer pela sua malícia. É infantil rogar a sustentabilidade de algo que nega o envolvimento (a semântica da palavra desenvolvimento vai a esse encontro), e, por isso, é malicioso, pois vende uma ideia que não poderá, por definição, ser cumprida. Nesse esteio está a adjetivação da economia pela palavra criativa. A economia criativa tem sido um movimento de associar a criação de novos espaços mercadológicos geralmente ao contexto da cultura e das novas tecnologias da informação e comunicação ― as famigeradas TIC. Tratase, a grosso modo, de inciativas que geralmente são potencializadoras de novas economias, criando uma ilusão perigosa de que o mercado pode ser reinventado. De forma genérica, a economia é criativa todas as vezes que é capaz de reinventar novos espaços, técnicas e aspectos que ainda não foram explorados com a devida efetividade. Mas ela só se revela enquanto estratégia socialmente aceita quando promove criativa distribuição das riquezas produzidas. Em outras palavras, quando assume a capacidade de reconhecer que o trabalhador e a trabalhadora têm o mesmo direito sobre o produzido. Esse último aspecto não é aceito pelos teóricos do assunto, talvez por pretenso aspecto conceitual; entretanto seus limites precisam ser debatidos pelo conjunto da sociedade com maior altivez. Primeiro é preciso compreender os limites historicamente estabelecidos pelo capitalismo. Isso ocorre pela sua incapacidade de recriar um modelo cooperativo, colaborativo. Logo, de nada adiante ser criativa a economia que abre novos espaços de trocas, se sua lógica de distribuição continua tradicional, hierarquizada e pautada na meritocracia. Nesse processo, o limite crasso 80
do capital apresenta-se medíocre ao revelar as falácias de uma economia pretensamente “criativa”, pois se de um lado ela é capaz de criar novos espaços de produção (inclusive de baixo impacto), do outro se apresenta como mais uma ideia simples de exploração, revelandose numa perversa ótica de distribuição e consumo nivelando-se aos demais métodos neoclássicos da economia liberal. Uma economia somente poderá ser criativa se, e somente se, permitir a emancipação social ao garantir dignidade e trabalho, se for econômica, se possibilitar a distribuição da riqueza produzida e se ambientalmente respeitar integralmente a natureza. Qualquer economia fora dessa realidade não pode se reivindicar criativa, nem tampouco propor mudanças substanciais ao conjunto da sociedade. Contudo, a economia associada à tecnologia pode ser de fato criativa ― e, portanto, um instrumento de profunda utilidade aos governos. Isso pode ocorrer na justa medida em que possa ser instrumento de aproximação da população junto à gestão pública, bem como possa facilitar a fiscalização e a participação cidadã aumentando os espaços de transparências. Poderá, assim, facilitar o comércio justo, auxiliar a mobilidade humana e ser parceira na conexão de milhares de jovens espalhados pelos quatro cantos da cidade. Poderá ainda contribuir junto com a defesa civil e ser muito útil na prevenção da saúde, ao interconectar pacientes primários com os postos de saúde, por exemplo, além de facilitar a vida de funcionários/as públicos/as que contribuem para o bom andamento dos serviços burocráticos. O nosso desafio é, então, o de reestruturar as condições físicas e subjetivas entre a rede e o ser para que de fato as tecnologias possam estar a serviço das pessoas. Não obstante essa realidade, outro adjetivo pode tornar a economia mais colorida ― trata-se da solidariedade enquanto forma de garantir e efetivar a produção, o comércio, a aquisição de insumos, além das trocas e, sobretudo, a distribuição das riquezas produzidas. Paul Singer observa que mais vale a “associação entre os iguais do que o contrato entre os desiguais” ― e os governos socialistas precisam reproduzir isso em suas gestões a partir do fortalecimento de ações comunitárias baseadas na cooperação, na autogestão, na ação econômica e na solidariedade. Enquanto a economia convencional opta pela separação entre os “donos do negócio” e os “empregados” ― hierarquizando o poder e a distribuição desigual da renda, favorecendo a desigualdade administrativa e consequentemente a riqueza ―, a economia solidária não se contrapõe ao uso das novas tecnologias da comunicação e informação, mas propõe que sejam os próprios trabalhadores e trabalhadoras os/as proprietários/as das atividades. São eles/as que devem assumir os principais papeis na atividade e nas decisões ― inclusive na definição igualitária dos seus lucros. Depois, então, de conceituar as diferenças daquilo que possuímos e do que queremos, apresentaremos a seguir propostas para as milhares de iniciativas econômicas solidárias que a cidade já assume ― e pode assumir muito mais. Parte delas estão abaixo elencadas. Nossas propostas
Incentivar a organização coletiva de trabalhadores/as em associações e grupos de produtores; Incentivar a organização de cooperativas de coleta e reciclagem; Incentivar a recuperação de empresas assumidas pelos/as trabalhadores/as; Fomentar redes de produção, comercialização e consumo horizontal; Incentivar financiamentos de bancos comunitários por meio de créditos solidários, cooperativas de crédito, clubes de trocas, entre outros; 81
Incentivar as cooperativas à produção de energia própria; Incentivar Agricultura Urbana; Incentivar produções culturais nos bairros com IDH-M abaixo de 0,5; Fortalecer a economia das comunidades pesqueiras e marisqueiras tradicionais a partir de modelos gerencias colaborativos e associativistas que tornem a distribuição da renda mais igualitária de modo a produzir emancipação; Criar conexão digital entre os/as diversos/as produtores/as da cidade, permitindo autoorganização e, consequentemente, facilitando a dinâmica dos processos produtivos; Incentivar pequenos/as produtores/as que optem por distribuição horizontalizada dos ganhos; Incentivar a economia solidária; Fortaleza apresenta oportunidades interessantes para a adoção da economia solidária enquanto estratégia de geração de emprego e renda; os pequenos produtores situados na rua José Avelino, por exemplo podem ser acompanhados nesse processo; os camelôs do centro da cidade que sempre foram vistos como estorvos também podem ser induzidos a processos cooperativos, além de Fortalecer experiências exitosas que já vêm atuando na cidade ― como os/as catadores/as e recicladores/as de lixo e os bancos comunitários; Fomentar a distribuição solidária da riqueza produzida; uma verdadeira solidariedade na economia permite melhor distribuição das riquezas entre quem as produz; essa comunhão pode ser a liga que falta aos pequenos produtores e produtoras de nossa cidade, que estão espalhados/as em diversos ramos de atividades que vão desde uma pequena revenda, passando por quitandas até pequenos produtores/as, além dos/as prestadores/as de serviços, sobretudo aqueles/as com foco no gênero feminino como salões de beleza, facções e confecções; fortalecer esses empreendimentos com a ótica da economia solidária significa fortalecer o gênero feminino que se encontra mais vulnerável em períodos de elevada inflação, recessão econômica e precarização do trabalho.
2.7.4 Fortaleza e o Desenvolvimento Humano Municipal O Índice de Desenvolvimento Humano-IDH é mundialmente utilizado para medir a evolução de uma determinada sociedade em três esferas: educação, renda e longevidade. Amartya Sen, um dos seus precursores, admitiu que esses elementos tomados isoladamente não garantem sustentabilidade às pessoas ― e que os governos precisam ir além desses indicadores. Apesar de reconhecer que a vida não pode ser explicada de forma tão simples, o indiano argumenta que o instrumento guarda aspectos importantes capazes de apresentar um conjunto mínimo de dignidade. Com o passar dos anos, os estados e os municípios foram criando metodologias para medir os aspectos levantados pelo IDH. Esses indicadores ficaram conhecidos por IDH-E e IDH-M. A cidade de Fortaleza vem observando avanços significativos no seu IDH-M, saindo em 1991 de 0,546, passando em 2000 por 0,652 e chegando em 2010 a 0,754. 2.7.4.1 Pobreza e Desigualdade A pobreza e a desigualdade são problemas acachapantes para um governo sério. Mas é oportuno diferenciar o que se entende por pobreza e desigualdade. Em geral esses dois indicadores se associam à capacidade de auferir renda, sendo que o que trata da desigualdade calcula também o acesso a outros bens e serviços. Nesse sentido, quando o que é tratando é pobreza, é importante relacionar à renda, enquanto desigualdade relaciona-se a acesso à 82
educação, saúde, moradia etc. Vários autores utilizam-se de jargões para transmitir a importância de cada um desses elementos ― e um muito conhecido entre os economistas é o que diz: “o problema não é ser pobre, mas ser desigual”. Óbvio que essa frase de efeito não tem por pretensão hierarquizar a importância dos elementos estudados, mas tão somente indicar a abrangência de um em relação ao outro. Esses indicadores são importantes, então, para verificar, dentre outras coisas, a evolução da violência, por exemplo. Fortaleza, segundo o IBGE, tem hoje 43,17% de pobres, podendo variar no seu limite inferior 32,62% e no seu limite superior 53,71%. Em outras palavras, a cada 100 moradores de Fortaleza, 43 vivem com menos de U$ 1,00 por dia. Não podemos deixar de denunciar que segundo o Ministério dos Desenvolvimento Social, 5,5% são extremamente pobres, ou seja, vivem com menos de U$ 1,00 por dia. O GINI (que varia de 0 a 1 ― e quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade na renda daquele lugar) é o indicador que calcula a desigualdade na renda. Quando se apresenta o coeficiente de GINI, não se fala de outros aspectos relacionados à desigualdade de acesso, mas da distância entre os/as mais ricos e os/as mais pobres. Em outras palavras, a desigualdade aqui apresentada se refere à renda. Nesse sentido, segundo o IBGE, em 2010 Fortaleza possuía GINI de 0,51 ― ficando atrás somente de Natal, com 0,53, e de Alagoas com 0,52. Em outras palavras, Fortaleza é a terceira capital do Nordeste quando o assunto é diferença de renda entre ricos/as e pobres. Em geral, a saída proposta pelos gestores desconsidera a complexidade do tema. Não falta quem aposte na lógica do crescimento econômico para superar os problemas da pobreza e desigualdade, mas a realidade tem contato outra história. O crescimento econômico é importante, mas ele precisa ser equilibrado (segundo as necessidades de cada realidade), precisa ser distribuído e, sobretudo, deve está submetido aos limites naturais. Caso tais variáveis não sejam consideradas, o crescimento passa a ser oneroso, pois gera mais desequilíbrios e desigualdades ― seja na renda, no acesso ou mesmo no gênero. Para superar essas três características da desigualdade, o PSOL apresenta as seguintes proposições. Nossas propostas Para a desigualdade de renda:
Estimular e fortalecer os Arranjos Produtivos Locais. Incentivar modelos cooperativos de base tecnológica. Contribuir no controle da inflação de serviços. Garantir aumento real dos/as servidores/as municipais. Regulamentar atividades produtivas de baixo impacto ambiental.
Para a desigualdade de acesso: Garantir acesso à educação básica. Garantir acesso à creche em tempo integral. Garantir comunicação e informação via internet banda larga em todas os espaços públicos municipais. Fortalecer os conselhos populares distribuídos pelas Regionais. Garantir acesso à moradia digna. Garantir iluminação pública com qualidade. 83
Garantir preservação das áreas de permanentes interesses ecológicos. Garantir acesso à infraestrutura básica de saneamento. Garantir segurança à mobilidade Humana. Garantir serviço público de transporte gratuito. Garantir apoio às praticas esportivas amadoras e não tradicionais (capoeira, muaythai, esqueite, surf, basquete de rua).
Para a desigualdade de gênero: Criar a Secretaria de Políticas Públicas de Gênero. Garantir paridade de gênero nos conselhos municipais. Incentivar contratação de mães com mais de dois filhos. Incentivar a formação profissional para mães do CadÚnico Criar no orçamento lei especifica para apurar casos de assédio moral, abuso de poder ou machismo no âmbito do serviço público municipal. 2.7.4.2 O programa Bolsa Família em Fortaleza A distribuição de renda no Brasil vem desde a década de 1990, obedecendo à cartilha do Banco Mundial, bem como de outros organismos internacionais. Muito mais próxima de uma política liberal, a proposta brasileira não conseguiu avanços concretos com relação à promoção das liberdades substantivas. Não avançou em emancipações comunitárias, na autogestão, nem mesmo num caminho que apontasse para outras possibilidades econômicas. Nesse sentido, foi cada vez mais se institucionalizando, gerando dependência e distanciandose de uma discussão mais profunda que combatesse a pobreza sob vários aspectos, a ponto desse modo de gestão ser denominado por Boaventura de Souza Santos como o de uma “grande administração da pobreza”. O PSOL, quanto a isso, tem um posicionamento contrário a qualquer metodologia de distribuição de renda que vise garantir mobilidade social via consumo ou que seja incapaz de garantir emancipação social ao conjunto da sociedade. Para uma economia de fato popular, outras vertentes precisam ser observadas ― afinal, problemas complexos precisam ser tratados com instrumentos complexos. Tem ciência também da realidade material e sabe que é de responsabilidade da prefeitura administrar o programa federal a nível municipal. Para isso, é preciso compreender os mecanismos em ação para, em seguida, propor intervenções na medida em que tencione implementar novas possibilidades. A seguir, pois, será apresentado um pequeno relato do programa Bolsa Família no município de Fortaleza. 2.7.4.2.1. Programa Bolsa Família-PBF: números gerais De acordo com os registros de fevereiro de 2016 do Cadastro Único e com a folha de pagamentos de abril de 2016 do Programa Bolsa Família, o município de Fortaleza tem: 346.529 famílias registradas no Cadastro Único e 192.685 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (23,64 % da população do município). De 2011 a 2016 foram contempladas 16.859 novas famílias. Isso representa 108% das famílias previstas, sendo transferidos R$ 27.135.752,00 às famílias beneficiárias do Programa em abril de 2016. 2.7.4.2.2 Condicionalidades do PBF O Programa Bolsa Família apresenta condicionalidades de acompanhamento que são 84
monitoradas pelo Índice de Gestão Descentralizada-IGD. O índice é composto por quatro variáveis: (i) Taxa de cobertura do cadastro, (ii) taxa de atualização, (iii) metas na educação e (iv) metas na saúde. O orçamento para a efetivação da administração do Programa, repassado aos municípios, está condicionado a estas variáveis. A seguir, o último balanço sobre as metas relacionadas à educação e à saúde. 2.7.4.2.2.1 Educação No município de Fortaleza, 79,00 % das crianças e jovens de 6 a 17 anos do Programa Bolsa Família têm acompanhamento de frequência escolar. Porém, a meta nacional é de 86,70 %. Segundo o MDS, o município está abaixo da média, por isso é importante que as secretarias de assistência social e de educação se articulem para melhorar esse percentual, ou seja, para aumentar o número de famílias cujos filhos e filhas têm frequência escolar verificada. 2.4.7.2.2 Saúde O mesmo ocorre relativamente à saúde. Segundo o MDS, na área da saúde o cumprimento das metas de Fortaleza chega apenas a 46,24 % das famílias com perfil, ou seja, aquelas com crianças de até 7 anos e/ou com gestantes. A meta nacional é de 76,81 %. O município está abaixo da média, por isso é importante que as secretarias de assistência social e de saúde se articulem para aumentar o número de famílias com acompanhamento pela rede de saúde. As dificuldades no cumprimento das condicionalidades não é fato novo. Vêm ocorrendo desde a gestão do Partido dos Trabalhadores-PT de 2004-2012. A ausência de gerência no cumprimento das condicionalidade em saúde e educação acarretou perdas de verbas federais em 2011 no montante de R$ 297.059,40. Segundo Silva (2014), para aquele ano, caso houvessem se cumprido as metas das condicionalidades, o município poderia ter recebido até R$ 482.417,50 além do que recebeu. As perdas percentuais representaram 38%. Nossas propostas Para superar a dependência do PBF:
Buscar a Gestão Compartilhada das obrigações e aplicações dos recursos do Programa por meio de conselhos comunitários. Reformular os fatores de produção para os/as beneficiários/as, permitindo incentivo financeiro para aquisição de equipamentos e instrumentos de trabalho. Incentivar o comércio de baixo impacto nos bairro com IDH-M inferior a 0,500. Incentivar a produção de alimentos por pequenas fábricas por meio da aquisição municipal. Incentivar espaços onde pequenos/as produtores/as possam comercializar diretamente com pequenas redes de restaurantes populares estabelecidos em bairros de baixo IDHM. Combater o desperdício de alimentos pela criação de bancos de alimentos que estimulem os/as grandes produtores/as a canalizar alimentos que seriam descartados. Ampliar as refeições nas escolas para incentivar a permanência de estudantes no ambiente escolar. Incentivar programas de redes colaborativas entre beneficiários/as, estimulando parcerias produtivas e associativas. Incentivar, por meio de isenções, pequenos comércios cujo/a proprietário/a figure no 85
CadUnico. Incentivar bancos populares na prestação de serviços a pequenos/as produtores/as ou prestadores/as de serviços que estejam no CadUnico. Estimular formação cidadã a pessoas cadastradas no CadUnico no sentido de ampliar a criticidade, participação e acompanhamento da vida política da sua cidade. (Fonte: http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/grupo). Silva, Rafael dos Santos da- (des)envolvimento e as promoções das liberdades básicas no Ceará - o caso do Programa Bolsa Família. Fortaleza, CE Ateneu, 2014).
2.7.4.3 Empresas Municipais Na contramão do modelo neoliberal que objetiva a mercantilização de tudo e de todos/as, um programa econômico de esquerda, a despeito das limitações já referidas, deve buscar a ampliação da oferta de serviços básicos a toda a população da cidade ― tendo em conta, portanto, que a atividade econômica de uma Prefeitura não deve se limitar aos setores que não proporcionam lucro e que, dessa forma, não são de interesse da inciativa privada. Ao contrário, os processos de privatização que observamos de forma mais acelerada no Brasil, a partir da década de 1990, trouxeram grandes prejuízos à população, com a queda da qualidade dos serviços, a restrição à oferta dos mesmos a determinados territórios e populações mais privilegiadas e o aumento dos preços, dentre outros. Entendemos que o Estado tem um papel fundamental para o envolvimento local e no fornecimento de serviços básicos à população, a exemplo do serviço de transporte, da coleta e reciclagem de lixo, dos serviços de limpeza pública etc. ― tudo com ampla transparência das planilhas de receitas e despesas e com controle social cidadão. 2.7.4.3.1 Ações para fortalecer a economia do município Com tal orientação estratégica, o programa integrado de inserção produtiva que vier a ser elaborado pela PMF deverá proporcionar relativa autonomia econômica aos/às participantes. Para tanto, além da mobilização e organização de grupos produtivos, o programa deverá garantir elevação da escolaridade, qualificação tecnológica, aquisição de equipamentos e canais de comercialização de produtos e serviços, incluindo-se um marco legal adequado que possibilite sua participação no contexto das compras governamentais. Como uma consequência, em virtude da renda gerada para seus membros, os fluxos de gastos daí decorrentes trariam efeitos positivos sobre outras unidades da economia local, nas regiões administrativas de Fortaleza. As cooperativas ou associações de produção e de trabalho (ou serviços), de tamanho e perfil variáveis, podem ser modalidades voltadas para cobrir um amplo leque de atividades ― para famílias, empresas e para o setor público. Basicamente, podem ser organizadas em duas modalidades: 1) Prestação de serviços: construção civil/obras públicas; serviços de eletricidade, bombeiro hidráulico, limpeza de ruas e terrenos; serviços técnicos especializados; 2) Produção e comercialização de bens: confecção, alimentos, artesanato, fabricação de tijolos com resíduos da construção civil, fabricação de mobiliário; agricultura urbana. Dentre as muitas vantagens dessas cooperativas, podemos destacar as seguintes: 86
Aumento do grau de sociabilidade e de participação de parcelas de desempregados/as e subempregados/as; Geração de renda para os/as envolvidos/as direta e indiretamente nas atividades econômicas; Ampliação de receitas tributárias e previdenciárias.
Como fazer? O incentivo à criação de cooperativas ou mesmo associações de trabalhadoras e trabalhadores urbanos pode se dar das seguintes formas:
Programa de incentivos e de acompanhamento a empreendimentos econômicos solidários e autogestionários; Incentivos fiscais e tributários; Criação de um Fundo municipal e crédito para aquisição de tecnologia, formação técnica e política e compra comum de equipamentos; Organização logística de centrais de comercialização da produção de empreendimentos da economia solidária em Fortaleza; Programa de compras governamentais de bens e serviços.
A Prefeitura pode exercer um papel estratégico no processo de identificação de espaços econômicos a serem ocupados pelas associações e cooperativas solidárias e autogestionárias, ou mesmo articulando ativamente a criação destes espaços em conjunto com organizações da sociedade civil. Segmentos da atividade econômica a serem priorizados: 1) Construção Civil - Construção e reformas de pequeno porte, em órgãos da Prefeitura, poderão ser realizadas por cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras da construção civil. Também é o caso de programas de construção de casas populares em regime de mutirão autogestionário. Além das cooperativas de profissionais da construção civil, a Prefeitura estimulará a instalação de fábricas autogestionárias para produzir blocos/tijolos e outros componentes para o setor, com o uso de materiais recicláveis e insumos regionais, empregando diversas pessoas e ampliando as potencialidades de geração de renda com uma cadeia produtiva solidária. 2) Coleta Seletiva - A ampliação da vida útil dos aterros sanitários poderá ser obtida com um arrojado projeto de coleta seletiva domiciliar, comercial e industrial. Além do forte apelo à educação ambiental, a PMF deverá adotar medidas concretas para a criação de mais uma fonte de renda para pessoas que estão fora do mercado formal de trabalho. A Prefeitura tem um papel crucial na promoção de uma campanha educativa permanente de mobilização das famílias, do comércio e da indústria, voltada para a coleta seletiva. No bojo da campanha, o produto da coleta será destinado diretamente à comercialização pelas associações e cooperativas de separadores e separadoras de resíduos sólidos recicláveis. 3) Organização dos/as catadores/as de rua - Para os catadores de rua, a perspectiva é, gradativamente, retirá-los da rua. Durante a transição, a Prefeitura teria um importante papel no sentido de organizar suas atividades, em cada Regional do Município. Para tal, torna-se 87
necessário identificar e estruturar espaços físicos onde funcionarão os “centros de recepção e comercialização” do material reciclável, os quais serão administrados por associações ou cooperativas dos separadores e separadoras, a quem caberia a comercialização. A Prefeitura deve providenciar a logística e a infraestrutura física para a instalação e funcionamento dessas organizações. As entidades dos trabalhadores e trabalhadoras também devem fazer parcerias com os condomínios residenciais existentes em suas respectivas área de atuação para fazer a coleta e transporte do material separado. 4) Tratamento do lixo orgânico - O chamado “lixo úmido” (ou orgânico) será destinado a um tratamento especial do qual resulta um composto orgânico e, eventualmente, gás metano para uso veicular ou mesmo domiciliar. O composto, além de contribuir para reduzir o volume de sólidos para destinação final no aterro sanitário, tem usos em jardins e praças por se constituir num bom retentor de umidade e, por isso, favorecer o surgimento de microclimas, notadamente em terrenos arenosos. Essa atividade, no entanto, deverá merecer um estudo técnico mais detalhado, em termos da escala de operação. A venda poderá ser para a PMF ou para jardins residenciais. 5) Mercados públicos de comercialização dos produtos da agricultura familiar - A Prefeitura de Fortaleza deve criar centros de comercialização dos produtos da agricultura familiar, organizando um sistema que vai do transporte à comercialização desses produtos; assim, a população fortalezense terá acesso a alimentos saudáveis e a preços acessíveis, fortalecendo a agricultura familiar (que exerce menor impacto ambiental que o agronegócio) e a fixação das famílias no campo, reduzindo a migração e até, quiçá, promovendo um movimento inverso de retorno voluntário de famílias que vieram para a capital do estado fugidas da seca. No campo do Arranjo Produtivo Local – APL para TIC 1 - A PMF pode promover, através de compras governamentais, um movimento de aperfeiçoamento e atração de empresas de TI. A utilização preferencial de software livre pode ser um vetor de incentivo da prefeitura na consolidação dessa APL. Um projeto em que se definam condições para o desenvolvimento das soluções de TI buscadas no plano diretivo da PMF, pode atrair empresas para o esforço de produzir a baixo custo e com apropriação de aprendizados tecnológicos que beneficiem a cadeia produtiva de software no município de Fortaleza. 2 - Capacitação para o desenvolvimento de aplicações que se utilizem de dados abertos divulgados nos portais de governo. Dessa forma, o conjunto da sociedade civil teria ferramentas para monitorar ações governamentais ou mesmo contribuir na proposição de ações.
2.8. (Auto) gestão Pública orçamento, transparência, participação e controle social ―O futuro só se torna respirável quando transgredimos alguma ordem.‖ Mário Benedetti
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A cidade de Fortaleza tem sido palco central da impressionante efervescência política atual, de onde emergem movimentos de contestação da ordem política e de suas instituições. Por toda parte se veem expressões de luta e resistência capazes de libertar a imaginação política e de dar novas formas à organização. As ocupações de escolas por estudantes secundaristas, professores/as e trabalhadores/as da educação, a luta por moradia do MTST, MLB, MST, UNIDADE CLASSISTA, MCP, as organizações feministas, os coletivos culturais da periferia, as associações de LGBTs, o movimento contra o racismo, movimentos ambientalistas e as diversas lutas e resistência populares da cidade dão sinais de novos tempos para a luta de classes em nossa cidade. Assim, a plataforma de governo ao buscar conexões com o movimento vivo das ruas deve ter, neste, o objetivo fundamental do processo de elaboração do Programa da candidatura do PSOL\PCB – com João Alfredo e Raquel Lima. Trata-se de uma inversão importante no modo de construir e fazer campanha político-eleitoral, deslocando a centralidade para o campo das lutas dos trabalhadores/as e não para o do conhecimento especializado ― tendo nele a fonte fundamental da batalha das ideias sobre a cidade de Fortaleza, seus desafios e alternativas. Nossa campanha deve, pois, existir no encontro livre com a militância que luta e que resiste! A elaboração de nossa plataforma de governo vem sendo realizada com as novas formas de interação e colaboração com o que é ativo socialmente, com o que ousa inventar enfrentando, com o que é ausente dos espaços institucionais e presentes nos insurrecionais. É tempo de refazer utopia! Mais do que isso, pretendemos fazer das práticas sociais, e não apenas dos discursos políticos, a base da própria dinâmica de invenção e mobilização que o período de disputa eleitoral pode impulsionar. Tais desafios não decorrem simplesmente da nossa vontade, mas do estado de emergência de um tempo presente onde a barbárie se converte em normalidade. A nossa campanha deve, portanto, expressar nossa capacidade de nos conectarmos com as forças reais, as energias utópicas mobilizadas nos muitos enfrentamentos às desigualdades, opressões e explorações que persistem em todos os cantos da cidade. A luta de classe tece laços de solidariedade e afeto. É disso que se faz a Frente Povo Sem Medo, o Movimento Cultural das Periferias, o Movimento dos Conselhos Populares, os espaços de articulação da luta dos/as trabalhadores/as da educação, as greves dos trabalhadores/as, a ocupação do IPHAN ― entre tantos outros espaços de convergência. Uma campanha político-eleitoral, assim, em movimento ― que assume um compromisso nesta perspectiva de combater privilégios para ampliar direitos sociais. Descentralizar “significa aproximar o poder público dos/as trabalhadores/as, no sentido de viabilizar a sua entrada nesse espaço tido, até então, como lugar dos técnicos e políticos profissionais”. Nossa proposta é a de inverter prioridades, criando mecanismos de arrecadação como o IPTU progressivo, além de ampliar a participação popular e controle social por trabalhadores e trabalhadoras. Desse modo, propomos superar uma forma de planejamento que já se mostrou ultrapassada, que privilegia a hierarquização de saberes e conhecimentos, pautada no que historicamente ficou conhecido como a “matriz funcionalista-tecnocrática” que se propõe como meramente “técnica” e “normativa”. Queremos avançar no sentido construir uma forma de governança 89
que venha desde baixo e que valorize o conhecimento popular tanto quanto o conhecimento “técnico”. 2.8.1. Diretriz Histórica ―O caráter popular do governo conferido pela inversão de prioridades, no sentido de atender aos direitos sociais da população trabalhadora, historicamente preterida quando da elaboração e implementação das políticas sociais. Será um governo democrático, enquanto propiciar a efetiva participação popular nas decisões político-administrativas, além de estimular e respeitar a auto-organização autônoma e independente dos trabalhadores (as), na perspectiva de construção do autentico poder popular.‖ (discurso de posse de Luiza Erundina, 01/01/1989 in PATARRA, 1996.).
Nossas propostas Diretrizes Gerais do Planejamento Participativo e Controle Social Realização do Plano Plurianual (PPA) com participação popular. Fortalecimento dos Conselhos Gestores e Conselhos Temáticos existentes através da ampliação da capacidade deliberativa e orçamento. Fortalecimento do Conselho Participativo Municipal através da ampliação da capacidade deliberativa e orçamento. Efetiva descentralização da administração, construindo uma alternativa efetiva de eleições diretas ao cargo de subprefeito sem a preponderância de interesses políticos partidários e de movimentos sociais majoritários ao cargo, bem como a estruturação de atribuições concretas ao poder local da subprefeitura, junto à transferência de recursos financeiros a partir do governo central que possa possibilitar tais ações. Ampliação das Conferências Municipais Temáticas e das Plataformas de Interação virtual junto à população, com foco na capacidade responsiva do governo. Capacitação de servidores/as públicos/as tanto em esfera central quanto local em relação à necessidade de um modelo de gestão participativo. Implementação do Orçamento Participativo na cidade de Fortaleza, através das subprefeituras, com foco na capacidade deliberativa e orçamento destinado. Estruturação de formas de incentivo à ação e participação em âmbito local, com foco na identificação territorial e protagonismo coletivo local, tanto através de plataformas virtuais quanto de forma presencial. Desenvolvimento de plataformas virtuais distritais para discussão e comunicação entre atores locais e órgãos públicos, bem como aferição da opinião pública quanto a temas macro e projetos legislativos. Implantação do Conselho Popular por Obra Pública, formado por trabalhadores (as), membros da sociedade civil local, poder público, com capacidade deliberativa quanto à liberação de recursos e apontamento de falhas e desvios. Prestação de contas em âmbito local através de plataforma específica por subprefeitura e prestação de contas em local público a cada semestre. Implementação de mecanismo de participação popular junto à rede pública municipal de educação. Estruturação da Secretaria de Descentralização, Participação Social e Prestação de Contas com amplo foco na capacidade responsiva do Município e desenvolvimento de plataforma de participação virtual e presencial que estimule a auto-organização dos trabalhadores e trabalhadoras. 90