UMA ENTREVISTA COM A PRIMEIRA DIRETORA DA FACULDADE WALDORF DE PEDAGOGIA MELANIE GUERRA
R E V I S T A
1919 junho 2018 Conheça: Associação Comunitária Monte Azul
RUDOLF STEINER E A PEDAGOGIA WALDORF
IMPULSO ANTROPOSÓFICO NO BRASIL O QUE É A ESCOLA WALDORF MÉTODO COGNITIVO DE GOETHE ARTIGO DE OPINIÃO: JUNG X STEINER VERDADE E CIÊNCIA
03 REPORTAGENS
ESPAÇO DAS ARTES MATÉRIAS
ÍNDICE' Matérias, Reportagens e Espaço das Artes
03 CARTA AO LEITOR REPORTAGEM DE ONG WALDORF 04 ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA MONTE AZUL IMPULSO ANTROPOSÓFICO NO BRASIL 05 06 O QUE É A ESCOLA WALDORF 08 CRÔNICA - CONSTRUINDO POEMA – A DANÇA 09 RESENHA CRITICA - METODO COGNITIVO DE GOETHE 10 15 ARTIGO DE OPINIAO: JUNG X STEINER 19 RESENHA CRITICA – VERDADE E CIÊNCIA ENTREVISTA 1ª. 21 FACULDADE WALDORF NO BRASIL 22 29 30 32
VASSILISSA - UM CONTO RUSSO ARTES MANUAIS - COMO FAZER A BONECA ESTRELA ENCARTE – O BRINCAR CRÔNICA - DEUS
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100 ANOS PEDAGOGIA WALDORF CARTA AO LEITOR Aproximando nos da comemoração de 100 anos da criação da Pedagogia Waldorf no mundo, reverberou na nossa equipe um impulso para ilustrarmos a história, desde sua criação até a atualidade, e alguns de seus desdobramentos. A revista 1919 tem como proposito expor em forma de arte e curiosidades os conceitos e o que move tantos seres humanos, depois 100 anos, a partir desta arte de educar concebida por Rudolf Steiner.
“A suavidade do bater de suas asas não beija a flor mas minha alma” Josielma S. Oliveira Equipe: Everton Oliveira, Josielma S. Oliveira, Gisele Bezian, Marina Bresslau, Leda Ma. C. Meirelles e Karina Romano 3
TRANSFORMAR É POSSÍVEL Associação comunitária Monte Azul
Ute Elsa Ludovike Craemer, nasceu em Weimar, Alemanha. Veio ao Brasil inicialmente como Voluntária da Paz numa favela de Londrina (PR). Foi professora Waldorf nas Escolas de Paris e de São Paulo. Em 1975, começou seu trabalho com crianças da favela, envolvendo alunos da Escola Rudolf Steiner. Levando a constituição da Associação Comunitária Monte Azul, que colabora nas áreas pedagógica, cultural, de saúde, meio ambiente e profissionalização. Membro da Sociedade Antroposófica no Brasil e cofundadora da Escola Oficina-Social, Fórum pela Humanização do Social, Aliança pela Infância no Brasil, Alliance for Childhood no Japão e Nova Zelândia. Conselheira do Comitê Parlamentar pela Cultura de Paz (Conpaz) em São Paulo. Tem trabalhos publicados em português, e outras línguas, incluindo relatos, material didático e ensaios. Em 1987 recebeu a Ordem de Mérito da República Federal da Alemanha.
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A Associação Comunitária Monte Azul e uma organização não governamental, orientada pelo pensamento antroposofico que atua prioritariamente no desenvolvimento integral do Ser Humano. O trabalho baseia-se na pedagogia Waldorf, Medicina e Pedagogia Social ampliadas pela Antroposofia e no caminho de auto-educação. Seus programas agregam aproximadamente 250 colaboradores nos trabalhos desenvolvidos nos núcleos Monte Azul, Peinha e Horizonte Azul além de cerca de 70 voluntários, brasileiros e estrangeiros. Os atendimentos nas áreas de educação, cultura e saúde, voltam-se diretamente para mulheres gestantes e seus bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas com deficiência, uma média de 4.000 beneficiados diretos. Em 2001 nasceu o quarto núcleo, a Estratégia Saúde da Família, com 1.500 colaboradores responsável por 13 Unidades Básicas de Saúde. A Monte Azul é um modelo de atuação multiplicador e disseminador para muito além dessas comunidades. “Acredito que uma organização consegue manter-se sustentável quando caminha no sentido de construir a sustentabilidade do Eu de cada um. É o fortalecimento da consciência individual, nas suas múltiplas instâncias, que provê a força interna do ser humano, capaz de superar as adversidades.” Ute Craemer.
no Brasil Já na época de Steiner alguns imigrantes europeus trouxeram o estudo e cultivo da Antroposofia para o Brasil. Antes da 2a. guerra mundial, a Sra. Lavínia Viotti fez a primeira tradução de um dos livros básicos de Steiner, Como se Adquirem Conhecimentos dos Mundos Superiores. Em 1939 já havia Ramos da Sociedade em São Paulo, no Rio e em Porto Alegre. Todo o trabalho naquela época era feito ainda em alemão. Infelizmente, o grande desenvolvimento deu-se só em S.Paulo, que continua tendo a maioria dos antropósofos e a maioria das iniciativas no Brasil. Em S.Paulo havia grupos de estudo dirigidos por Tatiana Braunwieser e por Max Rüegger. Durante a guerra, com o receio de falar o proibido alemão, os grupos se dividiram em pequenos círculos de estudo. Um desses grupos reunia os casais Rudolf e Mariane Lanz (foto), chegados ambos em 1939, Hans e Johanna Wolff, Hans e Melanie Schmidt (ele veio a fundar a fábrica Giroflex) e R.Nobiling (cuja irmã Elizabeth Nobiling, também antropósofa, notabilizou-se como pintora e foi a autora dos baixo-relevos da a Torre do Relógio da USP, na Cidade Universitária, São Paulo). Ao redor de 1950 houve várias visitas de Otto Julius Hartmann, professor da Universidade de Graz, Áustria, e que havia publicado bons livros de divulgação da Antroposofia. O Dr. Rudolf Lanz (foto) organizou várias palestras públicas do prof. Hartmann, o que trouxe a Antroposofia a público pela primeira vez no Brasil. Em 1954 Hartmann instalou-se com a família no Brasil por alguns anos (seu filho Friedwart foi aluno do autor destas linhas na Escola Politécnica da USP em 1965).Depois da guerra chegaram a S.Paulo os casais de antropósofos Selma e Dirk Berkhout (este tornou-se o cônsul holandês), Ernst Mahle e esposa (pais do compositor Ernst Mahle, de Piracicaba) e ainda o Sr. Paulo Bromberg e sua esposa. A Sra. Melanie Schmidt tinha ligações com o movimento Waldorf na Alemanha, e como tentativas do prof. Hartmann de criar uma iniciativa de Pedagogia Curativa não tinha dado frutos, esse grupo de casais resolveu fundar uma Escola Waldorf. É interessante notar que a doação de trabalho e dinheiro desse grupo foi totalmente altruísta, pois nenhum deles tinha filhos em idade de usufruir a nova escola. O casal Berkhout colocou à disposição uma casa no bairro de Higienópolis, e a escola iniciou o seu funcionamento em 1956, com o nome sugestivo de Escola Higienópolis. A sua orientação pedagógica foi dada pelo casal alemão Karl e Ida Ulrich que vieram especialmente para isso e permaneceram junto à escola até o início da década de 1960. Poucos anos depois de sua fundação a escola mudou-se para o seu local amplo atual, na R. Job Lane 900, em Santo Amaro. No início da década de 1970 foi criado nela o primeiro colegial (ensino médio) Waldorf no Brasil, e em 1976 o então presidente da 5
Mundial Rudolf Grosse batizou-a de Escola Rudolf Steiner de São Paulo, que mudou posteriormente por circunstâncias externas para Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo. Em 1970 Rudolf e Mariane Lanz (ver fotos acima) fundaram nessa escola o Seminário Pedagógico Waldorf, atualmente Centro de Formação de Professores Waldorf, que tem formado professores nessa pedagogia para o Brasil e para a América Latina, e teve seu reconhecimento oficial em 1997. Por meio do movimento pedagógico Waldorf a aplicação da Antroposofia irradiou-se para Bahia, Ceará, Goiás, Brasília, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Um marco importante foi a criação da Editora Antroposófica, em 1981, por Rudolf Lanz e Jacyra Cardoso, dirigida quase desde o início pela segunda, até 2007. Ela apareceu como evolução de um extenso trabalho de traduções do Sr. Lanz, que começaram a ser publicados internamente sob forma de livros em 1976 pela então Escola Rudolf Steiner. Em 1994 a Editora Antroposófica abre sua livraria à R. da Fraternidade, em São Paulo, para onde transfere sua atividade editorial. Graças à editora, estão publicados muitos dos principais livros e ciclos de palestras de Rudolf Steiner (num total de cerca de 25 obras) bem como obras de seus continuadores. A Editora já publicou 150 títulos. Grande parte das traduções deve-se ao imenso trabalho feito pelo Sr. Lanz, que em 1979 também escreveu um best seller, A Pedagogia Waldorf, editado naquela época pela Summus Editorial, agora na sua 6a. edição pela Editora. O impulso da Pedagogia Social foi trazido em 1972 pelo holandês Dr. Lex Bos, inicialmente convidado por Peter Schmidt, e que passou a visitar o país regularmente durante nosso verão, dando inúmeros cursos, principalmente no Centro Paulus. Vários de seus livros estão publicados em nossa língua. Devido a essa iniciativa foram formadas várias instituições que dão consultoria em organização empresarial, como a Adigo Consultores e o Instituto Christophorus de Desenvolvimento Organizacional. Em 1970 Ute Craemer (foto) veio ao Brasil, para ser professora de classe na então Escola Rudolf Steiner, onde permaneceu até 1979. Ela havia trabalhado em 1965-66 no Paraná em um programa de auxílio da Alemanha para desenvolvimento de saneamento básico em favelas. Seu trabalho foi divulgado na Alemanha com a publicação de livros de Ute de enorme sucesso pela editora antroposófica Verlag Freies Geitesleben. Valdemar W. Setzer www.ime.usp.br/~vwsetzer TEXTO EXTRAÍDO DO SITE DA SAB (SOCIEDADE ANTROPOSOFICA BRASILEIRA) (Original: 18/2/1998; versão 3.2: 8/8/10 ; última revisão: 17/4/2001)
A ESCOLA WALDORF A Pedagogia Waldorf foi introduzida por Rudolf Steiner em 1919, em Stuttgart, Alemanha, inicialmente em de uma escola para os filhos dos operários da fábrica de cigarros Waldorf-Astória (daí seu nome), a pedido deles. Distinguindo-se desde o início por ideais e métodos pedagógicos até hoje revolucionários, ela cresceu continuamente, com interrupção durante a 2a. guerra mundial, e proibição no leste europeu até o fim dos regimes comunistas
Hoje conta com mais de 1.000 escolas no mundo inteiro (aí excluídos os jardins de infância Waldorf isolados). Ela é uma pedagogia holística em um dos mais amplos sentidos que se pode dar a essa palavra quando aplicada ao ser humano e à sua educação. De fato, ele é encarado do ponto de vista físico, anímico e espiritual, e o desabrochar progressivo desses três constituintes de sua organização é abordado diretamente na pedagogia. 6
Assim, por exemplo, cultiva-se o querer (agir) através da atividade corpórea dos alunos em praticamente quase todas as aulas; o sentir é incentivado por meio de abordagem artística constante em todas as matérias, além de atividades artísticas e artesanais, específicas para cada idade; o pensar vai sendo cultivado paulatinamente desde a imaginação dos contos, lendas e mitos no início da escolaridade, até o pensar abstrato rigorosamente científico no ensino médio. O fato de não se exigir ou cultivar um pensar abstrato, intelectual, muito cedo é uma das características marcantes da pedagogia Waldorf em relação a outros métodos de ensino. Assim, não é recomendado que as crianças aprendam a ler antes de entrar na 1asérie. [.......] Idealmente durante os 8 anos do ensino fundamental cada classe tem um único professor que dá todas as matérias principais, isto é, fora artes, artesanato, educação física e línguas estrangeiras (em geral duas, nos 12 anos de escolaridade). No ensino médio há um professor que, durante os 4 anos, assume o papel de tutor da classe. No Brasil há 25 escolas Waldorf ou de inspiração Waldorf (sem contar jardins de infância isolados), sendo 4 em S.Paulo (3 com ensino médio). A mais antiga, existente desde 1956, é a Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, que tem cerca de 850 alunos e 75 professores. Agregado a ela há o curso mais antigo de formação de professores Waldorf no Brasil, reconhecido oficialmente. Em 2010, segundo o site da Federação das Escolas Waldorf no Brasil, há um total de 73 escolas Waldorf reconhecidas por ela, com 2050 professores e 2500 alunos de jardim de infância, 4180 alunos no ensino fundamental, 580 no ensino médio. Valdemar W. Setzer www.ime.usp.br/~vwsetzer TEXTO EXTRAIDO DO SITE DA SAB (Original: 18/2/1998; versão 3.2: 8/8/10) Integrada na configuração oficial do ciclo básico da educação em nosso país, uma escola Waldorf encaminha o processo ensino-aprendizagem segundo alguns princípios básicos de inspiração antroposófica, entre os quais:
A liberdade individual é a maior riqueza do homem. A Antroposofia entende que o que distingue o homem dos outros seres da natureza é a sua capacidade de decidir sobre si mesmo e de fazer escolhas conscientes. O propósito de uma Escola Waldorf é, portanto, formar indivíduos em condições de zelar por sua liberdade, prontos a responder por suas decisões, de modo a garantir não apenas o seu bem-estar pessoal, mas sua contribuição ao mundo.
O ensino só pode ser vivo e luminoso se for livre. A aprendizagem que privilegia apenas o intelecto dificilmente atinge o ser humano por inteiro. As emoções e sensações que acompanham a experiência de aprender dão sustentação ao que é captado intelectualmente. Na Escola Waldorf, a expressão artística, presente em todas as áreas do conhecimento, favorece e possibilita essa integração, ao expor livremente os anseios humanos. Quando a informação é elaborada no intelecto (pensar), passa pelos órgãos dos sentidos (sentir) e determina uma vontade (agir), ela se transforma em conhecimento. Pensar, sentir e agir é o caminho da aprendizagem.
O ser humano atual é fruto de acontecimentos que remontam aos primórdios da humanidade. O homem reproduz em seu desenvolvimento a evolução da civilização humana. O currículo de uma Escola Waldorf acompanha e respeita esse tempo de crescer. O conteúdo é transmitido de acordo com a fase de desenvolvimento em que o aluno está, de modo que ele possa reconhecer dentro de si as experiências para as quais está pronto a viver. Ao entrar para a escola, a criança muito pequena é estimulada pela curiosidade, alcançando pouco a pouco o domínio da linguagem, da escrita, dos números e das ciências. Espera-se que, ao terminar o ensino médio, o jovem esteja, por fim, apto a se identificar com o homem contemporâneo. TEXTO EXTRAÍDO DO SITE DA FEWB- FEDERAÇÃO DAS ESCOLAS WALDORF DO BRASIL 7
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CONSTRUINDO POR JOSIELMA SANTOS OLIVEIRA
O sol estava atrasado, e eu também. Arruma crianças, amiga de pé e muita emoção. Poucas pessoas no local me fez sentir dor de barriga, vontade de ir embora é apenas dormir. Mas eu sabia que não seria possível, teria que enfrentar aquele dia. Na mesa um bom café da manhã, que eu não consegui comer... os olhos prontos para mostrar o que deveria comer primeiro, mas a cabeça fazia questão de impedir qualquer vontade de comer. Deixei essa briga do corpo para lá e com sorriso no rosto fui recepcionar mais amigos. Abraços, sorrisos, muita emoção. Uma sacola para doação com muito amor dentro, e frutas para nos fortalecer no dia. Como me encanta ver que todos também se encantam com esse lugar. Esse que chamo de segundo lar. Mas o café já acabou, e hora de trabalhar. Trabalho difícil, lá vamos nós brincar. Bola, corda, boneca, carrinho, balanço, peteca. — Aprendi a andar de perna de pau... Grita alguém, pensei ser criança, bom, não era, mas tudo bem. O sol finalmente acordou para deixar ainda mais brilhante as bolas enormes de sabão. Corre, pula, grita, gargalhadas pelo ar... Hora de comer, e por que não chamar todos ao som de um frevo? Toca músicos! E como encantadores de pessoas nos levaram até a grande mesa para almoçar. De barriga cheia vamos descansar, se conhecer e conversar. A segunda parte do dia vai começar. Os bravos homens já limparam o terreno, deixaram pronto para plantar. As arvores foram plantadas com amor, esperamos ver seus frutos e flor.Do lixo veio os pneus que se tornaram nas mãos de pessoas empenhadas, o parquinho que será a vista da minha janela. Por um minuto parei e observei o que estava acontecendo, e vi adultos esquecendo da vida cheia de responsabilidade, brincar construindo um singelo parque. A emoção tomou canta do meio peito, e se fez presente em forma de lágrima. Percebi como é lindo quando deixamos o coração sorrir. Nos tornamos iguais, sem pressa de ser feliz. Deixa o menino brincar! E como vão brincar.
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DANÇA POR GISELE BEZIAN E LEDA MEIRELLES
Em um semblante de paraíso, ao fundo folhagens, que pintam o cenário em tons de verdes, desde o esmeralda até o musgo, numa brisa suave que soprava aos rostos, sentia-se o frescor ao entardecer pleno de vivacidade e entrega. A doçura com que os braços dela se entregam ao corpo de dele, a sensação de sentir o bater do coração, sangue quente irrigando todo seu corpo. A leveza faz flutuar pela pista como uma borboleta saindo do seu casulo. Tudo se torna uma única imagem, dois corpos em um encontro de almas são conduzidos pela graciosidade em ritmo de paixão. Como não se observar, como não contemplar a dança e este entrelaçamento de almas?
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Método Cognitivo Goethe Esta obra tem enorme importância para a Pedagogia Waldorf, pois, escrita por Rudolf Steiner em 1886, jovem, aos seus 25 anos, é uma manifestação germinal da cosmovisão que, futuramente, Steiner iria trazer ao mundo sob o nome de Antroposofia. É seu grande ponto de partida. Nesta obra Steiner mostra como não existe limite para o conhecimento humano, indo contra diversas linhas de teoria filosóficas a cerca do conhecimento, que segundo o próprio Steiner, onde a cognição estava ameaçada de enclausurar-se na própria natureza do ser humano – como as teorias de Otto Liebmann, Johannes Volkelt e Eduard von Hartmann que iam na linha do pensamento kantiano quase generalizado da época. Steiner desenvolveu sua Gnosiologia na década de 1880, quando foi convidado pelo seu professor e amigo Karl Julius Schroer para escrever as introduções aos escritos científicos de Goethe em todos os campos em que ele atuou – botânica, drama, poema, literatura, e também nas ciências naturais para a National-Literatur von Kürschner (Bibliografia Nacional Alemã). Com base neste trabalho, Steiner inaugura sua nova teoria do conhecimento.
[“NÃO ME FOI FÁCIL ULTRAPASSAR AS LINHAS DE PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS DA ÉPOCA; PORÉM MINHA ESTRELAGUIA SEMPRE FOI O RECONHECIMENTO, TOTALMENTE ESPONTÂNEO, DO FATO DE O HOMEM PODER CONTEMPLAR-SE INTERIORMENTE COMO ESPÍRITO INDEPENDENTEMENTE DO CORPO, SITUADO NUM MUNDO PURAMENTE ESPIRIRTUAL.”]
Dando continuidade ao ponto em que Goethe parara, Steiner demonstra não existir limite para o conhecimento humano, já que a capacidade pensante não ‘produz’ pensamentos, sendo na verdade uma ‘captadora’ dos pensamentos cósmicos existentes no mundo e no Universo. Steiner menciona não ter sido fácil para ele ultrapassar as linhas de pensamento dos filósofos da época, e não o é ainda hoje. A gnosiologia de Steiner mantem-se inovadora ainda hoje, mais de 130 anos depois, apesar de a cada dia encontrar cada vez mais pessoas que compartilham de sua visão. Interessante saber, que mesmo tendo revisado a obra quase 40 anos depois, Steiner manteve-a da mesma forma, a sem alterações, incluindo apenas algumas poucas notas e justifica esta atitude dizendo que sua obra fala da essência cognitiva, que abre o caminho do mundo sensorial para o mundo espiritual, e ela que serviu como o fundamento gnosiológico e a justificação para tudo que ele veio a dizer ou publicar posteriormente.
Como dito pelo próprio Steiner, em termos de conteúdo, a obra não teria nada a ser alterado, somente a forma de dizê-lo, e então, ele optou por mantê-la no original, pois acreditava que tudo o que ele pudesse vir a escrever em 1923 – ocasião da segunda edição – não conteria a maneira germinal que só se possui no início de uma vida cognitiva
“Só se pode escrever dessa maneira germinal no início de uma vida cognitiva.” Apesar de ser sua primeira obra, este livro de Steiner é grande, profundo e complexo. Sua escrita nos leva por um caminho interior de análise de tudo o que é dito no livro. É necessário não somente lê-lo, como procurar a partir de si mesmo compreender a fundo seus dizeres e mais, testá-los, analisa-los e comprová-los em sua própria vida. Convidamos o leitor a percorrer este lindo caminho em duas partes: a primeira na qual fica evidente a ligação entre o trabalho desenvolvido por Goethe e sua importância para a obra de Steiner, a crítica que Steiner faz ao caminho pelo qual a ciência moderna tomou a partir da visão Kantiana e o pensar enquanto experiência. Na próxima edição da revista 1919, o leitor poderá verificar como Steiner em sua obra desenvolve ainda mais o papel do processo cognitivo e a ciência, aborda a cognição da natureza, distinguindo-a em orgânica e inorgânica e adentra o mundo das Ciências Humanas
A TEORIA DO CONHECIMENTO SE TORNA UMA PARTE DA VIDA “Sua visão genial (de Goethe) teria conseguido pressentir leis naturais que, independentemente disso, foram redescobertas pela ciência rigorosa.” Steiner empreende em sua obra apoiando-se na cosmovisão goethe-schilleriana, e sua pesquisa admite o sentido científico validado por Goethe, sua maneira de contemplar o mundo, uma cosmovisão com princípios consistentes e capaz de fundamentar em si mesma. Schiller encontrou nos trabalhos de Goethe – e no próprio Goethe - a vivência do homem integral. O olhar de Goethe se dirige à natureza e à vida e o seu modo de observação será tema (conteúdo) do trabalho de Steiner, mas não só dele, nosso, eu e você, leitor, pois Steiner pressupõe um trabalho conjunto, onde o pensamento é ao mesmo tempo exposto e construído, simultaneamente sendo criado pelo leitor. Em sua obra Steiner não menciona este fato, mas opta por usar “nosso caminho” e o plural durante todo o livro, apesar de ter sido o único autor da obra. Acredito que Steiner fazia o convite ao leitor para ser co-autor deste caminho.
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Apesar do prestígio de Goethe e Schiller na cultura alemã da época, considerado pensadores clássicos e base da cultura alemã, o seu reconhecimento em um ramo específico da vida cultural alemã, se dissocia das cosmovisões por eles compartilhada: a ciência – esta, isola-se e desconsidera toda a parte espiritual da vida. Diante disto, a contemplação pensante do mundo é apenas um lado. A obra de Steiner busca recuperar isto. Pensando em o que é a cognição, para Steiner uma vida anímica sem conhecimento equivaleria a um organismo humano sem cabeça. Na vida interior da alma surge um conteúdo que anseia por percepção vinda de fora, tal qual o organismo faminto anseia pelo alimento; e no mundo exterior está o conteúdo perceptivo, que não contém em si sua essência, mas apenas a mostra quando o conteúdo da percepção se une ao da alma pelo processo cognitivo. Assim, o processo cognitivo se torna um elo na produção da realidade do mundo. Enquanto conhece, o homem participa da criação dessa realidade do mundo. E se uma raiz vegetal não pode ser pensada sem sua complementação no fruto, não só o homem, mas também o mundo deixará de ser concluído se não for conhecido. Na cognição o homem não cria algo só para si, mas colabora com o mundo na revelação do ir real. O que está no homem é aparência ideal; o que está no mundo perceptível é a aparência sensorial; só a integração cognitiva de ambos começa a ser realidade. Steiner lembra que os cientistas não se envolvem com questões filosóficas, estas são tratadas apenas e somente pelos filósofos, e que estes tratam de coisas que já não são mais demandas pelas pessoas pelo nível cultural da época em que a sociedade se encontrava, e conclui: Assim sendo, temos uma ciência que ninguém procura e uma necessidade científica que ninguém satisfaz. Para Steiner a tarefa da ciência não é lançar questões, mas observá-las cuidadosamente, caso sejam formuladas pela natureza humana e pelo respectivo nível cultural, e responder a elas. Para ele todo erro surge por se declarar um modo de pensar, que pode ser correto para uma determinada espécie de objetos, como sendo o modo universal. A cosmovisão de Goethe encerra várias direções de pensamento, não podendo ter uma concepção unilateral. Goethe empresta do mundo exterior o modo de observação, e não o impõe, como hoje a ciência o faz. Para Goethe é o objeto observado que determina o modo de observação – por isso, sua cosmovisão é a mais multifacetada que se possa imaginar.
Método Cognitivo de Goethe 1.Toma os objetos como ele são; 2.Tenta penetrar sua natureza, abstendo-se de qualquer opinião subjetiva; 3.Estabelece as condições sob as quais os objetos possam se relacionar; 4.Espera o que daí resulta. O autor propõe ao leitor um caminho de uma ciência que esclareça as relações mútuas entre o mundo ideal e o real – a oposição entre ideia e realidade. De um lado, o nosso pesar, e de outro os objetos com os quais o nosso pensar se ocupa, ou seja, o conteúdo da experiência. Nós estamos no mundo e há um mundo ao nosso redor. A experiência pura consiste neste brevíssimo momento em que há a concepção sensorial da realidade, ou, manifestação aos sentidos, como Steiner prefere dizer: a realidade lá está e se apresenta à nós para que a percebamos. E aí nós colocamos-nos em ação, quase que imediatamente, pois sentimos a necessidade de impregnar com o intelecto ordenador a infinita variedade de formas, forças, cores, sons, etc. que surge à nossa frente. Começamos, internamente, a fazer relações e perguntas, e já não mais podemos chamar de experiência pura, pois o pensar é ativado. Temos experiência e pensar. Portanto, podemos denominar experiência pura somente quando nos defrontamos com ela com completa renúncia a nós mesmos. Diante de objetos dos sentidos exteriores não é difícil imaginar esta relação existindo, porém já com a nossa vida interior as coisas não são tão claras assim, porém, é necessário reconhecer que nossos estados interiores penetram o horizonte da nossa consciência da mesma forma como as coisas e fatos do mundo exterior, e que, o nosso próprio pensar também pode surgir como objeto da experiência, e ao mesmo tempo, o pensamento e a percepção sensorial são uma experiência só. Também devemos perceber que a experiência pura é um aglomerado de imagens desconexas que coexistem no espaço e em uma sucessão no tempo e que chegam a nós; e que é, somente através da atividade pensante, que a conexão entre elas se estabelece. Após a atividade do pensar, cada detalhe aparece, nessa imagem global, não da forma como é transmitido pelos meros sentidos, mas já com o significado que tem para o todo da realidade.
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Porém, nós, como seres humanos, podemos ir além. Devemos ir além. O texto sugere que deveríamos superar a manifestação dos sentidos para desenvolver, a partir daí, uma forma superior de manifestação e traz o pensar como experiência superior na experiência. O pensar pode sem problemas ser objeto do meu estudo. Pode ser o fenômeno a ser observado, ele, porém, se distingue de um fenômeno externo da realidade sensorial e assume uma situação de exceção, pois surge como fato da experiência dentro da experiência, mas não o invalida – pode ser estudado e analisado. As forças impulsoras externas, que supomos existir no caso de um objeto dos sentidos, não existem no caso do pensamento. Ao apreendermos qualquer pensamento, apenas no primeiro momento este nos parece igual às demais experiências, pois sabemos que no ato de pensar estamos intimamente ligados ao seu modo de nascer. O nascimento do pensamento encontra-se em nós mesmos.
Esta distinção tem grande relevância, pois: Pelo fato de estarmos dentro do conteúdo do pensamento, e de o permearmos em todas as suas partes, somos capazes de conhecer realmente sua natureza mais própria. A maneira como ele nos aborda é uma garantia de que realmente lhe competem as propriedades que previamente lhe atribuímos. Portanto, ele certamente pode servir de ponto de partida para toda maneira ulterior de observação do mundo. Podemos extrair dele mesmo seu caráter essencial; se quisermos adquirir esse caráter das coisas restantes, deveremos iniciar nossas pesquisas com base nele. Expressemo-nos logo mais claramente: já que só no pensar experimentamos uma verdadeira regularidade, uma determinação ideativa, a regularidade do resto do mundo, que não experimentamos nele próprio, também já deve estar encerrada no pensar. Em outras palavras: a manifestação aos sentidos e o pensar se defrontam na experiência. Aquela não nos fornece esclarecimento algum sobre sua própria essência; este nos esclarece simultaneamente sobre si mesmo e sobre a essência daquela manifestação aos sentidos. Muitos dirão que neste momento introduzimos o elemento de subjetividade ao considerar o fenômeno do pensar como experiência. E isto ocorre, pois existe uma confusão entre o palco dos nossos pensamentos (ele ocorrem em nós, sujeitos, subjetivos) e aquele elemento do qual eles recebem suas determinações de conteúdo, sua regularidade interior. Nós produzimos o pensamento, o conteúdo, porém não produzimos quais conexões nossos pensamentos devem estabelecer. Nós, assim como um mecânico, que provoca uma interação entre as forças da natureza, e com isso promove uma atividade e um processo dinâmico dirigidos a um fim, nós apenas fornecemos a causa oportuna para que o conteúdo do pensamento possa desenvolver-se de acordo com sua própria natureza. Concebemos o pensamento a e o pensamento b e, levando-os a uma interação, damo-lhes o ensejo de entrar numa relação baseada em certas leis. Não é nossa organização subjetiva que determina essa conexão entre a e b de maneira definida; o próprio conteúdo de a e b é o único fator determinante. Não exerceremos a mínima influência sobre o fato de a e b se relacionarem justamente de determinada maneira e não de outra. Nosso espírito efetua a combinação dos blocos de pensamento apenas em conformidade com o conteúdo deles.
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[FIGURAS DE BRINQUEDOS DE ENCAIXE – CAIXA, QUADRADO E FAMÍLIA DE ELEFANTES] “O mundo dos pensamentos é uma entidade totalmente fundada em si mesma, uma totalidade coesa, em si perfeita e completa” – diz Steiner, e completa: “Vemos aqui qual dos dois lados do mundo dos pensamentos é essencial: o lado objetivo do seu conteúdo, e não o lado subjetivo de sua manifestação.” O lado subjetivo do campo do pensamento nos é mais fácil de ser visto, por isso a confusão, do que o lado objetivo. “O campo do pensamento é unicamente a consciência humana” – diz Steiner, e por isso mesmo, não perde em objetividade, o pensamento é algo puramente ideal e não factual, como foi tratado por Hegel - filósofo e autor da obra “Fenomenologia do Espírito”, apensar da sua confiança absoluta no pensar, o que acabou por causar grande confusão no modo como compreendemos o pensar hoje. Estamos tão acostumados a nos relacionarmos a um fenômeno de forma passiva, como meramente observadores, que imaginar que por meio da nossa própria atividade levamos o mundo das ideias a manifestar-se, e, simultaneamente, que o que ativamente fazemos existir obedece não às nossas (subjetivas), mas às suas próprias leis, nos é estranho. Para chegarmos a isto basta abandonarmos a opinião habitual de que existem tantos mundos pensamentais quanto indivíduos no mundo. Por sermos seres conscientes e sermos nós mesmos que acompanhamos, com nosso espírito, cada processo dentro do mundo dos pensamentos, temos perante nós a essência da coisa. Ao olharmos para as experiências do mundo sensorial e para a experiência do pensar, percebemos que o pensar desempenha um papel central em relação ao restante do mundo da experiência. Ao nos abstrairmos e focarmos na natureza interna do pensar, limitando-nos a ela, e então, vemos como um pensamento depende do outro e que os pensamentos interrelacionam-se. • • •
O que é, afinal, conhecer? O que significa elaborar pensamentos sobre a realidade? O que significa querer discutir com o mundo utilizando-se do pensar?
Com estes três exemplos de pergunta sobre a mesma questão, Steiner introduz o capítulo sobre a natureza íntima do pensar, e alerta: “Precisamos manter-nos livres de toda opinião preconcebida.” e ressalta que uma delas seria a de querermos pressupor o conceito (pensamento) como se fosse uma imagem, dentro de nossa consciência, pela qual obteríamos explicação sobre um objeto situado fora desta. Esta relação entre conceito, como uma contraimagem espiritual de um objeto situado fora do espírito é muito comum, mas Steiner nos convida a deixar todos os nossos pressupostos de lado e querer justamente examinar se os pensamentos tal qual os encontramos previamente, possuem uma relação entre si e qual seria. Queremos aqui examinar esse reino como se nada mais existisse além de seus limites, como se o pensar fosse toda a realidade. Por algum tempo abstrairemos do resto do mundo. 13 13
Para Steiner, por não ter deixado isto de lado e a humanidade ter se apoiado nos raciocínios gnosiológicos de Kant, é o que fez com que a ciência se tornasse um caos: seguindo a ciência em uma direção que é completamente oposta e incapaz de compreender Goethe. Enquanto para Goethe, a afirmação está ela própria inserida no que é observado, a ciência tomou uma direção na qual parte de uma afirmação que não se encontra previamente na observação, mas sim, como um pressuposto do sujeito observador. Nós atuamos no sentido de Goethe quando nos aprofundamos na própria natureza do pensar, para depois ver qual relação resulta quando esse pensar, conhecido segundo sua natureza, é colocado em relação coma experiência. Infelizmente, é o que acontece quando a ciência coloca como seu ápice a ideia de que os conceitos retratam as coisas, transmitindo-nos uma fotografia fiel das coisas, e coloca a existência desta relação entre o pensar e o a realidade, entre a ideia e o mundo. Goethe sempre trilha o caminho da experiência no mais rigoroso sentido. Primeiro toma os objetos como eles são e tenta penetrar sua natureza abstendo-se de qualquer opinião subjetiva; depois estabelece as condições sob as quais os objetos possam relacionar-se, e espera o que daí resulta. Goethe procura dar à natureza ensejo de fazer valer sua regularidade em circunstâncias particularmente características produzidas por ele, ou seja, de expressar ela mesma suas leis. Ao falar da natureza íntima do pensar, Steiner argumenta contra aqueles, que acreditam que os conceitos existem apenas em função do mundo externo, apenas reproduzindo internamente uma contra-imagem de seu conteúdo. Ao pensarmos o pensar considerando-o por si, como ele nos parece? Steiner nos mostra que ele é uma variedade de pensamentos entretecidos e interligados organicamente das mais diversas maneiras, e ao, penetramos esta variedade por todos os lados ela forma novamente uma unidade, uma harmonia. Todos os componentes se inter-relacionam, existem uns para os outros; um modifica o outro, restringe-o, e assim por diante. Por toda parte ele encontra pertinências em seu campo pensamental; este conceito se conecta àquele, um terceiro explica ou apoia um quarto, e assim por diante. Assim, por exemplo, encontramos em nossa consciência o conteúdo pensamental ‘organismo’; examinando nosso mundo das representações mentais, deparmo-nos com um segundo: ‘desenvolvimento regular, crescimento’. Imediatamente fica claro que esses dois conteúdos pensamentais são co-pertinentes, simplesmente representando dois lados de uma e mesma coisa. Assim ocorre com todo o nosso sistema de pensamentos.
A NATUREZA ÍNTIMA DO PENSAR
“Todos os pensamentos isolados são parte de uma grande totalidade que denominamos nosso mundo conceitual. Se algum pensamento isolado surge na consciência, eu não descanso até que ele entre em sintonia com meu pensar restante. ... Estou justamente cônscio de que uma harmonia interiormente fundamentada existe em todos os pensamentos, e de que o mundo dos pensamentos é unitário. Por isso, cada separação desses é uma inaturalidade, uma inverdade. Ao termos conseguido que todo o nosso mundo dos O MÉTODO COGNITIVO DE GOETHE Linhas básicas para uma gnosiologia da cosmovisão goethiana Rudolf Steiner 2ª. Edição – capítulos 1 a 10 Retraduzida e atualizada Tradução: Bruno Callegaro e Jaciara Cardoso 14 14
JUNG X STEINER PSICOLOGIA ANALÍTICA X ANTROPOSOFIA
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sse artigo tem por finalidade fazer uma análise e pontuar algumas semelhanças entre a Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung e a Antroposofia de Rudolf Steiner. Lembro aos leitores que este tema é muito abrangente e engloba muitos aspectos, mas vou pontuar abaixo, somente as principais. É amplamente conhecido que a teoria de Jung aborda o funcionamento psíquico adulto e questões relativas à individuação, porém, ele construiu muito mais que isto. Propôs fundamentos teóricos que contribuem com outras áreas do conhecimento, por exemplo, teceu considerações sobre a importância da psicologia para a educação. Sua teoria oferece recursos para a compreensão dos dinamismos presentes nas situações de ensino. Jung propõe-se a transmitir uma compreensão das leis gerais que orientam o desenvolvimento psíquico da criança, por acreditar que as crianças precisam de uma realidade particular e propícia para o seu desenvolvimento. Ele concebe a educação como auxiliar no processo de desenvolvimento da consciência. Sendo o primeiro ambiente que a criança costuma encontrar fora da família, a escola desempenha um papel importante na estruturação interna da criança em relação ao inconsciente dos pais. A criança passa a conhecer a si mesma cada vez mais e ter em si a referência. Logicamente, este é um objetivo bastante ambicioso para uma criança, mas indica tendência crescente de independência desta em relação à família. Neste sentido, é muito importante que o professor esteja consciente do seu papel. Esta atuação sobre a personalidade é, no mínimo, tão importante quanto as informações transmitidas, se não até mais, pelo menos em certos casos. Daí a relevância da educação psíquica que, segundo Jung, só pode ser transmitida pela personalidade do professor. Em função do fato de que a educação ocorre ao longo de toda a vida e que é o adulto que tem a consciência mais desenvolvida, este deve ser educado para prover bons modelos às crianças. Com a afirmação da importância do inconsciente para a educação, Jung discrimina três espécies de educação: 1) A educação pelo exemplo: Esta forma de educação é espontânea e inconsciente e mais antiga. É provavelmente a forma mais eficaz de qualquer educação. 2) A educação coletiva consciente: Esta forma de educação se dá por métodos, princípios e regras. Estes são pontos de natureza coletiva, isto é, que são aplicáveis a certo número de indivíduos. A educação coletiva não pode ser substituída por nenhuma outra. É útil e, para alguns indivíduos, é o que basta. 3) A educação individual pretende desenvolver a índole específica do indivíduo. Nela, passam para segundo plano as regras, princípios e métodos coletivos. Segundo Jung, “todas as crianças ou educandos que apresentam resistência invencível à educação coletiva precisam ser tratadas de modo individual”. O conhecimento destes processos podem ser úteis ao educador. A colaboração de um profissional experimentado em psicologia no contexto escolar seria, com esta
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finalidade, necessária. Jung enfatiza a importância da educação para a personalidade. Seria indicado o adulto explorar sua criança interior, antes de tudo. Deve-se esperar do adulto, antes de qualquer coisa, aquilo que se espera da criança. Este é o objetivo da educação para a personalidade: “Personalidade é a obra a que se chega pela máxima coragem de viver, pela afirmação absoluta do ser individual, e pela adaptação, a mais perfeita possível, a tudo o que existe de universal, e tudo isto aliado à máxima liberdade de decisão própria”. O desenvolvimento da personalidade, segundo Jung, vem tanto da necessidade, como da decisão consciente e moral. Desta maneira, nem os acontecimentos da vida, somente, levam ao crescimento, nem a decisão do indivíduo. É a união destes fatores, necessidade, decisão consciente e moral, que conduz à eleição do caminho considerado melhor, pelo indivíduo. Diante disto, ficam claras duas grandes linhas de reflexão. A primeira indica a responsabilidade do adulto educador, de rever sua relação com sua criança interna para se relacionar melhor com a externa. A segunda aponta como a trajetória do desenvolvimento para a personalidade gera peculiaridades, dificuldades e escolhas, e cabe a cada indivíduo posicionar-se diante delas, arcando com as consequências de suas decisões. A Antroposofia, do grego “conhecimento do ser humano”, foi trazida por Rudolf Steiner, no início do século XX. É a ciência que amplia nosso olhar acerca do desenvolvimento do ser humano obtido pelo método científico convencional. Tem como objetivo principal agir diretamente na vida. É um movimento dedicado à solução de problemas da vida prática. Steiner defendia duas ideias: “Eu tenho que ser a transformação que eu quero ver no mundo” e “Educar seres humanos para que sejam livres.” No que se refere à educação, a Antroposofia trouxe, como uma de suas grandes contribuições, a Pedagogia Waldorf, com uma proposta inovadora, tanto no aspecto pedagógico, como social. Umas das propostas das escolas Waldorf é o trabalho em conjunto entre os pais e professores, e os pais são também co-responsáveis pela educação das crianças da seguinte maneira: o mesmo professor acompanha o aluno por vários anos, tendo a oportunidade de conhecer cada criança e suas famílias mais intimamente e assim estabelecer com ambas uma relação mais profunda de confiança, respeito e compreensão. Os pais, por sua vez, comprometem-se mais ainda com a educação de seus filhos, uma vez que ajudam a construir a escola, ao invés de simplesmente deixarem seus filhos no portão. As crianças, assim, serão mais seguras e autoconfiantes, pois se sentem envolvidas e conduzidas amorosamente por seus pais e professores. A pedagogia Waldorf divide o desenvolvimento infantil em setênios e respeita cada uma dessas fases de desenvolvimento. No primeiro setênio, que acontece do nascimento até os 7 anos (ou a troca dos dentes), a criança desenvolve, principalmente, a parte motora. No segundo setênio, que vai dos 7 aos 14 anos (início da puberdade), a criança desenvolve com mais força suas qualidades rítmica e respiratória, seu aspecto emocional, suas relações consigo e com o outro. No terceiro setênio, que vai dos 14 aos 21 anos (até a maioridade), ela aprimora o seu pensar, seus conceitos, sua visão crítica. Na pedagogia desenvolvida por Steiner, a alfabetização só pode ser iniciada após os sete anos e a função principal da escola nesse período inicial é estimular o pensar criativo e artístico. A criança aprende pelo do brincar, que é uma ação criativa. O tempo da criança é o da fantasia. Ela brinca o tempo todo e com suas brincadeiras, desenvolve sua motricidade, seus sentidos, sua relação com o mundo. Desde o 1° ano,
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há matérias complementares, como: música, canto, trabalhos manuais, pintura, desenho, euritmia, educação física, teatro, que acompanham o conteúdo curricular e são desenvolvidos de acordo com a maturidade. As matérias representam não só um complemento curricular, mas fazem parte de um todo que irá propiciar à criança um desenvolvimento saudável. Na pedagogia Waldorf, os professores são verdadeiros educadores, principalmente nos primeiros oito anos de escola, durante os quais permanecem responsáveis pela mesma classe. Vimos que Jung e Steiner são muito importantes para a educação e formação do ser humano. Eles acreditam que a consciência não é apenas um processo de racionalização e sim a necessidade de um trabalho permanente para o aumento da consciência de si, para encontrar o seu significado e a realização de seus valores mais altos. Se o objetivo de Jung com a Psicologia Analítica era a busca de individualização, para Steiner era a iniciação. Ambos seguem os mesmos passos em seu processo. Para Steiner, o caminho da iniciação é um defrontar-se consigo mesmo rumo ao homem superior e esse processo é bem semelhante ao encontro da sombra no processo de individualização. Existem muitas outras semelhanças entre eles, como a relação ao inconsciente e ao inconsciente coletivo, a noção de polaridade, a anima e o animus, a importância dos contos de fadas e as histórias das civilizações no processo de desenvolvimento do homem. Também acreditam que o desenvolvimento da criança e sua educação sofrem influência da postura interna dos pais, do seu inconsciente, mais até que de suas atitudes externas.
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TEORIA DO CONHECIMENTO - VERDADE E CIENCIA O filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) nunca foi reconhecido no meio acadêmico hegemônico, sua reputação está muito mais associada às atividades que se basearam sobre suas ideias, como a Pedagogia Waldorf, a agricultura biodinâmica, a medicina antroposófica e outros. A sua primeira obra, excluso as obras relacionadas a Goethe, foi o preludio da Filosofia da Liberdade, Verdade e Ciência, escrita no final do Século XIX. Nesta obra Steiner salienta que suas ideias são independentes de Goethe, que são pensamentos de autoria própria. Para tanto, partiu de uma análise dos pensamentos de Immanuel Kant. Este foi adepto da linha filosófica do empirismo, ou seja, tudo que o homem pode pensar será a partir das suas vivências com o objeto de conhecimento, inclusive o próprio conhecimento só poderia ser estudado sob a ótica cognitiva e portanto não era possível conhecer a coisa em si, o conhecimento puro. A teoria do conhecimento kantiana nos demonstra que não é possível determinar origem e funcionamento do conhecimento, pois todo fruto de uma reflexão já é a partir de um aprendizado externo. Nesta obra Steiner trava um diálogo com as ideias de Kant e explana o momento da humanidade, numa época de efervescência do racionalismo e do materialismo, crise do pensamento contemporâneo e a crença cega na filosofia kantiana, a qual Steiner irá discorrer argumentos e contestações contrárias a este pensamento gnosiológico. A fundamentação sobre a teoria do conhecimento para Rudolf Steiner deve ser na investigação da própria natureza da cognição, expondo o que esta é habilitada a fazer. Segundo ele, a verdade é acessada pelo espirito humano, quando reconhecida e expressa pelo homem, se torna real. A tarefa da cognição é a organização e ordenação do objeto dado, vivenciado no mundo e processado pelo sensorial. O homem não é um espectador ocioso dos fatos do mundo, é um cocriador ativo no processo cósmico, a partir de si a realidade passa a existir. “Os nossos ideais morais são livremente produzidos por nós próprios” (STEINER, 1985, p.3). Steiner parte da análise do ato cognitivo retroativo com base nos elementos primordiais e nos indica um caminho para a solução do problema do conhecimento. Ele faz a citação de Hegel que vislumbrou uma ligação dialética objetiva e universal do processo cognitivo do sujeito, apesar dos métodos serem diferentes do que ele adota nesta obra e de não levar em consideração os elementos básicos da cognição. O verdadeiro valor da ciência é o resultado produzido pelo livre espirito humano. Sob a ótica da ciência, o autor inicia suas argumentações e o estudo sobre o próprio conhecer, ele denomina esta como ciência filosófica fundamental, base de todas as demais ciências. Sendo assim, o próprio conhecer deve estar totalmente livre de pressuposições, sem premissas. “A pergunta fundamental de Kant é a seguinte: Como são possíveis julgamentos a priori?” (STEINER, 1985, p.6) A resposta dada a esta pergunta por Kant, segundo Steiner, traz premissas que no momento que são feitas deixam de ser um conhecimento a priori, pois dependem de bases para existir. O homem deve inserir os predicados para que eles possam existir e deve justifica-los, mas a priori não poderiam ser adquiridos sem a experiência com o objeto, para serem classificados a priori deveriam ser independentes às experiências o que não nos é possível. Todo e qualquer conhecimento se dá como vivência imediata e individual do sujeito com o objeto. Quando entramos no campo das exatas, validamos as sentenças como verdadeira após o resultado obtido da experiência, da mesma forma como o faz um acontecimento exterior 18
.Pelo pensar do sujeito, a verdade é acessada sob a ótica da filosofia de Platão, em contato com a verdade a lembramos, e a partir daí os outros podem reconhecer esta verdade, com os sistemas elaborados pela cognição. No campo das ciências as observações, através das vivências dos sujeitos, obtidas no mundo exterior que através da cognição são processadas individualmente no pensar resulta em uma lei, que não é aplicada de forma generalizada e rígida, mas apenas hipotética e comparativa (por meio da indução). Não há a ciência pura, ela sempre será o resultado da interpretação do sujeito, que é estruturada em sistemas através das formas que se encontram no corpo do pensar. Poderíamos pressupor a hipótese de possuirmos realmente conhecimentos independentes de toda experiência e assim só resultaria discernimentos com base em uma generalização comparativa, sobre estas experiências deveria preceder análises sobre a essência da experiência e sobre a natureza da nossa capacidade de conhecer. Para se demonstrar a Teoria do Conhecimento, conforme estabeleceu Steiner, devemos partir de bases isentas de premissas, a partir da cognição somente nas proposições óbvias e analíticas, sem qualquer afirmação e ter a clareza de que a essência do próprio conhecer está fora da cognição e não ocorre a partir dela. Por exemplo, um sujeito que tem uma sensação acústica, o seu físico não traduz o fenômeno externo de forma pura, ou seja, vibrações longitudinais dos corpos e do ar. O que é percebido pelo sujeito é o som ou tom, uma reação subjetiva do seu organismo e da mesma forma ocorre com todas as percepções sensoriais que o homem tem em contato com o mundo externo e não são a experiência pura e sim reações individuais delas que através do processamento mecânico se torna consciência da nossa sensação, não resta nenhum vestígio do mundo externo somente nossas representações. Podemos exemplificar através de uma metáfora, se observarmos a digestão é nítido que não vestígios dos alimentos ingeridos, não resquícios do alface no sangue após suas digestão. Steiner nos coloca a suposição de que a imagem do mundo exterior que possuímos, não é dada e nem pura, mas sim vivenciada e aprendida pela nossa organização em um mundo de representações mentais, que está ressonância com linha Piagetiana. A imagem do mundo que temos seria composta pela alma com base no material sensório. “De acordo com essa opinião, toda a nossa imagem do mundo se constitui de um conteúdo subjetivo de sensações, ordenado pela atividade anímica do próprio indivíduo.” (STEINER, 1985, p.11) Tendo como princípio tudo que foi explanado até agora a Teoria do Conhecimento pautada nas representações mentais, se torna algo ingênuo, ingênuo no sentido de não haver reflexões e críticas sobre o que foi organizado internamente. Contudo, não podemos explorar o campo do conhecer a partir da cognição, ou seja, a coisa em si situa-se fora da cognição e as representações não podem constituir o próprio conhecimento. O conhecimento se situa na “imagem do mundo imediatamente dada”, sem qualquer sistematização do processo cognitivo, Piaget nos coloca este estado como assimilação e acomodação que ocorre de 0 a 4 meses, quando o bebê não tem percepção do eu e do não eu. Entretanto, esta fase humana não pode ser estudada a não ser por suposições e reflexões a partir de um conhecimento adquirido, então o limite entre o que é dado e o que é conhecido nunca coincidirá com qualquer instante do desenvolvimento humano. O que se situa antes do ato de cognição deve ser suposto, não há outra maneira de explica-lo. O autor nomeia o “imediatamente dado” tudo que possa surgir das nossas vivências: sensações, percepções, sentimentos, atos de vontade, visões de sonhos e fantasias, representações, conceitos e ideias. Steiner quer definir a consciência e a relação entre subjetividade e objetividade a partir da cognição. Somente ideias e conceitos não nos são dados e ao contrario eles só podem ser vivenciados depois de produzidos pelo eu. O autor nos direciona para faculdade do pensar do ser humano, ponto que não foi considerado por Kant e filósofos da época, pois eles não consideravam a sua existência já que tudo era dado. 19
Steiner nos traz a ideia de que o ato cognitivo é composto do que é dado através das nossas vivências e daquilo que para ser dado tem que ter sido produzido por ele, o que ele denominou na “contemplação pensante do mundo”. A ciência é o resultado da relação, criada pelo pensar, sobre as partes do que é dado e que sua regularidade se torne visível. O que é observado pertence essencialmente das partes e não é algo acrescentado pelo pensar, a relação estabelecida entre as partes que é fruto do pensar. Pode se dizer que a relação estabelecida se reproduz sempre e da mesma forma se o pensar compreendeu as leis da natureza em sua essência. A observação é a percepção impregnada pelo pensar com conceitos e ideias, segundo Rudolf Steiner. O ato cognitivo é o que organiza o que nos é dado pelas vivências no mundo externo, o elo entre o conhecimento e o elemento dado. Steiner define o centro da consciência como eu, não de forma teórica, mas como abreviação para denominar a fisionomia global da consciência. “O eu sente o impulso de encontrar no mundo algo além do que é imediatamente dado” (STEINER, 1985, p. 19). Fitche defendeu a teoria do conhecimento a partir da existência do eu e relacionou este eu a atividade do pôr, contudo se algo existe por si não poderia estar condicionado a uma única atividade ou estar vinculado à alguma coisa e nesta linha o autor contrapõe a existência do eu vinculado em uma direção. Para ele o eu está em todas as direções, procurando por meio do pensar o conteúdo do Universo imediatamente dado. O eu constrói com suas formas de pensamento a representação do mundo pela junção do dado e do conceito, de forma autônoma e autodeterminada, sob este aspecto reside a investigação de Steiner. “Pois se o imediatamente dado, e a forma do pensar que lhe corresponde, são unidos pelo eu por meio do processo cognitivo, a junção dos dois elementos da realidade, normalmente separados na consciência, só pode ser efetivada por um ato de liberdade”. (STEINER, 1985, página 22) O conhecimento está intrinsicamente relacionado com o desenvolvimento anímico da humanidade, a existência humana se manifesta através do ato de conhecer quando age em liberdade. O pensar transmite a essência do mundo, estamos falando do inteirar-se da sua essência, não apenas conhecer o que é dado, é produzir algo próprio, algo novo, o conhecer. Quando as nossas ações são determinadas pelo nosso pensar com consciência e não pela repetição dada do mundo externo, agimos em liberdade, do contrário é um ato sem liberdade coagido pela lei externa a nós. A humanidade em evolução, assim como cada indivíduo, tem a tarefa de agir sob sua moral, sua ética e atos que emanam do seu eu, desta forma a lei que nos dominará será a interna e não mais a externa. Nesta obra, destaca-se a epistemologia evolutiva de Steiner, onde o foco está no conhecedor, na instância humana geradora do pensar. Sua proposta é observamos o próprio pensar para se autocontemplar: o pensar sobre o pensar, quando experiência e ação são um só fenômeno. O ato de conhecer é o ponto chave do pensamento do autor, o pivô na relação com o mundo, o ponto fundamento para o eu em desenvolvimento, em que desdobra-se a questão sobre a liberdade. Bibliografia VERDADE E CIÊNCIA, EDIÇÃO 1985 Autor: Rudolf Steiner Tradução: Rudolf Lanz Prelúdio a uma “Filosofia da Liberdade” 20
1º FACULDADE WALDORF NO BRASIL Matéria e reportagem de Jo Oliveira
O credenciamento da Instituição foi publicada no dia 22 de novembro de 2017 no Diário Oficial da União, e a Portaria de Autorização do Curso de Graduação foi publicada no dia 1º de dezembro de 2017.
É com grande alegria que comunicamos oficialmente o início das atividades da Faculdade Rudolf Steiner, que nasce com qualidade e força para tornar-se centro de referência na área educacional.
Missão A Faculdade Rudolf Steiner tem como missão proporcionar formação cultural e estética, teórica e prática ao indivíduo, investindo no elemento transformador da educação, alicerçada na perspectiva de um ser humano integral, tal como concebido pela Antroposofia. A Instituição busca ser um espaço de experimentação que visa a dar novo impulso à formação acadêmica, proporcionando ao ser humano caminhos próprios para um conhecimento efetivo da natureza, do homem e da sociedade, capacitando-o a atuar na tão necessária renovação das instituições e nos impulsos culturais contemporâneos. Infraestrutura A Faculdade Rudolf Steiner está sediada na Rua Job Lane, 900 – Bairro Alto da Boa Vista, em um terreno de 16.666m2, sendo 10.202m2 de área construída. O espaço conta com salas de aula, biblioteca, sala de tecnologia, ateliês para prática de artes, salas de movimento, salas de apoio aos docentes e aos alunos, auditório para 400 pessoas, cantina e amplo espaço de convivência. Neste espaço, funciona desde 1973 a Formação de Professores Waldorf, bem como o Instituto de Desenvolvimento Waldorf (IDWaldorf) e a Escola Waldorf Rudolf Steiner (EWRS). Direção e Coordenação Hoje, o IDWaldorf e a FRS são diretamente impulsionados por um grupo executivo composto pelos educadores: Melanie M. Guerra, Maria do Carmo Abi-Sâmara e Marcelo Petraglia.
Uma conversa com um dos diretores: Melanie M. Guerra Jo Oliveira: Quando pequena qual seu sonho? Meu? Melanie Guerra: Eu queria montar cavalos e ser uma fazendeira. Viver com animais e com pessoas no campo. Apenas na adolescência veio a transformação: um profundo interesse pelo ser humano.
Jo Oliveira: Como é fazer parte do grupo que sonhou esta Faculdade? Melanie Guerra: É verdadeiramente incrível ter o privilégio de poder colocar no mundo algo que estava maduro para nascer. Eu sempre digo e resumo o fato: "Deus quer, o homem sonha e a obra nasce” Fernando Pessoa. Sinto-me tal qual instrumento que esta materializando junto com um grupo um ideal maior que tem um objetivo claro, grande e altruísta. Precisamos de ajuda e cooperação. Contamos com muitos ajudantes... Jo Oliveira: Sobre os alunos. Já se passaram 5 meses, como é a relação com eles? Existe uma proximidade ? Melanie Guerra: São alunos muito corajosos que estão aqui conosco. Gosto muito deles, gosto da diversidade, da heterogeneidade. São pessoas que já realizaram um caminho anterior e que agora dão passos ainda maiores. São Lindos! Jo Oliveira: O que a senhora poderia falar sobre os docentes? Melanie Guerra: A Sra. não está! Também os docentes são muito comprometidos com os objetivos e ideais da Faculdade Rudolf Steiner. Conhecem a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf. Cada um tem dentro de si a centelha do auto-conhecimento e auto desenvolvimento e isso é um grande diferencial que pode incentivar a formação de novos pedagogos de forma verdadeira e efetiva.
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A BELA VASSILISSA VASSILISSA A SÁBIA Um conto de fadas russo e sua sgnificância por Karina Romano
"Há muitos e muitos anos vivia, num reino longínquo, um mercador. Durante doze anos viveu com a mulher, mas só teve uma filha, chamada Vassilissa. Teria a menina seus oito anos, quando a mãe adoeceu gravemente. Porém, antes de morrer, chamou a filha e disse-lhe: - Sinto que os meus dias estão prestes a se acabar mas, antes de fechar os olhos, ainda tenho uma tarefa a cumprir. Com a minha benção, deixo-te uma boneca. Nunca te separes dela, pois tem o poder de resolver muitos problemas e um dia ainda te há de ser útil. Em seguida, deu-lhe a boneca, beijou-a na testa e fechou os olhos. O mercador sofreu muito com a morte da mulher, até que um dia resolveu se casar novamente. Tomou como esposa uma viúva, experiente dona de casa e mãe de duas meninas da mesma idade de Vassilissa. Mas, ai dele, bem depressa a mulher demonstrou ser malvada e as filhas não o eram menos. Como Vassilissa era muito bonita e gentil, entregavam-lhe os trabalhos mais pesados, na esperança de que ela perdesse sua beleza. Mas, pelo contrário, ela crescia cada vez mais bonita e saudável. Nunca se cansava e obedecia de modo exemplar. Como isto era possível? É fácil. A boneca que a mãe lhe tinha dado ajudava-a muito porque gostava de sua pequena dona. Todas as noites, antes de se deitar, Vassilissa levava-lhe alguma comida e dizia-lhe: - Querida bonequinha, come que te faz bem e ouve a minhas penas. Sou criada em casa de meu pai. A madrasta e as minhas meias-irmãs nem me deixam tomar fôlego. Como me devo comportar? Depois de ter comido, a bonequinha sossegava-se e garantia-lhe que, na manhã seguinte, o trabalho estaria todo feito. E como por magia, enquanto Vassilissa descansava, o jardim ficava limpo de ervas daninhas, a casa arrumada e o fogo crepitava no fogão. Os anos passaram e Vassilissa tornou-se uma linda jovem casadoira. Os mais garbosos rapazes da aldeia queriam-na para esposa, enquanto as filhas da madrasta não recebiam sequer um segundo de atenção. Por isso, a todos que vinham pedir a mão de Vassilissa, a madrasta respondia irritada: -Primeiro terão que se casar as mais velhas e só depois aquela miserável. Ora, um dia o pai de Vassilissa teve de ir para longínquas terras, a negócios. A madrasta aproveitou logo a ocasião para mudar da casa da aldeia para uma modesta casinha a entrada do bosque.
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Bem no meio do mesmo bosque vivia a bruxa Baba Yaga, uma feiticeira malvada e irascível. Na casa nova a vida de Vassilissa não se modificou. A madrasta encontrava sempre um motivo para manda-la ao bosque, na esperança de que a menina se perdesse. Contudo, com a ajuda da bonequinha, Vassilissa
A madrasta e as meiasirmãs tentaram se livrar de Vassilissa muitas e muitas vezes; porém, a menina, que tinha bom coração e muita paciência, voltava sempre sorridente. Esperava que, com seu sorriso, conseguisse fazer as três mulheres se arrependerem das suas maldades. Tudo
Chegou o outono, pesado e frio, e a madrasta distribuía pelas três jovens os trabalhos que se fazem lentamente ao serão, ao canto da lareira, enquanto se fala cem voz baixa. Uma fazia renda, outra tricotava e Vassilissa fiava. Certa noite, a madrasta apagou as luzes e foi se deitar, deixando uma vela acesa para as três meninas. Em breve, porém, a pequena chama começou a tremer e uma das meias-irmãs, em vez de endireitar o pavio, apagou a vela, dizendo que já tinha acabado. A escuridão envolveu a casa e um pesado silêncio desceu sobre as três jovens. que pouca sorte! (exclamou a mais velha). - Logo agora que eu já estava quase terminando! _ Realmente, que azar! _ acrescentou a segunda. _ Mais um par de malhas e tinha acabado! _ Agora me lembro que não há mais velas em casa (disse a primeira). A mamãe não teve tempo de ir à aldeia comprar, coitada. Com tanta coisa que há para fazer em casa! E agora? Proponho que se vá pedir lume è bruxa Baba Yaga, sugeriu a segunda. Para mim, basta-me a luz que vem da agulha de crochet, desculpou-se a primeira. Para mim também (fez coro a segunda), as agulhas de tricot dão luz suficiente! Nem foi preciso arrumar mais argumentos! Vassilissa viu-se obrigada a entrar no bosque, para ir a casa da malvada bruxa. Porém, antes de sair, foi ao seu quartinho, deu de comer à sua boneca e disse-lhe: _ Querida bonequinha, come que te faz bem e ouve as minhas penas! As minhas meias-irmãs mandaram-me ir a casa da bruxa e ela vai me comer, com absoluta certeza. Então, a bonequinha respondeu:
_ Não tenhas medo, minha amiguinha. Vai ao bosque e leva-me contigo. Verás que nada te pode acontecer. Vassilissa encheu-se de coragem, fez o sinal da cruz e entrou no bosque. Mal tinha começado a andar e encontrou um cavaleiro: era todo branco, se vestia de branco e montava um cavalo branco. A visão foi fugaz e o cavaleiro desapareceu. 23
As luzes da manhã começaram a clarear o céu. Vassilissa caminhou durante o dia inteiro, até que, à noite, chegando próximo a uma clareira, viu um segundo cavaleiro: era completamente vermelho, se vestia de vermelho e montava um cavalo vermelho. No céu surgiu o sol. Vassilissa começou a andar mais depressa e, para matar a fome, foi comendo algumas frutas silvestres. Finalmente, ao por do sol do terceiro dia, cehgou à casa de Baba Yaga. A casa era rodeada por uma paliçada feita de ossos humanos, nos quais haviam sido espetadas caveiras com olhos enormes. Duas tíbias(1) eram a tranca da porta da frente e maxilares com dentes afiados faziam as vezes de fechaduras. Vassilissa encheu-se de medo. De repente, apareceu um terceiro cavaleiro: era completamente negro. A noite descera, vestia negro e montava um cavalo negro. A noite descera no bosque.Vassilissa ficou imóvel e, exatamente quando perguntava a si mesma o que fazer, ouviu-se um estalido entre as folhas Do bosque saiu a malvada Baba Yaga. Viajava dentro de seu almofariz e segurava na mão o pilão e uma vassoura. Cheira por aqui à carne humana! - suspeitou a terrível bruxa. Vassilissa estava tão aterrorizada que se sentiu desmaiar. Tudo em volta era sinistro e Baba Yaga tinha um ar ameaçador. Mas resolveu encher-se de coragem. Já que ali estava, pelo menos ia tentar a sorte e pedir ajuda àquela terrível bruxa. Assim, aproximou-se da velha, inclinou-se e disse: _ Olá, avozinha! As minhas irmãs mandaram-me vir ter contigo, para te pedir lume. _ Conheço muito bem as três mulheres que vivem à entrada do bosque. Dou-te o fogo se ficares a viver comigo durante algum tempo. Dar-me-ás uma ajuda na lida da casa. Senão, como-te! - Depois voltou-se para a casa e ordenou: - Abre-te, poderosa cancela! A dona da casa chegou! A cancela se abriu rangendo e Baba Yaga entrou a assobiar. Uma vez la dentro, a bruxa disse à Vassilissa: - Abre o forno e traz-me tudo o que lá está para eu comer! A comida que havia lá dentro dava para matar a fome a uma família inteira. Baba Yaga comeu e bebeu avidamente e só deu a Vassilissa um prato de sopa e um naco de pão. Terminado o jantar, a bruxa preparou-se para ir para a cama. Antes, porém, deu suas ordens para o dia seguinte: _ Ouve, pequena. Amanhã saio cedo. Trata de arrumar a casa! Varre o chão, prepara-me o jantar e tira um tabuleiro de grão da masseira. Lava-o e vê se tens tudo pronto antes de eu voltar. Vassilissa sentiu o coração ficar apertado. Foi para a cama, deu de comer à boneca e disse-lhe: _ Querida bonequinha, come que te faz bem e ouve as minhas penas. Como vou tratar sozinha da casa inteira até a noite? _ A bonequinha respondeu: _ Não tenhas medo, Vassilissa. Reza e vai deitar-te. Verás que amanhã encontraremos uma solução. Ao ficar sozinha, o desalento se apoderou de Vassilissa mas, no momento em que se preparava para começar seu trabalho, deu conta que a casa estava em perfeita ordem e que até o grão já estava lavado. A bonequinha pensara em tudo e a jovem, contente, descobriu de novo o sorriso. _Minha querida, és a minha salvação (disse Vassilissa). 24
Agora só falta preparar o jantar. Ao dizer isto, começou, muito animada, a preparar um abundante banquete para a bruxa que, além de meter medo, tinha um apetite de dragão. Carne, legumes, doces e outras iguarias foram preparados para a velha. À noite, Vassilissa pôs a mesa e esperou pela bruxa. Quando ela chegou, no bosque já tinha aparecido o cavaleiro negro e já era noite cerrada. Entrou em casa e perguntou severamente: _ Foi tudo feito? _ Vê com os teus próprios olhos - respondeu a jovem. Quando viu que a casa já estava bem limpa e arrumada, a velha se irritou e gritou: _ Fiéis servidores, tragam-me um alqueire de grão! _ e voltando para a menina: _Vês este grão? Exijo que amanhã a noite esteja limpo de todas as sementes de papoula que tem dentro. Senão, como-te. Dito isto, a velha jantou e deitou-se. Mais uma vez Vassilissa se dirigiu à sua fiel boneca, que a aconselhou a não se preocupar, pois tudo correria muito bem. Vassilissa já se havia acostumado ao temperamento da feiticeira. Deitou-se um pouco mais calma, pensando no rosto doce de sua querida mãe e na preciosa ajuda da sua fiel bonequinha. Cansada do dia que tivera, fechou os olhos e adormeceu. No dia seguinte a velha saiu e, num abrir e fechar de olhos, o grão ficou limpo de todas as sementes de papoula. Nem é preciso dizer como ficou Baba Yaga quando, ao regressar, viu o trabalho tão bem feito. Fingindo-se satisfeita, a velha sentou-se para jantar, enquanto Vassilissa ficava de pé, em silêncio. _ Porque não falas? _ perguntou a certa altura a velha. _ Tenho algumas perguntas a fazer _ disse a menina _ Quando vim ter contigo, apareceu no bosque um cavaleiro todo branco, montado num cavalo branco. Quem era? _ O que viste foi o dia luminoso _ respondeu Baba Yaga com a voz bem afável. Enquanto conversavam, a bruxa comia e bebia avidamente e, entre uma garfada e um trago de vinho, lançava um olhar à jovem. Mas Vassilissa já não tinha medo e, com os seus lindos olhos, sustentava o olhar da bruxa. Depois de um longo silêncio, que lhe pareceu interminável, a menina continuou: _ Vi um segundo cavaleiro. Era vermelho e montava um cavalo vermelho. Quem era? _ O que viste foi o sol radioso _ respondeu Baba Yaga. _ Também vi um cavaleiro todo negro, montado num cavalo negro. Diz-me, quem era? _ O terceiro cavaleiro _ tornou-lhe a velha com voz rouca _ é a noite tenebrosa. São os três meus servidores mais fiéis. Vassilissa ficou satisfeita com as respostas. _ Mas agora deixa que te pergunte _ disse Baba Yaga _ Como consegues levar a cabo com tanta perfeição os trabalhos que te mando, fazer? _ A força que tenho vemê da benção da minha mãe _ respondeu Vassilissa. _ Se é assim _ enfureceu-se Baba Yaga, _ sai da minha casa! Não quero gente abençoada ao pé de mim! Dizendo isto, expulsou-a para o pátio, deu-lhe uma caveira com uma vela lá dentro e mandoua embora: _ Aqui tens o lume que pediste. Agora desaparece! Vassilissa correu pelo bosque com quantas forças tinha, mas só chegou em casa na noite do dia seguinte. Por um momento pensou em ficar só com a vela e jogar fora a caveira, mas uma voz lhe pediu: _ Não me jogues fora! Leva-me para a casa de tua madrasta e das tuas meias-irmãs. Quando Vassilissa chegou em casa, as três mulheres receberam-na com todo o tipo de lisonjas, fingindo-se muito felizes por ve-la novamente. Vassilissa deu-lhes o lume, mas as pequenas chamas que saltavam da caveira assustavam-nas tanto, que nem ousavam olhar para ela. _ Como nós pensamos em ti! _dizia a falsa madrasta. _ Estávamos com tanto medo de que Baba 25
te tivesse feito uma bruxaria e que nunca mais pudesses voltar! _ É verdade _ acrescentavam as irmãs em coro _ já tínhamos decidido mandar um guarda à tua procura, mas felizmente voltaste. Vassilissa nem queria acreditar no que ouvia! Seria possível que aquelas mulheres tivessem mudado tanto em tão pouco tempo? Enganava-se. A madrasta e as suas meias-irmãs só tinham medo das chaminhas que saíam da caveira e pensavam que Vassilissa ia se servir dela para lhes fazer mal. A menina, porém, como era boa, pôs-lhes a caveira no quarto, para que fossem elas a ficar com luz de noite. Na manhã seguinte, quando acordou, viu, com espanto, que a madrasta e as meias-irmãs tinham desaparecido: a chama da caveira reduzira-as a cinzas. Sozinha à espera do pai, a menina mudou-se para outra terra onde uma velhinha caridosa a acolheu.
Para ganhar a vida Vassilissa começou a fiar linho, mas, quando chegou o inverno, já tinha acumulado tanto fio que nem sabia o que fazer com todo aquele linho. Por isso, pediu conselho à bonequinha, que lhe disse: _ Traz-me um tear velho e crinas de cavalo, do resto trato eu. A jovem seguiu estas indicações e, como por encanto, na manhã seguinte encontrou na sua cama um tecido tão belo e tão fino que podia flutuar, de tão leve, como uma pluma. Na primavera, Vassilissa disse à velhinha: _Avó, vende o tecido e guarda o dinheiro para ti. _ E quem haveria de comprar um tecido tão precioso? Só o czar o poderia vestir! Vou levá-lo à corte _ decidiu. Dito isto, a velhinha dirigiu-se ao palácio onde foi recebida pessoalmente pelo czar. Ficou deslumbrada com a beleza do palácio. À sua volta tudo era tão luxuoso! A princípio, sentiu-se assustada, mas depois, com alguma coragem, aproximou-se do czar e fez-lhe uma grande reverência e lhe mostrou o precioso tecido. O soberano ficou surpreendido com tamanha beleza. _ Este tecido é maravilhoso! ( exclamou o rei). Compro-te e, em troca, dar-te-ei muitos presentes. E assim o fez. Deu à velha uma grande quantia em dinheiro e vários objetos de valor. Depois, chamou ao palácio os melhores alfaiates do reino para que lhe fizessem doze camisas. Tudo se passou com grande rapidez. Os alfaiates chegaram logo, porém ao verem o tecido, nenhum ousou começar o trabalho. Eram indispensáveis as mãos delicadas da mais hábil costureira. Então, o czar mandou chamar a velhinha. _ Só tu mostraste tal habilidade que poderias fazer minhas camisas (disse o czar). 26
_ Saberá Vossa Majestade que o mérito não é meu. É da pobre menina que vive comigo _ respondeu a velhinha. _ Neste caso, que coza ela! _ Concluiu o soberano. A velhinha despediu-se e voltou para casa. Vassilissa meteu mãos à obra e dentro de pouco tempo tinha feito uma dúzia de lindíssimas camisas. Quando ficaram prontas, dirigiram-se as duas para o palácio. A garota esperou na carruagem, com a bonequinha no colo. Parecendo-lhe que não havia meio de o tempo passar, lembrou-se da mãe. Foi então que viu a velhinha ir ter com ela. _ Sua Majestade deseja conhecer a jovem cujas delicadas mãos lhe souberam fazer as camisas _ disse ela, comovida. Mal chegou á presença do czar, este enamorou-se logo dela. A tua beleza só tem igual nos teus modos gentis _ elogiou o soberano, que, pouco depois, se casava com ela, com grande pompa. Por fim, regressou o pai da noiva que, feliz com a sorte que a filha tivera, aceitou viver com ela e com a velhinha no palácio. Viveram todos muito felizes e Vassilissa nunca mais se separou de sua boneca.
Um conto de fadas versus a psique Texto de Hellen Reis Mourão
Vejam o que psiquicamente este simples conto significa para a iniciação feminina na vida. A morte da mãe e a substituição por uma madrasta é um tema recorrente em contos de fadas. Vemos isso em Cinderela, Branca de Neve e em Rapunzel, onde a mãe verdadeira some da história e uma bruxa assume seu lugar. O diferencial é que nesse conto temos a boneca. Ao morrer sua mãe lhe dá uma boneca que a auxilia em sua jornada. Essa boneca pode ser uma herança psíquica, uma intuição e conhecimento interior, passados de mãe para filha. Algo sobrenatural que sobrevive a morte da mãe boa simbólica. Esses contos onde a mãe morre, mostram que deve morrer a identificação da mulher com sua mãe, para que possa desenvolver sua personalidade. É a saída do paraíso materno da infância. Essa benção materna junto com a boneca formam um par de opostos à bruxa e à madrasta. Esse duplo aspecto feminino é que inicia a menina. A mãe boa se transforma em símbolo, em benção, que passa a auxiliar a estruturação da personalidade da menina, que está se tornando mulher. Ai entra em cena a madrasta ou a bruxa, que simboliza a mãe terrível, ou seja, a realidade cruel da vida, o ciclo vida e morte, as doenças do corpo, a crueldade da natureza e o quanto somos meros mortais frágeis. Mas a mãe terrível é extremamente importante para o nosso desenvolvimento psíquico; sem ela não assumimos a responsabilidade de ir para o mundo, de estar só. Assim aprendemos a deixar morrer o que precisa morrer. A iniciação de Vasilisa, com a morte da mãe boa, ensina a mulher a ficar só para que descubra sua forma de cuidar de si mesma, e assim posteriormente se tornar ela própria mãe. O nome Vasilisa é de origem grega e significa “Rainha”. A Rainha é uma mulher madura, que já não é menina e está pronta para assumir seu reino, ou seja, sua vida, seu trabalho, seus amores e sua riqueza de alma. É segura de si e de sua feminilidade. É mãe, mulher, senhora e soberana dentro do seu reino, da sua casa. A iniciação feminina, diferentemente da masculina, acontece, como nesse conto, no aprendizado do ciclo da vida e da morte, pois a mulher contem em si os atributos da Grande Mãe naturalmente em seu corpo e psique.
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O protótipo da iniciação feminina seria o parto, quer a mulher dê a luz ou não literalmente, pois a mulher sente a natureza em seu corpo como um todo, diferentemente do homem. A bondade extrema de menina, é um aspecto do arquétipo feminino visto em vários mitos e contos de fadas. A bondade e a generosidade extremas, precisam ser combatidas por meio do confronto com nosso lado sombrio, que vemos no egoísmo da madrasta e das irmãs. Ser boazinha demais não é positivo para o desenvolvimento da mulher. Esse egoísmo reprimido – simbolizado pela madrasta e irmãs –pode ser muito positivo para a mulher. Sem isso a mulher passa a atender os desejos de qualquer pessoa e esquece de si mesma entrando em uma alienação profunda. Um aprendizado que temos também com essas princesas que realizam os serviços domésticos sem se queixar, é o de que precisamos algumas vezes aceitar a situação como ela é, limpa-la, organizála e colocá-la na rotina. Limpar e organizar nossa casa psíquica, nossas emoções. Outro fator de muita relevância para compreendermos também é o significado da boneca. Para a menina, a boneca é considerada um suporte para a projeção dos fantasmas da maternidade e da relação com a mãe, pois se observarmos bem, elas imitam em suas brincadeiras a relação mãe e filha. Na verdade, a relação da criança com qualquer objeto, como boneca, ursinho, paninho, ou qualquer outro objeto, é a primeira projeção onde a criança deposita uma força mágica e transcendente. A madrasta e as irmãs são também um poder persecutório que começa a combater a realização interior desde seu aparecimento. Muitas vezes quando estamos nos desenvolvendo, o exterior começa a se levantar em críticas e gerar dúvidas em nós, isso porque em nosso interior há dúvidas também, medos e insegurança. O conto mostra como sermos heroínas e enfrentarmos nossos medos e dúvidas. Vasilisa é então, enviada a floresta para se encontrar com esse um aspecto sombrio feminino, a Baba Yaga. A Baba Yaga apresenta características da Grande Mãe antiga. Ela é boa e má ao mesmo tempo, tudo depende da atitude do herói ou heroína frente a ela. A atitude de bondade excessiva, cultivada principalmente em sociedades patriarcais que primam por um feminino subserviente, precisa se encontrar com esse lado Megera da Grande Mãe, que vemos principalmente na natureza. Ao ir para a floresta entra em contato com seus instintos e aprende a confiar neles. Ela alimenta a boneca, ou seja, ela alimenta esse instinto de preservação herdado da mãe e segue em rumo a individuação. Ao chegar à casa da bruxa ela encontra um cavaleiro branco, um vermelho e um negro, remetendo as fases alquímicas albedo, rubedo e nigredo. Vasalisa vai sofrer uma transformação profunda, ela vai passar da inocência (albedo) à noite escura da alma (nigredo). A casa de Baba Yaga pousa sobre pernas de galinha, que gira quando bem entende. Nos sonhos, o símbolo da casa reflete a organização do espaço psíquico habitado por uma pessoa, tanto no consciente quanto no inconsciente. Essa casa é um ser vivo, transbordante de entusiasmo, de alegria e vivacidade. Próxima ao nível animal, a casa é a estrutura do inconsciente que despertará em Vasilisa a chama do insight. A Baba Yaga então surge em um pilão voador, que representa um útero simbólico. Algo feminino onde se mói os grãos, simbolizando o ato de nos sentirmos triturados, moídos por algo e reduzidos a pó. Quando iniciamos nosso desenvolvimento nos confrontamos com nossas sombras, nossos “pecados”, nosso lado obscuro, e isso causa culpa e contrição. O ego é reduzido a pó para então renascer de forma mais madura. O ato de o ego ser moído e reduzido a pó é necessário para que amadureçamos. É isso o que o arquétipo da mãe terrível faz, ela nos amassa e nos mói para que nos, desidentifiquemos da nossa persona iluminada e infantil. Quem não está à altura desse desafio é engolido por ela. Vasalisa então é deixada a noite para separar os grãos. O tema da separação dos grãos vemos também no conto Cinderela e Amor e Psique. Esse ato é muito importante na vida da mulher. É um trabalho de discriminação, estabelecer ordem e leis internas.
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Saber aquilo que é seu e o que é do outro, o que é de si própria e o que ela herdou da família, o que ela gosta, o que ela busca e não o que lhe impuseram como verdade. Isso representa então, esclarecer uma situação, separar as coisas. Isso evita que as situações fiquem confusas, mas se elas ficarem a mulher deve se perguntar por que a situação chegou a ficar daquele jeito. Os grãos estão ligados a terra e a Grande Mãe. Sendo símbolo dos mortos e da ancestralidade. Grãos d papoula se associam ao mundo dos mortos e dos espíritos. A mulher então aprende sobre o ciclo morte e vida, pois ela tem o poder da vida e da morte sobre os seres que a cercam, tanto psíquica como física também. É então importante tomar consciência de que ela tem poder sobre o clima ao seu redor. Em toda mulher a parte escura do Self tem o poder de desejar a vida e a morte. O par de mãos que aparecem no conto, indica que se trata da crueldade da Baba Yaga e seu espírito sanguinário, que também se refere a natureza e seus aspectos cruéis. É a sombra abissal da natureza por trás da Baba Yaga, que só podemos olhar com terror. A natureza mata cruelmente e dá a luz a belas coisas. Vasalisa também faz algumas perguntas à velha bruxa, e Baba Yaga que “saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo”. A curiosidade feminina nos contos de fadas costuma ser punida, diferentemente da masculina. A heroína quase sempre paga com a vida. Isso significa que há uma quantidade determinada de coisas que todos deveríamos saber em cada idade e cada estágio das nossas vidas. E isso é um grande aprendizado para o feminino. A menina pergunta sobre os cavaleiros e não sobre as mãos; nesse momento ela refreia sua curiosidade graças à boneca. Existem mistérios sobre a natureza feminina que devem permanecer um mistério. Ai é que reside o encanto feminino. O feminino deve aprender a guardar seus segredos, principalmente em relação aos seus mistérios de vida e morte. No campo dos relacionamentos a curiosidade indiscriminada pode ser fatal. Baba Yaga então dá a menina uma caveira com o fogo, quando descobre a benção em sua casa – a boneca. A bruxa não repele a benção em si, mas o lado “mãe boa demais” presente ali. Sua natureza não aceita aquilo. Ela prefere não estar próxima demais da luz, ela é um lado sombrio, mas assim como a mãe de Vasalisa, a bruxa dá à menina uma espécie de benção também, que a auxilia assim como a boneca. Ela recebe uma parte do poder selvagem da Deusa Megera, pois aprendeu com ela. Ambas – boneca e caveira – formam a completude do materno: o lado luz e sombra, assimilados e integrados pela menina. Ao retornar à casa da madrasta ela sente medo, o que é bastante natural, mas a caveira a tranquiliza. Isso mostra que ela assimilou e respeitou essa força da natureza. A caveira é um símbolo da morte e da ancestralidade. A caveira traz a luz para a casa e seus olhos fixam na madrasta e nas filhas até que elas virem cinza. Seu olhar queima, destrói. Vasalisa desceu até as suas sombras, conheceu sua crueldade. Ela era vítima dos outros por ser ingênua. Na verdade, ela era cruel consigo própria. O elemento sombrio nos faz sermos mais íntegros conosco mesmo. Conhecer nossa sombra nos traz o conhecimento da sombra dos outros. Vasalisa não age por conta própria em sua vingança, mas quem age é caveira, com seu olhar que queima. Ela dá a corda para as mulheres se enforcarem. O conto diz que devemos nos abster de nossa ânsia de poder, e que a própria psique se encarrega de trazer a vingança. A pessoa cai em sua própria avidez, o mal acaba sempre se destruindo. A seguir Vasalisa volta a encontrar a mãe boa que cuida dela na cidade. Ela simboliza uma velha sábia que intermédia entre Vasalisa e o rei, que é o lado masculino positivo da mulher. O conto então, nos ensina, que precisamos descer até a nossa natureza mais interior, encontramos com a Megera para aprendermos a deixar morrer aquilo que não nos serve mais. Aprendermos os mistérios da vida e da morte e o organizar de nossas emoções e ideias. Algo que somente o feminino consegue fazer com maestria.
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Faça a boneca representada no conto da Vassilissa Materiais: - Lã de carneiro rustica e beneficiada; - retalho de tecido macio tamanho 54x54; - linha, agulha, feltro.
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ENCARTE - O BRINCAR Por Everton Oliveira Aqui vai uma cantiga e brincadeira: Indiozinhos O adulto deve iniciar cantando (preferencialmente em roda) uma musica que indica uma sequência numérica que parte do um até o dez, de maneira suave e bem audível: Um, dois, três indiozinhos Quatro, cinco, seis indiozinhos Sete, oito, nove indiozinhos Dez num pequeno bote, Iam navegando pelo rio a baixo Quando um jacaré se aproximou E o pequeno bote dos indiozinhos Quase, quase virou, Mas os indiozinhos eram muito espertos Logo começaram a remar E o jacaré ficou chorando De papo pro ar. Essa canção\ brincadeira pode ser aplicada em diversas fazes das crianças, o ritmo pode variar com forme a idade delas, iniciando a partir dos 3 anos (sem muita gesticulação), idades maiores terão maior facilidade com incrementos.
E para descontrair e curtir brincando resolva nossos jogos dedicados aos leitores: Caça Palavras, encontre as palavras destacadas Rudolf Steiner, Educão, Desenvolvimento, Felicidade, Crescimento e Brincar
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ENCONTRE A SAÍDA
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CRÔNICA - DEUS
Poe Gisele Bezian
Quando eu era pequena, minha mãe misturou açúcar com água e me disse que era assim que Deus fazia com a gente. Se misturava tanto que não dava para ver, mas dava bem para sentir o gosto. Não faz diferença o nome que seu Deus tem, ou se a sua forma de estar com ele é caminhando, indo à missa ou acendendo uma vela. Mas Ele está aí, Ele sempre está. Ninguém precisa fazer nada sozinho, nem achar que controla ou descontrola as coisas. Deus a gente não entende, a gente acredita e acata. A gente acha que sabe o que é melhor, mas não sabe não. Acreditem: a melhor coisa do mundo é a percepção de que não cabe a você resolver tudo sozinho. Há coisas feitas por Deus e outras pelo homem e é preciso saber a diferença. Não dá para viver grudado em dinheiro e aparência. Assim que você percebe isso e aprende a ver Deus nas pequenas coisas e a confiar, você tira um milhão de toneladas de peso das costas. Fé não se compra no shopping e nem aumenta com mais maquiagem ou um penteado bonito, nem fica mais forte com perfume importado ou com pilhas de livros. Fé é o que importa, no final das contas. Fé em Deus e em si mesmo (como extensão de Deus). Deus não é o padre, nem a Igreja, nem o pastor ou o pai de santo. Deus é Deus e você pode falar diretamente com ele, sem intermédio de nada ou alguém. É como uma ligação direta, sem ramal.
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