Medeia Magazine - Janeiro / Fevereiro 2017

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TONI ERDMANN Quando o riso é uma arma LA LA LAND MELODIA DE AMOR

O renovado encanto do musical

PATERSON Cinema e poesia de Jim Jarmusch

MANCHESTER BY THE SEA Casey Affleck, extraordinário e comovente

O DIVÃ DE ESTALINE “Psicanálise” do poder e do medo

Kusturica NA VIA Emir encontra LÁCTEA Monica Bellucci JANEIRO | FEVEREIRO '17

JANEIRO | FEVEREIRO '17

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EDITORIAL

O BOSQUE DOS QUINCÔNCIOS

Neste ano que começa com a promessa de grandes filmes, vários deles de entre os melhores de 2016 e cuja estreia aguardávamos ansiosamente, há várias rimas de programação. E, se falamos em rimas, não é só porque o acaso nos trouxe várias obras onde poesia e poetas estão presentes (Paterson, Poesia sem Fim, O Bosque dos Quincôncios, As Asas dos Desejo…). Entre as chamas e as almas, o riso e o choro, o campo e a cidade, os encontros e desencontros, a fé e o desespero, a vida e a morte, e O AMOR [que] REDIME O MUNDO, como no verso de Cesariny, os cruzamentos pelos filmes que vamos poder ver são múltiplos e variados. Como nos sonhos. Dizia Jim Jarmusch que “o cinema é a forma artística mais perto dos sonhos”. Pois bem, pelo sonho é que vamos.

DE

As Nossas Salas: Cinema Monumental (Lisboa) Espaço Nimas (Lisboa) TMP Campo Alegre (Porto) Auditório Charlot (Setúbal) Theatro Circo (Braga) Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) Centro de Artes e Espectáculos (Figueira da Foz)

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com

Equipa Director: Paulo Branco Coordenação Editorial: António Costa Colaboram neste número: Barry Jenkins, Diana Cipriano, Emir Kusturica, Enrique Vila-Matas, Fanny Ardant, Fátima Castro Silva, Inês Viana, Jim Jarmusch, João Luís Barreto Guimarães, Lara Marques Pereira, Maria Manuel Viana, Marta Chaves, Nicolas Rapold, Nuno Galopim, Renata Curado, Ron Padgett. Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: Toni Erdmann; O Divã de Estaline Paterson; Manchester by the Sea; Com o apoio

LA FORÊT DE QUINCONCES

GRÉGOIRE LEPRINCE-RINGUET

JANEIRO | FEVEREIRO '17

EDEIA

ESTREIA BREVEMENTE

COM GRÉGOIRE LEPRINCE-RINGUET, PAULINE CAUPENNE, AMANDINE TRUFFY

Dur: 1h 49min

Com que palavras ou que lábios é possível estar assim tão perto do fogo, Manuel António Pina

(Eve ? Bruno ?)

ONDINE ou CAMILLE ou …

Que dia admirável ! O parque imenso desmaia sob o olhar ardente do sol, como a juventude sob a dominação do Amor.1 Uma rapariga. Um rapaz. “Não me dás um beijo? Porquê?” Correm. Um atrás do outro. Rápido. Cada vez mais rápido. “Paul, pára! Mais devagar!” Corte para as árvores. O ruído de alguém que cai. Plano seguinte: Ondine no chão, joelhos e cotovelo feridos. O que aconteceu? Como caiu Ondine? O Bosque dos Quincôncios, primeira longa-metragem do autoractor Grégoire Leprince-Ringuet (que conhecemos dos trabalhos com Téchiné, Honoré ou Guédiguian, entre outros) é um filme que nos surpreende, do princípio ao fim. Escrito na sua maior parte em verso, o ritmo (da métrica, das rimas), as palavras tornadas música, enlevam-nos de forma encantatória e convidam-nos, espectadores, a dar asas à imaginação, num jogo entre o som, o sentido e a cor, que anda mais perto da verdade (quanto mais poético, mais verdadeiro2). Neste bosque (des)harmonioso, Paul (que o próprio Leprince-Ringuet interpreta), nome que homenageia o herói Paul Dédalus, de Comment je me suis disputé... (ma vie sexuelle), de Desplechin, vê-se obrigado a fazer escolhas perante a desordem que a ruptura lhe traz. Serão as melhores? Bem, o que sabemos é que é preciso tentar, correr riscos (e este filme também o faz, de uma forma que há muito não víamos), e se falharmos, e cairmos, como por várias vezes acontece com Paul, levantarmo-nos, nem que seja para cair de novo (o poema ensina a cair3), e de novo nos reerguermos. Este filme, com ecos de Demy e Honoré, reapropria-se de Paris, dos telhados e das ruas, dos teatros e dos ateliers, com uma energia contagiante, febril e sensual. Deixe-se levar. Como ao dançar. A.C. 1

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Charles Baudelaire | Novalis | Luiza Neto Jorge

Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Selecção Oficial

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EXCLU

CINEMSIVO AS M


ESTREIAS CINEMA

NA VIA LÁCTEA

EM EXIBIÇÃO

Duração: 2h 05min

ON THE MILKY ROAD

DE

EMIR KUSTURICA COM MONICA BELLUCCI E EMIR KUSTURICA

Oito anos depois, Emir Kusturica traz-nos um filme lindíssimo e comovente, uma história de amor em tempos de guerra. Falámos com ele no LEFFEST. Emir Kusturica — A minha obsessão com a guerra na ex-Jugoslávia é a de corrigir a mitologia, porque a mitologia acerca desta guerra foi absolutamente falsa. A televisão transmitiu a ideia de que se criava um mundo novo, e não o que aconteceu na Terra. É o meu segundo filme sobre este período. […] Uma frase de William Faulkner foi um dos principais motores deste filme; é aquilo que me é dito pelo pastor no momento em que quero matar-me: “Estúpido, se te matares, nunca te irás lembrar desta bela mulher, nem do amor.” Primeiro, fizemos uma curta-metragem, que foi apresentada em Veneza, creio que há quatro anos. Depois, a partir dessa curta, voltámos ao princípio, que foi muito duro — este filme foi sobretudo filmado em exteriores, diria 95% do total. E, se me perguntarem qual o motivo, é porque se trata de uma história dramática que é facilitada e suportada pelo ambiente exterior, pelo visual dramático e gráfico da Herzegovina, que fica a sul da Bósnia, mais próxima do mar, que, aliás, se pode ver a partir daquelas montanhas. E o filme, enquanto história de amor, é a minha segunda resposta àquilo que era a mitologia oficial imposta pelos media e por tudo aquilo que víamos e ouvíamos. Quis deixar espaço para o amor como ideia humana suprema.

[…] Pergunta do público — Através da forma como introduziu os animais no seu filme pretendia mostrar apenas a possibilidade de uma verdadeira aliança ou mesmo uma irmandade entre as espécies, ou os animais, e cada uma das espécies, têm um significado específico? Emir Kusturica — Acho que a primeira hipótese tocou no ponto certo. Acho que a vida em conjunto das espécies é a solução para o planeta. Quando nos separamos uns dos outros, algo que é comum hoje em dia, estamos a abusar da Natureza e não a viver com ela. Eu vivo na aldeia, nas montanhas da Sérvia, alimento os animais e observo-os, e tenho esta ideia da mistura das espécies, que vem deste sítio onde vivo, onde o pinheiro e outras três ou quatro espécies de árvores vivem muito próximas. Ainda não se provou se é possível isso existir entre os humanos, excepto nalguns sítios, onde vigora esta ideia babilónica, muito bíblica que, actualmente, poderia ser Nova Iorque, por exemplo, mas, mesmo hoje, não temos a certeza se é algo em que acreditamos. A mistura das espécies é um tema pertinente — e isto é algo que nem eu próprio sabia antes, mas, agora, que já vivi muito tempo, acho que pode mesmo ser a solução. É, provavelmente, por essa razão que, em todos os meus filmes, quis pôr-me no meio de diferentes tipos de pessoas e de animais. [Trad. Inês Viana]

Prémios e Festivais: Festival de Veneza: Selecção Oficial, Em Competição Lisbon & Estoril Film Festival: Selecção Oficial, Fora de Competição

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ESTREIAS CINEMA

O DIVÃ DE ESTALINE LE DIVAN DE STALINE

DE

FANNY ARDANT

ESTREIA 26 DE JANEIRO

Duração: 1h 32min

COM GÉRARD DEPARDIEU, EMMANUELLE SEIGNER, PAUL HAMY, LUNA PICOLI-TRUFAUT

A partir do romance O Divã de Estaline, de Jean-Daniel Baltassat, Fanny Ardant realiza um filme que é “uma fábula sobre a relação entre o poder e a arte”, onde a verdade interessa mais que a realidade e a poesia resiste à escuridão.

Fanny Ardant — É verdade que não À frente, um abismo informe, tenho respostas, mas quis fazer Atrás, vazia, a gaiola. perguntas. E quis, precisamente, Ossip Mandelstam [Poesia da recusa, trad. Augusto de Campos] submeter à psicanálise ou colocar numa posição vulnerável um de nós, nesta nossa época, escadas para se juntar à comitiva um homem que desatava a falar, possa estar sempre prestes de Estaline que parte para mentindo a si próprio, isto é, não a perder a sua alma, se não Moscovo, “será que pode descer querendo encontrar soluções prestar atenção. Já não se trata as escadas a deslizar?”, porque para ele mesmo. Mas, como de fascismo puro e duro, como também isso era metafórico, ele diz a Lidia, gostaria muito o de Hitler ou Estaline, mas é, ele vai a deslizar. Já nunca mais de saber como fez Freud para talvez, mais pernicioso, talvez a irá sair dali, porque creio que extorquir todos aqueles segredos sociedade materialista nos faça todos os compromissos com aos burgueses ricos. Então, perder a nossa alma ainda mais um poder que nos degrada são servi-me desta dita psicanalista definitivamente. para deixar filtrar aquilo que mesmo um homem monstruoso "Todos os compromissos com um poder que nos degrada como Estaline poderia possuir, são o princípio de uma decadência" Fanny Ardant juntamente com os seus pecados; algo nele que seria inconsolável. Essa era uma das questões. E o princípio de uma decadência. O miúdo, primeiro, a mulher claro, peguei em arquétipos, ou […] E era também uma pequena que ele amara, e que se tinha seja, Lidia que, durante muito metáfora a do pequeno cão que suicidado — o pecado supremo tempo, se envolvera com o poder corre, corre e que, no último para a União Soviética, que é e de repente diz “não”, tal como minuto, é salvo dos cães que decidir quando se quer morrer. nós todos podemos dizer “não” iriam matá-lo. Portanto, no meu a uma dada altura. Mesmo não filme, faço muito mais perguntas Portanto, em todas estas histórias sendo santos ou mártires, há, por do que respostas. Mas sempre que contei, no fundo, tudo vezes, momentos na vida em que pensei que ver filmes que não permanece em aberto. Tinha a dizemos “não”. E depois, o outro têm respostas me permitia impressão de que, para mim, o arquétipo, o pintor Danilof, que sonhar mais, e quando o Gérard turning point era quando Lidia faz compromissos, desenrasca- disse “operático”, penso que se dirige ao espectador dizendo -se. É por isso também que, compreendo porquê, como uma “E tu, o que fizeste para perder quando pedi ao jovem actor, no espécie de ritual inexorável em a tua alma?”. […] Como se cada momento em que ele desce as direcção a qualquer coisa. 4

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ESTREIAS CINEMA Paulo Branco — Há algo que ainda não foi mencionado, mas penso que este filme vem também de um amor profundo que tem por alguém, um grande escritor russo, Ossip Mandelstam, e foi ele que a inspirou. Há uma frase no final, em que cita Mandelstam, a relação com esse grande poeta é algo que… Fanny Ardant — Sim, quando era muito jovem li todos os grandes poetas russos dessa época, Marina Tsvetaeva, Anna Akhmatova e Ossip Mandelstam que era, em tudo, um verdadeiro poeta simbolista, com o amor pelas palavras, o amor pela musicalidade das frases e que, subitamente, como se procurasse a própria morte, escreveu um soneto extraordinariamente injurioso a respeito de Estaline no momento de maior terror, entre os anos 1934 e 1937. Esse foi

que levou à sua expulsão de Moscovo. Mas, como amava tanto Moscovo, regressou, e dali foi enviado para os campos de trabalhos forçados, que o fragilizaram muito; a dada altura, tinha apenas um pobre casaco feito de couro. Mas Ossip Mandelstam permanece eterno, é o herói que representa esta força de resistência, apesar de tudo. Mesmo que me perguntem: “Resistir a quê?”,

"Ossip Mandelstam permanece eterno, é o herói que representa esta força de resistência" Fanny Ardant um dos maiores gestos políticos que pode haver, ou seja, o poeta contra o ditador, porque Estaline era um homem sagaz, tinha estudado, era muito inteligente, falava línguas, adorava música, adorava poesia — o que é ainda mais assustador, porque não era um idiota. E o seu sonho era ser glorificado pelos verdadeiros poetas, mas um verdadeiro poeta não pode glorificar um ditador. Ele escreveu aquela quadra,

creio que cada um de nós sabe a que deve resistir, e escolhi propositadamente este período, que está na memória colectiva como um dos períodos mais perigosos, porque podia escolher protagonistas que contassem uma história, mas, no fundo, aquilo que habitava em mim era mais um perigo de se ver corrompido

de uma forma perigosa, porque não conseguimos identificar tão bem o adversário nos nossos tempos modernos. Penso que o maior perigo é quando não conseguimos identificar um adversário. E, com efeito, lembro-me que, durante todo o tempo da rodagem pude intitular o filme E, atrás de mim, uma gaiola vazia, porque me parecia ser uma ode à liberdade de dizer: “Apesar de todas as vossas gaiolas, consegui escapar”. Mas depois optei pelo título O Divã de Estaline, que era mais coerente e contava mais aquilo que eu queria dizer. [Trad. Inês Viana]

Prémios e Festivais: Lisbon & Estoril Film Festival: Selecção Oficial, Fora de Competição

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ESTREIAS CINEMA

SILÊNCIO

ESTREIA 19 JANEIRO

SILENCE

DE

MARTIN SCORSESE

Duração: 2h 41min

COM LIAM NEESON, ADAM DRIVER, ANDREW GARFIELD

O novo e aguardado filme de Martin Scorsese decorre no Japão do séc. XVII. Dois jesuítas portugueses, Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver), procuram o seu mentor espiritual, o padre Cristóvão Ferreira (Liam Neeson), que, vítima de perseguição e tortura, terá renunciado publicamente à sua fé Scorsese conta que há quase três décadas queria fazer este filme, desde que descobrira o romance homónimo de Shusaku Endo, um cristão japonês, na altura em que participava como actor em Sonhos, do seu amigo Akira Kurosawa. Aquela história de perseguição e resistência (e os seus limites) dos missionários jesuítas portugueses no Japão dos séculos XVI e XVII (que, entre nós, já João Mário Grilo abordou em Os Olhos das Ásia, 1996) tocou fundo o realizador, em cuja obra as questões religiosas estão sempre, de alguma forma, presentes, ou são mesmo nucleares, como em

A Última Tentação de Cristo e Kundun, tendo o primeiro sido fonte de enorme controvérsia. Como serão agora as reacções a este filme, que tanto tem que ver connosco e a nossa história a Oriente? Na estreia americana, entre o deslumbramento e o encanto, a revista Slate escrevia que este é um filme sobre o dilema da fé e da religião, onde a dúvida paira permanentemente. “Será que é verdade que as nossas preces desaparecem perante um Deus silencioso, será possível que o acto de rezar ainda funcione?” E a Rolling Stone remata: “Ninguém que tenha fé nos mistérios do mundo e do cinema poderá pensar em perder Silêncio.”

MOONLIGHT MOONLIGHT

DE

BARRY JENKINS

ESTREIA 2 FEV

Duração: 1h 51min

COM MAHERSHALA ALI, SHARIFF EARP, TREVANTE RHODES,

DUAN SANDERSON JANELLE MONÁE, NAOMIE HARRIS

Uma das sensações do ano, Moonlight fez parte das várias listas dos melhores filmes de 2016. Publicamos um excerto de uma entrevista ao realizador Barry Jenkins, realizada por Nicolas Rapold para a revista Film Comment (Set/Out '16) O filme acompanha três fases na vida de Chiron: enquanto rapaz, adolescente e adulto. É quase como uma peça de música com movimento. Existe esta personagem que está numa espécie de recuo dentro de si próprio, e a música dentro do filme diz-nos o que ele não consegue. No início começa por ser muito baixa. No momento em que chegamos à terceira história, a música (a própria banda-sonora) começa por ser muito mais expressiva e sensual.

Cresci a um quarteirão de distância do apartamento do filme. E daí algumas das vozes, a forma como a pele das pessoas está sempre brilhante — dissemos ao maquilhador: sem pós, precisamos de brilho. Mas o principal é a personagem da mãe, interpretada por Naomie Harris. O dramaturgo Tarell McCraney escreveu o texto-base, cerca de 40-45 páginas, sem ser linear. Saltava para a frente e para trás no tempo, metade entre o ecrã e o palco. E assim que o li, pensei imediatamente: isto é um filme. Não conhecia o Tarell antes, mas crescemos literalmente a um quarteirão de distância. Andámos na mesma escola básica, e a mãe dele e a minha mãe passaram pelo terrível vício do crack e da cocaína. E não existe uma cena com ela que não tenha acontecido ao Tarell ou a mim. Trata-se de falar de coisas sobre as quais eu sempre quis falar. E foi muito libertador porque é realmente difícil fazer uma autobiografia, colocar as nossas próprias merdas no ecrã. Prémios e Festivais: Golden Globes: 6 Nomeações

E em que medida é que o filme tem uma sensação de lar para si? 6

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Bristish Independent Film Awards: Best Inter. Independent Film Gotham Awards: Melhor Filme; Prémio do Júri; Prémio do Público


ESTREIAS CINEMA

MANCHESTER BY THE SEA MANCHESTER BY THE SEA

DE KENNETH LONERGAN ESTREIA 5 JANEIRO

Duração: 2h 17min

COM CASEY AFFLECK, MICHELLE WILLIAMS, KYLE CHANDLER

A terceira longa-metragem do americano Kenneth Lonergan é um peculiar melodrama sobre o trauma, a perda e o perdão Lonergan é um conceituado dramaturgo que chegou à realização por via da sua singularidade como argumentista. Depois de ter escrito Analyze This / Uma Questão de Nervos (curiosamente uma comédia, com Robert De Niro e Billy Crystal) de Harold Ramis e aprimorado o argumento de Gangs de Nova Iorque de Martin Scorsese, Kenneth Lonergan escreveu e dirigiu You Can Count On Me (de 2000, um singular “filme de câmara”, de produção independente), Margaret (produção mais ambiciosa, de 2007, que só seria distribuído em 2011, devido a uma disputa com o estúdio) e este Manchester by the Sea. No centro destes três filmes estão personagens de alguma forma “amputadas” da sua integridade emocional: Mark Ruffalo e

Laura Linney interpretam dois irmãos que perderam os pais ainda crianças (em You Can Count On Me), Anna Paquin dá vida a uma adolescente nova-iorquina que carrega a culpa de se julgar responsável por um atropelamento fatal (em Margaret, também assombrado pelo 11 de Setembro) e Manchester by the Sea acompanha o trajecto emocional da personagem de Casey Affleck, obrigada a regressar à cidade do Massachusetts que dá título ao filme (e onde uma anterior tragédia pessoal a lançou num limbo de culpa e auto-punição) para cuidar do sobrinho adolescente após a morte do irmão. A peculiaridade do cinema intimista de Lonergan, e de Manchester by the Sea em particular,

reside na releitura que faz do melodrama, pela amplitude e sensibilidade com que desvenda os sentimentos das personagens, tirando partido do texto e do subtexto, pela forma como traça um retrato de uma comunidade, como trabalha o flashback e como se desvia de uma resolução do drama, preferindo um final aberto. Manchester by the Sea constrói-se como um pequeno mosaico de cenas quotidianas (onde o negro passado irrompe), de diálogos que soam a vida vivida (às vezes, as palavras ditas sobrepõem-se, como na vida real), opondo pulsões afinal unidas por um luto comum. Se a psicologia da perda, explorada em pequenos nadas, é o que move a escrita de Lonergan, esta é permeável ao humor e ao absurdo do quotidiano, desenhando uma linha ténue entre a tragédia e a comédia. E as várias camadas dessa escrita são trabalhadas por um excelente conjunto de actores, sobressaindo Casey Affleck num papel de enorme disciplina e rigor. Fátima Castro Silva Prémios e Festivais: Golden Globes: 5 Nomeações: Melhor Filme Drama, Melhor Realizador, Melhor Argumento, Melhor Actor Drama, Melhor Actriz Secundária TIFF: Prémios da Crítica: Melhor Argumento e Melhor Actriz

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ESTREIAS CINEMA

WIM WENDERS / PETER HANDKE DA PALAVRA À IMAGEM, DA IMAGEM À PALAVRA

EXCLU

CINEMSIVO AS M

OS OLHOS DA ALMA

EDEIA

“A criança, quando criança/ não sabia que era criança/ tudo para ela tinha alma/ e todas as almas eram uma só” in As Asas do Desejo Em Os Belos Dias de Aranjuez, o escritor Peter Handke, ele próprio, na figura de um jardineiro, entra e trata, com um gesto discreto mas cúmplice, desse Jardim do Éden que o cineasta Wim Wenders animou a partir da sua peça. Lindíssima celebração, esta, de uma amizade e cumplicidade artística de 50 anos, desde o primeiro trabalho conjunto, 3 American LP’s (1969). As “afinidades electivas” (título de Goethe, de quem Handke adaptou, de modo livre e pessoal, Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister para Movimento em Falso de Wenders, em 1975) entre os dois plasmaram-se depois em A Angústia do Guarda-Redes no Momento do Penalty (1972) e no filme-poema As Asas do Desejo (1987). Pelo meio, Wenders produziu a secreta obra-prima de Handke, A Mulher Canhota (1978), a história de Marianne, que volta as costas à família e vida burguesas para viver sozinha com o filho.

A MULHER CANHOTA DE PETER HANDKE

AS ASAS DO DESEJO DE WIM WENDERS COM BRUNO GANZ, OTTO SANDER, SOLVEIG DOMMARTIN,

PETER FALK, NICK CAVE

ESTREIA 26 DE JANEIRO

frase “pedindo” outra e esta uma seguinte, Wenders filma do mesmo modo, um plano “chamando” pelo próximo, sobretudo nos filmes sem guião prévio, como este. Este desejo de histórias fora antes questionado por Wenders em O Estado das Coisas (1982). Filme-charneira a vários títulos, “filme de tese” anti-ficção salvo pela ficção que encena, faz o luto por um paraíso perdido (o cinema), habitado por um punhado de “sobreviventes” (Alekan, Fuller, Corman, Kramer). É também um documento de uma época (do cinema, de Lisboa), tal como As Asas do Desejo o é da Berlim do pós-guerra, dividida pelo Muro. Cézanne dizia: “As coisas desaparecem. Se quisermos ver algo, temos de nos apressar”. Wenders e Handke fazem-nas surgir e dão-nas a ver, resgatando-as desse desaparecimento. É sobre um quadro do mesmo Cézanne que Os Belos Dias de Aranjuez termina (e recomeça). Fátima Castro Silva

COM EDITH CLEVER, BRUNO GANZ, MICHAEL LONSDALE

ESTREIA 26 DE JANEIRO

Na conversa após a projecção desse filme no LEFFEST, Peter Handke falou do mistério da criação não como a capacidade de ferozmente observar a realidade, mas a de “fortificar o contorno à sua volta”, criar um “centro vazio” e “fazer surgir” o mistério e espontaneidade do mundo, as suas formas (as pessoas, os espaços, a luz), como o faziam Ford ou Ozu (de quem Marianne tem um poster na parede). No fundo, é isso mesmo que esta anti-heroína persegue: surgir ela própria como criação sua, construir a sua própria história. Pelo mesmo, por uma história (de amor), luta o anjo Damiel ao tornar-se humano em As Asas do Desejo. E se Handke fala nessa conversa do modo como escreve, uma 8

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O ESTADO DAS COISAS DE WIM WENDERS COM PATRICK BAUCHAU, ROBERT KRAMER, SAMUEL FULLER,

ISABELLE WEINGARTEN, VIVA, ROGER CORMAN, ARTUR SEMEDO

ESTREIA 12 DE JANEIRO


ESTREIAS CINEMA O Estado das Coisas, filme e título, é talvez um dos mais referidos da obra de Wim Wenders. No livro que o escritor Enrique Vila-Matas veio recentemente lançar ao LEFFEST, Marienbad Eléctrico, “crónica” da sua longa amizade e intercâmbio de ideias com a artista Dominique Gonzalez-Foerster, as referências ao cinema são múltiplas, e, entre elas, várias aludem à obra de Wenders. Publicamos um excerto desse livro (cortesia do editor), que relata uma ida (também ocorrida numa edição anterior do Leffest) ao “hotel português em frente ao Atlântico […] onde Wim Wenders falou do “estado das coisas” a toda a [sua] geração]. Com uma fotografia inédita dessa visita, da autoria de Enrique Vila-Matas.

FOTO DE ENRIQUE VILA-MATAS, 2012

Ao visitar o hotel da costa portuguesa onde em 1982 se rodou O estado das coisas, entrámos naquele lugar deserto como se fôssemos inspectores da história do cinema, investigadores que desejassem voltar à época em que filmar era, antes de mais, uma paixão; entrámos como se fôssemos cientistas ou detectives de Bolaño que tivessem descoberto as ruínas de algo essencial e já quase esquecido. Entrámos como se fôssemos filmar tudo. Percorremos, velozmente — como se nos perseguissem — as galerias, os corredores, as salas de refeições e os salões do hotel junto à praia. E essa atitude, a de filmar tudo, fez-me regressar à alegria infinita de uns versos do surrealista Juan Larrea: Pelas estradas cinemáticas Naquele automóvel ÍAMOS FILMANDO…

Regressámos depois a Cascais por um caminho que parecia literalmente de celulóide, voltámos devagar por estradas cinemáticas, e recordo que, também, aqui e ali — varrendo, poderia mesmo dizer-se, com câmaras imaginárias, de um lado e do outro, os limites do visível — fomos filmando, curando-nos definitivamente, ao mudar, a cada instante, de plano e de nome. Com o estilo cinematográfico de DGF, fui rastreando tudo, de olhos bem abertos, recuperando entusiasmos antigos, experiências felizes de outrora, revendo, como que num clarão, o mais irrepetível de tudo o que vivi: aqueles dias gloriosos, quando, dentro de mim, só existia o imensíssimo deslumbramento pelo cinema. Enrique Vila-Matas, Marienbad Eléctrico, Editora Teodolito (trad. de Maria Manuel Viana)

Recordo a intensidade da visita, a sensação de intenso movimento após dias lentíssimos. E recordo também a identificação existente entre DGF, Tristan Bera, e uma quarta personagem, parecidíssima com o Bob Dylan quando jovem. Íamos filmando mentalmente, os quatro, a nossa inspecção daquele hotel diante de um mar encrespado, invadido por ondas altas que se lançavam sobre a piscina esvaziada, isto é, que transbordavam exactamente como no filme que rodávamos. […]

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ESTREIAS CINEMA

JACKIE JACKIE

DE

ESTREIA 9 DE FEVEREIRO

PABLO LARRAÍN

Duração: 1h 39min

COM NATALIE PORTMAN, PETER SARSGAARD, GRETA GERWIG, BILLY CRUDUP, JOHN HURT

O primeiro filme de Pablo Larraín em língua inglesa traz-nos Natalie Portman na pele de Jacqueline Kennedy, nos dias após o assassinato de JFK Meses após a estreia de Neruda no Festival de Cannes, Pablo Larraín regressa com Jackie. Os filmes partilham o facto de ambos se debruçarem sobre personagens reais, Pablo Neruda e Jacqueline Kennedy. Neruda, falado em espanhol, aborda a fuga do poeta chileno em 1948 devido ao seu envolvimento com o partido comunista. Jackie, o primeiro filme do realizador falado em inglês, aborda a reacção de Jacqueline Kennedy ao assassinato do seu marido, John F. Kennedy, em 1963, e a forma como decidiu escrever o legado do marido (e o seu) nas páginas da história dos Estados Unidos da América. Jackie, como o próprio titulo sugere, é um retrato intimo e pessoal de uma das primeiras-damas mais famosas do século XX. O filme olha para Jacqueline Kennedy, a mulher, exausta, enlutada, que procura uma forma de cimentar o legado de JFK, o símbolo, enquanto faz o seu luto por John F. Kennedy, o homem, e recupera de uma tragédia que ainda hoje atormenta o imaginário norte-americano.

Darren Aronofsky, realizador de O Wrestler e Cisne Negro e um dos produtores de Jackie, sugeriu o projecto a Larraín, que se apercebeu de quão envolta em mistério continua a estar a viúva de JFK. Em entrevista ao The Guardian, revela: “Jacqueline Kennedy é, possivelmente, a mais desconhecida das mulheres conhecidas do século XX, existem inúmeras biografias suas, mas ainda hoje ninguém sabe exactamente quem foi. Existe um mistério incrível à sua volta, que é sedutor e atraente.” Larraín aceitou o projecto na condição de que Natalie Portman fosse a protagonista, afirmando: “Era necessário alguém parecido, com a mesma elegância e sofisticação, que a Natalie tem, mas mais do que isso é olhar para ela e sentir que se passa algo dentro dela, que sabemos que está a acontecer, sem percebermos o que é. É como se estivesse prestes a explodir, mas sempre a controlar-se.” Embora este seja o seu primeiro filme à volta de uma figura feminina, e o realizador esteja fora do seu país, da sua história e da sua língua, percebemos logo nos primeiros instantes que este projecto é tão forte e tão marcante como Não ou O Clube. A banda sonora de Mica Levi é uma peça fundamental e Larraín escolheu a instrumentalista britânica (que havia sido responsável pela banda sonora de Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer) justamente para que o espectador nunca se sinta demasiado confortável. Diana Cipriano

Prémios e Festivais: Festival de Veneza: Prémio Melhor Argumento Festival de Toronto: Prémio Platform Golden Globes: Nomeação para Melhor Actriz – Drama Prémios Screen Actors Guild: Nomeação para Melhor Actriz

10 JANEIRO | FEVEREIRO '17


ESTREIAS CINEMA

LA LA LAND: MELODIA DE AMOR LA LA LAND

DE

DAMIEN CHAZELLE

ESTREIA 26 JANEIRO

Duração: 2h 08min

COM EMMA STONE, RYAN GOSLING, J.K. SIMMONS, FINN WITTROCK, JOHN LEGEND

Valores clássicos em tempos modernos Gostamos de celebrar os “regressos”. E um dos “regressos” de que mais se costuma falar no cinema é o do musical. Não as novas experiências, pelas temáticas diferentes ou formas musicais menos habituais, como as que nos deram John Cameron Mitchell em Hewdig and The Angry Inch, ou Christophe Honoré em Les Chansons d’Amour, isto para nem falar na oferta de Bollywood, que pelos vistos para muitos são cartas fora deste baralho... Fala-se normalmente do “regresso” do musical quando o tom evoca a dimensão das grandes produções clássicas de Hollywood e, com filmes como Chicago ou Les Misérables, o discurso repetiu de facto os velhos efeitos de encantamento. Contudo, não se tratava realmente de “regressos”, já que nenhum um desses dois títulos gerou uma sucessão de produções semelhantes no imediato, como em tempos sucedia quando grandes musicais surgiam em cartaz uns atrás dos outros. Na verdade, mais do que esses dois casos que tanto brado deram no momento, coube à Disney, nos anos 90, fazer de filmes como A Pequena Sereia, A Bela e o Monstro ou O Rei Leão, a recriação mais evidente de uma aposta recorrente no trabalho de relacionamento do espírito clássico do musical com o grande ecrã.

Tudo isto para chegarmos a La La Land, o novo filme de Damien Chazelle que poderá, mesmo se colher os muitos galardões para o qual está já nomeado, não ser mais do que um episódio sem continuidade garantida nesta mesma história. Um episódio que promete contudo grande visibilidade, bilheteira e prémios. Sucessor de Whiplash na obra do realizador, contando novamente com a ajuda de Justin Hurwitz na composição (que desta vez junta climas jazz a sabores clássicos do musical americano), e com os nomes de Ryan Gosling, Emma Stone e John Legend no elenco, La La Land retoma uma história antiga: a de wannabees que querem vingar em Hollywood. Uma actriz e um músico de jazz... Com a âncora em fundo seguro, o filme aposta no aparato técnico. E basta ver o efeito da sequência de abertura (e mais clássica não podia ser, mesmo com ecos modernos pelo meio) para perceber porque aposta no efeito de deslumbramento. A cor, as danças e as canções são depois o tempero certo para que a coisa não falhe o alvo. Nuno Galopim

Prémios e Festivais: Festival de Veneza: Selecção Oficial em Competição; Melhor Actriz (Emma Stone) TIFF: Melhor Filme, Escolha do Público Golden Globes: 7 Nomeações Sattelite Awards: Melhor Filme; Melhor Banda Sonora Original; Melhor Direcção Arte

JANEIRO | FEVEREIRO '17 11


ESTREIAS CINEMA

PATERSON

ESTREIA 2 FEVEREIRO

Duração: 1h 58min

PATERSON

DE

JIM JARMUSCH

COM ADAM DRIVER, GOLSHIFTEH FARAHANI, KARA HAYWARD, STERLING JERINS

“Recordo que, enquanto falávamos de Paterson e do seu subtilíssimo elogio da arte como forma de relação com o quotidiano, fui compreendendo que, numa altura em que tudo se tornou depressivo, pode ser mais subversivo afrontar a vida com um olhar contido — como sucede neste filme bendito — do que com um pessimismo previsível que já cansa.” Enrique Vila-Matas, Café Perec, El País

Não é possível julgar Paterson, mas é Paterson que de certo modo nos “julga”, por dar-nos a ver o quanto andamos distraídos e pouco habituados à beleza e simplicidade que se pode viver e encontrar no dia-a-dia, se a elas atentarmos. O facto de não haver drama nem conflito, sujeita o espectador a um exercício exigente nos dias que correm: contemplar e sentir empatia. É um filme que não produz emoções negativas ou conflituais per se, antes faz com que nos questionemos sobre a dificuldade em acreditar que tudo aquilo que nos é apresentado como verosímil, pode de facto sê-lo. Isto apenas porque já não estamos muito habituados à ideia de que tudo pode correr bem, a não ser nas histórias de encantar, que a vida trata de ir demonstrando que não passavam disso mesmo, histórias. Este é um filme de encantar e é essa característica tão distintiva que provoca o espectador. Não se pense com isto que Paterson celebra a ingenuidade. Paterson celebra a vivência no presente, celebra o encontro e acima de tudo propõe o humor como antídoto para o peso das contrariedades e rotina do dia-a-dia. É um filme que nada mais exige senão a capacidade de contemplar com espanto, sendo justamente por isso muito generoso e alegre. Paterson celebra também a poesia que percorre o filme do princípio ao fim, e que inequivocamente torna “habitável o inabitável e respirável o irrespirável”, conforme as palavras de Rui Caeiro, poeta português, acerca do propósito da poesia. Este filme traz para a tela poemas de Ron Padgett, poeta americano nascido em 1942. Alguns dos poemas de Padgett são inéditos escritos para o filme, a pedido do realizador. Paterson faz também a vénia a William Carlos Williams (USA, 1883-1963), que além de poeta foi médico pediatra em Paterson, uma das maiores cidades de New Jersey, que dá o seu nome a este filme. Adam Driver é o protagonista, e surpreende-nos com um trabalho magnífico, parecendo ter sido talhado para este papel, ao lado de uma enérgica e contagiante Golshifteh Farahani. Até Marvin, o cão que na vida real era uma cadela, apesar de não parecer ter saído de uma história de encantar, conquista-nos com a sua presença. Através de pequenos detalhes, Paterson oferece-nos uma viagem que vai muito além dos trajectos de autocarro, onde a vida pode ser igual todos os dias, coisa que surpreendentemente não acontece neste filme, que não é igual a mais nenhum. Marta Chaves

12 JANEIRO | FEVEREIRO '17

A corrida Atravesso triliões de moléculas que se afastam para abrir caminho para mim enquanto de ambos os lados outros triliões delas permanecem onde estão. A lâmina do limpa-brisas começa a chiar. A chuva parou. Eu paro. Na esquina um menino numa gabardine amarela segura a mão de sua mãe. Ron Padgett [Tradução de João Luís Barreto Guimarães]


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Conversa com Jim Jarmusch Paulo Branco — Qual foi o ponto de partida para este filme? Jim Jarmusch — Visitei Paterson, é uma pequena cidade, não muito longe de Nova Iorque, e estive lá durante um dia, há cerca de vinte e cinco anos. O que me atraiu lá foi a poesia de William Carlos Williams. Eu queria só ver a cidade e fui lá passar o dia, sentei-me junto à cascata, no mesmo sítio onde Paterson se senta, no nosso filme, e tive apenas uma vaga ideia sobre a possibilidade de, um dia, fazer lá um filme. Caminhei pela zona industrial, fui atraído àquele lugar por William Carlos Williams. Ele tem um poema do tamanho de um livro, que vêem no filme, chamado Paterson (que, devo dizer, não é o meu favorito da sua obra, mas talvez eu apenas não compreenda algumas partes). O início desse poema é uma metáfora sobre a cidade de Paterson tratar-se de um homem, e ele descreve as formações rochosas sobre a cascata como um homem recostado, e tive simplesmente a ideia de fazer um filme sobre um homem chamado Paterson, que vive em Paterson, que é da classe trabalhadora e escreve poesia. Guardei esta ideia durante muitos anos e, depois, interessou-me muito a história de Paterson — que não vou debitar aqui porque é muito intrincada e fascinante, era uma cidade industrial modelo, idealizada por Alexander Hamilton, e foi o centro da indústria têxtil nos Estados Unidos, bem como de muito activismo sindical e anarquista, passavam-se lá muitas coisas interessantes. De qualquer modo, conservei esta ideia durante muito tempo, depois escrevi o argumento, há alguns anos, e pensei na possibilidade de a poesia do filme ser escrita por um dos meus poetas favoritos, Ron Padgett. Então, enviei-lhe o argumento, e ele ligou-me de volta a dizer “Jim, parece mesmo que vais fazer um daqueles filmes comerciais, com este filme

sobre um poeta que é motorista de autocarros. Em Paterson!” (risos) Mas depois cedeu e deixou-nos usar alguns dos seus poemas já publicados, e até escreveu alguns poemas para o filme. Sinto-me tão honrado por ele estar connosco e por ter contribuído para a essência do filme! […] William Carlos Williams foi um médico pediatra, e acompanhou cerca de 2000 nascimentos. Muitos grandes poetas e escritores tinham outro tipo de trabalhos. Quando se pensa em Apollinaire, Kafka, Robert Walser, e mesmo Frank O’Hara, o grande poeta nova-iorquino, que foi curador do Museum of Modern Art de Nova Iorque e escrevia poemas na sua pausa para almoço, os poetas são incrivelmente valiosos, e nenhum deles escreve poesia pelo dinheiro. Mostrem-me um poeta rico! Não conheço nenhum… Mesmo Wallace Stevens, que era um executivo numa companhia de seguros, e é um dos grandes poetas americanos, quando ganhou um prémio, talvez o Pulitzer, a reacção de um dos seus sócios, possivelmente o vice-presidente da empresa, foi “O quê? O Wally escreve poesia?!” Para mim, é por isso que os poetas são tão importantes, é porque amam a beleza da forma e uma espécie de abstracção do pensamento nesta forma literária. Quando o Ron veio ao local de filmagem, todos tínhamos lido o argumento e uma grande parte dele estava relacionado com poesia, por isso, toda a equipa estava muito entusiasmada: “O Ron Padgett vem ver-nos a trabalhar?” Foi como se estivesse a chegar uma estrela de rock. [Trad. Inês Viana]

JANEIRO | FEVEREIRO '17 13


ESTREIAS CINEMA

TONI ERDMANN TONI ERDMANN

DE

MAREN ADE

ESTREIA 16 FEVEREIRO

Duração: 2h 42min

COM SANDRA HÜLLER, PETER SIMONISCHEK, MICHAEL WITTENBORN

Filme-sensação em Cannes, longamente ovacionado, Toni Erdmann levou o prémio da Crítica, o primeiro de muitos que viria a conquistar nos meses seguintes

Toni Erdmann é o nome de uma personagem criada por um pai, para chamar a atenção da filha, demasiado centrada no trabalho numa grande empresa sediada em Bucareste, e que não parece ter herdado o seu sentido de humor. Este é o terceiro filme da realizadora alemã Maren Ade, que também escreveu o argumento. Na conferência de imprensa em Cannes, Ade assumiu que há muito queria fazer uma história sobre este assunto: a família. “Queria explorar os papéis que todos desempenham, os rituais que se repetem e, por outro lado, falar sobre o desejo de alguém de romper com isto tudo e começar do zero. Por isso, inventei este pai que cria a personagem Toni Erdmann, para conseguir dizer o que quer à filha.” O pai, divorciado e professor de música na reforma, decide finalmente cumprir a promessa tantas vezes feita, de visitar a filha em Bucareste. O desconforto de ambos, perante uma relação que não tem sido alimentada ao longo dos anos, resulta num fim-de-semana de pesadelo, como confessa a filha às amigas com quem se encontra num bar. O que Ines não sabe, é que o pai não voltara para casa, está sentado mesmo ali ao lado, e depois de ouvir o comentário da filha decide mudar o estado das coisas. Nos dias que se seguem, vai usar uma dentadura e uma cabeleira e manter-se em redor da filha, para conseguir que ela desperte para a vida. Toni Erdmann é interpretado pelo actor Peter Simonischek, que admitiu ter feito muitas comédias no teatro, mas nenhuma como esta, que só compreendeu verdadeiramente depois de ver o filme. 14 JANEIRO | FEVEREIRO '17

No papel da jovem executiva, que tenta ser valorizada num universo predominantemente masculino está a actriz Sandra Hüller, que assume prontamente que não se considera uma actriz de comédia — “mas a Maren Ade conseguiu tornar-me cómica, foi muito bom para mim perceber como pode resultar”. Hüller confessou que quando aceitou o papel, não sabia que ia ser este o registo: “era suposto ter um conflito com o meu pai, com o patrão, com o amante ou comigo mesma. A beleza dos filmes de Maren é que as pessoas ficam envergonhadas com o que está a acontecer e isso aproxima-nos da história”. Os dois protagonistas são constantemente confrontados com um guião repleto de situações incómodas, que Maren Ade preparou durante a rodagem com uma caixinha de pequenas surpresas: óculos, orelhas ou narizes saíam da caixa para levar os actores a um outro nível de humor e de exposição ao ridículo. A fórmula resultou e esta comédia traz uma lição que vale para qualquer sociedade moderna que esteja a perder o sentido de humor e o sentido da vida. Lara Marques Pereira [na conferência de imprensa do Festival de Cannes], Cinemax/Medeia Magazine

Prémios e Festivais: Festival de Cannes: Selecção Oficial em Competição; Prémio FIPRESCI Golden Globes: Nomeação Melhor Filme Estrangeiro European Film Awards: Melhor Filme, Realizador, Argumento, Actor, Actriz Lux Prize


ESTREIAS ESTREIASCINEMA CINEMA

HOMENZINHOS

FRAGMENTADO

LITTLE MEN

DE

IRA SACHS

ESTREIA 12 JANEIRO

Duração: 1h 25min

COM THEO TAPLITZ, MICHAEL BARBIERI, GREG KINNEAR, JENNIFER EHLE, PAULINA GARCIA

Uma história nova-iorquina de Ira Sachs, sobre a amizade entre dois rapazes, ameaçada por questões económicas entre as respectivas famílias

É com a morte que começam as mudanças, pelo menos em Homenzinhos. Após a morte do avô, o adolescente Jake muda-se de Manhattan para o apartamento herdado em Brooklyn, com os pais. Se para Jake esta mudança não tem à partida tanto impacto, para os pais isso significa um alívio financeiro. Para Jake, o verdadeiro acontecimento decorrente dessa mudança é a amizade que cria com Tony, um rapaz aspirante a actor. A herança daquele apartamento traz também a responsabilidade relativamente a uma pequena loja de costura, gerida há muito por Leonor (Paulina Garcia), a mãe de Tony. De repente, aumentar a renda da loja parece uma opção razoável para as dificuldades económicas da família de Jake – e por esta altura já percebemos que a gentrificação é a grande questão aqui – mas isso vai criar um problema, já que Jake e Tony tornaram-se entretanto grandes amigos. Greg Kinnear e Jennifer Ehle interpretam os pais de Jake, os grandes responsáveis pela ameaça que se coloca a esta amizade. E a amizade entre Tony e Jake é o centro do filme: é espontânea e inocente a relação entre estas duas personalidades distintas – Jake, o introvertido sensível, e Tony, o extrovertido – numa história que poderia por si só ocupar todo o filme. Apanhados nos dramas dos adultos, os dois rapazes estão num ponto de transição, sempre na iminência de que a mudança está para acontecer, à beira de se tornarem homenzinhos. Já no belíssimo Love Is Strange – O Amor É um Lugar Estranho, filme anterior de Ira Sachs, estavam bem presentes as questões económicas: o desemprego de uma das personagens é o motivo para a venda da casa e consequentes mudanças. Em Homenzinhos, tal como em Love is Strange, o olhar de Ira Sachs é inteligente e cuidado, conseguindo um distanciamento à medida – note-se, por exemplo, a conversa entre Brian e Leonor sobre o aumento da renda. O resultado é um drama comovente, sem recorrer ao sentimentalismo exagerado nem a lugares-comuns. Renata Curado Prémios e Festivais: Festival de Sundance: Selecção Oficial; Festival de Berlim: Selecção Oficial LEFFEST: Selecção Oficial, Em Competição

DE M. NIGHT SHYAMALAN As divisões mentais daqueles que sofrem de transtorno dissociativo de identidade há muito tempo que fascinam e iludem a ciência, e acredita-se que algumas dessas pessoas possam manifestar atributos físicos únicos para cada personalidade, um prisma cognitivo e fisiológico dentro de um único ser. Embora Kevin tenha evidenciado 23 personalidades à sua psiquiatra de confiança, a Dra. Fletcher, existe ainda uma oculta, preparada para se materializar e dominar todas as outras. Forçado a raptar três adolescentes, incluindo a obstinada e observadora Casey, Kevin inicia uma guerra pela sobrevivência, juntamente com todos os que estão contidos dentro dele — bem como com todos os que estão à sua volta — quando as paredes entre os seus compartimentos se quebram.

ESTREIA 2 FEVEREIRO STEFAN ZWEIG ADEUS, EUROPA DE MARIA SCHRADER Rio de Janeiro, Buenos Aires, Nova Iorque, Petrópolis: cidades que marcaram a vida do escritor Stefan Zweig. Apesar da hospitalidade e do reconhecimento que o escritor encontrou nelas, estas cidades nunca serviram para substituir a sua pátria. Em 1934, o escritor austríaco e judeu, que previu desde cedo o declínio da Europa, decidiu abandonar o seu país, ao qual não regressou mais. O filme acompanha os episódios da vida de Zweig na América do Norte e na América do Sul, a sua estadia no Brasil e a participação no congresso do PEN Clube de Buenos Aires em 1936, a visita a Nova Iorque em 1941, e a morte no ano seguinte em Petrópolis, onde Zweig escreveu a sua última obra, Novela de Xadrez.

ESTREIA 23 FEVEREIRO JANEIRO | FEVEREIRO '17 15


16 JANEIRO | FEVEREIRO '17


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